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Internação compulsória é retorno à prática manicomial intramuros, advertem especialistas

Os psicanalistas Luciano Elia e Cristina Ventura alertam que a ação higienista para ‘limpar’ as cidades é um
retrocesso

Os especialistas Luciano Elias e Cristina Ventura, respectivamente professores das universidades Estadual e Federal
do Rio de Janeiro, estiveram em Vitória no encontro preparatório para o “Primeiro Congresso Brasileiro de CAPSi
(Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil). 
 
No debate dessa quinta-feira (28), que reuniu na Ufes mais de 200 profissionais da área de saúde mental do Estado,
os psicanalistas não tiveram como evitar a polêmica do momento. Muitas foram as perguntas sobre internação
compulsória ou involuntária, que já vem sendo adotada por capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. Os
profissionais capixabas queriam saber o que pensam os especialistas sobre a proposta que já vem sendo implantada
pela Prefeitura de Vitória e é defendida pelo prefeito de Vila Velha, Rodney Miranda, que promete limpar as ruas. 
 
Os dois professores, que são do Rio de Janeiro, criticaram as ações de abordagem do poder público carioca para
tentar retirar das ruas a população que perambula pela cidade, sobretudo os “rotulados” como usuários de crack. 
 
Eles confessaram que estão envergonhados com a iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro. Os especialistas
lembraram que a luta antimanicomial teve um dos seus braços mais atuantes no Estado fluminense, e é justamente o
Rio que puxa o movimento em defesa da internação involuntária, apoiada em ações militarizadas e quase sempre
truculentas. 
 
Para a professora Cristina Ventura, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde da UFRJ, a ação
higienista adotado no Rio é uma falácia. “Para onde estão levando as pessoas que estão sendo recolhidas nas ruas”,
questiona. Ela disse também que é preciso apurar quem são as pessoas que estão por trás das chamadas unidades
de reabilitação. Cristina lembrou que o preço médio de um leito nestes centros custa cerca de R$ 5 mil mensais, valor
que pode instigar o interesse de muita gente. 
 
“A internação compulsória reedita a prática manicomial, por isso a entendemos como retrocesso”, complementa
Luciano Elia, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da UERJ. 
 
Os dois especialistas, que participaram da criação e implantação dos CAPS no Brasil, inclusive os de Vitória, contam
que a história dos Centros de Atenção Psicossocial marcou a transição no País na transição da prática manicomial
intramuros para um modelo de assistência em saúde mental a partir de uma Rede de Atenção Psicossocial,
estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos. 
 
Para eles que militaram no movimento ajudando a “derrubar” os muros dos manicômios, a internação compulsória é
equivocada. “Parece até que estavam preparando o terreno para apresentar a internação compulsória como
solução”, suspeita Cristina. 
 
Ela aponta que há experiências exitosas que deveriam ser replicadas alternativas ao modelo que está sendo adotado
nas capitais carioca e paulista. A professora cita o exemplo de São Bernardo do Campo, município da região
metropolitana de São Paulo, que não recorre à internação compulsória e vem obtendo resultados positivos no
trabalho desenvolvido com dependentes químicos em situação de rua. 
 
Cristina Ventura lamenta que experiências como a de São Bernardo não sejam trazidas à discussão. “Talvez porque
o interesse é outro”, provocou. Ela afirma que o poder público promoveu um casamento perfeito. Segundo a
professora, havia a demanda da população, que pedia respostas rápidas para o problema dos usuários de crack nas
ruas. 
 
“A internação compulsória surgiu como solução imediata para limpar as ruas e livrar a sociedade do problema. Como
disse Cristina, é um casamento perfeito e será difícil de desfazê-lo”, acrescenta Luciano. 
 
A psicanalista reconhece que a sociedade tem o direito de clamar por intervenções do poder público, mas as
medidas propostas ignoram todo o trabalho que vem sendo desenvolvido pelas unidades de atenção psicossocial,
que ficaram de fora da discussão. 
 
Luciano Elia lembrou que a atenção psicossocial tem um trabalho sólido nesta área que vem sendo construído há
anos, inclusive com respostas de curto e médio prazos. “Existem ações emergenciais e eficazes na atenção
psicossocial prontas para enfrentar o problema, mas não há fórmulas mágicas para um problema tão complexo e
crônico”, alertou Luciano Elia.
 

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