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Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL

Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP


Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em


DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Disciplina

Prova, Sentença e Coisa Julgada

Índice
Leitura obrigatória I.....p. 01
Leitura obrigatória II....p. 16

Aula 2

LEITURA OBRIGATÓRIA I

José Miguel Garcia Medina


Mestre e doutorando em Direito Processual Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Professor de Direito Processual
Civil na Universidade Estadual de Maringá e no Centro de
Estudo Superior de Maringá. Advogado no Paraná.

ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL:


QUESTÕES SOBRE O ARTIGO 401 DO CÓDIGO CIVIL
Como citar este artigo:

MEDINA, José Miguel Garcia. Admissibilidade da prova testemunhal:


questões sobre o artigo 401 do Código Civil. Revista dos Tribunais, v. 784,
ano 90, fev. 01, p. 179-184. Material da 2ª aula da disciplina Prova,
Sentença e Coisa Julgada, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL - IBDP – REDE
LFG.

S U M Á R I O: 1. RATIO LEGIS DO ART. 401 DO CPC BRASILEIRO. DIREITO COMPARADO –


2. INTERPRETAÇÃO DO ART. 401 DO CPC NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA: 2.1
CRITÉRIO RESTRITIVO; 2.2 CRITÉRIO AMPLIATIVO; 2.3 CRITÉRIO INTERMEDIÁRIO – 3. A
OPÇÃO DO AUTOR POR UMA DAS TESES, QUANDO DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA, E
CONSEQÜENTE NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR À TESE
ADOTADA – 4. SUGESTÕES PARA TENTATIVA DE SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS INDICADOS:
4.1 PROPOSTA DE LEGE FERENDA; 4.2 POSSIBILIDADE DE ELABORAÇÃO DE PEDIDOS EM
ORDEM SUCESSIVA (CPC, ART. 289) – 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – 6. BIBLIOGRAFIA

1. RATIO LEGIS DO ART. 401 DO CPC BRASILEIRO. DIREITO COMPARADO

Em regra, no Direito Processual Civil brasileiro, a prova testemunhal é de ser admitida


(CPC, art. 400). Mas, há casos, contudo, em que a própria lei cuida de restringir tal
amplitude. Dentre outros (1), o art. 401 do CPC restringe a utilização da prova testemunhal ao
dispor que “a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não se
exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente do país, ao tempo em que foram
celebrados”. Atente-se que a restrição mencionada por força do art. 403 do CPC, aplica-se
também ao pagamento e a emissão da dívida (2).
A existência da limitação, de acordo com Moacyr Amaral Santos, decorre da exigência
do interesse social no sentido de que “os direitos sejam certos e assegurados, não
dependentes da frágil memória ou da ignorância das testemunhas” (3).
Nos países em que não há tal limitação à utilização da prova testemunhal, como a
Alemanha, a justificativa lembrada por Moacyr Amaral Santos é empregada como crítica. Adolf
Wach, comentando a legislação processual alemã, designa a prova testemunhal como “la peor
de las pruebas de acuerdo com el conocimiento de toda persona experimentada” e propõe
que fosse “eliminada em lo posible” (4).
Com efeito, a prova testemunhal nem sempre é segura. É comum deparar-se com
testemunhas que se esquecem de fatos relevantes, ou que não os conseguem narrar com
exatidão, ou, ainda, que não tenham observado atentamente o fato acontecido. Juntando-se
tais situações, a possibilidade de a testemunha mentir, estar-se-á, efetivamente, diante de
meio de prova cuja possibilidade de falha é muito alta.
A limitação à admissibilidade da prova testemunhal, assim, no Direito brasileiro,
impede que a mesma seja utilizada para provar a existência de alguns contratos, considerados
pela lei como mais relevantes, em virtude de seu valor pecuniário.
Mas o sistema brasileiro também não é perfeito. Considerando que o valor-teto para a

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designação dos contratos cuja existência pode ser provada por testemunhas é relativamente
pequeno, a grande maioria dos contratos deverá ser provada por outro meio, e aí é que
surgem diversos problemas. Não é incomum a realização de contratos de diversos valores sem
qualquer formalidade, e em tais casos não será possível ao contratante lesado a prova da
existência do contrato, o que lhe acarretará evidente prejuízo (5).
O direito italiano adota sistema sensivelmente diferente. Também naquele
ordenamento jurídico há limitação, em relação ao valor do contrato (6). Mas, como adverte
Salvatore Satta, “tal restrição não é absoluta uma vez que o juiz pode aceitar a prova além
daquele valor, considerando-se a aptidão das partes, a natureza do contrato e qualquer outra
circunstância (7/8). Com efeito, dispõe o art. 2.721 do CC italiano que “la prova per testimoni
dei contrati no è ammessa quando il valore dellóggetto accede le lire cinquemi. Tuttavia,
l’autorità giudizionaria può consentire la prova oltre il limite anzidetto, tenuto conto della
qualita delle parti, della natura del contrato” (9).
No Brasil, há algumas leis que admitem a utilização de prova exclusivamente
testemunhal da existência do contrato, independentemente de seu valor. É o que se dá com
os contratos agrários, os quais, de acordo com o art. 92, § 8º, do Estatuto da Terra, podem ser
provados apenas por testemunhas, qualquer que seja o valor do contrato (10). É
perfeitamente compreensível que contratos como os de parceria e arrendamento rural possam
ser provados exclusivamente por testemunhas, pois tais contratos são muitas vezes realizados
por pessoas que não detêm conhecimento técnico para elaborar um instrumento contratual
particular (11) Percebe-se a semelhança desta situação com a mencionada no art. 2.721 do CC
italiano, pois aqui também se atendeu à “aptidão das partes”.
Traçando-se um paralelo, no particular entre a legislação brasileira (CPC, art. 401, e
Estatuto da Terra, art. 92, § 8º) e a italiana (CC, art. 2.721), percebe-se que esta é a mais
avançada, pois permite que o juiz verifique as circunstâncias do caso, a fim de admitir ou não
a utilização da prova testemunhal, em relação a qualquer espécie de contrato. Desse modo,
houvesse previsão semelhante no art. 401 do CPC brasileiro, não só os casos de contrato
agrário poderiam ter sua existência demonstrada por testemunhas, mas também outros
contratos, em atenção às circunstâncias particulares do caso trazido ao juiz. A limitação do
art. 401 do CPC seria, assim, relativa.
Sistema semelhante ao brasileiro é adotado na Argentina. De acordo com art. 1.193 do
CC argentino, “los contratos que tengan por objeto una cantidad de más de diez mil pesos,
deben hacerse por escrito y no pueden ser probados por testigos” (12). O próprio Código,
contudo, prevê, no art. 1.191, algumas exceções à vedação da prova. Dentre elas, Lino
Henrique Palácio indica a seguinte: “Cuando una de las partes hubiese recibido alguna
prestación y se negase a cumplir el contrato. Esta excepción reconoce su fundamento en la
necesidad de evitar que el contratante de mala fe obtenga un beneficio indebido en
detrimento de la parte que cumplió las obligaciones a su cargo”. No Brasil, parte da doutrina
e da jurisprudência também tem admitido a utilização da prova testemunhal na hipótese
mencionada – como se verá adiante -, embora não haja, aqui, norma legal expressa,
semelhante à noticiada pelo processualista argentino.
Em síntese, pois, identificam-se três sistemas legais distintos, quanto à vedação da
prova testemunhal de acordo com o valor dos contratos: uma, que admite amplamente a
utilização da prova testemunhal: outra que estabelece limitação ao uso de tal prova, quando
o contrato for de valor superior ao limite estabelecido em lei; por fim, uma terceira
orientação veda a utilização da prova testemunhal em relação a contratos cujo valor
ultrapasse o limite legal, admitindo-a, contudo, em atenção às circunstâncias particulares do
caso.
O direito processual brasileiro, como visto, adotou a segunda orientação, no art. 401
do CPC. Mas as interpretações relacionadas ao referido dispositivo são muitas vezes
contraditórias, consoante se analisará a seguir.

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2. INTERPRETAÇÃO DO ART. 401 DO CPC NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA

Pode-se dizer que se formaram, na doutrina e na jurisprudência, três orientações sobre


o alcance do art. 401 do CPC. As quais determinam a adoção de critérios distintos, que
denominaremos de restritivo, ampliativo e intermediário.

