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Alto, Moreno e Kilted

O Legado de Ravenscraig
Livro Três

De Allie Mackay

Allie Mackay é um pseudónimo da

escritora bestseller do USA Today,

Sue-Ellen Welfonder

Tradução Portuguesa de Maria

Eugénia da Silva Brito

O que vale uma praga antiga,

comparada com uma sedutora mulher

moderna?

Cilla Swanner foi abandonada pelo

seu amante, e precisa de um refúgio

nalgum lugar distante e tranquilo. Um

lugar como as terras altas da Escócia.

Mas o que lá encontra, pode ser de mais

para ela. Há séculos, o malandro

cavaleiro escocês, conhecido como

Hardwick, era reconhecido pela sua

esgrima dentro e fora do campo de

batalha. Agora, ele foi condenado a


deambular eternamente no mundo, com a

obrigação de dar prazer a uma mulher

diferente todas as noites, sem esperança

de realização pessoal ou de encontrar o

verdadeiro amor.

Depois, conhece Cilla...

Elogios a Allie Mackay

“Encantador e inovador, Mackay

oferece, decididamente, uma explosão

da energia escocesa.” ~ Publishers

Weekly

“Seguiria os tórridos escoceses de

Allie Mackay’s para qualquer aldo!” ~

Vicki Lewis Thompson, New York

Times Bestselling Author

“Allie Mackay escreve estórias que

brilham.” ~ Angela Knight, New York

Times Bestselling Author

“Mackay sabe o que é necessário

num romance escocês e põe-no-lo nas


mãos!” ~ A Romance Review

“Se procura uma história de

fantasmas divertida e apaixonada, não

procure mais, leia Allie Mackay!” ~

Sapphire Romance Realm

Elogios a Alto, Moreno e Kilted

“Alto, Moreno e Kilted é uma novela

imaginativa, intrigante e sensual.

Também está ligada a UM

HIGHLANDER NOS SEUS SONHOS,

Romance Reviews Today acha altamente

recomendável. Todos os títulos de

Mackay apresentam o conhecimento e

amor da autora pelos seus Highlanders.”

~ Romance Reviews Today

“É uma estória comovente de amor

proibido, recheado de situações

hilariantes e maravilhosos personagens

secundários. Deixou-me a pensar que,

por muito intangível que algo possa


parecer, se quisermos algo de alma e

coração, nada está for a do alcance.”

~ Leah Weller ‘Medieval Lady,’

Reviewer for Bookworm2bookworm,

Goodreads

“Alto, Moreno e Kilted está cheio de

calafrios, emoções e risos!”

~ Seawitch Reviews

“Envolvente, romântico, com um

toque de mistério e uma espectacular

reviravolta. Vivo e refrescante, desde o momento em que o fantasma e a

americana se encontram, o ritmo nunca

abranda.”

~ Genre Go Round Reviews

“Alto, Moreno e Kilted é

incrivelmente engraçado num minuto e

sedutoramente sensual no minuto

seguinte.”

~ Wild on Books

“Se gosta de livros que o agarrem,


façam rir ás gargalhadas, e dar um baque

ao seu coração, vai adorar Allie

Mackay. Alto, Moreno e Kilted é a

história de Hardwick.”

~ Night Owl Reviews

Elogios a: Algumas gostam de Kilts

“Um romance fantasmagórico que

transcende o tempo.”

Allie Mackay prepara-nos para mais

uma brincadeira escocesa

assustadoramente sexy. É uma mestre da

escrita de contos de amor mágicos ao

longo dos tempos, e esta é, seguramente,

mais uma jóia.

~ Fresh Fiction

Se gosta de rir a bandeiras despregadas,

apaixonar-se, e alcançar os seus

objetivos, este livro é para si!”

~ Leah Weller ‘Medieval Lady,’

Reviewer for Bookworm2bookworm


Perfeito para uma escapadela de fim-de-

semana. O humor de Mackay está

espalhado por todo o lado, tornando o

livro numa leitura divertida. Ela tece

habilmente os elementos da

reencarnação, das viagens no tempo e

acontecimentos fantasmagóricos, numa

história bem contada. Bran de Barra é

um dos heróis mais desconcertantes que

encontrei nos últimos tempos. A sua

sensualidade inata salta para fora da

página. Não me importava de o ver

entrar no meu quarto e transportar-me ao

passado para o seu castelo.”~ Love

Romances & More

“ Uma ótima leitura! Este é o quarto

livro da magnífica série do Fantasma

Escocês e aquele por que todos

esperávamos: a estória de Bran de

Barra! Irá amar esta estória,


especialmente se for fã incondicional de

Highlanders.”

~ Sapphire Romance

Elogios a Um Highlander nos Seus

sonhos

Aidan é o herói do mês da Romantic

Times K.I.S.S!

“Um deleite. Trama inteligente, twists

inovadores e diálogos impertinentes.

UM HIGHLANDER NOS SEUS

SONHOS é uma história erótica

divertida.

~ Romantic Times Magazine

Um Highlander nos Seus Sonhos é um

‘Top Pick’ da RRAH

“Sensual. Imaginativo e fascinante.

Mackay compõe uma história mágica,

onde uma mulher moderna se apaixona

por um chefe de clã medieval escocês.

Uma mistura fascinante de ação


excitante e romance apaixonado faz de

UM HIGHLANDER NOS SEUS

SONHOS um verdadeiro livro a

guardar.”

~ Romance Reader at Heart

“UM HIGHLANDER NOS SEUS

SONHOS transborda de charme e humor

escocês, e é um romance escaldante.”

~ Night Owl Romance

"Uma viagem no tempo

encantadora!"

~ ParaNormalRomance

“UM HIGHLANDER NOS SEUS

SONHOS é uma agradável mistura de

sagacidade, paixão e o paranormal…

Um romance a todo o vapor envolto num

soco emocional.”

Romance Reviews Today

“Uma fabulosa mistura de magia e

romance. Allie Mackay escreveu um


romance encantador de amantes de

épocas diferentes. UM HIGHLANDER

NOS SEUS SONHOS é um romance do

paranormal cativante e um maravilhoso

contributo para uma biblioteca de

amantes de livros.”

~ Fresh Fiction

Elogios a Um Highlander na sua

cama

“Divertido! Um romance sexy, cheio de

humor, com personagens deliciosamente

divertidas. Mistura artisticamente

passado e presente, UM HIGHLANDER

NA SUA CAMA é uma leitura que

entretém. Bem escrito… Os leitores

saberão apreciá-lo!”

~ Fresh Fiction

“Apelativo e desopilante. Geme de

paixão. Para quem procura algo fora do

comum, não perca UM HIGHLANDER


NA SUA CAMA”

~ Romance Reviews Today

“Uma leitura excêntrica que o

deixará a arfar do princípio ao fim!

Química explosiva, desde o momento

em que Mara e Sir Alex se encontram.

Uma aposta segura num bestseller.”

~ A Romance Review

“Que história hilariante e de fazer

pular o coração! Duas pessoas que se

encontram, cruzando o tempo e

descobrem que o amor verdadeiro e um

pouco de magia, tudo conquistam.”

~ Leah Weller ‘Medieval Lady,’

Crítica de Bookworm2bookworm

“Uma brincadeira paranormal

deliciosa!”

Angela Knight, New York Times

Bestselling Author

“Encantador! Desconcertante,
divertido e criativo, com diálogos

frescos e personagens credíveis e

excitantes. Memorável. PICANTE.”

~ Romantic Times Magazine

“ Um romance paranormal soberbo.”

~ Midwest Book Review

Indice

Elogios a Allie Mackay

Dedicatória

Agradecimentos

Prólogo

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo três

Capítulo Quatro

Capítulo cinco

Capítulo seis

Capítulo Sete

Capítulo oito

Capítulo nove
Capítulo Dez

Capítulo onze

Capítulo doze

Capítulo treze

Capítulo catorze

Capítulo quinze

Capítulo Dezasseis

Capítulo dezassete

Capítulo dezoito

Epílogo

Nota da autora

Excerto ~ Algumas Gostam de Kilts

Cair no Tempo

Sobre a Autora

Para contactar com Allie Mackay

Também disponível:

O Aviso de um Herói

“Quem és tu?” Cilla olhava-o

com cautela. “De onde é que

apareceste?”
“De um local mais distante do

que possas imaginar.” Ele ignorou a

primeira pergunta. “Tenho um bom

conselho para ti. Se procuras um

verdadeiro toque escocês, despacha-te-”

“Despacho-me?” Ela piscou os

olhos.

“Pega em ti,” corrigiu, franzindo

o sobrolho. “Desiste deste lugar e põe-

te a caminho do sul. Inverness, a ilha de

Skye, Stirling e Perth, mesmo até

Edimburgo. Ou Glasgow. Sim” – ele

parecia embalar-se com a ideia - “ É em

Glasgow que deves estar. Loch Lomond

está lá e-”

“E vi Loch Lomond na viagem

para cá.” Cilla devolveu-lhe uma careta.

“Paramos lá para almoçar e nunca tinha

visto tantos autocarros de turistas. Se

isso é a Escócia!” - ela fez um gesto


largo com o braço. Alcançando o

parapeito meio-molhado pela chuva –

“Prefiro ficar aqui.”

“Fica sobreaviso, então.” Ele

aproximou-se, espetando-a com o seu

olhar escuro. “Sutherland está cheia de

pântanos solitários e escuros.

Montanhas tão vastas que comeriam uma

moça, como tu com ossos e tudo e

ninguém viria a saber de nada.”

“Eu gosto de lugares

selvagens.”Afastou o cabelo, num gesto

desafiador.

Ele bufou. “É o fim do mundo.”

Cilla sorriu. “Exatamente.”

Dedicatória

Para o Herman, um pássaro muito

especial da praia – podia muito bem ser

o Gregor!

Agradecimentos
Este livro foi originalmente

publicado com a chancela de Penguin

NAL. Muito obrigada a Tarah Scott e a

Ceci Giltenan pelo seu amor e apoio na

viagem de reedição. Obrigada à

Jennifer Johnson da Sapphire Designs,

por outra capa assombrosa. Senhoras,

vocês são as minhas heroínas!

Como sempre, estou muito grata ao

meu lindo marido, Manfred, pelo seu

apoio e entusiasmo incansável. E ao meu

adorado Jack Russell, Em. Continuará

sempre no meu coração. Não há

palavras para definir as saudades que

tenho dele.

Alto, Moreno e Kilted

O Legado de Ravenscraig

de Allie Mackay

Allie Mackay é um pseudónimo da

autora campeã de vendas do USA


Today, Sue-Ellen Welfonder

Tradução portuguesa de Maria

Eugénia da Silva Brito

“Há homens e depois, há os

Highlanders. Ai dos loucos que não

reconhecem a diferença.”

~ Bran de Barra, Chefe do clã das

Hébridas, apreciador de mulheres e

Highlander até aos ossos.

Prólogo

No mundo crepuscular do Grande

Além

“Então, estás cansado de

mulheres?”

A voz sem corpo cresceu como

mil trovões zangados, por entre as

nuvens. Alto e torrencial, com cada

palavra a enviar relâmpagos

escaldantes, através da neblina. Em

camadas cinzentas e ondulantes, o


nevoeiro protegia o interior do Sacrário

do Ser das Trevas, do resto deste lugar

curioso e misterioso.

“Estou ciente de que tenho que

lhes agradar.” Sir Hardwin de Studley

de Seagrave, mais conhecido por

Hardwick, endireitou as costas contra a

ira do Ser das Trevas. “Já chega.

Setecentos anos de êxtase noturno

acabam com o apetite de qualquer

homem.”

Outro estrondoso trovão sacudiu

a névoa debaixo dos pés de Hardwick e

um relâmpago escaldante passou-lhe

junto da orelha, com o calor

sobrenatural quase a queimar-lhe o

cabelo.

“Há, com certeza, quem considere

a tua praga, uma bênção.” A voz

cavernosa do Ser das Trevas ecoou em


desagrado. “Almas que arderiam por

toda a eternidade só para ter uma ínfima

parte da tua diversão diária.”

“Bah!” Hardwick apertou mais a

forma redonda do escudo, que trazia

sempre à cintura. “Eu ficaria num

churrasco por duas eternidades, em

troca de uma noite de paz bem

dormida.” Deixando o seu olhar no

imenso templo de pedra, conseguia

apenas ver através da espessa cortina de

nevoeiro, queria que o Ser das Trevas se

mostrasse.

Desejava, ainda, que o seu

problema parasse de se dilatar, em

antecipação, com a perspetiva de uma

noite ansiosa por um, ainda,

indeterminado e faminto tufo feminino.

Ele poderia facilmente passar por

uma linha infinita de belezas nuas e


contorcidas, se isso lhe garantisse a paz eterna.

“Só te podes queixar de ti,

Seagrave.” Baforadas de sulfurosos

fumos estavam à deriva atrás das

árvores antigas, como sentinelas a

guardarem o templo do Ser das Trevas.

“Se não tivesses espantado o trovador

da tua porta, ele não te teria lançado

essa praga.”

Hardwick reprimiu um grunhido.

“Havia convidados nobres à minha

mesa, nessa noite. Sabia-se que um

assassino disfarçado de tocador de

alaúde os perseguia. Não fiz mais do

que qualquer homem de respeito da

realeza escocesa faria. Afastei um

estranho, na tentativa de proteger quem

estava dentro das minhas paredes.”

Uma rajada de vento gelado

revelou a opinião do Ser das Trevas,


sobre a sua escolha.

Hardwick permaneceu hirto,

recusando-se a reconhecer a explosão

frígida. “Terias tomado outra decisão?”

“Aquilo que eu faria pouco

importa. Não fui eu o condenado a

passar o resto da eternidade a dar prazer

às mulheres, sem o meu direito de

libertação.” Um som, como uma espécie

de risada irónica, veio de dentro do

templo envolto em neblina. “Foste tu o

condenado a vaguear pela terra,

satisfazendo uma mulher por noite.”

“Não era preciso lembrares-me

disso.” Hardwick olhou para o interior

da névoa. “Estou bem ciente das

especificidades da minha circunstância.”

Caso não estivesse, a permanente

irritação da sua virilha era mais do que

suficiente para lho lembrar. Olhar para a


sua protuberância rígida piorava a sua

disposição.

O Ser das Trevas lançou-lhe um

olhar superior. “Quiçá, não tivesses

sido um dos mais notáveis mulherengos

da Escócia, o trovador te tivesse

agraciado com uma maldição menos

penosa.”

Hardwick considerou afastar o

seu infernal escudo e desembainhar a

espada. “Seja como for, quero saber se

me queres ajudar? Já sei que está no teu

poder fazê-lo.”

“Tenho os meios para desfazer a

magia mortal de qualquer trovador

medieval, incluindo o feitiço do que te

amaldiçoou. Fazer com que o antídoto

resulte está nas tuas mãos.”

“Diz-me, então, o que devo

fazer.”
“É mais o que não podes fazer.

Que não te atreverás a fazer, se quiseres

que a solução te ajude.”

Hardwick aproximou-se mais do

templo, as suas têmporas começavam a

pulsar com frustração, quando a névoa

se tornou mais espessa, dando a

impressão de que o maldito lugar, se

afastava dele.

Parando, socou as têmporas e

ergueu uma mão. Aquela de que não

precisava para segurar o escudo. “Eu

farei – ou deixarei de fazer – o que for

necessário para me libertar desta

maldita condição.”

“Seja, então.” A névoa diluí-se

um pouco mais, permitindo vislumbres

do templo do Ser das Trevas. “Serás

libertado da tua praga, e ser-te-á

garantido o sonho eterno que tanto


clamas – se conseguires ficar um ano e

um dia sem te deixares excitar.”

Hardwick quase riu. “Achas que

isso será um problema? Depois dos

séculos de aflição por que passei? Juro

pela névoa cinzenta que te separa de

mim, que não há uma única fêmea no

mundo que me possa tentar.”

“Não cantes vitória antes do

tempo, Seagrave.” Outra lufada de ar

gelado fustigou o interior do santuário,

desta vez acompanhado por um vento

negro uivante. Mais desconcertante,

ainda, o emaranhado de raízes que saía

das árvores sentinela, transformaram-se,

de repente, em dragões sibilantes. Em

uníssono, ergueram cabeças escamosas,

de um negro reluzente, ostentando uns

olhos ferozes e arregalados. “Ficas

avisado. O preço da tua redenção é


elevado e recheado de grandes perigos.”

Hardwick armou a sua voz de

forma tão resoluta como a do Ser das

Trevas. “Liberta-me do meu problema e

enfrentarei qualquer perigo.”

Empunhando a espada, empurrou

a sua ponta contra a névoa ondulante,

rodando os próprios tornozelos. “Com o

maior respeito,” disse, vendo as raízes

de dragões a observarem-no com olhos

de carvão brilhante, “Não serei

dissuadido por feitiçarias ou coisas

assim.”

A estas palavras, as bestas

escamosas desapareceram, os seus

corpos enormes, agachavam-se, não

parecendo mais do que raízes brilhantes

e silenciosas.

O ar frio continuava, mas um

farfalhar suave veio de dentro do templo


e Hardwick quase conseguia imaginar o

Ser das Trevas a assentir.

“Como queiras.” A sua voz

cavernosa abanou as árvores e enviou

ondas de choque através do nevoeiro.

“Mas fica a saber isto, foste tu quem

procurou a minha benevolência. Se

falhares, a velha condição voltará de

imediato, juntamente com a condenação

de satisfazer uma mulher por noite. E

desta vez, não poderás deambular pelo

mundo e pelos séculos escolhendo as

parceiras a teu bel-prazer.”

O Ser das Trevas fez uma pausa e

o ar gelado ficou ainda mais frio. “Um

deslize e encontrar-te-ás na mais vil e

negro lugar de entre os mundos, onde

ficarás para sempre a satisfazer o prazer

das criaturas patéticas que habitam esse

espaço. Fêmeas bem diferentes das


beldades de que desfrutaste durante

séculos.”

Hardwick afunilou os olhos para

dentro do templo, depois,

cuidadosamente, embainhou a espada.

“Gostaria de pedir uma bênção.”

“A sério?” O ser das Trevas

roncou. “Nomeia-a rapidamente – antes

que me canse de falar contigo.”

“Eu terei direito de escolher o

lugar onde passarei o período de

provação.” Hardwick ficou direito, o

queixo levantado, em sinal de

determinação. “É só isso.”

Um lugar, onde ele pudesse viver

calmamente e longe da tentação. .

Não disse estas palavras, todo o

seu corpo tenso, com a espera. “Então?

Terei direito à minha bênção?”

“Ser-te-á concedida.” O Ser das


Trevas apareceu no limiar do templo,

uma forma masculina imponente, apenas

percetível como uma escuridão mais

negra do que a que os cercava.

“Escolhe sensatamente – não terás uma

segunda oportunidade.”

Hardwick abriu a boca para

responder, mas um relâmpago ofuscante

arrastou-lhe as palavras. Um ruído

simultâneo de trovão arrancou as

árvores e o templo, deixando-o a sós

noutro canto, menos ameaçador, deste

reino místico em que ele mergulhou e

emergiu por tanto tempo.

Grandes extensões de névoa

cinzenta e branca passavam à sua frente,

e ele sabia, pela sua experiência, que só

precisava de encontrar a abertura certa e

depois, descer dali.

Muito para baixo, para o lugar da


terra que desejasse.

Mas primeiro olhou para trás do

escudo, com o coração a fustigar-lhe as

costelas, quando viu apenas o seu manto

e o cinto de couro da sua espada

descendo pelos seus quadris.

O seu problema tinha

desaparecido .

Melhor dizendo, relaxara.

Afastando a cabeça, gritou.

Depois, sorriu amplamente e baixou o

escudo, afastando-o da virilha, pela

primeira vez em setecentos anos.

“Por todos os Deuses!” Passou a

mão pelo rosto e deu um enorme

suspiro.

A sua maldição tinha terminado,

finalmente.

Agora, precisava, apenas do seu

refúgio.
Felizmente, ele sabia exatamente

para onde tinha que ir.

Capítulo Um

Castelo Dunroamin

Num lar de idosos

Extremo norte da Escócia, presente

Alguém a observava.

Cilla Swanner deixou cair o

pulover que estava para tirar da mala e

ficou muito quieta. Algo lhe pusera um

arrepio na nuca e não era a escuridão

que parecia preencher todo o quarto.

Nem o silêncio profundo que a

pressionava por todo o lado, apesar de

serem pouco mais de três da tarde.

Ela virou-se para um canto,

particularmente suspeito, estreitando o

olhar. Iria jurar que sentira um

movimento vindo dali. Algo que –

insistia a sua imaginação – que provaria


ser todo garras e cheiro fétido.

Longos dentes a faiscar e ferozes

olhos vermelhos.

Felizmente, o mais assustador que

detetou foi um leve aroma de mofo.

Quase riu. Era maior do que o

cheiro e a humidade da mobília velha. E

sendo uma alma moderna e sensível,

ignoraria, simplesmente, quanto o

mobiliário gótico luxuoso lhe fazia

lembrar os filmes do Drácula que tinha

visto.

Essa seria a sua primeira linha de

defesa contra a estranheza.

Uma tática de que seguramente

precisaria, uma vez que aquele seria o

seu quarto para todo o verão.

Mesmo assim, permitiu-se um

relance sobre o ombro, como que à

espera que as janelas travadas se


abrissem lentamente, dando-lhe um

vislumbre do nevoeiro espesso que

passava pela costa deserta de

Dunroamin. Sopa de ervilhas, como ela

chamava àquele turbilhão, àquele

nevoeiro impenetrável, apesar do termo

local ser sea haar (humidade do mar).

De qualquer forma, ela sabia que se se

atravesse a um olhar seria

cumprimentada por algo mais que

nevoeiro.

No seu atual estado de jetlag,

provavelmente confundiria o voo de uma

gaivota com o de um morcego.

Voltando a pegar na camisola,

pensou melhor nisso e revirou os

ombros. Não era propriamente uma

criatura liliputiana, e por isso um

assento em classe económica entre

Newark e Glasgow deixou-a dorida,


rígida e mais do que irritadiça.

A interminável viagem para norte

não melhorara em nada o seu estado

lastimável, por muito que a paisagem

fosse de cortar a respiração. Ainda bem

que ela tinha escoltas competentes e não

tinha que se sujeitar a conduzir pelo

lado esquerdo, naquelas estradas de

caracol. Também era bom, ela saber

como se ver livre daquelas dores e

cansaço.

Um demorado duche, bem

quentinho era o que ela precisava.

E por muito que aqueles tetos

altos e soalhos de madeira fizessem

lembrar a Transilvânia, as suas casas de

banho espaçosas e arejadas eram

completamente do século XXI.

Sentindo por antecipação o vapor

de um duche revigorante, despiu-se à


velocidade da luz. Mas mesmo antes de

despir o sutiã, reparou no poster da tia

Birdie e do tio Mac, nas escadas de

Dunroamin.

Ela tinha uma cópia no seu

apartamento, em Yardley, Pensilvânia.

O dela estava emoldurado com motivos

tartan e tinha lugar de destaque por cima

do sofá da sala. Este estava pendurado

perto das janelas com persianas, com a

moldura de aspeto antigo, tão escura

como os painéis do quarto.

Mas, pelo menos, a sua

familiaridade retirava o ar sinistro do

quarto. Grata por isso, afastou o sutiã e foi olhar o poster mais de perto.

Era um cartão de Natal, com uma

fotografia, que ela tinha tirado no ano

anterior, pensando que os seus tios

apreciariam a forma como um raio de

sol de inverno destacava a pedra


heráldica com o brasão de armas dos

MacGhee por cima das suas cabeças. A

deles e a de um homem alto, de ombros

largos, uns metros atrás deles, perto da

porta aberta do castelo.

“Humm?” pestanejou, certa de

que não só estava com jetlag, como

também a ter visões.

O homem – com um ar bastante

medieval – não estava no poster, antes.

Nem lá estava , agora, num

segundo olhar.

Era apenas uma sombra. Um

truque da luz, através do vidro.

Ela estremeceu, na mesma.

Esfregando os braços, aproximou-se

mais do poster. Ele parecia tão real. E

se ela ia começar a ver homens

imaginários, lindos, de kilt e coisas que

tais, estava com o pior jetlag de todos os


tempos.

Certa de que só poderia ser isso –

os efeitos na mente de atravessar fusos

horários e a falta de sono – tocou com o

dedo no vidro do quadro, aliviada por

perceber que era um toque suave e

fresco, um sensação absolutamente

normal, como deveria ser.

Mas quer o homem tivesse

desaparecido ou não, algo estava

errado. Nos poucos segundos que

precisava para atravessar o quarto, o ar

ficou denso e pesado. Gelado, também.

Como se alguém tivesse,

deliberadamente, regulado o ar

condicionado para temperaturas abaixo

de zero, gelando instantaneamente o

quarto.

Ela franziu o sobrolho. Ou estava

enganada ou Dunroamin não tinha ar


condicionado.

No entanto, fazia estranhas

sombras nos quadros.

Não, não eram sombras.

O homem estava de volta, e desta

vez, movera-se. Tão escuro e com ar

medieval como antes, agora aparecia ao

lado da tia Birdie e do tio Mac, já não

atrás deles.

“Oh, Deus!” Ela afastou-se do

poster e cobriu a nudez com os braços.

Ele levantou uma sobrancelha –

através do vidro do poster!

O coração dela começou aos

galopes. Não se conseguia mexer. As

pernas pareciam borracha, e, gritar

estava fora de questão. A garganta dela

estava fechada e a língua estava colada

ao céu da boca.

Com a incredulidade e o choque a


apoderarem-se dela, olhou para o

homem, ou ilusão, ou lá o que era, que

se afastou dos seus tios para encostar o

ombro contra o arco da porta.

Diabolicamente sexy – era impossível

não reparar– ele ficou ali, de braços e

joelhos cruzados, olhando para ela.

Olhou, apenas uma vez, para algo

que parecia um redondo escudo

medieval, colocado a seus pés. Ela

pensou que ele ia pegar nele, mas ele

apenas levantou o olhar para a encarar.

“Tu não estás aí.” Ela achou que a

sua voz era um patético coaxar. “Não te

estou a ver-”

Ela piscou os olhos.

O Sr. Que Não Estava Realmente

Ali tinha desaparecido, outra vez.

Apenas a sombra do espelho

permanecia.
“Oh, pá.” Esquecido o duche,

pegou no sutiã e no resto das suas

roupas de viagem, enfiando-as ainda

mais rapidamente do que as despira.

Nunca devia ter aceitado o dram que o

tio Mac lhe ofereceu ào chegar.

Não depois de quase trinta horas

sem dormir.

“Miss Swanner?” Uma voz de

mulher chamou do outro lado da porta,

acompanhada de uma pequena batida.

“Está acordada?”

Ela quase voou pela sala, tentada

a dizer “sim”, mas também estava a ter

alucinações acordada.

Em vez disso, passou a mão pelo

cabelo e abriu a porta. “Sim?”

“Sou Honoria, Dunroamin a

governanta. Vim chamá-la para um chá,

se lhe apetecer.” Uma mulher mais velha


, num pesado fato e sapatos resistentes,

olhava para ela, um crachá de

dimensões invulgarmente grandes estava

preso ao casaco, repetindo o seu nome.

Seguindo o seu olhar de relance, a

mulher endireitou os ombros e limpou a

garganta. “Alguns dos nossos residentes

têm dificuldades em reter nomes.

Outros”- ela olhou para ambos os lados

do corredor, baixando a voz – “não

veem bem.”

Cilla quase se engasgou. Não

havia nada de errado com a sua

memória, mas ainda há segundos teve

sérios problemas de visão.

Sérios problemas com tudo.

O mundo que ela conhecia e

percebia foi drasticamente derrubado,

quando olhou para aquele poster.

Esperando que a governanta não


reparasse, saiu para o corredor,

fechando a porta atrás de si. “Adoraria

tomar chá,”disse, sem mentir. “E estou

ansiosa por conhecer os residentes. A tia

Birdie e o tio falam sempre tanto deles,

que sinto que já os conheço.”

“Ah, não verá nenhum deles,

agora.” A governanta olhou para ela de

relance, quando desciam pelo corredor

alcatifado. “Estão a tomar o chá na

biblioteca. Os seus tios estão à sua

espera na sala de armas.”

Cilla pestanejou, perguntando-se

se os seus ouvidos também estavam a

ficar fracos. “A sala de armas?”

Honoria parou ao cimo das

grandes escadas de carvalho. “Não é o

que parece, embora ainda haja muitas

armas nas paredes. O seu tio usa a sala

como estúdio privado. É o seu retiro,


como vocês americanos lhe chamam?”

“Oh.” Sentiu-se uma tola por

pensar que ia para um lugar que lhe dava

calafrios.

Um retiro era fácil de aguentar,

mesmo com escudos e espadas a

ornamentar as paredes.

Mas quando Honoria abriu a

porta, indicando-lhe o caminho, ela

percebeu que a sala de armas não tinha

nada a ver com outros estúdios

americanos que ela conhecia. Cheio de

sombras e silêncio, armas medievais a

brilharem em cada milímetro das

paredes, e duas armaduras completas

ladeando uma fileira de altas janelas do

outro lado da sala.

Cilla gelou à entrada da porta,

com calafrios a apertarem-lhe o

estômago.
Nem sinal dos tios.

Com o coração, de novo, aos

pulos virou-se para a porta. “em a

certeza que é aqui que está tia Bernie

e-” calou-se, apanhando apenas um

vislumbre da governanta a fazer a curva

do longo corredor.

“Ah! Aí estás.” A voz profunda

do tio soou nas sombras da sala. “Entra,

moça e toma um chá connosco.”

Voltando-se, viu, finalmente, os

seus tios. Estavam sentados debaixo de

uma luz suave de uma mesa de canto,

preparada para o chá. A tia Birdie, com

o seu elegante cabelo fulvo, olhos azuis

profundos, muito parecida com uma

réplica mais velha da sua mãe e dela

própria, começou.

O tio Mac, sempre de kilt, usava

a imponente e máscula sala como uma


segunda pele.

Com o seu aspeto maior do que a

vida, o cabelo ruivo encaracolado, já

para não falar na sua adaga sgian-dubh,

a espreitar da meia, cada milímetro seu

fazia lembrar um chefe de clã das

Highland.

Tanto era assim, que Cilla se

esqueceu de si e libertou aquilo que, de

facto queria saber. “Tio Mac – o seu

castelo tem fantasmas?”

“Oh! Estás cá há menos de uma

hora e já fazes a pergunta de todos os

americanos.” Batendo as mãos nas

coxas, levantou-se, com o rosto dividido

ao meio por um enorme sorriso. “Os

únicos fantasmas por estas bandas são

os meus joelhos chiando. Se os somares,

têm mais de cem anos! Por isso não

sejas educadinha, pois sei bem que os


ouviste estalar.”

Cilla sorriu. “Se os seus joelhos

estalam, eu teria notado quando me

ajudou o Malcom com as minhas malas,

em Lairg,quando as mudou do meu carro

para o seu.” Ela atravessou a sala e

abraçou-o. “Devo dizer que não ouvi

nadinha.”

“Não sabias?” Ele levantou uma

sobrancelha farfalhuda. “Pode-se dizer

que foi porque o jovem Malcolm ia a

falar como um papagaio. Como ele te

deve ter dito, trabalha no Castelo de

Ravenscraig na estrada de Oban.”

Fez uma pausa para coçar a

barba. “Ora, esse é um lugar com um ou

dois fantasmas. Não o meu Dunroamin.

Respirei pela primeira vez, dentro

destas paredes. Se houvesse fantasmas

por aí, eu seria o primeiro a saber.”


A tia Birdie fungou. “Então, e a

senhora de cinzento nas escadas de

entrada?” Ela aproximou-se, juntando-se

a eles, o seu vestido azul e púrpura de

seda, enroscando-se nela como uma

nuvem de perfume exótico. “Ou o rapaz

que se senta num banquinho no canto da

cozinha?”

O marido dela chilreou. “No dia

em que uma dama enublada flutuar pelas

minhas escadas, corto a barba.” tirou a

sua adaga sgian-dubh, olhando para baixo, enquanto acariciava o gume. Um

sorriso de satisfação quando o polegar

se manchou com um fio de sangue. “Oh,

sim, sou todo a favor de cortar a barba,

se uma coisa dessas acontecer. E” –

inclinou-se mais, com tom de

conspiração – “a oferta é válida para

qualquer espectro, cinzento, verde ou

mesmo cor-de-rosa que se atrever a


aparecer.”

“Tem cuidado, querido. Há

sempre uma ponta de verdade nas

lendas.” A tia Birdie bateu no peito com

uma unha vermelha. “A região de Bucks

é conhecida pela sua tradição em

fantasmas. Aqui...” ela deixou a voz

morrer. “Digamos que tu, na qualidade

de Highlander, devias ter mais cuidado

ao escarnecer dessas coisas.”

Ele bufou e acenou com a mão.

“Diz-me” – ele piscou o olho a

Cilla – “acreditas mesmo nessas

tolices? Fantasmas, lendas, e homens

vestidos com capas de xadrez, bestas

empunhando espadas pela noite dentro?”

“Eu-”

Cilla mordeu o lábio.

Por aquilo que já tinha visto da

Escócia, duvidava que o tio Mac


gostasse da resposta dela.

Dunroamin só tornou ainda mais

fácil acreditar nessas coisas.

A mistura de fumo de turfa, couro

velho e óleo do mobiliário que passa

por cada sala recheada de antiguidades,

insinuando a possibilidade de um tempo

muito antigo.

Assim como os enormes retratos

ancestrais espalhados pelos corredores

escuros e cheios de mofo.

Um arrepio desceu pela espinha

de Cilla.

Não era nada fã de passar por

esses retratos de noite, quando a casa

estava silenciosa. Mais do que um

Highlander em kilt com olhar feroz,

retratado de forma tão brava pareciam

mais do que capazes de lançar um grito

de guerra e saltar das suas molduras


douradas, com a espada a rodar e cheios

de pensamentos bélicos na cabeça.

“Se não há fantasmazinhos” - O

tio Mac cortou silêncio – “o que dirás

ao Selkie e ao velho Nessie?” Ele puxou

o cinto do kilt, a barba balançando com

o movimento. “O grande negócio de

Nessie para alguns daqueles operadores

turísticos cheios de dólares, lá em baixo

em Inverness.”

Cilla hesitou, mal ouvindo a sua

provocação.

O seu olhar detinha-se numa das

armaduras do outro lado da sala. Por

muito que tentasse, não conseguia afastar

a impressão de que alguém a observava

por detrás da viseira prateada do elmo.

E o olhar não era agradável.

Voltou a estremecer, arrepiando-

se toda.
“Então?” O tio Mac passou-lhe o

braço por cima dos ombros. “Restaura

a minha fé nos americanos. Diz-me que

sabes os passos nas escadas, à noite, é

apenas a água a correr nos canos.”

“Claro que sei isso.” ela falou

rapidamente, antes que pudesse mudar

de ideias. “Nunca acreditei em

fantasmas.”

E não acrescentou que estava

prestes a mudar de ideias.

Se o voltasse a ver.

O Sr. Não-está-mesmo-ali,

espiando por detrás do vidro do poster.

“Não, não acredito,” repetiu com

firmeza e confiança.

Para o caso de ele estar a ouvir.

“Bom, bom.” O tio deu um

sorriso triunfante. “Talvez possas pôr

algum juízo na cabeça da tua tia,


enquanto tomam chá. Eu não tive essa

sorte ao longo dos anos. A mulher tem

umas ideias muito próprias.”

“Não se junta a nós?” Cilla

olhou-o, desapontada.

O tio Mac abanou a cabeça. “Ah,

moça, ficaria se pudesse, mas o dever

chama...”

Espiando o relógio, a antecipação

iluminou o seu rosto. Ergueu os braços

acima da cabeça e girou rapidamente

sobre si próprio, no mesmo instante em

que o som de gaitas-de-foles explodiu

na sala de armas.

“Gah!” Cilla quase saiu de si.

“Os Royal Scots Dragoon

Guards!” O tio Mac terminou a sua

prestação com um pequeno salto e um

floreado. “É ‘Paddy’s Leather

Breeches,’” disse, com ar agradado.


“Uma das minhas melodias favoritas, em

gaita-de-foles.”

“Também é a deixa dele para

receber os nossos residentes na

biblioteca.” A tia Birdie olhou para

cima, enquanto servia o chá. “às vezes,

faz umas sestas lá,” explicou, indicando

um sofá de ar muito confortável forrado

a tartan, meio escondido nas sombras,

perto da lareira. “O som das gaitas

impede-o de dormir durante o chá. É um

ritual da tarde.”

“Eu nunca durmo!” ele levantou-

lhe as sobrancelhas. “Passo pelas

brasas.”

Cilla escondeu um sorriso.

“Então, qual é o ritual? As gaitas ou o

chá?”

“As duas coisas!” O peito do tio

Mac inchou. “Caso não saibas, para


além das gaitas, há três coisas que os

Highlanders adoram: a sua casa no vale,

uma boa luta e uma conversa agitada à

lareira. Uma vez que os nossos

residentes estão longe de casa e

demasiado velhos para lutas, resta-nos

as conversas à lareira.”

Fez uma pausa, os olhos

brilhavam de bom humor. “Tento

oferecer-lhes uma, à hora do chá.”

Rindo, voltou a girar

graciosamente – desta vez, sem o

retumbar de “Paddy’s Leather Breeches”

- e, desapareceu no corredor, deixando

Cilla sozinha com a sua tia.

A sua adorada tia Birdie, e uma

sala bolorenta, carregada de armas, que

parecia ainda mais escura e assustadora

sem a alegria contagiante do tio Mac.

Cilla esfregou os braços, sentindo


frio, de novo.

“Vem, querida. Devíamos ter-te

avisado sobre o despertador do teu tio,

mas agora podemos trocar umas

palavrinhas.” A tia Birdie acenou com a mão para a mesa. Coberta por uma

toalha de linho engomada, reluzia com o

brilho de cristais e pratas, composta

com iguarias que levariam uma semana a

comer.

“Deves estar esfomeada.” A sua

tia indicou-lhe uma cadeira e pegou

numa para si, do lado oposto.. “Os

scones de Dunroamin vão derreter-se na

tua boca. Ou, se preferires algo mais

substancial, posso oferecer-te bolinhos

de aveia com salmão fumado e queijo.”

“Não tenho muita fome.” Cilla

juntou-se a ela, mas a sua atenção

deslocou-se para a fileira das janelas e

para o espesso ar marítimo, que se


pressionava contra os painéis de

chumbo.

Ela quase conseguia imaginar

uma forma encapuçada espiando-a,

através do vidro, mas afastou logo essa

ideia.

Quem quer que fosse – ou o que

quer que fosse – que parecia estar a

olhar parecia fazê-lo de forma

selvagem, ousada e masculina.

Se era um fantasma, não era do

tipo de andar à deriva pela névoa,

escondendo o rosto.

O seu fantasma resgataria uma

espada do arsenal da parede, apanharia

um dos escudos que há por ali

pendurados, e atacaria pelo castelo à

procura de ação.

Teria também o mesmo ar sexy do

homem do poster. Menos o seu olhar


rude.

“Pelo menos, come qualquer

coisa.” A tia Birdie olhava-a com

alguma estranheza. “A cozinheira fica

ofendida, se passa aqui e te vê a olhar

para as targes, em vez de te deliciares

com os seus famosos scones.”

“Targes?” Cilla piscou os olhos,

sem ter a certeza se ouvira bem. Depois

de vários minutos ainda sentia o som das

gaitas nos ouvidos..

“Os escudos.” A tia Birdie

inclinou-se para recolher um scone para

o seu prato. “Esses redondos, cobertos

de couro, decorados com laços celtas e

placa de latão.”

“São medievais?” Cilla ignorou

o scone, olhando, lançando um mau

desconfiado à targe, que tinha um pico

aguçado a sair do seu centro. “São


bastante assustadores.”

A sua tia levantou o sobrolho.

“Mais do que as espadas?”

“A que está por cima da lareira

parece capaz de provocar tantos

estragos como uma espada.”

“Provavelmente, sim.” A tia

Birdie serviu-se de uma porção de

salmão fumado quente. “Diz-se que as

targes que aí estão são da era

Culloden. O teu tio acha que um ou dois

terá sido manchado de sangue, naquele

triste desastre.”

Pousou o garfo. “Não fales de

Culloden ao teu tio. A não ser que

queiras ficar com os ouvidos a ferver.

Ele visita o lugar, sempre que vai a

Inverness e considera-se uma autoridade

nessa batalha.”

“Foi a última batalha em solo


britânico, certo?” Cilla deslizou outro

olhar pelos escudos. “Bonnie Prince

Charlie, os clãs e tudo isso?”

“Exatamente.” A tia Birdie

assentiu. “Culloden derrotou os clãs e

condenou à morte a sua cultura. As

consequências dessa batalha também

ajudaram à separação das Highlands,

que se lhe seguiu. Strathnaver sofreu

terrivelmente, nesses tempos, com todas

a s comunidades a serem postas a andar,

as casas queimadas e saqueadas para

dar lugar a pastagens mais produtivas.”

Inclinou-se para mais perto, baixando o

tom de voz. “As pessoas continuam a

falar disso como se tivesse acontecido

ontem.”

“E o tio Mac comanda a parada.”

A ideia fez com que Cilla sorrisse.

“Assim é.” A tia Birdie também


sorriu. “É um verdadeiro cruzado dos

velhos costumes. O seu interesse nos

tempos é uma das razões para

colecionar as targes. É por isso que eu

acho que nenhuma delas é medieval,

embora possam ser, suponho. Deviam

existir nessa altura, certamente.”

“Bem me parecia.” Cilla pegou

no seu scone. Não iria admitir que a

verdadeira razão para os escudos a

terem incomodado era porque havia um

no poster com o SR. Que-Não_Estava-

Realmente-Ali. A targe estava a seus

pés, contra a parede.

E, tal como ele, também não

pertencia ali.

O que queria dizer que ela estava

a perder a cabeça.

Ou a ver fantasmas.

Precisando de saber qual das


duas coisas, afastou-se da mesa e ficou

de pé. “Tia Berdie, o tio Mac tem

mesmo a certeza que não há fantasmas

aqui?”

“Porquê?” Pousou o seu bolinho

de aveia coberto com salmão. “Viste

um? Há histórias, sabes. Todas estas

velhas pilhas sombrias têm os seus

contos.”

“Eu sei,” Cilla concordou. E

também sabia que a sua tia acreditava e

todas essas histórias.

Era assim, a tia Birdie.

“Sempre com as fadas,” dizia a

sua mãe, quando se referia a ela.

Ouvindo o riso de um duende, no tilintar

de um riacho ou vendo sombras no fino

véu da bruma.

Cilla afastou o cabelo e levantou

o queixo.
Estava diferente.

“Mas o que acha realmente o tio

Mac?” Ela deu uns passos, com o olhar

a deslizar repetidamente para as

janelas. “A mãe e o pai disseram que

havia aqui alguns problemas. Tem

alguma coisa a ver com fantasmas?”

“Há quem diga que sim. Mas o

teu tio não.” A tia levou um guardanapo

de linho aos lábios. “Ele rir-se-ia na

cara do diabo. Na verdade, ele acha que

é um diabo que causa todas as nossas

dificuldades.”

Pousou o guardanapo e baixou o

tom de voz. “um diabo de carne e osso,

mortal, que nos quer arruinar, embora

não façamos ideia de quem seja e o que

tem contra Dunroamin.”

“Oh, meu deus. Isso parece

grave.” Cilla voltou para a mesa,


esquecendo-se do olhar malandro do

poster. “Quer falar sobre isso?”

“Discutimos isso mais tarde.

Precisamos, e esperamos que nos possa

ajudar alguma coisa. Mas, agora,

preferia ouvir falar de ti.” A tia afagou-

lhe a mão. “Tivemos tanta pena, quando

soubemos do Grant.”

Cilla quase se engasgou com o

chá. “Não tenha. Levar o for a de Grant

A. Hughes III foi a melhor coisa que

alguma vez me aconteceu. Já ultrapassei

isso, completamente.”

Os olhos da tia Birdie

estreitaram-se. “Tens a certeza? Não

pareces-”

“Se parece perturbada não é por

ter perdido o Grant. Mas sim porque a

sua nova namorada ajudou a destruir o

meu negócio.” Pousou a chávena de chá.


“Não o posso provar, mas tenho a

certeza que ela derrubou a Vintage

Chic.”

“Mas estava a correr tão bem.” A

tia Birdie parecia espantada.

“Tão bem, que tive que vender o

carro para pagar vários meses de rendas

em atraso.” Os calores começaram a

subir-lhe pela garganta e ela enfiou um

dedo na abertura do seu top, sentindo

calor na sala fria.

“Devias ter-nos dito.”

“Não podia.” Olhou para a sua

tia. No outro lado da mesa, algo nela –

como sempre – fazia jorrar palavras.

