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Uma revisão com currı́culo

– opinião de cruzado
Arsélio Martins
Professor de Matemática
Escola Secundária de José Estêvão
Aveiro
Dezembro de 2000

1 Da memória persistente ...


Em democracia, cada pessoa conhece a melhor solução para cada problema e é, por isso,
que raramente cada pessoa se reconhece nas decisões que se tomam mesmo quando para
elas concorreram. À medida que a participação democrática se aprofunda e influencia as
decisões governativas, mais dificil se torna que os pareceres de fundo cientı́fico apareçam como
determinantes exclusivos das decisões. Em questões da educação, ainda é mais problemática
a influência de algum sector de opinião em especial, já que o assunto interessa a toda a gente
e parece que todos sabem do assunto, tanto teórica como praticamente.
A revisão curricular do ensino secundário foi, com alguma propriedade, nomeada como re-
visão participada. O Departamento do Ensino Secundário (ou seja, o Ministério da Educação
do Governo de Portugal) lançou a sua discussão na segunda metade da década de 90 com
vista a obter decisões teóricas por volta do ano 2000 e aplicações ao sistema após 2002. Em
todo o paı́s e ao longo do tempo, foram realizados encontros juntando escolas e restantes
membros de comunidades educativas, por iniciativa do DES. Não houve organização escolar
(pública ou privada) e comunidade educativa a quem não tivesse sido reclamada partic-
ipação e opinião. Foram também ouvidos os parceiros sociais, em várias ocasiões e por
diversas razões: Associações de Professores, de Estudantes e de Pais, Sindicatos, Federações
e Confederações, Ordens, Associações e Sociedades Cientı́ficas e Profissionais, Universidades,
Institutos Superiores Politécnicos, etc. Também se realizaram conferências com especialistas
portugueses e de vários paı́ses da Europa. Os documentos foram saindo e não consta que se
tenham levantado entraves a reuniões de iniciativa independente do governo, que se tenham
desprezado em absoluto contribuições de eventuais interessados, ... Houve apoio a muitas
iniciativas autónomas e os resultados sempre estiveram ao alcance da vista desarmada.
Apesar disso tudo, muitos especialistas entendem que não houve discussão suficiente, que os
resultados ficaram muito aquém do que se podia esperar, que não se resolveram os problemas
fundamentais do ensino, que uma revisão curricular é outra coisa, . . .

2 ... à razão da memória volátil


Lembramos que não se trata agora de uma reforma do sistema educativo, mas tão só de
ajustamento dentro de uma reforma iniciada nos anos 80, mas que a nı́vel dos planos cur-
riculares só teve aplicações generalizadas a partir de 1993. Lembramos ainda que já houve
pequenos ajustamentos aos planos curriculares previstos nessa reforma.
Feito isso, não nos apressamos a concordar com todos os defeitos que são apontados às
decisões sobre a revisão curricular. Muitos dos participantes nas discussões, entre os quais
eu, mesmo sem querer pensam que a revisão curricular deveria ser o que não é.
Mas sabemos que, quando devı́amos ter estudado e dado opinião estávamos ocupados com
outras coisas mais urgentes(?), quando nos questionávamos sobre o modelo estávamos presos

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ao modelo em vigor, quando uma novidade aparecia levantámos dúvidas sobre a exequibili-
dade nesta organização escolar e com estes professores, etc. O tempo e a habilidade que nos
sobram para discutir a decisão final faltaram-nos para ajudar na construção. E sabemos que
as decisões negociadas sobre educação levaram em conta parceiros que só podem construir
ou aceitar que se construa sobre o modelo pré-existente, mesmo quando o criticam. Não
estamos a falar só de pais ou encarregados de educação. Também os professores e as suas
organizações, embora criticando a actual situação, não aceitam naturalmente mudanças que
os obriguem a novas práticas, funções, formas e ritmos de trabalho. E temos os diversos
sectores de opinião cientı́fica e educacional que raramente conseguem situar-se no campo do
interesse geral e se refugiam em campos estreitos, quer do ponto de vista disciplinar quer
do ponto de vista dos profissionais que pensam representar. A decisão final modera esta
diversidade de interesses, tão dificilmente quanto é certo existirem interesses contraditórios
em jogo e haver contradição entre os parceiros sociais e as próprias intenções do governo. A
discussão pode ter sido probre e insuficiente. Se faltou riqueza essencial à discussão, sobrou
riqueza na diversidade de pobres contradições.
A forma como decorreu o debate ao longo do tempo contrastou com a surpresa perante a
decisão. Algumas intervenções feitas fizeram-nos suspeitar que muitos intervenientes já se
tinham esquecido de si mesmos.