2.1 Critério restritivo

A primeira orientação doutrinária e jurisprudencial, seguindo a lei à risca, manifesta-se


no sentido da inadmissibilidade da prova testemunhal, para prova de contratos cujo valor
exceda o teto disposto no art. 401 do CPC (14). Como corolário da aplicação desse critério,
impedida a produção de prova testemunhal da existência do contrato, não se poderá exigir do
credor o cumprimento da obrigação (15).
De igual modo, ainda para esta tendência, não se poderá provar por testemunhas a
realização do pagamento da dívida (cf. art. 403 do CPC). Nesse sentido, recentemente se
decidiu que a “prova exclusivamente testemunhal não se presta para comprovar o pagamento
da dívida, cujo valor extrapola o teto estabelecido no art. 401 do CPC” (16).
A adoção dessa orientação gera, de modo indubitável, diversos problemas. Por
exemplo, não se admitindo a produção de prova testemunhal do pagamento da dívida, numa
ação de cobrança, poderá o réu ser condenado a pagar montante que, eventualmente, já terá
sido pago.

A esse critério chamaremos de restritivo, no sentido de que delimita a utilização da


prova testemunhal apenas aos contratos cujo valor não ultrapasse o teto do art. 401 do CPC.

2.2 Critério ampliativo

Em sentido diametralmente oposto manifesta-se outra corrente, que admite a


demonstração da existência do contrato ou da realização do pagamento através de prova
exclusivamente testemunhal mesmo quando o contrato for de valor superior ao teto constante
no art. 401 do CPC. Aliás, é bastante comum, em diversas regiões do país, a realização de
contratos de valores bastante elevados, e para os quais somente existe prova testemunhal, a
qual acaba sendo admitida na jurisprudência (17). A respeito, já se decidiu, em sentido
contrário ao literalmente disposto no art. 401 do CPC, pela admissão de testemunhas para a
prova da existência de contrato de compra e venda (18). Utiliza-se o mesmo critério para
admitir-se a prova de pagamento, independentemente do seu valor (19). Em apertada síntese,
pode-se dizer que essa orientação baseia-se nos seguintes fundamentos: verificando, pelas
circunstâncias do caso (costumes da localidade, simplicidade dos contratantes etc.), que a
aplicação do disposto no art. 401 do CPC determinaria a perda do direito em litígio,
acarretando solução tida por injusta, o juiz deixa de aplicar o referido preceito legal.
Denominaremos esse critério, no presente trabalho, de ampliativo.
A aplicação do critério ampliativo, embora, por um lado, possa ser considerada ilegal,
por ferir o disposto no art. 401 do CPC, encontra respaldo noutro dispositivo legal, qual seja,
o art 5º da LICC (“na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às
exigências do bem comum”) (20). Ao se interpretar o art. 401 do CPC em atenção ao art. 5º da
LICC, a solução será a admissão da prova testemunhal – não obstante a vedação do art. 401 do
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CPC – sempre que isso se conformar com os fins sociais da citada norma e com as exigências
do bem comum (21).
O critério ampliativo encontraria, ainda, na doutrina, outro fundamento para o seu
emprego.
É que, se o Direito positivo somente se justifica na medida em que alcança a justiça –
como afirma Karl Engish (22) -, sempre que o juiz se deparar com art. 401 do CPC deverá
deixar de aplica-lo, na medida em que tal aplicação ocasionar uma injustiça. O art. 401 do
CPC seria considerado, assim, norma inexistente, por ser norma injusta. Verificada a ausência
de norma justa, surgiria, inevitavelmente, uma lacuna, denominada pela doutrina de lacuna
axiológica (23).
Constatada a existência de uma lacuna, há que se buscar o seu preenchimento, através
da analogia, costumes ou princípios gerais do direito, a teor do que dispõem os arts. 4º da
LICC e 126 do CPC.
Admitindo-se esta tese, no caso do art. 401 do CPC, configurada a existência de
lacuna, ela poderia ser suprida pelo costume, como uma das fontes supletivas de lacunas.
Segundo Maria Helena Diniz, “a realidade define a situação de um certo modo, e as normas,
de outro, o que leva a doutrina a concluir pela inaplicabilidade de tais leis, que estão em
desuso, aplicando-se, então um contra legem” (24).

2.3 Critério intermediário

Uma terceira tendência doutrinária e jurisprudencial enfoca de modo diferente a


questão em análise. Para esta corrente, não se pode permitir a prova da existência de
contrato de valor superior ao teto do art. 401 do CPC, mas nada impede que sejam provados
por testemunhas os fatos exteriores ao contrato. Deste modo, embora seja possível provar a
prestação do serviço, para efeitos de recebimento da indenização respectiva, não se poderá
valer do contrato para que a outra parte cumpra o avençado. Este critério, por nós
denominado intermediário, assemelha-se ao critério restritivo, pois ambos não admitem a
prova da existência do contrato cujo valor ultrapasse o limite do art. 401 do CPC. A diferença
reside em que, para o critério intermediário, embora não se possa demonstrar a existência do
contrato, e, conseqüentemente, não se possa extrair efeitos do contrato (p. ex., cobrança de
juros convencionais, multa contratual, etc.) (25), o contratante que já tiver cumprido aquilo a
que se obrigara poderá postular que a coisa lhe seja devolvida, ou que seja indenizado pelo
valor da mesma, mas tal postulação não terá por base o contrato, mas, sim – como têm
entendido os defensores dessa tese -, a vedação do enriquecimento sem causa (26). Como
escreveu Moacyr Amaral Santos, “nos exemplos apontados, a jurisprudência admite a prova
exclusivamente testemunhal não porque se prove por esse meio o contrato de mediação, de
prestação de serviços, de compra e venda de móveis, e sim porque se provam os fatos que
lhes correspondem, isto é, o serviço prestado, a entrega do móvel pelo vendedor ao
comprador. No caso de prestação de serviços, como o próprio Filadelfo Azevedo acentua, há a
considerar a admissibilidade de tal prova porque toda a prestação de serviços deve ser
remunerada, ‘evitando-se a galvanização de um enriquecimento indébito’ por parte de quem
daqueles se utilizou” (27). Arruda Alvim, embora não se fundamente na tese do
enriquecimento ilícito, manifesta opinião semelhante: “A circunstância de o art. 401 limitar a
prova do contrato, a certo valor, não significa que, se um dado serviço tiver sido efetivamente
prestado, não possa ser objeto de prova exclusivamente testemunhal, mesmo que o valor
pretendido exceda a esse valor legal. No entanto, in casu, ter-se-á feito prova do serviço
prestado e, em decorrência dela, obter-se-á o quantum devido por dita prestação de serviço.
(...). Como, porém, não se pode provar o contrato, segue-se que não podem operar efeitos
suas cláusulas que, são juridicamente insuscetíveis de comprovação, exceto na rara hipótese
de confissão pela parte ou terceiro” (28). A mesma orientação tem sido acolhida na
jurisprudência mais recente (29).
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De acordo com esta tese, considerando que não se poderão extrair efeitos do contrato,
eventual demanda a ser ajuizada por aquele que já cumpriu a obrigação não poderá ter por
objeto a condenação da outra parte ao pagamento da contraprestação. O contraente que já
cumpriu sua obrigação poderá, contudo, postular a repetição do indébito ou indenização por
perdas e danos, conforme seja possível a restituição daquilo que foi recebido indevidamente,
ou não (30).
A utilização desse critério não é recente. Luigi Mattirolo e Carlos Lessona noticiam
diversas decisões proferidas pela jurisprudência alienígena, no final do século passado, que já
abordava o tema (31). Aliás, os próprios autores citados controverteram a respeito. Mattirolo,
em obra publicada em 1902, defendia que “poderá a parte, não podendo provar através de
testemunhas a convenção relativa a objeto de valor excedente a 500 libras, conseguir, por
outra via, o seu intento, fazendo-se provar, por meio de testemunhas, um fato não
convencionado, do qual nasça seu direito” (32). Lessona criticou essa orientação. Afirmou o
referido autor que as decisões nesse sentido são “abiertamente contrarias a la ley, porque
exigir um determinado precio como remuneración de trabajos hechos por ordem de otro, es
um verdadero contrato” (33).
Não obstante as críticas que podem ser feitas ao critério em análise, é certo que o
mesmo, com maior ou menor rigor, tem sido aplicado por diversas decisões judiciais,
consoante noticiado retro. Mas a utilização do critério pode gerar alguns problemas,
consoante se passa a demonstrar.

