Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
\
\
(
.6~ EDIÇÃO
Orlandi, Eni P.
A linguagem e seu funcionamento : as formas do discurso/
Eni P. Or!andi - 6ª Edição ·
Campinas, SP : Pontes Editores, 2011.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7113-107-4
CDD - 401.41
87.0940 401.9
'/' .·
1
1
1~-- --
LEITURA: DE QUEM, PARA QUEM?
INTRODUÇÃO
205
O dispo~itivo feudal visava manter, regularmente, as ordens sepa- :É pois, ainda no interior dessas finalidades burguesas que esta-
radas, isto é, mantinha separada a ordem dominante, ·traduzindo-a, mos discutindo 2 •
através da retórica da religião e do poder, para as formas específicas
de representações e imagens próprias aos diversos grupos dominados. Daí se. poder considerar que ler e escrever antes podem favorecer
Em relação à linguagem, pode-se dizer que o mosaico dos falares a exploração dos seres humanos mais do que sua iluminação. Trata-
permanecia, assim corno nas monarquias absolutas, tão intocáveis como se, então, sem muito otimismo, de se observar o que a educação pro-
o corpo do rei. .. duz em relação aos direitos e aos deveres do cidadão. Sem esquecer
que mesmo os direitos são respostas às faltas produzidas pelo próprio
Ao contrário do feudalismo, a dominação burguesa desenvolve sistema (o direito é o direito de remediar a falta).
processos de interpenetração das classes dominadas, transformando a
fixidez das ordens em terreno de confronto de diferenças. Em relação Considerando, portanto, que há absorção e reinstalação de dife-
à questão lingüística, inaugura-se a "política da língua": a constituição renças, no jogo da "igualdade", a minha posição é a seguinte: na
da língua nacional através da alfabetização; aprendizagem e utilização medida em que surge o projeto de uma escola democrática, no inte-
legal da língua nacional. Desenvolvendo, assim, o que havia começado rior da sociedade capitalista, devemos detectar o que essa escola reins-
com as empresas da cristianização da Igreja Medieval, continuado tala como diferença.
com os inícios do colonialismo (as gramáticas dos missionários) e a
Sem esquecer que, ao se alargar o olhar além de soluções
constituição dos Estados Nacionais.
restritas ao percurso pedagógico, se deverá, necessariamente, encarar
A característica das revoluções burguesas é, pois, absorver as o fato de que, em relação às diferenças de classe, a educação é apenas
diferenças para universalizar as relações jurídicas, no momento em um elemento entre muitos outros de uma política efetiva de justiça
que se universalizam a circulação do dinheiro, das mercadorias e dos social e nem é o mais importante ou mais decisivo deles.
trabalhadõres "livres". E para se tornarem cidadãos (e urbanos) os
Procurar determinar, em relação à educação, ein que outro lugar
sujeitos têm de se livrar dos particularismos históricos que os entra-
se instala (se reorganiza) a diferença é fundamental para se deter-
vam: seus costumes locais, suas concepções ancestrais, seus precon-
minar corno deve ser essa outra forma de ensino, a da escola demo-
ceitos e sua língua materna.
crática. Dessa maneira, ao se reivindicar a igualdade, não se estará
Nessa perspectiva - da interpenetração das classes· e da absor- apenas ocultando novas diferenças, mas explicitando-as.
ção das diferenças - é que chegamos ao jogo de palavras existente
O pressuposto de que parto é o de que a educação é uma educa-
em relação aos conceitos de "liberdade" e "igualdade": a burguesia
ção de classe, e à questão "De quem é a Educação?" podemos res-
sempre proclama o ideal da igualdade ao mesmo tempo em que orga-
ponder: é da classe dominante do sistema capitalista, com suas fina-
niza urna desigualdade real.
lidades.
