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– opinião de cruzado
Arsélio Martins
Professor de Matemática
Escola Secundária de José Estêvão
Aveiro
Dezembro de 2000
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ao modelo em vigor, quando uma novidade aparecia levantámos dúvidas sobre a exequibili-
dade nesta organização escolar e com estes professores, etc. O tempo e a habilidade que nos
sobram para discutir a decisão final faltaram-nos para ajudar na construção. E sabemos que
as decisões negociadas sobre educação levaram em conta parceiros que só podem construir
ou aceitar que se construa sobre o modelo pré-existente, mesmo quando o criticam. Não
estamos a falar só de pais ou encarregados de educação. Também os professores e as suas
organizações, embora criticando a actual situação, não aceitam naturalmente mudanças que
os obriguem a novas práticas, funções, formas e ritmos de trabalho. E temos os diversos
sectores de opinião cientı́fica e educacional que raramente conseguem situar-se no campo do
interesse geral e se refugiam em campos estreitos, quer do ponto de vista disciplinar quer
do ponto de vista dos profissionais que pensam representar. A decisão final modera esta
diversidade de interesses, tão dificilmente quanto é certo existirem interesses contraditórios
em jogo e haver contradição entre os parceiros sociais e as próprias intenções do governo. A
discussão pode ter sido probre e insuficiente. Se faltou riqueza essencial à discussão, sobrou
riqueza na diversidade de pobres contradições.
A forma como decorreu o debate ao longo do tempo contrastou com a surpresa perante a
decisão. Algumas intervenções feitas fizeram-nos suspeitar que muitos intervenientes já se
tinham esquecido de si mesmos.
As polı́ticas em educação são sempre lentas, para o longo prazo. Por um lado, demoram
tempo a acertar-se no concerto da quase totalidade dos interesses sociais (a educação afecta
tudo e todos e diz respeito a tudo e a todos). Demoram tempo até terem uma aplicação
generalizada ao conjunto ou ao sector respectivo, sendo que uma aplicação de papel não
é uma aplicação ao nı́vel das práticas. Muito mais tempo ainda penaremos até saber se
elas são certas ou erradas. É certo que qualquer decisão polı́tica de vulto passa por vários
ministros na elaboração, concepção e aplicação e qualquer destes vai estar reformado quando
o processo iniciado der frutos (saborosos ou não). Pior ainda: a aplicação prática vai sempre
pedir ajustamentos sucessivos que podem desfigurar o proposto e permitir aos responsáveis
sacudir os resultados apurados (quando negativos) para polı́ticas diferentes das inicialmente
propostas.
Se pensarmos no processo do ponto de vista dos estudantes, é seguro que os estudantes que
participaram activamente nas primeiras discussões desta revisão já serão licenciados e os que
vivem o momento da decisão dizem que não foram ouvidos antes e pedem a suspensão da
decisão polı́tica que até é para ser aplicada a outros que ainda não se preocupam com isso.
Aliás, estes jovens que contestam as decisões para o futuro nunca poderiam ter sido ouvidos
sobre o sistema em que eles mesmos se inserem e contestam (tanto na permanência como
na mudança).
Os estudantes só têm razão por não haver um processo contı́nuo de informação que faça as
pontes. Não têm razão quando dizem em abstracto que os estudantes não foram ouvidos
ou quando não ”fazem” a distância que os separa dos outros que virão e serão diferentes
(os professores podem ser diferentes; os alunos podem ser diferentes) e presumem que o que
é hoje (do que querem e do que recusam) vai manter-se amanhã. Mais tarde, podem vir
a fazer o louvor do seu tempo lamentando que a eternidade não tenha conservado os seus
valores e o exemplo do seu tempo – não pensam na juventude dos outros, só querem a sua
de volta.
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ele existissem e fossem incapazes de adequar a sua acção a novas ideias e novas práticas.
Os mais optimistas aceitam algumas mudanças condicionadas a acções que as suportem,
desde novos esquemas de administração até sistemas de formação prévios à aplicação das
mudanças.
