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Leitura obrigatória I.....p. 01
Leitura obrigatória II....p. 16
Aula 2
LEITURA OBRIGATÓRIA I
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designação dos contratos cuja existência pode ser provada por testemunhas é relativamente
pequeno, a grande maioria dos contratos deverá ser provada por outro meio, e aí é que
surgem diversos problemas. Não é incomum a realização de contratos de diversos valores sem
qualquer formalidade, e em tais casos não será possível ao contratante lesado a prova da
existência do contrato, o que lhe acarretará evidente prejuízo (5).
O direito italiano adota sistema sensivelmente diferente. Também naquele
ordenamento jurídico há limitação, em relação ao valor do contrato (6). Mas, como adverte
Salvatore Satta, “tal restrição não é absoluta uma vez que o juiz pode aceitar a prova além
daquele valor, considerando-se a aptidão das partes, a natureza do contrato e qualquer outra
circunstância (7/8). Com efeito, dispõe o art. 2.721 do CC italiano que “la prova per testimoni
dei contrati no è ammessa quando il valore dellóggetto accede le lire cinquemi. Tuttavia,
l’autorità giudizionaria può consentire la prova oltre il limite anzidetto, tenuto conto della
qualita delle parti, della natura del contrato” (9).
No Brasil, há algumas leis que admitem a utilização de prova exclusivamente
testemunhal da existência do contrato, independentemente de seu valor. É o que se dá com
os contratos agrários, os quais, de acordo com o art. 92, § 8º, do Estatuto da Terra, podem ser
provados apenas por testemunhas, qualquer que seja o valor do contrato (10). É
perfeitamente compreensível que contratos como os de parceria e arrendamento rural possam
ser provados exclusivamente por testemunhas, pois tais contratos são muitas vezes realizados
por pessoas que não detêm conhecimento técnico para elaborar um instrumento contratual
particular (11) Percebe-se a semelhança desta situação com a mencionada no art. 2.721 do CC
italiano, pois aqui também se atendeu à “aptidão das partes”.
Traçando-se um paralelo, no particular entre a legislação brasileira (CPC, art. 401, e
Estatuto da Terra, art. 92, § 8º) e a italiana (CC, art. 2.721), percebe-se que esta é a mais
avançada, pois permite que o juiz verifique as circunstâncias do caso, a fim de admitir ou não
a utilização da prova testemunhal, em relação a qualquer espécie de contrato. Desse modo,
houvesse previsão semelhante no art. 401 do CPC brasileiro, não só os casos de contrato
agrário poderiam ter sua existência demonstrada por testemunhas, mas também outros
contratos, em atenção às circunstâncias particulares do caso trazido ao juiz. A limitação do
art. 401 do CPC seria, assim, relativa.
Sistema semelhante ao brasileiro é adotado na Argentina. De acordo com art. 1.193 do
CC argentino, “los contratos que tengan por objeto una cantidad de más de diez mil pesos,
deben hacerse por escrito y no pueden ser probados por testigos” (12). O próprio Código,
contudo, prevê, no art. 1.191, algumas exceções à vedação da prova. Dentre elas, Lino
Henrique Palácio indica a seguinte: “Cuando una de las partes hubiese recibido alguna
prestación y se negase a cumplir el contrato. Esta excepción reconoce su fundamento en la
necesidad de evitar que el contratante de mala fe obtenga un beneficio indebido en
detrimento de la parte que cumplió las obligaciones a su cargo”. No Brasil, parte da doutrina
e da jurisprudência também tem admitido a utilização da prova testemunhal na hipótese
mencionada – como se verá adiante -, embora não haja, aqui, norma legal expressa,
semelhante à noticiada pelo processualista argentino.
Em síntese, pois, identificam-se três sistemas legais distintos, quanto à vedação da
prova testemunhal de acordo com o valor dos contratos: uma, que admite amplamente a
utilização da prova testemunhal: outra que estabelece limitação ao uso de tal prova, quando
o contrato for de valor superior ao limite estabelecido em lei; por fim, uma terceira
orientação veda a utilização da prova testemunhal em relação a contratos cujo valor
ultrapasse o limite legal, admitindo-a, contudo, em atenção às circunstâncias particulares do
caso.
O direito processual brasileiro, como visto, adotou a segunda orientação, no art. 401
do CPC. Mas as interpretações relacionadas ao referido dispositivo são muitas vezes
contraditórias, consoante se analisará a seguir.
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2. INTERPRETAÇÃO DO ART. 401 DO CPC NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA
Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor
não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que
foram celebrados. Parágrafo único: Poderá o juiz, todavia, admitir a produção de
prova testemunhal quando o contrato for de valor superior ao indicado neste artigo,
considerando-se a aptidão das partes ou da natureza do contrato.
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objeto seja a prestação de serviços.
Observando-se o ora proposto, parece-nos que o autor não deverá sofrer qualquer
prejuízo: independentemente da orientação adotada pelo órgão jurisdicional, a pretensão
terá sido incoada de modo a adaptar-se a qualquer uma das teses expostas pela doutrina e
pela jurisprudência.
5. NOTAS
3. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, n. 202, p. 244. V., tb., no mesmo sentido,
Hernando Denis Echandia, Teoria general de la pruieba judicial, t. II, n. 219, p. 164-165.
4. Apud Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, t. II, p. 262. Leo Rosenberg, cita,
ainda, diversos autores que também criticam a ausência de qualquer limitação à utilização de
prova exclusivamente testemunhal (op. e loc. cits.).
5. V. item seguinte, onde os problemas decorrentes da aplicação do art. 401 do CPC serão
examinados.
6. Cf. Salvatore Satta, Direito Processual civil, v. I, n. 195, p. 342; Leo Rosenberg, op. e loc.
cits.; Moacyr Amaral Santos, op. E loc. cits., p. 246.
7. Op. cit., p. 342. V., também, Moacyr Amaral Santos, op. e loc. cits.
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no art. 402 do CPC brasileiro. De acordo com o art. 402 do CPC, admite-se a prova
testemunhal quando: a) houver começo de prova por escrito, hipótese em que, obviamente,
sequer incide o art. 401 do CPC, que fala em prova exclusivamente testemunhal; b) quando
não se puder obter, moral ou materialmente, a prova escrita da obrigação, como nos casos de
parentesco, ou o de a prova escrita ter-se extraviado por caso fortuito (cf. Moacyr Amaral
Santos, op. cit., p. 250-257). Tais hipóteses são relativamente restritas, enquanto o art. 2.721
do CC italiano fala em qualquer outra circusntância suficiente a determinar a admissão da
prova testemunhal.