As polı́ticas em educação são sempre lentas, para o longo prazo. Por um lado, demoram
tempo a acertar-se no concerto da quase totalidade dos interesses sociais (a educação afecta
tudo e todos e diz respeito a tudo e a todos). Demoram tempo até terem uma aplicação
generalizada ao conjunto ou ao sector respectivo, sendo que uma aplicação de papel não
é uma aplicação ao nı́vel das práticas. Muito mais tempo ainda penaremos até saber se
elas são certas ou erradas. É certo que qualquer decisão polı́tica de vulto passa por vários
ministros na elaboração, concepção e aplicação e qualquer destes vai estar reformado quando
o processo iniciado der frutos (saborosos ou não). Pior ainda: a aplicação prática vai sempre
pedir ajustamentos sucessivos que podem desfigurar o proposto e permitir aos responsáveis
sacudir os resultados apurados (quando negativos) para polı́ticas diferentes das inicialmente
propostas.
Se pensarmos no processo do ponto de vista dos estudantes, é seguro que os estudantes que
participaram activamente nas primeiras discussões desta revisão já serão licenciados e os que
vivem o momento da decisão dizem que não foram ouvidos antes e pedem a suspensão da
decisão polı́tica que até é para ser aplicada a outros que ainda não se preocupam com isso.
Aliás, estes jovens que contestam as decisões para o futuro nunca poderiam ter sido ouvidos
sobre o sistema em que eles mesmos se inserem e contestam (tanto na permanência como
na mudança).
Os estudantes só têm razão por não haver um processo contı́nuo de informação que faça as
pontes. Não têm razão quando dizem em abstracto que os estudantes não foram ouvidos
ou quando não ”fazem” a distância que os separa dos outros que virão e serão diferentes
(os professores podem ser diferentes; os alunos podem ser diferentes) e presumem que o que
é hoje (do que querem e do que recusam) vai manter-se amanhã. Mais tarde, podem vir
a fazer o louvor do seu tempo lamentando que a eternidade não tenha conservado os seus
valores e o exemplo do seu tempo – não pensam na juventude dos outros, só querem a sua
de volta.

3 Da ninharia das grandezas....


Há quem diga que uma revisão curricular para o ensino secundário só pode ser feita a partir
de novass definições claras: nova identidade feita com finalidades separadoras e novos papéis,
novas identidades feitas de competências em acção para os actores (instituições e agentes)
que vão representar os papéis, ... Dificilmente se aceita que uma revisão não seja mais
do que a revisão de um segmento do sistema. O pensamento comum estabelece que há
uma dependência estreita entre todas as questões e os executantes das acções, como se o
sistema existente estivesse construı́do de tal modo que as instituições e os actores só para

