Você está na página 1de 34

Podemos dizer que 2001 se divide em 4 partes:

- 1ª parte

Ao contrário de todos os filmes de ficção científica, 2001 inicia-se com o alvorecer na África
pré-histórica, a 4 milhões de anos atrás.
O primeiro momento do filme é de total estranhamento. São quase 3 minutos de pura banda
sonora sem nenhuma imagem.

A tela escura e os sons


abstratos e sombrios chamam a atenção, exacerbando a curiosidade, além de criar uma
ambiência que tem a ver com o início dos tempos e o que é mostrado a seguir: a imagem do
espaço, demonstrando a Terra, a lua crescente e o sol, denotando a previsão de um processo

evolutivo. Vemos então a


imagem do nascer de um dia, com sons de grilos e pássaros. Trata-se da "Aurora Do Homem".
As imagens de um deserto com seres pré-históricos dividindo o espaço físico, são na verdade
um retorno ao nosso passado, aos nossos ancestrais.

Percebe-se nas primeiras


imagens a guerra entre as variadas espécies, macacos com tigres e antas.

Há elipses temporais
criadas através de "fades" para significar a passagem de tempo.

Logo após, acompanhamos


a guerra entre seres da mesma espécie, os macacos, principalmente por localidades e água.
Um dos macacos atravessa uma poça para demarcar seu domínio sobre a mesma.

O tempo passa, os
macacos começam a brigar entre si por comida e por espaço nas cavernas, onde se protegiam
à noite. Sempre os que não conseguiam espaço ficavam grunhindo fora das cavernas,
enquanto os de dentro respondiam com grunhidos mais altos.
Vemos um macaco
acordando e se assustando com o que vê: um monolito.

Começa então a grunhir e


propositadamente acorda os outros. Uma trilha sonora sempre acompanha a aparição do
monólito durante todo o filme, é um som crescente, um conjunto de ruídos, vozes, com sons
agudos. Os macacos estranham aquele objeto e se aproximam para verificar, tocando,
cheirando, percebem que é uma superfície lisa com quinas, diferente das rochas grosseiras
que estão acostumados a escalar.

É inserido um plano,
mostrando a Lua e o Sol alinhados do ponto de vista da Terra, mais precisamente do monolito,
reforçando a idéia da temporalidade dos acontecimentos. O monolito surge no momento de Lua
crescente, aquele descrito através das imagens no início do filme, significando período de
evolução. Passam-se alguns
dias e um grupo de macacos acha uma ossada de anta, a maioria não se interessa, mas um
dos macacos permanece olhando para os ossos. Ele senta-se, olha como se tentasse decifrar
um enigma e faz um movimento com a cabeça como se estivesse pensando, racionalizando

algo. Nesse instante é


introduzido novamente o plano do alinhamento visto do monólito e é inserida a música "Also
Sprach Zarathustra", reforçando ainda mais a questão da temporalidade e da evolução.

O macaco pega um osso


entre vários, gira como um semi-círculo (movimento que representa a Lua crescente) e bate
devagar contra os demais.
Ele percebe a natureza do osso, que é mais resistente que os demais, começa a quebrar os
outros ossos e, para segurar o osso com as duas mãos pela primeira vez, sustenta o corpo
somente nas duas patas traseiras, quebrando o crânio da ossada.

Há um corte para uma anta

caindo morta. O macaco


destroça o crânio, e vemos outra anta caindo, demonstrando a possibilidade de matar quantas

quisesse.
A face do macaco mostra
seu momento de euforia, como num grito de "eureka", ele lança o osso para cima.

Após isso, vemos uma


seqüência de planos significativos. Um macaco sobe uma pequena ladeira como se tentasse
se esconder, segurando um osso e comendo um pedaço de carne.

Em seguida já vemos outro


plano, onde vários macacos comem carne.

O que está com o osso


numa posição superior em cima de uma rocha, representa liderança.
Depois de um último corte,
a cena onde vemos macacos bem pequenos sentados e brincando com ossos, denota a
passagem de conhecimento para as novas gerações.