3. A OPÇÃO DO AUTOR POR UMA DAS TESES, QUANDO DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA, E


CONSEQÜENTE NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR À TESE
ADOTADA

Caso o contratante que já cumpriu sua obrigação peça a condenação do outro


contraente ao adimplemento da contraprestação correspondente, sendo o juiz partidário do
último critério analisado (critério intermediário), não poderá condenar o outro contraente ao
cumprimento da contraprestação, pois não admitirá a realização de prova testemunhal do
contrato, ante a vedação disposta no art. 401 do CPC. Não poderá o juiz, por outro lado,
condenar o réu à repetição do indébito, se tal não tiver sido pedido, pois a sentença assim
proferida seria extra petita. Embora os pedidos de condenação ao cumprimento da
contraprestação e de restituição do indébito possam ser semelhantes, o juiz deverá julgar
estritamente dentro daquilo que tiver sido pedido, atentando-se não apenas ao pedido em si,
mas, também, à causa de pedir, que identifica o pedido (34). Ora, enquanto o pedido de
condenação ao cumprimento da contraprestação tem por causa de pedir o contrato
inadimplido (pressupõe-se, assim, que o contrato exista, para que tal demanda seja
procedente), o pedido de repetição de indébito tem causa de pedir justamente oposta, qual
seja, a inexistência de causa (= contrato) que justificasse o pagamento, que, por isso, é
indevido.
Caso, contrariamente entendendo que o juiz não admitirá a produção da prova
testemunhal, o autor ajuíze ação de repetição de indébito, poderá o réu, em sua resposta,
afirmar que não cabe repetição de indébito, pois o pagamento não era indevido, ante a
existência de contrato (35). Também nesse caso, o juiz deverá julgar improcedente o pedido
do autor, ante a inexistência do direito de repetir pagamento indevido.
Bem se percebe, pela análise das situações aventadas, que a diversidade de
orientações jurisprudenciais a respeito do tema pode trazer muitos prejuízos. Caso o pedido
tenha sido elaborado em atenção ao critério ampliativo, e o juiz, ou tribunal, sejam adeptos
do critério intermediário; ou vice-versa, a pretensão do autor não será atendida – embora o
mesmo possa, até mesmo, ter direito – porque não terá veiculado sua pretensão de acordo
com a orientação daquela vara cível ou daquela Câmara ou Turma para a qual foram
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distribuídos sua ação ou recurso.

4. SUGESTÕES PARA TENTATIVA DE SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS INDICADOS

4.1 Proposta de lege ferenda

A nosso ver, a melhor solução para a resolução dos problemas aventados é a


modificação de lege ferenda do art. 401 do CPC.
Data máxima vênia, deveria ser adotado sistema semelhante ao Código Civil italiano
(art. 2.721). Assim sendo, o art. 401 do CPC passaria a ter a seguinte redação:

Art. 401. A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor
não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que
foram celebrados. Parágrafo único: Poderá o juiz, todavia, admitir a produção de
prova testemunhal quando o contrato for de valor superior ao indicado neste artigo,
considerando-se a aptidão das partes ou da natureza do contrato.

Evidentemente, a decisão do juiz, deferindo ou indeferindo a produção da prova


testemunhal, deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX).

4.2 Possibilidade de elaboração de pedidos em ordem sucessiva (CPC, art. 289)

Enquanto a modificação indicada no subitem precedente não é realizada, de lege lata,


parece-nos que o critério que melhor se coaduna com a mens legis do art. 401 do CPC é o
intermediário. Enquanto o critério restritivo é capaz de causar evidentes prejuízos à parte
que não puder provar por testemunhas a sua pretensão, a adoção do ampliativo acabaria
permitindo a utilização do costume contra legem – situação esta, consoante demonstrado
retro, que somente pode ser admitida em hipóteses excepcionalíssimas. O critério
intermediário tem sobre os demais sistemas a vantagem de impedir o enriquecimento ilícito,
ao mesmo tempo em que não permite a utilização da prova testemunhal para a prova da
existência de contrato cujo valor ultrapassa o teto do art. 401 do CPC.
Mas a adoção deste critério não impede que ocorram problemas, como os apontados no
item 3, supra.
Para evitar isso, considerando que nem sempre será possível saber, de antemão, qual o
entendimento esposado pelo juiz ou tribunal perante o qual tramitará a demanda (36),
pensamos que a melhor solução seja a elaboração de pedidos em ordem sucessiva (cumulação
eventual ou alternativa de ações), a fim de que o juiz atenda o segundo pedido (ou pedido
subsidiário), caso entenda não ser cabível o primeiro (cf. art. 289 do CPC).
Desse modo, poderá o autor ajuizar ação de cobrança, postulando a condenação do réu
ao cumprimento da obrigação, ou se o juiz entender que tal pretensão é incabível, ex vi do
art. 401 do CPC, pedir a restituição do valor pago indevidamente, ou, ainda, caso a restituição
seja impossível (v.g., a coisa se perdeu), a condenação do réu ao pagamento das perdas e
danos. A mesma solução pode ser aplicada, mutatis mutandis, ao caso de contratos cujo

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objeto seja a prestação de serviços.
Observando-se o ora proposto, parece-nos que o autor não deverá sofrer qualquer
prejuízo: independentemente da orientação adotada pelo órgão jurisdicional, a pretensão
terá sido incoada de modo a adaptar-se a qualquer uma das teses expostas pela doutrina e
pela jurisprudência.

5. NOTAS

1. Há diversas limitações à utilização da prova testemunhal, além da referida no art. 401 do


CPC, analisada no texto. Rapidamente, podem ser lembradas as seguintes situações: a) não se
admite prova testemunhal quando se tratar de fato que somente possa ser provado por
documentos ou quando o documento tenha sido juntado aos autos, mas não impugnado pela
parte adversária (CPC, art. 372) -, ou em relação ao qual já tenha ocorrido confissão (CPC art.
400, I); b) quando não se trata de fatos já ocorridos a serem recordados, mas da análise de
coisa (móvel ou imóvel), para a qual se requer conhecimentos técnicos específicos, não caberá
a prova testemunhal, mas a pericial (CPC, art. 400, II); c) há atos que somente podem se
realizar validamente se observados certos requisitos formais determinados em lei, v.g., a
compra e venda de imóvel deve ser realizada mediante escritura pública, sob pena de
nulidade do contrato. Percebe-se que, no caso, não se trata apenas de restrição a
determinado meio de prova, pois a formalidade (escritura pública) é exigida para a validade
do ato jurídico. Fala-se, no caso em prova legal (cf. CPC, art. 366).

2. A limitação de utilização da prova testemunhal diz respeito a contratos, e não a outros


fatos jurídicos. Assim, corretamente, se decidiu: “Não viola os arts. 400, II, e 401 do CPC o
acórdão que permite a produção de prova testemunhal para a demonstração da solvência do
devedor, sendo certo que o juiz há de decidir a causa com base no conjunto probatório
formado, confrontando os elementos obtidos” (STJ 3ª T., AGA 165427-SP, rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, j. 07.05.1998, DJU 29.06.1998, p.183).

3. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, n. 202, p. 244. V., tb., no mesmo sentido,
Hernando Denis Echandia, Teoria general de la pruieba judicial, t. II, n. 219, p. 164-165.

4. Apud Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, t. II, p. 262. Leo Rosenberg, cita,
ainda, diversos autores que também criticam a ausência de qualquer limitação à utilização de
prova exclusivamente testemunhal (op. e loc. cits.).

5. V. item seguinte, onde os problemas decorrentes da aplicação do art. 401 do CPC serão
examinados.

6. Cf. Salvatore Satta, Direito Processual civil, v. I, n. 195, p. 342; Leo Rosenberg, op. e loc.
cits.; Moacyr Amaral Santos, op. E loc. cits., p. 246.

7. Op. cit., p. 342. V., também, Moacyr Amaral Santos, op. e loc. cits.

8. As hipóteses mencionadas no art. 2.721 do CC italiano são mais amplas eu as mencionadas

8
no art. 402 do CPC brasileiro. De acordo com o art. 402 do CPC, admite-se a prova
testemunhal quando: a) houver começo de prova por escrito, hipótese em que, obviamente,
sequer incide o art. 401 do CPC, que fala em prova exclusivamente testemunhal; b) quando
não se puder obter, moral ou materialmente, a prova escrita da obrigação, como nos casos de
parentesco, ou o de a prova escrita ter-se extraviado por caso fortuito (cf. Moacyr Amaral
Santos, op. cit., p. 250-257). Tais hipóteses são relativamente restritas, enquanto o art. 2.721
do CC italiano fala em qualquer outra circusntância suficiente a determinar a admissão da
prova testemunhal.

9. Referindo-se ao sistema italiano, Gia Antonio Micheli explica que “si tratta di um potere
squisitamente discrezionale del giudice che egli esercita dandone la motivazione, pur
contenuta nei limiti in cui è richiesta per l’ordinanza istruttoria” ( Corso de diritto
processuale civile, v. II, n. 136, p. 151). Desse modo, o juiz, admitindo a prova testemunhal
valendo-se da segunda parte do art. 2.721 do CC italiano, deverá motivar sua decisão,
embora, para Micheli, se trate de um potere squisitamente discrezionale. Segundo esclarece
Liebman, não caberá recurso de cassação contra a referida decisão, desde que a mesma
esteja motivada: “...está atenuada en el derecho vigente por la faculdad del juez de
consentir la prueba testimonial en consideración a las circunstancias arriba indicadas o de
otras relativas al caso particular, o bien que tengan carácter general en el tiempo y en lugar
Del contrato; consideraciones cuya apreciación, si está exaustivamente motivada, no puede
ser censurada en casación” (Manual de derecho procesal civil, n. 227, p. 361).