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ele existissem e fossem incapazes de adequar a sua acção a novas ideias e novas práticas.
Os mais optimistas aceitam algumas mudanças condicionadas a acções que as suportem,
desde novos esquemas de administração até sistemas de formação prévios à aplicação das
mudanças.
Sabemos que a revisão curricular é feita dentro de um sistema que está mais em reparação
que em mudança. Se pensarmos na qualidade e quantidade das ideias feitas sobre educação
e escolas, no sistema de emprego (quase exclusivo para licenciados em ensino e de recurso
para todos os outros que não encontram emprego compatı́vel) em que o sistema público de
ensino se transformou (com quadros de afectação ... a cada uma das escolas) prevemos que
tipo de transformações é possı́vel realizar sem uma revolução.
Todos os debates que antecederam a decisão sobre a revisão curricular, desde os encon-
tros regionais até à conferência internacional de Évora, tiveram como pano de fundo tais
constrangimentos à decisão polı́tica.
O papel activo nas negociações dos sindicatos profissionais, das associações de pais e de
estudantes, fez-se representar com todos os medos perante as mudanças. Os sindicatos
vieram esclarecer que os professores e os funcionários não docentes não podem assumir
novos papéis sem os aceitarem e não os aceitam enquanto não se reunirem condições de
formação. Mas vieram também trazer para a decisão todos os medos e desconfianças perante
a possibilidade das mudanças na identidade do ensino secundário significarem discriminações
dos filhos das classes trabalhadoras no acesso ao ensino superior. E nisto foram apoiados
pelas intenções dos pais, dos estudantes e de muitos estudiosos da questão social.
Uma das discussões básicas tem sempre a ver com a diversificação dos fins do ensino se-
cundário que não tem sido mais do que a passagem entre o ensino básico e o ensino superior.
E é neste campo que se perdeu mais. O ensino secundário continua a ter uma só finali-
dade teórica e continua a ser a vida real a determinar as outras finalidaes sem que o ensino
secundário possa participar na formação de jovens que serão empurrados para a vida profis-
sional activa, apesar de todas as boas intenções que enchem este inferno secundário. Na
discussão, mantém-se uma desqualificação do ensino tecnológico em geral em vez de uma
tentativa séria de criar teoria e novas práticas do sistema para enfrentar a realidade.
Neste campo, as organizações escolares (que são ainda organizações de professores) farão o
resto. Procurarão ler o que já existe (e falhou) no novo articulado e defenderão os cursos que
lhes permitam fazer durante mais tempo a mesma coisa. E farão com que, no fundamental,
tudo seja a mesma coisa sob novos nomes.

As tentativas sérias para uma nova definição do ensino secundário ficam ainda pelas declarações.
O ensino secundário continuará a ser a generalista porta do abstracto ensino superior e tudo
o que é ensino profissional ou artı́stico continuará com perspectivas de uma vidinha à parte
com mais propaganda que vida vivida.

Mas há mudanças, ainda que mitigadas, neste campo da identidade, que podem e devem ser
aproveitadas para começar a sair da actual situação e criar condições para que as futuras
melhores decisões sejam consentidas pelo conjunto da sociedade. Tudo foi assim, sempre foi
assim,... mas pode ser diferente. Outra forma de ver o ensino e a escola tem de ser mostrada
e demonstrada para as gerações que nunca conheceram outra forma de ser escola.
As declarações de mudança sobre os cursos gerais e os cursos tecnológicos mostram à
evidência que há, no actual sistema, falhas que é preciso corrigir. Algumas delas terão
a ver com total desadequação dos cursos para os fins sociais à vista.
As declarações sobre a necessidade de criar módulos de remediação para obviar as dificul-
dades na transição do básico para o secundário, denunciam que há problemas e é necessário
encontrar novas formas para o 10o ¯ ano e para o conjunto do ensino secundário.
A necessidade estabelecida de falar de estudo acompanhado e em diminuir as cargas lectivas
revela que se compreende que há uma fraqueza fundamental no sistema de base em aulas e
nas actuais relações pedagógicas ou que estas, por si só, não cumprem o papel que da escola
se espera. Os professores têm novos graus de liberdade para a sua acção e podem viver
novos papéis fora da sala de aula.
A necessidade consentida de falar de disciplinas de projecto (atribuı́das a um ou mais pro-
fessores) revela que a ”área escola”, integradora de saberes, falhou ou que os professores do

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ensino secundário estão longe de saber trabalhar em projectos fora do ambiente da sala de
aula e da sua disciplina e estão longe de saber trabalhar em equipa.
A necessidade consentida de procurar novas vias para o ensino de Português e a necessidade
de diversificar a Matemática que se ensina vem denunciar que a situação de igual ensino
para todos talvez tenha sido um molde para a desigualdade, uma forma de discriminação
disfarçada sob o manto igualitário.
Ainda não se sabe qual a profundidade das medidas consequentes a essas constatações. Mas
sabe-se que tais constatações não podem deixar de se converter em mudanças nos novos
programas de ensino.