Algo aconteceu: o
conhecimento. E foi inserido no cotidiano desses seres com momento demarcado: após a
aparição do monolito, com a Lua crescente.
Uma imagem mostra mais um pôr do sol, que se olhado com atenção demonstra que a Lua,
antes vista sempre crescente, agora está cheia, nova, denotando os momentos de mudança

que virão a seguir. Os


macacos que foram expulsos voltam de encontro à poça d’água do início do filme. Todos com
ossos nas mãos, nota-se que somente esse grupo sustenta o corpo nos dois pés, o outro grupo
não. O filme evidencia os macacos que têm os ossos nas mãos, demonstrando o poder da
"arma" descoberta: o osso, o conhecimento.
Não se contentando em
obter comida, pois também querem água e espaço físico, matam um dos outros macacos do

grupo oposto com os ossos.


Na euforia da vitória, um osso é jogado pra cima, que agora gira subindo, formando um círculo

completo (Lua nova). O


osso sobe no sentido anti-horário e desce no sentido horário, um índice para o futuro que virá.

Acontece aqui o maior corte


temporal da história do cinema. A cena do osso que caía, é cortada para uma nave orbitando a
Terra (num formato semelhante ao do osso) ao som da valsa "The Blue Danube", de Johann
Strauss.
Explicação da 1ª parte

Numa fatídica noite a 4 milhões de anos atrás, uma poderosa força penetra no nosso sistema
solar próxima a Júpiter. Destino: Planeta Terra. Durante uma noite, um monolito foi
deliberadamente colocado na Terra por seres extraterrestres. Mas por quê? E por que,
justamente aqui, próximo a uma tribo de macacos adormecidos? Kubrick não nos explica o que
isso significa. Essencialmente representa um desafio... Espécie: Australopitecus afarensis;
habitat: África Oriental; época: 4 milhões - 2,9 milhões de anos atrás; características: medo,
curiosidade, coragem. Tais qualidades, e não propriamente o monolito, levaram os macacos a
uma revolucionária invenção: a ferramenta.

- 2ª parte

Vemos aqui os países integrados na exploração espacial, com naves de várias nacionalidades
(vê-se as bandeiras alemã e chinesa em duas delas).
A caneta flutuando na
gravidade zero nos remete inconscientemente ao osso flutuando no ar, e nos lembra que agora
"a caneta é mais forte que a espada".

A força bruta não é mais


necessária, dando lugar à diplomacia, que se traduz na aparentemente amistosa conversa com
os russos dentro da estação. Mas logo percebemos que o cientista Heywood Floyd esconde
um segredo, do qual os russos desconfiam e mal conseguem esconder sua curiosidade.
Comentaristas chegam a apontar essa cena como uma reprise "versão guerra fria" da briga
pré-histórica pelo poço d'água (coincidência ou não, os participantes conversam ao redor de
uma mesa circular com copos d'água).

Descobre-se que um objeto


foi enterrado deliberadamente na Lua há 4 milhões de anos. Por quem, nunca saberemos. É o
monolito, o mesmo que apareceu para os macacos na pré-história. Em outra cena brilhante,
Floyd toca o monolito com a mesma admiração que seu antepassado.
Através do livro de Arthur
Clarke, temos uma explicação mais detalhada para o que acontece em seguida: A luz do Sol
toca o monolito pela primeira vez (ele foi escavado durante os 14 dias de noite lunar), e então
ele emite um poderoso sinal de rádio, que interfere com os comunicadores dos astronautas,
provocando um zumbido intermitente.

