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Carvalho e Silva, Jaime

Fonseca, Graziela
Martins, Arsélio

Ajustamento dos programas do ensino secundário de Matemática.


Opções fundamentais

Um.
Cada uma das versões do ajustamento postas à discussão permitiram aferir a
adequação de cada uma das grandes opções tomadas e as modificações que
foram sendo introduzidas são o espelho do debate travado entre a equipa
técnica e os parceiros, considerados como verdadeiros parceiros. É evidente
que não foi possível estabelecer consensos em todas as questões e a equipa
técnica foi escolhendo e tomando decisões. Mas, em volta da última versão,
é possível dizer que há grande unidade de pontos de vista em relação às
questões fundamentais e que se mantêm divergências de fundo em questões
que caem fora do âmbito de um ajustamento.
De qualquer modo, convém salientar que a unidade de pontos de vista e o
acordo com a terceira versão do ajustamento considera as limitações
impostas ao trabalho e fica condicionada à concretização das medidas
complementares que os autores do ajustamento foram apresentando.
Dois.
O principal problema que vinha sendo levantado desde os princípios da
experimentação dos novos programas diz respeito à extensão. Os relatos dos
experimentadores, primeiro, e da generalidade dos professores, depois,
confirmam que, no que respeita a conteúdos, os programas de cada ano não
foram leccionados na sua totalidade. Apesar de se ter verificado que as
escolas atribuíram uma carga horária semanal superior à prevista em lei, os
programas não foram cumpridos, como não tinham sido cumpridos com a
carga horária excepcional do período da experimentação. Ao mesmo
tempo que se podia verificar que muitos itens de conteúdo não eram
leccionados, concluía-se que os professores que abordavam mais itens de
conteúdo eram aqueles que menos se preocupavam em cumprir os
programas do ponto de vista das suas intenções metodológicas. Este
problema estava (e está) a ser agravado pela falta de uma visão do programa
por grandes temas que fez com que, a nível nacional, mesmo do estrito
ponto de vista dos conteúdos, se tenham leccionados versões reduzidas do
programa — radicalmente diferentes e, em muitos casos, radicalmente
pobres, pois aprofundamentos excessivos de alguns itens de conteúdo
resultaram em prejuízo da abordagem de temas fundamentais.
Com este ajustamento pretende-se, mantendo o espírito da reforma dos
planos de estudo e as referências fundamentais do programa em vigor,
construir um programa que seja exequível nas condições definidas em lei de
uma carga horária semanal de 4 horas e possa conformar uma formação
secundária, digna para os cidadãos que entram na vida activa com 12 anos
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de escolaridade e bastante para os cidadãos que prosseguem estudos no


ensino superior.

Foram inicialmente propostos cortes de itens de conteúdo. Alguns desses


cortes não fizeram mais do que confirmar a experiência da aplicação dos
programas. De facto, alguns capítulos nunca foram leccionados.
Outros cortes, no entanto, levantaram protestos vários. Não apresentando
propostas de cortes alternativos, foram amadurecendo perspectivas de
abordagens elementares e intuitivas, de apropriações-compreensões
centradas nos conceitos, sem grandes pretensões de rigor formal e sem
qualquer aprofundamento, que impossibilitam os aparentes aprofundamentos
em técnicas e exercícios rotineiros que gastavam muito tempo e se
substituíam sem vantagem aos conceitos que pretendiam consolidar. Assim
aconteceu com as introduções do número e, com certos limites, etc.

Outra forma que acabou por ser escolhida, para evitar a armadilha dos
exercícios que exigem tempo e permitem que cada item de conteúdo se
transforme em capítulo, consistiu em romper com a operacionalização
mecanicista que o enunciado dos objectivos (específicos, comportamentais)
tão bem representava no corpo do programa. Olhando para os manuais mais
procurados, lá estavam transcritos o par objectivos/conteúdos do programa e
uma artilharia de acções referidas aos verbos da 2ª coluna dos objectivos,
revelando-a como a "quinta coluna". Se é certo que estas
operacionalizações permitem organizar o pensamento dos professores e
ajudar às planificações, obrigando a diversificações dos tipos de exercícios,
não é menos certo que elas vieram desqualificar os conceitos propriamente
ditos, substituindo-os por técnicas secundárias e exercícios rotineiros. Por
exemplo, não é raro encontrar estudantes que calculam limites utilizando
técnicas complicadíssimas e não sabem minimamente o que é o limite.