É verdade que muitas destas desejadas mudanças só têm sentido se forem apropriadas pelos
professores. Mas é verdade que, apesar dos actuais horários lectivos, os professores aparecem
cansados e desmotivados para as actuais práticas docentes e mais ainda para as pequenas
experiências. O que aconteceu com as propostas de actividades para as interrupções lectivas
nas escolas é disso prova bastante. Esta escola cansa. Quem sabe se uma mudança nas
práticas escolares não alteraria este estado de enfado cansado dos professores? O que será
preciso mudar no sistema e nas organizações escolares? O que será preciso mudar na imagem
das escolas? O que será preciso mudar na sociedade? É só a escola que está cansada de ser
o que é?

4 ... à grandeza das ninharias


É verdade que não encontramos as grandes alterações de polı́tica nas grandes declarações.
Mas elas existem, com certeza. Se elas não existissem, como explicar as grandes mani-
festações contra as mudanças?
Quase podemos dizer que são as pequenas ninharias que carregam a grandeza das verdadeiras
mudanças.

4.1 Os pés pelas mãos


Em teoria todos concordam que o actual formato das aulas a uma só voz é mais gerador
de ruı́do que de criação e troca de saberes. E todos concordam que essa situação tem de
ser alterada. Todas as conversas nos corredores da pedagogia concordam na necessidade de
fazer dos estudantes participantes activos na construção do saber.
A um professor de pé (ou sentado a uma secretária elevada até ser púlpito) que baseia a
sua autoridade na matéria da parte da sabedoria ou que domina e impõe o que se chama
disciplina, resistindo à passividade de ouvintes sentados, os estudantes opõem e impõem a
matéria de que são feitos os sonhos e a que se chama indisciplina. Já não é o professor o
único veı́culo da sabedoria que apregoa nas aulas e já não é seguro que ela seja um bem
apetecı́vel. E é verdade que as escolas são habitadas por uma massa de estudantes longe do
saber escolar por falta de expectativas sobre a sua utilidade ou por afastamentos ainda mais
radicais. Já não há respeito – é o que dizem. E é verdade, só que é duplamente verdade.
Os estudantes já não nutrem qualquer respeito temeroso perante professores que não os
respeitam e lhes dão menos instrumentos de compreensão e transformação do real actual e
mais descrições do que aconteceu ontem com recurso a meios desadequados e obsoletos.
Todos concordam que é preciso passar o estudo para um novo formato e, principalmente,
fazer passar os estudantes para o lado da disciplina – como construtores ou fazedores de
saber, como seres que tanto precisam de sermões como de tentativas de compreender, errar
e acertar, de fazer experiências, de debater, de... Os estudantes precisam mais da companhia
de professores do que dantes, mas estes não podem substituı́-los em toda a procura e recolha
de informação, nem podem obrigá-los a fazer essa procura e a trabalhar na construção do
saber com a tecnologia que se usavae já não é mais do que uma entre milhares de novas e
mais potentes tecnologias presentes em todos os aspectos da vida quotidiana.
Todos se queixam que a duração das aulas actuais não permite o trabalho autónomo dos
estudantes em ambiente de sala de aula, muito menos permite que seja facultado aos estu-
dantes o uso de tecnologias (computadores, por exemplo), a realização e a apresentação de

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trabalhos sérios, etc. E se é verdade que todos – estudantes, professores e pais – se queixam
do mesmo, não é menos verdade que se criam movimentos contra a alteração da duração
dos tempos lectivos.

À proposta de aulas de 90 minutos todos se opõem porque não vislumbram ou não querem
vislumbrar qualquer alteração das práticas, antes insistem em ver o dobro da desgraça actual.
Esta medida está conjugada com alterações das práticas previstas nos programas. Sem aulas
com duração superior à actual, todos os programas de ensino que falem de iniciativas de
trabalho autónomo para os estudantes ou de introdução de novas tecnologias em ambiente
de sala de aula estão condenados a não serem cumpridos no essencial das práticas que
preconizam.