9. Referindo-se ao sistema italiano, Gia Antonio Micheli explica que “si tratta di um potere
squisitamente discrezionale del giudice che egli esercita dandone la motivazione, pur
contenuta nei limiti in cui è richiesta per l’ordinanza istruttoria” ( Corso de diritto
processuale civile, v. II, n. 136, p. 151). Desse modo, o juiz, admitindo a prova testemunhal
valendo-se da segunda parte do art. 2.721 do CC italiano, deverá motivar sua decisão,
embora, para Micheli, se trate de um potere squisitamente discrezionale. Segundo esclarece
Liebman, não caberá recurso de cassação contra a referida decisão, desde que a mesma
esteja motivada: “...está atenuada en el derecho vigente por la faculdad del juez de
consentir la prueba testimonial en consideración a las circunstancias arriba indicadas o de
otras relativas al caso particular, o bien que tengan carácter general en el tiempo y en lugar
Del contrato; consideraciones cuya apreciación, si está exaustivamente motivada, no puede
ser censurada en casación” (Manual de derecho procesal civil, n. 227, p. 361).
10. V., a respeito, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil
comentado, p. 645, nota 3 ao art. 401. Na jurisprudência, v. Theotônio Negrão, Código de
Processo Civil, p. 331, nota 6 ao art. 401 do CPC.
11. Como bem pondera Ernesto Lippmann, “é fato notório que, quanto mais rico o homem,
maior cuidado com que trata da elaboração de seus negócios, munindo-se de assessoria dos
melhores advogados; ao passo que entre as pessoas humildes a prática demonstra que a
própria utilização do instrumento escrito é rara. A impossibilidade da comprovação de um
negócio jurídico mediante o uso de testemunhas poderia levar a que, com freqüência, pessoas
simples fossem prejudicadas em favor daquelas economicamente mais fortes e que dominam
melhor os mecanismos legais do País” (Prova judiciária nas ações relativas a contratos cujo
valor supere 10 salários mínimos”, RT 642/262).
12. Cf. Lino Henrique Palácio, Manual de derecho procesal civil, n. 260, p. 474.
14. Essa é a orientação que tem prevalecido na jurisprudência oriunda dos Tribunais de
Justiça e Alçada do Estado do Paraná: “Embargos à execução – Cheque – Julgamento
antecipado da lide – Cerceamento de defesa – Inocorrência – Aplicação do art. 401 do CPC –
Embargos improcedentes – Recurso improvido. Se o valor do título exeqüendo é superior à
previsão do art. 401 do CPC, não há que se falar em cerceamento de defesa pela não admissão
de prova testemunhal” (TAPR, 1ª Câm. Cív., ApCív. 0100728-5, rel. Juiz Ronald Schulman, j.
08.04.1997, DJPR 25.04.1997); “Ação ordinária de cobrança. Valor do contrato superior ao
décuplo do salário mínimo vigente à época. Inexistência de início de prova escrita.
Inviabilidade de prová-lo só com testemunhas. Ônus probante de que também não se
desincumbiu o autor. Demanda julgada improcedente. Sentença confirmada. Apelo improvido.
É inadmissível a prova exclusivamente testemunhal nos contratos cujo valor excede o limite
imposto pelo art. 401 do CPC”. (TJPR, 3ª Câm. Cív., Ap. Civ. 50502400, rel. Juiz Sérgio
Arenhart, j. 11.11.1997, DJPR 22.12.1997); “Apelação cível – Ação ordinária de
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reconhecimento e dissolução de sociedade de fato cumulada com partilha de bens – Agravo
retido – Ausência de razões – Não conhecimento – Contrato cuja taxa excede o limite legal –
Inadmissibilidade de prova exclusivamente testemunhal – Inocorrência de começo de prova
escrita – Exegese dos arts. 401 e 402, I, do CPC - Recurso desprovido, unânime. A teor do que
dispõe o art. 401, do CPC, não se admite prova exclusivamente testemunhal nos contratos
cujo valor exceda o limite estabelecido em lei” (TJPR, 5ª Câm. Cív., Ap. Cív 65764700, rel.
Juiz Jeorling Cordeiro Cleve, j. 23.06.1998, DJPR 17.08.98); “Civil. Rescisão contratual.
Compromisso de compra e venda. Imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação. I.
Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova do fato dependente de prova exclusivamente
documental. Impossibilidade de prova exclusivamente testemunhal, por exceder o contrato o
limite legal. (...)” (TJPR, 1ª Câm. Cív, ApCív 67023900, rel . Des. Ulysses Lopes, j. 25.08.1998,
DJPR 14.09.1998); “O julgamento antecipado da lide, sem produção da prova exclusivamente
testemunhal, não configura cerceamento de defesa e nem viola o princípio do contraditório,
mormente quando esta basta para suprir a ausência de prova documental, nos contratos
excedentes ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país (art. 401, CPC)” (TJPR 4ª Câm.
Cív. Ap.Civ 69438800, rel Dês. Dilmar Kessler, j. 16.11.1998, DJPR 07.12.1998); “A adoção far-
se-á por escritura pública ou instrumento particular, exceto se versar sobre bens móveis de
pequeno valor (art. 1.168, par. ún. Do CC), como tal não se podendo considerar um automóvel
que, na época em que teria ocorrido a suposta doação, valia 81,2 salários mínimos. Mesmo
que a legalidade fosse reconhecida, em função do valor do bem, a existência do contrato de
doação não poderia ser provado exclusivamente por prova testemunhal, tendo em vista o
disposto no art. 401, do CPC” (TJPR, 3ª Câm. Cí., ApCiv 60387000, rel. Juiz Ivan Bortoleto j.