Estas opções ficaram sempre ligadas, por indicações metodológicas, a


leccionações baseadas na procura das definições e dos conceitos a partir de
alguma experimentação e da observação, com tentativas de representação
em linguagem corrente e recusa da substituição da aquisição e compreensão
dos conceitos pelas suas representações simbólicas (mais ou menos
rigorosas, mais ou menos decoradas, mais ou menos vazias). E não
recolheram o consenso universal. De facto, parte das individualidades da
comunidade científica que foram consultadas não apropriaram a
possibilidade de "fazer matemática" no ensino, desconfiam da construção
dos conceitos (porque consideram que esta não está ao alcance dos
estudantes) e receiam afinal o que todos receamos enfrentar: em matemática,
todos estamos habituados a validar o nosso ensino pelas representações
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escritas em linguagem simbólica e em técnicas que os estudantes podem


realizar e não estamos habituados a autorizar a experimentação e o
pensamento construído e organizado a partir da observação e muito menos
estamos habituados a autorizar diversas formas de expressão para a
comunicação das descobertas, para as resoluções do problemas, para a
vivências de etapas (históricas também) na apropriação dos conceitos. Esta
opções são consensuais para a comunidade ligada à educação matemática e
recolhem o entusiasmo de individualidades ligadas ao ensino superior, este
temperado pela desconfiança da possibilidade de concretização dessa
leccionação.
A favor destas opções pesam também as experiências de outros países.

Tornar exequível o programa não podia passar só por cortes estritos de itens
ou por cortes ditados pelo tipo de abordagem imposto a este ou aquele
conteúdo. Uma das opções fundamentais consistiu em considerar, em cada
ano, a divisão em três grandes temas a que foram atribuídas localizações
temporais mais ou menos rígidas. Deste modo, procura influenciar-se a
planificação da leccionação, deslocando-a para a qualificação de grandes
blocos temáticos, mesmo que à custa da desqualificação deste ou daquele
item de conteúdo. A abordagem por grandes temas é ligada a uma
recolocação no tempo dos diversos blocos temáticos, considerando as
características dos diferentes períodos lectivos, relativamente ao rendimento
dos estudantes e aos constrangimentos organizacionais das escolas
diferentes de período para período, ao longo do ano escolar.
Esta opção não levanta grandes objecções, depois de ser compreendida a
flexibilidade admissível. Mas há também aqui alguma relutância na
abordagem temática por parte de alguns, especialistas nos temas de
matemática em que os professores, por formação e por tradição, insistem
particularmente.

Esta divisão temática foi testada, na 2ª versão, com uma proposta de


atribuição de tempos lectivos à leccionação de cada item, dentro de cada
bloco temático. Poucas foram as objecções e dúvidas levantadas, sendo que
algumas delas eram fundadas em receios e presunções sobre a aplicação do
actual programa e sem considerar as alterações de abordagem temática e de
metodologia.
Três.
Os blocos temáticos "Funções e Gráficos" e "Introdução ao Cálculo
Diferencial" têm leccionação localizada temporalmente nos segundos
períodos de cada ano e constituem os núcleos duros de todo o ensino
secundário de Matemática. Estes temas centrais são incontornáveis, pela sua
actualidade, pela variedade e dinâmica das suas aplicações e pelas conexões
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que permitem estabelecer, quer internamente à matemática, quer pelas


aplicações e pela relação que estabelecem entre a matemática e as outras
ciências. De facto, eles autorizam conexões com todos os outros temas,
desde a Geometria e a Trigonometria, até à Estatística e Probabilidades, ao
mesmo tempo que propiciam o estudo de assuntos fundamentais de álgebra.

O estudo das funções ligadas às suas representações gráficas permite


aprendizagens mais ricas do que o simples estudo analítico e permite a
compreensão da necessidade e utilidade de muitas técnicas algébricas, para
além de fornecer um suporte visual à resolução de equações e inequações.
Sobre esta opção, as dúvidas que se levantaram dizem respeito á
experimentação que é suposto apoiar este ensino, ao tipo de abordagem dos
conceitos e à formalização esperada, às alterações da ordem por que
aparecem as noções a utilizar. Ainda aqui, a maior parte das objecções
surgem de individualidades ligadas ao ensino superior que, desqualificam os
processos de aprendizagem a favor do produto, mesmo que o resultado não
vá além de representações vãs.
Quatro.
De qualquer modo, apesar das conexões e da dependência evidentes entre
os temas centrais das funções e a geometria analítica, procura-se algum
equilíbrio para o ensino da Geometria, com a introdução de alguns
problemas de geometria sintética. Assim se procura também estabelecer
uma ponte com o programa do 3º ciclo do ensino básico.
Este tema sofreu diferentes organizações nas diversas versões do
ajustamento. O primeiro tipo de abordagem, que separava a geometria no
plano da geometria no espaço, pretendia resolver problemas de articulação
entre a matemática e a física. Os autores dos programas de Física não
consideraram essas preocupações de articulação importantes e vários
professores com experiência na aplicação do programa objectaram à
separação e reclamaram a abordagem de conjunto "plano e espaço". Assim
a equipa técnica acabou por optar por esta última abordagem que responde
aos pareceres dos experimentadores. Do ponto de vista de considerações
teóricas de currículo, as intervenções relativamente a esta opção não foram
no sentido de excluir, por absolutamente desadequada, qualquer das
abordagens consideradas.
Também não foi possível considerar absolutamente os pareceres das
individualidades que acentuam a necessidade de ensinar Geometria menos
do ponto de vista analítico. De qualquer modo, por elas foi reconhecido que
no âmbito deste ajustamento não se podiam considerar as pretensões
adiantadas pelos seus pareceres e intervenções.