Defende-se aqui que as aulas de 90 minutos (podia mesmo ser mais tempo) constituem uma
primeira possibilidade para obrigar a romper com o velho cı́rculo da ”seca” para os alunos
e ”tensão” esgotante para os professores, criando novos ambientes de trabalho cooperativo
do lado mais luminoso da vida escolar – como participantes construtores de cada disciplina
organizadora de saberes.
Descansam mais os estudantes que, não tendo que fazer enormes esforços de concentração
para ouvir exposições, podem verdadeiramente trabalhar e mais concentrados porque em
menos temas cada dia. Descansam mais os professores que preparam aulas de trabalho para
os outros com pequenaas exposições e não esse trabalho inglório de exposição contı́nua (à
recusa do público que os devia ouvir).

4.2 Dois ou três?


Uma outra medida desta revisão curricular que deve ser apoiada vivamente tem a ver com a
divisão, para todos os efeitos, do ano escolar em dois perı́odos (semestres?). É uma medida
que vai diminuir muita da pressão feita sobre os professores. As classificações propostas pelos
professores das disciplinas assumem uma grande importância para a generalidade dos estu-
dantes e particularmente para as famı́lias dos estudantes que pretendem prosseguir estudos
superiores.
Sob vigilância apertada de pais e encarregados de educação (quase sempre incapazes de
questionar os métodos de ensino e o ensinado, quase sempre capazes de questionar notas)
os professores e os estudantes perdem de vista a avaliação como auxiliar do ensino e da
aprendizagem e trocam-na por um conjunto de provas produtoras de seriação de alunos.
As indicações dos programas sobre o papel da avaliação e a diversidadde dos instrumentos
de avaliação não têm sido outra coisa do que indicações de papel.

A necessidade de produzir classificações numéricas para estudantes e pais num prazo de


dois a 3 meses tem prejudicado claramente as intenções dos professores que pretendem
criar relações com os estudantes na base de uma grande diversidade de actividades a serem
devidamente apreciadas e consideradas na avaliação e classificação.
Há pouca pressão para a concretização do trabalho de ensino e aprendizagem (em que a
avaliação se inclui). Há muita pressão para obter dados sobre o desempenho e localização
na escala (0 a 20), isto é, para a realização de provas que só podem ser constituı́das por
perguntas (a maior parte de baixo nı́vel).
A mudança para dois perı́odos vai permitir uma respiração pausada no que à avaliação
respeita e é possı́vel que os professores possam propor e apreciar os diversos tipos de trabalho
(mais ou menos complexos, com diversas durações de execução) e não só contar (as certas e
as erradas) respostas curtas a perguntas curtı́ssimas.

Mais tempo para cada aula e mais tempo para viver o ensino são condições fundamentais de
uma mudança para melhor. São as duas ninharias que podem constituir as duas primeiras
grandes alterações a um sistema de escolas organizadas para as aulas expositivas e para os
testes selectivos (ao nı́vel mais baixo). Esta organização escolar foi feita para a educação de
elites e manteve-se, sem alterações, para o ensino de massas.

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Há quem pense que estas duas pequenas medidas constituem a alteração mais radical que
já se fez ao nı́vel da escola, obrigando a mudanças nas práticas docentes ao mesmo tempo
que obriga a mudanças das próprias escolas.

4.3 As mãos com dedos de pés


Mas já havia disciplinas práticas com aulas de duração superior aos 50 minutos. O que é
que há então de novo? Não eram as as disciplinas práticas que sofriam do mal das aulas
expositivas. A alteração está em que a totalidade das disciplinas passa a ter aulas de 90 min-
utos, especialmente aquelas que nunca foram abordadas com aulas práticas. Aliás, sendo as
práticas experimentais integradas, muitas disciplinas práticas (que se foram transformando
em teóricas desdobradas ou em prática sem teoria) vão deixar de existir. Muitas dessas
disciplinas que nasceram por obra das mais puras intenções não foram outra coisa senão
”mãos com dedos de pés”.
Há ainda outras deformadas intenções, outras ”mãos com dedos de pés”: área-escola, mal
praticada; desenvolvimento pessoal e social (?) impraticável; educação sexual (?); educação
moral e religiosa de várias confissões; etc.

Outras propostas importantes vão no sentido de prevenir deformações e influenciam mu-


danças nas organizações escolares e nas práticas dos professores. Assim venham a ser de-
cisões devidamente transformadas em aspectos da vida prática.