22.12.1998, DJPR 08.031999); “Responsabilidade civil – Contrato de depósito bancário –
aplicações financeiras – Descumprimento – Danos materiais e morais – Ausência de provas –
Valor superior ao décuplo do salário mínimo – Prova exclusivamente testemunhal –
Inadmissibilidade – CPC – arts. 333, e 401 – Recurso provido, por maioria. Incumbe ao autor o
ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito invocado. Nos contratos de valor superior
ao décuplo do salário mínimo é inadmissível a prova exclusivamente testemunhal. Inteligência
dos arts. 333, I e 401 do CPC” (TJPR, 5ª Câm Cív, Ap.Civ 68789600, rel. Des. Antonio Carlos
Schiebel, j. 22.12.1998, DJPR 26.04.99).
15. De acordo com Geraldo Arruda, “essa vedação é válida para a prova de contrato ou de
cláusulas contratuais das quais alguém se pretenda valer como fonte de obrigações. Não se
pode exigir o adimplemento de uma pretendida obrigação quando a certeza do acordo de
vontades dependa de prova exclusivamente testemunhal, nem se pode pretender do suposto
devedor responda pelas conseqüências da inexecução dessas supostas obrigações contratuais”
(“Interpretação e alcance do art. 401 do CPC”, RT 688/251).
16. TJMT, 1ª Câm. Ag 5.464, rel. Des. José Jurandir de Lima, j. 08.05.1995, Adcoas de
10.05.1996, n 8.149.746, apud Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, v. 2, p.
1.719-1.722. Seguindo a mesma linha, já decidiu o STJ: “No caso de contrato de corretagem,
cujo valor excede o limite previsto em lei, não se admite, para prová-lo a prova
exclusivamente testemunhal” (STJ, 3ª T., Resp 11.553-MG, rel Min. Nilson Naves, j.
17.12.1991, RSTJ 37/419, apud Alexandre de Paula, op. e cits.). De igual modo, manifestou-se
o TACivSP: “ Aprova de pagamento de alugueres e encargos locatícios há de ser feita por
escrito, tal como assim preceitua a regra do art. 639, do CC. Revela-se despropositada a
pretensão de provar isso exclusivamente por depoimentos, diante da vedação legal inscrita no
art 401 do CPC” (2º TACivSP, 9ª Câm., Ap 46767900/9, rel Juiz mariano Siqueira, JTACivSP
163/427, apud Alexandre de Paula, op. e loc. cits.).
17. Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, Curso
avançado de direito processual civil, p. 525-526.
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18. “Segundo os usos e costumes dominantes no mercado de Barretos, os negócios de gado,
por mais avultados que sejam, celebram-se dentro da maior confiança, verbalmente, sem que
entre os contratantes haja troca de qualquer documento. Exigi-lo agora seria, além de
introduzir nos meios locais um fato de dissociação, condenar de antemão, ao malogro, todos
os processos judiciais que acaso se viessem a intentar e relativos à compra de gado” (TJSP,
Acórdão de 15.05.1941, RT 132/660, apud Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, p. 208;
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. 645, nota 4 ao art. 401 do CPC).
Atente-se que a decisão ora transcrita foi proferida na vigência do Código de Processo Civil
anterior, cujo diploma não possuía disposição legal semelhante ao atual art. 401. Vigia, à
época, o art. 141 do CC, cuja finalidade era a mesma do atual art. 401 do CPC. Com a entrada
em vigor do CPC atual, restou revogado o art. 141 do CC (cf. Arruda Alvim, Manual de direito
processual civil, v. 2., n. 172, p. 445). Por isso, as decisões exageradas na vigência do CPC
anterior são em tudo aplicáveis ao presente estudo, mutatis mutandis.
20. Explica Arruda Alvim que “na tarefa da interpretação da lei, como habitualmente se diz,
tem-se de levar em consideração diversos aspectos relevantes, que se colocam como
autênticas premissas ao correto equacionamento do assunto: 1º a lei – entendida como
sinônimo de texto legal – é menor do que o Direito – entendido este último como sistema; 2º
há, entre a lei e o Direito (= sistema), uma relação de parte para o todo; 3º logo, a
interpretação da lei envolve, necessariamente, a consideração de todo o sistema, pois aquela
há de ser entendida à luz dos princípios informadores deste; 4º assim, na interpretação da lei
processual civil, necessário será, além da consideração do próprio sistema processual, ter em
vista o que dispõem certas normas de sobredireito. Principalmente, há que se atentar para o
art. 5º da LICC, (...), e outros dispositivos similares” (Manual de direito processual civil, v. I,
n. 47, p. 147). Nelson Nery Junior, comentando o movimento da “justiça alternativa”,
também defende a aplicação do art. 5º da LICC: “A aplicação do direito pelo método da
justiça alternativa, portanto, nem ofende o Estado de Direito, nem tem a dimensão que se lhe
pretende atribuir, já que o direito positivo brasileiro concede autorização para o juiz
interpretar a norma segundo seus fins sociais e tem em atendimento ao bem comum,
postulados principais da escola da justiça alternativa”. (Princípios do processo civil na
Constituição Federal, p. 106). V., igualmente justificando a aplicação do art. 5º da LICC, Maria
Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 135 et seq., esp. p.
158.
21. Não são poucas as decisões relativas às provas em que o juiz, desviando-se da letra fria da
Lei, atente às circunstâncias específicas do caso, procurando decidir do modo mais justo
possível. É o que exprime a seguinte decisão, emanada do STJ: “Os negócios de vulto, de
regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando os contratantes são pessoas
simples, não afeitas às formalidades do direito. Tal acontece com os chamados bóias-frias,
muitas vezes, impossibilitados, dada a situação econômica, de impor o registro em carteira.
Impor outro meio de prova, quando a única for a testemunhal, restringir-se-á a busca da
verdade real, o que não é inerente ao Direito Justo. Evidente a inconstitucionalidade da Lei
8.213/91 – art. 55, §3º e o Dec 611/92 – arts. 60 e 61” (STJ, 6ª T., Resp 55.4381/SP, rel Min
Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 25.10.1994, DJ 03.04.1995, apud Alexandre de Paula, op. cit., v.
2, p. 1719).
22. “onde a injustiça do Direito positivo atinge um grau tal que, em face dela, a segurança
jurídica, garantida pelo mesmo Direito positivo, deixa mesmo de ter relevância – num caso
11
destes o Direito positivo injusto tem de ceder o passo à justiça (...). A justiça – e o mesmo se
poderia dizer para a conveniência prática (Zweckmassigkeit) – é não só um princípio imanente
mas também um princípio transcendente do Direito. Quer isto dizer: nós entendemos o
Direito, não apenas como expressão do esforço efetivamente feito pelo legislador para
realizar a justiça, para depois nos perguntarmos se o próprio legislador negou parcialmente
este princípio por amor doutros, mas ainda no sentido de que a justiça ela mesma é a ‘idéia
do Direito’ pela qual nós a cada passo havemos de apreciar se o Direito positivo é ou não digno
de validade” (Introdução ao pensamento jurídico, p. 320-321).
