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Comunicação por Linha de Energia para Rede Elétrica

Inteligente: Estado da Arte e Desafios

Resumo — Este artigo tem como objetivo revisar sistemas e aplicações para
comunicação por linha de energia (PLC) no contexto da Rede Elétrica Inteligente.
Discutimos as principais aplicações e resumimos os sistemas e padrões PLC de ponta.
Relatamos esforços e desafios na modelagem de canais e ruídos, bem como no
desenvolvimento de abordagens de tecnologia de transmissão.

Palavras-chave: comunicação por linha de energia, rede elétrica inteligente.

1.Introdução

A exploração da rede elétrica para transmitir dados é a essência dos


sistemas de comunicação por linha de energia (PLC). O PLC vem sendo
implantado por concessionárias de energia desde cerca de 1920, inicialmente
para comunicação em linhas de alta tensão entre subestações remotas. A
principal aplicação era o controle de carga e, mais recentemente, o PLC tem
despertado grande interesse para a leitura automática de medidores (AMR).
Um conjunto mais amplo de aplicações de PLC no contexto da Rede Elétrica
Inteligente será desenvolvido no futuro. Isso porque o PLC utiliza as linhas de
energia existentes para transmitir dados, permitindo potencialmente alcançar
qualquer dispositivo conectado à rede elétrica com custos de implantação
reduzidos [1].
Neste artigo, primeiro descreveremos vários cenários de aplicação de PLC
para a Rede Elétrica Inteligente na Seção II.A, seguido por uma revisão das
tecnologias PLC de ponta na Seção II.B. A Seção III relatará esforços e
desafios na caracterização e modelagem de canais. Esquemas avançados de
modulação multiportadora serão descritos na Seção IV, onde destacaremos a
importância do uso de técnicas de transmissão confiáveis para lidar com os
desafios impostos pelo meio de propagação hostil. Por fim, as conclusões
serão apresentadas na Seção V.

2. PLC Para comunicação em redes elétricas inteligentes

A. Cenários de aplicação
Acreditamos que o PLC será aplicado para fornecer comunicação
bidirecional em todos os três domínios da Rede Elétrica Inteligente, ou seja,
transmissão, distribuição e domínios do usuário, utilizando linhas de alta tensão
(AT), média tensão (MT) e baixa tensão (BT), conforme mostrado na Fig. 1. A
comunicação por linha de energia pode fornecer comunicação na rede de
transmissão para diversas aplicações, como detecção remota de falhas,
monitoramento remoto de subestações e estimativa de estado.

O uso de PLC em linhas de média tensão (MT) permite comunicação


entre sensores localizados em subestações, possibilitando o monitoramento do
status, a detecção de falhas e o seu isolamento. A comunicação por linha de
energia também pode ser explorada para detectar eventos de ilhamento.

Fig.1 – PLC e áreas de aplicação.

A principal aplicação na parte de baixa tensão (BT) da rede é a leitura


automática de medidores e medição inteligente. Para esta aplicação, o PLC já
obteve grande sucesso de implementação, com cerca de 90 milhões de
medidores instalados na Europa e muitos outros instalados mundialmente.
Aplicações de sensoriamento, comando e controle também são de grande
interesse para uso dentro de residências ou edifícios. A rede PLC doméstica
pode ser explorada para fins de gerenciamento de energia, juntamente com um
amplo conjunto de aplicações de automação residencial para aumentar a
segurança, o conforto e a qualidade de vida. Por fim, duas outras áreas de
aplicação de PLC estão na gestão e controle de microrredes, por exemplo,
redes de geração local usando fontes de energia renováveis, como células
solares e turbinas eólicas, e na conexão entre veículos elétricos e a rede, o que
pode oferecer um amplo conjunto de aplicações.
B. Estado da Arte em Tecnologias de Comunicação por Linha de Energia

A maioria dos sistemas PLC implantados em cenários de Rede Elétrica


Inteligente são baseados em técnicas de baixa taxa de dados, onde a
sinalização ocorre em uma banda de frequência estreita (BE) com técnicas de
modulação de portadora única, como modulação por chaveamento por desvio
de frequência (FSK). Recentemente, a necessidade de taxas de dados mais
altas impulsionou o desenvolvimento de sistemas PLC de BE na banda de 3 a
500 kHz (particularmente nas bandas CENELEC de 3 a 148,5 kHz e nas
bandas ARIB e FCC até 500 kHz) utilizando modulação multiportadora na
forma de multiplexação por divisão de frequência ortogonal (OFDM) [2]. Em
particular, dois importantes esforços de padronização relacionados a PLC BE
de alta taxa foram iniciados em 2010 pela União Internacional de
Telecomunicações (UIT G. hnem) e IEEE (P1901.2) para o uso de bandas de
frequência abaixo de 500 kHz para taxas de dados de até cerca de 500 kbps,
ambos ratificados no final de 2011.