Cinco.
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Também não foi possível o consenso em volta do ensino secundário de


Estatística e Probabilidades. De facto, várias individualidades ligadas ao
ensino superior (que não de Estatística) têm dificuldade em admitir que o
ensino das questões fundamentais da Estatística prejudiquem o ensino de
temas que consideram prioritários para a progressão dos estudos superiores.
É um problema que persistirá sempre e não pode ser resolvido no âmbito do
ajustamento. As individualidades ligadas à educação matemática e ligadas ao
ensino e investigação de Estatística e Probabilidades consideram que o
programa proposto consegue um equilíbrio razoável. Também a respeito
da introdução a uma axiomática. utilizando as Probabilidades não há
consenso. Parte das pessoas consideram que é uma forma pobre de
introdução e a elas não repugnaria que essa introdução fosse feita em
ligação com outros temas que consideram mais nobres. Mas as opções
clássicas, para esse efeito, pela Geometria ou pelos números reais foram
abandonadas desde início quer pelos resultados da experiência adquirida,
quer pela excessiva carga que essas abordagens representariam para o
programa.

Seis.
Uma outra opção fundamental tem a ver com as questões de lógica e dos
tipos de raciocínio ou da resolução de problemas e da modelação
matemática em geral. O programa ajustado considera que essas questões
(lógicas, raciocínios, etc) não devem constituir capítulos em si mesmos e
devem embeber toda a leccionação. Sempre que for oportuno e necessário,
essas questões devem constituir-se em cimento das aprendizagens, mas não
devem substituir-se aos temas cuja reflexão e organização suportam. Do
mesmo modo, muitas questões relativas à Álgebra devem ser introduzidas só
na medida em que estão a ser necessárias, embora a aprendizagem a respeito
dessas questões possa e deva ser significativa. A este respeito, não há uma
unanimidade de pontos de vista, embora a maioria dos pareceres não vá
contra a corrente de retirar como itens (em si) de conteúdo do corpo dos
programas. As dúvidas levantadas têm também muito a ver com as
diferenças de opinião sobre a necessidade e a possibilidade de "fazer
matemática" e, se é consensual encarar os problemas como a força motriz
da Matemática já não é consensual que isso deva ser transferido para o
ensino e que se possa dizer, sem problemas, que os problemas podem ser a
força motriz do ensino da Matemática.

Sete.
Finalmente, uma opção fundamental tem a ver com a obrigatoriedade de
utilizar tecnologias com capacidades gráficas no ensino da Matemática. O
que os autores propoem é uma simples adequação à evolução da ciência e
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da tecnologia, mas não só nas palavras. De facto, propõe-se a


obrigatoriedade do uso da tecnologia em abstracto, mas ligada a assuntos
concretos e fazendo depender a leccionação (de alguns assuntos) dessa
utilização. Pretende promover-se uma utilização inteligente da tecnologia,
não pela tecnologia em si, mas pelas ricas aprendizagens matemáticas que o
seu uso propicia. Sobre esta opção há as mais variadas suspeições: desde
supor que as aprendizagens matemáticas serão desqualificadas em
detrimento das aprendizagens para uso da tecnologia, até a supor que as
abordagens dos conceitos pela via da experimentação e utilizando
calculadoras gráficas vai construir outros conceitos (erróneos) que não os
conceitos matemáticos. Não se espera que os estudantes deixem de pensar,
bem antes pelo contrário, não se espera que os estudantes deixem de usar
papel e lápis, bem pelo contrário, não se espera que os estudantes sejam
especialistas em programar calculadoras científicas e gráficas ou
computadores. O programa deixa claro que o que é significativo são as
aprendizagens matemáticas, mas deixa também claro que o uso da
tecnologia permitirá tirar conclusões mais baseadas e permitirá que os
estudantes não fiquem presos a tratamentos analíticos complexos e em
reduzido número de exemplos e sejam libertos para observar múltiplos
exemplos e a partir deles pensar e construir generalizações poderosas.
Contra estas incontornáveis adequações, levantam-se as antigas resistências à
emergência de novas metodologias e dos novos saberes, facilitadores da
construção de outros saberes, velam-se caras com as máscaras piedosas dos
preços injustos, conjuram-se todas as rotinas em defesa das aprendizagens
laboriosas (e tenebrosas) de algoritmos e técnicas que, com a generalização
da posse de potentes máquinas por todos os cidadãos, perderam valor e
utilidade social mas se mantêm teimosamente como património exclusivo do
ensino, da escola.
A utilização da tecnologia no ensino da Matemática, que obriga a medidas
de emergência na formação de professores, recolhe consensos alargados
junto das individualidades ligadas à educação matemática do nosso país, mas
também doutros países em momento de mudança dos programas de ensino
de matemática.

Muitas outras pequenas opções são significativas, mas ou elas representam,


neste ajustamento, ainda só o esboço de algumas tendências e tomam uma
forma mitigada para criar o seu espaço e vir a influenciar o futuro, ou foram
objecto de consensos absolutos, neste tempo em que nos foi dado discutir e
decidir o ajustamento._
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