Você está na página 1de 5

Rede de telecomunicações privada para suporte às

demandas de automação do Setor Elétrico


L. B. P. Lima1.
1 Aluno do curso de mestrado em Engenharia Elétrica, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais,
Av. Amazonas 7675, Belo Horizonte, 30480-000, MG Brasil

Resumo — Os sistemas de distribuição de energia elétrica em · Melhoria da qualidade e padronização de informações.


larga escala foram criados há mais de um século e evoluíram a
partir de um modelo eletromecânico muito semelhante ao atual.
Porém, na última década, as fontes renováveis de geração de
energia distribuída e a introdução de ferramentas de tecnologia
da informação e telecomunicações (TIC) têm impulsionado o
avanço tecnológico no setor elétrico e proporcionado um aumento
da interatividade entre os diversos agentes setoriais e os
elementos da rede. Neste cenário, este trabalho pretende
apresentar um projeto de rede privada de telecomunicações de
alto desempenho para suporte aos requisitos de alta
disponibilidade, baixa latência e gerenciamento remoto.

Palavras chave: Redes elétricas, Automação, Tele operação,


Qualidade da energia elétrica, Telecomunicações.

I. INTRODUÇÃO

A disposição básica do sistema elétrico de potência conta com Figura 1: Centro de Operação da Cemig. [1]
a produção de energia de forma concentrada e em larga escala,
a transmissão por meio de linhas de alta tensão e o Mais recentemente, nos últimos 5 anos, o uso de redes de
rebaixamento para sua distribuição ao consumo final. comunicação tem sido demandado também para equipamentos
Recentemente este cenário tem se modificado com a instalados nas linhas de distribuição de média e baixa tensão
introdução de agentes de geração distribuída e com os (≤ 13,8kV). Devido à localização dos equipamentos de forma
progressos no campo de armazenamento de energia. distribuída em extensas áreas geográficas, a solução adotada
para transmissão de dados têm sido as redes celulares de
Com a introdução de novas tecnologias de TIC (Tecnologia da segunda, terceira e quarta geração (2G, 3G e 4G).
Informação e Comunicação) tem sido notada uma tendência
de maior interatividade entre os Centros de Controle e Porém, as redes celulares não foram projetadas e não são
Operação e um grande número de agentes responsáveis pela operadas de forma adequada para suportar serviços de missão
geração, operação e manutenção dos equipamentos integrantes crítica, que necessitam de alta disponibilidade e baixa latência,
do sistema elétrico. principalmente durante as ocorrências de falta de energia e
momentos de instabilidades no sistema elétrico.
A CEMIG possui cerca de 350 subestações e 40 usinas tele
Diante disto, a CEMIG Distribuição S.A. iniciou o programa
operadas através de seus centros de operação de geração,
Transcende, com uma série de projetos de investimento em
transmissão e distribuição. Para isto conta com uma rede
redes de telecomunicações para suporte aos equipamentos de
privada de telecomunicações com diversas tecnologias, tais
“última milha”, de média e baixa tensão.
como fibras ópticas (Cabos OPGW e dielétricos), rádios UHF
e SHF, Ondas portadoras em linhas de alta tensão, bem como
links terrestres e via satélite contratados de operadoras Neste artigo será apresentado o projeto de instalação de uma
públicas. rede de transceptores rádio UHF para tele operação de
equipamentos religadores, que têm função de proteção e
O uso da tecnologia tem se mostrado muito eficaz nos manobra em circuitos alimentadores de 13,8kV na região
sistemas de Supervisão e Aquisição de dados (SCADA), metropolitana de Belo Horizonte.
trazendo os seguintes benefícios:
· A diminuição do quadro de operadores locais.
· A redução dos custos operacionais. II. MOTIVADORES REGULATÓRIOS
· Melhoria no desempenho operacional com a implementação
de novas funções.
· Redução de erros humanos.
Visando manter a qualidade na prestação do serviço público
de distribuição de energia elétrica, a ANEEL (Agência
Nacional de Energia Elétrica) exige que as concessionárias
mantenham um padrão de continuidade, para isso edita limites
para os indicadores coletivos, DEC (Duração Equivalente de
Interrupção por Unidade Consumidora) e FEC (Frequência
Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora),
conforme definido nos Procedimentos de Distribuição –
PRODIST [2].