Além das abordagens de BE (Banda Estreita), a tecnologia PLC de


banda larga (BL) pode desempenhar um papel importante na Rede Elétrica
Inteligente. A PLC BL obteve grande sucesso em redes domésticas de alta
velocidade. Dois padrões foram lançados recentemente, denominados IEEE
P1901 e ITU G.hn, que operam nas bandas de 2-100 MHz e 2-250 MHz,
respectivamente, e prometem taxas superiores a 500 Mbits/s.

Apesar da existência de sistemas PLC comerciais e padrões lançados


recentemente, a aplicação de PLC na Rede Elétrica Inteligente apresenta uma
série de desafios devido à dificuldade de estabelecer comunicações confiáveis
em um meio hostil. Portanto, a Seção III é dedicada a descrever as principais
características do canal de linha de energia. Posteriormente, na Seção IV,
fornecemos uma visão geral das técnicas avançadas de transmissão capazes
de lidar com os efeitos do canal e do ruído.

Fig.2 - Respostas em magnitude de um canal PLC doméstico típico e de canais de referência


de baixa tensão (BT) do projeto OPERA.
Fig.3 - Resposta em magnitude de um canal de média tensão (MT) medido e resultado do
ajuste por mínimos quadrados com um erro de 0.697dB.

Fig.4 - Espalhamento RMS do retardo como função do ganho médio do canal obtido durante
várias campanhas de medição em redes domésticas.

3. Canal e Ruído de Comunicação por Linha de Energia (PLC)

A. Ganho do Canal e Seletividade de Frequência

O canal PLC apresenta fenômenos como propagação multicaminho


devido a descontinuidades de linha e cargas desalinhadas, resultando em
atenuação e desvanecimento seletivo de frequência. Além disso, o canal pode
apresentar variações cíclicas no tempo devido à mudança periódica das cargas
com a frequência da rede elétrica. Claramente, o canal depende fortemente do
cenário e topologia específicos. O canal de AT (alta tensão) em linhas de
transmissão longas é principalmente afetado pela atenuação devido ao
comprimento do cabo. Verificou-se que os canais de MT (média tensão)
geralmente apresentam menor atenuação do que os canais de distribuição de
BT (baixa tensão). Isso pode ser devido ao fato de as topologias de BT serem
caracterizadas por um maior número de ramificações. Canais de BT externos
têm alta atenuação, mas desvanecimento insignificante, ou seja, a atenuação
do cabo domina os efeitos de propagação. Canais domésticos têm alta
seletividade de frequência e baixa atenuação, devido à presença de um
número muito alto de derivações, descontinuidades e cargas desalinhadas.
Como exemplo, a Fig. 2 mostra uma resposta típica de frequência em um canal
doméstico na banda de até 50 MHz. Para comparação, também mostramos
três canais de referência propostos no projeto OPERA europeu para a rede
externa de BT com loops de 150, 250 e 350 m [3].

É importante notar que as redes de distribuição de baixa tensão (BT)


possuem estruturas diferentes em diversos países [2]. Na Europa, é utilizado
um sistema de distribuição trifásico de 230/400V, dividido em células de
alimentação. Cada célula de alimentação é conectada a uma estação
transformadora de média/baixa tensão (MT/BT) por ramais com comprimento
da ordem de um quilômetro. Cada célula de alimentação abrange até 300
residências, com aproximadamente 30 residências por ramal. Na Ásia e
América do Norte, a rede de distribuição de energia elétrica de BT (125/250V)
utiliza uma configuração monofásica ou bifásica. Há uma maior densidade de
transformadores MT/BT, com pequenas células de alimentação, cada uma
compreendendo apenas algumas residências. Os ramais que alimentam as
residências são mais curtos, possuindo cerca de 100 metros.

A caracterização dos canais de média tensão (MT) também é muito


importante. Em [4], relatamos os resultados de uma campanha de medição em
uma rede de MT na China. Na Fig. 3, mostramos uma resposta típica de canal
entre duas estações de MT. Também está incluída a curva obtida pelo ajuste
de um modelo multicaminho a ser descrito posteriormente, usando uma
abordagem eficiente de mínimos quadrados. Alguns outros resultados sobre a
caracterização de uma malha de rede de MT com comprimento de 300 m que
alimenta quatro subestações MT/BT podem ser encontrados em [5].