Verifica-se também o
mesmo alinhamento da pré-história, agora com a meia-lua (desta vez representada pela Terra)

mais próxima do Sol. A


montagem do filme tem características peculiares. Não há fusões, o corte seco é o mais
utilizado, contrapondo planos as vezes não contínuos, usado para gerar significados e não
simplesmente para contar linearmente a história. Quase sem diálogos, o filme é construído a
partir da justaposição das imagens, alguns planos são longos e lentos, principalmente quando
são mostradas imagens do espaço.
É uma maneira de construir
um clima para essas imagens, já que até então ainda não havia nenhum filme que retratasse
com fidelidade como se portavam os objetos no espaço. A relação da não gravidade e do
eterno movimento foi explorada com precisão. Por tratar de elementos que não existiam na
época, foram necessárias várias cenas descritivas. Em alguns momentos parecemos assistir
um documentário, como no processo do reconhecimento de voz ou nos longos planos
demonstrando o interior das naves espaciais.

Quando ocorrem diálogos,


como os que acontecem na Estação, são cheios de significados, como os de Heywood quando
encontra outras pessoas conversando. Eles falam em russo, deixando muito claro que, além de
seus próprios nomes (Dra. Stretyneva e Dr. Andrei Smyslov), vemos uma discussão sobre a
corrida espacial entre norte-americanos e russos, que acontecia na época do filme.

Mas quem teria chegado


primeiro? No diálogo posterior, isso é demonstrado, já que somente Heywood detém
informações sobre o que acontece na Lua, explicitando quem está no comando. 
Interessante também é a mensagem intertextual que existe numa sala por trás das pessoas
que conversam na estação, uma palavra escrita em letras maiúsculas: HILTON, que é uma
referência a tradicional rede de hotéis norte-americana, que possui sedes em vários locais do
mundo. Há também uma
cena interessante, quando a nave de Heywood está há caminho da Lua, alguns tripulantes
assistem a imagens de lutas de sumô em telas widescreen, como referência a disputa da

chegada na mesma. Além


da clássica referência do supercomputador HAL, suas três letras precedem as letras de IBM,
que é uma das maiores empresas de informática dos EUA.
É interessante notar como a fotografia dialoga com a montagem, como nas composições
utilizadas nas cenas do espaço, a maioria dos objetos tem aspectos circulares e giram.

Na cena que Heywood


chega na estação, o elevador é circular.
O movimento que a câmera
faz é um "travelling" circular, e focaliza a Terra ao fundo nas janelas (tudo gira).

O uso das cores também é


marcante. O azul e o vermelho são as mais representativas. O vermelho sempre está
associado ao perigo ou ao retorno ao passado, como às imagens avermelhadas do início do
filme, nas paisagens desérticas ou ao "olho" de HAL, que se volta contra os seres humanos.

O azul está relacionando


com o futuro e esperança, como na vista da Terra do espaço ou na "criança estrela" do final do
filme, além de alguns botões de dentro da nave.
Os "flares" e os reflexos
são muito bem utilizados. O primeiro é marcante nas cenas em que aparecem o monolito,
dando um tom mágico. E o segundo, na parte frontal do capacete de David, sob seu rosto,
principalmente quando reflete HAL, denotando um significado de unicidade entre os dois,
dando a entender que existe algo de David em HAL e vice-versa.
A fotografia nos remete aos
efeitos especiais concebidos e dirigidos por Kubrick. O fotógrafo que existia antes de se tornar
diretor de cinema aflorou nesse filme, que abusou das perspectivas para criar profundidade,
iluminação impecável e angulações indescritíveis. O uso de cenários gigantescos e em
tamanhos reais ou com possibilidades de movimentos antes nunca executados geraram

imagens surpreendentes. As
experimentações visuais, como a viagem através do "portal estelar" ou as imagens de Júpiter,
com cores vibrantes, são marcas indeléveis nesse filme.
Considerando que na
época não existiam computadores para criar elementos virtuais, o filme demonstra profundo
engajamento em técnicas de superposição e de trabalho com miniaturas e maquetes.