“Chame-lhe orgulho, tendo em conta a

vossa situação e a dos meus pais, que

nem para eles têm. Não podia, de

maneira nenhuma pô-los a mexer nas

suas poupanças para me ajudar.”


A tia Birdie abanou a cabeça.

“Lamento muito, querida. Não fazíamos

ideia.” Ela fez um gesto com o scone

para o computador portátil que o tio

Mac deixara no outro lado da mesa.

“Lembro-me de teres enviado uns

emails, há uns tempos, a falar de uma

loja de presentes e joalharia, que te

dava espaço na montra. Dizias que

estavam muito entusiasmados com as

vendas, que-”

“Refere-se à Charm Box, no

Emporium. Um conjunto de lojas de

antiguidades e joias em segunda mão, no coração de Yardley. Eles atendem

clientes com gostos ecléticos.” Cilla

tentou não parecer amarga. “A Charm

Box de Paterson foi quem ficou com a

minha criação de louça. E, sim, estavam

entusiasmados. Infelizmente, a filha

deles, Dawn, tinha outra visão das


coisas.”

“É ela a nova namorada do

Grant?”

Cilla acenou a cabeça. “Da

última vez que levei uma nova coleção,

ela disse-me que o meu trabalho não

vendia e que não podiam desperdiçar

espaço comigo. Pior, ainda, apostaria

que a família dela e ela conhecem e são

amigos de todos os donos de antiquários

entre Filadélfia e Trenton. Depois que

os Patersons me rejeitaram mais

ninguém se dignou, sequer, a olhar para

os meus trabalhos.”

“Parece uma coisa bem amarga.”

A tia Birdie levantou-se e atravessou a

sala para enfiar umas barras de turfa na

lareira. “Peço desculpa, de repente,

fiquei gelada.” Ela deu um sorriso

apologético a Cilla, quando retomou o


seu lugar na mesa. “Então, diz-me. Quem é esta rapariga?”

“É uma força a ter em

consideração, é isso.” Cilla tocou no

scone. Não era muito encorajador

reparar que aquela minúscula rival

ainda tinha tanto poder para a tramar.

“Nascida em berço de ouro, é mimada,

estragada e consegue sempre aquilo que

quer. Ou, no caso de Grant, consegue

sempre o homem que quer.”

A tia Birdie esticou-se na mesa

para se servir de mais chá. “Eu acho que

quem ficou a perder foi o Grant,

querida.”

Cilla deu de ombros. “Há

rumores de que ela lhe disse que estava

grávida. De qualquer forma, ela é tão

pequena, que mal me chega aos ombros,

mas joga pesado. Sei de fonte segura

que ela até boicotou a minha relação


com as pessoas que gerem o Red Barn,

uma feira da ladra local. Quem sabe o

que aconteceu, mas quando tentei alugar

um espaço lá, o meu pedido foi

recusado. O certo é que” – ela serviu um

pingo de leite no chá – “tinham, pelo

menos, meia dúzia de stands livres e

continuam a ter.”

Os olhos da tia Birdie

arregalaram-se. “O Grant apaixonou-se

por uma mulher assim?”

“Assim parece. Ou pela Dawn

Paterson ou pelo seu dinheiro.”

“Mas ele tem dinheiro

suficiente.” A tia Birdie franziu a testa.

“A família dele não é uma das mais

ricas de Delaware?”

“A mais rica, acho eu.” Cilla

abriu os dedos da sua mão esquerda, o

seu anelar. Agora, nu do anel de


diamantes que usou até recentemente.

“Imagino que a posição deles tenha feito a cabeça dele na direção de Dawn.
O

status era algo importante para Grant.”

Tolo.

A voz profunda com forte sotaque

escocês chegava do lado das janelas.

Alta e ressoando, àquela única palavra

ecoou pelas paredes e dedilhou o ar.

Cilla estremeceu. Uma espécie de

choque elétrico atravessou-lhe o corpo,

da raiz dos cabelos até às pontas dos

pés.

“Ouviu isto?” Lançou um olhar à

tia, com o pulso a acelerar-se. “A voz de

um homem-”

“Shush…” A tia Birdie levou um

dedo aos lábios.

“Ouvi-o claramente,” Cilla

insistiu. “Talvez o tio Mac esteja no

corredor? Ou era outra das suas


gravações?”

Ela voltou-se, rebuscando a sala

com o olhar.

Mas estava vazia.

Nada de suspeito, em relação a

gravações.

E a entrada quadrada da porta só

mostrava sombras. Nada, para além do

omnipresente nevoeiro marítimo as

fitava do largo banco de janelas

jacobinas.

Tolo. A palavra continuava a

encher-lhe os ouvidos.

A tia Birdie estava a beber o seu

chá, calmamente, com um olhar distante

nos seus olhos azuis profundos.

“Há alguém aqui.” Ela voltou-se

para Cilla, com o olhar, de novo, limpo.

“Um cavalheiro que não suporta ver as

mulheres serem maltratadas. Sinto, que


se pudesse te vingaria.”

Cilla engoliu em seco. “Sente-

o?”

“Oh, sim.” A tia inclinou a

cabeça para ouvir. “aposto a barba do

teu tio.”

“E quer vingar-me?”

Cilla ficou com a dúvida para si.

Não acreditava em homens valentes, que

eles fossem fantasmas ou reais.

A sua tia sacudiu uma migalha da

toalha de mesa.

“Só posso falar das impressões

que recebo.” Ela encarou Cilla, como

olhar parado. “Há sobretudo raiva e

eu interpreto a sua fúria como sendo

provocada pela traição de Grant,

embora possa estar enganada. Mas vem

cá – levantou-se bruscamente e puxou a

sobrinha em simultâneo – “vamos ter


com o teu tio à biblioteca. Como ele

diria, provavelmente, não devia ter

bebido um segundo dram, quando tu

chegaste.”

Movimentando-se rapidamente,

arrastou Cilla para for a da sala.

“Amanhã também será dia para pensar

nestas nossas questões, aqui em

Dunroamin, e das dores de corno que

Grant A. Hughes III te causou.”

***

Grant A. Hughes III.

O terceiro, pelo amor dos meus

antepassados. Perto das janelas,

Hardwick reprimiu um grunhido. O

homem não era apenas um tolo. Tinha

um nome tão pomposo como um pavão

armado.

Seguro de que ele teria outros

defeitos igualmente desagradáveis,


Hardwick saiu do seu esconderijo, logo

que as mulheres saíram da sala.

Escovando a sua capa, franziu a

testa à sala e armas, agora vazia.

Nunca mais se materializaria dentro de

algo com metade da constrição.

Estremeceu e dobrou os dedos.

Fez o mesmo aos dedos dos meus para

se proteger. Algumas contorções do

pescoço, numa e noutra direção,

seguidas de alguns alongamentos e

flexões dos joelhos completavam a sua

tentativa de se livrar das contraturas que

o assolavam.

Mesmo assim, sentia-se

miseravelmente.

Quem quer que tenha alguma vez

usado aquela armadura era muito

pequeno e magro.

Definitivamente não era um


Highlander.

Orgulhoso da sua nobre raça

devia ter sido mais cauteloso, quando

seguiu o intruso no quarto dela. Com o

semblante ainda mais carregado, plantou

os punhos nas ancas e olhou em volta.

Que típico ter deixado

propositadamente o escudo de lado do

quarto só para olhar para a criatura

atraente, que ele agora sabia ser Cilla

Swanner, não apenas para lhe ver os

seios, mas para segui-la até à sala de

armas do castelo.

Uma sala cheia de escudos –

provocando-lhe lembranças do seu

estado nos últimos setecentos anos.

As terríveis circunstâncias em

que se encontraria, se falhasse no

prometido so Ser das Trevas para

acabar com o feitiço do trovador.


“Raios partam” rosnou, franzindo

a testa.” Mais aquele tocador de alaúde

antigo. Que os seus dedos apodreçam ou

murchem, fiquem tesos naquelas

cordas.” Endireitou os ombros, com o a

própria praga a lançar tanto calor, que

poderia rivalizar com as bolas de fogo

que o Ser das Trevas lhe poderia enviar

com toda a sua insolência.

Há certas coisas pelas quais

nenhum homem deveria passar.

Habitar debaixo do mesmo teto

que a sua maior fraqueza – uma dama em

apuros – estava no cimo dessa lista de

coisas.

Uma sala coberta de targes seguia

essa, de muito perto.

Olhando para elas, considerou

usar as suas habilidades de fantasma

para se ver livre delas. Talvez, até,


arremessá-las para o Mar do Norte,

deixando-as afundar nas profundezas

salgadas, um escudo de cada vez.

Ou, simplesmente, mexer os

dedos e fazê-los desaparecer. Todos de

uma só vez, com uma explosão

satisfatória de faíscas coloridas.

Infelizmente, a sua honra não lhe

permitia tais travessuras.

Mac MacGhee era um espécime

do bem, e no pouco tempo que gozou da

hospitalidade do laird, ganhou-lhe

grande afeição.

Sabia que ele também apreciava

as targes.

Terreno e sem maldições,

MacGhee não passara uma eternidade a

segurar o engenho, em frente às suas

partes baixas.

Ele só queria que o homem lhe


tivesse anunciado a chegada da

sobrinha.

A sua sobrinha america-cano.

Estremeceu, cada pingo da sua

auto-preservação estava cercado. Cilla

Swanner representava um perigo muito

maior do que uma sala cheia de escudos.

Sabia, por experiência própria, o

perigo daquelas estrangeiras. Dois dos

seus melhores amigos tinham-se

apaixonado por mulheres daquela laia,

desceram bastante para se casarem com

elas.

Respirando um ar quente, passou

uma mão pelo cabelo, as capitulações

dos amigos a perturbarem-no

intensamente.

Ele não poderia arriscar uma

loucura dessas.

Já foi suficientemente mau, olhar


para os seios da dama.

E que seios magníficos! Cheios e

redondos, com uma cobertura rósea,

balançando, quando ela atravessava o

quarto para o espiar. Raramente vira

umas tetas tão suculentas e cremosas.

Ela ficara tão perto da moldura que ele

quase conseguia sentir o peso de seda

suave nas suas mãos.

Quase provou os seus mamilos

arrepiados pelo frio, com a sua língua

rodopiante e faminta.

Por Deus, como ele gostaria de os

chupar!

Sentiu de pronto uma agitação

debaixo do kilt. Uma súbita onda de

calores e contrações que anunciam o

início da irresistível excitação de um

homem.

“Raios,” rosnou, fechando os


punhos até que a excitação reduzisse.

Furioso, olhou para cima, para o

teto da sala de martelos. Devia era ter

desaparecido, quando a moça se

começou a despir, de forma tão

despojada.

Certo de que, quando se

aproximou dele, a sua expressão de

espanto não deixava dúvida que ela o

tinha visto.

Mas nã...

Ele tinha ignorado todo o seu

bom-senso para lhe devolver o olhar

obsceno, e os seus velhos instintos no

lugar, apesar dos perigos.

Voltou a franzir o sobrolho.

A moça e as suas curvas eram

uma ameaça que ele não esperava

encontrar num remoto lar de idosos das

terras altas da Escócia.


Julgava passar os seus dias

aborrecido e desinspirado.

Completamente livre de

tentações.

Ajustando o queixo, lançou outro

olhar à parede de escudos. Depois,

dobrou os dedos no cinto da espada,

preparando-se para se transportar para

as ameias.

Por razões que ele não queria

admitir, sentiu uma forte necessidade de

um ar frio e revigorante.

Algo lhe dizia que ele poderia

precisar, em breve, de uns mergulhos no

mar gelado.

Hardwick suspirou. Tinha sido

insensato na escolha do lugar para o seu

período de provação.

Muito insensatamente, na verdade.

Capítulo Dois
“Tolo.”

A palavra seguiu Hardwick até às

ameias, tão próximo dele como o som

estridente da melodia favorita de Mac

MacGhee, para gaita-de-foles. Tapou as

duas com as palmas das mãos,

pressionando-as contra os ouvidos,

tentando livrar-se, em vão, do seu

ensurdecedor ressoar.

Não é que ele não gostasse de

gaitas-de-fole.

Gostava, claro, como qualquer

Highlander de respeito.

Mas havia gaitas e gaitas.

A explosão artificial que Mac

MacGhee ouvia era uma abominação.

Hardwick franziu o sobrolho.

Nunca mais cairia no erro de manifestar

a sua presença nos aposentos do laird,

nos momentos que antecedem o chá.


Nem se daria ao luxo de mais

momentos de prazer por ter escolhido

Dunroamin como local de refúgio para o

período de provação.

A sua decisão foi desastrosa.

Se Grant Grant A Hughes III foi

um tolo por se afastar daquela mulher

iluminada, ele era ainda mais insensato

por se por no caminho dela.

“Insensato a dobrar,” vociferou,

olhando para a névoa que passava

através das ameias. Espessa e cinzenta.

Enormes lençóis rodopiando por todo o

lado. Estreitou os olhos, espiando tudo

quanto andava à deriva. Seria

exatamente como o Ser das Trevas, atrás

da camada espessa e impenetrável.

Regozijando-se.

Era a segunda vez que ouvia

aquilo que poderia ser uma gargalhada


de uma velha.

Ou– que os deuses me perdoem –

o riso silencioso e hediondo de um

bando delas.

Estremeceu e olhou mais

atentamente por entre o nevoeiro.

Mas os seus melhores esforços

foram em vão. Se o diabo ou as suas

bruxas infernais estavam em Dunroamin,

escondiam-se muito bem. Por isso,

afastou-as da mente e curvou-se sobre o

velho hábito de evocar o seu escudo.

Um toque de dedos e o objeto

apareceu nas suas mãos.

A sua familiaridade era um

conforto.

Só esperava não voltar a precisar

dele com a finalidade de outrora.

Certo de que uma calamidade

dessas se apressava para ele, cerrou o


punho e começou a caminhar pela

varanda das ameias. Um chuvisco frio

penteou as paredes, escurecendo-as, mas

a chuvinha de fim de tarde era-lhe

conveniente.

Tanto era assim que ele nem se

importou em levantar o manto contra o

vento que se levantava.

Afinal, não havia necessidade.

A bela sobrinha de Mac MacGhee

fazia mais do que aquecê-lo.

A cada passo zangado, o rosto

dela aparecia perante ele. Tentava-o e

vexava-o com uns olhos azul-profundo,

a linda linha do queixo e a pele

cremosa. Também o o forte cabelo solto

parecia provocá-lo. Uma cor de mel que

lhe varria os ombros, os fios brilhantes

imploravam por um toque de homem.

Bem como a sua boca, tão cheia, com


uma curva doce e de aparência,

insinuando uma luxúria escondida, que

ele gostava de despertar.

Um gemido subiu-lhe da garganta

e ele passou uma mão pelo queixo.

Não amou muitas vezes uma

mulher de cabelo loiro. Muito

requisitadas, no seu tempo, ou já tinham

sido tomadas ou ficavam numa torre

inacessível à espera que os melhores

pretendentes as reclamassem para si.

Como ele gostaria de reclamar

esta!

Engoliu outro gemido,

imaginando a felicidade de enfiar as

suas mãos nesses fios brilhantes.

Enroscá-los-ia nos dedos e puxá-los-ia

para junto de si, beijando-a

intensamente. Se ela lhe devolvesse o

beijo, esamagá-la-ia contra si,


certificando-se de que ela sentiria o seu

membro grosso e duro.

Só de imaginar tal delícia, quase

sentia a sua suavidade contra ele, os fios

loiros do seu cabelo, espalhando-se

pelos dedos, deliciando-o e

enfeitiçando-o. Respirou fundo e deixou

ao pensamento cair lentamente.

As mulheres loiras eram um

prémio indizível.

Nos seus inúmeros anos de

orgias, a maior parte das suas

companheiras de cama tinham cabelo

ruivo ou tão escuro como o seu. Das

poucas loiras que conheceu,

rapidamente percebia que tinham ido

buscar o brilho à capoeira.

O outro cabelo acabava por

desvendar sempre o segredo.

Mas sabia o que se dizia sobre as


mulheres de cabelo loiro e olhos azuis.

Depois de derretidas, o seu fogo

brilhava mais do que o sol.

O desejo apertou-lhe os

intestinos. Respirou fundo, desejando

nunca ter ouvido tal coisa. Não seria ele

o homem a experimentar a paixão de

Cilla Swanner.

Fá-lo-ia, se pudesse.

Noutro tempo e noutro lugar teria

sido possível.

Do jeito que as coisas estavam

agora, simplesmente estucou o passo,

deixando que o andar e a fúria aquecem

o sangue. A sua frustração também

escondia o vento frio e molhado do dia.

Até que uma rajada de vento do

cimo da falésia, lhe revolveu o manto e

o enfiou nos olhos.

“Raios!” Agarrou na lã ofensiva,


afastando-a para baixo, para descobrir

que o rosto da dama pairava, ainda, à

sua frente.

Pior ainda, ele agora podia vê-la

muito melhor.

Na memória, os seus seios nus

balançavam mesmo à frente do seu nariz.

Tão cheios e redondos como ele se

recordava e com as cristas rosa

deliciosamente rijas.

“Por todos os poderes!” rosnou

em tom de blasfémia.

Juntando as sobrancelhas, olhou

para a imagem até que o vento a apagou.

Quando, depois de uns instantes,

apenas névoa e orvalho pairavam nos

parapeitos, libertou o ar que reprimia no

peito e afastou o cabelo. Não sabia

como ela tinha feito aquilo – uma longa

fila de mulheres e mais séculos do que


ele gostava de admitir, apenas lhe

trouxeram desinteresse, mesmo depois

de uma queda particularmente agradável

– no entanto, esta conseguiu, de alguma forma, prender-se a ele.

E nem um beijo lhe deu.

Isso só poderia significar apuros.

Sentindo-se enredado como por

uma nuvem negra, ajustou o queixo e

continuou a andar.

Se fosse preciso, passaria o seu

período de provação a fazê-lo.

Caminhar fazia bem.

Franzir o sobrolho também.

Melhor ainda, mesmo num belo

dia, as ameias eram fustigadas com

vento e frio. Muitas valentes escocesas

não se importariam de enfrentar um ar

tão frio e ventoso.

Com sorte, uma estrangeira nem

sequer se atreveria a subir à estreita


escada de caracol.

Infelizmente, algo lhe dizia que a

Cilla Swanner talvez conseguisse.

Afinal, foi ela que atravessou o quarto

para espreitar para a sua imagem no

poster, mesmo que vê-lo não a tenha

feito sentir-se bem.

Poderia dar a impressão que ela

estava pendurada na janela de uma torre,

o cabelo loiro solto no parapeito, à

espera de um príncipe num cavalo

branco, mas tinha um coração corajoso e

atrevido.

Tinha a certeza disso.

Por isso, avançou, ensaiando o

seu melhor olhar.

“Oh! Ora aqui está uma

maravilha!” Uma voz profunda soou nas

suas costas. “Nunca imaginaria ver o

dia em que praguejasses e te


incomodasses com uma moça tão

graciosa.”

Hardwick voltou-se tão

rapidamente, que quase deixou cair o

escudo.

Bran MacNeil de Barra estava a

uns passos de distância, com a sua

enorme barba quase rasgada a meio com

tamanho sorriso. Fantasmagórico, de

bom humor e enorme coração, o chefe

Hébrido tinha uma barba quase tão ruiva

como a de Mac MacGhee e os seus

olhos azuis enrugados com a mesma

provocação divertida.

A pedra preciosa no pomo de seu

punho da espada brilhava vagamente na

luz pálida do dia e o manto de xadrez

levantou-se com o vento, as suas dobras

de lã com um inebriante cheiro

almiscarado, que não vinha do próprio


Bran.

“Seu grande bezerro!” Hardwick

encarou-o. “para de olhar para mim

como uma pega. Deves saber muito bem

o motivo da minha perturbação.”

“Posso imaginar, sim!”

“Sem dúvida,” Hardwick

concordou. “Sabes bem porque estou

aqui.”

Cerrou a mão contra o escudo.

Uma aguda mordedura de língua

impediu-o de perguntar como é que o

seu amigo de longa data e companheiro

de orgias, sabia que Cilla Swanner era

graciosa.

Mais importante: como é que ele

sabia que ela existia?

“Porque é que estás aqui?”

Hardwick observou-o com curiosidade.

Apesar de, na verdade, adivinhar a


resposta. “Raramente deixas Barra.”

O seu amigo cortou o ar com a

mão. “A minha bela ilha esperará pelo

meu regresso. Vim ver como te estavas a

aguentar, aqui, no norte selvagem e

solitário!”

“Estava a passar muito bem as

minhas noites até-” Hardwick calou-se.

Algures, atrás de si, na bruma,

ouviu-se uma gargalhada diabólica.

A nuca de Hardwick arrepiou-se.

O sangue gelou e ele escondeu as suas

feições, como se não tivesse notado

isso.

Bran continuava a rir. “Até te

darem a volta à cabeça?”

“A minha cabeça não deu volta

nenhuma.” Hardwick levantou a voz,

esperando esperando que algum

denunciante ouvisse a sua negação e a


levasse para o buraco dos infernos.

“Estás a apontar o nariz para todo o lado

e a cheirar coisas que não existem.”

“Assim é?”

“Sim.”

Parecendo dono da verdade, o

homem da ilha encostou-se à parede e

cruzou os tornozelos.

“Eu avisei-te que teria sido mais

sensato esconderes-te em Barra,” disse

com toda a seriedade. “Lá, poderias ter

tido-”

Hardwick riu.

Não conseguia conter-se.

Depois, passou uma mão pelo

cabelo e falou honestamente. “O teu

salão está tão repleto de tentações que

se podem comer à colherada.” spoon.”

“Sim, assim é!” Bran parecia

mais que satisfeito com a descrição.


“Mas” – levantou um dedo sábio – “já

experimentaste os encantos de todas as

beldades que entram e saem do meu

forte. Parece-me que terias menos

problemas em ignorá-las do que a esta

dama.”

Hardwick suspirou.

Por muito que gostasse do seu

amigo, não lhe daria a satisfação de uma resposta.

Além disso, o olhar cortante do

malandro mostrava o quanto ele já

sabia.

“Ela é uma ameri- cano.” Bran

disse esta palavra como se a

mergulhasse em ouro. Pronunciando-a

como o fazia um dos seus amigos casado

com uma destas estrangeiras. “Tanto o

Alex como o Aidan se saíram bem como

essas moças,” comentou, só piorando as

coisas. “Talvez tu-”


“Os destinos deles tinham outra

tecedura!” Hardwick arregalou-lhe os

olhos. “Nem quero ver um rabo de saia.

Não agora!”

“Então, ela é uma ameri- cano.”

olhou para o amigo. “Tanto me faz, até

poderia vir da lua!”

Com os nervos a subirem de tom,

passou para outra parte do muro,

escolhendo deliberadamente ficar bem

longe do homem insular.

“Os meus dias devassos

acabaram.” Limpou a garganta. “Não

posso voltar atrás – mesmo que o

quisesse fazer.”

“Não falava de orgias. Bran deu

uma palmada na coxa. “Vá lá, não sejas

tão teimoso. A teimosia é para homens

velhos e amargos!”

Hardwick enviou-lhe um olhar


irritado. “E dizes que nós não somos

velhos?”

Bran deu uma gargalhada de

abanar a cabeça. “Não me refiro a essa

velhice, e tu bem o sabes! Estamos tão

rijos como veados com cio, no monte.”

“Fala por ti. Já dei o que tinha a

dar para esse peditório.”

“Mesmo assim...” Bran parou de

rir. “Às vezes, tenho estes sentimentos, e é esse o caso, agora. Achas que
deixaria

a minha lareira confortável e a minha

aquecedora de pés para nada? Digo-te

que essa moça-”

“Não é da minha conta.”

Hardwick tapou os ouvidos para tdo o

que o amigo tinha para dizer sobre ela.

Fazendo uma carranca, colocou

as mãos na pedra fria do merlão, e ficou

a olhar para baixo para a extensão

brilhante da língua do Kyle. Mesmo com


aquele frio, com o nevoeiro da tarde, a

estreita superfície brilhava com uma luz

azul-prateada, e as suas largas margens de areia reluziam em tons de ouro.

Um brilho suave, que lhe fazia

lembrar o cabelo da ameri- cano.

Ele encolheu-se.

A abertura do pescoço na sua

túnica ficara desagradavelmente

apertada, mas recusou-se a passar um

dedo ali. Apertou foi mais as mãos

contra a pedra gelada dos merlões, com

o olhar fixo na corrente do Kyle.

Um dia assim, de correntes e

ventos fortes deveria fazer-lhe perder o

vigor.

Em vez disso, sentiu o coração a

gelar-lhe no peito e a barriga às voltas.

Da sua habitual sagacidade e alto astral

pouco restava. A sua disposição desceu

tanto como ele não tinha memória.


Mesmo enquanto fantasma – e

com a maldição que tinha – não passava

um dia sem uma gargalhada.

Agora...

Escondeu-se, tentando ignorar a

presença da única mulher que poderá

ter-lhe agradado alguma vez na vida.

Igualmente irritante era o facto de ser

reduzido a um constante olhar sobre o

ombro, ouvindo cacarejos a cada sopro

do vento.

Franziu o sobrolho.

O queixo apertou-se tanto, que ele

suspeitava que tinha partido um dente.

“Já pensei muito sobre os ameri-

canos. ” Bran apareceu-lhe no cotovelo.

“sobre as mulheres, quero dizer. Há

qualquer coisa nelas.” Fez uma pausa,

soltando o ar profundamente, como se se

estivesse a ler e fosse pronunciar algo


cheio de sabedoria.“Ah, sabes, depois

de muitas considerações, cheguei à

conclusão de que, quando vêm aqui-”

“Deveriam dar meia volta e

voltar para trás, para o lugar delas.”

Hardwick lançou um olhar negro ao seu

amigo. “Pelo menos, aquelas descaradas

que esfregam os seios no nariz de um

homem.”

“Portantoooo!” Bran saltou para

um dos merlões com uma agilidade

surpreendente para um homem do seu

tamanho. “É assim que se faz. Ela está a

seduzir-te.”

Puxou a barba, com uma

expressão de perplexidade fingida. “É

estranho que, quando vinha nesta

direção, ela parecesse mais perturbada

do que com vontade de lançar o seu

charme.”
Todo o corpo de Hardwick ficou

em tensão. “Vinha nesta direção?”

“isso mesmo.” Bran parecia

convencido. “Fui saber de ti e quase

embati contra ela, num dos corredores.

Teria passado através de mim, se eu não

me tenho desviado tão rapidamente.

Dirigia-se ao parapeito da escada.”

“Deves estar enganado.” O alívio

de Hardwick não conhecia fronteiras.

“Ela saiu da sala de armas, na

companhia da tia. Iam para a biblioteca.

Não andaria a deambular pelas

passagens.”

Bran encolheu os ombros. “seja

como for, foi onde a vi.”

“Viste outra pessoa.” Hardwick

desejava isso ardentemente. “talvez

fosse a Honoria. É a governanta e, de

longe, a mulher mais jovem aqui,


excetuando-”

“Ah, insultas-me!” bateu com uma

mão no peito. Achas que um homem com

a minha experiência não distingue uma

governanta de uma ameri- cano?”

Hardwick franziu a testa com esta

verdade.

Ficou ainda mais zangado,

quando o malandro desapareceu,

deixando vazio o merlão e a ele sozinho

na varanda, exatamente no momento em

que a porta do parapeito se abriu e ela

saiu para as ameias.

Não a Honoria, de facto. Mas a

sua Némesis.

E com um ar tão delicioso que ele

estava tentado a abater o curto espaço

que os separava e agarrá-la entre os

braços, tomar-lhe o rosto entre as mãos

e beijá-la longa e intensamente. Possuí-


la-ia até nada mais importar, a não ser

sentir os seus lábios vermelhos colados

aos seus.

Ele queria e precisava da bênção

da sua língua suave girando e

enroscando-se na sua, num ritmo antigo

e quente.

Raios partam o acordo com o Ser

das Trevas.

Em vez de tudo isso,

simplesmente, olhou para ela, com o

semblante tão carregado que o sentia nos

pés.

Ela ficou ali completamente

imóvel, logo à saída da porta. As faces

estavam rosadas e o cabelo

desguedelhado. Olhando-a, Hardwick

sentiu uma necessidade feroz de a fazer

derreter-se com ele. Em vez disso, fez

uma careta e colocou o escudo no lugar


do costume. Não para esconder uma

protuberância na sua veste xadrez, mas

para disfarçar a sua tentativa de

prevenir uma.

Com uma necessidade furiosa,

enfiou uma mão na targe e apertou com

força.

Dureza.

Dura, cumprida e suficientemente

apertada para levar um homem às

lágrimas, mas ele apenas cerrou os

dentes e estremeceu. Algures, noutra

vida, ele teria dado grandes gargalhadas

com a sua escolha de palavras.

Agora, elas apenas serviam para

alimentar a sua frustração.

Cumprida e dura era o que ele

gostava de lhe oferecer. E, que deus lhe

valha, ele sabia que ela seria

maravilhosamente apertada.
Quente, escorregadia e molhada.

A vontade voltou a atacá-lo, uma

fome aguda e dolorosa pulsava algures

muito dentro dele.

Ela ainda não o tinha visto, por

isso, ele continuou a olhar, a sua

aparência dissipando a sua última

esperança de que Bran pudesse estar

errado. Pior, era evidente que ele

precisava de se ver livre dela.

Só o seu odor já o condenava.

Suave, limpo e fresco como uma brisa

de primavera, rodeava-o, incendiando-

lhe o sangue nas veias e ameaçando pô-

lo como granito, se ele não se apertasse

tão firmemente.

De qualquer forma, cada

milímetro do resto do seu corpo estava

rijo com desejo. Os sentidos estalaram

num alerta perigoso e ele espremeu-se


ainda mais, lutando contra o efeito que

ela tinha sobre ele, mas sem conseguir

desviar o olhar.

Algo a perturbara, claramente, e –

deuses lhe valham – aquele ar de

desconcertante vulnerabilidade no olhar

atingia-o tão violentamente quanto as

suas curvas e a pele macia. Os seios,

agora cobertos com um top de seda azul,

levantavam-se e caíam agitadamente, e o seu cabelo de ouro brilhante


chicoteava-lhe o rosto ao sabor do vento.

Ela seria o seu fim.

Sabia isto do fundo das entranhas.

***

Cilla avançou, lançando os fios

do cabelo para trás, à medida que se

aproximava do muro das ameias. Uma

pedra talhada de forma medieval, que

era, de certeza medieval.

Assim como ela tinha a certeza

que o enorme Highlander de barbas que


lhe aparecera, de súbito, à frente era,

seguramente, medieval também.

Se não era isso, não era

definitivamente deste tempo.

Nem deste mundo.

Na verdade, tinha um ar muito

selvagem. De uma maneira antiga das

Terras altas da Escócia, as Highlands.

Esplendoroso ou não, ela não

queria nada com ele. Tremendo,

protegeu-se mais com a sua camisola e

forçou as pernas a caminharem pela

varanda de pedra das ameias.

Não era uma tarefa fácil, quando

as pernas pareciam de barro e os

joelhos não paravam de bater um contra

o outro. Mas ela continuou, colocando

um pé em frente do outro, até alcançar o

muro.

Ela precisava de ar fresco.


Muito ar fresco.

“Não acabei de ver outro

fantasma. E não ia batendo contra ele.”

ela alcançou a esquina de um merlão,

precisando da solidez da rocha. “Ele

não se afastou do meu caminho,

quando-”

“Ahhh, mas afastou, não afastou?”

Uma voz cavernosa, bem moldada e rica

entoou do nada. “Talvez seja melhor ires embora, antes de embateres em


mais

alguém, que não o faça.”

“Não faça o quê?” falou, antes de

se lembrara que não estava lá ninguém.

“Não se desvie do teu caminho,

claro,” a névoa soprou de novo.

Os olhos de Cilla arregalaram-se.

O coração batia nas costelas

descompassadamente.

A sopa de ervilhas não falava!

Pelo menos, não em Yardley, na


Pennsylvania, e, seguramente, na

Escócia também não.

Nem mesmo na vastidão remota

de Sutherland.

Sem querer considerar uma

alternativa, endireitou os ombros e –

muito lentamente – afastou-se do muro.

Três ou quatro longas passadas levá-la-

iam em segurança de vota para a entrada

da porta e ela passaria por ela deixando

para trás as assustadoras ameias

Dunroamin.

Não estava na disposição para

conversas com a névoa.

Mas antes de se voltar, embateu

contra algo frio, duro e inflexível.

Algo redondo, coberto de couro e

cravejado de talos. Conseguia senti-los

contra as suas costas pequenas. E sabia

o que eram.
Os pregos de latão de uma targe.

Um escudo medieval.

“Oh, não!” Girou sobre os

tornozelos, segura de que o fantasma do

poster tinha vindo, finalmente, buscá-la,

mas o homem que a encarava tão

ferozmente era tudo menos um fantasma.

Alto, Moreno e Kilted, ele

segurava um escudo.

Era lindo, com uma sensualidade

latente, de uma forma perversa e tinha

um ar, decididamente, malandro. Mas

parecia tão real e sólido como outra

pessoa qualquer. Engoliu em seco, ao

piscar os olhos para ele. Ele parecia, de

facto, o Sr. Que-Não-Estava-Mesmo-

Ali, mas ela tinha dúvidas que um

fantasma lhe pusesse a boca tão seca.

Ou lhe pusesse o pulso tão

acelerado, com a sua virilidade


deliciosa. Só conseguia olhá-lo, a sua

proximidade e o seu olhar castanho

turfoso enviavam-lhe um

reconhecimento pelo corpo todo. Até

sentia o ar carregado entre eles.

Nem pensar, ele não era um

fantasma.

“O-o-oh, sim,” ele voltou a falar,

com a sua voz melosa a derretê-la. “Não

te avisei que alguns não se afastariam?”

Cilla parou de derreter, num

instante.

“Quem és tu?” ela olhou com

cautela. “De onde é que vens?”

“De um lugar mais distante do

que possas imaginar.” Ele ignorou a sua

primeira pergunta. “E tenho um conselho

para te dar,” acrescentou, aproximando-

se, levantando o escudo lentamente, até aos seios dela. “Se estás à procura
do

verdadeiro sabor da Escócia, despacha-


te-”

“Despacho-me?” Ela

pestanejou.

“Pega em ti,” corrigiu, franzindo o

sobrolho. “Desiste deste lugar e põe-te

a caminho do sul. Inverness, a ilha de

Skye, Stirling e Perth, mesmo até

Edimburgo. Ou Glasgow. Sim” – ele

parecia embalar-se com a ideia - “ É em

Glasgow que edeves estar. Loch

Lomond está lá e-”

“E vi Loch Lomond na viagem

para cá.” Cilla devolveu-lhe uma careta.

“Paramos lá para almoçar e nunca tinha

visto tantos autocarros de turístas. Se

isso é a Escócia!” - ela fez um gesto

largo com o braço. Alcançando o

paapeito meio-molhado pela chuva –

“Prefiro ficar aqui.”

“Fica sobreaviso, então.” Ele


aproximou-se, espetando-a com o seu

olhar escuro. “Sutherland está cheia de

pântanos solitários e escuros.

Montanhas tão vastas que comeriam uma

moça, como tu com ossos e tudo e

ninguém viria a saber de nada.”

“Eu gosto de lugares

selvagens.”Afastou o cabelo, num gesto

desafiador.

Ele bufou. “É o fim do mundo.”

Cilla sorriu. “Exatamente.”

Subitamente, na sua cara, de

novo, ele inclinou-se mais para ela.

“Ficas avisada,” respirou, com o seu

olhar escuro sobre ela como alfinetes.

“Sutherland está cheio de pântanos

solitários e escuros. Montanhas tão

vastas e sombrias, que comeriam uma

moça como tu, até aos ossos e ninguém

viria a saber.”
“Eu gosto de lugares selvagens.”

Cilla afastou o cabelo, desafiadora.

“No entanto, pretendes passar

aqui o verão”– fez um gesto amplo,

muito próprio – “onde todas as

alminhas têm, pelo menos, o triplo da

tua idade? A único ato selvagem deles

será queixarem-se que os haggis estão

picantes ou das histórias repetidas do

teu tio.”

Cilla arregalou os olhos.

O seu tom de voz estava apanhá-

la, de novo. Que mulher de sangue nas

veias poderia resistir ao sotaque

escocês? Ela não consegui, de certeza.

Por muito que lhe custasse admitir, ele

tinha dois metros de puro macho das

Hihland.

Sempre teve um fraquinho por

Highlanders.
Principalmente, os que andam de

kilt.

Mas o absurdo da sua objeção e,

talvez, a exaustão do jetlag, ferviam

dentro dela, até que ela quase teve uma

convulsão entre o choro e o riso.

“Cometeste um erro.” Passou as

mãos pelas faces e conteve-se

finalmente. “Parece haver por aqui uma

alma que não tem o triplo da minha

idade.”

Ele levantou uma sobrancelha. “E

quem seria?”

Ela sorriu, triunfante. “Tu.”

“tenho muito mais do que o triplo

da tua idade.”Ele olhou para ela tão

fervorosamente, quando comentou sobre

o sopro da bruma. “Na verdade, tenho

setecentos anos, mais coisa menos

coisa.”
“A sério?” A sua boca torceu-se.

“E suponho que a seguir me vais dizer

que és Robert Bruce?”

“Nã, mas conheci-o bem.”

“Conheceste?” O sorriu-se

morreu-lhe no rosto.

Ele acenou. “A gente do meu pai

eram escoceses normandos, assim como

os Brus. As nossas famílias eram

amigas.”

“estamos a falar do Rei Robert de

Bruce, certo?” Ela enfiou o cabelo atrás

da orelha. “O maior herói escocês dos

reis medievais?”

O homem de kilt empertigou-se,

parecendo crescer ainda mais e

enfurecer mais o olhar. “Que eu saiba, a

Escócia nunca viu maior governante em

toda a sua história,” disse, quase

eriçado. “Mas, sim, é a ele que eu me


refiro.”

“Temia isso.” ela respirou de

fininho, o efeito do seu sotaque a

evaporar-se prontamente.

Um pensamento desconfortável

apossou-se dela. Os corredores por que

ela passou, depois de ter feito uma volta

errada estavam escuros e bafientos, com

um ar de desuso.

Isso, e a sensação de que as

infindáveis passagens com os retratos

antigos e os corredores de tapetes tartan

poderiam suportar segredos. Como

janelas gradeadas e refeições servidas

por uma estreita fenda da porta.

As coisas más deixavam para trás

paredes espessas, cobertas de borracha,

e as boas, pesadas fechaduras..

“Então, chegaste a alguma

conclusão?” ele parecia contente.


“Oh, sim.” Falou tão calmamente

quanto possível. “Creio que sim.”

Sem confiar no contacto visual

com ele, correndo o risco de o irritar, deitou um olhar de relance à porta


ainda

aberta.

Parecia a milhas de distância.

Ela engoliu em seco e começou a

encaminhar-se naquela direção o mais

subrepticiamente possível. “Pensava

que o tio Mac e a tia Birdie só tratavam

da terceira idade. Não percebi-”

“Os MacGhees não sabem que

estou aqui.” um punho de ferro, no seu

cotovelo suspendeu-lhe a fuga. “Sou um

fantasma, querida, é isso que eu sou, não

um-”

“Os fantasmas não tocam nas

pessoas!” Cilla lançou um olhar ao lugar

onde os seus dedos longos e fortes lhe

seguravam o braço. Ela conseguia sentir


o seu pulso vigoroso e quente subindo

para o seu ombro e para as pontas dos

dedos. “Tu-”

“Eu sou aquilo que digo, e

poderei fazer muito mais do que agarrar-

te o braço.” Inclinou-se, com o olhar

preso no dela. “Se me apetecesse, claro

está.”

“Oh!” Ela libertou-se do seu

aperto.

Ele afastou-se e cruzou os braços.

“Oh, claro,” disse ele com os olhos a

arderem. “Dá-te por satisfeita que eu

não esteja interessado-”

“para onde foi o teu escudo?” Ela

ficou a olhar para os braços cruzados

dele. “Desapareceu.”

“Não digas?” A sua boca curvou-

se numa espécie de diversão. “Apenas o

afastei para poder cruzar os braços.


Percebes” – ele descruzou os braços,

depois deixou cair uma mão, e o escudo

voltou a aparecer, de repente – “cá está

ele, de novo.”

Cilla arregalou os olhos. “Isso é

impossível.”

Ele não disse nada. Ficou ali,

simplesmente, segurando a targe, à sua

frente, ao nível da anca, com aquele

sorriso desbotado ainda nos lábios.

O sorriso não lhe chegava aos

olhos, mas dava uma boa ideia do que

poderia acontecer, se alguma vez ele

decidisse usar o poder de um verdadeiro

sorriso em cima dela.

Ele era assim, lindo, de deixar

cair o queixo.

Usava um kilt e tinha os joelhos

mais bonitos do mundo.

Com um sorriso que lhe


humedecia as calcinhas, devia ser um

perigo.

Na verdade, daquilo que ela

sabia, ele podia ser um louco, até

mesmo um assassino em série. O seu

olhar intenso não era de muitos amigos.

Longe disso, o olhar que lhe dava

provocava-lhe arrepios pela espinha e

punha-lhe nós na barriga.

Como se soubesse disso, mostrou

um sorriso que revelava duas covinhas

profundas.

Muito sexy, completamente

charmosas.

Ela tentou não reparar. “Se és

mesmo um fantasma, porque é que te

consigo ver? Toda a gente consegue?”

“Toda a gente que deve ver,sim.”

“Isso não me diz grande coisa.”

ela espiou-o, ainda cética.


Ele riu. “Minha querida, lá

porque sou um fantasma, não quer dizer

que tenha as respostas todas. A verdade

é que, algumas almas veem-nos. A maior

parte não.” Baixou a cabeça, parecendo

pensativo. “Caso não saibas, um

fantasma pode correr nu por entre a

multidão as hipóteses de uma pessoa o

notar são mínimas.

“E” – ele olhou em volta – “há

alturas em que queríamos que todos nos

vissem. Mas mesmo nessas alturas, há

muitos que não veem nada. Não te sei

dizer por que é assim.”

ele olhou para ela, o olhar

penetrante. “é assim e pronto.”

“Então, porque é que não te viu a

tia Birdie?” Desta vez apanhou-o. “Ela

vê fantasmas.”

“Não, quando eles não querem


ser vistos.”

“Então, tens andado a esconder-te

dela?”

“Não, simplesmente, resolvo não

perturbar os seus dias.” Fez com que

tudo parecesse simples. “Uma das

vantagens de ser fantasma é o privilégio

de ficar longe das vistas, quando se

quer.”

“Estou a ver.” Cilla franziu o

sobrolho, e olhou para a targe. “Como é

que fizeste o escudo desaparecer e

voltar a aparecer?”

Ele encolheu os ombros. “É só

uma das muitas coisas que os fantasmas

podem fazer.”

E acabou por ali.

Ele falava como se, de facto,

acreditasse naqueles disparates.

Cilla afastou o cabelo. “Olha lá,


escocezinho. Se estás a tentar assustar-

me, não vai resultar.” O seu olhar

voltou-se para o escudo aparecia e

desaparecia da vista. “Vi truques nas

ruas de Filadélfia melhores do que esse

de fazer aparecer e desaparecer

escudos.”

“E o que terias a dizer sobre

homens que desaparecem?”

“O que-” o queixo dela caiu,

quando ele desapareceu, ali, na frente

dela.

As palavras dele pairando no ar.

Fortes, profundas e suaves

ficaram atrás para a provocar. Cada uma

escorregando por ela, como mel escocês

quente, descendo e tantalizantes, mesmo

quando a gelavam até aos ossos. O pior

de tudo, não lhe deixavam alternativa a

acreditar que o Sr. Não-Estava-Mesmo-


Ali, de facto não estava.

Parecia ser exatamente aquilo que

alegava ser.

Um fantasma.

Capítulo três

Ela achou que ele era louquinho.

Hardwick seguia-a com um olhar

furioso, fazendo um esforço para não

notar a forma dos seus seios redondos

cambaleantes, enquanto fugia pela

varanda das ameias. Também ignorou os

passos agitados das suas longas e

torneadas pernas. E acima de tudo,

fingia não ver o balanço do seu traseiro

bem feito.

Um traseiro com que ele poderia

fazer todo o tipo de coisas – e faria – se

as circunstâncias fossem outras.

Assim, um músculo mexeu-se no

queixo e foi a aflição, não a luxúria que


o tomou. Mesmo assim, observou-a a

partir, os pulsos cerrados, enquanto

corria para as escadas da torre.

“Pelos martelos de Thor.” Virou a

cabeça e viu as nuvens turbulentas, o

rápido movimento dos lençóis de

nevoeiro, correndo através das ameias.

Ele mal conseguia respirar

daquele ar.

