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Empreender em Psicologia (e Outros Campos Profissionais) 45

Trajetórias Profissionais de Psicólogos

Sennett (2001) ataca as novas formas do capitalismo, justificando que são as mesmas
velhas formas apenas com um novo visual. A atual conjuntura, segundo esse autor, dificulta a
compreensão, por parte dos trabalhadores, de como o mundo do trabalho se organiza em suas
diferentes perspectivas, como comparar sistemas de restaurantes de todo o mundo, como o
pub inglês, o fast food americano, dentre outros. Esse entendimento confuso dos trabalhadores
também se faz na esfera temporal, ou na sua percepção, quando seu expediente é controlado
por computador ou sistemas de produção enxuta, fato que “alonga e reduz” o tempo disponível
para cada atividade durante um dia de trabalho. Esses sistemas de controle externo
desorganizam a compreensão do tempo por parte dos funcionários, e a mesma perpassa para o
cotidiano da vida pessoal e para os passos seguintes da carreira profissional (Sennett, 2001).

A desorganização temporal parece ser um dos fatores característicos dos contextos


produtivos contemporâneos, que geram insegurança para os profissionais recém-formados, em
seu processo de busca por inserção no mercado de trabalho. Cada período da carreira sofre uma
velocidade que é influenciada diretamente por outras pessoas, como: selecionadores,
professores, familiares. Esses agentes clamam por uma velocidade e uma qualificação que se
demonstra incoerente para profissionais recém-formados. Essa inserção despreparada no
mundo do trabalho pode se desenvolver de modo precário, a qual apresenta diversas
decorrências, sejam de ordem socioeconômica, sejam de natureza psicológica.

As aceleradas transformações nesses contextos produtivos têm afetado,


principalmente, os jovens em busca do primeiro emprego (Pochmann, 2000). Apesar dos
programas governamentais de incentivo ao acesso ao ensino médio e superior, bem como ao
mercado de trabalho, Calligaris (2000) atenta para o adiamento da entrada no mundo do
trabalho de jovens egressos das universidades, e, consequentemente, do projeto de autonomia
financeira, haja vista a falta de oportunidades encontradas por esses profissionais.

Sobre o resultado imediato das poucas oportunidades disponibilizadas a esses jovens,


Valore e Selig (2010) referem o período de incertezas e inseguranças que se configura, e
chamam a atenção para a relação construída entre o sonho dos egressos da entrada no mercado
de trabalho e a realidade encontrada “lá fora”. Segundo essas autoras, embora culturalmente
compartilhe-se a ideia de que alguém competente, sério e dedicado tem sua vaga garantida no
mercado, existem outras condições sobre as quais o jovem não tem controle, como a situação
econômica do país, por exemplo, e não ter essa garantia é mecanismo gerador de desamparo e
perda de referenciais.

Essa diferença entre o sonho e/ou ideal do lugar garantido no mercado de trabalho e
as adversidades da realidade ocupacional contemporânea remete à questão da
empregabilidade, com frequência discutida na literatura pela visão das competências que o
indivíduo deve ter para se inserir (Melo & Borges, 2007).

Ao questionar recém-egressos, Melo e Borges (2007) descobriram que suas explicações


para o não emprego circundam condições individualizadas como falta de qualificação, de
experiência, de iniciativa, de recursos e de incapacidade para trabalhar em grupo. Em algum
grau, ressaltam os mesmos autores, esses jovens têm controle sobre suas aprendizagens e
oportunidades; porém, deve-se analisar mais profundamente que desvios permeiam esse
discurso, pois, se esses profissionais consideram-se sem requisitos mínimos, não é apenas deles
a responsabilidade em adquiri-los, mas sim dos sistemas de ensino e das próprias organizações
contratantes.

Em linhas gerais, a tensão entre os discursos da qualificação e exigência excessivas e da


crítica a este modelo liberal está presente na compreensão da inserção de jovens profissionais
no mercado de trabalho. As decorrências desse “limbo” dos obstáculos de inserção, já discutidas
anteriormente, estão promovendo incertezas e inseguranças nesses indivíduos, de ordens
financeira, sociológica e psicológica.

Essa problemática, presente nas discussões sobre recém- -egressos e seu processo de
inserção no mundo do trabalho também faz parte do cotidiano dos psicólogos, embora com
especificidades derivadas de aspectos como a história da profissão e as próprias características
dos processos de intervenção no campo da psicologia. No tocante a psicólogos, Krawulski (2004)
refere-se à importância que os profissionais atribuem a alguns aspectos específicos ao momento
da inserção profissional. O primeiro deles está diretamente relacionado ao projeto de
autonomia financeira: seus entrevistados relatam a importância da emergência de ter um
trabalho para se manter financeiramente e não se perpetuar na dependência do dinheiro
advindo dos pais. Por segundo, relata a multiplicidade de estratégias e locais ocupados por
psicólogos que procuram se inserir no mercado de trabalho. Essas táticas se constituem em
atendimento clínico, geralmente em consultórios sublocados; docência, em ensino superior ou
nível secundário; e carreira pública por meio de concursos.