Explicação da 2ª parte

O ser humano está atingindo o auge de sua evolução. Espécie: Homo Sapiens; características:
civilizado, racional, científico.
Mas, Kubrick sutilmente sugere que algo está errado. No espaço o homem perde o controle de
suas ferramentas. Sem gravidade ele precisa aprender a andar novamente. Ele se alimenta de
papinha e precisa reaprender a ir ao banheiro. O mestre do planeta Terra não passa de uma

criança no espaço.
Na sequência, Kubrick nos
apresenta uma nova e sinistra personagem. As ferramentas estão tomando uma forma
humana. Ao se deparar com o monolito na Lua, o Homem não demonstra medo ou surpresa.
Em vez disso, ele faz vídeos e tira fotografias. A raça humana ainda tem muito que aprender...
O monolito é deixado como um sentinela, vigiando até que ponto o homem progrediu.

- 3ª parte

Estamos agora na nave Discovery 1, rumo a Júpiter, em busca do destino do sinal de rádio.
Vemos o astronauta Frank Poole correndo em círculos, no que parece uma versão gigante e
futurista de uma roda para ratos. De fato, os humanos na nave são meros
passageiros/prisioneiros, pois quem controla tudo na verdade é o computador HAL 9000. A
sigla HAL é uma "homenagem" (na verdade uma crítica) à empresa de computadores IBM
(mova cada letra uma posição no alfabeto pra trás e você terá HAL). Na época em que o filme
foi feito, a IBM era mais poderosa e influente do que a Microsoft e a Google somadas.
Uma das características peculiares do filme, é que seus protagonistas somente aparecem
depois dos primeiros 50 minutos de filme, logo após a segunda aparição do monolito na Lua,
quando esse envia um sinal para Júpiter. Há sempre uma questão de aparição x evolução: o
monolito está na Lua sinalizando um acontecimento do conhecimento, intelectual, é como se
acompanhasse nossa evolução, que cada vez mais deseja ir mais longe.
David Bowman (Keir
Dulela) e o computador HAL 9000 (representado pela voz de Douglas Rain) são os
personagens principais. As suas características são quase invertidas propositadamente.
Bowman é tranqüilo, seguro e prático, já HAL, que é a máquina, é curioso, orgulhoso,

mentiroso e ambicioso.

HAL, que foi criado pelo


homem, incorpora seus defeitos e volta-se contra o próprio homem, como o macaco no início
do filme que não admitiu ter somente a comida, e foi de encontro aos seus semelhantes,
matando-os para tomar-lhes água e espaço.
Bowman e HAL surgem na viagem para Júpiter, a bordo da nave Discovery, que possui uma
semelhança a um espermatozóide, semelhança que nos remete a imagem final do filme, a
gestação da "criança estrela".

A aparição dessa nave e


dos tripulantes representam um segundo momento do filme. Nota-se isso, pois até a trilha
sonora é distinta. A valsa de Johann Strauss dá lugar ao "Ballet" de Khatchaturian. 
Durante a viagem, o computador acusa um defeito na unidade de comunicação. Ao averiguar o
defeito, percebe-se que a unidade estava funcionando bem, o que significa que o computador
HAL aparentemente está com alguma falha.

Muitos interpretam o
comportamento de HAL como uma falha, mas há pistas que indicam que HAL poderia estar
jogando com os astronautas da mesma forma que ele aparece jogando xadrez, e esta é uma
cena reveladora. Kubrick era amante de xadrez, e colocou HAL jogando com o astronauta
Poole uma partida que realmente aconteceu em 1910, entre Roesch e Willi Schlage. Acontece
que HAL faz o movimento correto, mas diz de forma errada: "raínha para bispo 3", quando o
correto seria: "raínha para bispo 6". Um erro bobo de um computador pirado, um deslize de
Kubrick ou um teste sutil de HAL para ver se Poole perceberia?
A idéia do teste é
importante porque é verbalizada e confirmada por HAL na próxima cena, onde ele pergunta
(como quem não quer nada) a David sobre os rumores cincundando a missão, e o que ele
achava disso. Só que David desconfia e responde com outra pergunta: "isso faz parte do nosso
teste psicológico, não é?". Ao que HAL confirma, tira por menos ("é uma coisa boba"), dá uma
"travadinha" e depois acusa o tal erro na unidade de comunicação. Erro, ou apenas outro