Em quase um milénio de encontros

íntimos com o sexo oposto, nunca tinha

sido tão profundamente insultado. A

maior parte das mulheres – do outro

mundo, admite, mas mesmo aquelas do

reino vivo que o viam – desfaleciam e

ficavam de pernas bambas, com um

simples olhar seu.

Se ele mostrasse um sorriso, eram

suas.

Completamente rendidas,
ofereciam-lhe livremente os seus

encantos, dizendo que ele era

irresistível.

Cilla Swanner sentia, claramente,

algo de diferente.

Louco, chamara-lhe ela.

Não que a palavra fosse muito

importante. O significado era o mesmo.

Ela tomou-o por confuso e ele não

gostou nada disso.

Infelizmente, o pensamento dela

descendo as escadas apertadas da torre,

ainda lhe fazia pior. Não precisava de

passar por lá, para saber como estavam

manchadas. Manchadas por séculos de

pegadas e marchas, as cavidades

escorregadias das escadas de pedra

poderiam facilmente conduzi-la à morte,

se tropeçasse.

E ela parecia estar numa


disposição de tropeçar, quando entrou

pela porta. Uma avaliação sublinhado

pelo eco da sua descida precipitada.

Hardwick passou uma mão pelo

cabelo e fez uma cara feia, enquanto

escutava.

Ele devia ir divertir-se para outro

lado.

Dunroamin tinha, pelo menos,

cinquenta quartos. Mais coisa menos

coisa. Uma pessoa podia ficar horas só

na ala abandonada, contando ratazanas,

morcegos e pombos, que por ali

habitam. Grandes extensões de teias de

aranha pediam uma análise, vários

quartos tinham pilhas de castiçais

cobertos de pó e pratos de estanho,

aglomerados de cortinas de veludo,

comidas pelas traças e mesmo pedaços

de tartan antigo. O melhor de tudo é que


as paredes alojavam uma tal quantidade

de mofo e bolor, e isso era uma garantia

de que ela não passaria ali muito

tempo..

Por isso, havia possibilidades.

Lugares, onde a podia evitar.

Era uma pena que ele estivesse

habituado a passar os dias no conforto

dos melhores castelos.

De qualquer forma, precisava de

pensar nela. Nem era sensato ficar com

dores de cabeça por causa dela. Essa

estrada levava à loucura.

Não era nada com ele, se ela

caísse.

Na melhor das hipóteses, ele

seria poupado aos uivos do vento. Sem

que ela esteja por perto, a tentá-lo, as

bruxas do inferno não teriam razões para abafar o riso. Ele estaria livre do

incómodo de a tentar afastar.


Algo que ele não tinha a certeza

se conseguia fazer.

Assustar mulheres não era

propriamente o seu prato forte.

Então, porque é que o ruído dos

seus pés apressados o irritava tanto?

Com a certeza de que não sabia –

ou queria saber – a sua má disposição

aumentou, quando pestanejou e se

apercebeu que, de alguma forma se

havia materializado ao cimo das escadas

da torre.

Ele não tinha intenção de sair da

varanda das ameias.

Nem sequer planeara voltar a

manifestar-se.

Se ela se voltasse e o visse, seria

seguramente desagradável.

Ao fundo das escadas aparecia um

espaço circular sinalizado com pedras


duras. Se se inclinasse um pouco mais e

olhasse para baixo, conseguia vê-la.

Assim como conseguia ver a sua cabeça

brilhante, o seu cabelo atrás das costas,

enquanto descia as escadas em espiral.

Ou o sapato a voar...

***

“Aiiiii!” Cilla escorregou, a sua

perna direita encravada debaixo do seu

corpo, no mesmo instante em que o seu

sapato raso viajou pelo ar e ressaltou

para o fundo das escadas.

Num piscar d'olhos, ela percebeu

que estava condenada.

A sua vida, tal como era, passou-

lhe à frente.

Depois as escadas inclinaram-se

e giraram e ela lançou-se no vazio.

Foi caindo escadas abaixo, até

que, com um enorme whoosh, aterrou em algo duro como uma pedra, mas
parecendo que aterrava nos braços de

alguém.

Braços poderosos, que a

mantinham esmagada contra um enorme

corpo musculado, que parecia vestir um

kilt suspeito.

Os seus olhos cresceram.

A sua nuca arrepiou-se.

“Tu!” ela navegava em braços

que não via, arrepios por todo o corpo.

“Sim, eu.” As palavras rasparam-

lhe as orelhas. Suaves, penetrantes e

sem dúvida irritadas. “Que tolo que

sou.”

Ela quase se engasgou. A tola era

ela. Pensar que poderia fugir de um

homem, que se torna invisível. Em vez

disso, só tinha conseguido tropeçar e

mergulhar nas escadas, dando uma

imagem desajeitada e enervada por


fantasmas.

Fantasmas.

Ela contorceu-se nos seus braços

de aço, mas o esforço só fez com que ele

apertasse ainda mais os braços. A boca

dela abria-se e fechava-se, os protestos

eram um nó na garganta, comparada com

a sensação muito real do seu peito rijo.

Algo que ela não deveria sequer

notar.

Furiosa por o ter feito, franziu o

sobrolho.

“És um fantasma.” esperava que

ele ficasse mais fantasmagórico ao

pronunciar essas palavras, menos

cavaleiro armado, todo aço brilhante e

olhares corajosos, lancinantes.

“Sim, sou.” Ele riu, sem parecer

nada um Gasparzinho.

“Então, como é que consegues-”


Interrompeu-se, sentindo-se

ridícula. Estava, afinal de contas, a falar

com o ar.

Engoliu em seco. “Os fantasmas

não conseguem agarrar pessoas.”

“Ah sim?” O seu odor, escuro,

apimentado e masculino evolvia-a. O

seu sotaque escocês, tão forte e

delicioso tinha um toque de diversão. E

mesmo que não fosse visível, era claro

que levantara uma sobrancelha

zombeteira.

Ela conseguia sentir o seu olhar

quente sobre ela. Um olhar ardente e

intenso, que a fazia perguntar, se um dos seus poderes espectrais tinha a

capacidade de ver através da roupa. O

profundo estrondo no peito fazia parecer

essa possibilidade bem real.

Os seus seios contraíram-se com

esse pensamento e – que os céus lhe


valessem – enormes ondas de calor

invadiram-lhe o corpo todo, fazendo-a

arrepiar-se em todo o lado. Algo, talvez

a pulseira de braço celta, em ouro, que

ele usava exercia uma pressão sobre ela,

e o cheiro dele, todo a lã e linho limpos

e um toque de sândalo e homem,

persistia em fazer-lhe coisas estranhas na barriga.

Vibrações deliciosas, que ela não

deveria sentir com um homem que não

existia realmente.

Um homem que, segundo as suas

próprias palavras, não estava realmente

aqui há quase setecentos anos.

Estremeceu, de novo, a sua boca

ia ficando mais seca. Não importava, se

ele lhe tirava o ar. Que tivesse uns olhos

castanhos fundidos, cabelo preto

lustroso e uma voz suficientemente

sensual para deixá-la em êxtase. Ou


mesmo que ele tivesse acabado de a

salvar da morte certa, ou, no mínimo, de

uns ossos partidos.

A verdade nua e crua era...

Que ele não existia.

Pelo menos, não de verdade.

E de voz profunda, olhos negros,

deus do sexo ou não, isso era o

suficiente para dar arrepios a qualquer

uma.

“Põe-me no chão!” Ela tentou

libertar-se, de novo. “Já.”

Um bufo foi a resposta.

Depois, um tufo de cabelo fresco

e sedoso deslizou pela sua face e ela

viu-se ainda mais apertada ao seu peito

largo, esculpido de forma impossível,

enquanto ela flutuava – não, enquanto

ele a carregava – para o fundo das

escadas que restavam e a deixou em pé.


“da próxima vez não terei tanto

cuidado,” avisou, afastando-se tão

rapidamente, que o ar em que ele esteve

estalou em redor dela, frio e vazio.

Desapareceu.

Pouco importava, se ela o tinha

visto desaparecer ou não. Ela sentia a

sua ausência de forma tão intensa que

aprecia que alguém tinha esvaziado o ar dos seus pulmões.

Ele tinha simplesmente

evaporado.

E ela estava a ficar gagá.

Certa disso, curvou-se para

apanhar o sapato e devolvê-lo ao pé.

Depois afastou com um sopro uma

mecha de cabelo do rosto e olhou para

cima, para a apertada escada de caracol,

crescendo tão inocentemente para as

sombras.

As pedras das paredes em curva


pareciam antigas, eram escuras e

estavam cobertas de fuligem, nos lugares onde suportes de ferro de outrora

seguravam tochas a arder. Um vento frio

e húmido assobiou por entre as frinchas

de algumas janelas estreitas emprestadas

ao ar lúgubre das escadas.

O mais revelador de tudo, era o

facto de as escadas gastas terem

verdadeiras crateras no meio.

Olhou agora para aqueles

buracos, com o pulso mais calmo.

Foi por causa deles que ela

escorregou.

Ela não teria voado escadas

abaixo para os braços de um malandro

pecaminosamente belo, com setecentos

anos e de kilt.

O seu pé tinha, simplesmente,

escorregado numa dessas escadas

antigas, fazendo-a rolar o resto do


caminho, induzida por um raio de um

jetlag, que não a deixava dormir.

Não havia fantasmas sexy.

Nem na escada da torre, nem nas

ameias.

Não era à toa que “imaginação”

era o seu nome do meio. Toda a gente

sabe que a mente cria todo o tipo de

estragos , quando as pessoas são

suficientemente tolas para arranjar sarna

para se coçar. Qualquer pessoa que

passe por isto está condenada à

estranheza. Quem a poderia culpar, por

transformar teias de aranha em mantos

de xadrez? Ou ouviu o assobiar do vento

e o transformou num tom de voz

profundo e intenso.

Não, uma reverberação suave,

nada profunda, que chamava o seu nome.

Honoria, a governanta.
De faces rosadas e com o seu

seio matrimonial empurrado para a

frente como a proa de um navio, veio a

navegar de um canto, no momento em

que Cilla arrumava as suas roupas e saía

das escadas da torre.

“Ah, mo ghaoil, é você!” A

mulher mais velha aproximou-se, os

sapatos com sola de borracha

caminhavam silenciosamente pela

carpete do corredor. “Estávamos a

pontos de por toda a gente à sua

procura-”

“Mo gale?” Cilla pestanejou. Um

grão de areia nos seus olhos ardia como

lixa.

A governante acenou com a mão.

“Quer dizer ‘minha querida,’ só isso,”

disse, pegando no braço de Cilla e

conduzindo-a exatamente para a direção


contrária à que ela queria. “Estávamos

bastante preocupados consigo.”

“Perdi-me.” Cilla sentiu-se

corar.

Afastou o cabelo e tentou manter

a voz limpa. “Não consegui encontrar as

casas-de-banho, que a tia Birdie disse

que havia perto das escadas principais.”

Tudo o resto ficou para si.

Nem pensar em falar do disparate

do fantasma sexy, à mulher.

Nem iria admitir que uma simples

busca por lavabos a conduzira a a uma

passagem mal iluminada, onde as

sombras a envolviam, bloqueando-lhe o

caminho atrás e à frente. Ou que o

corredor cheirava tanto a cera de vela,

pedra velha, e painéis de carvalho

escuro, que ela achava que tinha caído

numa armadilha do tempo.


“É verdade, é ali que eles estão.

Os banheiros, como dizem vocês, os

Yanks. Ficam ali mesmo por detrás das

escadas grandes.” Honoria fez um som

simpático. “Não é a primeira a perder-

se ao tentar encontrá-los.”

Inclinou-se mais, deixando cair a

voz para um tom conspirador. “É esse o

problema deste velhos edifícios, todos

feitos aos trancos e barrancos, ao longo

dos séculos. Se algum dos grandes

construtores antigos pretenderia facilitar

a saída das pessoas, um século depois,

vem um treta-neto adicionar as suas

próprias partes e estragar o plano

original.”

“Eu gosto.”

“Os americanos gostam sempre.”

O peito da governanta esvaziou-se. “E

porque não? Dunroamin não é a vossa


casinha de campo normal, rodeada pela

inevitável relva e jardim. Com a

exceção da sala de chá, visitas sazonais,

e uma loja de uma loja de recordações,

oferecemos um pouco de tudo.”

parecendo orgulhosa, desfiou

sobre os encantos do castelo. “Temos os

pedaços mais antigos, a torre e os

parapeitos e até mesmo uma galeria

subterrânea para lustres medievais.

Depois, há a ala jacobina, com as suas

baías a fitar o sul, para os entusiastas

das janelas com caixilhos de pedra. E” –

fez um sorriso malévolos – “temos

gótico vitoriano mais do que suficiente

para agradar aos mais românticos.”

Cilla deu uma olhadela à janela

de arco alto, por onde passavam, teve

um vislumbre de charnecas ondulantes e

névoa. “E vocês têm Sutherland.”


“Nã, Sutherland é que nos tem a

nós.” Honoria lançou-lhe um olhar tão

sério, que ela não se atreveria a

discordar. “Poderíamos viajar entre dois

oceanos e outros tantos continentes, que

mesmo assim, a terra nos chamaria para

casa.”

“Duthchas.” Cilla embrulhou

coração nesta palavra. “É o único

gaélico que conheço. Dooch-hus. A tia

Birdie ensinou-ma, numa das suas

visitas à Pensilvânia, quando eu era

pequena. Disse que representa o forte

sentido de unidade de um Highlander

com a sua terra e cultura.”

“Não há palavras que consigam

captar o sentimento, mo ghaoil, mas

Duthchas aproxima-se, sim.” A

expressão da governanta suavizou-se.

“só depois de sentir o amor da terra a


pulsar aqui” – ela bateu com a mão no

peito – “se consegue perceber o coração

de um Highlander. A tua tia sente. Ela

sabe usar bem o extremo norte.”

Algo dentro de Cilla se torceu.

Também ela amava a Escócia, e

desde criança que sonhava vir ali.

Também tinha amado escoceses, até

fundou o clube Doidas Por Xadrez,

quando tinha dezasseis anos.

Infelizmente, a sua obsessão com

homens cobertos de tartan acabou,

quando Grant A. Hughes III apareceu na

sua vida, reclamando origens escocesas.

Quando ele chegou, de kilt, para a levar aos Jogos Highland, num dos seus

primeiros encontros, o seu destino tinha

sido traçado.

Sentindo um calor em cada

milímetro da sua nuca, tirou um fiapo de

tecido da sua manga.


Depois, deu o seu melhor para

não fazer uma cara feia.

O parvo de peito inchado não

tinha propriamente arruinado o seu

entusiasmo pela Escócia. Mas fê-la ter

cuidado com os escoceses de kilt e

sporrans.

“Eu sei que a tia Birdie adora

Sutherland,” deixou escapar, afastando o

Grant doninha da sua cabeça.“Sempre

que nos visitava, os seus olhos

iluminava-se, quando falava da terra do

tio Mac. Discorria sobre o seu vazio

selvagem e sobre aquilo a que ela

chamava as vastas extensões do mar,

terra e céu. Dizia que até o ar era

diferente. Que era mágico e que, uma

vez inalado, se fica para sempre

enredado no seu feitiço..”

“O-o-oh, sim, é mesmo assim.”


Honoria concordou. “Também se

perderá de amores. Toda a gente se

perde.”

Aproximando-se mais, ela

encarou Cilla com sagacidade. “Porque

é que achas que tantos ingleses se

querem instalar aqui?” Endireitou os

ombros, claramente embalada num tema

de predileção. “Eles vêm para norte,

respiram o nosso ar puro e o fumo de

turfa, apaixonam-se pelas nossas noites

estreladas e calmas, até mesmo pelos

dias, quando a névoa sopra dos dois

lados, repentinamente – ou, como eles

dizem – os fumos da cidade e a azáfama

de Londres ou Manchester ou Liverpool

é algo que já não conseguem suportar.”

Ditas estas palavras, pressionou

os lábios um contra o outro. Como se

aqueles visitantes fossem uma espécie


completamente diferente da tia Birdie.

“Uma pena que eles não sintam o

mesmo, quando o inverno chega e

descobrem que precisam de roupa

interior térmica e que a nossa diversão

semanal é a noite de Quiz no Village

Hall ou um ceilidh na casa do Old Jock,

lá em baixo na Baía de Talmine.” O

queixo de Honoria levantou-se. “Vêm

violinistas de lugares tão distantes

como Lairg e Ullapool para tocar nas

sessões do Old Jock. Mas-”

“Espera.”Cilla parou diante de

uma porta de carvalho com revestimento

cravejado de ferro enferrujado. Tinha

certeza de quejá ali tinha passado, certa

de que estava entreaberta.

No entanto, agora, estava

trancada.

“Ia jurar que subi por aquela


porta.” Olhou para a pesado ferrolho, os

cabelos esvoaçando de novo. “Estava

aberta.”

“Oh, não podia estar.” A

governanta abanou a cabeça. “Aquela

entrada leva a uma ala da casa que

nunca usamos, é guardada para

armazenamento. Aproximou-se e sacudiu

o trinco de ferro, para comprovar o seu

estado. “A porta está quase sempre

trancada, desde que um incêndio varreu

aquela ala, nos anos 1930. Ficaria muito

surpresa, se mesmo o teu tio conseguisse

fazer deslizar o ferrolho.”

“Mas-”

Algures ouviu-se o som de dedos

a estalarem. “Devo-”

“Oh!” O coração de Cilla parou.

O escocês giro voltou a encher-

lhe a mente. Ela tinha a certeza que


ouvira a sua voz. E que sentiu o seu

cheiro de sândalo e almíscar no ar frio e

empoeirado.

Logo, agora, que se tinha

convencido de que o tinha imaginado.

Olhou por cima do ombro e não

viu nada.

Naturalmente.

O seu coração começou, de novo,

a bater, a sua calma conquistada a custo,

tremia.

Honoria permanecia

imperturbável. “Devia ficar contente por

a porta estar fechada,” disse, insistindo

na ideia. “Aquela é também a ala da sala

do fantasma.”

“sala do fantasma?”

“Assim lhe chamamos, agora.”

Honoria pegou-lhe no braço,

empurrando-a pela passagem.


“Costumava ser uma enfermaria.”

Cilla olhou para trás, para a porta

trancada.

Tinha-se saído tão bem a tirar o

fantasma sexy da sua cabeça. No

entanto, agora quase o podia ver atrás da porta antiga, fletindo os dedos, por
cima

da barra de ferro, como se pretendesse

agarrá-la a qualquer momento.

Retirá-la e abrir a porta – só para

provar que conseguia.

Engoliu em seco, o pulso saltava.

“Honoria….” disse, antes de

perder a coragem. “A sala do fantasma

está assombrada por um guerreiro

Highlander, que usa uma enorme espada

e um escudo redondo medieval?”

“Cruzes, nã! Mas é pena.” A

mulher enviou-lhe um olhar. “Não é um

homem, mas uma pobre servente. Ela

vem dos tempos de Culloden, se a lenda


é verdadeira.”

“Desde meados do séc. XVI?”

Um arrepio desceu a espinha de Cilla.

“O tio Mac jura que não há fantasmas

em Dunroamin,” argumentou, com o

comentário a apertar-lhe o peito. “Eu

perguntei-lhe.”

Honoria zombou. “Esse não veria

um espectro, mesmo que ele lhe

pousasse no nariz. Pergunte à sua tia

sobre a moça. Ela há-de dizer-lhe a

verdade.”

“A tia Birdie viu-a?”

“Oh, não, mas percebe as

possibilidades.”

A governanta fez uma pausa ara

passar um dedo sobre a esquina de uma

mesa de carvalho escuro, que estava

num nicho da parede. Franziu a testa ao

dedo manchado de pó.


Cilla esperou, não queria

propriamente falar de fantasmas, mas

estava muito curiosa, na mesma.

Honoria respirou fundo. “O nome

da moça era Margaret MacDonald,”

revelou, a sua voz caía. “Ela uma moça

daqui, nascida mesmo aqui, à sombra

de Ben Hope e Ben Loyal. Era linda,

com caracóis pretos e um sorriso

brilhante com covinhas. Não se passava

um dia em que não sorrisse ou risse. Até

que” – fez uma pausa, os seus olhos

brilhavam à luz da lâmpada – “chamou a

atenção do laird.”

“Ele seduziu-a.” Cilla já sabia.

“Depois, deixou-a grávida.

“Sim, foi isso,” confirmou a

governanta.“Mas o único lugar para

onde ele a mandou foi para um buraco

escondido atrás dos tijolos de uma das


chaminés.”

“Ele emparedou-a?”

Honoria acenou. “Passou-se a

palavra de que se tinha atirado de um

penhasco, por causa de um pretendente,

que tinha perdido a via em Culloden.

Mas ela começou a aparecer, não muito

tempo depois, e a verdade veio à tona.”

Cilla engoliu em seco. “O corpo

dela foi encontrado?”

“Sim, foi. Mas só quando for a,

feitas reparações no início do séc. XX.”

Tinha chegado ao cimo das escadas e a

governanta voltou-se para ela. “O l aird

confessou a no leito de morte, mas não teve fôlego para revelar onde a tinha

posto.”

“Isso é terrível.” Cilla

estremeceu, quando começaram a descer

as escadas. “Ela continua a ser vista?”

“Não nos tempos que correm, e


há poucas hipóteses de voltar a

aparecer, por isso, não precisa de se

preocupar.” Honoria acelerou o passo, a

sua saia de pregas parecia uma chibata.

“O seu tio Mac foi a última alma a vê-

la.”

“O tio Mac?” Cilla não

acreditava. “Ele é o maior cético do

mundo.”

“Mas não era aos três anos.”

Honoria parou no patamar. “Ele não se

lembra de a ter visto,” disse, com a boca

arqueando. “Estava doente, com febre e

ela sentou-se numa cadeira, no quarto

dele durante uma semana, vigiando-o e

cantando até que ele recuperou.”

“Estava preocupada e queria

ajudar.” A ideia apertava o coração de

Cilla. “Sem conseguir ter o seu próprio

bebé, tentava acarinhar outros.”


“É o que nós achamos.” Honoria

espreitou para o caminho que acabaram

de fazer, o seu olhar posto nas sombras

do cimo das escadas. “Ela só aparecia

quando uma criança na casa ficava

seriamente doente. Depois que o perigo

passava, desaparecia. O seu tio foi a

última criança criada em Dunroamin.

Agora, com a idade dos residentes,

suspeitamos que tenha encontrado paz.”

“Ou mudou-se para tomar conta

de outras crianças?” A voz de Cilla

arranhou-se com estas palavras.

A história de Margaret

MacDonald dava um novo cunho aos

fantasmas.

Ela simpatizava com a serviçal

de coração desfeito.

“Espero que esteja bem, onde

quer que esteja.”


“Ah, deve sentir-se melhor do

que eu e os meus joelhos a subir e a

descer estas escadas.” Honoria limpou a

manga do seu casaco, toda profissional,

de novo. “Vamos, agora, senta-se em

frente à lareira e toma uma chávena de

chá para aquecer.”

“Isso seria agradável,” Cilla

mentiu, pensando que voltaria a precisar

da casa-de-banho, se bebesse outro chá

tão cedo.

Ela precisava era de um duche

quente e cama.

Mas, quando abriu a porta da

biblioteca uns momentos mais tarde, em

vez de estantes com livros e mesas

espalhadas com chá, havia toda uma

variedade de recipientes a recebê-la.

Baldes de plástico, velhas jarras

e canecas, e até mesmo, bandejas de


sementes e latas vazias enchiam a porta

da entrada, cada um dos improváveis

itens tão amontoados, que ela mal podia

ver o que quer que fosse, para além da

escuridão, atrás da torre de coisas.

“Caramba!” Saltou, quando uma

caçarola de cabo quebrado caiu do seu

poleiro e quase lhe acertou na cabeça,

antes de aterrar na alcatifa num baque

surdo. “O que é tudo isto?”

“Não é a biblioteca.” A

governanta estava mesmo atrás dela. “É

o armário, onde guardamos os baldes e

bacias para apanhar gotas do telhado.”

“O telhado goteja?” Cilla nem

acreditava.

“Sim.” Honoria agarrou a

caçarola.“Mas só nas piores

tempestades de chuva, mas depois o

ping-ping das gotas é tão forte, que uma


pessoa nem se ouve pensar.”

“A tia Birdie e o tio Mac não

referiram-”

“Há muita coisa que eles não

contaram sobre o que se passa em

Dunroamin, mas” – a governanta olhou-a

nos olhos – “vai ouvir falar disso tudo

muito em breve.”

“A tia Birdie falou de algumas

dificuldades.” Cilla afastou-se, enquanto

a mulher mais velha recolocava a

caçarola no lugar caótico e fechava a

porta do armário. “Acha que alguém

estragou o telhado deliberadamente?”

“A idade e o uso, mais nada.”

Honoria recomeçou a descer o corredor.

“Embora, eu lhe possa dizer que os seus

tios queriam arranjar o telhado há

bastante tempo, e tê-lo-iam feito, se o

negócio não desse uma reviravolta tão


má.”

“Oh, meu Deus.” Cilla apressou-

se atrás dela, esquecendo-se do duche e

da cama. “As gotas da chuva podem ser

devastadoras numa casa velha, como

esta.”

“Exatamente.” Honoria não

encurtou o passo. “É exatamente o que

suspeitamos que algumas pessoas

esperam.”

“Quem quereria prejudicar o tio

Mac e a tia Birdie?”

“Alguém que não quer nada com

o bem.” A sua voz era aguda. “Uma

coisa é tão certa, como eu estar aqui” –

ela parou em frente de uma magnífica

porta de carvalho esculpida, com uma

mão no trinco – “não são os fantasmas a

causar o furor.”

Cilla pestanejou. “Fantasmas?”


Atrás de si, pensou ter ouvido um

roçar de lã. Lã de kilt – conhecia o som

muito bem – chegando-se perto, como

que para ouvir a sua conversa.

Imperturbável, a governanta

cheirou o ar.

“Sim, fantasmas, se se quiser

aceitar esse disparate.”

“Pensei que acreditava neles?”

“Ah, e acredito, até certo ponto.”

O seu tom soou convicto. “Mas há

fantasmas e fantasmas. Não compro essa

ideia de que um bando deles quer afastar

os residentes de Dunroamin.”

Inclinando-se mais, espetou Cilla

com um olhar. “Eu não trabalho apenas

aqui, percebe? Eu vivo e respiro esta

casa. Conheço cada ranger dos soalhos,

cada gemido das madeiras, cada

guilhotina das janelas e as persianas que


chiam com o vento da noite.”

Endireitou-se, com a mão ainda

no trinco da porta. “Também conheço os

fantasmas de Dunroamin. Os espíritos

que andam por aí, como a pobre

Margaret MacDonald, adoram

Dunroamin e nunca tentariam magoar as

pessoas.”

Cilla não tinha tanta certeza

disso, mas antes de poder expressar a

sua opinião, a governanta abriu a porta

da biblioteca e três coisas saltaram à

vista, expulsando a Honoria e os

espíritos da sua mente.

Uma, é que ela nunca tinha visto

tanto pano de xadrez junto.

Embora, as estantes de mogno

alinhadas nas paredes e bela fogueira

que as cercava brilhasse na inesperada

mármore negra e sobre os invulgares


retratos antigos, pendurados

orgulhosamente por toda a enorme sala,

uma paleta de tecido tartan cobria todos

os outros espaços disponíveis.

Pesadas cortinas de veludo

penduradas nas janelas, num conjunto de

quadrados e riscas vermelhas. Em vez

dos normais tapetes persa, o chão tinha

tapetes xadrez ricamente ornamentados,

com papel de parede tartan a espreitar

entre as prateleiras dos livros,

molduras douradas e uma ou outra

cabeça de veado.

Até os sofás e cadeiras de

baloiço davam as boas-vindas em vários

padrões xadrez, alguns oferecendo o

conforto de vários cobertores tartan

dobrados e pufes cobertos da mesma

forma.

Em suma, a biblioteca explodia


de xadrez.

Cilla pestanejou, o cenário

colorido quase lhe feria os olhos.

A governanta, claramente imune,

passou por ela e dirigiu-se à sala das

velas. Parecendo totalmente enquadrada,

foi diretamente até à longa mesa coberta

com a toalha tartan, perto de uma parede

com janelas altas e gradeadas.

Preparada para o chá, com

generosas quantidades de bolinhos de

aveia e queijo, bolos e bolachas de

chocolate, e enormes travessas de

salmão e rosbife cortado em fatias finas,

não foi a mesa que surpreendeu Cilla –

não, depois de ter visto a sala – mas os

dois candelabros de vários braços,

iluminando tudo aquilo.

Velas de cera, a sério, ardiam nos

cones da parede, também, e um rápido


olhar em redor não mostrava nenhum

sinal de iluminação moderna.

O mundo moderno aniquila

facilmente Dunroamin e os nossos

residentes gostam de se sentir

envolvidos em eras mais antigas.

As palavras da tia Birdie –

proferidas há anos em Yardley –

voltavam à memória de Cilla.

Dunroamin era realmente uma espécie

de museu de história; um lugar, onde

aqueles que gostam de coisas antigas, se

podem refugiar.

Apenas os velhotes queridos que

ela esperava encontrar na biblioteca, a

ouvirem o tio Mac, à lareira, eram tão

poucos que se contavam pelos dedos de

uma mão.

E foi essa a segunda coisa que a

surpreendeu ao entrar na sala.


A terceira, e mais alarmante, era

o próprio tio Mac.

Maior do que a vida, como era,

não podia escapar à vista e Cilla

localizou-o imediatamente, apesar da

penumbra da sala, iluminada pela luz

das velas.

Como seria de prever, ele

passeava de um lado para o outro, em

frente à lareira, com o cachimbo numa

mão e um copo de dram de cristal na

outra.

Estava, definitivamente a

discursar, enfatizando cada palavra

bombeada, com uma enorme libertação

de fumo do cachimbo. O seu reflexo no

enorme espelho dourado, por cima da

lareira dava a ilusão que havia dois tios

Macs a passearem-se por ali, de kilt,

faces rosadas e agitados.


Cilla congelou.

Levou uma mão ao peito e abanou

a cabeça.

Depois, fechou e voltou a abrir os

olhos, mas não se tinha enganado.

O tio Mac – um homem que

definia a alegria – estava furioso.

E fazia retórica sobre fantasmas.

Fantasmas Viking.

Capítulo Quatro

“Vikings, o caraças!”

Mac MacGhee apunhalava o ar

com o cachimbo. “Tanto me importa que

tenham visto um bando de nórdicos com

capacetes de cornos, a passarem pelo

meio da turfa, eu digo que o que viram

foi um pântano de névoa!”

Cilla olhava para ele, demasiado

surpresa para sair das sombras da porta.

Levou as mãos às faces.


Precisava de fazer isso para que não lhe

caísse o queixo.

Nunca tinha visto o tio chateado.

E estava, não havia dúvida

nenhuma. O seu rosto corado brilhava

como maçãs vermelhas e ostentava o seu

largo peito, como um touro enraivecido.

“Se não era névoa” – ele

encarava o seu auditório, por detrás de

uma fumaça de cheiro a cereja - “então,

era orvalhada.”

“Exato, exato.” Um cavalheiro

com ar elegante, calvo e com um bigode

farfalhudo bufava o seu cachimbo e

acenava entusiasticamente.

O tio Mac girou na sua direção.

“Daqui a pouco estão a ver sereias a

nada no Kyle!”

“Podes crer.” O bigode prateado,

enfiou-se numa cadeira forrada de


xadrez e cruzou as pernas, revelando

umas botas pesadas de montanha, que

contrastavam de forma estranha com o

seu impecável fato cinzento. “Névoa ou

luar, acho que eles beberam um copo de

dram a mais, antes de irem para a

cama.”

“Baah!” uma mulher minúscula,

de cabelo branco, queimou-o com o

olhar. “Sei bem o que vi e não permito

que nenhum de vocês me diga

contrário.”

Uma mulher com as mesmas

dimensões, encaminhando-se para uma

mesa de chá bem recheada, tomou o seu

partido. “Lá porque nenhum de vocês os

viu, não quer dizer que não estivessem

lá.”

Alcançando a mesa, começou a

servir-se de uma quantidade generosa de


rosbife e batatas cozidas. “Ainda a outra

noite os ouvi gritar da charneca. Eram

gritos, sim senhor, e não era uma

linguagem destes tempos!”

“Ouviu gansos.” O tio Mac

encarou-a.

Ela acenou-lhe com o garfo.

“Ouvi Vikings! Reconheceria os seus

gritos em qualquer lado,”declarou

juntando os maxilares. “Afinal de

contas, sou uma descente de nórdicos.”

O tio Mac bufou.

Mostre-me um Highlander que

não seja, Cilla pensou t~e-lo ouvido

resmungar por entre dentes.

O primeiro velhote – o de

cabelos brancos – inclinou-se para

eles. “O Leo também os viu,” anunciou,

acariciando o pequeno dachshund

agachado no seu colo . “Ele gritou-lhes


da minha janela.”

“Hah!” O bigode prateado bateu

na coxa. “Como não, se o teu estúpido

pássaro estava na borda.”

“O Leo não resmunga com o

Gregor.” A mulher minúscula sentou-se

na cadeira, cheia de presunção. “Só tu.”

Um turbilhão de tosse e risinhos

percorreu a biblioteca.

“Chega!” O tio Mac pousou o

whisky e enviou um olhar de aviso aos

outros residentes.

O bigode prateado e a mulher

minúscula trocaram olhares de desafio.

“Acalmem-se.” Honoria

entrepôs-se no seu meio, carregando as

chávenas de chá e um tabuleiro com

bolachas de chocolate.“O que quer que

tenha sido visto, descobriremos em

breve.”
Foi, então, que Cilla viu o escudo.

Redondo, cheio e parecendo-lhe

suspeitamente familiar, parecia pairar na

penumbra, perto de uma das janelas

jacobinas.

Prendeu a respiração, quando o

viu num assento almofadado da janela,

muito ajustado, como se alguém tivesse

acabado de o colocar contra as

vidraças.

Ou então, o estivesse a segurar.

O coração recomeçou aos pulos e

ela começou a recuar para for a da sala,

mas um aroma do exótico perfume da

sua tia, envolveu-a, anunciando a sua

chegada, mesmo antes de se por ao lado

se Cilla.

Do outro lado da sala, o bigode

prateado, apontou a haste do cahimbo à

governanta. “Talvez fosse melhor servir


bolachas digestivas, em vez dessas de

chocolate.”

Estreitou o olhar para a mulher de

cabelos brancos, ao seu lado. “Tenho

alguns comprimidos de mastigar, no meu

quarto, caso isso falhe.”

“Eu não sofro de indigestão.” A

mulher trincou propositadamente uma

bolacha de chocolate. “Embora” – ela

limpou a boca com um guardanapo de

linhos – “poderia facilmente dar-mo.”

“Talvez eu devesse, apenas,

escapar-me para o meu quarto.” Cilla

falou baixinho, com o olhar no escudo.

“Oh, não lhes ligues.” A tia

Birdie, claramente, não via a targe

medieval. “Aqueles dois estão sempre a

provocar-se.”

“Mesmo assim-” Cilla saltou,

quando o escudo se mexeu.


Apenas uns centímetros, mas

mesmo assim...

Escorregou para o lado, como se

alguém o tivesse empurrado para se

sentar.

Engoliu em seco.

Os olhos da tia brilhavam, a sua

atenção, ainda, nos dois residentes em

guerra.

Felizmente, esquecida de tudo o

resto, ela passou uma mão com uma

manicura elegante, pelo braço de Cilla.

“É o Coronel Achilles Darling de

Bibury em Gloucestershire – Na Costa

Norte – e Violet Manyweathers,”

confidenciou, aproximando-se mais. “O

coronel juntou-se a nós, depois da morte

da mulher. A verdade é que o seu único

grande amor era uma moça do rio

Strathnaver, destes lados. Nunca a


esqueceu, ou assim se diz, por isso, logo

que pôde, veio para norte para estar,

finalmente, perto dela.”

“Violet Manyweathers?”

De certeza que os dois não eram

namoradinhos.

“Oh, não.” A tia Birdie abanou a

cabeça.“O grande amor do Coronel

morreu há anos. Está enterrada aqui

perto. A Violet é daqui. Nasceu em

Melness, uma pequena aldeia já ali ao

fundo da estrada.”

Cilla acenou.

Era difícil concentrar-se, sabendo que ele estava sentado a janela.

Olhou para baixo, para se

certificar que o seu top não estava muito

apertado. Já era mau que os mamilos

estivessem duros, quando ele a varreu

com aquele olhar tórrido, nas escadas da

torre.
Algo lhe dizia, aqui e além, que

ele era um homem que gostava de tetas e

que estava neste momento a olhar para

elas.

Conseguia sentir o olhar dele

deslizando sobre ela. Mergulhando nas

sombras profundas do seu decote,

passando por todas as partes do seu

corpo. Nenhum homem alguma vez olhou

para ela de forma tão ousada, e a sua

leitura intensa enviava-lhe uma sensação

doce, e uma pulsação quente por todo o

seu ser.

Era uma sensação muito

agradável.

Envergonhada, levantou o queixo

e esperou que a sua tia pensasse que o

frio da sala era o responsável pelos seus

arrepios.

Ainda agora, o olhar da tia estava


nos residentes de Dunroamin. Sorrindo,

voltou-se para Cilla. “Violet

Manyweathers-”

“Manyweathers não parece um

nome de Strathnaver.” Cilla rejubilou

com a hipótese de afastar os olhares

quentes do não-sei-quantos.

Também não queria pensar na

Margaret MacDonald. O fantasma de

Dunroamin de outros tempos, cuja triste

situação, a ser verdadeira, implicam que

os fantasmas podem ter boas razões para

andar entre os vivos.

Se o seu fantasma tivesse uma

razão válida para assombrar

Dunroamin, ela tinha a certeza que não

queria saber qual era. Esperando não ter

mais do que uma leve curiosidade, levou

um dedo ao queixo e fingiu refletir.

“Tem a certeza que a Violet é


destes lados?”

“Oh, sim.” A tia olhou para a

mulher pequena. “Casou com um inglês

– Mr. Manyweathers de Londres – e, tal

como o coronel, decidiu vir para aqui,

quando se viu sozinha. Sentia saudades

do norte extremo e alega nunca se ter

adaptado a Londres.”

“E Gregor?” Cilla já sabia que

Leo, o dachshund era a mascote dos

residentes de Dunroamin. “O pássaro de

Violet?”

A tia Birdie sorriu. “é um

mandrião grande. Violet-”

“Um quê?” Cilla arregalou os

olhos.

Agora, tinha, de facto, mais em

que pensar. Ela esperava que fosse um

periquito ou um canário.

“Mandrião grande,” repetiu a tia


Birdie. “São pássaros predadores

castanhos, também conhecidos por

bonxies.” O seu olhar deteve-se no coronel. “A Violet encontrou-o

abandonado, com uma asa partida,

quando ele era apenas uma coisinha

pequenina. Era uma sensação, já que os

bonxies normalmente fazem os ninhos

nos prados das ilhas do norte. A Violet

cuidou dele, até o recuperar. Pô-lo em

liberdade na devida altura, mas ele

decidiu ficar.”

“No quarto dela?”

“Credo, não.” Os olhos da tia

Birdie brilharam. “Gregor vive fora,

embora não vá longe. O que ele faz” –

ela inclinou-se para sussurrar ao ouvido de Cilla – “é a vida do coronel num

inferno. É por isso que ele usa aquelas

botas pesadas e o chapéu de feltro.”

Cilla olhou de relance, prestando

especial atenção à boina de duplas


riscas e abas laterais, numa pequena

mesa, ao lado da cadeira.

“O pássaro atacou-o?”

A tia Birdie acenou. “Sim. É isso

que fazem os mandriões. Atacam

qualquer ser que considerem uma

ameaça. Gregor” – acenou com uma

mão, como que para mostrar a

transgressão do pássaro – “quase só dá

bicadas nos pés do coronel, quando ele

se atreve a sair.”

Cilla riu. Não conseguiu evitar.

“É por isso que o coronel e a Violet não

se dão bem?”

“Esse é um dos motivos, sim.” A

tia incitou-a a avançar. “O coronel pode

ser uma pessoa difícil. É especial. Mas,

vem conhecer toda a gente, por ti.”

Antes de deixar que a sua tia a

empurrasse para as sombras, lançou um


olhar à sacada da janela.

Ali –tinha a certezas – estava

sentada a única lama que ela queria

conhecer.

Enfim, a única que ela queria

conhecer, se de facto estivesse ali.

Mas o escudo tinha desaparecido.

E se ele continuava lá sentado –

ou de pé, tanto quanto ela sabia – não o

conseguia ver.

Nem uma agulha bulia.

O que ela via era a névoa

ondulante, lá fora. Embora estivesse a

esbater-se, e começasse a aparecer um

sol pálido a brilhar pelas janelas altas,

com muitas vidraças. O seu fantasma

não estava à vista. Em seu lugar, havia prismas de luz espalhados pelo chão
de

carvalho e pelos tapetes de tartan.

Através das janelas, vislumbrava

um terraço pavimentado, cercado por


uma sebe de arbustos e um relvado

macio, delimitado por uma parede de

pedra seca, carregada com uma profusão

de roseiras trepadeiras.

Para lá da parede, encostas de

urze áspera e prados cobertos de rochas,

estendiam-se majestosamente até Ben

Loyal, esparsas colinas vazias

esparsamente povoadas com moitas de

flores amareladas e giestas.

Cilla arrepiou-se.

Quanto a vikings de capacetes de

cornos não sabia, mas

independentemente da opinião do tio

Mac, podia muito bem imaginar outros

tipos de fantasmas a escolherem uma

paisagem tão selvagem e isolada para

assombrar.

Fantasmas de kilt, há muito

desaparecidos da história, mas ainda


vivos no crepúsculo escocês.

O seu coração começou a saltar.

Quase conseguia ver o fantasma

do Highlander de olhos fogosos, lá fora.

Orgulhoso, ousado e lindo de

cortar a respiração, atravessando as

colinas, pronto a desembainhar a

espada em nome do clã e de glória.

Também devia saber muito bem

como transformar uma simples cama de

penas, num cenário tão escaldante, que a

mulher por ele escolhida para o saciar,

ficaria de pernas tão bambas, que não

conseguiria andar por uma semana.

Oh, sim, ela podia muito bem

imaginá-lo a fazer isso.

E se o fizesse, usando kilt, uma

mulher poderia nunca mais recuperar.

Ela estava, obviamente afetada,

pelo creme d'ovos das terras altas.


“A vista pode fascinar, bem sei.”

A tia Cilla falou-lhe direta ao coração.

Cilla começou. “Eu-”

Interrompeu-se, quando sentiu um

cheiro de sândalo e almíscar, a vir do

parapeito da janela.

Ele estava de volta.

Por um momento tantalizante, acho

que o tinha visto. Todo quente e sensual,

com o seu olhar quase a incendiá-la.

Estava sentado, perfeitamente calmo, a

braçadeira dourada e as tachas do

escudo captavam a luz dos antigos

painéis de vidro.

“Agarra-a, pelos caracóis da

minha barba! O tio Mac juntou-se a elas,

e aquela imagem desapareceu. “Ela é

feita de material mais forte do que fazer

olhos de carneiro mal morto a mouros.

Não é como umas e outras.” – Disse,


lançando um olhar significativo à

mulher.”

Um coro de gargalhadas ecoou na

sala, enquanto uma mancheia de cabeças

de idosos balançava em anuência.

O Coronel Darling ergueu o

cachimbo. “Apoiado!Apoiado!” gritou,

com uma coroa de fumo em redor da

cabeça.

A tia Birdie apenas sorriu.

“Olhos de carneiro mal morto, dizes

tu?” Ela balançou a cabeça. “Se isso te

restitui a confiança, querido, sou toda a

favor.”

O tio Mac reuniu a calma com um

estado de beligerância. “Qualquer chefe

de clã que se preze, azedaria ao ouvir

falar de vikings que se passeiam pelas

suas charnecas de turfas.”

“Fantasmas vikings,” corrigiu


Violet.

Ignorando-a, o tio enfiou um

braço sobre os ombros de Cilla.

“Venham cá, vocês que insistem em

bater nessa tecla e oiçam o que a minha

sensata sobrinha da América tem a dizer

sobre isso dos saqueadores vikings.”

“Ahhh….” Lançou outro olhar às

janelas. Deve ter passado uma nuvem

porque o jardim e tudo em volta estava,

agora, na sombra. “Tenho a certeza de

que não há fantasmas vikings por aí.”

Foi o melhor que conseguiu

articular.

Falava verdade. Ela tinha a

certeza de que não havia vikings nos

prados.

Infelizmente conseguia muito

bem imaginar o seu gostosão de kilt, por

aí. Mas ninguém precisava de saber


disso.