10. V., a respeito, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil
comentado, p. 645, nota 3 ao art. 401. Na jurisprudência, v. Theotônio Negrão, Código de
Processo Civil, p. 331, nota 6 ao art. 401 do CPC.

11. Como bem pondera Ernesto Lippmann, “é fato notório que, quanto mais rico o homem,
maior cuidado com que trata da elaboração de seus negócios, munindo-se de assessoria dos
melhores advogados; ao passo que entre as pessoas humildes a prática demonstra que a
própria utilização do instrumento escrito é rara. A impossibilidade da comprovação de um
negócio jurídico mediante o uso de testemunhas poderia levar a que, com freqüência, pessoas
simples fossem prejudicadas em favor daquelas economicamente mais fortes e que dominam
melhor os mecanismos legais do País” (Prova judiciária nas ações relativas a contratos cujo
valor supere 10 salários mínimos”, RT 642/262).

12. Cf. Lino Henrique Palácio, Manual de derecho procesal civil, n. 260, p. 474.

13. Op. cit., n. 260, p. 476.

14. Essa é a orientação que tem prevalecido na jurisprudência oriunda dos Tribunais de
Justiça e Alçada do Estado do Paraná: “Embargos à execução – Cheque – Julgamento
antecipado da lide – Cerceamento de defesa – Inocorrência – Aplicação do art. 401 do CPC –
Embargos improcedentes – Recurso improvido. Se o valor do título exeqüendo é superior à
previsão do art. 401 do CPC, não há que se falar em cerceamento de defesa pela não admissão
de prova testemunhal” (TAPR, 1ª Câm. Cív., ApCív. 0100728-5, rel. Juiz Ronald Schulman, j.
08.04.1997, DJPR 25.04.1997); “Ação ordinária de cobrança. Valor do contrato superior ao
décuplo do salário mínimo vigente à época. Inexistência de início de prova escrita.
Inviabilidade de prová-lo só com testemunhas. Ônus probante de que também não se
desincumbiu o autor. Demanda julgada improcedente. Sentença confirmada. Apelo improvido.
É inadmissível a prova exclusivamente testemunhal nos contratos cujo valor excede o limite
imposto pelo art. 401 do CPC”. (TJPR, 3ª Câm. Cív., Ap. Civ. 50502400, rel. Juiz Sérgio
Arenhart, j. 11.11.1997, DJPR 22.12.1997); “Apelação cível – Ação ordinária de
9
reconhecimento e dissolução de sociedade de fato cumulada com partilha de bens – Agravo
retido – Ausência de razões – Não conhecimento – Contrato cuja taxa excede o limite legal –
Inadmissibilidade de prova exclusivamente testemunhal – Inocorrência de começo de prova
escrita – Exegese dos arts. 401 e 402, I, do CPC - Recurso desprovido, unânime. A teor do que
dispõe o art. 401, do CPC, não se admite prova exclusivamente testemunhal nos contratos
cujo valor exceda o limite estabelecido em lei” (TJPR, 5ª Câm. Cív., Ap. Cív 65764700, rel.
Juiz Jeorling Cordeiro Cleve, j. 23.06.1998, DJPR 17.08.98); “Civil. Rescisão contratual.
Compromisso de compra e venda. Imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação. I.
Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova do fato dependente de prova exclusivamente
documental. Impossibilidade de prova exclusivamente testemunhal, por exceder o contrato o
limite legal. (...)” (TJPR, 1ª Câm. Cív, ApCív 67023900, rel . Des. Ulysses Lopes, j. 25.08.1998,
DJPR 14.09.1998); “O julgamento antecipado da lide, sem produção da prova exclusivamente
testemunhal, não configura cerceamento de defesa e nem viola o princípio do contraditório,
mormente quando esta basta para suprir a ausência de prova documental, nos contratos
excedentes ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país (art. 401, CPC)” (TJPR 4ª Câm.
Cív. Ap.Civ 69438800, rel Dês. Dilmar Kessler, j. 16.11.1998, DJPR 07.12.1998); “A adoção far-
se-á por escritura pública ou instrumento particular, exceto se versar sobre bens móveis de
pequeno valor (art. 1.168, par. ún. Do CC), como tal não se podendo considerar um automóvel
que, na época em que teria ocorrido a suposta doação, valia 81,2 salários mínimos. Mesmo
que a legalidade fosse reconhecida, em função do valor do bem, a existência do contrato de
doação não poderia ser provado exclusivamente por prova testemunhal, tendo em vista o
disposto no art. 401, do CPC” (TJPR, 3ª Câm. Cí., ApCiv 60387000, rel. Juiz Ivan Bortoleto j.
22.12.1998, DJPR 08.031999); “Responsabilidade civil – Contrato de depósito bancário –
aplicações financeiras – Descumprimento – Danos materiais e morais – Ausência de provas –
Valor superior ao décuplo do salário mínimo – Prova exclusivamente testemunhal –
Inadmissibilidade – CPC – arts. 333, e 401 – Recurso provido, por maioria. Incumbe ao autor o
ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito invocado. Nos contratos de valor superior
ao décuplo do salário mínimo é inadmissível a prova exclusivamente testemunhal. Inteligência
dos arts. 333, I e 401 do CPC” (TJPR, 5ª Câm Cív, Ap.Civ 68789600, rel. Des. Antonio Carlos
Schiebel, j. 22.12.1998, DJPR 26.04.99).

15. De acordo com Geraldo Arruda, “essa vedação é válida para a prova de contrato ou de
cláusulas contratuais das quais alguém se pretenda valer como fonte de obrigações. Não se
pode exigir o adimplemento de uma pretendida obrigação quando a certeza do acordo de
vontades dependa de prova exclusivamente testemunhal, nem se pode pretender do suposto
devedor responda pelas conseqüências da inexecução dessas supostas obrigações contratuais”
(“Interpretação e alcance do art. 401 do CPC”, RT 688/251).

16. TJMT, 1ª Câm. Ag 5.464, rel. Des. José Jurandir de Lima, j. 08.05.1995, Adcoas de
10.05.1996, n 8.149.746, apud Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, v. 2, p.
1.719-1.722. Seguindo a mesma linha, já decidiu o STJ: “No caso de contrato de corretagem,
cujo valor excede o limite previsto em lei, não se admite, para prová-lo a prova
exclusivamente testemunhal” (STJ, 3ª T., Resp 11.553-MG, rel Min. Nilson Naves, j.
17.12.1991, RSTJ 37/419, apud Alexandre de Paula, op. e cits.). De igual modo, manifestou-se
o TACivSP: “ Aprova de pagamento de alugueres e encargos locatícios há de ser feita por
escrito, tal como assim preceitua a regra do art. 639, do CC. Revela-se despropositada a
pretensão de provar isso exclusivamente por depoimentos, diante da vedação legal inscrita no
art 401 do CPC” (2º TACivSP, 9ª Câm., Ap 46767900/9, rel Juiz mariano Siqueira, JTACivSP
163/427, apud Alexandre de Paula, op. e loc. cits.).

17. Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, Curso
avançado de direito processual civil, p. 525-526.

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18. “Segundo os usos e costumes dominantes no mercado de Barretos, os negócios de gado,
por mais avultados que sejam, celebram-se dentro da maior confiança, verbalmente, sem que
entre os contratantes haja troca de qualquer documento. Exigi-lo agora seria, além de
introduzir nos meios locais um fato de dissociação, condenar de antemão, ao malogro, todos
os processos judiciais que acaso se viessem a intentar e relativos à compra de gado” (TJSP,
Acórdão de 15.05.1941, RT 132/660, apud Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, p. 208;
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit. 645, nota 4 ao art. 401 do CPC).
Atente-se que a decisão ora transcrita foi proferida na vigência do Código de Processo Civil
anterior, cujo diploma não possuía disposição legal semelhante ao atual art. 401. Vigia, à
época, o art. 141 do CC, cuja finalidade era a mesma do atual art. 401 do CPC. Com a entrada
em vigor do CPC atual, restou revogado o art. 141 do CC (cf. Arruda Alvim, Manual de direito
processual civil, v. 2., n. 172, p. 445). Por isso, as decisões exageradas na vigência do CPC
anterior são em tudo aplicáveis ao presente estudo, mutatis mutandis.

19. “O adimplemento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, avençado por


público instrumento, pode ser comprovado por meio de testemunhas, nas circusntâncias de
cada caso concreto” (STJRJ 180/61, apud Theotonio Negrão, op. cit., p. 331, nota 5 ao art.
401 do CPC).