Sabemos que a revisão curricular é feita dentro de um sistema que está mais em reparação
que em mudança. Se pensarmos na qualidade e quantidade das ideias feitas sobre educação
e escolas, no sistema de emprego (quase exclusivo para licenciados em ensino e de recurso
para todos os outros que não encontram emprego compatı́vel) em que o sistema público de
ensino se transformou (com quadros de afectação ... a cada uma das escolas) prevemos que
tipo de transformações é possı́vel realizar sem uma revolução.
Todos os debates que antecederam a decisão sobre a revisão curricular, desde os encon-
tros regionais até à conferência internacional de Évora, tiveram como pano de fundo tais
constrangimentos à decisão polı́tica.
O papel activo nas negociações dos sindicatos profissionais, das associações de pais e de
estudantes, fez-se representar com todos os medos perante as mudanças. Os sindicatos
vieram esclarecer que os professores e os funcionários não docentes não podem assumir
novos papéis sem os aceitarem e não os aceitam enquanto não se reunirem condições de
formação. Mas vieram também trazer para a decisão todos os medos e desconfianças perante
a possibilidade das mudanças na identidade do ensino secundário significarem discriminações
dos filhos das classes trabalhadoras no acesso ao ensino superior. E nisto foram apoiados
pelas intenções dos pais, dos estudantes e de muitos estudiosos da questão social.
Uma das discussões básicas tem sempre a ver com a diversificação dos fins do ensino se-
cundário que não tem sido mais do que a passagem entre o ensino básico e o ensino superior.
E é neste campo que se perdeu mais. O ensino secundário continua a ter uma só finali-
dade teórica e continua a ser a vida real a determinar as outras finalidaes sem que o ensino
secundário possa participar na formação de jovens que serão empurrados para a vida profis-
sional activa, apesar de todas as boas intenções que enchem este inferno secundário. Na
discussão, mantém-se uma desqualificação do ensino tecnológico em geral em vez de uma
tentativa séria de criar teoria e novas práticas do sistema para enfrentar a realidade.
Neste campo, as organizações escolares (que são ainda organizações de professores) farão o
resto. Procurarão ler o que já existe (e falhou) no novo articulado e defenderão os cursos que
lhes permitam fazer durante mais tempo a mesma coisa. E farão com que, no fundamental,
tudo seja a mesma coisa sob novos nomes.
As tentativas sérias para uma nova definição do ensino secundário ficam ainda pelas declarações.
O ensino secundário continuará a ser a generalista porta do abstracto ensino superior e tudo
o que é ensino profissional ou artı́stico continuará com perspectivas de uma vidinha à parte
com mais propaganda que vida vivida.
Mas há mudanças, ainda que mitigadas, neste campo da identidade, que podem e devem ser
aproveitadas para começar a sair da actual situação e criar condições para que as futuras
melhores decisões sejam consentidas pelo conjunto da sociedade. Tudo foi assim, sempre foi
assim,... mas pode ser diferente. Outra forma de ver o ensino e a escola tem de ser mostrada
e demonstrada para as gerações que nunca conheceram outra forma de ser escola.
As declarações de mudança sobre os cursos gerais e os cursos tecnológicos mostram à
evidência que há, no actual sistema, falhas que é preciso corrigir. Algumas delas terão
a ver com total desadequação dos cursos para os fins sociais à vista.
As declarações sobre a necessidade de criar módulos de remediação para obviar as dificul-
dades na transição do básico para o secundário, denunciam que há problemas e é necessário
encontrar novas formas para o 10o ¯ ano e para o conjunto do ensino secundário.
A necessidade estabelecida de falar de estudo acompanhado e em diminuir as cargas lectivas
revela que se compreende que há uma fraqueza fundamental no sistema de base em aulas e
nas actuais relações pedagógicas ou que estas, por si só, não cumprem o papel que da escola
se espera. Os professores têm novos graus de liberdade para a sua acção e podem viver
novos papéis fora da sala de aula.
A necessidade consentida de falar de disciplinas de projecto (atribuı́das a um ou mais pro-
fessores) revela que a ”área escola”, integradora de saberes, falhou ou que os professores do
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ensino secundário estão longe de saber trabalhar em projectos fora do ambiente da sala de
aula e da sua disciplina e estão longe de saber trabalhar em equipa.
A necessidade consentida de procurar novas vias para o ensino de Português e a necessidade
de diversificar a Matemática que se ensina vem denunciar que a situação de igual ensino
para todos talvez tenha sido um molde para a desigualdade, uma forma de discriminação
disfarçada sob o manto igualitário.