“Acho que se existissem

fantasmas vikings por aí,” acrescentou,

uma vez que o tio Mac continuava a

olhá-la por baixo das sobrancelhas,

“eles talvez preferissem ir para as ilhas

do norte ou para as Hébridas, não

acha?”

“Pois, concordo!” A voz do tio

soou triunfante. “Shetland e Orkney

seriam os lugares escolhidos. Tão certo

como dois e dois serem quatro!”

Girando sobre os tornozelos,

enroscou as mãos no cinto. “Amigos,

naquelas ilhas há mais nórdicos do que

escoceses, mesmo hoje.”

“Seja como for” – Violet

Manyweathers pousou o chá – “há

imensos vikings por estes lados.”

O tio Mac olhou para ela, de


lábios cerrados.

“Mulher tola.” Coronel Darling

deu-lhe um olhar de irritação evidente.

“Já houve, agora não há.”

“Dizes tu.” A mulher manteve-se

firme. “Eles andam doidos pelas

charnecas quase todas as noites, como

vos digo há várias semanas.”

“Se há fantasmas desses” –

Honoria movimentou-se, de novo, por

entre eles, deslizando uma mão sobre o

ombro de Violet – “não lhe parece que

eles estariam na praia, em Balnakeil, em

vez de nos paúis de Dunroamin?”

“Balnakeil? Paúis?” Cilla olhou

da governanta para o tio. O que é isso?

Uma bruxa?”

Honoria respondeu. “Balnakeil é

um local e” – manteve a mão firme

sobre o ombro de Violet – “um paúl é


um pântano de urze. É onde vamos

cortar a turfa das charnecas.”

“Ah.” Cilla tomou notas mentais

sobre o dicionário escocês.

“É onde andam os duendes.” A

velhinha de bengala olhou na sua

direção. “Esses são fantasmas,”

acrescentou, voltando, de novo, a sua

atenção para o rosbife e as batatas

cozidas.

“Humph.” O tio Mac fez uma

careta, com a mandíbula muito bem

definida.

Dando um passo na direção do

semicírculo de residentes velhos de

olhos brilhantes, ela acenou um dedo à

minúscula senhora, que tinha a bengala

contra a cadeira.

“Não vás por aí, também tu, Flora

Duthie,” repreendeu ele. “Turfa, xadrez


e whisky são a verdadeira força de

qualquer Highlander que se preze, mais

uma bela cachimbada para prevenção.

Mas” – Juntou as sobrancelhas, fixando-

a com um semblante muito carregado –

“É deixar os modos celtas para

apreciação dos turistas e visitantes, que

apreciem isso.”

Flora Duthie enfiou uma batata

quente na boca e devolveu-lhe a

carranca.

“Apreciem isso?” Espetou o

garfo num pedaço de rosbife suculento.

“Séculos de crença numa magia das

Highlands não se apagam assim, de

repente.”

“Magia das Highland!” O tio Mas

serviu-se de outro dram. “Por muito que nós, aqui em Dunroamin, tentemos
viver

no passado” –engoliu o whisky de um

trago – “estamos no século XXI.”


“Então, o que é Balnakeil?” Cilla

olhou para ele, o sexto sentido, dizendo-

lhe que esse lugar deveria ser

importante.

Posto isso, ele pousou o copo do

dram e começou a puxar a barba.

Ele estava nitidamente a fingir

que não a ouvia.

“Foi ali encontrada uma sepultura

Viking.” A tia Birdie esclareceu. “E não

foi assim há muito tempo. A descoberta

aconteceu acidentalmente, o local boreal

só ficou à vista, por causa de uma

tempestade de ventos. Era o túmulo de

um rapaz, cheio de bens nórdicos.”

Um arrepio passou pela espinha

de Cilla.

Ela esfregou os braços. “Então,

havia vikings aqui?”

“Balnakeil fica em Durness.” O


tio Mac continuava teimosamente. “A

milhas de distância de Loch Eriboll e

perto de Cape Wrath.”

“Queres dizer que isso faz alguma

diferença?” Violet sentou-se mais

direita. Ao seu colo, o Leo ladrou. “A

distância entre aqui e a baía de

Balnakeil – ou qualquer outro lado –

pouco importa para as pobres almas que

deixaram Dunroamin.”

Ela inclinou-se na cadeira,

acariciando as orelhas do dachshund.

“Elas sabiam que havia algo de

estranho-”

“Talvez tenham fugido por causa

do teu maldito pássaro?” O Coronel

Darling acenou-lhe com o cachimbo. “A

razão é mesmo essa e não as hordas de

fantasmas vikings.”

“Todos os residentes que


partiram, os viram.” Violet acabou com

o assunto. “Disseram-mo.”

“A mim também.” O tio Mac

enchia o peito. “Isso não quer dizer que

não estivessem apenas a ver nevoeiro.”

Voltou-se para Cilla. “Aquilo a

que vocês chamam gás de pântano, não

é?”

Ela concordou, mal ouvindo a sua

voz.

O escudo tinha voltado.

Desta vez planava à frente das

janelas, como se alguém o segurasse à

cintura, ou mais abaixo, enquanto

caminhava.

Cilla engoliu em seco, os olhos

enormes.

À sua volta, as vozes exaltavam-

se e baixavam, enquanto todos discutiam

os fantasmas viking de Dunroamin e as


probabilidades de eles atacarem a turfa

do tio Mac. As palavras transformaram-

se rapidamente num burburinho

indecifrável, a pressa do seu pulso nos

ouvidos barrava esse barulho.

Mais ninguém parecia ver o

escudo.

Ela não conseguia tirar os olhos

dele.

Nem podia negar que a biblioteca

cheirava a mais do que fumo da lareira,

livros velhos ou couro. Havia um cheiro

intenso a almíscar e e sândalo.

E não era apenas um cheiro leve

perto da janela.

O-o-oh, não.

Forte, rico e virilmente sombrio,

o cheiro cercava-a. Permeando o ar com

a sua virilidade sedutora. Mais uma vez,

sentiu uns braços fortes e poderosos a


envolverem-na. Também se lembrou da

dureza de um peito enrolado numa manta

de xadrez e o aperto de mãos capazes

agarrando-a firmemente.

Longos dedos masculinos

espalharam-se com demasiada

intimidade pelos seus quadris.

A sua cara incendiou-se. Toda a

gente sabe o que se diz sobre homens

com dedos compridos e bem-feitos.

Ela mordeu o lábio.

Isso até podia querer dizer que

ela estava a ficar doida, mas o simples

pensamento neste escocês tórrido,

punha-lhe mais borboletas na barriga do que alguma vez Grant A. Hughes


III lhe

conseguiu.

Ele ou qualquer outro namorado

anterior.

Ela respirou fundo. Depois,

desejou que o fantasma – ou lá o que era


– se mostrasse, juntamente com o seu

escudo infernal.

Mas mesmo que fosse ele a

segurá-lo, permanecia invisível.

Tentadoramente perto, mas fora

do alcance.

Em seguida, o escudo

desapareceu tão rapidamente como tinha

aparecido, quase como se tivesse sido

levado pelo ar.

O seu odor delicioso também se

evaporou. Desaparecendo, como se ela

o tivesse apenas imaginado.

Ela inclinou a cabeça e tentou

cheirar tão discretamente quanto

possível – para ter ver a bengala de

Flora Duthie afastando-a para ela, para

lhe oferecer um lenço com aroma a flor

de laranjeira.

“Aqui tem, minha querida.”os


olhos remelentos a mulher brilhavam de

compreensão. “Está um verão frio e

molhado,” observou, balançando a

cabeça sabiamente. “Eu também apanhei

o vírus.”

Cilla pegou no lenço,

abençoadamente limpo, e murmurou um

agradecimento.

Sem perceber metade do que a

mulher disse.

No momento em que ela se

dirigiu, mancando, até Cilla, algo mudou

na biblioteca. Uma lufada de ar fresco,

onde não deveria existir ar, perto da

lareira, passou por ali.

Ou terá sido simplesmente um

tremor na sua alma, um filtro do tempo e

do espaço, que mais ninguém notou.

Depois, essa sensação também

desapareceu.
O que ficava era esse sentimento

imprudente de não querer que ele fosse

embora.

Fantasma, produto do jetlag,

vítima de uma situação como a de

Margaret MacDonald ou qualquer coisa

assim, ele excitava-a mais do que

alguma vez a poderia assustar.

Não que ela se importasse de

admitir algo tão insensato. Por isso fez a única coisa que podia.

Fez uma careta.

O melhor era afastar esses

pensamentos da cabeça, antes que se

tornassem perigosos. Pensar nas mão

enormes e fortes do sedutor escocês e no

que elas poderiam causar, era já

demasiado tentador.

***

Perto da janela jacobina, Bran de

Barra ria.
“Viva!” Ele pegava no escudo de

Hardwick e fazia-o girar acima da

cabeça com alegria. “Pensava que já não usavas isto?”

Hardwick ignorou a sua pergunta.

“Não ias voltar para o forte da tua

ilha?”

“Eh?” Bran fingia surpresa.

“Porque haveria eu de me esconder no

lar de Barra e perder toda esta diversão

aqui? Além do mais, acho que precisas

de alguém para cuidar de ti.”

Hardwick bufou. “Se assim fosse,

poderias ter a certeza que esse alguém

não serias tu.”

“Hah! Devias dar graças por eu

me dignar a vir ver-te.”

Hardwick lançou um olhar agudo

ao seu amigo de longa data.

“refugiei-me aqui para me afastar

da minha vida passada,” disse, tentando


que a sua irritação não fosse visível.

Ou demonstrar que estava mesmo

feliz pela jovial companhia de Bran.

“O que tu queres dizer é: a tua

vida depois da vida.” Bran levantou os

braços acima da cabeça e estalou os

dedos. “Nós, os fantasmas temos as

nossas limitações.”

Hardwick olhou para ele, com a

sua alegria a esbater-se.

“Podes olhar para mim com a

maior fúria do mundo.” Bran baixou os

braços. “Eu acho que perdeste o juízo.”

“Perdi apenas o que me

amaldiçoou durante séculos.” Hardwick

escovou as mangas. “Não há nada de

mal com o meu juízo.”

Bran arqueou uma sobrancelha.

“Como dizes? Já é a segunda vez

que ficas invisível, mas deixas o teu


escudo visível.” Ele afastou-se, quando

Hardwick tentou agarrá-lo. “Devias ter

mais cuidado. A moça consegue ver-te.”

“Também te viu a ti.” Hardwick

fingiu examinar os nós dos dedos,

depois rodou para apanhar o escudo.

Sendo bem sucedido, deu um

sorriso. “Devias observar as fintas.

Para um chefe das Hébridas, tens

reflexos bem lentos.”

Bran riu. “Exatamente por ser um

grande chefe é que não tenho

necessidade de grandes reflexos.” Com

os olhos a brilhar, inclinou-se para mais

perto. “Não sabes, Seagrave,que eu sou

tão temido que não há alma em toda a

Escócia que se atreva a ir desafiar-me

em Barra!”

“Isto não é a tua Barra.”

“Certamente, não.” O olhar azul


de Bran mudou de rumo, fixando-se nas

nádegas redondas de Cilla Swanner.

“Não me lembro de alguma vez ter tido

carne tão doce na minha cama. Ah” –

tossiu e bateu com a mão no peito – “no

meu salão.”

“Assustaste-a.” Hardwick

agarrou no queixo do seu amigo e

desviou-lhe o olhar da garota. “Se ela

não te vê, sente-te e ficou doente. Tem

cuidado para que não se repita.”

Hardwick deixou que o seu tom de voz

fosse carregado. “Ficarei de olho em ti,

ficas avisado.”

“Hah! Eu sabia que a corda ia

rebentar por esse lado.” O rosto de Bran

dividiu-se num riso. “Mas não credito

que tenha sido eu com toda a minha

beleza a assustá-la. Já tu-”

“O que ela pensa de mim pouco


importa.”Hardwick apertou o escudo.

“E ela representa ainda menos para

mim, só queria que se fosse embora.”

Bran dedicou-se a alisar as

dobras do seu manto, com os lábios

contraindo-se. “tens uma estranha forma de mostrar indiferença.”

Hardwick pigarreou.

O seu amigo – se é que ela ainda

o poderia considerar assim – deu-lhe

uma palmada no ombro. “Não ligues ao

que eu digo,” disse o malandro, sorrindo

alegremente. “Uma vez que eu ainda

não entreguei o meu coração, não

deveria julgar ninguém.”

“Pois não, não devias.” Hardwick

voltou-se para as janelas e assumiu uma

postura casual, com o olhar na charneca

por detrás do muro do jardim.

Do outro lado da biblioteca,

suspiros e murmúrios de desacordo


aumentaram, por causa de algo que um

homem de barbas brancas disse, e a

carranca de Hardwick regressou.

Ela não estava de todo agradado

com as coisas que tinha ouvido, desde

que seguiu Cilla para a sala coberta de

xadrez.

Os problemas de Dunroamin não

eram seus.

Não se devia envolver.

“Se queres mesmo que ela se vá

embora,” Bran falou à frente dele,

“talvez um dos nórdicos a tire das tuas mãos. Eles são conhecidos por

preferirem as loiras.”

Hardwick lançou-lhe um olhar de

nojo.

Bran encolheu os ombros. “Ela

não parece ter ar do norte.”

“E tu tens a língua fiada de uma

velha.” Hardwick olhou para ele. “Não


me obrigues a cortá-la!”

“Oh, feres-me.” Bran deu uma

gargalhada.

Parecendo tudo menos ofendido,

apanhou uma caneca de cerveja do ar e

deu um longo gole. “Só procurava

acalmar-te a mente, uma vez que a moça

parece ocupá-la. Se os vikings a

apanham-”

“Não vikings aqui.”

“Se tu o dizes.”

“Eu sei que é assim.” Hardwick

voltou a tenção para a fina névoa para lá

da charneca. “Achas que não os teria

notado?”

“Ali os barbas brancas acham que

eles estão aqui.” Bran sentou-se num

banco perto da janela e esticou as

pernas, cruzando-as. “Não sabias que o

povo daqui está a sondar essa


hipótese?”

“Não,não sabia.” Hardwick não

se incomodou em esconder a irritação na

voz. Andava de olho em bruxas de seios

largos e dedos compridos, não em

vikings. “Não os tinha ouvido falar até

agora. Sou um fantasma, não um leitor

de mentes.”

“Parece-me que há problemas a

caminho. Se eu fosse a ti-”

“E se eu fosse a ti” – Hardwick

voltou-se para o encarar – “não ficava

tão confortável nesse assento de janela.

Não está na hora de voltares para o

tempo do teu amado forte?”

Bran sorriu.

Depois, levou a caneca de

cerveja aos lábios, bebendo-a com

deliberada lentidão. “Como muito bem

sabes, os meus homens e aqueles que se


dignam a visitar o meu salão são mais

do que capazes de responder às

necessidades das minhas convidadas.”

Hardwick franziu-lhe o sobrolho.

O calor começou a subir-lhe pela

nuca.

Felizmente, nem um pouco

escorreu para os seus testículos. A sua melhor parte permanecia calma. Ao

contrário do que aconteceria há uns

tempos, quando o simples pensamento

sobre as tentações do salão de festa de

Bran incendiavam o seu sangue e o

enviavam rapidamente para o centro da

festa do seu amigo de longa data.

Infelizmente, ele tinha quase a

certeza que a sua falta de interesse nas

belezas de Bran tinha alguma coisa que

ver com Cilla Swanner.

Ele arriscou um olhar na direção

dela, mas desviou-o logo.


Pelas marteladas de Thor, ela

estava de joelhos!

Já não estava de pé e

incomodada, estava de quatro, com as

suas nádegas redondas levantadas para

cima. Redonda e deliciosamente,

apontavam para ele, acenando em

tentação, como se ela as estivesse a

oferecê-las.

E de uma forma tão erótica e

ousada, que poucos homens de carne e

osso lhe poderiam resistir.

Fantasmas ou não.

Hardwick agarrou a mão ao

escudo e mordeu um insulto, quando o

calor na sua nuca desceu por ele,

espalhando-se por todas as partes.

Incluindo exatamente o lugar que

ele menos precisava.

Precisou de todas as suas forças


para não ficar teso, duro como granito.

Ele sabia bem que as mulheres

modernas eram quentes, mas nunca

poderia acreditar que esta iria recorrer a

um truque de sereia para ganhar a sua

atenção.

E à vista dos seus tios.

Já para não falar dos residentes

de Dunroamin.

“Ela não está a tentar seduzir-te.”

A voz divertida de Bran rolou da janela.

“está, apenas a mimar o cachorrinho.

Leo, é o seu nome, acho eu.”

O calor que se abatia sobre

Hardwick amainou, de uma vez só.

O pulso abrandou.

“Sei disso,” mentiu, voltando a

olhar para ela.

Estava, agora, sentada. Uma visão

de um dos tapetes tartan, as pernas dela


cruzadas, enquanto esfregava a barriga

do pequeno cachorro.

“Ah, de certeza que sabias.” Bran

pôs-se de pé, todo ele alegria.

Hardwick continuava parado. A

vergonha invadia-o como nunca.

Como podia não ter visto o

animal?

“Eu também não vi logo o

cachorro,” Bran disse, deixando

Hardwick a perguntar-se, se ao

contrário do que se passa consigo, se o

seu amigo aprendeu a ler as mentes, na

sua vida de fantasma.

“Mas” – alisou a roupa e limpou

as mangas. – “depois de ter visto essas

partes da tua moça a saltar daquela

maneira, acho que te deixo, agora.”

“Ela não é a minha moça.”

Hardwick não podia deixar escapar


aquela.

Não era, nem poderia alguma vez

ser dele.

Bran jogou a cabeça para trás e

riu.“Como queiras, meu amigo.”

“Aposto que vocês vão todos a

correr para Barra.” Era o melhor que o

malandro conseguiria arrancar dele. “As

minhas felicitações para-”

“Eu não vou para Barra. Pelo

menos, não por enquanto.”

“Para onde vais, então?”

“Ah, repara….” Bran passou um

olhar intencional pela sala. “Tive um

desejo súbito de uma moça nórdica de

seios grandes e quadris largos. A tua

beleza de cabelos sedosos já tem dono

e” – ele deu um sorriso malicioso –

“verdade seja dita, não é

suficientemente redonda para o meu


gosto. Por isso, vou para a cidade de

Lerwick.”

Hardwick levantou as

sobrancelhas. “Shetland?”

“Foi o que eu disse.” Com um

amplo sorriso, o chefe das Hébridas

desenhou uma forma feminina no ar.

“Onde mais se pode encontrar uma

delícia dessas?”

“Onde, de facto,” concordou

Hardwick, com uma parte irritantemente

sentimental a querer que o amigo

ficasse.

Voltou a olhar pela janela, nada

satisfeito com o dia.

Algo lhe dizia qe havia

problemas a ferver em Dunroamin e que

ele seria envolvido neles, em breve.

Principalmente, depois da

chegada de Cilla.
Se os Vikings andavam, mesmo, a

espalhar a sua fúria pelos campos de

turfa do Mac MacGheet, podem muito

bem aproveitar a moça, se lhe puserem a

vista em cima.

Os nórdicos eram reconhecidos

mulherengos.

Embora ele próprio tenha usado

esse título, também era conhecido pelo

seu cavalheirismo.

Um crédito que não lhe permitiria

ficar de braços cruzados a ver Cilla ser

maltratada.

Ou quem quer que fosse, em

Dunroamin.

Já gostava de muitos deles.

Assim como tinha um enorme

carinho por Bran de Barra e não se

importava de o ter ao seu lado, se fosse

preciso.
Mas, quando se voltou para lhe

dizer isso, ele tinha desaparecido.

Apenas o calor esbatido do seu

sorriso permanecia ali. O eco da sua

gargalhada. Depois, tudo isso

desapareceu, deixando Hardwick

sozinho.

Por sorte – ou talvez não – Bran

também lhe deixara um plano.

Reclamando para si o lugar que

Bran tinha deixado vazio no parapeito

da janela, Hardwick colocou o escudo

nos joelhos e começou a pensar.

Afinal, havia muita coisa a

considerar.

Não que isso fosse importante. A

conversa de Bran sobre Shetland e o

discurso perturbador, que continuava na

biblioteca, não lhe dava outra hipótese,

tinha que se preparar.


Franzindo a sobrancelha agarrou

a sua própria caneca de cerveja, do ar.

Bebeu-a de um só gole.

O que ele pretendia fazer, ia

contra a forma como planeara passar o

tempo ali.

Mas ficar ali à espera de

saqueadores nórdicos era bem melhor

do que ficar de braços cruzados à espera

das tentações de Cilla.

Bastante melhor, até.

Capítulo cinco

Várias horas, um peito de frango

recheado com haggis, e demasiadas

chávenas de café mais tarde, Cilla

encontrava-se no meio da sua espaçosa

sala-de-banho e retirou tudo o que

pensara antes sobre o facto das

comodidades serem exclusivas do

século XXI.
O bidé pareia da época das

trevas.

O chuveiro era demoníaco.

O mais irritante é que ela tinha

magoado o dedão do pé, ao passar mais

de dez minutos a tropeçar em tudo, antes

de encontrar as luzes da sala-de-banho.

O dedo ainda lhe dói.

Talvez o tenha partido.

Recusando-se a admitir a dor que

lhe subia pela perna, cerrou os dentes e

agarrou-se à borda da moderna pia de

mármore.

Em breve o pulsar quente iria

diminuir.

Assim o esperava.

“Geez Louise, tio Mac….”

Apertou bem a mão na pia e lançou um

olhar ao culpado, o absolutamente

inócuo interruptor.
Quem poderia imaginar que

estaria escondido dentro de uma curiosa

vaidade vitoriana?

Honoria, pelo menos, poderia tê-

la avisado.

Certamente, a tia Birdie também.

Ela conhecia as casas-de-banho

americanas. Mesmo aquelas de

apartamentos baratos, como o complexo

colonial de Cilla, em Yardley,

funcionavam bem.

Principalmente, as luzes.

Franziu a testa e permitiu-se um

pequeno gemido.

O dedo doía mesmo.

A sua careta aumentava. Ela sabia

que os escoceses se orgulhavam de

serem poupados. Um talento que ela

seguramente não contestaria, dada a sua

própria precariedade financeira. Mas


seria mesmo necessário ter um

interruptor escondido?

Pior ainda, colocá-lo num lugar,

onde ninguém sonharia encontrá-lo?

Era demasiado para a sua

compreensão.

Agora que tinha luz, não

conseguia por o chuveiro a funciona

corretamente.

Também isso parecia ser

controlado por uma caixa.

Nada de abrir a torneira e enfiar-

se dentro do polibã, fechar a cortina e

desfrutar da cascata de água corrente.

Nada disso.

Primeiro, era necessário mexer

num labirinto de botões e ligações, que

aparentemente, aqueciam e regulavam o

fluxo de água, melhor dizendo, um fio de

água, sem mais nada.


E – Deus a ajude – as escolhas de

temperatura eram apenas duas: Quente a

escaldar ou fria como iceberg.

Cilla cerrou os dentes e olhou

para as gotas geladas que pendiam do

chuveiro.

Virou um pouco a torneira e quase

se escaldou com a água fervente que

apareceu de imediato.

“Owwww!” Afastou-se, num

salto, abanando o braço contra o calor

ardente e embatendo com a anca na


esquina da pia de mármore.

Olhou para o duche, nada

surpreendida, quando percebeu que o

fluxo de água se havia reduzido, de

novo, a nada. E não precisava de enfiar

a mão debaixo das gotas para saber que

estariam, de novo, geladas.

“Sheesh.” abanando a cabeça,

esfregou as ancas. Pulsava, com o dedo

a latejar.

Se a Escócia era aquilo, ela não

queria ter nada a ver com esse lugar.

Afinal de contas, um chuveiro

diário era uma necessidade básica.

Determinada a tomar o seu,

lançou a toalha, que estava a envolvê-la,

ao chão, e saltou para a banheira

escorregadia.

Certamente, estava a fazer algo

errado.
Mas no momento em que tocou na

torneira do chuveiro e aquilo fez um

estranho e sibilante barulho, ela

percebeu que não podia só tentar a sorte.

Levou-lhe dois segundos a rodar

a torneira para aposição inicial e sair

da banheira, antes que o desastre se

desse.

A sua disposição estava

completamente arruinada, pegou numa

toalha limpa e quente do armário –

sentindo-se grata por esse pequeno luxo

– e optou por um banho de gato na pia

de lavar as mãos.

Infelizmente as duas torneiras

provaram ser tão diabólicas como as

anteriores. Enquanto a que marcava

“frio” dificilmente produzia um fio de

água fria e limpa, uma torrente

fortíssima de água quente saía da outra.


Antes que ela se conseguisse

afastar, a água quente alcançou os lados da pia e espalhou-se, escaldando-a


com

o seu vapor.

“Aaahhhh!” Ergueu os braços,

deixando voar a toalha. Os pés

escorregaram-lhe no mosaico molhado

do chão.

“Oh, não!” gritou, apanhando um

vislumbre da imagem dele, no espelho,

mesmo antes de bater contra a esquina

de ferro da banheira.

“Oh, sim.” Mãos fortes e firmes

detiveram-na, levantando-a no ar,

apenas para a colocar de pé. Mas não

sem que antes ela tivesse sentido a curva quente das suas mãos, perto dos
seios,

as pontas dos dedos a escovarem-lhe a

pele.

Ela levantou as mãos, cobrindo a

sua nudez. O seu odor de sândalo enchia


o quarto, girava à sua volta em cada

inalação. Ela tremeu, incapaz de se

mexer. Se era real ou não, ele parecia

sólido como uma rocha. Era uma torre a

cobri-la, o seu olhar era tão quente, que

o ar entre eles parecia incendiar-se.

Cilla conhecia algumas mulheres,

de onde ela vinha, que matariam para

terem um Highlander tão sedutor a olhá-

las daquela forma.

Iriam querer tirar-lhe um pedaço.

Engoliu em seco, com o coração

num trovão.

Ele baixou o olhar para os seios e

depois mais abaixo, o seu olhar intenso

a escaldá-la de forma muito mais

perigosa do que a água de há pouco.

“Tu!” Ela estacou para ele, com

todos os pensamentos tórridos que teve

com ele numa cama de penas, a voltarem


para lhe incendiar as faces.

Sabendo que elas deviam estar a

brilhar, ficou rija. “Como te atreves a aparecer aqui no meu-”

“Ah, moça. Nem imaginas um

terço do que eu sou capaz de fazer.” Ele

aproximou-se mais, a sua voz profunda

amaciando-lhe os ouvidos. “Não há

nada que eu-”

Um murmúrio estranho veio do

chuveiro. Agudo e estridente. Ela

poderia tê-lo confundido com o risinho

de uma velha, se não soubesse das

peculiaridades da casa de banho.

O senhor Pecante enviou um olhar

à cortina da banheira, com as

sobrancelhas juntas, “apareço onde e

quando me apetecer. Devias estar feliz

por eu estar aqui para te salvar, outra

vez.”

Os olhos de Cilla arregalaram-se.


“Estás a dizer que poderiam ter

aparecido outros fantasmas?”

“Sim, há descarnados em todo o

lado.” Ele prendeu o olhar no dela. A

sua boca fechada firmemente, numa linha

rígida, enquanto cruzava os braços,

recusando-se a dizer mais alguma coisa.

Cilla mordeu o lábio, sem gostar

do que isso significava. Mas também

não podia negar que ele a ajudou não

uma, mas duas vezes. Ou que, tudo

considerado, que ele incorporava as

suas fantasias mais tórridas e intensas, e

que, se precisasse de ser salva, preferia

tê-lo a ele do que o que quer que fosse

que lhe punha aquela linha de

descontentamento no rosto.

Mesmo assim…

Ela levantou o queixo. “podias

ter-me partido as costelas, agarrando-me


dessa maneira.”

“Eu avisei-te que não seria gentil

uma segunda vez.”

“Nem sequer devias estar aqui.”

O seu rosto ficou ainda mais

escuro. “Se soubesse que estavas

despida, não estaria.”

“As pessoas não costumam tomar

banho vestidas.” Ela agarrou numa

toalha e enroscou-se nela. “Tu tomas?”

“Eu-” ele lançou um olhar de

desdém sobre a banheira de pernas altas

e sobre a sua caldeira louca. “Ocorrem-

me melhores formas de me manter

limpo.”

Cilla enroscou os dedos na

toalha, apertando-a contra os seios.

“Tais como?”

Ele inclinou a cabeça na direção

da porta, para o interior do quarto, onde


uma enorme banheira de madeira

aparecia, na penumbra.

Uma banheira que não estava lá,

quando ela entrou no quarto.

Coberta com aquilo que parecia

ser um pedaço de lindo linho medieval,

a banheira fumegava com o vapor de

cheiro de rosas, com água que parecia

ter a temperatura ideal.

Se a banheira fosse real, claro.

O que, naturalmente, não era.

Ela franziu o sobrolho e decidiu

fingir que não a via.

O olhar dele voltou-se, de novo,

para a engenhoca com caldeira na

parede da casa-de-banho. “Sim, muito

melhor,” declarou naquele seu tom de

seda. “O meu estilo de banho é mais

fiável.”

Ele estava orgulhoso, parecendo


seguro disso.

Ela não se podia esquecer que

estava quase nua. A toalha não escondia

muito. Algo lhe dizia que os escoceses

também tentavam poupar em toalhas, não

era só em eletricidade e água quente. A forma como este escocês deslizava


o seu

olhar negro pelo seu corpo, demorando-

se mais nos seus seios dilatados e na

curva das suas ancas, revelava que ele

aprovava completamente essa economia.

Pelo menos, no que diz respeito ao

tamanho das toalhas.

Nunca um homem olhou para ela

com uma tal fome no olhar.

Ou agitou tanto o interior das suas

pernas, com um simples olhar.

Ela não era melhor do que

qualquer louca por escoceses e

highlanders e kilts lá da sua terrinha. Só o facto de estar tão perto de uma

masculinidade escocesa tão requintada


dificultava-lhe a respiração. Tomar

consciência disso causava-lhe arrepios

pela pele e acelerava-lhe o pulso. Ela

não conseguia negar a excitação que ele

lhe causava.

Engoliu em seco, segura de que

ele percebia isso.

“Importa-se?” Com o rosto em

chamas, puxou a toalha mais para cima.

“Senhor...”

“Sir,” corrigiu, com os seus

lábios sensuais curvando-se

ligeiramente. “Sir Hardwin de Studley

de Seagrave.”

“De quê?” o queixo de Cilla caiu.

Resistiu à ideia de levar as mãos às

orelhas para ouvir melhor.

Não podia ter ouvido bem.

Ou isso, ou tinha comido

demasiado haggis com o seu frango


escocês.

“Repete isso.” Ela olhava-o,

certa de que a culpa era do haggis.

“Quem disseste que eras?”

“Sir Hardwin de Studley,” ele

repetiu com o seu tom de voz profundo.

“‘É um belo e bom nome escocês, de

origem normanda. Não se usa muito hoje

em dia.”

“Não me parece.”

O seu sorriso ficou malvado,

como se ele esperasse desconcertá-la.

“Os amigos chamam-me Hardwick.”

Isso é ainda pior! Cilla quase

deixava escapar, mas antes de o fazer,

ele inclinou um dedo para a banheira de

madeira e ela desapareceu, o seu

pequeno truque com o dedo

fantasmagórico prendeu-lhe as palavras

na garganta.
“Uma vez que escolheste não a

aproveitar.” Disse ele, como se fosse

uma pena, inclinou-se contra a esquina

da porta, com as pernas cruzadas nos

tornozelos,

Cilla ficou a olhá-lo.

Ele parecia demasiado à vontade,

esperando na sua casa-de-banho.

Ela não o podia deixar ficar ali.

Principalmente, porque ele

continuava com os seus truques, desta

vez fazendo um movimento rápido com o

pulso, para mostrar o escudo na mão.

Segurando-o facilmente ao seu lado,

deu-lhe outro sorriso, desta vez ainda

mais negro, mais perigoso.

Um sorriso de derreter uma

rapariga, que ela sabia não a podia

apanhar.

Ele era todo fumo e espelhos.


Tentação ambulante, e ela nem

sequer podia pensar como a sua simples

presença a afetava.

Só o seu sotaque poderia

conduzi-la ao clímax.

Ela estava a pairara desde que um

dos seus dedos lhe roçou os seios. Deus

lhe valesse, se algum daqueles dedos

longos e experientes lhe tocasse em

zonas mais sensíveis. Pequenas ondas se

sensações boas derramavam-se já pelo

seu corpo, de forma elétrica e poderosa.

Ela quase acreditava que ele exalava

uma espécie de campo de derreter

calcinhas. E sabia que ele era

demasiado lindo e viril.

O pior de tudo, é que ele era

demasiadamente escocês.

Os Highlanders eram irresistíveis

para as mulheres.
Este era uma ameaça ainda maior

porque não era real, por muito forte que fosse a impressão que ela tinha
dele.

Acabara de se separar de um homem,

não se ia agora meter com um fantasma.

“Ouve lá, ó sir não sei das

quantas, já te disse que o teu truque com

o escudo não me impressiona.” Ela

afastou o cabelo para trás do ombro.

“Quanto a entrares aqui, quando estou a

tentar tomar um duche, isso é

simplesmente uma atitude muito rude”

***

“Rude?” Hardwick pestanejou,

com o calor dos seus olhos a espetá-lo.

Não era esse o tipo de calor a que ele estava habituado com mulheres.

Irritado, afastou-se da porta e

esticou-se bem. “Tu, moça, não fazes a

mínima ideia do quanto me custa estar

aqui.”

“Então, por que estás?”


“Não foi para te ver nua.” As

palavras escaparam-se-lhe, antes que

ele pudesse detê-las.

“Oh!” As faces dela brilhavam de

vermelho. “Não acredito nisto!” gritou

fugindo dele para fora da casa-de-

banho.

Hardwick seguiu-a de sobrolho

erguido.

Ainda bem que ele a compelia a

fugir.

Afinal de contas, era esse o seu

objetivo.

Infelizmente, ele não tinha a

intenção de o fazer desta forma. Vê-la

disparar pelo chão limpo – e

escorregadio – apanhar um robe da

cama e vesti-lo com toda a pressa, não

era exatamente a sua ideia de triunfo.

Sabia até a derrota.


Nunca tinha visto uma moça

vestir-se tão rapidamente. E raramente

sentiu tanta vontade de morder a própria

língua. Ardia por ver mais da sua nudez.

Desde o primeiro vislumbre daqueles

seios cheios e redondos, que a

possibilidade de os ver o consumia, por

muito insensata que fosse essa vontade.

O mais perturbador era que ele

conseguia vê-los nus e suados, rolando

na urze com a sua luxúria insaciável.

Ele conseguia imaginar o seu

sabor.

E queria-o na sua língua.

Passou uma mão pelo queixo,

furioso com a sua situação.

Os impulsos que ele não podia

sentir.

“Entendeste mal o que eu disse.”

Ele falou para as suas costas, tentando


impedir o seu olhar de baixar para as

doces curvas da sua cinta ou para as

suas nádegas redondas. Poderia tão

facilmente tocá-las, espremer a sua

carne madura e redonda, e depois

deixar-se cair de joelhos, abrindo o

caminho com a língua para as suas

partes mas suaves, e saborear essa

iguaria. Mais do que isso, ele usaria

todas as suas habilidades para a

derreter, não alargando até lhe dar o

maior e mais intensa libertação de todos

os tempos.

Em vez disso, afastou essas

imagens da cabeça e procurou palavras

que a acalmassem. “Na verdade, moça,

ver-te nua é a última coisa-”

“Portanto, não só és rude, como

insultuoso!” ela virou-se para ele, os

seus olhos azuis incendiavam.


“Santo Deus!” ele levou as mãos

às ancas e olhou para ela de olhos muito

abertos.“Ainda não-”

“Entendo perfeitamente bem.”Ela

puxou as pontas do cinto do robe e deu

um nó. “Pergunto-te, de novo. Porque é

que apareceste no meu banheiro?”

“Porque te ouvi gritar.”

Os olhos dela arredondaram-se.

“Estavas a escutar atrás da porta?”

Não, estava a guardá-la.

A verdadeira resposta ficou a

balançar silenciosamente entre eles. Ela

não precisava de saber que ele andava

preocupado com certos acontecimentos

em Dunroamin e que pretendia tomar

conta deles.

Ou esperava que ajudar nessa

tarefa lhe permitisse mantê-la afastada

dos seus pensamentos.


A sua boca contorceu-se com essa

impossibilidade.

O grande Kyle prateado era

capaz de secar e os grandes picos do

norte derreter-se-iam mais rapidamente

do que ele conseguiria parar de a

desejar.

Ela enfeitiçara-o, com uma magia

mais forte do que aquele trovador de

nariz torcido e corcunda poderia ter

conjurado nos seu sonhos mais

selvagens.

Observando-a, ele quase ria do

seu predicado e tê-lo-ia feito, se não

quisesse provocá-la ainda mais. Vê-la

nua quase o desfez. Sentir a sua pele

elegante e húmida, suave e molhada,

quando as suas mãos a seguraram, era

uma tortura que ele não conseguiria

suportar de novo.
Se ele a tivesse segurado durante

mais tempo, nem mesmo as ameaças do

Ser das Trevas teriam importado.

No ponto em que estavam, ele

quase a beliscou e se aninhou no seu

pescoço ao segredar-lhe algo ao

ouvido. Até considerou deixar deslizar

uma mão por entre as pernas dela e usar

um dos seus habilidosos dedos para lhe

mostrar o tipo de bênção que um homem

pode dar a uma mulher, depois de

setecentos anos de experiência.

Uma vontade, que seria

seguramente responsável por causar uma

gargalhada arrancada às profundezas do

inferno, vinda do chuveiro. No mesmo

instante, ele apanhou um bafo de dragão

pela raiz, que lhe gelou o sangue.

Ele abriu e fechou os olhos várias

vezes contra o vapor persistente, seguro de que as bruxas e dragões do Ser


das
Trevas não caminhariam tão bem neste

reino terrestre. Ainda assim, ele ia jurar

que viu umas unhas afiadas e um

vislumbre de uma cauda escamosa.

Estremeceu, voltando-se para

Cilla, quando a imagem se esbateu.

Mesmo assim, ela era uma

tentação.

Molhada, desgrenhada e a usar

um roupão de Dunroamin, com o nome

bordado ao nível dos seios, com letras

ridiculamente grandes, ela mexia mais

com ele do que qualquer outra mulher

que tenha conhecido.

Tê-la visto nua foi uma dádiva.

E um fardo muito pior do que a

praga que o assombrou durante tantos

séculos.

“Então?” Ela continuava a olhar

para ele, decidida. “Estava a escutar


detrás da porta ou não?”

Ele franziu o sobrolho. “Nunca fiz

tal coisa na minha vida. Ou depois

disso.”

“Ah, pois.” Ela afastou o cabelo

para trás da orelha. “Não nos podemos

esquecer que és um fantasma.”

As palavras magoaram-no.

“Oxalá eu pudesse.”

Ela estreitou os olhos. “Preferia

ouvir o que estavas a fazer à minha

porta!”

Hardwick considerou o que lhe

poderia contar.

“Dois rapazes carregavam cofres

cá para cima e eu resolvi segui-los.”

isso era seguramente verdade. O que ele

não disse é que não gostou nada do ar

deles.

Altos, ruivos e fortes, pareceram-


lhe demasiado jovens e belos, e – o

pior de tudo – demasiado vivos.

“Cofres?” Ela aproximara-se

mais, os seus olhos azuis arregalavam-

se.

Hardwick pestanejou, esquecendo

os jovens.

“Sim, cofres.” Deu uma olhada ao

lugar onde estavam os baús fortes, perto

das janelas de persianas. “pareciam

pesados e-”

“Aquilo não são cofres.”

Ele olhou-os com atenção, seguro

de que eram.

Para sua surpresa, ela riu.

Não era um riso de gozo, mas

leve como uma brisa que deslizava

delicadamente por ele, aquecendo-o de

formas mais que perigosas.

“Aquilo são caixotes cheios de


porcelanas partidas e lascadas.” Ela foi

para o lado dele. “O tio Mac nunca

deita nada for a, e disse que eu podia

ficar com elas. Os rapazes que dizes ter

visto eram o Roddie e o Robbie,

sobrinhos da Honoria. A tia disse que

elea fazem trabalhos estranhos por todo

o estado. Trouxeram as caixas do

sótão.”

As sobrancelhas de Hardwick

juntaram-se. Considerava-se bastante

iluminado sobre o funcionamento do

mundo, mas nunca tinha ouvido falar de

empacotar caixas.

Nem teria suspeitado que as

fortunas de Mac MacGhee se tinham

esgotado, ao ponto de ele oferecer loiça

partida à sua sobrinha.

Só essa ideia, já lhe partia o

coração.
“São umas belezas.” Ela tinha

aberto a tampa de um dos cofres – ele

precisava-se a pensar neles de outra

forma – e retirou uma pequena chávena

colorida, escondeu delicadamente a

rachadura de um dos lados e uma lasca

muito visível na borda de ouro.

“raramente vi algo tão precioso.”

Ela ergueu a chávena cor de

creme para que ele a inspecionasse.

“Humm.” Hardwick ficou sem

saber o que dizer.

Em vez disso, aproximou-se e

examinou a chávena.

Decorado com rosas cor de rosa,

rodeadas de pequenas flores roxas,

amarelas e azuis, o desenho era

reforçado com delicadas folhas verdes.

De facto, a chávena seria um tesouro, se

não estivesse tão lascada.


Surpreendentemente, não parecia,

de todo, desiludida com as falhas da

chávena, o que dizia muito do seu

carácter. Ela não desejava, claramente,

ofender os seus tios, parecendo

desapontada com a oferta.

Hardwick franziu a testa. Não lhe

agradava o rumo do seu pensamento.

Preferia que ela brigasse com ele,

furando-o com o seu feroz olhar azul.

Uma coisa, sabia agora, sem

qualquer sombra de dúvida: não havia

mão de galinha na cor do seu cabelo.

Ela nascera com essa sombra

encantadora. Saber disso só dava

repercussões terríveis, se ele se

permitisse perceber como fez essa

deliciosa descoberta.

Outra coisa, era imaginar um

doce triângulo de caracóis loiros por


cima das suas coxas, todos sedosos e

convidativos.

E outra completamente diferente

era ter visto tal encantamento.

Ainda mal tinha recuperado do

prazer anelado do seu riso. De como o

tinha aquecido. Saber que ela tinha um

coração caridoso, juntamente com as

suas belas curvas e outros charmes era

mais do que ele queria saber.

“Cá está outra.” Ela arrancou um

pequeno parto florido do fundo do cofre,

cheio de algo que parecia palha. “Quem

diria que o sótão do tio Mac armazenava

tais preciosidades?”

“Eu, seguramente, não diria.”

Hardwick apertou o punho no escudo.

Depois, porque o seu prazer

pelos patéticos objetos cancelou as suas objeções contra ele, pôs-se a olhar

atentamente para o prato, quando ela o


ergueu na sua direção.

De novo, coberto com flores rosa

e folhas engenhosamente desenhadas e

um fio dourado, também esta peça já

vira melhores dias. Uma ranhura em

ziguezague arrastava-se desde o seu

centro, estragando logo a sua perfeição.

Ela parecia não ver o defeito.

Longe disso, sorria para o prato,

o seu entusiasmo aumentou, quando o

virou e observou por baixo.

“ Inglesa.” Passou um dedo pela

ranhura, parando sobre uma linha de de

letras pretas. “Do início do século XX,

aposto.”

Os intestinos de Hardwick

retesaram-se.

Ela parecia esfuziante por o prato

estar não só estragado, como por ele ser

bastante antigo, tendo em consideração o


seu tempo.

“O tio Mac não é a única pessoa

da família a gostar de antiguidades,”

pensou, de olhos enevoados. “Isto” –

apertou o parto contra o coração – “era

exatamente o que eu precisava.”

“Não, não era. Nada disso.”

Hardwick não conseguiu evitar a

negação. Cada osso cavalheiresco dele

protestava contra vê-la tão

sentimentalista com essas ofertas

vergonhosas.

Era igualmente penoso imaginar a

reação de Mac MaGhee.

Um homem orgulhoso, o laird

sabia, certamente, que a sua sobrinha

merecia mais e melhor.

Incapaz de se parar, agora que

tinha falado, Hardwick indicou os dois

cofres com a mão. “É uma pena que o


teu tio não te possa ter oferecido algo

mais fino como presente de boas-

vindas.” Ele esperava que a sua voz

transmitisse mais pena do que

desaprovação. “Uma dama como tu

deveria ser recebida com cordões de

pérolas preciosas e pedras preciosas

brilhantes, não com pedaços de

chávenas partidas e-”

Ela riu.

Um belo som dourado, forte e

banhado de mel, mas condenatório.

De alguma forma – e ele não

sabia onde – tinha errado.