20. Explica Arruda Alvim que “na tarefa da interpretação da lei, como habitualmente se diz,
tem-se de levar em consideração diversos aspectos relevantes, que se colocam como
autênticas premissas ao correto equacionamento do assunto: 1º a lei – entendida como
sinônimo de texto legal – é menor do que o Direito – entendido este último como sistema; 2º
há, entre a lei e o Direito (= sistema), uma relação de parte para o todo; 3º logo, a
interpretação da lei envolve, necessariamente, a consideração de todo o sistema, pois aquela
há de ser entendida à luz dos princípios informadores deste; 4º assim, na interpretação da lei
processual civil, necessário será, além da consideração do próprio sistema processual, ter em
vista o que dispõem certas normas de sobredireito. Principalmente, há que se atentar para o
art. 5º da LICC, (...), e outros dispositivos similares” (Manual de direito processual civil, v. I,
n. 47, p. 147). Nelson Nery Junior, comentando o movimento da “justiça alternativa”,
também defende a aplicação do art. 5º da LICC: “A aplicação do direito pelo método da
justiça alternativa, portanto, nem ofende o Estado de Direito, nem tem a dimensão que se lhe
pretende atribuir, já que o direito positivo brasileiro concede autorização para o juiz
interpretar a norma segundo seus fins sociais e tem em atendimento ao bem comum,
postulados principais da escola da justiça alternativa”. (Princípios do processo civil na
Constituição Federal, p. 106). V., igualmente justificando a aplicação do art. 5º da LICC, Maria
Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 135 et seq., esp. p.
158.

21. Não são poucas as decisões relativas às provas em que o juiz, desviando-se da letra fria da
Lei, atente às circunstâncias específicas do caso, procurando decidir do modo mais justo
possível. É o que exprime a seguinte decisão, emanada do STJ: “Os negócios de vulto, de
regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando os contratantes são pessoas
simples, não afeitas às formalidades do direito. Tal acontece com os chamados bóias-frias,
muitas vezes, impossibilitados, dada a situação econômica, de impor o registro em carteira.
Impor outro meio de prova, quando a única for a testemunhal, restringir-se-á a busca da
verdade real, o que não é inerente ao Direito Justo. Evidente a inconstitucionalidade da Lei
8.213/91 – art. 55, §3º e o Dec 611/92 – arts. 60 e 61” (STJ, 6ª T., Resp 55.4381/SP, rel Min
Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 25.10.1994, DJ 03.04.1995, apud Alexandre de Paula, op. cit., v.
2, p. 1719).

22. “onde a injustiça do Direito positivo atinge um grau tal que, em face dela, a segurança
jurídica, garantida pelo mesmo Direito positivo, deixa mesmo de ter relevância – num caso

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destes o Direito positivo injusto tem de ceder o passo à justiça (...). A justiça – e o mesmo se
poderia dizer para a conveniência prática (Zweckmassigkeit) – é não só um princípio imanente
mas também um princípio transcendente do Direito. Quer isto dizer: nós entendemos o
Direito, não apenas como expressão do esforço efetivamente feito pelo legislador para
realizar a justiça, para depois nos perguntarmos se o próprio legislador negou parcialmente
este princípio por amor doutros, mas ainda no sentido de que a justiça ela mesma é a ‘idéia
do Direito’ pela qual nós a cada passo havemos de apreciar se o Direito positivo é ou não digno
de validade” (Introdução ao pensamento jurídico, p. 320-321).

23. Maria Helena Diniz classifica as lacunas em três espécies: 1ª) normativa, quando se tiver
ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não
corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais,
o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva; e 3ª) axiológica, no caso
de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for
aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta” (As lacunas no direito, p. 95).

24. As lacunas no direito, p. 210.

25. Aparentemente em sentido contrário: “A jurisprudência tem entendido em termos a


restrição decorrente do valor do contrato, de modo a limitá-lo apenas àqueles casos em que a
lide restritamente se refira à questão da existência ou não do contrato. Quando, porém, o
contrato, mesmo sem ser reduzido a escrito, já gerou efeitos entre as partes, esses feitos
podem perfeitamente ser comprovados por testemunhas” (TJPR, 3ª Câm. Cív, ApCiv 62084200,
rel Juiz Ivan Bortoleto, j. 24.11.1998, DJPR 22.02.99).

26. Orientação semelhante, consoante já afirmado no item 1, retro, e de acordo com o que
leciona Lino Henrique Palacio, é adotada expressamente pelo Código Civil argentino (art.
1.191).

27. Prova judiciária no cível e comercial, v. III, p. 329-330.

28. Manual de direito processual civil, v. 2, n. 172, p. 445.

29. “É admissível a prova exclusivamente testemunhal, quando não se tenha por objetivo
provar a existência do contrato em si, mas a demonstração dos efeitos de fato dele
decorrentes em que se envolveram os litigantes” (STJ, 4ª T., Resp 187461-DF, rel Min. Barros
Monteiro, j. 23.02.1999, DJU 28.06.1999, p. 119); “I – Em linha de interpretação construtiva,
tem-se que os efeitos de fato entre as partes, assim como os serviços prestados, podem se
provados por testemunhas, já que a lei se refere apenas a contratos, não incidindo o art. 401,
CPC. II – Em outras palavras não se permite provar exclusivamente por depoimentos a
existência do contrato em si, mas a demonstração dos fatos que envolveram as litigantes, bem
como as obrigações e os efeitos decorrentes desses fatos, não encontram óbice legal, inclusive
para se evitar o enriquecimento sem causa” (STJ, 4ª T., Resp 139236-SP, rel Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. 24.11.1998, DJU 15.03.1999, p. 230); “A inadmissibilidade da prova
testemunhal, nos termos do art. 401 do CPC, diz respeito ao próprio conteúdo do contrato ou
do negócio jurídico, em si; é ela, contudo, perfeitamente possível para prova da existência
dos fatos dos quais decorram conseqüências jurídicas, sem incidir na regra limitativa” (2º
TACivSP, 1ª Câm., Ap. 46648300/4, rel Juiz Renato Sartorelli, j. 14.10.1996, apud Alexandre
de Paula, op. cit, v. 2, p. 1722). Invocando a proibição do enriquecimento sem causa para
justificar a admissibilidade da prova testemunhal, na hipótese, assim decidiu o E. TJPR:
“Prova exclusivamente testemunhal – valor superior ao previsto no art. 401 do CPC – Efeitos
12
pretéritos – Admissibilidade (...). Vedada a produção de prova exclusivamente testemunhal
em relação aos efeitos futuros do contrato celebrado entre as partes, mas não quanto aos
efeitos pretéritos, sob pena de causar o enriquecimento sem causa, o que é repudiado pelo
nosso ordenamento jurídico” (TJPR, 4ª Câm. Cív, ApCiv 57418500, rel Juiz Lauro Laerte de
Oliveira, j. 09.06.1999, DJPR 28.06.1999).

30. Nesse sentido, observa Geraldo Arruda: “Nesse caso deixa o contrato verbal de ser
considerado fonte direta de obrigação, passando a considerar-se como fonte de obrigação os
atos ou fatos que forem idôneos para produzi-las. A matéria pode ser iluminada pelos
princípios do pagamento indevido e do enriquecimento sem causa. Aquele que se beneficiou
com a prestação da outra parte não pode locupletar-se indevidamente. E a execução da
prestação corresponde a um contrato nulo ou ineficaz pode caracterizar o indébito e gerar o
correlativo direito de repetir” (op. loc. cits., p. 251).

31. MATTIROLO, Luigi. Tratado di diritto giudiziario civile,v. II, n. 337, p. 307; LESSONA,
Carlos. Teoria general de la prueba en derecho civil. t. IV, n. 57, p. 90-91.

32. Tradução livre o original a seguir: “Potrà quindi avvenire che la parte, la quale non puó
provare com testimoni la convenzione, volgente sopra oggeto di valore eccedente le 500 lire,
riesca, per altra via, nel suo intento; facendosi cioè a provare, col mezzo di testimoni, il fatto
non convenzionale, da cui, nasce il suo diritto” (op. Loc. Cits., n. 337, p. 307).

33. Op. cit., n. 57, p. 91. Em abono à sua tese, Lessona cita o seguinte exemplo, colhido na
jurisprudência italiana: “A, proprietário deponente, pide a B la restituición Del deposito cuyo
valor excede de 500 liras+n. El Tribunal de apelación de Turin lê consiente la prueba testifical
propuesta en forma de reivindicación de la mercaderia, y no en forma de la acción que nasce
del deposito. Obrando rectamente el Tribunal de casación, rechazó este medio de violar la
ley” (op. Cit., n. 57, p.90).