Os indicadores são apurados pelas distribuidoras e enviados


periodicamente para a ANEEL para verificação da
continuidade do serviço prestado, representando,
respectivamente, o tempo e o número de vezes que uma Figura 2: Histórico de apuração e propostas de limites de DEC para
unidade consumidora ficou sem energia elétrica para o período Cemig D. [3]
considerado (mês, trimestre ou ano), o que permite que a
Agência avalie a continuidade da energia oferecida à
população. III. IMPLANTAÇÃO DO PROJETO

DEC: duração equivalente de interrupção por unidade


A área escolhida para o projeto foi a região metropolitana de
consumidora, expressa em horas e centésimos de hora. Indica
Belo Horizonte, que devido à grande concentração de
a média de horas que os consumidores de um determinado
unidades consumidoras, tende a proporcionar uma maior
conjunto ficaram sem fornecimento de energia no período de
probabilidade de ganho de clientes/hora interrompidos em
apuração (soma do número de horas que cada unidade
uma área geográfica relativamente pequena. Além disto, nesta
consumidora passou sem energia no período de apuração,
região há uma infraestrutura de telecomunicações existente
dividida pelo número de unidades consumidoras).
que proporciona uma redução de custos.
FEC: frequência equivalente de interrupção por unidade
Desta forma, foram previamente selecionadas vinte estações
consumidora, expressa em número de interrupções e
existentes de propriedade da CEMIG (repetidoras e
centésimos do número de interrupções. Indica o número de
subestações) para concentração da comunicação, e foram
interrupções médio de um determinado conjunto de
elegidos 630 equipamentos religadores para o projeto, de
consumidores no período de apuração (soma do número de
acordo com a sua importância sistêmica e potencial de
interrupções sofridas em cada unidade consumidora no
melhoria nos índices de continuidade de fornecimento de
período de apuração, dividida pelo número de unidades
energia elétrica.
consumidoras).

No caso da Cemig, os limites dos indicadores para o período


de 2019 a 2023 foram definidos pela Aneel através da nota
técnica n° 0056/2018-SRD/ANEEL. Neste documento, a
agência consolidou as contribuições da audiência pública
nº12/2018, e a publicou a tabela com os limites propostos para
todos os conjuntos de unidades consumidoras da
concessionária.

Como se verifica na figura 2, o histórico de apuração do


indicador de DEC tem violado ou ficado muito próximo dos
limites estabelecidos nos últimos três anos, expondo a
companhia a um alto risco de descumprimento de obrigações
regulatórias. Além disso, verificamos uma tendência imposta
pela agência reguladora para redução no limite de horas de Figura 3: Área geográfica de interesse do projeto.
interrupção equivalente por consumidor. [4]
De acordo com as premissas estabelecidas acima, a equipe de
engenharia de telecomunicações da CEMIG realizou estudos
de predição de cobertura em faixas de frequências de VHF e
UHF, com base em equipamentos disponíveis no mercado.

Os estudos levaram em consideração a possibilidade de


instalação de antenas a uma altura de 5,5m nos postes em que
estariam instalados os religadores, fato que proporcionou uma
melhora considerável na cobertura de cada estação - Largura de banda suficiente para o tráfego de dados
concentradora. requerido pela aplicação de automação via SCADA.