teste? Notem o modo como


cada astronauta reage à notícia de que HAL pode ter cometido um erro. Poole fecha a cara e
cruza os braços. David inicialmente fica sem expressão, mas depois faz cara de "tudo bem" pra
HAL (com sorrisinho e tudo) e inventa uma mentira pra poder falar em privado com Poole. Pra
um computador que lê lábios e reconhece desenhos, é fácil perceber o descontentamento de

Poole.
Nunca saberemos, mas o
modo como Poole se conforma com a derrota no xadrez sem perceber o erro de HAL pode ter
feito do astronauta, na avaliação do computador, o elo fraco da missão. Nota-se o orgulho cego
de HAL pela infabilidade quando, confrontado com o relatório do seu "irmão gêmeo" na Terra
de que não havia defeito na unidade, HAL responde: "Falha humana. Isso já ocorreu antes, e
sempre foi devido a falha humana". A superconfiança e o desdém de HAL para com os
humanos fez da tripulação algo descartável, em face da ameaça de desativação.
Os tripulantes cogitam desativar HAL.

Uma vez lá dentro da


Discovery, a câmera de Kubrick (até então estável e com movimentos suaves) está "solta",
agitada. David agora já não esconde sua expressão e podemos considerar como
representação visual deste momento de mudança de mentalidade, a troca de cor do capacete
de David, que passa a ser verde.

Para se proteger (e, na


lógica dele, proteger a missão), HAL mata a maioria dos tripulantes. 
Passa-se a ouvir ruídos constantes de ventoinhas, como se fosse o coração de HAL, além da
respiração de Bowman e o silêncio, usado depois da morte do colega de Bowman e do
assassinato dos outros tripulantes que estavam hibernando.
Depois das mortes, as
imagens do espaço e do lado de fora da Discovery são sempre em silêncio, representado um
luto às ações de HAL.
HAL é tudo aquilo que Bowman não quer mais ser, e pode matá-lo a qualquer momento.
Entretanto, o astronauta David Bowman (Dave) consegue desligá-lo.
Numa das cenas mais marcantes do filme, enquanto suas placas do centro lógico de memória
são retiradas, ele diz: "minha consciência está se esvaindo, eu posso sentir", e começa a
cantar uma música que seu construtor o havia ensinado, na qual possui frases do tipo: "estou
me sentido meio louco", ressaltando ainda mais a humanização de HAL.

Quando Hal pede por sua


"vida" e começa a cantar, vemos uma inversão de sentimentos e valores que é perturbadora,
afinal de contas, Hal é o vilão. O computador volta ao momento do nascimento e repete o que
disse na sua primeira apresentação. Aliás, pra quem tinha dúvida de que a sigla não é apenas
uma coincidência com a IBM, HAL diz nessa cena que foi construído em Urbana Illinois e
instruído pelo Sr. Langley, e então canta a música Daisy Bell. Na vida real o primeiro
computador a ter sintetizador de voz foi o IBM 704, construído em 1962 no centro de pesquisa
Langley, em Urbana Illinois. E a primeira música que ele cantou numa demonstração foi
exatamente "Daisy Bell", e Arthur Clarke estava lá pra ver e ouvir isso. 
No momento em que HAL usa o termo "I'm afraid" (literalmente "eu estou com medo"), num uso
ultra-polido, este termo é entendido como "receio que", pra negar alguma coisa a alguém
polidamente ("I'm afraid, I can't do that" - "receio que não possa fazer isso"). Mas, ao ser
desativado, HAL usa esse termo indicando MEDO, de fato. E Kubrick pareceu querer reforçar
isso pelo uso sistemático desse termo, inclusive por David, quando cogitam desligar HAL.
É importante lembrar que, após o desligamento de HAL, uma mensagem em vídeo pré-gravada
diz que o computador só tomou conhecimento dos parâmetros da missão no meio da viagem,
pra depois informá-la aos tripulantes quando estes chegassem a Júpiter.