Igualmente embaraçoso era o

facto de ele ter falado como um bezerro

apaixonado.

Cordões de pérolas e pedras

preciosas!

Se o Bran o ouvisse proferir tal


coisa, ele seria motivo de chacota por

toda a eternidade e para além dela.

Franziu a testa, desejando estar

noutro lugar.

Talvez na sala de armas de Mac

MacGhee, onde poderia ter uma cadeira

e dezenas de targes a olhá-lo, cada uma

lembrando-lhe a sua condição e de como

seria melhor ter tento na língua – e na

sua luxúria – perto da linda sobrinha do

laird.

Ou talvez se enfiasse nos campos

de turfa de MacGhee, a ver fantasmas de

Vikings.

Afinal, era esse o seu plano, antes

de ver os dois jovens gigantes, Roddie

e Robbie, carregando os cofres pelas

escadas acima.

Cofres esses, que o fizeram fazer

figura de parvo mais uma vez.


Indignou-se.

Um erro que não voltaria a

cometer.

“Porcelana partida é a minha

paixão.” As palavras dela chegaram até

ele como se de muito longe.

Viu-a devolver o prato ao cofre,

através da névoa que começava a girar à

sua volta. Ela não reparou, uma vez que

a cinza girava mais rapidamente, quase

encobrindo-o. Ele podia – devia – ter

desaparecido, simplesmente. Sair com o

nevoeiro levava mais tempo. Mas,

apesar do seu embaraço, ele queria

saborear esses últimos momentos para

admirar o seu cabelo, resplandecente e

brilhante, espalhado pelo seu rosto,

quando se inclinava sobre os seus

tesouros.

O seu coração apertava-se e ele


amaldiçoava a sua praga.

Como ele gostaria de ver aqueles

fios loiros espalhados no travesseiro,

enroscar os dedos neles, enquanto a

cavalgava e beijava...

Perseguindo uma labareda de

fogo pela sua pele nua, para descer a sua

língua conquistadora no calor liso e

doce, que ele sabia que esperava por

ele, entre as suas coxas.

Gemeu, sabendo que ela já não o

ouvia.

Cerrando os punhos, lançou um

suspiro apertado e desejou que a névoa

girasse mais rapidamente. Algo quente,

seco e com garras prendeu o seu

tornozelo, mas ele libertou-se, mantendo

o olhar nela.

Depois, a melancolia resgatou-o e

ele deixou de a ver.


***

“Porcelana partida é o meu

trabalho,” Cilla disse, continuando a

remexer na palha do cofre. “Eu faço

joalharia, a partir de porcelana antiga.”

Ela pegou num caco em quarto crescente

de azuis fortes, parecendo admirá-lo.

Colares, brincos, pulseiras, anéis, o que

quiseres. Até faço alguma arte de

parede, espelhos, vitrais e coisas que

tais. Foi por isso que o tio Mac me deu

as caixas. Não é um presente de boas-

vindas.”

Ela fez um gesto largo,

abrangendo o quarto com a sua confusão

de mobiliário de estilo gótico vitoriano.

“Não preciso de um presente de boas-

vindas do tio Mac. Etar aqui já é um

enorme presente,” acrescentou, sem

mencionar o seu sonho de uma vida, de


conhecer a Escócia.

Ou, de como ela esperava que o

seu tempo em Dunroamin preenchesse o

seu vazio interior. E não o vazio deixado

por Grant A. Hughes III. Desde que

Hardwick chegou à sua vida, mal

conseguia lembrar-se do rosto de Grant.

Mas não desenhava nada – nem um

alfinete – há semanas.

Isso assustava-a.

A sua veia criativa estava seca.

“Oh, sim.” Ela engoliu em seco,

contra o aperto na garganta. “Estar aqui

era exatamente o que eu precisava.”

Uma ova.

O bufo soou abafado, parecia

mais o sopro do vento a passar pelas

persianas da janela do que o forte tom

de voz amanteigado de Hardwick.

“Em troca” - voltou a enfiar o


pedaço de porcelana Delf na caixa -

“Concordei em ensinar os residentes de

Dunroamin a fazerem joalharia. A tia

Berdie e o tio Mac esperam que

mantendo-se ocupados com algo criativo

não pensarão tanto em fantasmas

vikings-”

Parou e levou a mão à boca.

O calor enrubesceu-lhe o rosto.

Quem era ela para criticar os

velhinhos que viam fantasmas vikings a

correr pela charneca, se estava no meio

do quarto a ter uma conversa com um?

“Oh, caramba.” Era preciso

pedir-lhe que parasse de se materializar

em todos os lados a que ela vá. Se é

que era assim que se chamava às suas

súbitas aparições do meio do nada.

Ela não queria ser assombrada.

Se estava a imaginá-lo, queria


parar já com isso.

Não podia ser bom para ela.

Mas quando se voltou para lhe

dizer isso, ele já lá não estava.

O queixo começava a cair, mas ela

não deixou. Em vez disso, pôs o seu

melhor ar de controladora e passou o

quarto a pente fino, acendendo uma

lâmpada de imitação das vitorianas a

óleo. Uma a uma, faziam pequenas poças

de luz tremeluzentes, mas não eram

suficientes para afastar as sombras de

todos os espaços e cantos vazios.

Parou junto da lareira, satisfeita pelo seu alegre fogo de turfa.

Era muito melhor continuar a sua

pesquisa do quarto, ali, ao calor e à luz

da lareira, do que continuar a andar por

ali, com os passos a ecoarem no soalho.

Cada tap-tap dava-lhe calafrios,

pensando que alguém estava a espreitar


atrás dela.

Franzindo o sobrolho, ela

considerou meter-se na cama e puxar os

cobertores até à cabeça.

Mas a cama – um enorme dossel,

completo com pesadas cortinas

bordadas – que pareciam estar curvadas

à sua espera. Assim como o resto do

mobiliário desajeitado, cada uma dessas

peças parecia suster a respiração em

silêncio, à espera para ver o que ela

fazia.

Ela tremeu e esfregou os braços.

“Não estou num cenário de um

filme de terror.” Ela falou lenta e

distintamente. “Não há nada de mais

estranho nas sombras deste quarto do

que no do seu apartamento em Yardley.”

O quarto era apenas de um gótico

pesado.
Era simplesmente Dunroamin.

Os seus passos eram só isso –

passos. Os poucos rangidos e gemidos a

romper o silêncio eram os sons da

madeira antiga a preparar-se para a

noite. Todas as casas antigas faziam

esses barulhos.

Todos os espelhos antigos tinham

fantasmas dentro deles.

“Gah!” Ela deu um salto.

A mulher fantasmagórica

aproximou-se mais do espelho e olhou

para ela. Pálida, de olhos selvagens e

com os cabelos desguedelhados, o

espectro abanou a cabeça e começou a

sair das profundezas do espelho. Cada

passo de retirada a mergulhava mais nas

sombras, até que parou gelada num

lugar, no exato momento em que Cilla se

voltou para a enorme cadeira


exageradamente estofada.

“Oh, Por amor de deus!”

Levantou as mãos, rindo, quando o

fantasma fez o mesmo.

Lamentavelmente, a imagem

também revelou a sua aparência em

estado de choque.

Ela precisava de apanhar ar

fresco.

Abanou-se um pouco para

acalmar os nervos, depois marchou pelo

quarto e abriu a janela mais próxima.

Destravou as persianas, ignorando o

estranho grito das dobradiças

enferrujadas.

Essas coisas não a voltariam a

perturbar.

Ela tinha estofo para passar por

cima disso.

Por agora, ela iria simplesmente


apreciar as vistas. Havia, de facto,

muito para apreciar. Se se gostasse de

névoa e orvalho, um pouco de ar frio,

como ela gostava.

Agarrando-se às janelas, respirou

fundo.

Nunca tinha visto um lugar com

uma beleza tão assombrosa. Embora

assombrosa não fosse a melhor escolha

de palavra para o momento. Mesmo

assim, adequava-se. Voltou a respirar

fundo, inalando o ar perfumado com o

forte cheiro da turfa, um toque de chuva

e humidade e pedra sem idade. As suas

preocupações começavam a descer-lhe

pelos ombros.

Sempre entendeu porque é que a

tia Birdie se apaixonou por um

Highlander.

Agora, finalmente, também


percebia porque razão ela ofereceu o

seu coração ao extremo norte da

Escócia. Selvagem, vazio, e lindo de

cortar a respiração, a vista à sua frente

era tão espetacular, que quase doía só de

olhar.

Mas ela olhava, deixando as suas

preocupações desaparecerem, enquanto

olhava para baixo para superfície

líquida do Kyle, azul prateado e

reluzente. Ela inclinou-se na janela para ver melhor a lua erguer-se sobre o
que

parecia ser uma torre em ruínas,

empoleirada no outro lado da falésia, no

lado mais distante da entrada. Erguendo-

se, como dois dedos sinalizando uma

vitória, a ruína parecia ter uma janela

arqueada, numa das suas paredes

remanescentes.

Como deve ser antiga!

Certamente mais antiga do que


Dunroamin.

Ela tremeu. Desta vez com

entusiasmo. Quem diria que o seu quarto

tinha vista para as ruínas de um castelo antigo? Não poderia haver dúvidas
que

era uma torre desmantelada. Mesmo

sendo tão tarde, o céu brilhava com uma

luminosidade que a deixava ver tudo.

Ela conseguia ver mais do que as

linhas da ruína distante, via também a

enorme massa de Ben Loyal, azul

púrpura na luz clara e límpida da noite,

e – se focasse bem – A faixa de uma

estrada, incrivelmente estreita e

brilhando com a névoa, que fazia a

curva ao longo da língua de mar, que era

o Kyle. Conseguia, até, ver – se

erguesse o pescoço – um pedaço das

charnecas ondulantes, onde o tio Mac

cortava a turfa.

Uma turfa ótima, a melhor do


norte. Ou assim ele dizia.

Olhando nessa direção, agora, ela

pestanejava, depois, suspirava, os olhos

abriam-se mais.

O diabo enchia-lhe a vista.

Enorme, vermelho, com uns

chifres malvados, o seu rosto perverso

deambulava no ar, em frente à janela.

“Eeeeee!” Ela agarrou as

persianas e puxou-as para o seu lugar.

A janela nem se moveu.

“Vá lá!” puxou, mas nada

aconteceu. “Vá lá, fecha!”

Ficou doida, quando partiu uma

unha.

Olhou para a unha partida. A sua

nuca incendiava. “Chega,” O seu ardor

empurrava-a sobre a borda da janela.

Seria o seu homem de kilt?

Regressaria tão rapidamente, disfarçado


de diabo para a assustar?

No fundo, ela sabia que não era.

O rosto vermelho diabólico tinha

que ser de outra pessoa.

Outra coisa.

Fosse o que fosse, ela não iria

mostrar medo. Pouco importava que os

seus joelhos não parassem de tremer, ela

não seria de um lugar perto de

Filadélfia, se não soubesse parecer

corajosa.

Mas no instante em que decidiu

abrir as persianas para o provar, o diabo

flutuante tinha desaparecido.

Sem deixar sinais de enxofre ou

da forquilha.

“Uau.” soltou um suspiro

trémulo.

Depois, encaracolou os dedos à

volta das frias e molhadas dobradiças


das persianas, com o olhar voltado, de

novo, para a torre em ruínas do outro

lado do Kyle. Embrulhadas num véu de

névoa, as suas paredes chamavam-na.

Mas não tanto como Hardwick.

E isso assustava-a mais do que

rostos de diabos flutuantes.

Muito mais.

Capítulo seis

Bem cedo, no dia seguinte, Cilla

estava na entrada da sala de pequeno-

almoço de Dunroamin – na verdade, era

um jardim de inverno, com vista para o

terraço pavimentado e para a relva do

jardim -e um sol brilhante decidido era

uma bela forma de esquecer o brilho

gótico do castelo.

Mais fácil de encontrar do que a

biblioteca, era só seguir o aroma

delicioso do bacon e o barulho dos


talheres e dos pratos para chegar até à

sala de paredes de vidro e arejada.

E, claro, a voz elevada, com

sotaque inglês do coronel Darling.

Ouviu-o, logo que chegou ao

cimo das escadas principais. Agora, que

se apressava para se juntar à sua tia,

numa pequena mesinha a um canto, os

berros dele eram ainda maiores.

Ela lançou um olhar interrogativo

à sua tia.”O que se passa com ele?”

“É um ritual matinal.” A tia

Birdie parecia despreocupada. “Depois de tantos anos, não consigo


imaginar o

pequeno-almoço sem estes exercícios.

Dá vida às coisas.”

Cilla inclinou-se para espiar uma

árvore de grãos de café perto dos

idosos. Não acreditava que discussões

tão matutinas fossem sinónimo de

vivacidade. Mas conservava esse


pensamento para si.

O mais importante é que

Hardwick não parecia estar ali.

Nem em kilt. Nem invisível. Nem

com a sua última – e ridícula –

indumentária de diabo vermelho.

Ela franziu o sobrolho, sentindo

uma pontada de culpa por suspeitar dele,

de novo. Mas depois de horas de um

lado para o outro e, principalmente

agora, à luz brilhante da manhã, a ideia

de um diabo em Dunroamin parecia-lhe

um absurdo.

Com os fantasmas, aguentava ela.

E já sabia que um andava por ali.

Por muito que ela se sentisse

atraída por ele e por muito louco que

isso pudesse parecer, era óbvio que ele

a queria for a dali. Por isso, talvez se te

nha feito passar por diabo? Era mais do que seguro que a maior parte das
mulheres sairiam dali a sete pés.

O azar dele é que ela não era uma

mulher qualquer.

Ainda…

Prendeu o lábio inferior e olhou

em volta, esperando vê-lo. Mas não o

sentia em lado nenhum da sala

solarenga. Cheio de luz e com um toque

do charme boémio da tia Birdie, o

jardim de inverno parecia totalmente

vazio de fantasmas, com a aglomeração

de plantas exóticas, as tolahas azul forte

e paredes de vidro reluzentes.

Mesmo assim, ela olhou para um

aparador de carvalho, perto da porta.

Massivo e atolado de porcelana, jarros

de sumo e tigelas coloridas de cereais, a

cómoda apanhava a única sombra da

sala.

Satisfeita por esses assomos de


sombra não terem mais do que pilhas de

semanários, voltou a sua atenção para o

café da manhã.

O seu primeiro pequeno-almoço

escocês completo, como declarava um

cartão tartan escrito à mão, com letras

grandes. Já tinha ouvido falar da

sinceridade desses festins. Ela pretendia

apreciar a refeição, sem se importar

com fantasmas.

Ou com os residentes

beligerantes.

Determinada a esquecê-los,

pegou na carta e leu as opções.

Salda de fruta fresca ou fatias de

fruta.

Ovos de todas as formas, bacon e

salsichas, pudim preto e haggis, salmão

e eglefim fumado. Scones fritos,

refrigerantes farls – o que quer que isso fosse – cogumelos, feijão doce e
torradas escuras ou brancas.

Cereais, iogurtes e papas.

Chá ou café.

Sumos.

Cilla ficou com água na boca. A

sua barriga roncou, de forma

embaraçosa. Scones de batatas fritas

eram a sua ideia de paraíso, apesar de

passar o pudim. Toda a gente sabia que

aquilo era salsicha de sangue. Mesmo

assim, tinha fome suficiente para comer

um pouco de tudo. Até talvez um dos

misteriosos refrigerantes farls.

Primeiro, precisava de cafeína.

Não era uma pessoa de manhãs.

Sabendo isso, a tia Birdie

indicou-lhe a chaleira. As pulseiras de

prata tilintavam no recipiente, quando

ela o agarrou. “Podes tomar café, se

preferires!”
Cilla abanou a cabeça.

Ela adoraria tomar café, mas o

chá estava na mesa. A cafeína de fácil

acesso era a melhor.

“Onde está o tio Mac?” Ela

serviu-se de chá. “Dorme até tarde?”

“O teu tio?” A tia Birdie ia-se

engasgando com um pedaço de eglefim

fumado. “Já estava bem longe antes do

sol se erguer. É por causa dele que estão

todos tão palradores, hoje.”

“Por causa do tio Mac?”

A tia Birdie balançou a cabeça, o

seu olhar girando para o agitado

coronel.

“Disparate!” Sentado à cabeceira

de uma grande mesa de pinho, antiga,

acenou com uma salsicha espetada. “Só

vai encontrar algodão e lama nas

galochas! Não o ouviram dizer que ia à


procura de vikings, ou ouviram?”

Do outro lado da mesa, Violet

Manyweathers fungou. “Claro que não

disse tal coisa. Não nos quer alarmar em

vão.”

“Estás completamente idiota.” O

coronel, enfiou a salsicha na boca e

mastigou com fúria.

“O laird nunca sai tão cedo,”

Flora Duthie opinou, enfiando um

guardanapo ao pescoço. “Nunca antes

do pequeno-almoço. Todos sabemos

disso.”

Tão discretamente quanto podia,

Cilla afastou as folhas brilhantes da

planta de café e enviesou um olhar para

a outra mesa.

A única que estava ocupada, para

além da delas.

“A vida de Mac MacGhee é só


isso – a vida dele.” Coronel Darling

enforcou outra salsicha. “Não iria

gostar de saber que um bando de velhos

especula sobre a forma como passa as

suas manhãs.”

Flora ignorou o insulto. “Os

vikings estavam especialmente ativos

ontem à noite,” disse, acrescentando

uma pitada de sal à sua papa. “Se

calhar, também ele os viu, e esperava

ver alguma cirandar por aí.”

“A cirandar por aí!” O coronel

de faces vermelhas imitou a voz da

mulher. “A única coisa que ciranda por

aí é aquele pássaro insuportável.”

Retirou a boina da cabeça e

lançou um olhar zangado a Violet.

“Aquele teu pássaro abominável é o

verdadeiro fantasma. Grava estas

palavras.”
Com uma expressão infinitamente

calma, Violet serviu uma colher de

haggis para o prato. “Gregor é um

mandrião grande, não é um dandy. E” –

ela devolveu a colher de servir haggis à

travessa – “saber quem aqui é o

fantasma é uma questão de opinião.”

Flora fez uma oscilação.

O coronel Darling pegou no chá,

quase entornado a chávena, quando o

Leo disparou debaixo da mesa e saltou

para para lhe amarrar o guardanapo do

colo.

“Danação!” Ele quase se levantou

da cadeira, agitando um punho ao

pequeno cachorro. “Afaste-se, seu

pestinha! Um dia destes ponho-lhe as

mãos em cima!”rosnou, deixando-se cair

na cadeira. “A ele e àquele maldito

boxtie.”
“Grande madrião, afetuosamente

conhecido por bonxie.” Honoria entrou

na sala, segurando uma bandeja com

bacon assado, pudim negro e ovos

mexidos acabados de fazer.

“Afetuosamente!” O coronel

encarou-a.

Parecendo feliz por o ter

corrigido, a governanta pousou o

tabuleiro no enorme buffet de carvalho, perto da mesa dele. “Não vai tocar
em

nenhuma das criaturas ou terá de se

haver comigo.”

“Bah!” ele serviu-se de um

pedaço de torrada e começou a barrá-la

com manteiga. “Traz-me outro

guardanapo ou quem terá que se haver

comigo és tu.”

“Estou a tremer de medo.” Os

lábios da governanta contraíram-se ao

seu pedido, e ela até lhe entendeu o


guardanapo no colo.

“Harrumph.” ele balançou a

cabeça num agradecimento contrariado e

voltou à sua tosta.

A Cilla libertou os seus nervos

nas folhas do café e voltou para a mesa.

Através das janelas, ela viu um

movimento da relva, perto do relógio do

sol. O coração saltou-lhe no peito,

depois aprofundou-se. Quando avistou

dois coelhos a jogar às apanhadas na

erva.

Ela pensava que era ele.

O seu homem de kilt.

Apesar das suas palhaçadas – se

ele estivesse, realmente, por detrás da

face vermelha do diabo – uma parte

muito louca dentro de si queria voltar a

vê-lo.

Mas nada se mexia no relvado


verde esmeralda, a não ser a s sombras,

os coelhos e um pardal, que parecia

decidido a bicar qualquer coisa na

superfície do relógio de sol.

“Honoria!”

Cilla começou. O rugido do

coronel levou-a de volta à marquise do

jardim de inverno.

“A cozinheira esqueceu-se de

servir a papa da Flora na sua tigela de

madeira.” Ele levantou a tigela de prata para o provar. “A papa arrefece


muito

rapidamente neste artefacto, chique

como é.”

Cilla observava, enquanto a

governanta retirava o recipiente de

metal, sem sinal de irritação.

Segurando o mingau à sua frente,

avançou para a porta. “Vou preparar

outra e certificar-me que a Flora fica

com a sua tigela especial.”


O coronel assentiu, claramente

apaziguado.

Flora deu-lhe um sorriso

repreensivo.

“Estás a ver?” A tia Birdie

esticou-se sobre a mesa para apertar o

braço de Cilla. “As discussões entre

eles são puro disparate. Gostam todos

muito uns dos outros. Acho que foi por

isso que ficaram connosco, quando

todos os outros se foram embora.”

“Os outros partiram mesmo, por

causa dos fantasmas vikings?”

A tia Birdie encolheu os ombros.

“Foi o que disseram, sim.” Ela

baixou o tom de voz. “Estás a ver,

minha querida, à exceção do teu tio e de

Achilles – que é o coronel Darling –

muita gente por aí ainda acredita nos

velhos costumes e tradições.”


“Eu sei.” Cilla pôs o guardanapo

no lugar. “Lembro-me de dizeres isso,

quando visitaste Yardley.”

“Continua a ser verdade.” A tia

Birdie escovou a saia. “Visões e rituais

de cura ou lugares sagrados são coisas

ainda largamente aceites. E” – ela olhou

para a luz brilhante da manhã – “não

apenas no crepúsculo ou nas longas

noites de inverno.”

“Então, acha que a ideia de

fantasmas não os assusta.” Cilla deixou cair outro olhar sobre o relógio de
sol.

Os coelhos e o pequeno pardal tinham

desaparecido. “Porquê-”

“Porque juntamente com o

inofensivo e o bem, como acreditar que

um ramo de giesta por cima da porta de

um curral protegerá os animais de

doenças, há outras crenças mais

escuras.”
“Tais como?”

A tia Birdie olhou para ela, o seu

rosto estava tão sincero e sério como

sempre. “Presságios e tabus que podem

ser bastante assustadores. O mau olhado e os poderes de bruxas, cuja magia


é

tudo menos mágica.”

“Mesmo nos dias de hoje?” Cilla

tinha dificuldades em acreditar nisso.

“As pessoas preocupam-se mesmo com

essas coisas?”

“Não te esqueças que estás na

Escócia, querida.” A tia Birdie encheu

a xícara de chá. “Sutherland, remota e

acidentada como é, é a Escócia Alta

com o que tem de melhor e de pior,

dependendo do ponto de vista.”

Visões do rosto do diabo

vermelho cresceram na cabeça de Cilla

e ela ia abrindo a boca para falar nisso,

mas calou-se rapidamente. A tia Birdie e


o tio já tinham preocupações suficientes,

não era preciso dar-lhes mais dores de

cabeça com diabos vermelhos.

Limpou a garganta, afastando a

imagem. “Então, os residentes que foram

embora tinham mesmo medo de

fantasmas?”

“Pois tinham, infelizmente.” Uma

pequena ruga apareceu entre as

sobrancelhas da tia Birdie. “Uma delas

confidenciou que achava que os

Nórdicos eram arautos da desgraça. Que

a viriam buscar durante o sono. Mais ou

menos como nos contos do sul, sobre

aqueles cães enormes que se diz que

deambulam pelas charnecas à noite. Ver

estas bestas era sinal de morte certa.”

Cilla arrepiou-se. “Lamento. Eu

gostava-”

“As coisas vão melhorar. Estes


aliados estão aqui e, certamente, outros

se juntarão a eles, em breve. Tenho a

certeza disso.” A tia Birdie mostrou um

sorriso e pegou num cesto cheio daquilo

que pareciam ser scones enormes e

rijos.

“Toma um bom soda farl.”

sacudiu a cabeça. “ O cozinheiro tem

jeito fazer isto.” ela lançou um olhar ao

coronel e à sua tosta com manteiga. “São

bem melhores do que tostas. Assim

como os Ingleses, os escoceses parece

que só sabem servir torradas frias.”

“E a tia?” Cilla pegou um dos

soda farls. “Acha que os vikings

fantasmas existem?”

“Sabes que acredito em

fantasmas.” A tia Birdie pousou o cesto,

as pulseiras voltaram a chocalhar.

“tenho a certeza de que há muitos


vikings por toda essa Escócia. Mas

ainda não senti nenhum aqui.”

“Então, e o fantasma cavalheiro,

que a tia disse que estava zanado com o

Grant por me ter rejeitado?” O coração

de Cilla deslizou pelas palavras. “Ele

ainda está aqui?”

Tinha que perguntar.

Mesmo sabendo que a pergunta a

tenha feito corar.

“Um fantasma zangado com o

Grant?” A tia não parecia lembrar-se.

“Foi o que tu disseste.” Cilla

desejou nunca ter mencionado tal coisa.

Ainda sentia o seu olhar tórrido sobre

ela. Os seus dedos roçando-lhe os seios

e o seu hálito quente fazendo-lhe

cócegas no pescoço, quando ela se

aproximou.

“Ahhh, está a voltar-me à


lembrança.” A tia Birdie inclinou a

cabeça para o vazio. “Ele foi bastante

arrojado, se bem me lembro.” Os lábios

dela curvaram-se num sorriso suave. “A

energia dele era corajosa, arrojada

mesmo. Foi tudo o que apanhei,

lamentavelmente. Uma impressão fugaz,

nada mais.”

“E agora?”

A testa da tia Birdie vincou-se, de

novo.“Hmmm...” fechou os olhos,

concentrando-se. “Não o sinto de todo.”

“Desapareceu?”

“De momento não está aqui,

não.” Os olhos da tia arregalaram-se,

de for a clara e focada, novamente.

“Isso não quer dizer que ele não

regresse. Muitos fantasmas vão e voltam

em Dunroamin, ainda que o teu tio

zombe dessa ideia. Não sou a única a


notá-los. A minha teoria é que eles se

sentem bem aqui, talvez por mantermos

as coisas como sempre foram.”

Ela pegou na sua chávena de chá

e tomou um pouco, observando Cilla

pelo rebordo. “Para os nossos

residentes – e para nós – Dunroamin é

um refúgio do stresse da vida moderna.

Porque haveria de ser diferente na vida

após a morte? Porque é que essas almas

não procurariam um paraíso no canto do

mundo, de ritmo lento, se era isso que

apreciavam nas vidas anteriores?”

Cilla mordeu o lábio.

Algo lhe dizia que o homem de

kilt tinha razões bem diferentes para

estar em Dunroamin.

Razões que, ela suspeitava,

poderia ser perigoso conhecer.

Como perigoso era ele próprio,


tinha a certeza.

“Tia Birdie …” Ela suspirou

para mudar de assunto. “O que queria

dizer o coronel com o algodão do

pântano e o esterco nas botas do tio

Mac? A propósito, onde está ele?”

A boca da tia torceu-se. “Ele está

onde o coronel disse, tão

adequadamente. No meio dos campos

de turfa ceifados, mas não à procura de fantasmas. Está a ajudar os


sobrinhos de

Honoria a carregarem um carro de

turfa.”

“Carregando turfa?” Os olhos de

Cilla abriram-se mais. Isso não é

trabalho forçado?”

“É.” As rugas voltaram à testa da

tia. “Apesar deste ser o primeiro ano

em que não tivemos ajudantes, os

jovens Robbie e Roddie são

perfeitamente capazes de fazer o


trabalho sozinhos. Mas conheces o teu

tio.”

Cilla pousou o garfo. “É

teimoso.”

“Isso não é nem metade.” A tia

Birdie deu uma olhada à mesa dos

residentes, onde as vozes voltavam a

levantar-se. “às vezes, é mais fácil

derreter pedra em fervura do que chamá-

lo à razão.”

“Para que precisa de um

carregamento de turfa? Tendo o campo

tão perto-”

“Esse pássaro sangrento tem

uma envergadura de cinco pés!”

Cilla saltou, com a explosão do

coronel Darling a interrompê-la.

Alguém – Violet? – exclamou.

“Se fores simpático com ele-”

“Com um pterodáltico
mergulhador?” O coronel enrubesceu.

“Uma vez, ouvi falar de um indivíduo

que perdeu a ponta do nariz para um dos

teus adorados boxties!”

Quando ele se calou, Cilla

voltou-se para a tia. “O que eu queria

dizer era, que com o campo de turfa tão

perto, ele não poderia ir pedindo ao

Robbie e a ao Roddie para a

carregarem, conforme fosse sendo

necessário?”

“Fazemos isso com a turfa que

queimamos em Dunroamin.” A tia sugou

o chá, imune ao tumulto na outra mesa.

“É a destilaria que precisa de um

carregamento.”

“Destilaria de turfa?”

“Isso mesmo.” A tia Birdie olhou

para ela, nos seus olhos azuis profundos

havia um toque de orgulho. “Dunroamin


tem turfa de alta qualidade, pelo menos,

é o que o teu tio acha. Se não sabias, é o

fumo da turfa que distingue o whisky das

terras altas da Escócia. As destilarias

usam-na para secar a cevada. Toda a

turfa tem o seu aroma distinto,

dependendo da zona. E é isso que

determina o último sabor de um whisky.

A nossa turfa de Dunroamin é

reconhecida pelo sabor de terra-doce do

seu fumo e-”

“Então, o tio Mac está no ramo da

hotelaria?” Cilla tentou lembrar-se.

“Não, no negócio da turfa.” A tia

Birdie reabasteceu as xícaras de chá.

“Ele tem tentado vender a nossa turfa a

algumas pequenas destilarias da região.

Simmer Dim e Northern Mist são apenas

duas das que se mostraram interessadas.

As suas encomendas acabaram de


chegar.” Pousou o bule do chá,

franzindo o sobrolho. “O problema é

que os jovens que concordaram em

ajudar recusam-se a pôr o pé nos nossos

terrenos. Corremos o risco de perder

esta renda suplementar.”

“Não me diga que os locais

também têm medo dos fantasmas

vikings?”

Cilla especou para a sua tia.

Sombras de Dawn Paterson e dos seus

pais passaram-lhe pela cabeça. “Ou há

outros motivos para que os ajudantes do tio Mac o tenham deixado na


mão?”

“Essa é a grande questão, minha

querida.” A tia Birdie suspirou.

“Sutherland nunca foi um local fácil

para se ganhar a vida. O teu tio suspeita

que alguém sobornou os jovens,

afastando-os com a promessa de

melhores salários noutro lugar.”


Cilla franziu o sobrolho.

Acreditava muito nisso.

“Então, não é por causa dos

fantasmas?”

“Eu diria que é um pouco dos

dois.” A tia fechou os olhos contra a luz brilhante das janelas. “As pessoas
são

supersticiosas, por estes lados. A

palavra corre mais rápido que fogo. Se

deres um espirro, todos em Tongue

ficam a saber, antes de teres tempo de

pegares num lenço.”

“Parece Yardley.” Cilla não

consegiu manter o azedume for a da

voz. “Antes de eu voltar para casa de

Charm Box, já todos sabiam em Eastern

Seaboard que eu não conseguia vender

as minhas jóias.”

“É muito longe de Yardley.” A tia

Birdie voltou à sua serenidade. “Quem poderia culpar os jovens locais por

serem aliciados com melhores


ordenados? Muitos dels têm famílias

para manter. E se recuaram por temerem

os nossos campos assombrados, isso

também é compreensível.”

“Porque esta é a selva do Norte

da Escócia,” Cilla roubou as palavras

anteriores da sua tia, “e os fantasmas

Vikings devem estar mesmo a dar o ar

da sua graça.”

A tia Birdie deu um gole no chá.

“Exatamente.”

“Ainda acho que é mau.” Cilla

endireitou-se na cadeira. Ela sabia tudo

sobre uma carreira que se desmorona.

Passou uma mão pelo cabelo,

franzindo o sobrolho. “É uma podridão,

tia. Sei bem que precisam do dinheiro. A

Honoria contou-me do telhado e de

como o tio Mac-”

“O tio Mac vai ficar bem.” O


sorriso da tia Birdie dizia que ela

acreditava nisso. “Nunca conheci um

homem com tantos recursos. Mesmo que

todos os residentes se vão embora e

ninguém nos compre a turfa, ele pensará

em algo para manter Dunroamin de pé.”

“Eu sei, mas...” O coração de

Cilla apertou-se.

A ideia de os seus tios perderem

Dunroamin era insondável.

Pior, com o jeito meio amalucado

da tia Birdie e a tendência do tio Mac

para viver no passado, ela duvidava que

eles durassem muito vivendo noutro

lugar.

“Ach! Não fiques tão triste.”

Parecendo quase tão escocesa como o

tio Mac, a tia Birdie inclinou-se para a

frente. “Com a juda do Robbie e do

Roddie, o teu tio conseguirá o seu


primeiro carregamento de turfa para

Simmer Dim e Northern Mist, com ou

sem fantasmas vikings. E ele tem muitos

mais planos-”

“Parece que acreditas mesmo

neles.”

“Nos fantasmas Viking?”

Cilla assentiu.

“E acredito.” Os olhos da tia

Birdie brilharam. “Só não senti nenhum

aqui, como já te disse. Mas” – o seu tom

de voz baixou – “Senti-os nas ruínas do

castelo Varrich. Deves ter visto a torre

da janela do teu quarto?”

“A ruína do outro lado do Kyle,

na borda de um penhasco?” O interesse

de Cilla aumentou. Vi-a a noite passada.

É assombrada por vikings?”

“Ninguém me falou nisso, mas eu

senti uma mulher nórdica por lá, uma


vez.” O tom da tia Birdie tornou-se

melancólico. “Uma vez fiquei lá até

tarde, bem depois da meia-noite. Sabes

que as noites de verão, aqui, nunca

chegam a ser verdadeiramente escuras.

Vi-a só por um instante. Estava de costas

para mim, o seu longo cabelo loiro

descia até às ancas, enquanto olhava

para o mar. E apesar de não lhe ver o

rosto, sei que estava carregado de

lágrimas.”

A tia Birdie desviou o olhar, por

uns instantes, com os olhos muito

brilhantes. “Soube aqui – levou uma

mão ao coração – “que estava ansiosa

pelo seu amante que se fez ao mar e não

regressou.”

“Depois, desapareceu.” Cilla

adivinhou.

“Se é que alguma vez esteve lá.


O teu tio disse que era o brilho da lua

refletido nas rochas.” A tia olhou de

novo para ela, piscando. “Eu acredito

noutra coisa. Até adivinho o seu nome.

Gudrid. Se ela estava lá, gosto de

pensar que a minha compaixão foi um

conforto para ela.”

“Então, o castelo Varrich era

Viking?” Cilla conseguia ver a torre

desmoronada, as paredes em forma de V,

na sua cabeça. “Pensei que era

medieval.”

“As ruínas são medievais.” A tia

Birdie enxugou os olhos com um

guardanapo. “O castelo pertencia ao

clã Mackay e remonta ao século XIV. A

tradição local afirma que um reduto

nórdico estava no local muito antes de

os Mackays colocarem a primeira pedra

de fundação.”
Cilla tremeu. “Gostava de ver

isso.”

“Devias.” A tia parecia

determinada. “Se não te importares de ir

num camião o Robbie e o Roddie podem

deixar-te no Tongue mais tarde.

Passarão pela aldeia com a nossa turfa e

podem deixar-te no Hotel Ben Loyal. O

caminho para o cimo das ruínas começa

ali perto, mesmo ao lado da ribanceira.”

O coração de Cilla deu um

pequeno salto. “Dá para voltar a pé?”

“Poderia ser.” A tia considerou.

“Mas isso significaria atravessar o

Tongue, mas isso não é mais do que um

pequeno entrave na estrada, depois

terias que passar por alguns pastos,

antes de te dirigires de volta para as

margens do Kyle. Logo que estejas

deste lado, de novo, viravas no


cemitério e terias que encarar um

percurso ainda mais longo até aqui.”

“Isso é um esticão.”

“Pois é.” A tia Birdie tocou no

queixo com uma longa unha vermelha.

“Demasiado longe. Eu conduzo-te até

Ben Loyal e espero por ti no bar ou

restaurante An Garbh.”

“An Garbh?” levantou uma

sobrancelha.

“É gaélico para “lugar

montanhoso.’ O restaurante tem

enormes janelas com vista sobre Ben

Loyal e Ben Hope e mesmo sobre a

ruína do teu castelo. Se o cenário não

for suficiente, há música clássica ao

vivo, enquanto jantas.” A tia Birdie

recostou-se, parecendo satisfeita.

“Talvez possamos jantar lá. Têm um

menu divinal.”
“Bem…”

“Irias adorar as batatas fritas

cortadas à mão.” A tia puxou dos galões.

“eles são mesmo os melhores.”

Cilla engoliu em seco.

A sua boca salivou. A excitação

batia dentro dela. O dia pintado pela sua

tia parecia um agradável programa.

Quem poderia resistir às ruínas de um

castelo no topo de um penhasco?

Principalmente, quando se

seguiam deliciosas batatas fritas

cortadas à mão?

Como amante de atmosferas

antigas e uma fanática de batatas fritas,

não podia pensar numa melhor forma de

passar a tarde.

Também adorava música clássica.

Mesmo assim…

“Serei capaz de encontrar o


caminho de volta sem problemas?” Era

a sua única questão. “O penhasco

parecia muito íngreme e arvorado, da

minha janela.”

“O caminho está bem marcado.”

A tia Birdie desvalorizou a sua

preocupação. “Não é assim tão íngreme.

Já não subo lá há uns tempos, mas não

me lembro de ser uma subida assim tão

difícil.”

“Se tem a certeza.” Cilla não

queria admitir não estar na sua melhor

forma física.

Se, ao menos, fosse uma daquelas

mulheres que têm a sorte de perder o

apetite, quando as coisas correm mal.

Infelizmente, ser dispensada por

Grant e ver, depois, o seu negócio a

derrapar aumentou a sua paixão por

comida e diminuiu a sua vontade de


fazer exercício.

“Claro que tenho a certeza.” A tia

Birdie sorriu de satisfação. “O ar fresco

vai fazer-te bem e-”

“Eeeeee!” Um grito estridente de

mulher ergueu-se de algum lugar do

castelo, acompanhado por um estrondo e

um latido de cão.

O coração de Cilla bateu-lhe

contra as costelas. Girou em direção da

porta, com os ouvidos num zuído.

A tia Birdie pôs-se de pé. A

chávena espalhou-se em cacos no chão.

“Aaaaaaaiiiiii!” A mulher voltou

a gritar.

Desta vez, um baque surdo cortou

o seu grito.

“Foi Behag, a cozinheira!” A tia

Birdie saiu do jardim de Inverno a

correr.
“Espere!” Cilla correu à volta da

mesa, com os pés a escorregarem-lhe no

chá derramado.

Coronel Darling e Violet

Manyweathers já estavam fora da porta.

Corriam atrás da tia Birdie, os três

corriam pelo corredor com uma

velocidade incrível. Flora Duthie ia

mancando atrás deles, com o toque-

toque da sua bengala ecoando na

passagem, agora que os ecos do tumulto

iam passando.

Apenas Leo manteve o alvoroço.

O seu latir frenético enchia o

corredor, o ladrar estridente rebentando

os ouvidos, como só os cães de pequeno

porte conseguem fazer.

Muito à frente de Cilla, a sua tia e

os velhinhos desapareceram numa curva

do corredor, deixando-a para trás.


Com o coração na garganta,

corria cada vez mais rapidamente, até à curva, onde quase embatia com o

coronel de fato preto.

De punhos fechados sobre as

ancas, ele bloqueava o arco de entrada

para a cozinha. “Há anos que digo que

ela enche a cara com as bebidas

espirituosas do Mac!” Repreendeu,

soando correto. “Agora, temos!”

“Prova, uma ova.” Isto veio de

Honoria. “Estava a fazer o seu

pequeno-almoço, isso sim. Todos os

outros comem ovos mexidos. O senhor

pede os seus meio-cozidos e nem um

segundo acima ou a baixo dos seis

minutos!”

As costas do coronel ficaram

rijas. “Bruuuxa.”

“Oh, parem, vocês os dois!” A

tia Birdie passou por ele, a sua habitual


calma voou.

Coronel Darling moveu-se, e

Cilla apanhou um olhar da governanta a

passar nos seus ombros quadrados.

Ajoelhando-se, Honoria pressionou um

pano na testa da enorme mulher loira,

toda a sua enorme figura de avental

ocupava o chão de pedra da cozinha.

Loiça partida e uma poça de papa

quente propagava-se ao lado dela. Uma

enorme colher de pau, uma taça de parta

da Flora, e um cesto virado com soda

farls frescos juntavam-se ao caos.

Leo corria em círculos, em frente

da longa banca de trabalho, o seu olhar

olhava repetidamente para a janela

sobre a enorme pia da loiça.

“Meu Deus!” A voz da tia Birdie

fez-se ouvir. “O que aconteceu aqui?”

“Ela teve um… ela está…?”


Cilla calou a boca, dando-se conta tarde

demais de que as palavras enfarto e

morta ficavam melhor fora de um lugar como Dunroamin.

“Nãa, ela nã está morta.” Flora

cambaleou para a frente para cutucar a

cozinheira com a bengala. “isto é

trabalho dos Vikings, tão certo como eu

estar aqui! Behag Finney é um deles.”

Tocou com a ponta da bengala nos

cabelos loiros da cozinheira. “Vieram

buscá-la. Ela é que desmaiou antes que

eles lhe conseguissem roubar o

espírito.”

“isto não tem nada a ver com

Vikings.” Honoria mergulhou o pano

numa bacia com água, torceu-o e voltou

a colocá-lo sobre a testa da cozinheira.

“‘Foi o diabo, sim senhor,”

insistiu, espalhando os dedos para

pressionar melhor o pano frio contra a


pele pálida de Behag.

“O diabo?” A barriga de Cilla

apertou-se.

Certamente, Hardwick não se

rebaixaria a assustar velhinhas

indefesas? Cozinheiras obesas de meia

idade de vestidos azuis e manchas de

farinha nos aventais?

Honoria balançava a cabeça, o

rosto sombrio.

“Vi-o com os meus próprios

olhos.” Deu uma olhada rápida ao

coronel, como que esperando que ele

negasse tudo. “vermelhíssimo, com

chifres e grande como o dia. Olhando

pela janela, ali mesmo,” disse, esticando

um braço para indicar a pia. “Vi-o,

quando cheguei aqui para apanhar uma

tigela de madeira da Flora.”

“Uma ova!” Coronel Darling


protestou.

Tia Birdie torceu as mãos.

Cilla olhou para eles,

questionando-se.

Uma pena não ter quaisquer

respostas.

Capítulo Sete

Algumas horas mais tarde, Cilla

fez uma pausa a meio do íngreme

caminho do castelo Varrich. Nunca

sonhou que um trilho de montanha mal

tivesse espaço para pôr os pés. Este

não tinha, e ao olhar para o caminho

interminável, considerou a derrota. A

tentação de regressar ao conforto das

elegantes salas de espera do Hotel Ben

Loyal era grande.

Ela podia chamar a tia Birdie e

regressar a Dunroamin. Organizar a

porcelana quebrada do tio Mac,


organizar as suas ferramentas e esperar

que o homem de kilt aparecesse. Ele já

brilhava perante o olhar da sua mente, as

suas mãos fortes e enormes, enfiadas

como ganchos no seu cinto, pronto para

saciar os sonhos mais escaldantes de

qualquer mulher.

O seu coração começou a saltar

de forma lenta e forte.

Quase sofria pelo seu toque. O

seu tom de voz forte, com um toque de

whisky brincava na sua mente, esses

tons profundos dedilhando lugares

vulneráveis do seu ser. Que típico, ter

esperado passar a tarde sem pensar no

seu fantasminha sexy, no entanto, não o

tirava da cabeça.

Deveria estar zangada, em vez de

se derreter com a ideia do seu tom de

voz suave.
Se as suas suspeitas estavam

certas, ele usou um patético disfarce de

diabo para a assustar e depois fez o

mesmo à pobre cozinheira. Ela não

queria acreditar que ele faria tais coisas, mas tinha visto as suas habilidades.

Qualquer fantasma com um ar real, que

também conseguia fazer aparecer e

desaparecer um escudo medieval das

suas mãos, poderia seguramente pôr um

ar diabólico.

Ou ele não tinha estalado os

dedos e feito aparecer uma banheira de

madeira no meio do quarto?

Então, tudo era possível.

Ela tinha bons motivos para

suspeitar dele.

No entanto, ali estava ela – longe

do alcance do seu fantasma – e o

simples facto de pensar nele, fazia com

que o seu coração se pusesse aos pulos.