Porém, ainda havia uma preocupação grande com a questão da Após análise de ocupação de cada uma das faixas disponíveis,
implantação em uma região densamente urbanizada, com uma optou-se por usar àquela definida pela Resolução nº 169, de 05
concentração muito grande de prédios e estruturas civis que de outubro de 1999 (406 a 423 MHz), que possibilita a
impactam na propagação das ondas eletromagnéticas entre as alocação de canais de 25 kHz para serviços SLP.
estações concentradoras e os rádios de comunicação utilizados
nos religadores. Uma vez escolhida a faixa de frequência, foram realizadas
varreduras de espectro em quatro localidades, com o intuito de
Desta forma, no processo de contratação foi incluída a confirmar a ocupação registrada na base de dados da Anatel e
exigência de um estudo de cobertura mais detalhado, que detectar eventuais canais ocupados de forma irregular que
levasse em consideração não apenas a topografia do relevo da pudessem interferir nas frequências escolhidas para o projeto.
região, mas também a morfologia (Clutters de uso do solo) a
partir de imagens de satélite com resolução de 5m para as
áreas densamente urbanas.

A licitação para implantação do projeto teve como vencedora


a empresa Siemens, que subcontratou como parceira para o
estudo de radiopropagação a CelPlan. A figura 4 ilustra o
resultado da cobertura e a localização das estações
concentradoras e terminais.
Figura 5: Varredura de espectro de frequência (CelPlan). [5]

Para atender aos requisitos técnicos licitados, a Siemens


forneceu equipamentos da fabricante neozelandesa 4RF. A
Figura 6 apresenta o transceptor rádio e a Figura 7 ilustra os
testes de laboratório efetuados na Cemig para homologação e
compatibilidade com os circuitos de controle das diversos
marcas e modelos de religadores instalados na planta de
distribuição de energia.

Figura 4: Estudo de Cobertura (CelPlan). [5]

O resultado final indicou a probabilidade de prover cobertura à Figura 6: Rádio Aprisa SR – Fabricação 4RF.
96,8% dos pontos de interesse através da utilização de 14
estações concentradoras, de um total de 20 disponibilizadas
pela concessionária.

O relatório ainda indicou de forma detalhada o nível de


recepção teórico esperado (em dBm), margem em relação ao
limiar de recepção, ganho, azimute, ângulo de inclinação, tipo
e modelo da antena a ser instalada, canal de frequência a ser
utilizado, dentre outros parâmetros técnicos.

A faixa frequência utilizada foi definida com base nas


seguintes premissas:
- Necessidade de prover cobertura em ambiente urbano; Figura 7: Testes de homologação.
- Disponibilidade de licenciamento através do Serviço
Limitado Privado (SLP) junto à Anatel; Uma vez concluída a fabricação dos equipamentos, a
- Estudo de possíveis interferências no espectro; instalação das bases de comunicação foi feita de maneira
sequencial, permitindo a cobertura gradual da área de interesse é de 90,47%, representando um ganho de 8,22% com a rede
e a instalação dos transceptores de maneira escalonada. privada. [6]

Em paralelo às atividades de implantação, foram realizados Outro benefício obtido com o projeto foi o aumento da
treinamentos das equipes de planejamento, projeto, efetividade e redução da latência dos comandos enviados pelo
implantação, operação e manutenção de telecomunicações, Centro de Operação. A efetividade representa o envio de um
além das equipes de automação de redes. comando e a confirmação de sua execução. Anteriormente à
implantação do projeto, muitos comandos eram efetuados mas
A instalação de 14 bases concentradoras e dos 630 pontos havia dificuldade de confirmação, devido a falhas de
remotos previstos para a 1ª fase do projeto ocorreu em um comunicação intermitentes das operadoras públicas. Por vezes
período de 5 meses. As figuras 8 e 9 ilustram a instalação era necessária sua repetição e em casos extremos o
física dos rádios e antenas. acionamento de equipes de campo para intervenção manual
nos equipamentos.