Um exemplo disso é a divisão política no ensino da gramática,
Isso nos leva ao segundo ponto da reflexão que é um desdobra-
por volta de 1880, na França: ao mesmo tempo em que colocava a mento desse primeiro.
educação como direito de todos, a classe dominante tinha acesso ao
bilinguismo (o ensino da língua francesa sobre o modelo do latim) B) O domínio dos instrumentos: o discurso da classe-média
enquanto, para as massas, fornecia urna gramática truncada, fundada
sobre a lógica da frase simples. Começo por dizer, sem preâmbulos, que a afirmação de que é
preciso o acesso à totalidade do conhecimento da classe dominante
A absorção da diferença, então, supõe, antes de tudo, que ela
seja reconhecida, isto é, reproduzida, reorganizada em algum outro
2. Essas observações de cunho histórico foram elaboradas a partir da leitura
lugar. de La Langue lntrouvable (F. Gadet, M. Pêcheux, 1981 ).
206 207
para que haja transformação é uma afirmação de classe. Mais espe-
cificamente: da classe-média. Que não deixa de ser romântica e incon- . Ensinar, em si, não é nem deixa de ser arbitrário. O que cons-
seqüente na medida em que propõe a tomada desse conhecimento e titui essa arbitrariedade é a ideologia que pode presidir a prática peda-
não fala quem pode e em que condições sociais isso pode se dar. gógica. Por .sua vez, é bom enfatizar, o saber, em si, não é, nem deixa
Além disso, penso que o acesso à totalidade desse conhecimento não de ser legítimo. A sua categorização, como forma legítima ou não,
é, talvez, necessário e muito menos suficiente para a transformação. depende das condições histórico-sociais em que ele se configura.
Pelo menos para uma transformação que não tenha a direçãü" já dada Em relação às classes populares, caberia se perguntar qual a
pela classe dominante. relação dessas classes com esse conhecimento, com a linguagem, com
No interior do discurso que propõe o acesso ao conhecimento a escola?
detido pela classe dominante - ou que se atribui a ela - viaja o Como fica essa relação, dado o modo como nossa sociedade se
discurso do poder e da exclusão. Nesse discurso, ou se tem o saber relaciona com o saber letrado? Esse saber não é partilhado mas distri-
dominante, ou só resta o saber menos abstrato, menos rigoroso, buído socialmente, de tal forma que não basta tê-lo, uma vez que é
rebaixado, o da facilidade. Saber nenhum, portanto. Cria-se, assim, preciso tê-lo de uma certa maneira, isto é, é preciso ter o status atri-
um falso dilema, pois se torna categórica a distância entre saber e buído a ele (Por exemplo: qual o valor atribuído ao supletivo; ao
não saber, entre ser igual ou ser menos, etc. curso por televisão? etc.). Nesse sentido, o "o quê" (o que se aprende,
o que se lê) não é o que importa, o que importa é o "quem" e o
Para mim, não é uma questão de tudo ou nada. Há o saber "onde". Há um valor intrínseco à própria escolaridade que atribui
dominante e há outros que sequer foram formulados. Há formas de legitimidade ao saber. Haverá sempre escolas diferentes que reinstalam
saber que são diferentes e que têm funções sociais distintas. O fato as diferenças (Exemplo : escola pública/escola particular).
de que se atribuem diferentes estatutos epistêmicos a essas formas de Cabe, então, aqui à questão : quando as classes populares passam
saber não está desvinculado do fato de que, dada a divisão social, há a dominar algum instrumento da classe dominante o que acontece?
formas diferentes de conhecimento: legítimas e não legítimas, o que Mudam as finalidades da antiga dominação? A apropriação do instru-
equivale a dizer legitimadas ou não pelo poder dominante. Quando se mento transforma o instrumento ou aquele que dele se utiliza? Ou
adere ao conhecimento legítimo, se desconhece a luta de classes, a os dois? Qual o sentido dessa transformação? Depende do instrumento
luta pela validade das diferentes formas. e depende do modo de apropriação. Veremos o que se passa com
a educação.