Ele tinha deixado claro que

queria que ela fosse embora. Mesmo

assim, por muito que o negasse, ela

desejava-o.

Nenhum homem alguma vez a

afetou de forma tão intensa.

Um homem que era um fantasma!

Com a frustração a abater-se

sobre si, ela olhou para o trilho que se

elevava à sua frente. Ela não fazia nada,

ali, a lutar contra os caminhos

escorregadios e ervas daninhas. Do que

ela precisava era de um psiquiatra.

Em vez disso, baixou-se para

enfiar um dedo na meia e localizar o

pequena criatura com aparência de

besouro que decidira tomar-se de

intimidades com o seu tornozelo.

Contente por terminar com essa

relação, antes que ficasse demasiado


séria, colocou o inseto, num dos molhos

de fetos que havia no caminho, e

estremeceu.

A tia Birdie tinha-lhe mentido

com os dentes todos.

A única facilidade em alcançar a

torre em ruínas, era um sinal de madeira,

perto do banco da aldeia, que dizia:

“Trilho para o Castelo Varrich” .

Depois disso, a caminhada foi um

pesadelo, ficando cada vez mais quente

a cada passo do caminho quase vertical.

Os pulmões ardiam-lhe, um maldito tojo

espetou-a de lado e a sua camiseta

estava colada às costas. E isso

continuava, apesar da sombra das

árvores enormes e da humidade da terra

e do ar frio.

Não devia surpreender-se.

É óbvio que os antigos


construtores do castelo dos Mackay ou

dos nórdicos, antes deles, não iriam

construir um forte de acesso fácil. Ela

tinha visto a altura da torre desde a sua

janela.

Deveria ter imaginado que não

seria fácil.

Ou aquele docinho amargo para

ela, era outra história para a tia Birdie.

Afinal de contas, a sua tia tinha

passado seis meses de mochila às costas

nas selvas da Indonésia. Sozinha, fora a

companhia de uma amiga igualmente

aventureira e – espantem-se! – a filha de nove anos da sua amiga.

Com a exceção de algumas

sanguessugas, enquanto nadavam nuas

numa lagoa, dentro de uma floresta de

bambus, perto de Bali, e de uma

intoxicação alimentar depois de um

jantar com locais, algures na floresta


tropical de Sulawesi, a tia Birdie

chamou à aventura uma maravilha.

Cilla limpou a testa com a manga

da camisola.

Tinha que ser mais dura.

Mas encontrar um inseto na meia

não teve graça. Na verdade, foi a última gota d'água.

Então, considerou as suas

hipóteses. O trilho a pé diminuíra para

um caminho de lama mal definido,

debaixo de um mar de tojo ameaçador.

Ela suspeitava que o inseto deveria ter

inúmeros familiares e amigos por ali.

Todos ávidos de travar conhecimento no

instante em que ela prosseguisse.

Olhou para a vegetação com

renovada aversão.

Uma cervejinha no Bar de Ben

Loyal parecia melhor a cada instante.

Mesmo assim, ela continuava a


querer ver a ruína da torre.

Além disso, galgar até ao topo só

a poderia purgar de maus pensamentos e

cogitações. Então, apoiou as mãos

sobre as coxas e respirou fundo até que

ficou com mais fôlego.

Endireitou-se, a sua disposição

aumentando, quando vislumbrou um

pedacinho da torre, por entre as árvores.

Bem acima dela as pedras acenavam,

usando líquen e idade para atraí-la.

“Não tens emenda,” murmurou,

enojada com a facilidade com que

velhas pedras ganhavam sobre a

perspetiva de uma cerveja das melhores,

num pub com um certo aconchego.

Era louca, de certeza.

Rapidamente, antes que pensasse

demasiado no sr. besouro e seus amigos,

afastou o cabelo e avançou através do


feno.

Uma cerca para veados

bloqueava o caminho, mas uma subida

complicada como uma espécie de

escada conduziu-a a uma espécie de

ponte, através de um pântano e – ei-lo –

não muito longe do caminho de tábuas

de madeira, o trilho erguia-se em linha reta até à ruína.

Infelizmente, o último trilho

parecia ser o mais íngreme.

Respirou fundo e continuou. A

lama era escorregadia, e uma dispersão

de pedras quase a enviou pela encosta

abaixo para o Kyle. Mas, depois, estava

no topo, escolhendo o caminho ao longo

de um pequeno muro de pedra para

alcançar uma abertura irregular na

parede da torre.

Não se sabia se era uma porta ou

apenas uma abertura causada pela queda


dos escombros, ela entrou através dela

para o interior das ruínas.

Pouco mais que um escuro recinto

com cheiro a terra, fechado, pequeno e

circular, as paredes sem telhado do

castelo Varrich abraçavam-na. Um raio

de sol tocava obliquamente num molho

de velhas folhas, sob os restos de um

vão de janela.

A meio da parede, o nicho aberto

causou-lhe uma espécie de comoção,

como se a antiga janela se lembrasse de

partilhar as suas vistas com almas há

muito desaparecidas e lhes sentisse a

falta.

O coração de Cilla saltou.

Ela poderia facilmente imaginar a

criada viking da tia Birdie de pé, na

alcova arqueada. Ou sentada no

parapeito da janela, os seus contornos


rijos suavizados por almofadas

coloridas e tapetes de pele, em vez de

cheios de mofo e sujidade, pelos

destroços dos anos.

Encantada, Cilla deu alguns

passos mais para o interior da torre,

com o pulso acelerando.

Cada pedra enlameada e coberta

de musgo brilhava com o passado. Se ao

menos, as pedras falassem. Contassem

estórias de tudo o que viram e ouviram

através dos séculos.

Ela tremeu, desejando que assim

fosse.

Uma vez, a tia Birdie disse que

cada folha de erva da Escócia tinha uma

história agarrada, cada pedra e tufo de

urze tinha a sua própria lenda, o seu

próprio conhecimento.

Agora, ela acreditava nisso.


O Castelo Varrich era uma coisa

de sonhos.

A Escócia como ela sempre a

imaginou.

Para experimentar esta espécie de

história ao vivo, ela poderia muito bem

suportar um ou dois insetos na meia. Até

arrastar-se pesadamente por um caminho

acima, que era tão íngreme que podia

morder o chão à sua frente.

Nada disso importava, agora.

Ela olhou em volta, os seus

ombros relaxando eos músculos super-

tensos das suas coxas começavam a

libertar-se. Pela primeira vez, desde que

passou pela placa de sinalização, ela

sorriu.

Não, ela riu.

Ela estava dentro de um

verdadeiro e genuíno castelo em ruínas.


O entusiasmo era quase superior a si.

Cuidadosamente, com todo o

respeito e reverência que sabia vir a

sentir numa situação daquelas, ela

colocou as mãos nas pedras frias e

húmidas. Pedras antigas, gentilmente

usadas por incontáveis gotas de chuva,

algumas partidas pela constante

exposição aos ventos gelados do norte.

Ela pousou as mãos nas paredes,

deixando que os seus dedos explorassem

a superfície fria, irregular. Tentou

respirar a sua essência, quase esperando

– ou melhor, desejando – sentir uma

vibração ou um pulsar ligeiro.

Nada aconteceu.

O que ouviu foi o balir de

ovelhas na distância.

Um suspiro suave, seguido de um

leve sussurro.
Ela piscou, quando um ar frio lhe

desceu pela espinha e os cabelos se

levantaram da nuca.

Esses sons poderiam ser da

Gudrid. A moça nórdica da tia Birdie,

no vão da janela. Mas o mais provável

é que fosse o som do vento, passando

pelas heras que envolvem a ruína.

Esperando aumentar as suas

hipóteses de vislumbrar o fantasma – se

é que era ela a fazer os barulhos – Cilla

analisou o trecho de parede que subia

até à janela.

Havia buracos suficientes para a

levar até lá acima.

Se não escorregasse.

Ela olhou de relance para o chão

de terra dura. Pedras e escombros

estavam caídos por todo o lado. Já para não falar naquilo que crescia pelas

fissuras das paredes e que ela tinha a


certeza que eram urtigas. E sabe-se lá

que porcarias se escondiam debaixo das

folhas mortas.

Uma queda nunca seria bonita.

Uma queda na outra direção, por

for a da janela seria ainda pior. Ela

cairia diretamente pela encosta, rolando

pelo penhasco até ao Kyle.

Onde se afogaria prontamente, se

ainda estivesse viva, quando o seu

corpo atingisse a água.

Ela deu um passo para mais perto

da parede, a sua mente trabalhando

furiosamente.

Escalar seria perigoso. Mas a

janela ficava onde deve ter sido o salão

da torre. Ela conseguia ver os buracos

das vigas para o soalho, nas paredes. Se

conseguisse ir até lá, poderia baloiçar-

se para o parapeito da janela.


Infelizmente, como agora estava

fechada, parecia ainda mais alta.

Espiando do alto, ela desejou ser

corajosa. Afinal de contas, era sobrinha

da tia Birdie.

Tinha coragem no sangue.

Como que para tentá-la havia uma

rocha saliente, perto da base da parede.

Enfiou aí o seu pé, abanando a pedra, a

ver se mexia.

Não mexia.

Olhou para a pedra, avaliando-a.

Depois, voltou a ouvir o farfalhar

e tomou uma decisão.

Com o coração a bater forte,

deslizou pela parede acima e moveu-se

para o parapeito da janela, antes que

mudasse de ideias. Com o objetivo

alcançado, pôs-se em pé. Depois,

apoiou-se com os dois braços em ambos


os lados da janela e sentiu que o

coração lhe caía.

A janela era muito mais alta do

que ela pensava, mas ela tinha razão

numa coisa.

Cair pela parte de fora seria bem

pior do que cair para dentro.

Era um enorme percurso até ao

Kyle. Angustiante, rochoso e íngreme

não era sequer o início de uma boa

descrição da imagem.

Era mesmo mau.

Tentando fingir que os seus

joelhos não tremiam, lançou um olhar a

uma pedra saliente de um dos lados da

alcova da janela. Deveria haver outra,

do lado oposto, mas essa fez aquilo que

não deveria fazer. Nalgum ponto do

tempo, caiu da janela.

Pequenos pedaços dessa pedra


salpicavam o chão na base da torre.

Estremeceu – depois de decidir

que o “banquinho” restante não iria a

lado nenhum – sentou-se na sua pedra

fria.

Talvez ficasse lá para sempre.

Havia destinos piores.

Parecia uma melhor opção do que

preocupar-se com a seu regresso para

baixo.

Poderias ter-te poupado a isto...

Sem qualquer farfalhar estranho,

mas a voz ronronante da sua velha

Nmesis, Dawn Paterson, parece ter

soprado ao seu ouvido.

Ela quase conseguia ver a sua

rival à sua frente. Da forma como ela

deslizava na sala da frente do

Antiquário dos seus pais. Arrogante e

sarcástica, zombava das palavras que


levariam o modo de vida de Cilla à

ruína.

Sempre agiste sem pensar. Uma

pena que não tenhas considerado como

a tua joalharia vendia, antes de

decidires fazer mais.

Cilla fechou os olhos e tapou os

ouvidos.

Ela não precisava que lhe

lembrassem que o Vintage Chic estava

arruinado. Ou que estava presa a um

banco gelado que poderia desmoronar-

se a qualquer momento.

Só porque parecia resistente, não

queria dizer que fosse.

Hardwick também parecia sólido,

mas continuava a ser um fantasma.

Cilla encostou-se à parede,

perguntando-se quando e como é que o

seu mundo ficou tão louco. Esperando


alcançar algum controlo, ergueu o

queixo, dando-lhe o impulso suficiente

para a fazer sentir-se corajosa, senhora

do seu destino.

Isso ajudou..

Sentiu-se mesmo melhor - até

que duas coisas aconteceram de uma só

vez.

O farfalhar estranho voltou, desta

vez parecendo o bater de pesadas asas.

E depois, o homem de kilt apareceu!

Uma vez mais disfarçado de

diabo, pairava no ar, olhando-a de

soslaio, logo acima da torre sem teto.

“Gah!” Ela levantou-se num

ápice.

Ele desceu mais, o seu semblante

com chifres balançava loucamente

contra o cume quebrado da borda da

torre.
Os seus olhos brilhavam, negros

como carvão.

Com assombrosa velocidade,

bateu na borda, caindo alguns

centímetros da torre, antes de voltar

para cima, num estrondo.

“Não vai resultar!” ela mostrou-

lhe um punho. “Sei que és tu e não me

consegues assustar. Nem com kilt, nem

vestido de diabo vermelho, nem que

apareças vestido de lobisomem!”

As palavras fizeram-na sentir-se

bem.

Forte.

Mas o seu pé escorregou na

esquina do parapeito da janela e ela caiu

de joelhos, quase tombando para o lado

do chão pedregoso.

“Arrrggggh!” ela agarrou-se

firmemente ao banco.
“tem cuidado, moça.” A sua voz

suave soou baixinho, profundamente

sedutora.

O mais surpreendente é que vinha

por baixo dela, ao passo que o seu rosto

de diabo subia cada vez mais, ficando

finalmente a balouçar bem por cima da

torre.

“Não me parece que te possa

apanhar uma terceira vez.” Ele voltou a

falar, a sua voz cercando-a como uma

carícia. “Pelo menos, não aqui.”

“Então, estamos quites.” Cilla

protegia-se das suas palavras melosas,

mantendo o olhar na sua figura

demoníaca. “Não quero ser apanhada

por ti em lado nenhum. As tuas

habilidades de ventríloquo não me

impressionam.”

“As minhas quê?”


“Não importa a palavra.” Apertou

a sua angústia no banco, com o pulso

acelerado. “Significa a capacidade de

fazer com que a tua voz pareça vir de

outro lugar. Quaisquer mágicos

conseguem-”

Grou-grrou-grrou!

Um bando de poderosas pombas

apareceu por detrás dos cornos do

diabo. Castanho-canela com uma linha

branca, as asas batendo furiosamente no

momento em que se fizeram ver.

A máscara do diabo caiu alguns

centímetros, ficando apenas presa por

um cordelinho vermelho, nas garras da

ave.

Cilla ficou embasbacada, olhando

o grande predador.

Por baixo dela, perto da porta da

torre, estava Hardwick, com os olhos


estreitos e a mandíbula erguida. Uma

brisa de espalhou o seu suave cabelo

preto pelos ombros largos, cobertos por

um manto, enquanto ele a olhava, com o

escudo enfiado nas mãos.

Ele mantinha o olhar no dela,

escuro e intencional. “Então, é isso que

diabo vermelho quer dizer.”

“Eu-” Cilla corou. Começou por

negar, mas exatamente nesse momento,

voltou o farfalhar, agora

reconhecidamente, o som de asas a bater

rapidamente.

Grrou, grou, gritou ele, com os olhos afiados para os pássaros, enquanto

fazia vários balanços à volta da torre.

Depois, disparou para cima, com a

máscara do diabo atrás de si, como um

papagaio surreal pintado de vermelho.

Claramente divertido, voltou a

rodeá-los, com as asas quase


completamente fechadas. Velozmente,

passou a uma unha negra da borda da

torre. Atirou-se, de novo, desta vez

girando e volteando numa sucessão de

acrobacias aéreas, antes de voltar a

navegar à volta da torre. À quinta

passagem soltou a máscara.

Enorme e pesada, caiu como uma

pedra, aterrando com um enorme

estrondo aos pés de Hardwick.

Mais um arrulhar do pássaro

ouviu-se sobre o Kyle.

O homem de Kilt inclinou-se para

apanhar a máscara e colocá-la

cuidadosamente num monte de pedras

cobertas de musgo.

Cilla limpou a garganta. “É uma

máscara.”

Ele enviou-lhe um olhar irritado.

“Pois é.”
levou um dedo a um dos chifres

brilhantes, examinando-lhe a curva. Um

músculo apareceu tenso na sua

mandíbula e os seus olhos tinham uma

expressão sem leitura.

Poderia ser raiva.

Observando-o, Cilla apoiou as

mãos ao banco de pedra e e levantou-se.

Ela conseguia sentir uma cor quente a

brilhar nas faces dele. O coração dela

começou uma batida lenta de vergonha.

Fosse ele fantasma ou não, ela tinha

enganado este homem. Cada milímetro

dele gritava que ele sabia disso.

Sabia que ela suspeitava que ele

se disfarçara de diabo para a assustar.

O seu olhar voltou a deslizar para

a máscara. Medonho, com os seus olhos

negros brilhantes e sorriso malicioso,

lembrava-lhe as indumentárias usadas


no carnaval de Nova Orleães ou no Rio.

Desculpa. O pedido ficou-lhe na

garganta.

Ela devia-lhe um, seguramente.

Mas ele movimentou-se para a

luz, inclinada da torre e estava tão

sólido e lindo, que ela soube que, se

abrisse a boca, balbuciaria algo de que

se arrependeria.

Algo do género: oh, meu Deusss.

Humedeceu os lábios, sabia que

estava corada.

Ele pousou o escudo e cruzou os

braços. “Já me chamaram muitas coisas

na vida, mas nunca diabo vermelho.”

“Eu-” Cilla olhou rapidamente

pelo arco da janela. O pássaro era agora

uma mancha acima das turfeiras do outro

lado do Kyle. “Também não te teria

chamado isso, se-”


“Nem – até hoje – alguém sugeriu

que eu poderia gostar de deixar crescer

penas e garras.” Ele parecia sentir-se altamente insultado.

“Quanto ao meu kilt-”

“Oh, por favor!” Cilla afastou o

cabelo. Não queria ouvir falar do seu

kilt. “O que é que eu poderia pensar?”

Ela indicou a máscara com um

movimento de mão. “Abri as persianas

para ver aquele rosto a voar na minha

direção. Behag Finney – ou lá qual é o

nome da cozinheira – desmaiou de

medo, quando o viu aparecer na janela

da cozinha. Depois, venho cá para cima

para me afastar por uma tarde e lá está

aquilo outra vez, vindo sabe-se lá de

onde.”

“Pensaste que era eu.”

“Claro que pensei! É o que tu

fazes – apareces e desapareces a toda a


hora.”

Ele permanecia estático. “Estou a

ver.”

“Não estás não.”Ela fez uma

carranca. “Mas deverias. É muito

estranho estares aqui e ali e em todo o

lado.”

“Isso, querida, é o que os

fantasmas fazem.” Disse isto como se

ela tivesse obrigação de o saber.

“Depois de setecentos anos, torna-se um

hábito.”

“Exatamente, e era isso que eu

queria dizer. Tu és um fantasma. Desde

que te encontrei” – fez movimentos com

as mãos à procura das palavras exatas –

“Tenho que acreditar que tudo é

possível.”

“Mesmo diabos vermelhos

voadores e lobisomens?”
“Mesmo isso.”

“Então, moça, tu err,” disse com

uma nota de lamento na sua voz. “Há

coisas que não são possíveis.”

Cilla começou por argumentar

que, se ele existia, tudo era possível.

Mas ele estava subitamente a baixo dela,

depois de atravessar a torre, sem que ela

o visse dar um único passo.

“É outra coisa que os fantasmas

fazem, não é?” Ela disse o óbvio.

“mover-se por uma sala num abrir e

fechar de olhos.”

Ele encolheu os ombros. “é uma

vantagem, sim. Mover rapidamente é

uma das diversões. Ajuda a quebrar o

tédio das nossas vidas.”

“Chamas-lhe vida?” As palavras

saíram-lhe, sem que ela as pudesse

impedir.
Ele pestanejou. Depois, passou

uma mão pela cabeça e pelo queixo,

como que para se certificar que estava

mesmo ali.

O calor começou a queimar a

parte de trás do pescoço, com a

vergonha a queimá-la, quando ele

esticou os braços para os lados e

contorceu os dedos. Examinou uma

mão, depois a outra, antes de voltar a

encará-la.

“Sim, chamo-lhe isso.” A sua

boca curvou-se. “Tal e qual. Estou aqui.

Isso é suficiente.”

“Mas como é que vieste parar a

esta ruína? Assombras Dunroamin.” A

sua sobrancelha levantou-se. “Eu

pensava que os fantasmas ficavam

confinados a um lugar específico.

Seguiste-me até aqui?”


Bateu com uma mão no peito e

fingiu afastar-se. “Tantas perguntas.” Os

seus olhos negros brilharam. “E se

viesses cá para baixo para eu te

responder a essas perguntas todas.”

“Tenho que sair daqui, isso é

verdade.” Deu outro olhar à vista, á

longa queda de água em baixo.

Esquecera-se que ainda estava no

parapeito da janela. Mais surpreendente

ainda, foi que um vislumbre ao humor

dele lhe causava coisas estranhas nos

joelhos.

Ele tinha um sorriso de dinamite.

Mas desapareceu, quando voltou

a esticar os braços e se aproximou mais

da parede.

Olhou para cima, para ela, com

uma expressão séria. “Eu disse-te que

poderia não conseguir apanhar-te aqui.


Devo conseguir amortecer a queda, caso

escorregues. Precisas de te voltar e

descer, usando o mesmo apoio de pé que

usaste para subir.”

O coração de Cilla caiu.

Não se lembrava onde eram esses

apoios. Nem os conseguia ver daquele

ângulo. Olhando para baixo, mediu a

distância entre si e o chão da torre.

Era uma distância grande até lá

abaixo.

Os seus joelhos começaram a

tremer. “Porque é que não me consegues

apanhar, de novo? Já o fizeste antes.”

“Porque isto não é Dunroamin.”

Disse, como se isso explicasse tudo.

"Não entendo."

“Gasto muita energia ao vir

aqui.” Uma linha ficou gravada na sua

testa ao admitir isto. “Sem toda a minha


força, não tenho a certeza de te

conseguir segurar. Não vou correr esse

risco. É mais seguro tentares descer.”

E então, ela tentou, pondo-se de

joelhos, primeiro, e depois rodando

para descer, antes que outro pensamento

lhe assomasse à mente. Só se focava na

crença de que toda a largura dos braços dele suavizasse o pior de uma
possível

queda.

Segura, no chão, limpou as mãos

para dar tempo ao coração de parar o

galope. Depois, respirou fundo e

protegeu-se de outros perigos.

Sendo ele o mais evidente.

“Porque é que me seguiste?” Ela

virou a cabeça, ao dar-se conta do seu

perfume exótico de sândalo, inebriante

pela proximidade com a ruína. “Já que

perdes as forças for a de Dunroamin?”

Para sua surpresa, ele riu.


Mas era uma gargalhada sem

sentido de humor, vazia do delicioso

toque de divertimento, que lhe

incendiara os olhos quando fingiu

vacilar com as suas perguntas.

“Ah, moça.” Pôs as mãos nas

ancas e olhou para o céu, acima da torre

aberta. “Eu não te segui até aqui. Eu já

cá estava, antes de tu chegares.”

“Mas porquê? Se assombras

Dunroamin?” Cilla olhou para ele, uma

estranha sensação na sua barriga

avisava-a que, independentemente do

que ele dissesse, ele estava ali por

causa dela.

Quando ele se aproximou, com o

olhar dentro do seu, ela teve certeza

disso.

***

“Eu não assombro Dunroamin.”


O orgulho fê-lo clarificar a situação.

“Se soubesses a verdade, perceberias

que os fantasmas têm mais o que fazer

do que assombrar lugares ou pessoas.

Eu fico em Dunroamin porque” – fez

uma pausa à procura das palavras exatas

– “me convém.”

E vim para aqui para me afastar

de ti.

“Porquê?”

“Porquê o quê?” Passou uma

mão pelo cabelo, com a cabeça noutro

lugar.

Na verdade, mal ouviu o que ela

disse. Ela inclinara-se para apanhar a

máscara do diabo e nesse gesto tentou-o

com uma imagem tantalizante do seu

traseiro bem formado.

“Porquê, ao que te perguntei

antes.” Ela fê-lo parecer um tonto.


“Porque é que estás em Dunroamin, e

aqui. Não tens um nome das Highland,

por isso não acho que estejas ligado á

família do tio Mac e -"

“a minha mãe era uma Shaw.”

Ele tentava afastar o olhar das suas

nádegas, mas não conseguia. “Do clã

Macintosh e Highlander até aos ossos.”

“Isso não explica a tua presença

aqui.”

“Não tens nada que saber as

razões da minha presença aqui.”

“Estou curiosa.” Ela endireitou-

se, com o rosto do diabo entre as mãos.

Mas os estrago estava feito. O pior é

que a forma como ela agarrou na

máscara, segurando-a rapidamente

contra os seios fez com que eles

inchassem dentro do top azul.

Hardwick praguejou entre


dentes. Ele conseguia ver os contornos

dos seus mamilos. Arrepiados e duros,

eram tão visíveis como se ela estivesse,

novamente, molhada e nua à sua frente.

Molhada. Nua.

As duas palavras invadiram-no,

tirando-lhe a razão.

O seu sangue incendiou-se e o

calor varreu-o, apertando os seus sinais

vitais e esmagando-o. Tão

requintadamente apertado, que ele se

aproximou dela, colocando-lhe as mãos

nos ombros e agarrando-a com firmeza,

para que ela não se voltasse a mexer e

fizesse com que os seus belos seios

tremessem. Ou pior ainda, que o

presenteasse com outro delicado

vislumbre do seu doce traseiro.

“A curiosidade, moça. Nem

sempre é uma coisa boa.” Abanou a


cabeça devagar. “Não é mesmo uma

coisa boa.”

“Mesmo assim-”

“Nã, moça.” ele não podia

ceder. “Confia em mim e deixa lá isso.”

“Confiar em ti?” os olhos dela

eram faíscas azuis. “Quando não me

consegues responder a uma pergunta tão

simples?”

Antes que ele pudesse responder,

uma ranhura abriu-se na parede e onde

um momento havia argamassa a cair

entre as pedras, agora vários pares de

olhos de um vermelho furioso espiavam-

no.

Ele empurrou, libertando Cilla

como se ela fosse uma folha de papel,

estendendo a mão para a ranhura e enfiar

lá um dedo.

Alheia as zombarias das bruxas


atrás de si, Cilla ficou de olhos

arregalados para ele. O coração dele

corria, o sangue gelava, enquanto dava o

seu melhor para ignorar as velhas

bruxas. Devolveu o olhar a Cilla,

desejando não ver os seus enormes

olhos azuis, mas o a cara barbuda e feia

de barba feia de Bran de Barra.

O homem das Hébridas devia-lhe

um ou dois favores, por isso não se

deveria importar muito.

E foi mais longe, imaginado o seu

amigo a balançar nos calcanhares, e

batendo nas coxas com alegria. Rugindo

com a ironia de que uma vez na vida, ele

– Hardwick, o malandro dos malandros

– não podia lançar uma moça aos

ombros, levá-la para a cama e levantar-

lhe as saias só porque lhe apetecia.

Não que ele tratasse esta, dessa


forma.

Cilla exigia uma lenta e

arrebatadora posse, com ou sem bruxas

do inferno.

Por isso, voltou a aproximar-se

dela. Mas as suas forças estavam a

fracassar e ele não pode tocar-lhe nos

ombros. Muito menos com a firmeza que

desejava.

“Moça…” Ele passou os nós dos

dedos lentamente pelo rosto dela, depois

pegou num tufo de cabelo e acariciou-o

entre os dedos. Isso conseguia fazer, por

muito que lhe custasse tocar-lhe. “Quem

dera que nos tivéssemos encontrado

noutro tempo, noutro lugar.”

***

“Eu sei!” Cilla concordou,

esquecida a sua agitação. O coração

dividido ao meio. Ele expressara aquilo


que ela não se atrevia a aceitar, mas que sabia ser verdade. Eles tinham uma

atração profunda, uma ligação que

desafiava o tempo e os mundos.

Imaginava o seu abraço desde a

primeira vez que o viu. Ela ansiava por

ele, por beijá-lo.

E agora isso ia acontecer!

Estava tão certa disso.

As palavras dele, a forma como a

olhava, tudo lhe dizia que assim seria.

Com o pulso acelerado, esperou

que os lábios dele se aproximassem dos

seus, escovando-os, primeiro,

lentamente, depois aumentando a

intensidade, insistentemente, até que a

esmague contra si e devorasse a sua

boca com um beijo forte e avassalador..

Um beijo do tipo que Grant A

Hughes III só teve nos seus sonhos.

Um prazer que não iria gozar


agora, nenhum dos dois, porque logo que

ele se inclinou tão perto que ela lhe

sentia o hálito quente no rosto, ele

voltou a largá-la tão rapidamente, que

ela deixou cair a máscara do diabo.

Saltando, atravessou a torre e

agarrou no seu escudo. Quando se voltou

para ela, segurava-o à sua frente,como

se estivesse à espera que ela o atacasse

com uma espada.

Ele não parecia nada um homem

que esteve a pontos de a beijar

arrebatadoramente.

Parecia furioso.

Nem conseguia olhá-la nos olhos,

o seu olhar estava passava ao lado dela

repetidamente, fixando-se num lugar na

argamassa da parede.

Ficou mortificada. Ela ofereceu-

lhe mesmo os lábios? Ofereceu, e mal


podia acreditar no seu ato ridículo.

Como desceu baixo, ao assumir que ele

a queria beijar. O interior dos seus olhos

ficou em fogo, completando a sua

humilhação.

Nem mesmo a ratazana do Grant a

fez chorar.

O rosto dele estava negro, o

homem de kilt, aproximou-se dela e teve

a ousadia de lhe passar a mão no rosto.

“Isto, doçura” - ele olhou para a

sua mão, a humidade brilhava ali – “é a

razão pela qual não deverias ter vindo

para Dunroamin.”

“As mulheres americanas vão

aonde querem.” Cilla manteve o queixo

erguido e encarou-o.

O calor do seu olhar poderia

acender uma fogueira. “Nunca fui

homem de pôr mulheres a chorar. Não


gosto disso e essa é também a razão por

que vim, hoje, para aqui, para o castelo

Varrich. Não voltarei a cometer um erro

destes.”

Incapaz de suportar tê-lo, ali,

assistindo ao seu embaraço, por mais

tempo, Cilla parou para amassar a

máscara do diabo. Desta vez, quando

levantou o olhar, ele tinha desaparecido.

“Raios!” Ela passou uma mão

pelo rosto.

Depois, afastou o cabelo e

encaminhou-se para a porta. Para lá da

abertura irregular, conseguia ver uma

formação de nuvens sobre o Kyle. Não

tardaria a chover. Ela já sentia o cheiro

frio da névoa, no ar.

Isso e um cheiro persistente de

sândalo.

O suficiente para beliscar o


coração.

Mas, ao levantar a máscara do

diabo contra as ancas para sair da ruína,

sabia duas coisas que desconhecia antes de ali entrar.

Primeiro – a máscara não era do

rosto do diabo que ela viu da sua

janela. Ela olhou para a etiqueta no

interior da máscara, segura disso.

Contudo, como é que a cara do diabo

apareceu na posse de um pássaro

gigante, não era sinistro.

Ela tinha visto a coisa

verdadeira.

Esta era simplesmente uma

máscara, que um dia pertenceu a um tal

Erlend Eggertsson.

Ela estremeceu, sem querer

considerar as implicações, quando tinha

um longo caminho para percorrer,

através de uma mata escura e


assustadora à sua espera.

Em vez disso, pensou na sua

segunda e mais importante revelação.

Quase foi beijada por um fantasma

medieval das Highland.

E ela desejou esse beijo.

Tanto, que tencionava fazer tudo o

que estava ao seu alcance para

descobrir o que correu mal.

Depois, se para variar, a sua sorte

mudasse, talvez conseguisse fazer a

coisa acertada.

Pelo menos, pretendia tentar.

Capítulo oito

“Tinha que ser o Gregor.” A tia

Birdie acenou a cabeça. “A questão é:

onde é que ele arranjou uma coisa

dessas?” Apoiou-se na borda da mesa

redonda e inclinou-se para a frente.

“Não faz sentido. Uma máscara de diabo


vermelha, aqui no meio de nenhures.”

“Não faço ideia.” Cilla enfiou um

mini pretzel na boca.

Os salgadinhos eram viciantes e

graças ao Bar do Hotel Ben Loyal, elas

estavam sentadas num canto sossegado.

Já tinha despachado uma malga cheia. E

esta segunda porção não tardava a

acabar também.

Principalmente porque, de cada vez

que trincava um, a sua mente ficava

longe da origem da cara do diabo, a que

viu na sua janela. A resposta óbvia –

diabo – era um caminho que ela não

queria percorrer. Seguramente, não

numa discussão com a tia Birdie.

Duvidava que o seu ar de amiga de

fantasmas se estendesse até ao demónio

dos demónios.

Franzindo o sobrolho, afastou a


malga de pretzels.

O sal não faz bem.

Muito menos, lidar com coisas que

só acrescentariam chamas, talvez

literalmente, à, já de si, situação

assustadora em Dunroamin. Também

precisava de deixar de se preocupar

com quase-beijos que nunca iriam

acontecer.

Ela mexeu-se na cadeira, sentindo,

até agora, as mãos firmes e quentes de

Hardwick sobre os ombros. Recordou

como os seus sentidos dispararam, todo

o seu corpo em efervescência, quando

ele se aproximou e a olhou com aquele

calor nos olhos.

Ela teve a certeza de que ele a

beijaria.

E não seria um beijo qualquer, mas o

mais profundo e intrincado beijo,


daqueles que dão calores à lama de uma

mulher e a deixam de quatro por um

homem. Sem ar, cheia de desejo e a

implorar mais, certa de que o mundo

parará de girar, se ele não saciar o seu

desejo.

Com um suspiro tempestuoso, ela

cruzou as pernas, apertando-as bem mais

do que é seu costume.

Franziu o sobrolho.

Precisava mesmo de o esquecer.

Endireitando-se mais na cadeira,

desimpediu a garganta. “Acha mesmo

que o pássaro era o skua mandrião da

Violet Manyfeather? O bonxie, ou lá

como é que lhe chamam?”

“Bonxie, sim.” A tia Birdie parecia

gostar dele. “Ele é muito esperto.

Apesar de normalmente só apanhar

coisas ao coronel Darling. Coisas


pequenas, como uma caneta, os óculos

de ler, e uma vez levou-lhe o cachimbo

favorito.”

Os olhos de Cilla abriram-se mais.

“Estava aceso?”

“O cachimbo?” O sorriso que

contraía os lábios da tia dizia que sim.

“E com a marca registada do

coronel,” acrescentou. “Uma bela

mistura de baunilha e rum. Achilles

ficou lívido.”

“Do cachimbo de um cavalheiro para

a máscara de um diabo.” Cilla abanou a

cabeça, feliz por ter a cabeça noutro

assunto. “Ainda não acredita que

tenhamos conseguido por a máscara no

teu carro, grande como ela é.”

A tia Birdie riu e olhou para as duas

unhas partidas. Na sua mão direita.

“Pusemo-la dentro, querida, mas não sei se a conseguiremos tirar. De


qualquer
forma, os chifres estão estragados.”

“Talvez Erlend Eggertson fique tão

contente por ter a sua máscara de volta,

que nem se importe com os cornos

partidos.”

A tia Birdie serviu-se de alguns

salgadinhos e recostou-se na cadeira.

Não acho que existe uma tal pessoa por

estes lados. A não ser que seja um

residente novo e mesmo assim-”

“Já terias ouvido falar dele.”

“Digamos que se eu não tivesse

ouvido falar dele, pelo menos um dos

residentes teria. Uma pena-”

Uma explosão de gargalhadas

femininas, vindas da parede atrás do

bar, cortou-lhe as palavras.

Gargalhadazinhas de rapariguinhas

excitadas, que vinham do restaurante do

hotel An Garbh.
Quando o barulho diminuiu, a tia

Aunt Birdie continuou, “É uma pena que

o An Garbh esteja tão cheio, hoje. Terias

gostado de jantar lá. E eu poderia

perguntar aos proprietários, se eles

conhecem os Eggertsons. Mas eles

pareciam estar cheios de” – ela fez uma

pausa, quando outra série de

gargalhadas irromperam –

“excursionistas.”

“Espreitei lá, logo que cheguei.

Pensei que já estivesses aqui.” Cilla

permitiu-se comer outro mini pretzel.

Uma recompensa por manter a cabeça

longe de um certo fantasma sexy e suas

habilidades para beijar. “Acho que é um

grupo de raparigas estudantes.

Australianas, parece-me.”

“Não são definitivamente o tipo de

turistas que se vejam em Tongue.


Montanhistas, gente da escalada e desse

género, e normalmente não são

raparigas. São mulheres feitas, embora

muitas possam estar a acabar a

faculdade.” A tia Birdie bebeu um gole

de água de soda e baixou o tom de voz.

“De acordo com a Claire, que trabalha

na loja da bomba de gasolina, são fãs de

Wee Hughie MacSporran-”

Whoosh … craque! Uma cardápio

voou para uma mesa ali perto. Pequena,

mas com ar robusto, bateu numa perna

de cadeira, antes de girar pela alcatifa vermelha.

Cilla girou na direção do som, mas

mais ninguém estava no pub. Mesmo o

jovem simpático do bar tinha deixado o

seu posto e não estava visível em lado

nenhum.

Aos olhos da tia Birdie estreitaram-

se, mas em seguida, deu de ombros e


deu outro gole na água de soda.

“Aquilo foi estranho.” Cilla deu uma

olhada à ementa no chão, questionando-

se. Cheirou o ar, segura de que iria

sentir um tentador traço de sândalo,

vindo daquela direção. Olhou à volta,

com o pulso aos pulos. As janelas para a

rua estavam abertas, mas ela não sentia

uma brisa. Absolutamente nada que

conseguisse mover o cardápio para fora

da mesa.

Ou causar o delicioso cheiro de

Hardwick, debaixo do nariz dela,

provocando-a e tentando-a.

A não ser que...

O seu coração deslizou.

Foi varrida por uma esperança louca

e selvagem.

Levantando-se, recuperou o menu e

voltou a colocá-lo na mesa. Mais


movida pela ideia do cheiro a sândalo

do que por uma ideia súbita de arrumar

o pub do hotel.

Se aroma esteve lá, já não estava,

agora.

Afastou a sua deceção. Depois,

voltou para o seu lugar, tentando ignorar

o recipiente com de mini pretzels. Os malditos salgadinhos pareciam


chamar

por ela, e ela não iria fraquejar.

Não por causa de mini pretzels.

Se conseguia discernir o que era bom

para ela, também deveria conseguir

ignorar o imaginado aroma de sândalo.

Olhares negros avassaladores e um

profundo sotaque escocês, tão lindo aos

ouvidos, que Hardwick deveria andar

por aí usando um sinal de aviso à volta

do pescoço:

Atenção! Tapa os ouvidos ou parte

o coração.
Sabendo bem o que era melhor para

ela, afastou a sua voz de mel da cabeça.

Os seus dias de doons, aboots, ou da

maneira dos escoceses dizerem telúrico

já tinham passado. Ela já tinha superado o clube Louca por Kilts da sua

adolescência. Ela sabia mais do que

isso, não se ia emocionar com kilts. Ela

era feita de um material mais resistente

que esse e não se iria apaixonar por um

escocês, principalmente, sendo ele um

fantasma.

Principalmente, por um que ela

supunha, comia uma mulher ao pequeno-

almoço, duas ao almoço e uma dezena

ao jantar.

As suas faces enrubesceram. Era

mestre em fazer uma mulher acreditar

que era um banquete. Respirou fundo,

irritada pelo ressentimento de ele não

ater querido sequer beijar.


Voltou a mover-se na cadeira, certa

de que os seus pensamentos deveriam

estar escritos na testa.

Na esperança de que não estivessem,

deu completa atenção à sua tia. “Quem

é Wee Hughie MacSporran?” perguntou,

agarrando-se a um tema seguro.

“Bem...” A tia arrastou a palavra.

“Ele autointitula-se Contador de

histórias das Highland. Ou seja, é um

empresário.”

Um som que poderia muito bem ser

um resfolegar veio de trás do pub.

Cilla olhou nessa direção, mais

precisamente para trás da mesa, que

tinha o cardápio voador, mas nada bulia.

A tia estava ligada a uma migalha de

pretzel. Se acaso sentiu alguma coisa,

não o mostrou.

Mas Cilla sabia. Pequenos lampejos de consciência passaram-lhe pelos


nervos e a sua barriga ficou cheia de

oscilações. Irritada com a reação à sua

presença, arriscou outro olhar à mesa do

canto.

Estava tão calma como sempre.

Não que a calma fosse importante.

Mesmo que ele estivesse a fazer aquele

truquezinho de que lhe falou, e estivesse

invisível, apostava uma quinta, em como

ele estava perto.

Se assim era, ela não ia deixá-lo ver

o quanto a afetava.

Não era justo que ele parecesse tão

real, tão sólido.

Como um homem de carne e osso, e

muito mais apetecível do que a maior

parte que ela encontrou.

A vida sabia ser cruel.

Sabendo disso, ela virou-se para a

sua tia. “Então, o Wee Hughie é um


homem de negócios?”

“Oh, sim. Mas o negócio é ele

próprio.” As suas sobrancelhas

juntaram-se. “escreveu um ou dois

livros. Com a história da própria

família, um pouco de pesquisa sobre as

raízes escocesas e coisas que tais.

Também dá palestras e é-”

Um grande fanfarrão!

Uma rajada de ar frio passou pelas

janelas, como que para prová-lo. A

porta do pub abriu-se e fechou-se com

um enorme estrondo.

“Oh, deus.” A tia Birdie levou uma

mão ao peito. Olhou primeiro para a

porta e depois para as janelas. “Parecia

que uma tempestade se aproximava.”

De facto, minha senhora.

A cara da tia Birdie ficou

suspeitamente evasiva.
O coração de Cilla bateu de forma

violenta. Agora, sabia que ele estava ali.

Um resfolegar e dois comentários –

todos naquele forte sotaque – eram mais

do que suficientes para o provar.

O seu tom e a natureza dos

comentários, provavam que ele não

gostava desse autor escocês, o

empresário, como lhe chamou a tia

Birdie.

Cilla queria saber porquê.

Com sorte, falar sobre o autor ajudá-

la-ia a manter os pés assentes na terra, se a voz de Hardwick lhe passasse


pelos

ouvidos, outra vez. Pouco importava o

que ele dissesse, mesmo que estivesse

muito irritado. Era a forma como ele

dizia as coisas, o seu sotaque escocês,

que a arrepiava toda e lhe colocava

borboletas na barriga, uma onda de

calor nas suas partes delicadas.


Aparentemente, não tinha

ultrapassado o clube de Louca por Kilts.

Era exatamente igual a todas as

outras americanas famintas por

escoceses.

Estava condenada.

“Entãão” – tentou manter o seu tom

de voz – “porque é que Wee Hughie tem

um bando de australianas atrás de si?”

“Não viste o placarde lá fora, à porta do hotel?” A tia Birdie estava


surpresa.

“Diz CONTRATE UM HIGHLANDER

escrito a azul na parte superior. Não

acredito que te tenha escapado.”

“Se tivesse visto o nome de Wee

Hughie teria notado. CONTRATE UM

HIGHLANDER ter-me-ia detido.” Cilla

enrolou os dedos na sua cerveja Stella

Artois, apertando-a ligeiramente.

Precisava de se focar.

A tia Birdie não precisava de saber


que a sua cabeça estava tão ocupada

com a pressa de descer a colina, que

ignorou completamente o hotel. Só

descobriu o erro, quando as pequenas

casas rurais caiadas de branco

começaram a ser mais escassas, os

campos mais largos e as ovelhas nos

pastos mais numerosas.

Caminhara às cegas.

Preocupada com o diabo à sua

janela, que não era uma máscara e com

Hardwick.

Principalmente com ele.

Ainda a pensar nele, olhou para a sua

tia. “O que tem um cartaz a ver com as

groupies de Wee Hughie? Não vejo a

ligação.”

A tia Birdie riu. “pensa melhor,

querida. O cartaz mostra a razão de elas

estarem com ele. O Wee Hughie


MacSporran faz excursões sobre o

património. Há quem lhe chame guia.

Qualquer pessoa se pode inscrever e,

ele acompanha-os pelas Highlands,

contando-lhes estórias no percurso.”

“Oh.” Cilla acenou a cabeça, sem

grande interesse.

Pegou em mais um pretzel,

determinada a ignorar a sensação da

presença de Hardwick.

“Wee Hughie escreveu um ou dois

livros australianos,” dizia a sua tia. “Há

muitos escoceses lá e levam as suas

raízes muito a sério. Estas mulheres são

fãs. Pelos vistos, inscrevem-se todos os

anos numa tour com ele..”

“Parece uma estrela rock.”

“E é, à maneira escocesa.” A tia

Birdie fez um gesto. “Em breve

conhecerás o Wee Hughie. Ele vai falar


na biblioteca de Dunroamin na próxima

semana.”

Outra lufada de vento gelado chegou das janelas, desta vez, levantando uma

pequena pilha de porta-copos do bar e

pondo-as a voar pelo ar.