34. Consoante ensina Arruda Alvim, “a decisão extra petita poderá consistir num
pronunciamento excedente sobre o tipo de ação (‘pedido imediato’) propriamente dito, como,
ainda será também extra petita se, conquanto atendido o pedido, tal ocorra por outra causa
petenti. Assim, se alguém solicita separação judicial, fundada em determinada injúria grave,
e o juiz decreta a separação, mas baseado em adultério (não alegado), padece tal sentença
do referido vício. Isto porque, conforme tivemos oportunidade de salientar, embora a causa
petendi não integre o pedido, ela o identifica. Assim, se o autor faz o pedido x baseado na
causa de pedir xl, e se o juiz conhecer o ‘mesmo’ pedido x pela causa de pedir y, não estará,
na verdade, concedendo o mesmo pedido” (Manual de direito processual civil, v. 2, n. 301, p.
653).

35. É possível que haja confissão e, caso isso ocorra, o contrato terá sua existência provada. O
art. 401 do CPC apenas não permite a utilização de prova testemunhal, na hipótese que
enuncia. Havendo confissão, desnecessária será – em regra (v. art. 320 do CPC) – a perquirição
acerca da existência do contrato (v. tb. arts. 334, II, e 400, II).

36. A dúvida quanto à tipificação do suposto ou da conseqüência jurídica é, para Calmon de


Passos, o fundamento da admissibilidade da cumulação de pedidos, em hipóteses como a
descrita no texto (Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, n. 157.2, p. 252-253). V.,
tb., Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, v. 2., n. 92, p. 239.

13
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WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso
avançado de processo civil. São Paulo : Ed. RT, 1998.

15
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL
Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em


DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Disciplina

Prova, Sentença e Coisa Julgada

Aula 2

LEITURA OBRIGATÓRIA II

José Carlos Barbosa Moreira


Professor Titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Presidente do Instituto Ibero-Americano do Direito Processual.

O JUIZ E A PROVA

Como citar este artigo:

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Juiz e a Prova. Revista de Processo,


n. 35, ano IX, p. 178-184, abr-jun 1984. Material da 2ª aula da
disciplina Prova, Sentença e Coisa Julgada, ministrada no Curso de
Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil –
UNISUL - IBDP – REDE LFG.

16
Sr. Presidente, de Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil; Eminente
homenageado desta cessão , Des. Amaro Martins de Almeida; Senhores Desembargadores e
meus queridos Colegas; Senhores Magistrados; Senhores Membros do Ministério Público;
Senhores Advogados; minhas Senhoras e meus Senhores.
Fiquei duplamente desvanecido ao receber o convite da subseção de Itaperuna, para
proferir esta palestra no dia de hoje. Em primeiro lugar, por ter partido ela da Ordem dos
Advogados do Brasil, entidade a que me orgulhei de pertencer por muitos anos, inclusive
como membro do Conselho Seccional do antigo Estado da Guanabara, e que até hoje ocupa,
como é natural, um lugar especial no meu coração. Segundo, porque esta palestra se insere
no contexto de festividade assinalada por uma das homenagens mais justas a que já assisti em
toda a minha vida e que se dirige a esta figura verdadeiramente modelar de Magistrado, que
é o Des. Amaro Martins de Almeida, de quem ser colega, e mais que colega, ser amigo, é uma
honra insigne.
Versará esta palestra, que procurei não fazer tão extensa, que representasse uma
retribuição inadequada da calorosa hospitalidade com que fui recebido, sobre o tema “O Juiz
e a Prova”.
Todos os que temos alguma experiência da vida judiciária, sob qualquer de seus
aspectos, entendemos perfeitamente que é muito pequeno o número das causas que se
podem julgar à luz da solução de puras questões de Direito. Na maior parte dos casos, na
imensa maioria dos casos, a dificuldade consiste principalmente nas questões de fato. E as
questões de fato, tem o juiz que resolvê-las através da mediação das provas, já que o juiz,
em regra, não tem conhecimento pessoal e direto dos acontecimentos que deram origem ao
litígio. E ainda, quando porventura, casualmente, tenha esse conhecimento, porque, por
exemplo, assistiu da janela de sua casa ao acidente de trânsito, não está o juiz autorizado a
valer-se desse seu conhecimento pessoal e direto na fundamentação de sua sentença, pela
razão simples e óbvia de que não pode funcionar ao mesmo tempo como juiz e como
testemunha, o que implicaria, para ele, a necessidade de valorar o seu próprio depoimento. O
acesso do juiz aos fatos dá-se, conseqüentemente, por meio da prova, e, se a maior
dificuldade consiste, as mais das vezes, repito, na reconstituição dos fatos, então se pode
muito bem compreender que a prova seja, as mais das vezes, a encruzilhada decisiva do
processo. Daí a importância do assunto, que não precisa, a meu ver, ser mais ressaltada.
Gostaria de desdobrar as minhas considerações sobre o tema em três tópicos, que
dizem respeito às diferentes maneiras pelas quais o juiz se relaciona com a prova, ao longo do
processo. O primeiro tópico concerne à determinação da prova: o segundo, à realização da
prova; e o terceiro, à valoração da prova. A meu ver, é essencialmente através desses três
momentos sucessivos que se desenvolve, na sua substância, a atividade do juiz em matéria de
prova.
Acerca do primeiro tópico, isto é, da determinação da prova, devo desde logo
acentuar uma tendência que se observa nas legislações processuais mais modernas,
praticamente em todo o mundo, ou pelo menos em todo o mundo de que tenho notícia, no
sentido de acentuar o papel do juiz, a participação do juiz, nessa etapa da atividade
instrutória. A esse respeito posso, por exemplo, citar, ao acaso quase, o novo Código de
Processo Civil francês de 1975, cujo art. 10º expressamente confere ao juiz o poder de
determinar de ofício todas as medidas de instrução legalmente admitidas. Semelhante
tendência espelha uma mudança de mentalidade, que se processa de algumas décadas a esta
parte.
Até certo tempo atrás, vivia o direito processual mergulhado numa atmosfera cultural
marcada de individualismo. Assim como no plano econômico, se queria o Estado o mais
possível alheio às disputas entre os particulares (“laisser faire, laisser passer”),
analogamente, na órbita judiciária também se queria o juiz inerte ao seu pedestal,
espectador frio e distante do duelo entre as partes e privado de qualquer possibilidade de
tomar suas próprias iniciativas no sentido da averiguação da verdade. Essa mentalidade vem
evoluindo e vem-se modificando acentuadamente nos últimos tempos. Percebe-se que, se é
17
função do juiz julgar, e julgar bem, e julgar com justiça, é sua função, por definição, aplicar
normas jurídicas a fatos. E, para bem aplicar normas jurídicas a fatos, parece obviamente
imprescindível conhecê-los bem, a esses fatos.
Algumas objeções doutrinárias se têm erguido a essa tendência de outorgar ao juiz
maiores poderes instrutórios utilizáveis ex officio. Fala-se muito, a esse respeito, do princípio
dispositivo, expressão altamente equívoca, utilizada, muitas vezes, em acepções bastante
diversas, mas que, pelo menos do ponto de vista histórico, estaria ligado à idéia da
disponibilidade das relações jurídicas que se discutem no processo. Talvez por influência de
uma circunstância que se observa no estudo do direito comparado: a de que, em grande
número de países, aquilo a que se chama “processo civil” realmente só se ocupa de litígios de
direito privado. Não é essa, como todos sabem, a realidade normativa brasileira. No Brasil, a
expressão “Processo Civil” tem um sentido muito mais amplo, e dentro do processo civil se
discutem e se decidem litígios até de direito público, de direito administrativo, de direito
tributário, de direito constitucional, para não falarmos em áreas do próprio direito privado,
que, a despeito de o serem, todavia se subtraem à disponibilidade das partes, como é o caso,
por exemplo, das relações jurídicas do direito de família, que, apesar de pertencerem ao
direito civil, são, pelo menos na sua enorme maioria, indisponíveis. Já isto nos deve acautelar
contra uma invocação demasiadamente fácil do princípio dispositivo, ao menos nessa
acepção, para justificar objeções que se pudessem erguer ao exercício de poderes instrutórios
oficiais por parte do juiz, independentemente da iniciativa das partes. Mas, ainda a abstrair-
se dessa circunstância, não parece concludente o raciocínio. Diz-se: se a parte pode dispor do
seu direito, a tal ponto que lhe é livre a decisão de iniciar ou não iniciar um processo para
postulá-lo, então, também é natural que se deixe ao cuidado da parte trazer para os autos as
provas dos fatos que porventura lhe aproveitem, que sirvam de fundamento ao seu alegado
direito. Se ela não o faz, é porque está dispondo do seu direito, o que lhe é lícito fazer. O
raciocínio, além de assentar-se no que já mostrei ser uma premissa em grande parte falsa,
porque no Processo Civil, repito, não se cuida somente de relações jurídicas disponíveis, é
também sofístico: da circunstância de alguém poder dispor da relação jurídica de direito
material controvertida, não se infere necessariamente que passa dispor da relação jurídica
processual, que é distinta e que vive sob o signo publicístico, e não sob o signo privatístico.
Mas que parece que tudo isso gira em torno de um enorme equívoco, porque, quando
se diz que se deve deixar às partes trazer ou não as provas que quiserem, e se não as trazem
é porque estão dispondo de um direito seu, esquece-se que, ainda que as partes possam
dispor de seus direitos, nenhum poder de disposição têm elas sobre o poder do juiz de
averiguar o fato. Esse poder, se não quisermos incorrer em “petição de princípio”, isto é, dar
por demonstrado o que seria necessário demonstrar, não é um poder exclusivo da parte.
Aliás, nenhuma lei no mundo, hoje, consagra o absoluto monopólio, o absoluto privilégio das
partes na atividade de carrear para os autos o material probatório.
Outra objeção que se costuma suscitar é a da conveniência de preservar a
imparcialidade do juiz. Alega-se que, se o juiz desce do seu pedestal para tomar ele próprio a
iniciativa de pesquisar a verdade, pode tornar-se parcial, pode perder a indispensável
neutralidade, porque vai beneficiar uma das partes. Ora, em primeiro lugar, quando o juiz
toma a iniciativa de determinar a realização de alguma prova, quando o juiz, por exemplo,
ordena uma perícia, não dispondo de bola de cristal, nem sendo futurólogo, não pode,
evidentemente, prever, adivinhar qual vai ser o resultado daquela diligência e, portanto, a
qual das partes a sua iniciativa em verdade beneficiará. Pode, em certa situações, formular
conjecturas, não porém prever com absoluta certeza. Por outro lado, a ser verdadeiro esse
argumento, provaria demais. Há certos tipos de processos, a respeito dos quais ninguém
duvida da possibilidade e da conveniência de uma atividade instrutória ex officio por parte do
juiz; por exemplo, o Processo Penal. Pergunta-se: porventura no Processo Penal é menos
valiosa a imparcialidade do juiz? Porventura no Processo Penal não será também necessário
que o juiz se revele imparcial? Evidentemente que sim. Tudo gira em também aqui em torno
de um equívoco, o conceito de parcialidade ou de neutralidade.
Ao juiz não deve importar que vença o litígio, que saia vitorioso, o indivíduo “X” ou o
indivíduo “Y”, considerados nas suas características de indivíduos. Mas deve importar, sem