O discurso da classe média passa por cima dessa distinção: in-
corpora a legitimidade e procura as formas competentes que levam à Para alguns, o que acontece é que aumenta a autoridade da classe
apropriação do conhecimento legítimo. Esse discurso é adequado para dominante; para outros, a educação pode provocar, nos dominados,
a classe-média, tanto que, quando se fala na crise da escola, está-se a insastifação com a própria condição de vida, já que se considera que
falando sobretudo da crise da eficácia das formas institucionais do a educação é uma via eficaz para a formação da consciência crítica.
saber para esta classe. Estes diriam, pois, que através da leitura se tem acesso ao saber, e
pelo domínio do saber se podem explicitar os mecanismos do funcio-
Trata-se, assim, nesse discurso da classe-média, não do acesso ao namento da sociedade. Digamos que as duas coisas acontecem: au-
conhecimento, como se diz com neutralidade, mas da apropriação do menta a autoridade do Estado mas, ao mesmo tempo, se cria a
conhecimento legítimo, que lhe é necessário, em sua condição de possibilidade da consciência crítica.
classe. Fica à margem, toda outra forma de conhecimento, que sequer
é reconhecida como tal e com a qual não se opera. Reivindica-se o E, aí, o que podemos perguntar a nós mesmos, se pretendemos
direito a ter o conhecimento legítimo sem discutir seus pressupostos, uma escola crítica, é que finalidades nós mesmos privilegiamos em
ou seja, não se procura transformar a relação com esse conhecimento, relação a esse instrumento, quando ensinamos: ler para subir na vida?
nem se discute sua legitimidade (legítimo para quem?). Para ser crítico? Nem vou discutir se, pela escola, dá para subir na
vida. E para ser crítico?
208
1 209
Tomamos nossa profissão pelo verdadeiro e dessa forma, na rela-
ção com nossa profissão, reforçamos o mito pelo qual se sustenta - ~uando o povo usa um bem cultural diferentemente do .
nao ha falta de entendimento do sig 'f' d l previsto,
o sistema do qual fazemos parte. Entretanto, procurando ser tão crítica , . m ica o cu tural (não é por ue
quanto possível, eu faria duas observações: ~ povo e ignorante). Ao usá-lo diferentemente, ele está se apropria::do
f e um espaço que a rigor não lhe pertence e recriando nele
1 . Não há relação automática, mecânica, entre "ter o domínio
da cultura'', e "ser crítico";
~rmas de sociabilid_ade, de acordo com suas necessidades e cª;n~~
çoes. Reve~a-se, as~1m, a discrepância entre a força transformadop
do uso efetivo e as imposições restritivas dos regulamentos (Exe Ir~
2 . Há aí, suposta, a supervalorização de um instrumento da
cultura, a escrita, e, via escrita, a do saber letrado, ao passo que se o uso do Museu do I · · mp o. 1
pode considerar que a oralidade também permite o conhecimento piranga, citado por A.A. Arantes, 1981 ).
e a crítica. . No discurso da classe-média, tachamos de ignorância 1
Como disse anteriormente há várias formas de conhecimento e mmtas vezes, uma forma de resistência cultural. o que é,
não apenas a oficial, estabelecida segundo as regras do jogo da classe 1
Essas reflexões indicam que o modo de leit d 1
dominante, na escola. Além disso, o problema não é de quantidade, la d . . ura as c asses popu-
res po e ser d1stmto do da classe dominante, sem lhe ser inferior.