O empregado de bar apanhou-os,

saindo de uma porta atrás do bar. Trazia

o seu pedido numa bandeja, jacket

potatoes com queijo e baked beans.

Vindo direto à sua mesa, pousou os

pratos com um sorriso de desculpas.

Depois, correu a buscar as bebidas, sem

que lhe pedissem, com o rosto jovem em

chamas.

“peço desculpa pela demora.”

Rápido como um relâmpago, voltou-se,

apanhando os porta-copos espalhados,

na sua retirada apressada para o bar.

“Há um evento no An Garbh esta

noite,”disse, por cima do ombro, antes


de desaparecer pela mesma porta por

onde tinha entrado. “Mantém-nos a

todos ocupados!”

“Credo.” A tia Birdie observou-o,

depois, pousou o copo de soda e foi até

ao bar. Alguns livros e uma pilha de

panfletos estavam disponíveis. Pegando

num de cada, regressou à mesa. “Aqui

tens. Isto pode dar-te uma ideia sobre o

Wee Hughie.”

Cilla pousou o garfo, que estva

prestes a enfiar na batata e pegou no

livro. O título, Raízes da Realeza,

saltou-lhe à vista. Com vários

centímetros de altura, as palavras

brilhavam no topo do livro em negrito.

Um subtítulo, Um guia do Highlander

para descobrir ilustres antepassados, seguia em letras menores. O resto da

capa mostrava um Highlander bastante

corpulento, posando em frente da famosa


estátua de Robert de Bruce, em

Bannockburn.

O panfleto anunciava uma série de

“Conheça os seus antepassados” eventos

com chá e conversa aterem lugar no

museu Bettyhill, na livraria Loch

Croispol e no Restaurante Balnakeil, e

– sem grande surpresa – no Lar de

idosos do Castelo Dunroamin.

Uma ova.

O desabafo saiu tão próximo do

ouvido de Cilla, que ela ia jurar que

Hardwick estava inclinado sobre o seu

ombro. Antes que ela conseguisse olhar

em volta, a porta principal do pub abriu-se e voltou a fechar-se, desta vez


com

um leve click.

Um trinco quase impercetível, que

parecia estranhamente definitivo.

Cilla franziu o sobrolho. O livro e o

folheto ficaram subitamente frios


debaixo dos dedos.

Ela pousou-os, sem deixar escapar

que o vento frio parou de soprar pela

janela. Todo o ar mudou. Aquele último

resfolegar e a porta a fechar-se

provavam-no. Se Hardwick estava ali,

acabara de sair.

O que lhe deu uma esperança – podia,

finalmente, trazer à tona o assunto que

aguardava discutir.

Wee Hughie MacSporran parecia a

forma ideal de entrar nesse tema.

“O que é um ‘ chá para conhecer os

seus ancestrais?” Ela ajeitou a voz

casualmente. “O Wee Hughie apresenta

uma parada de fantasmas do passado,

nas suas sessões?”

A tia Birdie quase se engasgou com

um pedaço de batata. “Oh!” Ela enxugou

a boca com um guardanapo. “Isso seria


interessante, minha querida. Ele alega

ter uma descendência direta de Robert

Bruce e de quase todos os notáveis da

história da Escócia. Seria uma roda de

iluminados, se ele os convocasse a

todos para as suas palestras.”

“Então, o que faz?” Cilla esperava

que a sua tia não notasse o seu

nervosismo.

“Conta histórias sobre eles.” A tia Birdie lançou uma mão no vazio.

“Regala as suas plateias com anedotas

dos seus famosos ancestrais e depois,

abre um debate. Também conta uma

história sobre a tua família, se lhe

lançares um nome escocês.”

Cilla olhou para baixo, brincando

com a comida. “Talvez ele saiba algo

sobre os Eggertsons?”

“Pode ser.” A tia serviu-se de baked

beans. “Diz-se que eel tem um


conhecimento bastante extenso dos clãs,

por isso, pode muito bem conhecer os

outros nomes.”

“pergunto-me se ele sabe alguma

coisa sobre um lugar chamado Seagrave

ou” – Cilla libertou ar, depois,

prossegiu rapidamente – “uma família

medieval chamada Studley?”

“Poderias perguntar-lhe,

seguramente.” A tia sorriu, os seus

olhos profundamente azuis brilhavam

nos cantos. “Seagrave diz-me alguma

coisa. Acho que é uma ruína na costa

este, a norte de Aberdeen. Um pouco

como a turística Dunnottar, mas deixada

selvagem, totalmente intocada, a não ser

pelo tempo.”

“E os Studleys?”

A tia Birdie abanou a cabeça. “Não

posso dizer que tenha ouvido falar


deles, querida. Desculpa.”

***

Não posso dizer que tenha ouvido

falar deles.

As palavras atingiram Hardwick

como um murro no estômago.

Fez uma carranca e mergulhou mais

nas sombras, perto da porta. De certeza

que Birdie MacGhee nunca ouvira falar

da família dele. Ele não deixara

nenhuma questão pendente, e aquele que

permaneceram e poderiam ter deixado,

embora não diretamente amaldiçoados,

encontraram o seu fim, até que a linha se

extinguiu.

Mesmo Seagrave, poderoso forte de

outros tempos, sofreu. Outras famílias

vieram e desapareceram, derrubando

torres e acrescentando alas, até que, por

último, também elas desapareceram.


Deixando Seagrave desmoronar-se,

pedra por pedra para o mar, até que a

maldição seguiu o seu curso. Um estado lamentável, e a exata razão por que
ele

não tinha o direito de estar ali, deixando

deliberadamente Cilla a pensar que ele

tinha partido.

As almas que insistiam em espreitar

pelas pedras estavam destinadas a ver o

que não queriam.

Ou ouvir.

No entanto, ele não conseguia ir

embora.

Ela puxava-o como um íman. Por

muito que tentasse, não conseguia

esvaziar da sua mente a imagem dela a

inclinar a cabeça para receber um beijo,

todo o seu rosto suave e sonhador e os

seus lábios começando a abrir-se. Um

vislumbre breve da ponta da língua a

tentá-lo e a inflamá-lo.
Apertou as mãos uma contra a outra,

espremendo-as, quando ela se mexeu na

cadeira e o casaco se afastou

ligeiramente para o deixar ver os seus

esplêndidos seios redondos.

Uma doce tentação, que ele não tinha

nada que admirar, mas não conseguia

afastar o olhar. E também não ajudava

nada o facto de ela estar a olhar

diretamente para ele, com os olhos

fervorosos e as sobrancelhas juntas.

Quase como se o estivesse a ver, apesar

do escudo camuflado que usava à sua

volta.

Ele sabia que havia algumas almas

que conseguiam ver os espíritos,

independentemente das sérias tentativas

dos fantasmas em permanecerem

invisíveis.

Ou, ele acreditava nisto com todas as


suas forças, havia tempos em que a

ligação entre duas almas era tão forte,

que os véus que separam os tempos e os

lugares deixam, simplesmente de existir.

Certo de que era esse o caso, o seu

coração começou a bater com mais

força. Uma onda e calor invadiu-o,

enchendo-o de uma profunda saudade,

que não tinha nada a ver com a sua

beleza doce e dourada, por muito que

ele estivesse encantado com a sua

beleza.

Era mais do que isso.

Muito mais, ele desejava-a até aos

ossos.

Franziu o sobrolho, quase desejando estar completamente visível, até que o

olhar dela passou por ele para olhar as

ruínas do castelo Varrich. Olhava para a

ruína, mas a sua mente estava claramente

a olhar para dentro.


O corpo de Hardwick ficou tenso e

eles estreitou o olhar, esperando.

Setecentos anos de prazer com mulheres

fez com que as conhecesse muito bem.

Conseguia ler muito facilmente as

tentadoras americanas. Ela estava quase

a proferir um anúncio importante.

“Tia Birdie….” ela voltou a atenção

para a tia, o seu tom de voz a provar que

ele tinha razão. “Havia outra razão para

eu querer que comêssemos aqui, antes

de voltar para Dunroamin. Preciso de

conversar consigo a sós.”

As orelhas de Hardwick ergueram-

se.

Cavalheirismo esquecido,

aproximou-se.

“Sobre o Grant?” Uma das

sobrancelhas de Birdie MacGee

arqueou-se ligeiramente. “sabes bem


que tens a minha simpatia.”

“Não é o Grant.” Um tom rosa

manchou as faces de Cilla. “Já

ultrapassei isso. A verdade é que,

olhando para trás, não consigo imaginar

o que via nele.”

Um choque de triunfo abateu-se sobre

Hardwick.

Ele aproximou-se mais. Ficou tão

perto que o aroma fresco e limpo dela

rodou sobre ele, seduzindo-o. Ou

melhor, enfeitiçando-o, porque por um

momento de loucura, ele esqueceu que

era um fantasma. Os seus lábios

começaram a curvar-se num sorriso

lento e sedutor. O tipo de sorriso

desenhado para fazer derreter uma

mulher, deixando-a quente e dormente

por dentro. Mas depois, lembrou-se da

sua situação e fez uma carranca.


Como se soubesse do seu poder

sobre ele, ela provocou-o ainda mais,

inclinando-se para a frente e tocando-lhe

ao de leve com o ombro.

Ele ficou gelado, sem se atrever a

mexer, enquanto o calor do seu toque o

arrebatava. Não era apenas o calor, mas

ouro e espinho, a sensação espalhou-se

pelo seu corpo como mel a arder pelo

sangue. Um desejo feroz apoderou-se

dele e quase a agarrou, levantando-a

diretamente para os seus braços.

Roubar-lhe-ia o seu ar com beijos

furiosos e libertaria os seus lindos

seios, deixando as suas mãos deslizar

sobre eles, apertando-os e contornando-

os.

Mas depois, uma sombra caiu sobre a

sala, a escuridão breve que lhe

lembrava a futilidade do seu desejo.


Mesmo assim, ele aproximou-se para

tocar no seu rosto, saboreando a sua

suavidade, sabendo bem que ela acharia

que essa era uma carícia do vento.

Em resposta, ela pestanejou, com a

respiração a tornar-se audível.

“Grant era um idiota,” disse, então, falando com a sua tia, mas olhando

diretamente para ele. “Nem sequer

beijava bem. Na verdade, era bem mau a

beijar.”

O coração de Hardwick disparou.

Era todo ouvidos, agora, baloiçou o

punho e arranjou um banco de três

pernas para se sentar, colocando-o umas

boas duas mesas afastado delas.

Sentou-se, esperando.

“Então?” A sua tia olhava-a. “Sobre

o que é que querias falar?”

“Fantasmas.” Limpou a garganta.

“Quero falar sobre fantasmas.”


A sua tia nem pestanejou. “A-ha!”

Sorriu. “Então, foste contra a Gudrid,

moça Viking da ruína lá em cima?

Pensei que ela se pudesse mostrar a ti.”

Hardwick inclinou-se mais, ansioso

pela resposta.

“Não, não a vi.” Ela parecia

distraída. “O que eu queria mesmo

saber, era” – fez uma pausa, o garfo

parado sobre os baked beans – “se o tio

Mac fosse um fantasma, quando o

conheceu, ainda assim se teria

apaixonado por ele?”

“O quê—?” Os olhos da tia

arregalaram-se.

“Não me obrigue a repetir, por

favor.” Pousou o garfo, e enfiou um fio

de cabelo atrás da orelha. “Já me sinto

suficientemente parva. Só de imaginar

que o tio Mac foi um fantasma. Não um


tipo Casper, mas a sério. Como” – ela

mordeu o lábio, claramente à procura de palavras – “um homem de carne e


osso.

Um homem realmente lindo e sexy.”

Hardwick sorriu.

Ela estava a falar dele. Ele estava tão

certo disso como de que a barba de Bran

of Barra era ruiva.

A sua tia angulou a cabeça,

observando-a, através de um olhar que

foca. “Um fantasma? O teu tio Mac?”

“Sim.” Ela acenou a cabeça. “O que

teria feito?”

“Bem….” Birdie MacGhee olhou

pela janela, parecendo considerar.

Depois, o seu rosto iluminou-se.

Voltando-se para a sobrinha, bateu com

a mão na mesa, com as pulseiras a

fazerem ruídos. “Saltava-lhe para os

ossos, minha querida,”ela riu. “Sem

trocadilhos.”
Hardwick olhou de Cilla para a

mulher mais velha, esperando uma

resposta.

A tia era uma aliada, um dádiva

inesperado. Uma pena que isso não

fizesse a diferença. Podia ter um

exército de aliados, que o seu propósito

em Dunroamin não mudaria. Mesmo

assim, ele inclinou-se para a frente, o

seu coração traidor pulando de alegria,

esperava-se que não lhe desse para se

pôr a correr aceleradamente.

***

“Tia Birdie!” Cilla sentiu o seu rosto

em chamas. “Eu estava a falar a sério.”

“Também eu.” A tia Birdie sentou-se

na cadeira, com a água de soda ao colo.

“Eu era muito mais jovem que tu,

quando conheci o teu tio. E muito

romântica, aventureira e corajosa.” Ela


olhou para o lado, recordando com

clareza. “Tenho a certeza que me teria

apaixonado por ele, sim.”

“Apesar da impossibilidade?” Cilla

continuava cética.

“A impossibilidade – o romance –

ter-me-ia entusiasmado mais.” Um olhar

sonhador pôs-se nos olhos da tia

Birdie. “Não te esqueças que eu sou

aquela a quem a tua mãe chama

'louquinha das fadas’ , eu teria arranjado

um feitiço ou algo assim que fizesse com

que as coisas resultassem para nós os

dois.”

“Parece-me que fala a sério.”

“E falo.”

Parecendo totalmente na sua praia, a

tia Birdie levantou um braço e examinou

as pulseiras no seu pulso. “Vou-to

provar,” disse, apontando uma delas.


“Uma vez, muito antes de conhecer o

Mac, fiquei num belo hotel de um

castelo perto de Edimburgo. Agora é

um resort de luxo, mas preservado como

um dos melhores redutos do século

XIII.”

O coração de Cilla deslizou. Ela

sabia que a sua tia tinha mais para dizer,

algo de importante. “O que aconteceu?”

“Ah, bem-” A tia Birdie riu e sentou-

se melhor na cadeira. “Foi-me atribuída

uma suite na parte mais antiga do

castelo, um quarto com uma decoração

medieval maravilhosa, bem no fundo da

cave do castelo.”

“Viu um fantasma lá?” Cilla lançou-

se sobre essa possibilidade.

O olhar da tia Birdie passou ao lado

de Cilla. “Digamos, apenas, que o poço

de 500 anos do castelo estava no meu


quarto.” Ela voltou a olhar para Cilla.

“Deu-me algumas ideias.”

“De que género?”

A tia Birdie voltou a estudar as suas

pulseiras. “O poço,” começou ela,

lentamente, “estava numa esquina do

quarto e, por razões de segurança, fora

coberto com um vidro e uma grelha de

ferro, mas havia pouca luz a brilhar no

eixo. Podia olhar-se para baixo,

claramente até ao fundo, onde a água

reluzia.”

“Adorou-o.” Cilla conhecia a sua

tia.

“Mais do que isso, fascinou-me.” A

voz da tia Birdie ficou suave, distante.

“Iluminado como estava, o poço

combinado com o mobiliário de época

tornava mais do que simples ficar

acordada à noite, imaginando um


cavaleiro arrojado, subindo pelo poço

para me possuir!”

Cilla sorriu. “Mas isso não

aconteceu.”

“Infelizmente, não.” A tia Birdie

abanou a cabeça. “mas se me

aparecesse um tal galã, fosse ele

fantasma ou não, podes apostar que eu

consideraria a sua parição uma dádiva

dos cosmos e aproveitaria ao máximo.”

“Acho que acredito em si.”

“É bom que acredites.” A tia Birdie

estendeu a mão sobre a mesa e apertou a

de Cilla firmemente. “Apesar da

negação do teu tio, há coisas neste

mundo que não podem ser explicadas. O

que não quer dizer que não sejam

reais.” Os seus olhos recomeçaram a

brilhar. “E lembra-te que isto é-”

“A Escócia,” Cilla completou a frase


por ela, “uma terra mágica, onde estas

coisas acontecem simplesmente.”

“E acontecem.”

“Oh, tia Birdie, eu-” uma súbita

explosão de vento abanou as janelas

deixando entrar água da chuva para a

esquina da mesa delas.

“Meu Deus!” A tia Birdie levantou-

se e levou a sua cadeira para o lado de

Cilla. “É melhor terminarmos e pormo-

nos a caminho,” acrescentou, pegando

no prato. “Não tinha percebido que o

tempo tinha mudado tão rapidamente.”

“Eu vi nuvens de tempestade há

pouco, mas já me tinha esquecido

delas.” Cilla disse uma meia verdade.

Foi Hardwick quem a fez esquecer

do tempo.

Agora, com o vento a soprar nos

beirais do pub e com a chuva a bater


forte nas paredes, o momento mágico

tinha passado.

Ela teria que esperar por outra

oportunidade para falar à tia Birdie

sobre o fantasma sexy.

A tia poderia estar recetiva, mas a

sua mente já não estava num castelo

romântico com o seu poço medieval.

Agora, pensava na longa viagem de

regresso a Dunroamin, na escuridão da

chuva e nas estradas molhadas e

escorregadias.

Uma viagem ainda mais perigosa por

causa das cortinas de nevoeiro.

“Não acredito que esteja tão escuro.”

Cilla olhou pelas janelas. A luz do hotel

brilhava na estrada, mas o resto do

mundo era de um profundo cinza de

tempestade. “Eu pensava-”

“Vai passar.” A tia Birdie parecia


confiante. “Logo que a tempestade

acabe, o céu da noite ficará tão claro e

brilhante como sempre é, nesta altura do ano.”

“Esperamos, então? Talvez-”

Um movimento lá for a chamou a

atenção de Cilla e ela fechou a boca,

piscando várias vezes. Ela poderia estar

errada – a espada e o escudo tinham

desaparecido – mas, a não ser que os

olhos a enganassem, Hardwick estava

delineado contra a neblina da noite.

Parecendo alheio á chuva e à névoa,

estava encostado à parede, perto da

entrada do hotel, de braços cruzados e

pés cruzados nos tornozelos.

Estava claramente à espera de

alguém.

Ela não fazia ideia de quem seria.

A sua respiração foi roubada e o

coração começou a correr. Depois,


quase saiu de si, quando a tia Birdie lhe

colocou uma mão no ombro. Ela nem

tinha percebido que ela se tinha

levantado.

“Acho que está na hora.” A tia sorriu

para ela.

O queixo de Cilla quase caiu. Mas,

depois percebeu que a sua tia, se referia

apenas a ir para casa. ‘Louquinha por

fadas’ ou não, a tia Birdie não lia

mentes.

“Então?” A tia Birdie afastou-se,

pôs a alça da bolsa ao ombro. “Estás

pronta?”

“Sim.” Cilla levantou-se, antes que

os joelhos começassem a tremer.

Ela estava pronta.

A tia Birdie tinha razão. A Escócia era um lugar mágico.

E alguma dessa magia estava

quase a acontecer-lhe.
Ela simplesmente sentia isso.

Capítulo nove

“Estás a deslizar, meu amigo.”

Bran de Barra estava na calçada em

frente do Hotel Ben Loyal e sorria para

Hardwick. Depois, retirou a espada e,

com um pouco de floreado apontou para

o local onde deveria estar o escudo e a

espada de Hardwick.

“materializaste-te sem as tuas

melhores partes.” Bran embainhou a

espada e pôs as mãos na cintura. “A

moça alterou-te o juízo.”

Hardwick franziu o sobrolho. “As

minhas melhores partes estão aqui,

podes ter a certeza.”

Todas elas, acrescentou.

Naturalmente, para si próprio.

Para confrontar Bran, levantou as

mãos e estalou s dedos. Imediatamente,


o escudo e a espada apareceram. “Estão

aqui, se eu precisar deles.”

Recusou-se a comentar o seu juízo.

Pareciam estar num estado questionável.

Inclinando-se contra a parede, ostenta a

espada e o escudo. Depois, assume a

postura mais casual que consegue.

Também amaldiçoou a sua sorte por

se ter esgueirado para fora do pub, na

altura exata em que o seu amigo das

Hébridas resolveu materializar o seu

ser.

A colisão das suas testas foi

formidável.

O mais irritante de tudo, era que o

impacto não parecia ter perturbado

Bran.

Já a sua cabeça estava a dividir-se

ao meio.

Tanto que se o patife não parasse de


sorrir para ele,seria obrigado a desafiá-

lo para um duelo na borda do penhasco

mais próximo. Um mergulho de mais de

quinhentos pés de altura, contra a rocha

e no mar frio e escuro, amorteceria até o

humor do mais selvagem homem das

ilhas.

Em vez disso, ele pousou a sua

espada a uma distância segura e tentou

outra tática, igualmente eficaz.

Sorriu.

“Entãaao, Bran.” Falava como se

estivessem no enorme salão de

Seagrave, desfrutando de boa cerveja e

mulheres ainda melhores. “Como é que

podes ter perdido interesse nas mulheres

nórdicas tão rapidamente? Não esperava

ver-te de volta de Shetland por um bom

tempo.” Ele aprofundou o seu sorriso.

“Ou será que as galantes nórdicas te


encolhem o nariz?”

“Sabes bem que mulher alguma me

resiste.”O sorriso de Bran tornou-se

irritantemente confiante. “Não houve

uma hora da minha ausência em que não

tivesse uma mulher bonita em cada

joelho.”

“Então, por que razão estás aqui?”

“Perguntas! Lerwick inteira estava

num tumulto.” A expressão de Bran

tornou-se séria. “Nunca tinha visto nada

assim,” disse, afastando uma aba dos eu manto contra o vento frio, que
vinha do

fundo das colinas. “Até as mulheres

agarraram em armas, como homens.”

Ele abanou a cabeça, puxando a

barba. “Dir-se-ia que o mundo estava à

beira do fim.”

“Assim tão mau?”

“Não foi o que eu disse?” Bran

esticou o queixo.
“Sempre te conheci por esticares a

verdade.”

“Não em assuntos destes.”

Mesmo assim, Hardwick cruzou os

braços.

Olhando para o lado, fingiu interesse

na névoa branca que se espalhava pelas

casas dispersas no fim da estrada. De

algures mais perto veio o cheiro forte de fumo, bem-vindo no ar frio e


húmido.

Respirou fundo, esperando.

Não se deixava levar pela tagarelice

de um hébrido.

“Para de fingir que contas as gotas da

chuva.” O rosto de Bran reluziu da

frente do dele, afastado apenas uns

milímetros. “Sei que estás ansioso por

saber o que pôs Shetland num

alvoroço!”

Hardwick examinou os nós dos

dedos. “Dir-me-ás se estou ansioso ou


não.”

“Ai é?”

Hardwick tentou impedir que os seus

lábios tremessem.

Bran precisava de menos que um

piscar de olhos para detetar o sorriso

escondido, o seu rosto áspero

dividindo-se noutro riso. “Seu grande

palhaço!” rosnou, batendo com a mão no

ombro de Hardwick. “Todos este

séculos e continuas a levar a melhor

sobre mim.”

“Eu diria que o resultado é um

empate, meu caro.” Hardwick estcou o

braço para apertar a mão de Bran com

vigor. Não ia admiti-lo, mas tivera

saudades do malandro.

Afastando-se, voltou à sua pose

contra a parede. “Então, o que te afastou

dos braços de uma doce nórdica?”


“Um ataque!” O ultraje tomou forma

na voz de Bran. “Toda a cidade de

Lerwick se quer vingar.”

Hardwick levantou as sobrancelhas.

Mal podia acreditar.

A cabeça baloiçante de Bran dizia

que assim era.

“Um ataque?” Hardwick olhou para

o seu amigo. “Tens a certeza?”

“Tão certo como eu estar aqui à tua

frente.”

“Houve pilhagem, casas

incendiadas? Homens mortos e mulheres

capturadas?”

Assim era a velha forma de saquear.

“Nem uma gota de sangue foi

derramada.”Bran bufou. “Ne um grito de

guerra foi dado. Não foi esse tipo de

ataque.”

“O que foi, então?”


“Levaram coisas.” Bran baixou a

voz, olhou por cima do ombro. “Os

tesouros nacionais, Seagrave. Tudo oq

ue é de mais querido para o coração de

um Shetlander.”

“As mulheres?” Hardwick não se

lembraria de outra coisa.

“Não, seu grande maluco!” Bran fez-

lhe uma cara feia. “‘Foi bem pior do

que isso. Eles invadiram a Galley

Shed, por amor de Thor!”

Hardwick pestanejou. “O quê?”

“O que acabei de dizer. O Galley

Shed.” Bran enfiou as mãos no cinto e

baloiçou nos calcanhares. “Não me

digas que te esqueceste do lugar. É o

maior armazém – Um shed – onde os

bons homens de Lerwick constroem os

seus barcos viking. Eles-”

“Vikings?” Hardwick arqueou as


sobrancelhas.

“Guizers de Up Helly Aa!” A voz de

Bran levantou-se. “Homens bons e

orgulhosos da sua herança nórdica de

queimar uma galé na sua festa anual do

fogo, todos os invernos. Agora o seu

salão de festas foi saqueado.”

“O barco foi roubado?”

“Não, mas aposto que só o deixaram

porque era demasiado grande para ser

transportado.” Bran andou alguns

passos, e voltou-se de novo para trás.

“Os diabos levaram tudo o que as mãos

agarraram. Se não conseguirmos

recuperar as perdas, para o ano temos

que cancelar a cerimónia do Up Helly

Aa.”

Bran deu um bofetão na coxa, com os olhos brilhando. “Agora, percebes


por

que é que os ânimos andam exaltados no

norte! O sangue de um viking grita,


quando é enganado.”

Hardwick compreendeu.

Up Helly Aa era Shetland.

O festival, com a sua procissão de

velas com guizers fantasiados e a o seu

navio dragão a arder tinha uma tradição

de mais de 1000 anos. Ele e Bran

tinham mesmo tomado parte de algumas

dessas celebrações barulhentas juntos,

tanto nas suas vidas terrenas como

depois delas.

O que ele não percebia era a razão

por que Bran regressou a Tongue, em

vez de ficar lá, a ajudar os locais a

capturarem os perpetradores de tais

crimes contra a tradição.

Olhando para ele, agora, a verdade

atingiu Hardwick como um balde água

fria.

Tinha a ver com Dunroamin.


Hardwick começou a andar, com o

kilt a baloiçar contra os joelhos.

“Gostava de ouvir o que foi levado.”

“A lista é longa.” Bran parou para

cheirar o cartaz que dizia CONTRATE

UM HIGHLANDER, colocado ao lado

da porta do hotel. “A viagem de

Shetland é um tédio. Talvez tenha que

me refrescar antes de-”

“Esgueiraste-te para aqui, como eu.”

Hardwick parou de andar de um lado

para o outro para olhar para ele. “leva

menos que um piscar de olhos. Mas

aqui” – ele estalou os dedos e produziu

um copo de cerveja, oferecendo-o ao

seu amigo – “que não se diga que eu

neguei conforto a um homem.”

Bran agarrou a cerveja, bebendo-a de

um só gole. “Ahhh….” afastou o copo,

rindo-se quando o viu desaparecer antes


de cair no chão. “Onde estava eu?”

“Em Galley Shed.”

“Sim, certo.” Bran passou a manga

pela boca. “Põe-me o sangue a ferver, é

o que é. Os canalhas fugiram com toda a

gama de Guizer Jarl dos chefesVikings e

uma boa quantidade de outros fatos

Guizer. Elmos com cornos e

pontiagudos, camisas de malha e capas

de lã. Até algumas fantasias. Já para

não falar nas espadas, machados e

lanças que desapareceram.”

Hardwick encolheu os olhos. “Foi

por isso que voltaste, não foi?”

O rosto de Bran ficou num rosa

pálido. Ele olhou para baixo, arrastou os

grandes pés no pavimento molhado. “Fiz

o mesmo que tu farias, e sabemos os

dois muito bem que é assim.”

“Se estiveres a pensar o mesmo que


eu – que os fantasmas Viking em

Dunroamin são homens, usando fatos do

Up Helly Aa - temos que fazer algo em

relação a isso, rapidamente.” Ele olhou

para as janelas do hotel. Uma luz

amarela suave caiu na estrada. Dourada

e brilhante, como o cabelo de Cilla.

“Não vou deixar as pessoas de

Dunroamin serem atacadas por um

bando de ladrões.”

Ou pior.

A sua barriga encolheu com as

possibilidades. Ele já tinha percebido

como se estavam a portar as bruxas do

inferno, cacarejando no meio do vapor

do chuveiro e espiando-o através das

paredes do castelo Varrich. Tinha a

certeza de ter visto um ou dois dragões,

também.

Sabia que tinha cheirado um.


Se acontecesse algo à Cilla e ele não

a pudesse proteger, nunca se perdoaria.

“Vamos até ao fundo da questão.”

Bran parecia desejoso, a sua voz

bombava. “Quando encontrarmos as

dragas, penduramo-los de cabeça para

baixo!”

“É preciso gritar, quando estás tão

perto?” Hardwick esfregou a orelha.

“É o que dá morar nas Hébridas.

Aquele vento todo não nos deixa outra

hipótese, senão sobrepormo-nos a ele.”

Hardwick não conseguia contestar

isso.

Mas precisava de se desembaraçar

do seu amigo. Em breve a Cilla e a tua

sairiam do hotel e ele preferia estar

sozinho para as cumprimentar.

Principalmente, depois da notícia de

Bran.
Mas o patife inclinava-se para a

frente, com fogo nos olhos. “Achas que

a mão dele está nisto?”

“De quem?”

“Aquele ali!” A espada de Bran

apareceu na sua mão e ele enfiou a sua

ponta contra o cartaz ao lado da porta.

“Nunca gostei deste daquele pavão

armado.”

“Nem eu.” Hardwick olhou para o

cartaz. “Mas é a sua pancinha que me

dá dor de cabeça. Não acho que ele

tenha algo a ver com os problemas do

Mac.”

“Ele está aqui.” Bran continuava

teimosamente.

“Veio dar palestras.” Hardwick

ignorou a indignação do seu amigo.

“Olha bem para o cartaz. Ele auto-

denomina-se contador de histórias das


Highland, agora. Arrasta admiradoras de

todos os cantos da terra. Não iria deitar

for a uma vida tão boa, deslocando-se

até Lerwick para roubar ornamentos

Viking.”

A expressão de Bran azedou.

Deu um pontapé numa pedra.

“Mesmo assim, vou ficar d'olho nesse

malandro.”

“Farias melhor em reunir os teus

amigos.” Hardwick agarrou-se a essa

ideia. “Podemos vir a precisar deles,”

acrescentou, esperando que tal não fosse

necessário. “Eu trato do MacSporran.”

Bran levantou uma sobrancelha. “E

eu que pensei que andavas a tratar da

amari-cana.”

“Quem?” Hardwick fingiu-se

desentendido.

“Ha ah!” Bran enviou um olhar


exagerado na direção das janelas do

hotel. “Bem te vi ali, à espera num

canto e a fazer olhinhos à moça. Vi, sim

senhor ou não me chame eu MacNeil!”

“Não estava a fazer-lhe olhinhos.”

Hardwick deu um olhar cruzado ao

amigo. “Apareceu uma máscara

vermelha de diabo lá em cima em

Dunroamin e no Castelo Varrich, quando

estavas for a. Pensei ouvir, para bem de

todos, o que as senhoras tinham para

dizer sobre o assunto.”

Bran deu uma enorme gargalhada.

Hardwick não se importou.

Não era da conta de ninguém a razão

por que ele se afastou para o castelo.

As ondas exuberantes dos seus seios

cheios de Cilla, ou a forma como as suas

calças apertadas exibiam as curvas das

suas nádegas.
Ele franziu o sobrolho e passou uma

mão pelo cabelo.

Seguramente, não iria contra a Bran,

que a seguira até ao pub do hotel,

porque o seu cheiro era como um dia

lindo de primavera, lavado de sol e

cheirando a erva e a flores a

desabrocharem. Ou, que os deuses lhe

acudam, porque ele achou o azul

profundo dos seus olhos irresistível.

“No melhor interesse, ah?” Bran não

desistia.

“Estás enganado.” Hardwick olhou

para o patife. “Tinha bons motivos para

estar no pub. Os meus esforços foram

compensados.”

“Como queiras.” Bran encolheu os

ombros. “Longe de mim querer discutir

com um homem apaixonado.”

Hardwick ignorou-o. “Ouvi o nome


do dono da máscara. Se ouvi bem, é um

tal Erlend Eggertson.”

“C'os diabos!” Os olhos de Bran

arregalaram-se. “isso é um nome de

Shetland, se alguma vez ouvi um!”

“É o que eu estou a pensar.”

Hardwick esperou que um home

passasse a passear o cão. “Agora já vês

por que te pedi que reunisses os teus

homens. Se a máscara do diabo de

Erlend Eggertson foi roubada da Galley

Shed, isso só pode querer dizer-”

“Guerra!” Bran levantou um punho

fechado, parecendo mais do que

satisfeito com a perspetiva. “Pelo

poderes todos, vou para Barra! Os

tontos vão saber o preço de tentar tramar

um homem das ilhas. Ou” - ele atirou

um olhar cheio de sentido às janelas do

pub – “daqueles que amamos.”


O coração de Hardwick concordou

plenamente. Antes que o pudesse

afirmar, o seu amigo desembainhou a

espada. Batendo com uma mão no seu

peito largo e usando a outra para fustigar

o ar com o aço, desaparecendo, depois,

num redopio de panos e insultos

gaélicos.

Nesse mesmo instante a porta do

hotel abriu-se.

Uma faixa de luz dourada espalhou-

se pela noite chuvosa e nublada. Cilla e

a sua tia saíram. Hardwick certificou-se que a espada e o escudo estavam

invisíveis, depois, endireitou os ombros

e saiu das sombras.

“Senhoras.” Curvou-se até baixo.

“Permitam-me uma palavra...”

***

“Oh!” Cilla escondeu-se nas costas

da sua tia. O queixo caiu, mas ela


fechou-o de imediato. O calor apressou-

se pelo seu corpo, ardendo mais no

rosto. Tinha a estranhíssima sensação

de que o chão lhe fugia debaixo dos pés.

Acreditava que Hardwick

desaparecera, de novo, antes de ela ter

saído do pub.

No entanto, ali estava ele, lindo

como nunca e parecendo ainda mais real

do que nunca.

O seu coração deu uma cambalhota e

disparou para o triplo da velocidade.

Mudara a sua aparência, deixando de

for a as suas vestes medievais. Embora

ainda usasse o kilt, um kilt um pouco

grosseiro, irregular nas fímbrias. Uma

camisa caqui, igualmente velha, estava

suficientemente desabotoada para deixar

vislumbrar um peito poderoso e

musculado. Um tufo de cabelos negros


brilhava ali, provocando-lhe coisas

estranhas na barriga. Botas de trabalho

pesadas e meias grossas e voltadas para

baixo inclinavam-se na sua robustez.

Um aroma de sândalo ainda colado a

ele, apesar das suas vestes modernas.

A apreciação fê-la tremer. Assim

como outras sensações, mais profundas,

mais excitantes.

Se algo se alterou, ele estava ainda

mais irresistível. Ela sabia que isso era

impossível, mas desejou tanto poder dar

a volta ao tempo, apagando anos e

séculos. Algo que o fizesse não apenas

parecer tão bem, tão real, mas que lhe

permitisse fazer, de facto, parte do seu

mundo, da sua vida.

Ela sabia que a tia Birdie acreditava

na magia escocesa. Lendas, mitos e o

saber, a ideia generalizada de que o


tempo parou, na Escócia. Que tudo

pode acontecer aqui, principalmente em

lugares remotos e isolados como

Sutherland.

Cilla também queria acreditar.

Deslizou um olhar para a sua tia, sem se atrever a falar.

Caso se tenha surpreendido,

recuperou rapidamente. Na verdade,

olhava para ele, como se ele fosse um

amigo há muito perdido, que acabava de

regressar de uma viagem.

“Claro!” A tia Birdie pôs o seu

sorriso mais brilhante. “Em que

podemos ajudar?”

Todo o encanto de Gael foi para o

sorriso dele. “Sou Seagrave. Sir- … er

… Hardwin de-”

“Studley.” A tia Birdie nem

pestanejou.

Mas lançou um olhar a Cilla.


“Ouvi dizer que estava por cá,”

acrescentou, fresca como um pepino. “É

um enorme prazer conhecê-lo.”

Cilla olhou de um para o outro. Era

óbvio que a sua tia reconhecia

Hardwick. Naturalmente, lembrava-se

de Cilla ter mencionado o seu nome no

pub. O mais provável é que o tenha

visto, o que explicava os seus olhares

repetidos pelo canto da ementa.

Um canto onde ele estaria a ouvir a

conversa delas, Cilla tinha a certeza.

Se assim fosse, a tia Birdie sabia que

ele era não apenas um fantasma, mas

aquele que provocou a pergunta sobre a

sua reação, se soubesse que o tio Mac

era um fantasma sexy, quando se

conheceram.

O jeito radiante da tia Birdie

provava-o.
O próprio sorriso de Hardwick era

devastador. “Diz-se que,” disse ele com

o seu tremendo sotaque escocês suave e

forte, “têm tido problemas em

Dunroamin. Que têm razões para

acreditar que há bandidos a percorrer os

campos de turfa à noite. Estou aqui para

oferecer os meus serviços.”

“Os seus serviços?” A tia falou sem a

mínima hesitação.

Hardwick assentiu. “Ouvi dizer que

o seu marido precisa de homens para

cortar a turfa.” Ele olhou na direção de

Dunroamin. “Ifelizmente, não posso

servir de muito com a turfa. Vim aqui

para” – desimpediu a garganta –

“recuperar de uma doença crónica, e não

posso fazer muito rabalho braçal. Mas

posso passar as noites a vigiar os

vossos campos.”
“Uma espécie de guarda?” Cilla

afastou um cabelo do rosto, com o

coração ainda aos pulos.

Ele deu-lhe um sorriso lento e

simples. “Vigiaria a turfa do seu tio,

sim.”

Pela primeira vez, a tia Birdie

parecia desconfortável. “Não sei se o

Mac concordaria. Os tempos estão

difíceis e nós” – ela arranjou a sua

écharpe azul royal – “já não temos-”

“O tio Mac cairá em si.” Cilla

colocou uma mão sobre o ombro da tia,

certa de que a sua objeção tinha mas a

ver com o que o tio diria, se descobrisse

que Hardwick é um fantasma do que

com os fundos para o contratar.

“Eu tenho amigos de sangue nórdico,

minha senhora.” A voz de Hardwick

fez-se ouvir reconfortante. “Mesmo nos


piores dias de outrora, muitos eram

simples camponeses. Homens bons que

cruzavam os mares como negociantes

honestos, lidando com comerciantes ao

longo do Báltico e distribuindo bens aos

colonizadores vikings na distante

Islândia e Gronelândia.”

Fez uma pausa, até que a tia Birdie

parou de mexer na sua franja.

“Por isso, está a ver” – falou com

convicção – “não me ficaria bem saber

que há almas que fingem ser amigos dos

meus mais notórios antepassados com o

propósito de assustar os outros.”

A tia Birdie levantou a cabeça.

“Ouviu falar dos nossos fantasmas

Viking?”

“Ouvi.”

“Ir contra eles pode ser

desagradável.” Ela olhou para Cilla.


“Mac não acredita que eles são

fantasmas. Eles podem ser perigosos.”

Os olhos de Hardwick brilhavam na

luz da entrada do hotel. “Garanto-lhes

que também não acredito que sejam

fantasmas. Quem quer que sejam e o que

quer que pretendam, será perigoso para

eles cruzarem-se comigo.”

A tia Birdie considerou. “Mesmo

assim, nós-”

Ele interrompeu-a com uma mão

erguida. “Acabar com eles será um

prazer meu. É uma questão de honra. E

por isso, eu não aceito recompensa.

Nenhum Highlander digno desse nome

aceitaria.”

“Bem...” A tia Birdie considerou.

“Pondo as coisas dessa maneira-”

“Ponho.” Pegou na mão da tia,

levando-a aos lábios.


Quando se endireitou, voltou-se para

Cilla. Por um instante, ela julgou ter

visto o brilho da sua espada à volta das

suas ancas. A longa espada comprida tão

direita contra a sua coxa, os pregos de

latão do seu escudo faiscando com a luz

de um carro que passava.

Por muito louco que pudesse parecer,

apaixonar-se por ele, era algo que lhe

podia acontecer.

Talvez até já estivesse um pouquinho.

E quem a poderia censurar? Que

fosse nas vestes medievais ou, como

agora, lindo de morrer no seu kilt

moderno, ele simplesmente a deixava

sem fôlego. Principalmente porque os

seus olhos aqueciam e incendiavam em

lume brando dentro dos dela.

O facto de ele querer ajudar os seus

tios deixava-lhe o coração agarrado de


forma completamente diferente.

“Os problemas não são bons para

Dunroamin.” Foi tudo o que ela

conseguiu dizer. “Qualquer ajuda para

acabar com eles será apreciada.”

“Farei o que puder.” Ele deu-lhe

outro sorriso, um sorriso que ele

desejou que passasse segurança, mas

que passou, em simultâneo o mais doce

e dourado através dela. “Pode ser” –

ele voltou-se, de novo, para a tia - “que

um ou dois amigos se junte a mim, nas

patrulhas noturnas. Eles também são

Highlanders. Homens das ilhas, que

conheço há anos.”

“Os teus amigos-” Cilla calou-se,

antes de soltar o óbvio.

Que os seus amigos eram,

provavelmente, fantasmas.

“Sim, os meus amigos.” Ele nem


pestanejou. “Bons homens de luta e de

olho vivo, comem os vossos fantasmas

vikings ao pequeno-almoço e cospem-

lhes os ossos.”

A tia Birdie sorriu.

“Então, fica combinado, salvo

objeção do Mac.” O olhar dela

inclinou-se para a estrada, para o seu

carro. “Poderia oferecer-lhe agora uma

boleia para o castelo. Gostaria que

falasse come ele. Mas não há um

mílimetro de espaço no meu carro.”

Ela hesitou, como se estivesse a

medir as palavras. “A Cilla subiu à

ruína do castelo Varrich, esta tarde e

trouxe uma-”

“Máscara vermelha de diabo, eu

sei-”

“Mas como…” A tia Birdie piscou

os olhos. Depois, a cara dela ficou


clara no mesmo instante. “Eu devia

saber-”

“Claro que devia.” Cilla pôs uma

mão no braço da sua tia, improvisando.

“A tia é que está sempre a dizer que as fofocas resultam muito bem nas
terras

altas da Escócia.”

Ela escovou uma gota de chuva da

manga. Com sorte, ela pouparia

Hardwick de um momento embaraçoso,

se ele não tivesse percebido já que a sua

tia sabia exatamente quem – e o que –

era ele.

“Não me surpreenderia nada, se toda

a gente acima da linha das Highland

soubesse da máscara, por esta altura.”

Ela sacudiu um pouco a mão para

ilustrar a sua ideia.

“Tens razão, claro.” A tia Birdie

continuou. “Até as pedras têm ouvidos,

por estas bandas, cada moita de urze tem


um par de olhos a espreitar. E” - ela

sorriu para Hardwick – “cada uma tem

uma língua afiada.”

“A palavra passou, sim.” Ele acenou

sabiamente. “Eu tenho uma ideia de

quem possa ser o dono da máscara, ou

pelo menos, onde o encontrar. Também

tenho uma boa noção sobre a origem dos

vossos fantasmas viking. Infelizmente” -

olhou para as nuvens que baixavam –

“aqui, debaixo dos chuviscos não é a

melhor altura nem o melhor local para

isso-”

“Vai falar com o Mac?” A tia Birdie

não voltou a oferecer boleia.

“É minha intenção fazê-lo.” os seus

olhos ficaram escuros, quase ferozes.

“Visitá-lo-ei com a maior brevidade.”

Afastando-se, desenhou outra vénia.

“Ladies.”
Depois, voltou-se e afastou-se. O

silêncio das suas pesadas botas de aço,

a caminhar no passeio, era o único sinal

de que ali não ia um homem de carne e

osso.

“Como sabia?” Cilla voltou-se para

enfrentar a sua tia, no momento em que a

névoa da noite o engoliu.

***

Cilla levou uma mão ao peito, o

rodopio de emoção girava dentro dela.

“Consegues acreditar nisto?” Olhou para

a tia, espantada por a sua voz não rachar

com o choque. “Ele estava aqui, a falar

connosco e parecendo tão real como

nós.”

“Minha querida” – A tia Birdie

enrolou a ponta do seu lenço nos ombros

– “Sabia que ele rodeava Dunroamin,

muito antes de tu chegares. Só não sabia


quem era nem qual o seu propósito, até

agora.”

“O seu propósito?”

“Tem tudo a ver contigo, claro.” A

tia Birdie falou como se tudo aquilo

fizesse todo o sentido.