Ainda não se sabe qual a profundidade das medidas consequentes a essas constatações. Mas
sabe-se que tais constatações não podem deixar de se converter em mudanças nos novos
programas de ensino.
É verdade que muitas destas desejadas mudanças só têm sentido se forem apropriadas pelos
professores. Mas é verdade que, apesar dos actuais horários lectivos, os professores aparecem
cansados e desmotivados para as actuais práticas docentes e mais ainda para as pequenas
experiências. O que aconteceu com as propostas de actividades para as interrupções lectivas
nas escolas é disso prova bastante. Esta escola cansa. Quem sabe se uma mudança nas
práticas escolares não alteraria este estado de enfado cansado dos professores? O que será
preciso mudar no sistema e nas organizações escolares? O que será preciso mudar na imagem
das escolas? O que será preciso mudar na sociedade? É só a escola que está cansada de ser
o que é?
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trabalhos sérios, etc. E se é verdade que todos – estudantes, professores e pais – se queixam
do mesmo, não é menos verdade que se criam movimentos contra a alteração da duração
dos tempos lectivos.
À proposta de aulas de 90 minutos todos se opõem porque não vislumbram ou não querem
vislumbrar qualquer alteração das práticas, antes insistem em ver o dobro da desgraça actual.
Esta medida está conjugada com alterações das práticas previstas nos programas. Sem aulas
com duração superior à actual, todos os programas de ensino que falem de iniciativas de
trabalho autónomo para os estudantes ou de introdução de novas tecnologias em ambiente
de sala de aula estão condenados a não serem cumpridos no essencial das práticas que
preconizam.
Defende-se aqui que as aulas de 90 minutos (podia mesmo ser mais tempo) constituem uma
primeira possibilidade para obrigar a romper com o velho cı́rculo da ”seca” para os alunos
e ”tensão” esgotante para os professores, criando novos ambientes de trabalho cooperativo
do lado mais luminoso da vida escolar – como participantes construtores de cada disciplina
organizadora de saberes.
Descansam mais os estudantes que, não tendo que fazer enormes esforços de concentração
para ouvir exposições, podem verdadeiramente trabalhar e mais concentrados porque em
menos temas cada dia. Descansam mais os professores que preparam aulas de trabalho para
os outros com pequenaas exposições e não esse trabalho inglório de exposição contı́nua (à
recusa do público que os devia ouvir).
Mais tempo para cada aula e mais tempo para viver o ensino são condições fundamentais de
uma mudança para melhor. São as duas ninharias que podem constituir as duas primeiras
grandes alterações a um sistema de escolas organizadas para as aulas expositivas e para os
testes selectivos (ao nı́vel mais baixo). Esta organização escolar foi feita para a educação de
elites e manteve-se, sem alterações, para o ensino de massas.
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Há quem pense que estas duas pequenas medidas constituem a alteração mais radical que
já se fez ao nı́vel da escola, obrigando a mudanças nas práticas docentes ao mesmo tempo
que obriga a mudanças das próprias escolas.
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Viver na perspectiva da revisão não exige preparação para enfrentar e vencer novos desafios.
Trata-se simplesmente de estar vivo num mundo em mudança e saber que o nosso currı́culo
(de sobrevivência) tem de ser adequado à vida num paı́s desenvolvido em que novos con-
hecimentos e novas técnicas surgem no dia a dia e em que as tecnologias de informação e
comunicação ocupam todas as esquinas do nosso mundo. Trata-se de viver o nosso tempo
no nosso tempo.
Referências:
Os documentos publicados pelo Departamento do Ensino Secundário, que acompanharam (e fizeram
parte d) o processo, definem e esclarecem o âmbito da decisão polı́tica na matéria, reflectindo as
dificuldades e limitações mas também as virtudes desta importante revisão em marcha. Para melhor
enquadramento, juntem-se programas de governo, documentos orientadores de polı́tica do Ministério
da Educação e respectivos pareceres do Conselho Nacional de Educação. Sobre os movimento e a
contestação, leiam-se os jornais diários e semanários de 2000. Aqui ficam apontados os documentos
principais do Departamento do Ensino Secundário.