de extensão. Para a mobilização do conhecimento (legítimo ou não)
em torno do homem e sua vida não é preciso se apossar da totalidade d .Em suma, ~m ~elação à distinção entre classes populares/ classe
dessas formas de saber (a ilusão -da completude). Em termos de ommante, eu f1cana na tensão existente entre elas: não penderia,
leitura, por exemplo, eu diria que não é necessário dominar todos os em ab~trat~, nem para a dominação do saber erudito nem ara a
produtos (todas as grandes obras) mas sim saber o processo de sua absolut1z_açao do saber popular, já que essas são formas que co:vivem
produção. em conflito em nossa sociedade, com suas diferentes :.:sfer:.:i~ d..-: :i~n;i窺·
Por outro lado, o leitor vai se formando no decorrer de suei
existência, em suas experiências de interação. com o universo natural, . No que concerne ao. discurso da classe-média, que diz ue é
cultural e social em que vive. A leitura é um ato cultural em seu preciso se apossar da totalidade da cultura dominante para se li~ rt
sentido amplo, que não se esgota na educação formal tal como esta (eles querem dizer "dominar"), a resposta pode ser a de que é pr:ci:
tem sido definida. Deve-se considerar a relação entre o leitor e o sel explo~a~ as contradições do que vem implícito nesse discurso da
e asse-media.
conhecimento, assim como a sua reflexão sobre o mundo. Eu diria
que o conhecimento tem caminhos insuspeitados. Ninguém tem a fór- , Logo, ª. meu ver, há dois níveis de reivindicações, em rela ão
mula da descoberta, de como se chega ao conhecimento e à crítica. a classe ?º~mante: a) de um lado, deve-se reivindicar politicame~te
O que proponho é que se relativize a importância do conheci- a apropnaçao dos seus instrumentos de conhecimento· b) de t
mento legítimo, pois, muºdar a relação com esse conhecimento pode d~ve-~e, efetivamente, elaborar formas de conhecime~to crític~u ~;
significar a negação da escola como detentora do conhecimento letra- nao sao_ meras reproduções de formas de conhecimento legítimo ~as
do redentor, em que ler e escrever não tem originado um saber atuante, que denvem de um conhecimento efetivo do aprend1'z em suas'
não tem desencadeado uma práxis, nem contribuído para a transfor- diç -e 3 e f . ' can-
o s . orno azer isso? Não reproduzindo atraves ' d d'
f l ( · · , o 1scurso
.mação dessa realidade social da qual estamos falando. Realidade ~ro essor~ e ~~rodares) a distinção estrita entre conhecimento legí-
em que o saber legítimo acumulado sequer consegue evitar a fome f mo e nao leglt1~0; promover o discurso da legitimidade das várias
da grande parte da população. Mudar essa relação significa não armas de conhecimento, dando um espaço real para a elabora ão
extrapolar o valor do saber acumulado nas bibliotecas, embora se dessas outras formas de conhecimento com suas distintas funç~es
reivindique o acesso a elas. O conhecimento legítimo se apresenta
como um conhecimento no passado, pronto, acabado e no entanto 3 · Quero crer que a pr6pria bur ·
conhecimento que nã gues1a, na sua ascenção, inaugurou formas de
ele está se fazendo continuamente, e na relação entre dominador e tico. Por outro lado ºa e;am m~ra aprop~iaç_ão do conhecimento aristocrá-
dominado. Ele é a marca de uma diferença. determinada pela bu;guesi~~ma e apropnaçao deve ter sido minimamente
710
211
sociais; fazendo com que esse espaço de elaboração represente efeti- . . Na observação desse princípio é ue em
leitura, tenho proposto. 1 º) q_ ' meus trabalhos sobre
vamente um espaço real de poder de decisão. Caso contrário, se estará º) · · que se considere que a le"t
1 ,
e 2 · que se atente às suas cond· - d ura e produzida
produzindo uma escola democrática domesticada pelo poder dominante. certamente . serão diferentes - iço~s e produção. Essas condições
O que nos leva a dizer, em relação à apropriação dos instrumentos classe social às diferenças id nl~o . so em relação às diferenças de
grupo etc. ' eo og1cas, mas de histórias pessoal e de
da classe dominante, que é a forma, o modo de acesso a eles que
determina a qualidade de sua apropriação e define as suas conse-
qüências. A sociedade capitalista tem interesse em conceder o direito O estabelecimento das condi ões d - .
ser uma forma de se operar com ç dif e produçao de leitura pretende
ao saber para manter sua força de trabalho em bom estado de funcio- · ª erença sem absorvê-la.