Então essa mudança de


comportamento de HAL pode muito bem ter sido uma reação ao conhecimento da relevância
da missão, e que os astronautas precisariam estar à altura dela.

Explicação da 3ª parte 

Missão Júpiter. 18 meses depois do encontro com o monolito na Lua, uma nova criatura habita
o buraco negro no espaço. Espécie: Computador HAL 9000; funções: o cérebro e o sistema
central de Discovery. Então, para quê serviriam os humanos? Examinemos os mesmos
humanos com os mesmos olhos de HAL: entediado, entediante, com seus jantares pré-
aquecidos e sol artificial. Eles precisam estar praticamente mortos para conseguirem viajar
longas distâncias pelo espaço. Os humanos são apenas técnicos de manutenção no final de
seus processos evolutivos. A ferramenta de última geração não necessita mais desses
"macacos". Então HAL comete um erro: ele prevê a falha total da antena da espaçonave. O
drama espacial de Kubrick está começando... Em 2001, a cena do astronauta morto por HAL
no espaço dura 3 minutos. A Respiração... No espaço, o homem é como um peixe fora d´água
e computadores não necessitam respirar. Porém, computadores cometem erros. Quando a
tripulação descobre o erro de HAL,
eles decidem desligá-lo. Entretanto, o homem perdeu o controle de suas ferramentas e HAL
pensa que está vivo. A batalha entre o homem e suas ferramentas começa: "abra por favor as
comportas, HAL". O computador vence. Mas HAL calculou mal a engenhosidade e a coragem
daqueles "velhos macacos". O Homem mata o computador com a mais simples das
ferramentas: a chave-de-fenda. Então HAL entendeu perfeitamente para que servem as
ferramentas. Com a destruição de HAL, o Homem termina sua aliança evolutiva com a
ferramenta, mas se encontra sozinho no espaço, com a morte se aproximando.

- 4ª parte

Após o desligamento de Hal, a nave Discovery vaga, aparentemente, com destino à Júpiter.
Vemos David Bowman
deixando a Discovery numa cápsula e embarcando numa viagem rumo ao desconhecido.
Começa aqui, a parte mais enigmática do filme.

Mais uma vez os planetas


se alinham e o monolito vaga, como que na espera de Bowman para conduzí-lo, sabe-se lá

para onde.
Começa a jornada
enigmática de Bowman e as imagens levam a entender que trata-se de uma viagem para outra

dimensão.

A imagem do olho de
Bowman piscando, vista em cores distorcidas, evidencia que ele ainda está vivo e consciente,
mas completamente estarrecido.

Interpretações aqui são


altamente subjetivas. A teoria mais interessante é a de que as imagens surreais que inundam a
tela fazem referência, num nível subconsciente, a criação da vida no útero. Se formos analisar
num aspecto Freudiano, a nave Discovery (com formato de espermatozóide) ejeta pela
"cabeça" a cápsula de uma forma diferente das demais, como se tivesse cuspindo-a, ou
ejaculando-a. Entramos então por uma fenda vertical culminando em as várias imagens fluídas
que também lembram galáxias sendo criadas.
Uma das imagens
assemelha-se a um útero ou barriga gestante, e logo em seguida vemos outra que evidencia a
viagem de um espermatozóide rumo ao útero materno.

Ao fim da sucessão de
imagens aquosas e orgânicas, aparecem 7 objetos lapidados em forma de octaedros ou
bipirâmides quadradas. Tudo indica serem naves extraterrestres recebendo e escoltando David
através de um portal, encerrando a parte da viagem através das luzes.

A viagem continua por uma


superfície rochosa, entrecortada por rios e mares vistos através de imagens com cores
distorcidas. Vemos
novamente a imagem do olho de David, mas desta vez sem as cores discorcidas, indicando
que a viagem terminou, e ele ainda está vivo.