23. Maria Helena Diniz classifica as lacunas em três espécies: 1ª) normativa, quando se tiver
ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não
corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais,
o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva; e 3ª) axiológica, no caso
de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for
aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta” (As lacunas no direito, p. 95).
26. Orientação semelhante, consoante já afirmado no item 1, retro, e de acordo com o que
leciona Lino Henrique Palacio, é adotada expressamente pelo Código Civil argentino (art.
1.191).
29. “É admissível a prova exclusivamente testemunhal, quando não se tenha por objetivo
provar a existência do contrato em si, mas a demonstração dos efeitos de fato dele
decorrentes em que se envolveram os litigantes” (STJ, 4ª T., Resp 187461-DF, rel Min. Barros
Monteiro, j. 23.02.1999, DJU 28.06.1999, p. 119); “I – Em linha de interpretação construtiva,
tem-se que os efeitos de fato entre as partes, assim como os serviços prestados, podem se
provados por testemunhas, já que a lei se refere apenas a contratos, não incidindo o art. 401,
CPC. II – Em outras palavras não se permite provar exclusivamente por depoimentos a
existência do contrato em si, mas a demonstração dos fatos que envolveram as litigantes, bem
como as obrigações e os efeitos decorrentes desses fatos, não encontram óbice legal, inclusive
para se evitar o enriquecimento sem causa” (STJ, 4ª T., Resp 139236-SP, rel Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. 24.11.1998, DJU 15.03.1999, p. 230); “A inadmissibilidade da prova
testemunhal, nos termos do art. 401 do CPC, diz respeito ao próprio conteúdo do contrato ou
do negócio jurídico, em si; é ela, contudo, perfeitamente possível para prova da existência
dos fatos dos quais decorram conseqüências jurídicas, sem incidir na regra limitativa” (2º
TACivSP, 1ª Câm., Ap. 46648300/4, rel Juiz Renato Sartorelli, j. 14.10.1996, apud Alexandre
de Paula, op. cit, v. 2, p. 1722). Invocando a proibição do enriquecimento sem causa para
justificar a admissibilidade da prova testemunhal, na hipótese, assim decidiu o E. TJPR:
“Prova exclusivamente testemunhal – valor superior ao previsto no art. 401 do CPC – Efeitos
12
pretéritos – Admissibilidade (...). Vedada a produção de prova exclusivamente testemunhal
em relação aos efeitos futuros do contrato celebrado entre as partes, mas não quanto aos
efeitos pretéritos, sob pena de causar o enriquecimento sem causa, o que é repudiado pelo
nosso ordenamento jurídico” (TJPR, 4ª Câm. Cív, ApCiv 57418500, rel Juiz Lauro Laerte de
Oliveira, j. 09.06.1999, DJPR 28.06.1999).
30. Nesse sentido, observa Geraldo Arruda: “Nesse caso deixa o contrato verbal de ser
considerado fonte direta de obrigação, passando a considerar-se como fonte de obrigação os
atos ou fatos que forem idôneos para produzi-las. A matéria pode ser iluminada pelos
princípios do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa. Aquele que se beneficiou
com a prestação da outra parte não pode locupletar-se indevidamente. E a execução da
prestação corresponde a um contrato nulo ou ineficaz pode caracterizar o indébito e gerar o
correlativo direito de repetir” (op. loc. cits., p. 251).
31. MATTIROLO, Luigi. Tratado di diritto giudiziario civile,v. II, n. 337, p. 307; LESSONA,
Carlos. Teoria general de la prueba en derecho civil. t. IV, n. 57, p. 90-91.
32. Tradução livre o original a seguir: “Potrà quindi avvenire che la parte, la quale non puó
provare com testimoni la convenzione, volgente sopra oggeto di valore eccedente le 500 lire,
riesca, per altra via, nel suo intento; facendosi cioè a provare, col mezzo di testimoni, il fatto
non convenzionale, da cui, nasce il suo diritto” (op. Loc. Cits., n. 337, p. 307).
33. Op. cit., n. 57, p. 91. Em abono à sua tese, Lessona cita o seguinte exemplo, colhido na
jurisprudência italiana: “A, proprietário deponente, pide a B la restituición Del deposito cuyo
valor excede de 500 liras+n. El Tribunal de apelación de Turin lê consiente la prueba testifical
propuesta en forma de reivindicación de la mercaderia, y no en forma de la acción que nasce
del deposito. Obrando rectamente el Tribunal de casación, rechazó este medio de violar la
ley” (op. Cit., n. 57, p.90).
34. Consoante ensina Arruda Alvim, “a decisão extra petita poderá consistir num
pronunciamento excedente sobre o tipo de ação (‘pedido imediato’) propriamente dito, como,
ainda será também extra petita se, conquanto atendido o pedido, tal ocorra por outra causa
petenti. Assim, se alguém solicita separação judicial, fundada em determinada injúria grave,
e o juiz decreta a separação, mas baseado em adultério (não alegado), padece tal sentença
do referido vício. Isto porque, conforme tivemos oportunidade de salientar, embora a causa
petendi não integre o pedido, ela o identifica. Assim, se o autor faz o pedido x baseado na
causa de pedir xl, e se o juiz conhecer o ‘mesmo’ pedido x pela causa de pedir y, não estará,
na verdade, concedendo o mesmo pedido” (Manual de direito processual civil, v. 2, n. 301, p.
653).
35. É possível que haja confissão e, caso isso ocorra, o contrato terá sua existência provada. O
art. 401 do CPC apenas não permite a utilização de prova testemunhal, na hipótese que
enuncia. Havendo confissão, desnecessária será – em regra (v. art. 320 do CPC) – a perquirição
acerca da existência do contrato (v. tb. arts. 334, II, e 400, II).
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PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil anotado. 7. ed. São Paulo : Ed. RT, 1998. v. 2.
ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil. Buenos Aires : Europa-America, 1955. t.
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SATTA, Salvatore. Direito processual civil. 7. ed. Rio de Janeiro : Borsoi, 1973. v. 1.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso
avançado de processo civil. São Paulo : Ed. RT, 1998.
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Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL
Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG
Disciplina
Aula 2
LEITURA OBRIGATÓRIA II
O JUIZ E A PROVA
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Sr. Presidente, de Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil; Eminente
homenageado desta cessão , Des. Amaro Martins de Almeida; Senhores Desembargadores e
meus queridos Colegas; Senhores Magistrados; Senhores Membros do Ministério Público;
Senhores Advogados; minhas Senhoras e meus Senhores.
Fiquei duplamente desvanecido ao receber o convite da subseção de Itaperuna, para
proferir esta palestra no dia de hoje. Em primeiro lugar, por ter partido ela da Ordem dos
Advogados do Brasil, entidade a que me orgulhei de pertencer por muitos anos, inclusive
como membro do Conselho Seccional do antigo Estado da Guanabara, e que até hoje ocupa,
como é natural, um lugar especial no meu coração. Segundo, porque esta palestra se insere
no contexto de festividade assinalada por uma das homenagens mais justas a que já assisti em
toda a minha vida e que se dirige a esta figura verdadeiramente modelar de Magistrado, que
é o Des. Amaro Martins de Almeida, de quem ser colega, e mais que colega, ser amigo, é uma
honra insigne.
Versará esta palestra, que procurei não fazer tão extensa, que representasse uma
retribuição inadequada da calorosa hospitalidade com que fui recebido, sobre o tema “O Juiz
e a Prova”.
Todos os que temos alguma experiência da vida judiciária, sob qualquer de seus
aspectos, entendemos perfeitamente que é muito pequeno o número das causas que se
podem julgar à luz da solução de puras questões de Direito. Na maior parte dos casos, na
imensa maioria dos casos, a dificuldade consiste principalmente nas questões de fato. E as
questões de fato, tem o juiz que resolvê-las através da mediação das provas, já que o juiz,
em regra, não tem conhecimento pessoal e direto dos acontecimentos que deram origem ao
litígio. E ainda, quando porventura, casualmente, tenha esse conhecimento, porque, por
exemplo, assistiu da janela de sua casa ao acidente de trânsito, não está o juiz autorizado a
valer-se desse seu conhecimento pessoal e direto na fundamentação de sua sentença, pela
razão simples e óbvia de que não pode funcionar ao mesmo tempo como juiz e como
testemunha, o que implicaria, para ele, a necessidade de valorar o seu próprio depoimento. O
acesso do juiz aos fatos dá-se, conseqüentemente, por meio da prova, e, se a maior
dificuldade consiste, as mais das vezes, repito, na reconstituição dos fatos, então se pode
muito bem compreender que a prova seja, as mais das vezes, a encruzilhada decisiva do
processo. Daí a importância do assunto, que não precisa, a meu ver, ser mais ressaltada.
Gostaria de desdobrar as minhas considerações sobre o tema em três tópicos, que
dizem respeito às diferentes maneiras pelas quais o juiz se relaciona com a prova, ao longo do
processo. O primeiro tópico concerne à determinação da prova: o segundo, à realização da
prova; e o terceiro, à valoração da prova. A meu ver, é essencialmente através desses três
momentos sucessivos que se desenvolve, na sua substância, a atividade do juiz em matéria de
prova.
Acerca do primeiro tópico, isto é, da determinação da prova, devo desde logo
acentuar uma tendência que se observa nas legislações processuais mais modernas,
praticamente em todo o mundo, ou pelo menos em todo o mundo de que tenho notícia, no
sentido de acentuar o papel do juiz, a participação do juiz, nessa etapa da atividade
instrutória. A esse respeito posso, por exemplo, citar, ao acaso quase, o novo Código de
Processo Civil francês de 1975, cujo art. 10º expressamente confere ao juiz o poder de
determinar de ofício todas as medidas de instrução legalmente admitidas. Semelhante
tendência espelha uma mudança de mentalidade, que se processa de algumas décadas a esta
parte.
Até certo tempo atrás, vivia o direito processual mergulhado numa atmosfera cultural
marcada de individualismo. Assim como no plano econômico, se queria o Estado o mais
possível alheio às disputas entre os particulares (“laisser faire, laisser passer”),
analogamente, na órbita judiciária também se queria o juiz inerte ao seu pedestal,
espectador frio e distante do duelo entre as partes e privado de qualquer possibilidade de
tomar suas próprias iniciativas no sentido da averiguação da verdade. Essa mentalidade vem
evoluindo e vem-se modificando acentuadamente nos últimos tempos. Percebe-se que, se é
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função do juiz julgar, e julgar bem, e julgar com justiça, é sua função, por definição, aplicar
normas jurídicas a fatos. E, para bem aplicar normas jurídicas a fatos, parece obviamente
imprescindível conhecê-los bem, a esses fatos.
Algumas objeções doutrinárias se têm erguido a essa tendência de outorgar ao juiz
maiores poderes instrutórios utilizáveis ex officio. Fala-se muito, a esse respeito, do princípio
dispositivo, expressão altamente equívoca, utilizada, muitas vezes, em acepções bastante
diversas, mas que, pelo menos do ponto de vista histórico, estaria ligado à idéia da
disponibilidade das relações jurídicas que se discutem no processo. Talvez por influência de
uma circunstância que se observa no estudo do direito comparado: a de que, em grande
número de países, aquilo a que se chama “processo civil” realmente só se ocupa de litígios de
direito privado. Não é essa, como todos sabem, a realidade normativa brasileira. No Brasil, a
expressão “Processo Civil” tem um sentido muito mais amplo, e dentro do processo civil se
discutem e se decidem litígios até de direito público, de direito administrativo, de direito
tributário, de direito constitucional, para não falarmos em áreas do próprio direito privado,
que, a despeito de o serem, todavia se subtraem à disponibilidade das partes, como é o caso,
por exemplo, das relações jurídicas do direito de família, que, apesar de pertencerem ao
direito civil, são, pelo menos na sua enorme maioria, indisponíveis. Já isto nos deve acautelar
contra uma invocação demasiadamente fácil do princípio dispositivo, ao menos nessa
acepção, para justificar objeções que se pudessem erguer ao exercício de poderes instrutórios
oficiais por parte do juiz, independentemente da iniciativa das partes. Mas, ainda a abstrair-
se dessa circunstância, não parece concludente o raciocínio. Diz-se: se a parte pode dispor do
seu direito, a tal ponto que lhe é livre a decisão de iniciar ou não iniciar um processo para
postulá-lo, então, também é natural que se deixe ao cuidado da parte trazer para os autos as
provas dos fatos que porventura lhe aproveitem, que sirvam de fundamento ao seu alegado
direito. Se ela não o faz, é porque está dispondo do seu direito, o que lhe é lícito fazer. O
raciocínio, além de assentar-se no que já mostrei ser uma premissa em grande parte falsa,
porque no Processo Civil, repito, não se cuida somente de relações jurídicas disponíveis, é
também sofístico: da circunstância de alguém poder dispor da relação jurídica de direito
material controvertida, não se infere necessariamente que passa dispor da relação jurídica
processual, que é distinta e que vive sob o signo publicístico, e não sob o signo privatístico.