namento. Daí construir a imagem da igualdade de direitos. Essa é a Tenho feito o levantamento d , .
imagem que ela quer dar de si mesma. Para explorar as possíveis de produção de leitura que explicita e va~10s .aspectos das condições
contradições que vêm imbutidas nesse interesse, e nessa imagem, é discurso). m o unc10namento do texto (do
preciso que as classes populares possam estabelecer, minimamente,
as condições em que se dá essa apropriação. E não deixar, como se
faz predominantemente, que lhe dêem o produto e a receita de como
Ao saber como o texto funciona es er
ler não apenas como o professor l' , l .
o que o aluno-le1tor possa
em aberto, podendo se construir e mas es~~bra o processo da leitura
consumi-lo. Que é o modo que a classe dominante tem de não deixar como SUJe1to de sua leitura.
as classes populares colocarem suas marcas nos "produtos culturais". Nessa perspectiva, então, como o erar c , . -
dos nas diferentes leituras de um text~ (leituom a ~ar;a~ao dos senti-
II . . Segunda Parte: AS CLASSES POPULARES E AS HISTORIAS mo tem~o :m que a disciplina escolar, e instit~a _pohssem1ca) a~ me_s-
a reproau:;u~" de sentidos p . t c~onal em geral, impoe
DA LEITURA . revis os para ele (leitura parafrástica)?
A resposta está em um método
A relação de interação (leitor/texto/autor) estabelecida na esco- se traçar o limite entre aquilo q 1 . que ~orneça um critério para
la, tem como mediador o professor. Uma vez que, segundo a ideologia (limite mínimo do que se od~e eº e1tor nao ch_egou a compreender
escolar, o professor é que tem a leitura que se deve fazer (a boa aquilo que já ultrapassa o p sperar que se1a compreendido) e
leitura, a legítima), essa relação, além de ser, na maioria das vezes, Isso significa decidir de que lsedpode compreender (limite máximo).
heterogênea, é, necessariamente, assimétrica: o saber do professor e ' um a o se uma leitu , ,
outro, se ela chega a ser p 1 , , ra e possivel, e, de
seus objetivos é dominante em relação ao saber e objetivos do aluno. ' e o menos, razoavel.
Dada, pois, essa relação de interação da leitura escolar (na esco- ~ minha posição é a de que a leitura nã , , ,
em s1. Quer dizer não há le. t . o e poss1vel ou razoavel
la, para a escola ou de acordo com o padrão escolar), e dado o fato ' 1 uras previstas por um t t
de que essa relação produzirá uma transformação, cabe perguntar como se ele fosse um ob1· eto f h d . ex o, em geral,
ec a o em s1 mesmo t fº ·
qual a direção, qual o sentido dessa transformação? Q uando, na escola se fala sob . ' au o-su 1c1ente.
re o sentido do texto t,
o fato de que há sentidos est b 1 "d se es a ocultando
Esse sentido, creio, deve-se oríginar no espaço dado ao aluno a e ec1 os para ele.
para que ele mesmo elabore sua relação com a leitura, ou seja, é , Considero que toda leitura tem sua história
preciso não tirar seu poder de decisão, não pretender estar no seu e que o possível e o razoável em 1 - , . . O que proponho
lugar. Isso significa seguir o mais elementar princípio pedagógico que se definam levando-se em cont' . re hª?ª~ ~ compreensão do texto,
a essas istonas. a hist, . d 1
diz que o processo de aprendizagem do aluno é distinto do método d o texto e a história de leitur d 1 . . ona e eituras
. as o e1tor (Orlandi, 1985).
de ensino proposto para ele. Uma vez que ele tem seu processo de
aprendizagem, o método de ensino deve apenas servir para lhe propi- Leituras possíveis em certas épocas não o são em outras. Nós
ciar condições para que seu processo se desenvolva. O método não lemos diferentemente um mesmo
' texto em épocas, condições, dife-
í1 deve se sobrepor (sufocar) ao processo, mas se articular com ele.