Outro aspecto importante é a caracterização estatística do canal. A


maioria dos resultados obtidos até o momento estão limitados ao canal PLC
doméstico, onde várias campanhas de medição foram realizadas, por exemplo,
na França [6], Estados Unidos [7], Espanha [8] e Itália [9]. Verificou-se que o
canal PLC doméstico exibe desvanecimento seletivo de frequência com
atenuação que possui uma distribuição log-normal, consequência das múltiplas
reflexões sofridas pelo sinal ao viajar pelas linhas. O espalhamento RMS do
retardo (RMS-DS) também apresenta uma distribuição log-normal e está
inversamente relacionado à atenuação média do canal, conforme demonstrado
na Fig. 4. Conclusões estatísticas similares foram obtidas na análise de canais
de MT [5] para a rede em teste.
Com base em evidências experimentais, vários esforços têm sido
feitos para definir modelos de canal estatisticamente representativos. Uma
primeira abordagem possível é chamada de abordagem bottom-up [10]-[11].
Ela utiliza uma descrição estatística da topologia da rede, incluindo
características do cabo, conexões, comprimentos de caminho e cargas, sobre
as quais a teoria da linha de transmissão é aplicada para calcular a função de
transferência do canal. Realizações do canal são obtidas por geração aleatória
de topologias de rede. Essa abordagem pode ser complexa, mas fornece uma
conexão física com fenômenos de propagação e características da topologia.

Uma segunda abordagem é chamada de top-down [12], que parte de


uma descrição determinística da resposta em frequência do canal utilizando o
modelo de propagação multicaminho:

Np − j2 πf di

H ( f )=A ∑ Pi (f )e
k v
−(a0 +a1 f ¿) di e
¿
i=1

onde o número de caminhos N p , os ganhos de caminho pi (f ) , os comprimentos de


caminho d i são variáveis aleatórias e A , a 0, a 1, k e a velocidade de propagação v são
constantes obtidas pelo ajuste a um conjunto de dados. Detalhes podem ser
encontrados em [12].

B. Ruído de canal

No cenário de comunicação por linha de energia (PLC), o ruído do canal é a


sobreposição de formas de onda de ruído provenientes de diferentes fontes. O ruído é
normalmente classificado como contínuo ou impulsivo [2]. Além disso, também estão
presentes perturbações de banda estreita originadas de rádios, por exemplo, sinais de
transmissão e radioamadorismo. O ruído contínuo compreende ruído de fundo
estacionário e ruído cíclico variável ao longo do tempo, sincronizado com o ciclo da
rede elétrica. O ruído impulsivo pode ser cíclico ou aperiódico, além de síncrono ou
assíncrono com o ciclo da rede elétrica. Sua amplitude pode ser significativamente
maior que a do ruído de fundo.

O ruído de fundo possui uma Densidade Espectral de Potência (PSD)


exponencial. Tipicamente, redes residenciais de BT (baixa tensão) apresentam maior
ruído de fundo do que redes de BT e MT (média tensão). Um perfil típico de PSD é
apresentado na Fig. 5. É importante notar também que as linhas aéreas de MT são
afetadas pelo ruído de fundo devido às descargas corona, ou seja, pulsos de corrente
são gerados nos condutores pela ionização do ar circundante causada por campos
elétricos fortes.
Fig.5 - Densidade Espectral de Potência (PSD) do ruido de fundo.

4. Técnicas de transmissão

Para combater o meio de comunicação hostil e fornecer


desempenho de transmissão confiável, é necessário implementar técnicas
avançadas de modulação e codificação. Como o canal apresenta severa
seletividade de frequência, as técnicas de modulação multiportadora são uma
solução válida para mitigar os efeitos de interferência entre símbolos
introduzidos por esses canais [2], [13]. Dentre os métodos multiportadora, os
sistemas baseados em multiplexação por divisão de frequência ortogonal
(OFDM) são populares devido à sua baixa complexidade e ampla adoção em
vários padrões de comunicação. Particularmente, IEEE P1901, IEEE P1901.2,
ITU G.hn e ITU G.hnem definem camadas físicas baseadas em OFDM. O
OFDM é uma solução elegante e simples para criar subcanais desacoplados e
livres de ISI a partir de um canal seletivo de frequência, desde que um prefixo
cíclico (CP) seja adicionado. No entanto, o CP pode reduzir a taxa de
transmissão e, mais importante, os subcanais OFDM possuem uma resposta
de frequência sinc. Isso se traduz em baixo confinamento espectral, o que
torna o sistema vulnerável a interferência de banda estreita e interferência de
acesso múltiplo em abordagens de acesso múltiplo por divisão de frequência
ortogonal (OFDMA) onde os nós são multiplexados por particionamento dos
subcanais entre os usuários. Além disso, o OFDM é afetado pelas variações
temporais do canal, o que se torna mais prejudicial à medida que a duração do
símbolo OFDM - definida pelo número de subcanais - aumenta. Nesse sentido,
os canais PLC podem exibir um comportamento periódico e variável ao longo
do tempo.