Mas que parece que tudo isso gira em torno de um enorme equívoco, porque, quando
se diz que se deve deixar às partes trazer ou não as provas que quiserem, e se não as trazem
é porque estão dispondo de um direito seu, esquece-se que, ainda que as partes possam
dispor de seus direitos, nenhum poder de disposição têm elas sobre o poder do juiz de
averiguar o fato. Esse poder, se não quisermos incorrer em “petição de princípio”, isto é, dar
por demonstrado o que seria necessário demonstrar, não é um poder exclusivo da parte.
Aliás, nenhuma lei no mundo, hoje, consagra o absoluto monopólio, o absoluto privilégio das
partes na atividade de carrear para os autos o material probatório.
Outra objeção que se costuma suscitar é a da conveniência de preservar a
imparcialidade do juiz. Alega-se que, se o juiz desce do seu pedestal para tomar ele próprio a
iniciativa de pesquisar a verdade, pode tornar-se parcial, pode perder a indispensável
neutralidade, porque vai beneficiar uma das partes. Ora, em primeiro lugar, quando o juiz
toma a iniciativa de determinar a realização de alguma prova, quando o juiz, por exemplo,
ordena uma perícia, não dispondo de bola de cristal, nem sendo futurólogo, não pode,
evidentemente, prever, adivinhar qual vai ser o resultado daquela diligência e, portanto, a
qual das partes a sua iniciativa em verdade beneficiará. Pode, em certa situações, formular
conjecturas, não porém prever com absoluta certeza. Por outro lado, a ser verdadeiro esse
argumento, provaria demais. Há certos tipos de processos, a respeito dos quais ninguém
duvida da possibilidade e da conveniência de uma atividade instrutória ex officio por parte do
juiz; por exemplo, o Processo Penal. Pergunta-se: porventura no Processo Penal é menos
valiosa a imparcialidade do juiz? Porventura no Processo Penal não será também necessário
que o juiz se revele imparcial? Evidentemente que sim. Tudo gira em também aqui em torno
de um equívoco, o conceito de parcialidade ou de neutralidade.
Ao juiz não deve importar que vença o litígio, que saia vitorioso, o indivíduo “X” ou o
indivíduo “Y”, considerados nas suas características de indivíduos. Mas deve importar, sem
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sombra de dúvida, que saia vitorioso quem tem razão. A este ângulo, não há neutralidade
possível. Ao juiz, como órgão do Estado, interessa, e diria que a ninguém interessa mais do
que a ele, que se faça justiça, isto é, que vença aquele que efetivamente tenha razão. Ora, a
este é que vai beneficiar a diligência ordenada pelo juiz. Logo, a iniciativa de determiná-la
não significa, em absoluto, quebra de dever de imparcialidade.
Aliás, entre parênteses, deve observar-se que o risco da parcialidade ronda o juiz a
cada momento da sua atividade, ao longo do processo. E se ele quiser ser parcial, não é por
tal forma que se vai poder impedir este lamentabilíssimo resultado. As verdadeiras maneiras,
os melhores remédios para prevenir a influência de simpatias ou antipatias que o juiz possa
sentir, de temores ou de gratidões, ou daqueles outros sentimentos que podem influenciar o
espírito humano, no momento de julgar, as melhores maneiras de evitar essa influência, ou
de reduzi-la ao mínimo possível, não têm nada que ver com o cerceamento do juiz, naquilo
que, ao contrário, é inerente à sua tarefa de julgar, a saber, a pesquisa da verdade. Pesquisa,
sabemos, de resultados, ai de nós, sempre relativos, digo até precários, com os nossos
rembados instrumentos humanos. A parcela da verdade que podemos realmente atingir é
reduzida; mas ao menos que se busque essa: antes de buscar essa, do que não buscar
nenhuma.
Pois bem, eu diria que os verdadeiros modos de exorcizar o fantasma da parcialidade
consistem, sobretudo, em submeter a atividade do juiz à observância do princípio do
contraditório, em impor ao juiz o dever de realizar a atividade de instrução sob a égide do
contraditório, e proibi-lo de levar em conta na sua decisão qualquer elemento probatório
colhido sem que as partes tivessem a oportunidade de participar, tanto quanto possível, da
colheita, ou pelo menos, de manifestar-se sobre os resultados obtidos. E também, e
principalmente, o dever da motivação, ao qual voltarei daqui a alguns minutos.
Perguntar-se-á: e que fica, depois de tudo isso, do chamado ônus da prova? Não será
verdade que a lei atribui às partes o ônus de provar os fatos que lhes possam aproveitar? Não
será verdade que a lei chega ao cuidado de proceder a uma classificação dos fatos, para dizer
que ao autor compete o ônus da prova do fato constitutivo e ao réu compete o ônus da prova
dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos? A doutrina moderna, estudando o problema
do ônus da prova, assentou uma conclusão muito interessante: As regras que distribuem esse
ônus são regras destinadas a ser aplicadas em relação aos fatos que afinal não se provam, que
afinal não resultam provados. O juiz não tem que preocupar-se com as regras legais da
distribuição do ônus da prova, a não ser no momento de sentenciar. Aí então, verificando que
determinado fato não foi provado, ele terá de imputar a alguém as conseqüências
desfavoráveis da falta da prova daquele fato: eis aí para que servem as regras sobre a
distribuição do ônus da prova. Se ele verifica que o fato não provado era o constitutivo,
atribui ao autor as conseqüências nefastas dessa lacuna probatória. Se ele verifica que a
prova faltante é de fato impeditivo, modificativo ou instintivo, quem suportará as
conseqüências melancólicas será o réu.