Igualmente, referindo-se a estratégias e/ou locais para inserção profissional, Malvezzi,


Souza e Zanelli (2010) adicionam que os psicólogos buscam inserção em escolas até ensino
médio, hospitais, ONGs e em empresas privadas com gestão de pessoas. Ademais, essas
modalidades de inserção se constituem a principal fonte de primeiro emprego para psicólogos
recém-formados (Krawulski, 2004; Malvezi et al, 2010; CFP, 1988, dentre outros).

Apesar das oportunidades encontradas, diversos desses profissionais se deparam com


obstáculos em sua entrada no mercado de trabalho. Cabe ressaltar, porém, que esses anteparos,
muito embora sejam fonte de dificuldade para o processo de inserção profissional, contribuem
na criação de novos modos para facilitar a inserção, conforme versa Krawulski, em suas
conclusões, acerca desse processo para psicólogos entrevistados em sua pesquisa: “Dificuldades
em arranjar trabalho também estimularam e contribuíram para essa continuidade dos estudos,
porém se buscava também, por esse caminho, maior amadurecimento e melhor preparo para o
exercício posterior da profissão” (2004, p. 89).

O psicólogo, ao trilhar o caminho rumo ao aperfeiçoamento profissional por meio dos


estudos, vai à busca da ciência, tecnologia e seus produtos, que assumem a função de
contribuírem para a ocupação de novos espaços para desenvolver seu trabalho. Recursos como
a criação de ferramentas eletrônicas de seleção e avaliação, o atendimento clínico por meio de
vídeo e novas técnicas para treinamento e desenvolvimento de pessoas são alguns exemplos de
práticas propiciadoras do acesso desses profissionais a populações e organizações que não
dispunham dos serviços de um psicólogo anteriormente, além de prover maior qualidade e
agilidade à sua atuação.

Outra condição que tem favorecido a entrada desses profissionais no mercado de


trabalho é o cenário de reestruturação econômica do Brasil, nos últimos anos. A este respeito,
Martins (2011) explicita que as principais alterações são o crescimento do setor de serviços nas
áreas de saúde e educação, além da redefinição do papel do Estado, que se desloca para não se
constituir como o principal agente da economia do País. Essas movimentações têm implicações
diretas na inserção de jovens psicólogos, constituindo-se como oportunidades para a criação de
novos serviços e estratégias para a entrada no mercado de trabalho, a fim de ocupar o terceiro
setor e dar conta das demandas não mais resolvidas pelo Estado.

Além da configuração dos atuais contextos produtivos apresentada para trabalhadores


em geral e para psicólogos, especificamente, deve-se considerar o atravessamento dos sentidos
que regem o mundo do trabalho nas demais dimensões da vida pessoal (Sennett, 2007), e o
quanto a maneira de funcionar do mercado passa a determinar o modo de funcionamento dos
indivíduos e a formação de suas subjetividades (Birman, 2000).

Nesse caminho, reafirma-se a importância da continuidade da educação para a


atualização profissional, que se desenvolve em programas de aprimoramento pessoal, na qual
a aprendizagem da resiliência tem se caracterizado como o principal objetivo (Barlach, Limongi-
França & Malvezzi, 2008). Essa aprendizagem de reagir positivamente às situações de carreira,
aos obstáculos, limites e possibilidades desenvolve-se como uma oportunidade para os
profissionais marcarem presença no mercado de trabalho. A inserção autônoma e a diminuição
de expectativa por um emprego ganha forma entre os mais jovens (Melo & Borges, 2007) e
constitui-se como opção para a oferta de vagas que não é suficiente para o número de
trabalhadores. Sobre essa opção de inserção, McClelland (1961) desenvolveu sua teoria sobre o
empreendedor por necessidade, de certo modo “prevendo” o que reservaria o início do século
posterior.

Apesar de apontar elementos inerentes ao sistema econômico vigente que se


constituem em limitadores, procurou-se nessa breve abordagem enxergar o fenômeno da
inserção profissional sob uma perspectiva crítica, porém positiva. Crítica, ao endossar diversos
relatos feitos aos obstáculos estruturais encontrados no ato da entrada no mundo do trabalho;
e positiva, por buscar ir além da estagnação e dedicar-se à criação de novas maneiras e
estratégias para a inserção profissional dos mais diversos tipos de trabalhadores, tal qual o
empreender, discutido no capítulo anterior.

(Fonte: Renatto Cesar Marcondes e José Carlos Zanelli, Empreender em Psicologia, Juruá
Editora, 2016, p. 49, ID:24780)

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