De dentro da cápsula
vemos, por entre a porta de saída, a imagem de uma sala e em seguida o rosto de David
dentro do capacete demonstrando que está numa espécie de transe.

David chega então, a uma


sala totalmente decorada com mobília da era da renascença e quadros com cenas bucólicas da
natureza (evidência clara ao Renascentismo, que significa um renascimento). Apenas o chão
retro-iluminado alude a uma época futurista.

Em cenas que alternam


pontos de vista, David vê a si mesmo como uma outra pessoa, progressivamente mais velho.

Poderíamos interpretar esta


sequência no quarto como uma desintoxicação da dependência das máquinas, no momento
em que vê a si mesmo, ainda mais envelhecido, sentado numa mesa fazendo uma refeição, já
desfeito da roupa de astronauta.
David quebra a taça de
vinho, dando a entender que atinge um nível de consciência mais elevado. Na tradição judaica
quebra-se um cálice ao fim da cerimônia de casamento. Há vários significados, mas um deles é
que isso simboliza uma nova vida, um mudança de forma para todo o sempre, ou seja, de dois
indivíduos passam a ser um casal. É possível traçar um paralelo da cena de David olhando
para a taça com a do macaco olhando para os ossos no início do filme.

David se volta para sua


própria imagem, deitado na cama, ainda mais velho, já em estado terminal de vida. Sob a
cabeceira da cama, vemos um largo espaldar verde, que coincide com a cor do segundo
capacete usado por David, ainda a bordo da Discovery, pouco antes de desligar HAL.
David agora já não esconde
sua expressão de assombramento e a cor verde indica uma representação visual do momento
de mudança de mentalidade. As imagens de David na cama e a bordo da Discovery usando o
capacete verde estão interligadas.

Da cama, David vê o
monolito, e faz um gesto de tocá-lo, lembrando muito a pintura "A Criação de Adão", que o
mestre renascentista Michelângelo fez no teto da Capela Sistina.
David transforma-se então

num feto.

A câmera se aproxima do
monolito, como se fôssemos transportados do local para a escuridão do espaço, de onde o
feto, chamado no livro de "Starchild" ("criança estelar"), contempla o planeta Terra do alto, para
depois mirar bem dentro de nossos olhos com um olhar perturbador que mescla
sabedoria/velhice e inocência/infância.
Bowman é "premiado" com
o máximo da evolução transformando-se em estrela. É uma clara referência ao conto
"Sentinela", também escrito por Arhur C. Clarke. No conto, Clarke diz que a quantidade de
estrelas no céu é equivalente à quantidade de seres humanos que nasceram e morreram,
então é possível que exista uma estrela para cada ser que existiu. Assim, várias pessoas
podem ter se tornado estrelas em seu processo evolutivo, e isso será demonstrado em algum
momento em sua vida, no filme foi o momento de Bowman.

Explicação da 4ª parte

O Homem venceu a batalha contra suas ferramentas e sozinho no espaço, ele se prepara para
enfrentar o desconhecido. E as forças sobrenaturais que o conduziram até este momento estão
esperando por ele. Não julguemos o quarto pela sua aparência. Imaginemos que ele está na
quarta dimensão, representando o palco de kubrick
para o último ato de 2001. Aqui o Homem precisa enfrentar um desafio final: sua própria morte.
O astronauta que chega no quarto e o idoso, são a mesma pessoa. Sentado à mesa, o Homem
faz sua última ceia. O copo se quebra e o vinho ainda está lá: recipiente, conteúdo... Corpo,
espírito. A evolução do Homem dependeu tanto de sua tecnologia que ela quase acabou
substituindo-o, e no final tentou destruí-lo. Sem suas ferramentas e com seu corpo quase
perecendo, o que sobrou do Homem? A luz não morre, e o Homem está pronto para dar seu
próximo passo na evolução: seu corpo é deixado de lado e a criança estrela nasce.

Você também pode gostar