Assim, essas regras, quando se aplicam, é porque já se fez tudo que se devia ter feito
no sentido de conseguir a prova do fato. E basta pensar no seguinte: se a prova for feita,
pouco importa a sua origem. Nenhum juiz rejeita a prova do fato constitutivo, pela simples
circunstância de ter sido ela trazida pelo réu. Nem rejeita a prova de um fato extintivo pela
circunstância de, porventura, ter sido ela trazida pelo autor. A prova do fato não aumenta
nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo
adversário. A isso se chama o “princípio da comunhão da prova”: a prova, depois de feita, é
comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco
importa a sua proveniência. E quando digo que pouco importa a sua proveniência, não me
refiro apenas à possibilidade de que uma das partes traga a prova que em princípio
competiria à outra, senão também que incluo aí a prova trazida aos autos pela iniciativa do
juiz. Então, as regras sobre o ônus da prova subsistem; não são afetadas pelo poder do juiz de
determinar ex officio a realização de quaisquer provas, porque elas constituem a última
solução, a tábua de salvação que a lei atira ao juiz em contrapartida da proibição que lhe
impõe de deixar de julgar por não ter conseguido formar uma convicção segura. No velho
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Direito Romano, quando o juiz não conseguia formar uma convicção segura sobre os fatos,
dizia: “non liquet”, não está claro, e o processo recomeçava perante outro juiz.
Nenhum de nós (infelizmente, às vezes é o caso de dizer) goza hoje dessa
possibilidade. Temos de decidir, quer tenhamos, quer não tenhamos conseguido formar uma
convicção segura acerca de todos os fatos relevantes. Não podemos dizer “não está claro,
comecem outra vez”. Então, aí sim, é chegado o momento de vermos a quem desaproveita a
lacuna no material probatório. Aí é chegado o momento de sabermos se é o autor ou se é o
réu que vai suportar as conseqüências nocivas dessa lacuna, isso em nada afeta, e em nada se
contrapõe à iniciativa oficial, porque a aplicação das regras sobre o ônus da prova, o
julgamento segundo o ônus da prova, é uma tragédia psicológica para qualquer juiz de
sensibilidade apurada. Esse julgamento, segundo o ônus da prova, só deve sobrevir depois que
se esgotarem todos os meios. E não está dito em parte alguma que entre esses meios não
possa figurar a iniciativa do juiz.
O segundo momento é o da realização da prova. E aqui desejo deter-me, sobretudo,
em algumas considerações sobre a chamada prova oral, já que, no tocante à prova
documental, a participação do juiz é, afinal de contas, bastante secundária neste momento,
limitando-se ele, em regra, a deferir ou a indeferir a juntada do documento. Na prova oral,
ao contrário, o papel do juiz é de primeira importância; e quando falo em prova oral,
evidentemente, refiro-me aos depoimentos pessoais das partes, aos depoimentos das
testemunhas, eventualmente dos peritos. Essa prova é toda ela carreada para os autos,
obrigatoriamente, por intermédio do juiz. É o juiz que formula perguntas, ainda quando elas
lhe sejam requeridas pelos advogados das partes. É o juiz que dita para o datilógrafo as
respostas do depoente, de modo que o juiz é a peça mestra, decisiva na colheita dessa prova.
Seria de desejar que o juiz, a essa altura, já tivesse podido estudar os autos com suficiente
vagar para poder formar uma idéia da causa, saber quais são os pontos efetivamente
relevantes, e, portanto, ter um critério que o guiasse quer na formulação das sua próprias
perguntas, quer no deferimento ou indeferimento das perguntas que lhe sejam requeridas
pelos advogados das partes. Seria também de desejar que a inquirição se realizasse num lugar
tranqüilo, agradável, em que o depoente se sentisse à vontade e, portanto, mais inclinado a
expressar-se com liberdade, com naturalidade, o que significa, em regra, com sinceridade.
Ai de nós! As circunstâncias reais são bem diferentes. Não vou entrar aqui na
indagação das causas, que são múltiplas, mas todos nós que exercemos a função jurisdicional
neste Estado, neste País, sabemos que tais condições, em geral são extremamente
desfavoráveis, o que redunda, afinal, numa perda, em grande medida, das vantagens que a
lei visa a assegurar à realização desta prova, do ponto de vista da sua fecundidade, do ponto
de vista da sua unidade, do ponto de vista da sua capacidade para ministrar elementos
valiosos à formação do convencimento do órgão judicial, quando adotou o princípio da
imediação, isto é, quando dispôs que, salvo casos excepcionais que todos conhecemos, a
prova oral deve pôr em contato direto o juiz e a fonte da prova, a parte, testemunha, o
perito.
Alguma culpa, todavia, nos cabe. E é preciso que tomemos consciência dela para, na
medida do possível, atenuarmos os inconvenientes. Às vezes, o juiz se deixa levar por certas
tendências a (vou colocar a palavra entre aspas verbais) “melhorar” o que o depoente diz. Ao
ditar a resposta da testemunha, para que o datilógrafo a anote, o juiz a embeleza, o juiz a
aperfeiçoa, o juiz a retoca e, com isso, a deturpa. Com a melhor das intenções, ele a
desfigura. Ele se esforça por harmonizar as contradições em que a testemunha vai incorrendo,
quando, ao contrário, deveria pô-las em relevo, porque isso pode constituir um elemento
valiosíssimo no terceiro momento, o da valoração. O datilógrafo, por sua vez, “coopera”, às
vezes tornando ininteligível o depoimento...
Quando o juiz, a quem competirá decidir, é o próprio julgador de primeiro grau, que
normalmente terá colhido, ele mesmo, o depoimento, se observou os prazos legais para a
prolação da sentença (outro ponto importante!) ainda deve ter no seu espírito lembranças
mais ou menos vivas do que viu e do que ouviu. O mal não é tão grande. Mas avaliem os
senhores o drama do julgador de segundo grau, que tem de proceder a uma reavaliação da
prova, sem tê-la colhido, apenas à luz daquela pálida caricatura de depoimento que se
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encontra escrita nos autos. É curioso como a tecnologia demora a penetrar em certos setores.