rentes.
l.
t
r 212 213
1
.i
A legitimação do processo histórico da leitura - que sentidos
atribuir ao texto, ou, como o texto deve ser compreendido? - se reproduzir a mesma leitura, através dos anos, e apesar dos leitores
faz de formas variadas, nas diferentes instituições, através de espe- e de suas classes sociais. Assim, pelo conceito de autoridade, há um
'
cialistas, de autoridades: na Igreja Cristã, a leitura competente está deslize entre a função crítica e a censura: o leitor fica obrigado a
a cargo do teólogo, no Direito, do jurista, na Escola, do professor. reproduzir o seu modelo de leitura, custe o que custar. O que, em
geral, custa a sua capacidade de reflexão.
O professor, por sua vez, ou representa a voz do crítico ou a do livro
didátíco adotado. Se esses fenômenos podem ser observados como sistemáticos na
Esse processo de legitimação resulta em que há um caráter previ- produção da leitura, o ensino desta deve operar com eles. Uma suges-
sível em relação à leitura: há leituras previstas para o texto pois o tão pedagógica seria os professores proporem uma organização curri-
crítico, ao mesmo tempo em que avalia a importância do texto, cular que permita que o aluno trabalhe em sua própria história de
leituras. Desafiar a sua compreensão e ao mesmo tempo lhe fornecer
fixa-lhe um sentido, uma leitura.
as condições para que esse desafio seja assumido de forma conse-
Por outro lado, todo leitor tem sua história de leituras. O con- qüente. E para isso não se pode prescindir da convivência múltipla,
junto de leituras feitas por um leitor específico é um aspecto relevante aberta e total com textos, ou seja, bibliotecas, arquivos, coleções,
que configura a sua compreensibilidade (capacidade de compreender) recortes etc. que devem estar à inteira disposição dos alunos . Tendo
diante de um texto. acesso a um material variado, e que ele ajuda a constituir como
~
material didático, terá também uma visão crítica dele e a consciência
As leituras já feitas por um leitor específico dirigem - podem
da provisoriedade e da validade desse material enquanto instrumento
alargar ou restringir - a compreensão do texto. Essa é a contrapar- para o conhecimento de algo.
tida, para o leitor, da sedimentação histórica de sentidos e do fato t
Ji
de que todo texto tem relação com outros (intertextualidade) . Enfim, com essas condições de ensino,. e aberto um espaço para
Com relação ao que é previsível na leitura (a história de leituras
,,~ que o aluno-leitor elabore suas experiências de leituras, a partir de
·~
'1
do texto), o professor pode modificar as condições de produção de 1 suas condições de vida, esse aluno determinará a forma de apropriação
desse instrumento que é a leitura, o que permitirá que, sendo ele das
~
leitura do aluno de duas maneiras: a) de um lado, propiciando-lhe
que construa sua história de leituras; b) de outro, estabelecendo,
quando necessário, as relações entre os diferentes textos, resgatando,
assim, a história dos sentidos deles .
i
j
classes populares, essa classe se construa e se representa em sua histó-
ria de leituras que a classe dominante desconhece 4 •
l
·~ leituras possíveis. Ou seja: as leituras têm suas histórias no plural. ARANTES, A. A. - O que é cultura popular, Primeiros Passos, Brasiliense, São
Paulo, 1981.
Na transformação das condições de produção do aprendiz im- BRANDÃO, C. R. - Casa de Escola, Papirus, Campinas, 1983.
porta cuidar-se para que não se petrifiquem essas leituras previstas GADET, F. & PÊCHEUX, M. - La Langue lntrouvable, Maspero, Paris, 1981.
em detrimento da descoberta, da leitura nova, que deve acontecer ORLANDI, E. - "As histórias da leitura", Leitura: Teoria e Prática, Merca-
tanto quanto possível. do Aberto, Porto Alegre, 1985.
214
1 215