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nas-escolas
Análise
Seis meses se passaram desde a suspensão das aulas presenciais em março e o retorno às escolas
ainda em 2020 é algo incerto para os cerca de 50 milhões de estudantes brasileiros da Educação
Básica, especialmente os 40 milhões na rede pública.
No ápice dos fechamentos em abril, 91% dos estudantes do planeta foram afetados em 192 países. Já
em setembro, o quadro era de retomada das aulas presenciais nas escolas, com a manutenção do seu
fechamento em 46 países, afetando 47% dos estudantes no mundo.
Fonte: Estudo “Covid-19 e Reabertura das Escolas: Descrição da Evidência Científica
Impactos sobre a Pandemia, Sócio Econômicos e Educacionais”, de autoria de Fabio Jung e
Wanderson Oliveira.
Com indicadores que começam a sinalizar que a pandemia está mais controlada em vários estados e
municípios brasileiros, com a melhoria da taxa de ocupação dos leitos clínicos e das unidades de
tratamento intensivo (UTIs) nos hospitais e a redução de novos casos e de mortes diárias, a discussão
da volta às aulas presenciais ganha força.
No Amazonas, as aulas para os alunos do Ensino Médio foram reiniciadas em agosto. Em São Paulo,
desde 8 de setembro as escolas da rede estadual puderam retomar as aulas presenciais para
atividades de recuperação e acolhimento, de forma gradual, respeitando-se os protocolos de
segurança, e condicionadas à autorização dos prefeitos. Tudo indica que os estados do Rio Grande do
Sul, Pernambuco e Piauí reabrirão as escolas em outubro. No Rio de Janeiro a discussão foi parar na
Justiça.
Há muita controvérsia em torno dessa pauta, o que é potencializado no contexto das eleições
municipais que se avizinham. É uma discussão polarizada, em que muitos defendem o retorno das
aulas somente em 2021, ou apenas quando houver uma vacina, e outros proclamam pela volta
cautelosa e gradual das escolas agora, sobretudo após a flexibilização das medidas de isolamento, com
a abertura de shoppings, restaurantes e bares.
Há inúmeras medidas que devem ser alvo de detalhado planejamento de ações e providências
administrativas nos eixos de biossegurança (tais como aquisições de máscaras e outros insumos,
adaptação das escolas, identificação dos profissionais da educação com risco à saúde, treinamento de
pessoal, divulgação para a comunidade escolar), socioemocional, cognitivo e normativo que
demandam tempo, diálogo intersetorial e articulação entre as instituições públicas e privadas.
O Brasil tem a possibilidade de se valer das experiências dos países que já retomaram as aulas
presenciais nos últimos meses, a partir das evidências do que deu e do que não deu certo.
O estudo “COVID-19 e Reabertura das Escolas: Descrição da Evidência Científica Impactos Sobre a
Pandemia, Sócio Econômicos e Educacionais”, de autoria do epidemiologista e ex-secretário Nacional
de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, e do médico e pesquisador
Fábio Jung, analisa a experiência de mais de 15 países que já retomaram as aulas e a literatura
disponível sobre o assunto.
Ressaltam, todavia, que a decisão das autoridades públicas de reabertura deve ser tomada com base
no nível de transmissão local e precedida da implantação de plano detalhado de medidas de
biossegurança. O trabalho intersetorial mais do que nunca é fundamental: educação e saúde devem
trabalhar juntas.
Por fim, independentemente de fazer parte ou não de grupo de risco de saúde, há certo consenso em
torno do direito à opção dos pais e responsáveis por manter a sistemática de aulas não presenciais de
seus filhos enquanto persistir a situação de calamidade pública devido à pandemia do novo
coronavírus. É nesse sentido o enunciado elaborado recentemente pela Copeduc que, em breve, deve
ser aprovado pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional dos Procuradores-
Gerais de Justiça. A pacificação desse entendimento é importante para garantir segurança jurídica à
essa opção.
Na análise de prós e contras da retomada das aulas presenciais, é preciso considerar, além dos
aspectos de saúde, as demais consequências do fechamento das escolas.
A escola é não apenas o local por excelência de ensino e aprendizagem de conteúdos pedagógicos,
mas também o espaço onde as crianças se socializam e desenvolvem competências socioemocionais
para lidar com conflitos, sentimentos, tomar decisões e se relacionar com o outro.
Ademais, a escola desempenha um outro importante papel: faz parte da rede de proteção das crianças
e adolescentes. O Estatuto da Criança e Adolescente incumbe os dirigentes das escolas a comunicar ao
Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo alunos.
Por fim, é sempre bom reiterar a ampliação do risco de evasão escolar, já tão crítico no país. Como
apontado no último artigo desta Coluna, pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Itaú
Social, Fundação Lemann e Imaginable Futures , apontou que, conforme o tempo de isolamento social
avança, o desafio da rotina de estudos e a desmotivação dos estudantes cresce, o que aumenta o risco
da evasão escolar:
Fonte: Fundação Lemann
Todo o impacto do fechamento das escolas precisa ser cuidadosamente sopesado. OMS, Unicef e
Unesco têm exortado os governos a priorizar a reabertura de escolas, a partir de um detido
planejamento com as cautelas de biossegurança necessárias.
Convém lembrar que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente, que
completou 30 anos neste ano, adotam a doutrina da proteção integral e reconhecem que a criança, o
adolescente e o jovem merecem proteção especial e têm absoluta prioridade na realização dos seus
direitos. Essa prioridade pressupõe: 1. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; 2. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; 3.
preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; 4. destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
É, portanto, um imperativo legal colocar crianças e jovens no centro da busca da melhor solução nesse
momento. Com indicadores de saúde que permitam um retorno seguro, baseado em evidências
científicas, e um planejamento de retomada cuidadoso, é preciso considerar nessa complexa equação
o melhor interesse dos estudantes.