Parece que ignoramos a existência de fitas, nas quais se podem gravar sons. Já não quero
falar no vídeo-cassete, ou melhor, quero sim, quero falar, porque, a despeito das muitas
sombras da realidade de hoje, temos de ter alguma confiança em que no futuro se acenderão
algumas luzes. Ai de nós se não fosse assim.
E é de esperar-se que um dia o progresso tecnológico venha a permitir, por exemplo,
que o Tribunal de Justiça, quando tiver de rejulgar uma causa para cuja apreciação seja
essencial o exame de prova oral, não podendo, evidentemente, os desembargadores e os
juízes de segunda instância reproduzi-la perante si (às vezes se faz isso, quando há
necessidade, mas não pode ser essa a regra, por motivos óbvios), que ao menos tenham a
possibilidade de assistir, numa tela de televisão, ao depoimento tomado em primeiro grau,
pelo juiz que sentenciou e cuja sentença está sujeita a reexame, em grau de recurso.
Enquanto isso não acontece, seria talvez interessante adotar uma sugestão que deixo
aqui: “Que os juizes anotassem certas peculiaridades do depoimento, em tudo aquilo que
possa constituir elemento relevante para a respectiva valoração. Muitas vezes nós nos
inclinamos a dar maior crédito a uma testemunha em virtude da maneira firme, segura,
coerente, natural, espontânea, com que ela se expressou; daí preferimos o seu depoimento
ao de outra que titubeou, gaguejou, enrubesceu, se é que alguém ainda hoje em dia
enrubesce... Mas eu nunca vi, e gostaria de ver nos autos, uma observação do juiz a esse
respeito: “...Neste ponto, a testemunha enrubesceu”. Isso seria um elemento valioso para os
julgadores de segundo grau.
Com estas minhas observações já estou procedendo a transição do segundo tópico para
o terceiro e último, para natural alívio do auditório, desta desataviada conversa. O último
tópico concerne à valoração da prova.
Pois bem, tudo que se fez no processo até esse momento, nada mais foi do que colher
dados para que o juiz pudesse julgar; e é necessário que o juiz, ao proferir a sentença,
explique, esclareça que uso fez desses dados. A lei processual ordena, no art. 458, II, que o
juiz, na fundamentação da sentença, analise as questões de fato e de direito.
Nós juizes, às vezes, temos certa predileção pela análise das questões de direito, que
nos parecem mais sedutoras. Aqui entre nós, com certa razão: elas nos permitem até, quando
temos um pouquinho mais de tempo, fazer um “brilhareco”, citando doutrina, quiçá
estrangeira: algumas linhas em francês ou italiano podem causar uma impressão
extraordinária, reconheço. Mas temos, geralmente, um apetite um pouco menor pela análise
das questões de fato; façamos aqui a nossa autocrítica.
Mas a lei quer que nós analisemos as questões de fato, isto é, procedamos ao exame
discriminado, específico, das várias provas que foram colhidas e expliquemos o motivo de
maior ou menor peso que acabamos de atribuir a cada uma delas. Não basta dizer: “Fiquei
convencido de que tal fato ocorreu”, ou “Não fiquei convencido de que tal fato ocorreu”.
Para cumprir a lei, e para ser fiel à nossa missão, é necessário dizer algo mais: porque me
convenci, ou porque não me convenci, de que o fato ocorreu, ou de que o fato não ocorreu.
Isto só podemos fazer analisando a prova. Essa necessidade, a lei não a impõe somente ao juiz
de primeiro grau, mas também a nós outros, juízes de segundo grau. Mas, no caso de juiz de
primeiro grau, a essa imposição legal acrescenta-se a necessidade de atender ao natural
desejo do órgão que vai julgar a causa em grau de recurso, de saber se deve ou não concordar
com a valoração feita em primeira instância. Para que o órgão julgador em grau de recurso
possa saber se deve ou não concordar com a valoração da prova feita pelo juiz de primeira
instância, e na falta do vídeo-cassete, outra solução não lhe resta senão confiar no que está
dito pelo juiz nos autos; não lhe basta ler a letra fria de um depoimento. A mesma frase dita
em dois tons diferentes, pode ter duas significações, já não digo distintas, mas até opostas.
Há palavras da língua portuguesa (e, se me permitem, há até palavrões de língua portuguesa)
que, ditas com certa entonação, são carinhosas, expressam estima, e ditas com outra
entonação podem perfeitamente configurar o crime de injúria...
Tudo que eu acabo de dizer, leva-nos de imediato à conclusão de que sobre os ombros
dos juízes pesa um fardo realmente formidável, no sentido etimológico da palavra, isto é,
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capaz de causar temor. Todos nós poderíamos alegar que cumprir com tal requinte as
exigências que nos são formuladas é, praticamente, impossível, dadas as circunstâncias tão
difíceis, tão desfavoráveis, em certos casos eu diria até tão dramáticas, sob as quais
desempenhamos as nossas funções judicantes.
Sem dúvida que assim é: mas a impossibilidade de atingir um ideal não nos dispensa de
fazer esforços em sua direção. Podemos ter mil escusas legítimas para não alcançar o ideal,
mas só estaremos autorizados a invocá-las, se realmente houvermos feito tudo que pudermos,
se realmente nos houvermos disposto a todos os esforços que estejam ao nosso alcance: e é
preciso que tenhamos sempre, a cada momento, essa imagem ideal diante de nós, para que
ao menos saibamos em que direção devemos caminhar, ainda que conscientes da nossa
impossibilidade de atingir a meta.
Antes de encerrar esta palestra, devo dizer uma palavra de agradecimento ao meu
querido colega e amigo, Des. Olavo Tostes Filho. Sua Excelência, muito generosamente,
começou por dizer que eu não precisava de apresentação. Depois, refletiu melhor, e decidiu-
se a fazer a apresentação. (Risos) Só que a fez com a voz da amizade, isto é, com voz
suspeita. A esta altura, nenhuma ilusão resta de pé. Todos os que aqui me deram a honra de
ouvir-me já tiveram a possibilidade de medir a enorme distância que existia entre aquela
idealizada apresentação e a prosaica realidade.
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