À aparente diminuição (concentração) das cargas lectivas opõe-se o acréscimo em actividades


obrigatórias (?) fora da sala de aula. As actividades de estudo acompanhado obrigarão
as escolas a procurar nova organização dos espaços para actividades diferentes das aulas.
Começa a perceber-se que não basta ensinar, que não basta dar os livros, que não basta
propor trabalhos – é preciso ensinar e aprender a estudar, a procurar a informação e a tratá-
la, é preciso seleccionar de entre o todo disponı́vel o que é preciso para cada situação....
Para as escolas e para os professores há uma nova oportunidade de dar a conhecer as outras
escolas que a escola pode ser.
E estes espaços de novas intervenções são vulneráveis à acção da comunidade educativa. Nas
escolas de hoje, com todos os espaços preenchidos por actividades bem espartilhadas por
programas a cumprir, não há espaços nem tempos para a acção formativa da comunidade
de pais e encarregados de educação. Novos espaços para novos tipos de funções – novas
possibilidades para motivar interacções com a comunidade, de mobilizar para a acção em
ambiente escolar as competências dos pais e encarregados de educação ou outros interessados
no processo educativo dos jovens.

O ”estudo acompanhado” pode motivar o trabalho de colectivos de professores da escola.


Uma das grandes dificuldades dos professores reside na incapacidade de trabalho em projecto
e de trabalho em equipa.
A disciplina de Projecto vai no sentido da integração de saberes e do trabalho em equipa.
Algumas decisões sobre a Educação Sexual (que resiste a ser um par ”disciplina/professor”)
também parecem apontar para a formação na base de intenções diversificadas e não na
especialização (sempre redutora para assuntos que não podem ser reduzidos a qualquer das
suas dimensões).

5 A revisão como forma de vida


Procurámos levantar algumas questões relacionadas com a revisão curricular participada, ao
mesmo tempo que consentimos as suas limitações como ajustamento fundamental e tenden-
cialmente reparador ou regenerador do ensino secundário.
Não quisemos fazer um estudo neutro da decisão sobre a revisão curricular. Exprimimos
uma opinião pessoal e defendemos veementemente as medidas que consideramos boas e
potenciadoras de verdadeiras mudanças com sentido positivo.

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Viver na perspectiva da revisão não exige preparação para enfrentar e vencer novos desafios.
Trata-se simplesmente de estar vivo num mundo em mudança e saber que o nosso currı́culo
(de sobrevivência) tem de ser adequado à vida num paı́s desenvolvido em que novos con-
hecimentos e novas técnicas surgem no dia a dia e em que as tecnologias de informação e
comunicação ocupam todas as esquinas do nosso mundo. Trata-se de viver o nosso tempo
no nosso tempo.

Referências:
Os documentos publicados pelo Departamento do Ensino Secundário, que acompanharam (e fizeram
parte d) o processo, definem e esclarecem o âmbito da decisão polı́tica na matéria, reflectindo as
dificuldades e limitações mas também as virtudes desta importante revisão em marcha. Para melhor
enquadramento, juntem-se programas de governo, documentos orientadores de polı́tica do Ministério
da Educação e respectivos pareceres do Conselho Nacional de Educação. Sobre os movimento e a
contestação, leiam-se os jornais diários e semanários de 2000. Aqui ficam apontados os documentos
principais do Departamento do Ensino Secundário.

DES(1998). O Ensino secundário em debate: Reflexões de Escolas e de Professores. Lisboa:


ME/DES.
DES(1998). O Ensino secundário em debate: Análise das consultas aos Paceiros Educativos. Lisboa:
ME/DES.
DES(1998). Ensino secundário: Ajustar para consolidar. Lisboa: ME/DES.
DES(1999). O Ensino secundário em debate: Ciclo de Conferências. Comunicações. Lisboa:
ME/DES.
DES(1999). O Ensino secundário em debate: Projectar o fuutro – Polı́ticas, Currı́culos e Práticas.
Lisboa: ME/DES
DES(2000). Revisão Curricular no Ensino Secundário: Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos I.
Lisboa: ME/DES

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