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sombra de dúvida, que saia vitorioso quem tem razão. A este ângulo, não há neutralidade
possível. Ao juiz, como órgão do Estado, interessa, e diria que a ninguém interessa mais do
que a ele, que se faça justiça, isto é, que vença aquele que efetivamente tenha razão. Ora, a
este é que vai beneficiar a diligência ordenada pelo juiz. Logo, a iniciativa de determiná-la
não significa, em absoluto, quebra de dever de imparcialidade.
Aliás, entre parênteses, deve observar-se que o risco da parcialidade ronda o juiz a
cada momento da sua atividade, ao longo do processo. E se ele quiser ser parcial, não é por
tal forma que se vai poder impedir este lamentabilíssimo resultado. As verdadeiras maneiras,
os melhores remédios para prevenir a influência de simpatias ou antipatias que o juiz possa
sentir, de temores ou de gratidões, ou daqueles outros sentimentos que podem influenciar o
espírito humano, no momento de julgar, as melhores maneiras de evitar essa influência, ou
de reduzi-la ao mínimo possível, não têm nada que ver com o cerceamento do juiz, naquilo
que, ao contrário, é inerente à sua tarefa de julgar, a saber, a pesquisa da verdade. Pesquisa,
sabemos, de resultados, ai de nós, sempre relativos, digo até precários, com os nossos
rembados instrumentos humanos. A parcela da verdade que podemos realmente atingir é
reduzida; mas ao menos que se busque essa: antes de buscar essa, do que não buscar
nenhuma.
Pois bem, eu diria que os verdadeiros modos de exorcizar o fantasma da parcialidade
consistem, sobretudo, em submeter a atividade do juiz à observância do princípio do
contraditório, em impor ao juiz o dever de realizar a atividade de instrução sob a égide do
contraditório, e proibi-lo de levar em conta na sua decisão qualquer elemento probatório
colhido sem que as partes tivessem a oportunidade de participar, tanto quanto possível, da
colheita, ou pelo menos, de manifestar-se sobre os resultados obtidos. E também, e
principalmente, o dever da motivação, ao qual voltarei daqui a alguns minutos.
Perguntar-se-á: e que fica, depois de tudo isso, do chamado ônus da prova? Não será
verdade que a lei atribui às partes o ônus de provar os fatos que lhes possam aproveitar? Não
será verdade que a lei chega ao cuidado de proceder a uma classificação dos fatos, para dizer
que ao autor compete o ônus da prova do fato constitutivo e ao réu compete o ônus da prova
dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos? A doutrina moderna, estudando o problema
do ônus da prova, assentou uma conclusão muito interessante: As regras que distribuem esse
ônus são regras destinadas a ser aplicadas em relação aos fatos que afinal não se provam, que
afinal não resultam provados. O juiz não tem que preocupar-se com as regras legais da
distribuição do ônus da prova, a não ser no momento de sentenciar. Aí então, verificando que
determinado fato não foi provado, ele terá de imputar a alguém as conseqüências
desfavoráveis da falta da prova daquele fato: eis aí para que servem as regras sobre a
distribuição do ônus da prova. Se ele verifica que o fato não provado era o constitutivo,
atribui ao autor as conseqüências nefastas dessa lacuna probatória. Se ele verifica que a
prova faltante é de fato impeditivo, modificativo ou instintivo, quem suportará as
conseqüências melancólicas será o réu.
Assim, essas regras, quando se aplicam, é porque já se fez tudo que se devia ter feito
no sentido de conseguir a prova do fato. E basta pensar no seguinte: se a prova for feita,
pouco importa a sua origem. Nenhum juiz rejeita a prova do fato constitutivo, pela simples
circunstância de ter sido ela trazida pelo réu. Nem rejeita a prova de um fato extintivo pela
circunstância de, porventura, ter sido ela trazida pelo autor. A prova do fato não aumenta
nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo
adversário. A isso se chama o “princípio da comunhão da prova”: a prova, depois de feita, é
comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco
importa a sua proveniência. E quando digo que pouco importa a sua proveniência, não me
refiro apenas à possibilidade de que uma das partes traga a prova que em princípio
competiria à outra, senão também que incluo aí a prova trazida aos autos pela iniciativa do
juiz. Então, as regras sobre o ônus da prova subsistem; não são afetadas pelo poder do juiz de
determinar ex officio a realização de quaisquer provas, porque elas constituem a última
solução, a tábua de salvação que a lei atira ao juiz em contrapartida da proibição que lhe
impõe de deixar de julgar por não ter conseguido formar uma convicção segura. No velho