A operação do sistema também foi impactada positivamente


em situações de condições climáticas adversas ou
contingências. Tipicamente, as estações rádio base das
operadoras tendem a não suportar faltas de energia
sustentadas, ocasionando a perda de comunicação dos
modems justamente quando há necessidade de reconfiguração
do sistema através dos religadores. A rede privada do projeto
Transcende está instalada em estações próprias da CEMIG,
com sistemas de energia compostos de fontes de alimentação e
bancos de bateria (-48Vcc) capazes de alimentar os
equipamentos mesmo em situações críticas.

Por fim, um ganho muito importante obtido pelo projeto foi o


gerenciamento completo de toda a rede de comunicação,
Figura 8: Instalação em Estação Concentradora.
possibilitando a identificação e correção de falhas de maneira
proativa através do Centro de Operação de Rede e
Telecomunicações.

Figura 10: Tela de Monitoramento da rede de telecomunicações


Figura 9: Instalação em religador.

IV. RESULTADOS OBTIDOS


V. CONCLUSÕES
Após o início da operação, a disponibilidade apurada da rede
A implantação dessa rede privada de rádios ponto-multiponto
implantada é de 98,69%, enquanto a da rede de modens
foi um importante marco para a CEMIG, pois permitiu uma
celulares, anteriormente utilizada como meio de comunicação
melhora da confiabilidade e efetividade da comunicação de
equipamentos de automação da rede de distribuição. Também [4] L. B. P. Lima, Perspectivas de contribuição e desafios da implantação de
redes elétricas inteligentes em uma distribuidora. TCC, MBA Executivo
permitiu uma quebra de paradigma ao se investir em uma rede em Administração: Setor Elétrico - Programa FGV Management, 2018.
privada, em lugar de contratar serviços de mercado, [5] Relatório de Projeto de RF- Projeto TransCende. Celplan Technologies,
aumentando a sua base de ativos remunerada via tarifa 2018.
(Capex) e reduzindo a despesa mensal (Opex) da [6] Programa TransCende - Projeto de Instalação de Telecomunicações para
Automação de Redes na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Distribuidora. Equipe da Gerência de Soluções e Manutenção de Telecomunicações –
CEMIG - DPR/TC, 2019.
Dentre os benefícios esperados, podem ser destacados: (i)
melhoria dos indicadores de qualidade, mais notadamente o
DEC e o FEC; (ii) melhor gerenciamento da planta de
telecomunicações; (iii) a possibilidade de readequação da
planta otimizando-se o mix de soluções em tecnologia celular,
satelital e rádio privado e; (iv) criação das condições para
implementação de reconfiguração automática (Self-healing) na
malha de distribuição.

O sucesso do projeto contribuiu, também, para motivação da


expansão da rede instalada para o atendimento de mais 500
pontos dentro da mesma área de cobertura. Este processo está
em andamento e tem previsão de conclusão no segundo
semestre de 2019, totalizando 1.130 religadores tele operados
na região metropolitana de Belo Horizonte. Outro desafio
colocado pela empresa é a implantação de novas redes
privadas para outras demandas de comunicação, tais como tele
medição e despacho de serviços técnicos e comerciais.

Para futuros projetos envolvendo redes privadas na CEMIG,


são esperados grandes desafios sob as perspectivas de:

Propagação de radiofrequência: devido a necessidade da


comunicação em extensas áreas geográficas com
equipamentos de baixa tensão, tais como medidores instalados
em caixas metálicas e localizados em subsolos e paredes de
concreto;

Capacidade de tráfego de dados: por conta do expressivo


aumento da quantidade de pontos de comunicação na rede e
demanda de informações em tempo real;

Mobilidade: em virtude da necessidade comunicação com as


equipes de campo;

VI. AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi baseado em um projeto do plano de
investimentos da Cemig Distribuição S.A. (Cemig D) e faz
parte das atividades do curso de mestrado em Engenharia
Elétrica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais (CEFET-MG).

REFERÊNCIAS
[1] www.cemig.com.br
[2] Módulo 8 – Qualidade da Energia Elétrica, Procedimentos de
Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional –
PRODIST
[3] http://www.aneel.gov.br/indicadores

Você também pode gostar