Podemos melhorar o desempenho do OFDM usando técnicas de


modelagem de pulso e janela, bem como aplicando algoritmos de alocação
adaptativa de recursos [14]. Outra abordagem é desenvolver esquemas
multiportadora avançados que mantenham as boas propriedades do OFDM e
possivelmente forneçam desempenho aprimorado. Referimo-nos a esses
esquemas como modulação de banco de filtros. Entre eles, os métodos
multitom filtrados (FMT, [13]) ou baseados em banco de filtros multiportadora
(FBMC) podem oferecer vantagens significativas sobre o OFDM [15]. A
principal característica desses esquemas é que seus subcanais possuem
confinamento espectral significativamente maior do que no OFDM.

O FMT (multitom filtrado) é uma implementação discreta no tempo de um


sistema multiportadora onde as subportadoras são igualmente espaçadas e os pulsos
dos subcanais são idênticos (Fig. 6). O projeto dos filtros dos subcanais e a escolha do
espaçamento entre as subportadoras em um sistema FMT visam subdividir o espectro
em um número de subcanais que não se sobreponham no domínio da frequência, de
modo que a interferência entre símbolos (ICI) possa ser suprimida e as contribuições
da ISI sejam reduzidas. No FMT, a ISI do subcanal é tratada por equalização do
subcanal. O FMT alcança maior eficiência espectral do que o OFDM, pois não requer
prefixo cíclico e proporciona ganhos na relação sinal-ruído (SNR), especialmente em
canais altamente atenuados [2], [13].

Fig.6 - Esquema de modulação por banco de filtros.

Esquemas de banco de filtros podem suportar multiplexação de


diferentes usuários em um modo FDMA similarmente ao OFDMA. O FMT
possui desempenho superior em comparação ao OFDMA porque seu melhor
confinamento espectral dos subcanais permite manter a ortogonalidade dos
subcanais quando implantado em uma rede com usuários não sincronizados, o
que pode ser esperado em cenários de rede inteligente. Um aspecto importante
é a complexidade da implementação, onde progressos recentes levaram a
arquiteturas FMT multiusuário de baixa complexidade baseadas em FFT e
filtragem de baixa taxa [13].

Extensões poderosas dos métodos acima podem ser concebidas


incorporando pré-codificadores e equalizadores apropriados [16]. Além disso,
mecanismos de camada cruzada, gerenciamento avançado e otimização de
recursos e QoS no contexto de implantação multiusuário podem ser
desenvolvidos. Em particular, alocações de recursos de usuário único, mas
também de vários usuários (bits, subcanais, códigos) permitem maximizar a
taxa de transferência [17].

Por fim, uma questão importante é o desenvolvimento de soluções de


camada física e MAC para coexistência e interoperabilidade entre diferentes
sistemas. Abordagens cognitivas que permitam o uso eficiente dos recursos de
tempo e frequência podem ser seguidas. Elas podem permitir melhorias
significativas em comparação com os esquemas convencionais de acesso
múltiplo por detecção de portadora atualmente adotados nos padrões PLC.

5. Conclusão

Descrevemos o uso da tecnologia PLC no contexto da Rede


Inteligente, demonstrando que há um amplo conjunto de aplicações que podem
se beneficiar dela e ter custos de implementação reduzidos devido à
ubiquidade das linhas de energia. Recentemente, padrões de banda larga e
banda estreita foram lançados, e a implementação em campo está aumentando
significativamente, especialmente para sistemas de medição inteligente e
gerenciamento de energia residencial. Espera-se que a tecnologia PLC
continue a evoluir à medida que novos conhecimentos sejam obtidos sobre os
requisitos de aplicativos de rede inteligente, topologias de rede,
comportamentos de canal e ruído, e novas tecnologias e protocolos de
transmissão sejam desenvolvidos.

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