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Direito Romano, quando o juiz não conseguia formar uma convicção segura sobre os fatos,
dizia: “non liquet”, não está claro, e o processo recomeçava perante outro juiz.
Nenhum de nós (infelizmente, às vezes é o caso de dizer) goza hoje dessa
possibilidade. Temos de decidir, quer tenhamos, quer não tenhamos conseguido formar uma
convicção segura acerca de todos os fatos relevantes. Não podemos dizer “não está claro,
comecem outra vez”. Então, aí sim, é chegado o momento de vermos a quem desaproveita a
lacuna no material probatório. Aí é chegado o momento de sabermos se é o autor ou se é o
réu que vai suportar as conseqüências nocivas dessa lacuna, isso em nada afeta, e em nada se
contrapõe à iniciativa oficial, porque a aplicação das regras sobre o ônus da prova, o
julgamento segundo o ônus da prova, é uma tragédia psicológica para qualquer juiz de
sensibilidade apurada. Esse julgamento, segundo o ônus da prova, só deve sobrevir depois que
se esgotarem todos os meios. E não está dito em parte alguma que entre esses meios não
possa figurar a iniciativa do juiz.
O segundo momento é o da realização da prova. E aqui desejo deter-me, sobretudo,
em algumas considerações sobre a chamada prova oral, já que, no tocante à prova
documental, a participação do juiz é, afinal de contas, bastante secundária neste momento,
limitando-se ele, em regra, a deferir ou a indeferir a juntada do documento. Na prova oral,
ao contrário, o papel do juiz é de primeira importância; e quando falo em prova oral,
evidentemente, refiro-me aos depoimentos pessoais das partes, aos depoimentos das
testemunhas, eventualmente dos peritos. Essa prova é toda ela carreada para os autos,
obrigatoriamente, por intermédio do juiz. É o juiz que formula perguntas, ainda quando elas
lhe sejam requeridas pelos advogados das partes. É o juiz que dita para o datilógrafo as
respostas do depoente, de modo que o juiz é a peça mestra, decisiva na colheita dessa prova.
Seria de desejar que o juiz, a essa altura, já tivesse podido estudar os autos com suficiente
vagar para poder formar uma idéia da causa, saber quais são os pontos efetivamente
relevantes, e, portanto, ter um critério que o guiasse quer na formulação das sua próprias
perguntas, quer no deferimento ou indeferimento das perguntas que lhe sejam requeridas
pelos advogados das partes. Seria também de desejar que a inquirição se realizasse num lugar
tranqüilo, agradável, em que o depoente se sentisse à vontade e, portanto, mais inclinado a
expressar-se com liberdade, com naturalidade, o que significa, em regra, com sinceridade.
Ai de nós! As circunstâncias reais são bem diferentes. Não vou entrar aqui na
indagação das causas, que são múltiplas, mas todos nós que exercemos a função jurisdicional
neste Estado, neste País, sabemos que tais condições, em geral são extremamente
desfavoráveis, o que redunda, afinal, numa perda, em grande medida, das vantagens que a
lei visa a assegurar à realização desta prova, do ponto de vista da sua fecundidade, do ponto
de vista da sua unidade, do ponto de vista da sua capacidade para ministrar elementos
valiosos à formação do convencimento do órgão judicial, quando adotou o princípio da
imediação, isto é, quando dispôs que, salvo casos excepcionais que todos conhecemos, a
prova oral deve pôr em contato direto o juiz e a fonte da prova, a parte, testemunha, o
perito.
Alguma culpa, todavia, nos cabe. E é preciso que tomemos consciência dela para, na
medida do possível, atenuarmos os inconvenientes. Às vezes, o juiz se deixa levar por certas
tendências a (vou colocar a palavra entre aspas verbais) “melhorar” o que o depoente diz. Ao
ditar a resposta da testemunha, para que o datilógrafo a anote, o juiz a embeleza, o juiz a
aperfeiçoa, o juiz a retoca e, com isso, a deturpa. Com a melhor das intenções, ele a
desfigura. Ele se esforça por harmonizar as contradições em que a testemunha vai incorrendo,
quando, ao contrário, deveria pô-las em relevo, porque isso pode constituir um elemento
valiosíssimo no terceiro momento, o da valoração. O datilógrafo, por sua vez, “coopera”, às
vezes tornando ininteligível o depoimento...
Quando o juiz, a quem competirá decidir, é o próprio julgador de primeiro grau, que
normalmente terá colhido, ele mesmo, o depoimento, se observou os prazos legais para a
prolação da sentença (outro ponto importante!) ainda deve ter no seu espírito lembranças
mais ou menos vivas do que viu e do que ouviu. O mal não é tão grande. Mas avaliem os
senhores o drama do julgador de segundo grau, que tem de proceder a uma reavaliação da
prova, sem tê-la colhido, apenas à luz daquela pálida caricatura de depoimento que se
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encontra escrita nos autos. É curioso como a tecnologia demora a penetrar em certos setores.
Parece que ignoramos a existência de fitas, nas quais se podem gravar sons. Já não quero
falar no vídeo-cassete, ou melhor, quero sim, quero falar, porque, a despeito das muitas
sombras da realidade de hoje, temos de ter alguma confiança em que no futuro se acenderão
algumas luzes. Ai de nós se não fosse assim.
E é de esperar-se que um dia o progresso tecnológico venha a permitir, por exemplo,
que o Tribunal de Justiça, quando tiver de rejulgar uma causa para cuja apreciação seja
essencial o exame de prova oral, não podendo, evidentemente, os desembargadores e os
juízes de segunda instância reproduzi-la perante si (às vezes se faz isso, quando há
necessidade, mas não pode ser essa a regra, por motivos óbvios), que ao menos tenham a
possibilidade de assistir, numa tela de televisão, ao depoimento tomado em primeiro grau,
pelo juiz que sentenciou e cuja sentença está sujeita a reexame, em grau de recurso.
Enquanto isso não acontece, seria talvez interessante adotar uma sugestão que deixo
aqui: “Que os juizes anotassem certas peculiaridades do depoimento, em tudo aquilo que
possa constituir elemento relevante para a respectiva valoração. Muitas vezes nós nos
inclinamos a dar maior crédito a uma testemunha em virtude da maneira firme, segura,
coerente, natural, espontânea, com que ela se expressou; daí preferimos o seu depoimento
ao de outra que titubeou, gaguejou, enrubesceu, se é que alguém ainda hoje em dia
enrubesce... Mas eu nunca vi, e gostaria de ver nos autos, uma observação do juiz a esse
respeito: “...Neste ponto, a testemunha enrubesceu”. Isso seria um elemento valioso para os
julgadores de segundo grau.
Com estas minhas observações já estou procedendo a transição do segundo tópico para
o terceiro e último, para natural alívio do auditório, desta desataviada conversa. O último
tópico concerne à valoração da prova.
Pois bem, tudo que se fez no processo até esse momento, nada mais foi do que colher
dados para que o juiz pudesse julgar; e é necessário que o juiz, ao proferir a sentença,
explique, esclareça que uso fez desses dados. A lei processual ordena, no art. 458, II, que o
juiz, na fundamentação da sentença, analise as questões de fato e de direito.
Nós juizes, às vezes, temos certa predileção pela análise das questões de direito, que
nos parecem mais sedutoras. Aqui entre nós, com certa razão: elas nos permitem até, quando
temos um pouquinho mais de tempo, fazer um “brilhareco”, citando doutrina, quiçá
estrangeira: algumas linhas em francês ou italiano podem causar uma impressão
extraordinária, reconheço. Mas temos, geralmente, um apetite um pouco menor pela análise
das questões de fato; façamos aqui a nossa autocrítica.
Mas a lei quer que nós analisemos as questões de fato, isto é, procedamos ao exame
discriminado, específico, das várias provas que foram colhidas e expliquemos o motivo de
maior ou menor peso que acabamos de atribuir a cada uma delas. Não basta dizer: “Fiquei
convencido de que tal fato ocorreu”, ou “Não fiquei convencido de que tal fato ocorreu”.
Para cumprir a lei, e para ser fiel à nossa missão, é necessário dizer algo mais: porque me
convenci, ou porque não me convenci, de que o fato ocorreu, ou de que o fato não ocorreu.
Isto só podemos fazer analisando a prova. Essa necessidade, a lei não a impõe somente ao juiz
de primeiro grau, mas também a nós outros, juízes de segundo grau. Mas, no caso de juiz de
primeiro grau, a essa imposição legal acrescenta-se a necessidade de atender ao natural
desejo do órgão que vai julgar a causa em grau de recurso, de saber se deve ou não concordar
com a valoração feita em primeira instância. Para que o órgão julgador em grau de recurso
possa saber se deve ou não concordar com a valoração da prova feita pelo juiz de primeira
instância, e na falta do vídeo-cassete, outra solução não lhe resta senão confiar no que está
dito pelo juiz nos autos; não lhe basta ler a letra fria de um depoimento. A mesma frase dita
em dois tons diferentes, pode ter duas significações, já não digo distintas, mas até opostas.
Há palavras da língua portuguesa (e, se me permitem, há até palavrões de língua portuguesa)
que, ditas com certa entonação, são carinhosas, expressam estima, e ditas com outra
entonação podem perfeitamente configurar o crime de injúria...
Tudo que eu acabo de dizer, leva-nos de imediato à conclusão de que sobre os ombros
dos juízes pesa um fardo realmente formidável, no sentido etimológico da palavra, isto é,
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capaz de causar temor. Todos nós poderíamos alegar que cumprir com tal requinte as
exigências que nos são formuladas é, praticamente, impossível, dadas as circunstâncias tão
difíceis, tão desfavoráveis, em certos casos eu diria até tão dramáticas, sob as quais
desempenhamos as nossas funções judicantes.
Sem dúvida que assim é: mas a impossibilidade de atingir um ideal não nos dispensa de
fazer esforços em sua direção. Podemos ter mil escusas legítimas para não alcançar o ideal,
mas só estaremos autorizados a invocá-las, se realmente houvermos feito tudo que pudermos,
se realmente nos houvermos disposto a todos os esforços que estejam ao nosso alcance: e é
preciso que tenhamos sempre, a cada momento, essa imagem ideal diante de nós, para que
ao menos saibamos em que direção devemos caminhar, ainda que conscientes da nossa
impossibilidade de atingir a meta.
Antes de encerrar esta palestra, devo dizer uma palavra de agradecimento ao meu
querido colega e amigo, Des. Olavo Tostes Filho. Sua Excelência, muito generosamente,
começou por dizer que eu não precisava de apresentação. Depois, refletiu melhor, e decidiu-
se a fazer a apresentação. (Risos) Só que a fez com a voz da amizade, isto é, com voz
suspeita. A esta altura, nenhuma ilusão resta de pé. Todos os que aqui me deram a honra de
ouvir-me já tiveram a possibilidade de medir a enorme distância que existia entre aquela
idealizada apresentação e a prosaica realidade.

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