“E o tio Mac e os seus campos de

turfa?” Cilla apressou-se atrás da tia,

quando ela começou a dirigir-se para o

carro. “Os homens a vestirem-se de

fantasmas ou lá o que era. Então, e tudo

isso?”

“Isso fará parte da coisa, também.”

A tia Birdie abriu a porta do carro – as

pessoas em Tongue não fechavam os

seus veículos – e escorregou para a

frente do volante.

Esperou até que a Cilla reclamasse o

assento do lado e apertasse o cinto de

segurança. “O karma deste é homem é


conhecer-te. Talvez também ajudar-

nos.” A sua voz tomou um tom sagaz.

“Estou muito segura disto.”

“Como sabe que ele é o fantasma que

sentiu em Dunroamin?” Cilla mordeu o

lábio. “Talvez tenhas visto a Margaret

MacDonald? O espírito da enfermaria

de que a Honoria me falou? Ela

parecia ser do estilo protetor.”

“Margaret não vai a Dunroamin há

anos.” A tia Birdie fez um gesto de

desinteresse. “Tê-la-ia sentido, se ela

estivesse por aí. Ela deixou Dunroamin

quando o teu tio desmaiou na sua

infância.”

“Mas…”

“Nada de mas, querida. Foste tu

própria quem me disse quem era este

homem. De como ele se tinha tornado

importante para ti.” A tia Birdie saiu do


espaço de estacionamento, com os olhos

agora na estrada. “Ou já e esqueceste

que revelaste o nome e estado dele, no

pub?”

Cilla olhou pela janela do carro.

Caracóis de fumo saíam das chaminés

das casas da beira da estrada. Depois,

passaram por um rebanho de ovelhas,

pastando perto de uma parede de pedra.

Todos os animais de lã levantaram a

cabeça para olhar para elas.

Olhares intensos e penetrantes, como se soubessem a facilidade com que ele

lhe tirou o juízo.

Depois, a longa ponte sobre o Kyle

brilhou à sua frente. Mas ela mal notou

que a água normalmente azul

resplandecente, estava agora cinzenta e

coberta de branco.

“Tia Birdie” - ela olhou para tia –

“nós só falamos dele. Quando saímos do


hotel e a tia embateu contra ele, ele

podia ser qualquer um. Ou tinha-o visto

no pub?”

A curva lenta dos lábios da tia eram

resposta suficiente.

“Eu sabia! A tia viu-o mesmo.”

“Tu não?” A tia Birdie fuzilou-a com

um olhar galhofeiro. “Estava numa mesa

lá atrás no Bar, quase todo o tempo que estivemos lá. Minha querida, acho
que

ele está muito enamorado. Parecia estar

preparado para te comer à colherada.”

Pronto para a comer.

A imagem da sua cabeça escura entre

as suas coxas passou-lhe rapidamente

pela cabeça. A sua barriga apertou-se e

um fluxo de calor varreu-a. Ela fechou

as mãos sobre o colo, ignorando as

sensações.

“É muito bonito, não é?” A sua tia

continuou a conversa. “Já imaginaste


ser beijada por um homem assim?”

Já tinha. O problema era esse.

Voltou a recostar-se no seu assento,

mantendo os seus nervos calmos.

“Porque não me disse que o conseguia

ver?”

“Esperava que falasses dele,

primeiro.” A tia Birdie ligou o leitor de

CDs. Uma melodia de gaita-de-foles

muito viva encheu o interior do carro.

“Não que isso interesse, agora. O teu

jovem resolveu a nossa pequena

questão.”

“E os outros?” Cilla levantou a voz

acima da música favorita do tio Mac,

“Paddy’s Leather Breeches.”

Uma pequena melodia, as gaitas

estridentes calaram-se rapidamente.

Mas regressaram rapidamente, com os

tons ainda mais altos da segunda vez.


Os ouvidos de Cilla começaram a

latejar.

A tia Birdie parecia ausente.

Mesmo quando a música acabou e

uma terceira começou, ainda mais alta

que a anterior.

“Isto é obra do teu tio.” A tia Birdie

sorriu, divertida. “O CD toca sempre a

mesma música, sem parar. Mas-”

“A tia não se importa, porque sabe o

quanto o tio gosta dela.”

“É isso mesmo. Ver o seu rosto

iluminar-se, quando ele ouve isto, vale a

pena o esforço.” A tia Birdie deu a

volta para o longo percurso até

Dunroamin. “Estás a ver, minha

querida, quando alguém vale a pena,

quando os amas mais do que à própria

vida, vivendo e respirando para os ver

felizes, passas ao lado das coisas que os


outros podem achar irritantes.”

“Ou impossível.” Cilla percebeu,

então, por que razão a sua tia ligou a

música.

“Isso, também.” A tia lançou-lhe um

olhar com um sentido preciso. “Onde há

amor, há sempre – deus do céu!”

Ela carregou nos travões.

Os seus olhos arredondaram-se. “O

que está a Violet a fazer sentada num

creepie banquinho, no meio do jardim?”

“Um creepie?” O ar de Cilla ficou

preso, com sombras do seu diabo da

janela a passarem-lhe pela cabeça.

A tia Birdie dobrou um dedo na

direção da relva. “Aquele banquinho

baixo, de três pernas, em que ela está

sentada.”

“Oh.” Cilla inclinou-se para a frente,

espreitando por entre a névoa, até


localizar a minúscula criatura.

Tal como a tia Birdie disse, Violet

Manyweathers parecia estar sentada num

banquinho pouco comum. Enormes

faixas de nevoeiro a rodeavam e ela

inclinava-se sobre si, e para for a da

névoa, dando-lhe a aparência de uma

velha saída de uma saga celta antiga.

Cilla pensou numa novela de uma

série escocesa de romances medievas

que leu algures. Um velho morcego

medonho, chamado Devorgilla ou algo

assim.

Ela tremeu. “O que está ela a fazer?”

“Não sei, mas não está sozinha.” O

olhar da tia Birdie passou ao aldo de

Violet e fixou-se no molho de residentes

reunidos no terraço, fora do vidro do

jardim de Inverno de Dunroamin. “Toda

a gente, exceto o te tio, parece estar com


ela à chuva.”

Cilla deu uma olhada ao terraço.

Suavemente iluminado por várias

lanternas a gás, tornando fácil ver os

rostos ansiosos dos observadores.

A tia Birdie tinha razão.

O tio Mac não estava lá.

Mas antes que Cilla pudesse decifrar

a razão, Leo apareceu-lhe diante dos

olhos. Ladrando violentamente, o

dachshund passou como um raio pela

relva, até alcançar Violet. Depois,

começou a desenhar círculos à sua volta,

com as suas pequenas saltando a alta

velocidade.

Os olhos de Cilla arregalaram-se.

“Ele está mesmo excitado.”

A tia Birdie ficou a olhar. “Mas o

que-”

“É ele!” A voz do Coronel Darling


espetava o caos. “Aquele maldito

boxtie!”

Apressando-se na direção do carro,

segurava a sua bengala no ar, acenando-

a por cima da cabeça, enquanto corria.

Usava a outra mão para proteger o seu

chapéu de feltro enfiada na sua cabeça

notavelmente careca. O seu rosto

corado nos dias melhores, tinha tomado

um tom roxo.

“Oh, querida.” A tia Birdie enviou a

Cilla um olhar de vamos-ter- problemas,

e depois, saltou do carro.

Cilla fez o mesmo.

“Achilles.” A tia Birdie esticou-se

para apanhar os braços do casaco do

coronel, quando ele derrapou na frente

delas. “Que raio se passa aqui?”

“Acabo de te dizer!” Mantinha a

bengala a girar sobre a cabeça. “É


aquele maldito pássaro.”

“Gregor?” A tia Birdie usou a sua

voz mais suave.

“Há outro?” O coronel fez uma

careta e libertou-se do seu aperto.

Bufando, escovou as mangas. “A

criatura abominável apareceu no

parapeito de uma janela da biblioteca,

estavamos nós a preparar-nos para o

chá.”

Ele parecia escandalizado.

A tia Birdie manteve a sua frieza. “O

Gregor empoleira-se muitas vezes na


janela.”

“Com um cordão vermelho em redor

das patas?” As sobrancelhas do coronel

juntaram-se. “Uma ena que a maldia

corda não estivesse à volta do pescoço,

digo eu!”

A tia Birdie e Cilla trocaram olhares.

“Um cordão vermelho?” A tia Birdie

olhou para o lugar onde Violet

continuava sentada, no seu banquinho,

com as costas dobradas. “É isso que ela

está a fazer? A desembaraçar-se de uma

corda?”

O rosto do coronel ficou uma sombra

mais roxa. “A louca da mulher anunciou

que tinha de o salvar. Se não o fizesse o

pássaro poderia magoar-se. “Saiu para

a chuva e para o vento, com toda a casa

atrás dela. Pergunto-vos se já ouviram

um disparate tão grande! Estaríamos


todos bem melhor sem aquele vil-”

Auk, auk!

O grito de Gregor cortou-o. Depois,

o pássaro apareceu, bamboleando do

banco de Violet, com com os passos

estranhos usados por tantas aves de

rapina, quando estão em terra.

Cilla reconheceu-o de imediato. Era

o enorme pássaro do Castelo Varrich.

Também o seu grito era

inconfundível. Assim como a forma

insolente como erguia a sua cabeça de

penas castanhas.

O cordão vermelho não estava ao

alcance da vista.

Felizmente, as patas do bonxie

estavam livres.

Como que para testar essa liberdade,

Gregor deu mais uns passos vacilantes e

fixou Violet com um olhar perfurante. As


suas asas feridas levantaram-se num v

vitorioso.

Auk, auk, voltou a piar.

Violet riu, deliciada. Levantando-se

lentamente, começou a bater palmas.

Do terraço, ouviu-se um enorme

elogio.

Achilles Darling bufou.

Quando o pássaro começou a voar

sobre a charneca, o coronel baixou a

bengala e tirou o chapéu.

Depois, o seu olhar caiu no interior

do carro da tia Birdie.

Os seus olhos arregalaram-se, numa

compreensão rápida. “É a cara do diabo

que a cozinheira viu!” Abriu a porta do

banco de trás, espreitando para dentro.

“E isto” – agarrou num cordão vermelho

que oscilava de um lado da máscara –

“é a mesma corda que estava presa às


patas do Gregor!”

“Assim parecia.” A tia Birdie deu-

lhe o sorriso mais luminoso. “Um

enigma resolvido, sim.”

“Raios!” afastou-se, limpando o pó

das mãos. “Eu sabia que aquele pássaro

era tumultuoso!”

“Talvez isso seja bom.” Cilla deixou

os seus pensamentos sobre o rosto do

diabo para si própria. “Se ele não

encontrasse a máscara, nunca

saberíamos que era uma máscara.

Behag Finney podia ter pesadelos até ao

fim dos seus dias.”

Coronel Darling bufou. “Se me

perguntassem, diria que o Gregor não

encontrou a máscara. Diria que a

roubou!”

“Onde quer que a tenha arranjado, o

Mac precisa de saber disto.” A tia


Birdie começou a tirar a máscara do

carro. Olhou por cima do ombro para o

coronel. “Sabe onde ele está?”

“Sei.” o peito do coronel inchou de

importância. “Está na sala de armas com

um jovem Highlander de kilt, que parece

ter saído de uma cena do Brigadoon.”

O coração de Cilla bateu contra as

costelas. “Ele já aqui está!”

O rosto da tia Birdie enrolou-se num

sorriso. “Então, é um homem de

palavra.”

“Eh?” O coronel ofereceu-lhes um

olhar intrigado, mas segurou a língua.

Claro que Cilla pouco se importaria

com o que ele dissesse.

Tinha outras coisas na cabeça.

Coisas deliciosamente reconfortantes,

como a garantia da sua tia de que com o

amor não há impossíveis.


Cilla não poderia concordar mais.

Capítulo Dez

Um travo de sândalo recebeu Cilla,

no momento em que a tia Birdie abriu a

porta da frente de Dunroamin. Um surto

de excitação fez com que o seu coração

saltasse ao entrarem na vasta entrada do

castelo. Atrás deles, os ganidos agudos

do Leo ainda se faziam ouvir do jardim.

Olhando para trás, Cilla viu o

pequeno cão a deslizar pelo gramado,

para o terraço. Violet Manyweathers

seguia num passo mais lento. Coronel

Darling arrastava-se atrás dela, com o

pequeno banco de três pernas, debaixo

do braço.

Surpreendentemente, Violet usava o

chapéu dele.

“Vês-me aquilo?” Cilla agarrou o

cotovelo da tia, puxando-a para a porta.


“Ele deu o chapéu à Violet.”

A tia Birdie riu. “Eu disse-te que ele

só tem língua.” Colocou a máscara do

diabo no quadril. “Vai ficar preocupado,

se a Violet apanhar um resfriado por ter

molhado a cabeça. Cá entre nós, acho

que ele tem um fraquinho por ela.”

Cilla sorriu e arranjou a gola do

casaco. Violet Manyweathers não era a

única com risco de ficar encharcada. O

vento espalhava gotículas de chuva

gelada contra o castelo e na pedra das

escadas do exterior.

Uma rajada passou por eles na

entrada, levantando os cantos dos

tapetes e fazendo chocalhar algumas

armaduras, enfiadas nos seus nichos. A

tia Birdie empurrou a pesada porta de

carvalho com a sua anca e Cilla

apressou-se a ajudá-la, empurrando com


as duas mãos. Lutaram contra o vento,

até que a porta se fechou com um

estrondo.

“Uau, que vento.” Cilla passou uma

mão pelo cabelo, afastando-o dos olhos.

Depois, franziu o sobrolho.

Um coro aquático encheu o ar.

E não era a chuva a bater na janela.

O grande alarido vinha da passagem

escura que fazia o caminho da entrada

até uma parte mais profunda do castelo.

Gotas, pingue-pingue, e – o mais

alarmante – o jorro distante de água

corrente.

“A fenda do telhado!” ela lançou um

olhar horrorizado à sua tia. “Não tinha

percebido que era tão má.”

A tia Birdie olhou para a chuva nas

janelas. “Só em noites assim. Como

podes ver” – empurrou um balde


plástico com a cabeça, perto dos pés de

prata de uma das armaduras – “estamos

preparados.”

Uma porta do outro lado da entrada

abriu-se e Honoria entrou, com os

braços esticados com aquilo que

pareciam ser baldes de leite amassados

e enferrujados.

“Esgotamos o nosso arsenal de

baldes para a goteira.” Ela não abrandou o passo, ao passar por elas.
“Trouxe

estes do antigo estábulo. Devem manter-

nos secos!”

Depois, desapareceu, com a sua

massa volumosa a dobrar a esquina tão

rapidamente quanto apareceu. Com os

antigos baldes de ordenha a tilintarem

no seu rastro.

Procurando não a afastar de todo, a

tia Birdie engatou a máscara do diabo

contra a anca, de novo, e começou a


descer a passagem mal iluminada.

A tal que ecoava com as gotas da

chuva.

“Tia Birdie!” Cilla apressou-se atrás

dela, escapando-se das pingas e

contornando os baldes e tachos e

panelas alinhados na passagem de

alcatifa. “Não pode ir embora assim.”

A sua tia parou, de repente.

Voltando-se, esperou que Cilla a

acompanhasse.

“Minha querida, esqueceste-te do que

eu te disse no carro?” Baixou-se para

ajustar uma caçarola de vidro, para que

apanhasse melhor as gotas.

Endireitando-se, enfiou o cabelo

atrás da orelha. “Assim como eu adoro o

teu tio, também adoro o seu lar. Isto” -

indicou os contentores de gotas. – “tudo

passará quando tiver que ser. Até lá, se


for preciso, Sento-me no chão e apanho

as gotas com as próprias mãos.”

“Faria isso mesmo, não é?”

O olhar no rosto da tia Birdie era

resposta suficiente.

Também deixou um nó quente na

garganta de Cilla.

Que maravilhoso que é amar tão

ferozmente.

Engoliu em seco, apanhando no

mesmo instante outra lufada de sândalo.

A sua respiração parou e o coração deu

uma cambalhota dupla. Ela não tinha

percebido o quanto tinham descido. A

porta que dava para a sala de armas do

tio Mac estava mesmo à frente delas.

Algo lhe dizia que, depois de passar

a soleira, não haveria retorno.

O seu Dunroamin esperava lá dentro

e, depois de o envolver, tinha a certeza


que estaria tão preparada como a tia

Birdie para ouvir gaitas-de-foles aos

berros e apanhar gotas d'água nas mãos.

Só havia uma forma de descobrir.

Por isso, respirou fundo e olhou para

a sua tia, segura por ver o gesto de

aprovação da mulher mais velha.

Em seguida – antes de mudar de

ideias – levou a mão ao puxador da

porta.

HO seu coração saltava mais.

A porta abriu-se com facilidade.

“Ah, rapaz!” A voz cheia de alegria

do tio Mac explodiu do outro lado da

sala de armas. “Você é um homem

como deve ser. Uma pena que só agora

tenha chegado aqui.”

Cilla e a tia trocaram olhares.

A tia escondeu um sorriso.

Cilla ficou a olhar especada para o


tio e Hardwick, surpreendida para

facilidade com que aparentemente

falavam. Os dois de kilt pareciam

antigos chefes de clã, estavam perto do

sofá tartan, colocado entre a lareira e a

fila de janelas altas e gradeadas.

Um relâmpago prateado iluminou as

vidraças, desenhando as suas silhuetas

contra a noite chuvosa.

O pulso de Cilla saltou, com uma

excitação feroz a abater-se nela.

Novamente, imaginou uma espada na

anca de Hardwick. A ideia de que ele

usava- e sabia usar- uma arma tão antiga

e orgulhosa punha-lhe as pernas bambas.

Cada descontrole romântico, de

espadas a girarem, dos filmes sobre

Highlanders que ela tenha visto vieram-

lhe à memória. Bem podia imaginar

Hardwick num papel desses,


principalmente nas cenas quentes de

amor, que normalmente se seguiam, com

o herói a cavalgar pelas montanhas, a

sua dama sentada atrás dele, com os

braços apertados fortemente contra o seu

corpo robusto, e os cabelos ao vento,

rompendo os campos de urze.

Respirou apertada, maravilhada.

Com o tipo de desejo que ela nunca

acreditou que existisse.

Agora ela sabia.

E tudo o que ela sempre pensou ter

entendido sobre desejo, sobre amor,

transformou-se em nada. Uma

insignificância total, olhando para o

homem que sabia que não podia ter.

Realmente não, apesar do otimismo

da tia Birdie.

Mas, oh, como ela o desejava.

Sem saber que tinham sido


perturbados, o seu tio e Hardwick

brindavam por copos de dram, num

momento de homens. Não olharam à

volta até que – quase sozinha – a porta

se afastou da mão de Cilla e bateu com

um estrondo.

O olhar de Hardwick agarrou o dela.

O ar entre eles inflamou-se, ondeando e

crepitando, como se estivesse em

chamas. O poder desse olhar queimava-

a. A sua boca curvou-se noutro daqueles

sorrisos de derreter corações. Como se

também ele sentisse a escaldante atração

entre eles. Depois, os olhos dele ficaram

escuros, com um olhar tão quente que

lhe derretia os dedos dos pés.

“Oh, meu Deus.” Cilla levou uma

mão ao rosto.

Tia Birdie cutucou-a com o

cotovelo. “É aquele,” sussurrou. “o


olhar de que te falei.”

“Ho!” O tio dela baloiçou na sua

direção. “Já era tempo de vocês dois

voltarem.”

“Encontramos uma pessoa.” O olhar

de Cilla mantinha-se com Hardwick.

Olhar para outro lugar qualquer era

impossível. Mesmo na sombra profunda

da sala, ele deslumbrava-a. “E ele-”

Ela parou, o seu peito apertava-se

com uma tomada de consciência quase

dolorosa. Hmedeceu os lábios, com o

coração a galopar. “Encontramos uma

pessoa,” repetiu, forçando a atenção no

seu tio, sem saber o que Hardwick lhe

tinha dito. “perdemos a noção-”

“A gente contava de jantar no Ben

Loyal’s An Garbh, mas estavam

cheios.” A tia Birdie veio em seu

socorro. “Se tivéssemos jantado, tal


como planeado, teríamos chegado muito

mais tarde.”

“Sei muito bem disso.” O tio Mac

enfiou os polegares no cinto do kilt. “E

já sei tudo do vosso encontro com este

meu amigo.” Baloiçou nos calcanhares,

parecendo deliciado. “Graças a ele –

Um Highlander do bom clã de Chattan –

também já sei sobre a máscara do

Gregor. Foi uma grande noite!”

Deu um sorriso a Hardwick. “Nem

acreditam com quem acabamos de

falar!”

“Oh?” A tia Birdie levantou uma

sobrancelha, e deslizou um olhar

sabedor para Cilla. “És capaz de te

surpreender com o que eu acredito.”

Cilla pisou-lhe os calos.

Hardwick – claramente, a outra parte

do seu exuberante “nós” – aproximou-se


para pegar na máscara vermelha das

mãos da tia Birdie.

Inclinando-se mais para Cilla, olhou

para os pés dela, lançando-lhe a voz aos

ouvidos. “Ele não sabe. Isso não.”

O rosto de Cilla aqueceu. Ela sabia

exatamente o que ele queria dizer.

A sua condição de fantasma.

O tio Mac não fazia ideia que estava a conversar com um fantasma, um

espírito das Highland.

“Graças a deus,” Cilla falou com

igual suavidade. Também retirou o pé

de cima do da sua tia, com o alívio a

invadi-la.

“Não me digas que não estás

curiosa?” Tio Mac olhava para as duas,

com o seu queixo barbudo erguido.

“Claro que estamos interessadas.” A

tia Birdie foi sentar-se no sofá. “A quem

ligaste?”
“Erlend Eggertson!”

Cilla viu-se obrigada a sorrir, por

causa do ar triunfante do tio.

“Erlend Eggertson?” Ela pôs um tom

deliberado de maravilha na voz. “Isso é

fantástico.”

“Não é?!” O seu peito inchou.

Deu um olhar a Hardwick. “Não há

muitas almas que se possam esconder,

quando dois Highlanders juntam as suas

cabeças.”

“Como o descobriram?” Cilla queria

mesmo saber. “A tia disse que não

havia Eggertsons por aqui.”

“E não há.” O tio Mac cruzou os

braços, cheio de presunção. “Isso não

nos impediu de o localizar.”

“O home está em Lerwick. É um

guizer.” Hardwick apoiou a máscara à

parede. “Tive a sensação que-”


“Geezer?” Os olhos de

arredondaram-se.

“Não, guizer.” A tia instalou-se no

sofá. “Há um guerreiro Guizer, o líder, e depois” - puxou uma almofada


para o

colos – “há o seu esquadrão de

assistentes. Pode haver centenas. Vi

uma parada na BBC. Vestem-se de

vikings para celebrar o Up Helly Aa, um

antigo festival nórdico, dedicado ao

fogo.”

Ela fez uma pausa, quando um

enorme trovão fez abanar as janelas. “É

um espetáculo fabuloso.” Continuou,

quando o trovão amainou. “Eles

carregam tochas acesas pelas ruas e

depois, queimam uma réplica de uma

galé.”

“E agora foram roubados!” O tio

Mac rosnou estas palavras.“O Galley

Shed – uma espécie de museu


combinado com armazém da Up Helly

Aa – foi saqueada há umas semanas. De

acordo com o Eggertson, os ladrões

levaram dezenas de trajes viking.”

“Guizers Viking, um arsenal de

armas, e” – Hardwick encostou-se

contra a mesa e cruzou os braços – “uma

fantasia vermelha de diabo, do

Eggertson.”

“Máscara incluída.” Cilla começava

a entender.

Hardwick acenou.

O tio Mac sorriu. “Serviu-lhe de

pouco. Agora, estamos em cima deles.”

Cilla pensou. “Se o Eggertson é um

guizer, e eles se vestem como Vikings, o

que faz ele com um fato de diabo

vermelho?”

“Eles não desfilam todos de

Vikings.” O tio Mac começou a mexer


na turfa com um espeto de ferro.

“Alguns homens usam outras fantasias.”

“Mas…” A tia não parecia

satisfeita. “Como sabias que devias

procurar o Eggertson em Shetland?”

“Isso foi bastante fácil.” O tio Mac

afastou o tiçador e limpou as mãos.

“Para além de Eggertson ser um nome

nórdico” – ele olhou para Hardwick –

“pode dizer-se que a divina providência

começa finalmente a compadecer-se de

nós!”

***

Hardwick sentiu que sorria, também.

Deixara de acreditar na divina

providência há muitos anos. Mas fazia-

lhe bem ver o Mac MacGhee a estalar

de orgulho e confiança. Se ele pudesse

tomar um pequeno papel em apanhar

quem quer que fosse que andava a


invadir aqueles campos à noite, vestido

de viking e fazendo sabe-se lá que

patifarias, que não eram coisa pouca.

Mac estava a olhar para ele, com o

rosto iluminado. “Conta-lhes.”

Hardwick limpou a garganta. “Um

amigo regressou há pouco de Lerwick.

E falou do assalto à Galley Shed.” Ele

disse a verdade, que já tinha contado a

Mac, deixando apenas de lado o facto de

o seu amigo ser um fantasma. “Tendo

em conta os vossos problemas, fiz a

ligação.”

Birdie MacGhee levantou as

sobrancelhas. “Está a sugerir que

alguém trouxe os fatos para aqui? Que

os nossos invasores dos campos de turfa

os estão a usar?”

“Assim acreditamos, sim!” Mac

baixou o seu malte, depois passou a mão


pela barba. “É isso que está a acontecer.

Eu sabia que não havia fantasmas

nenhuns a assombrar os nossos campos.”

“Não sei...” A sua esposa amassou a

almofada entre as mãos. “Algo se passa.

Não achas, Cilla?”

Ela olhou para o outro lado da sala

para Cilla.

“Então, moça?” O seu tio olhou para

ela, também.

Cilla hesitou. “Não tenho a certeza

que a máscara vermelha do Gregor fosse

o único demónio a assustar as pessoas

por aqui. Eu vi uma cara à janela do meu

quarto. E acho que era real.”

“Pah!” Mac fez uma careta. “O que

se passa aqui nada tema ver com

fantasmas e demónios. Pelo menos, não

reais. Isso sei eu muito bem!”

“Eu sei o que vi.” Cilla cruzou os


braços, parecendo determinada. “Não

era a máscara do Gregor.”

O tio voltou-se para Hardwick. “Os

fantasmas não existem, certo rapaz?

Caras do diabo pairando às janelas da

moça?”

No sofá, a tia Birdie olhou para o

lado.

Cilla olhava para Hardwick,

esperando.

Ele optou por usar o tato. “Não

posso dizer que tenha encontrado

fantasmas por estes lados.”

isso, pelo menos, era verdade.

Exceção feita a ele próprio e a Bran.

“E não vais encontrar. Garanto-to

eu!” Mac pôs a sua pose de lorde.

“Mas – agora sabemos – Podemos

deparar-nos com um bando de canalhas

vestidos de fantasmas viking.”


“Não podemos ter a certeza do que

ou de quem anda por aí à noite.

Sutherland é um lugar antigo.”

Hardwick sentiu a necessidade de

defender Cilla, mais perturbado do que

queria admitir por ela ter mencionado o

rosto do diabo vermelho. “Há quem diga

que o véu entre este e o outro mundo é

muito fino, aqui. Outros falam de

portais, que se abrem para reinos

diferentes, os reinos de F ae. A verdade

é que, há coisas nestas colinas que

nenhum mortal encontrará.”

“Ho!” Mac deu-lhe uma palmada nas

costas. “Inspiraste demasiado fumo de

turfa. A imaginação da minha sobrinha é

tão fértil como a da tia! Não há nada de

assustador aqui, a não ser esses

lunáticos fantasiados nos meus campos.”

“Porque haveria alguém de se


importar em fazer isso?” Cilla fez a

pergunta que perturbava Hardwick há

dias. “Não faz sentido.”

“Talvez queiram roubar a minha

turfa!” Mac dirigiu um olhar feroz às

janelas. “Não há nada ali, a não ser

urze, fetos e pedras.”

“Então, e as ovelhas?” A esposa

falou calmamente do sofá. “Mesmo que

a turfa de Dunroamin seja superior, a tua

aventura de negócio com as destilarias

de Simmer Dim e Northern Mist só

agora começou. Até á data, as nossas

ovelhas dão mais lucro.”

“O que é que achas que o Robbie e o

Roddie fazem todas as manhãs, ao

alimentarem as ovelhas?” Mac começou

a nadar de um lado para o outro,

agitando o kilt. “Contam-nas! E os

nossos fantasmas vikings ainda não


levaram nenhuma.”

“Mas poderiam tê-lo feito.” Birdie

insistiu.

“É por causa da turfa, estou-te a

dizer!” Mac lançou-lhe um olhar

indignado. “Mas não a vão conseguir.”

Passou um braço pelos ombros de

Hardwick. “Os campos vão ser

vigiados à noite, Hardwick tem amigos

que o podem ajudar.” Deu um enorme

suspiro e disse as últimas palavras.

“rapazes fortes de barba e kilt!”

Birdie MacGhee e a sua sobrinha

partilharam um olhar cúmplice.

Um olhar que falava.

Um laivo de calor disparou no

pescoço de Hardwick. Aparentemente,

Birdie sabia da sua condição. Antes que

ele se pudesse preocupar com esse

pedaço de conhecimento por resolver,


Mac apertou-lhe os ossos.

“Barbas e kilts, ouviram?” Ele

balançou as sobrancelhas para as

senhoras. “Não há fantasma vivo

suficientemente forte para aguentar uma

carga Highland! Antes que eles

consigam gritar Valhalla, já nós os

teremos presos pelas partes baixas. E

isso não é a única boa notícia!”

Afastando o seu braço do ombro de

Hardwick, dirigiu-se para um lado mais

escuro da sala. Curvando-se, apanhou

um balde velho de leite. E voltou a pô-

lo à sua frente.

Hardwick reprimiu um gemido.

Sabia o que vinha aí.

Cilla olhou com interesse, o que só

piorava as coisas.

Como prova do pavor de Hardwick,

Mac acenou o balde em frente do nariz


da esposa. A água vazou pelos lados e

para cima da carpete xadrez. Alguma

também respingou nos joelhos de Birdie,

mas ela não disse nada, apenas o

espiava com curiosidade.

Mac pousou o balde transbordante e

levou as mãos à cintura. “Graças aqui

ao nosso amigo” – olhou para Hardwick

– “e à excelente qualidade da nossa

turfa, os nossos dias de telhado com

goteiras e baldes a apanhá-las podem

estar a chegar ao fim.”

“O quê?” Cilla ea tia falaram em

simultâneo. “Um telhado novo?”

“Tão certo como hoje e amanhã

existirem!” A barba de Mac moveu-se

com prazer. “Hardwick fez uma

sugestão que nos deve dar fundos

suficientes, pelo menos para um telhado.

Se tudo correr bem, podemos até usar a


ala abandonada.”

“Ooooh.” As mulheres voltaram a

reagir em uníssono.

Os olhos de Birdie MacGhee

começaram a brilhar.

Pior, o lábio inferior de Cilla

começou a tremer!

Mac lançou uma enorme e agitada

gargalhada.

Hardwick lutou contra a vontade de o

esganar. E de cortar a sua própria

língua, para não voltar a escorregar

numa situação daquelas.

Não é que ele oferecesse o dinheiro

de má vontade.

Se ele aparecesse.

Na verdade, se tivesse acesso à sua antiga riqueza, ofereceria o dinheiro até

à última moeda.

Era a forma como MacGhee

revelava o plano.
Alheio ao mal que estava prestes a

causar, Mac rolou para trás nos

calcanhares, apreciando o momento.

“Ele sugeriu outras destilarias?”

Cilla parecia esperançada. “Tem

contactos?”

“Tem, sim. Milhares de contactos!”

Mac parecia pronto a explodir.

“Milhares de mulheres americanas para

comprar a turfa de Dunroamin!”

Os olhos de Cilla alargaram-se.

“Tantas?”

Mac balançou a cabeça com

entusiasmo. “Ele diz que elas desmaiam por qualquer coisa que venha da

Escócia, turfa incluída.”

“Tenho a certeza que sim.” Cilla

cruzou os braços. “Eu também gosto de

turfa. E a tia-”

“vamos ouvir o que o Mac tem para

dizer, querida.” Birdie falou por cima


dela.

Depois, pegou na mão da sobrinha e

apertou-a. “Continua, Mac.” Ela

acenou-lhe, uma voz razoável, numa sala

fria e sombria.

“Ele conheceu-as a todas, estás a

ver?” Mac continuou. “Diz que elas

lamentam não poder cheirar a turfa,

quando regressam a casa. Por issooo,

teve a ideia de podermos exportar turfa

para a América!”

“para estas milhares de amigas

americanas.” Cilla falou baixinho.

“Para qualquer americano que a

compre!” Mac sorriu. “Mas foram as

mulheres que lhe deram a ideia. São as

mais apaixonadas. Adoravam-”

“Tenho a certeza que sim.” Cilla

olhou para a porta e começou a dirigir-

se para lá.
Hardwick franziu o sobrolho.

O respeito deteve-o de corrigir a

interpretação de Mac, sobre a sugestão

de turfa para as americanas. Nem queria

estragar o prazer merecido do homem,

ao revelar a ideia à sua mulher.

Dunroamin precisava de esperança.

E ele precisava de ficar com Cilla a

sós.

Então, fez um dos seus movimentos

relâmpago e colocou-se entre ela e a

porta, sem que Mac e Berdie

percebessem o seu movimento.

Cilla percebeu.

Parou onde estava, de costas direitas.

Hardwick praguejou entre dentes.

Parecia que ela tinha engolido uma

vassoura. Ele numa imaginaria que ela

conseguia comprimir os lábios daquela

forma, rija e apertada.


Mas ela fê-lo, e ver isso matava-o.

De novo.

Moça. Não é o que pensas. Ele quis

que ela o escutasse.

Ela arqueou uma sobrancelha,

indicando que o tinha ouvido.

Hardwick começou a relaxar. Mas

depois, as suas costas ficaram ainda

mais rígidas e, apesar de não conseguir

desaparecer, tinha conseguido passar

por ele e alcançar a porta sem que ele

conseguisse impedi-la.

Ignorando-o, agarrou na fechadura e

puxou-a.

Hardwick praguejou.

Enviou um olhar rápido pela sala.

Mac estava de costas para ele e

continuava a falar dos americanos e do

seu grande amor por lareiras de turfa.

Mas Birdie observava-o.


Para sua surpresa, ela fez um gesto

com os dedos. E murmurou “vai”.

Hardwick compreendeu.

Ele girou sobre si, mas era

demasiado tarde. A porta da sala de

armas estava trancada. Cilla

desaparecera, deixando para trás

unicamente o eco dos seus passos.

Por um momento ridículo, considerou

segui-la, como um homem de carne e

osso faria. Correndo atrás dela pelas

passagens sinuosas de Dunroamin e,

depois, subindo as várias escadas, que

precisaria de transpor para chegar ao

quarto.

Ele poderia fazer tudo isso.

Mas sendo um fantasma, tinha as suas

vantagens.

Por isso, olhou para Birdie uma

última vez, agradecendo-lhe com um


gesto de cabeça. Em seguida, concedeu-

se o desejo de sair da sala de armas e ir

para o único lugar, onde ele sabia que

Cilla ficaria assustada por o ver, ele

teria, pelo menos, alguns minutos para

falar com ela, antes de ser despedido.

Num abrir e fechar de olhos, ele

estava lá.

O único problema era que, agora que

estava na cama dela, não iria querer sair

de lá.

Mas em circunstâncias diferentes.

O pensamento atingiu-o como um

murro no estômago. Pior que isso,

causou-lhe uma dor profunda no peito.

Uma dor que não tinha nada a ver com

as imagens quentes que lhe passavam

pela mente e que lhe despertavam

emoções muito mais problemáticas – um

tipo de emoção que ele teria jurado não


conseguia sentir.

Agora, sabia que não era assim.

E isso era um mau presságio.

Capítulo onze

Milhares de mulheres

americanas.

Cilla não conseguia apagar estas

palavras da sua mente. Desejava não as

ter ouvido. Mas elas giravam na sua

cabeça, crescendo até ela não mais

conseguir pensar. Ela até as conseguia

ver, alinhadas no conceito: as

incontáveis loucas por Highlanders. E

por muito rápido que caminhasse pelos

corredores escuros e gotejantes de

Dunroamin, ela não conseguia correr

mais do que elas.

Elas não paravam de andar.

Sempre zombando, de cada vez

que ela embatia contra um recipiente


para a água da chuva ou batia com o

dedo grande do péJ nas pedras das

escadas do castelo.

Para piorar o cenário, além das

mulheres, também dois escoceses a

perseguiam.

Grant A. Hughes III, um americano

tão orgulhoso da sua ancestralidade

escocesa, embora nunca a tenha

procurado mais longe do que à loja da

esquina em Nova Iorque, onde comprou

um kilt.

E Wee Hughie, o historiador-

barra-autor-barra-guia-turístico, também

conhecido por contador de estórias das

Highland. Se o seu entusiástico bando de

admiradoras australianas servia de

alguma indicação, ele era ainda um

maior rabo-de-saias do que Grant.

Cilla tremeu.
Estava farta desses homens.

Quem diria que ela viria a

acrescentar um fantasma a essa horda de

homens mulherengos, vestidos de tartan

Furiosa por ser assim, parou para

pressionar um dos seus lados do corpo.

Ardia de uma forma desnecessária. Com

a mão nas costelas, subiu mais algumas

escadas. Depois, voltou a parar, desta

vez num pequeno patamar com duas

portas abertas.

Encostando-se à parede, franziu o

sobrolho.

Pouco se importava por ter que

colocar Hardwick no mesmo nível em

que colocava os outros dois.

Mas importava-se por fazer figura

de idiota.

Sendo ou não fantasma, Hardwick


sabia seguramente a razão para ela se ter

esquivado da sala de aramas do tio

Mac. As mulheres não fogem de homens

que não lhes interessam.

Era uma verdade universal. Uma

verdade que lhe punha o rosto a arder e

lhe apertava as mãos num punho.

Respirou fundo, tentando fingir

que não se sentia como se um ferro

incandescente se tivesse espetado no seu peito, roubando-lhe o ar. Depois


de

Grant, ela jurou ficar acima dessas

coisas. Nunca mais voltar a apaixonar-

se por um homem que detinha um tal

poder sobre si.

Fechou os olhos, desejando que

isso não lhe estivesse a acontecer.

Mas era demasiado tarde.

Ela já gostava dele. Ouvir falar

das suas legiões de mulheres – E logo

americanas – foi um murro no estômago.


Só havia uma coisa a fazer.

Devia voltar para trás, descer as

escadas, marchar pela sala de armas e

enfiar-se no sofá, como se nada tivesse

acontecido.

Depois, levantaria a cabeça,

examinando casualmente as unhas e

anunciaria que comera demasiados mini-

pretzels no Bar Ben Loyal. Todos

acreditariam, se ela dissesse que o sal

lhe causou enjoos. Ninguém levantaria

uma sobrancelha, se pensassem que foi

uma barriga turbulenta que a enviou a

correr para for a da sala.

“Sim, Swanner, volta lá para

baixo. Salva a tua imagem, já que não

consegues salvar o coração.” Falou

para a porta, do outro lado do patamar.

Silenciosa e escurecida pela idade, dava

uma bela ouvinte. Infelizmente, ela


tenha a estranha sensação de que a porta

fechada a observava.

Piscou os olhos, com o sangue a

gelar.

A porta poderia não estar a olhar

para ela, mas estava a abrir.

A abrir com o ranger de todas as

portas de castelos seculares: lentamente

e com uma estranheza suficientemente

grande para lhe deixar as pernas a

tremer, congelando-a no local.

Arrepios varreram-na e os

pequenos pelos do pescoço levantaram-

se. Até que a porta completou o seu arco

lento de rugido para revelar uma

pequena câmara com painéis de

carvalho.

Escuro e de teto baixo, o quarto

estava vazio, exceção feita a uma

penteadeira e uma pia de lavar as mãos.


Uma toalha cobria algo que parecia ter

sido uma cadeira. Se o lugar alguma vez

for a agraciado com uma cama, ela tinha

desaparecido. Mas havia duas janelas

do lado oposto da porta.

Idênticas e estreitas, voltadas

para o Kyle, sobre o qual a lua

pendurava o seu brilho crescente,

saindo detrás de uma nuvem. Ela

conseguia ver a silhueta escura do

castelo Varrich. Pendurado no seu

penhasco, o arco da janela da ruína

banhado de prata e sombra.

Aproximou-se mais, o seu olhar

atravessando a porta aberta para as

janelas, onde ela quase esperava ver o

rosto do diabo varrendo a vista. Uma

chuva miúda caía, as gotas batendo no

vidro antigo e ondulado. Algures, o

rugido de um trovão, mas o que


realmente lhe chamou a atenção era a

falta de alguns painéis inferiores, que

permitiam a entrada do vento frio e

húmido, no quarto.

Vento esse, que provocou a

abertura da porta.

Ou assim ela pensou, até ver a

mulher nas sombras escuras do quarto.

Cilla levou as mãos aos lábios,

evitando o grito que estava dentro dela.

Ficou a olhar para a mulher,

especada.

Alta, loira e imponente, podia ser a tia Berdie, só que ela ainda estava na

sala de armas. Mesmo na sua juventude,

a tia Berdie nunca usou uma trança no

cabelo. Ela preferia um puxo francês ou

um lenço de seda com um nó.

E embora, possuísse uma certa

graça e estilo, caminhava como qualquer

pessoa. Não planava pelo quarto como


se não tocasse com os pés no chão.

Nem era seu hábito andar às

voltas com roupões de lã compridos e

vermelhos-púrpura, com costuras feitas

dos melhores bordados e mangas longas

e apertadas. Um xaile de um azul

brilhante cobria-lhe os ombros e um

largo cinto colorido apertava-lhe a

cintura. Se usava outros ornamentos,

Cilla não conseguia vê-los.

A mulher estava agora voltada

para as janelas, de costas para a porta.

Cilla esfregou os olhos.

Não ajudou nada.

O fantasma – pois só podia ser

um – continuava lá. No tempo que levou

Cilla a esfregar os olhos, a parição

abriu a mão com anéis e espalmou-a

contra o vidro da janela.

Sea-strider.
A palavra – um nome? – parecia

girar à volta da mulher. Tão real como

se ela o sussurrasse ao ouvido de Cilla,

uma palavra que continha toda a

angústia de uma mulher que amou e

perdeu o seu amor.

Esquecendo-se do susto que a

súbita aparição da mulher lhe causou, o

seu coração apertou-se com a dor que

encharcava o pequeno quarto de painéis

escuros.

Muito lentamente, a mulher virou

a cabeça e olhou para ela, seus olhos

suplicantes. Por um longo momento, ela

segurou o olhar de Cilla, seus lábios

movendo-se em silêncio antes de ela

olhar para fora para a noite escura e

molhada. O seu olhar, Cilla sabia disso,

fixou-se na ruína do Castelo Varrich.

Tinha que ser a Gudrid da tia


Birdie.

Embora Cilla não conseguisse

adivinhar o que ela fazia em Dunroamin.

Lembrando as reflexões da tia

sobre o fantasma, conseguiu sentir um

homem forte e corpulento perto da

mulher. Via-o nitidamente. Discreto, a

um canto, olhava para a mulher com

grandes olhos tristes. De barba e

lindo, como ela, usava um elmo de prata

simples, com uma proteção de nariz e

uma longa túnica de cota de malha.

Numa das mãos segurava uma lança de

mais de dois metros. Na outra, um

enorme escudo redondo, colorido com

um azul escuro forte e intercalado com

linhas brancas, vermelhas e verdes.

Parecendo brilhar, apesar das sombras,

o escudo parecia ter quase o dobro do

tamanho do de Hardwick.
Ao pensar nele, ambas as imagens

desapareceram.

Mas não sem a deixarem com a

impressão de que tinham algo de

importante para lhe dizer.

Lamentavelmente, não conseguiu ouvir a

voz da mulher e o homem nem sequer

olhou para ela, pois só tinha olhos para

a outra mulher.

Cilla levou uma mão ao peito,

desejando entender a sua mensagem.

Podia apenas adivinhar os seus nomes,

Gudrid e Sea-Strider, antes que a

pequena porta se voltasse a fechar,

ocultando os seus segredos.

“Caramba.” Cilla esfregou os

braços, arrepios por todo o seu ser.

Sentiu uma enorme urgência em

regressar à sala de armas e às pessoas

reais, incluindo Hardwick.


Para ela, ele era real.

Precisava de definir as coisas

com ele, de ua maneira ou de outra.

Mas a falta de luz nas escadas da

torre pareceu-lhe ainda pior do que

antes. Sombras profundas estavam por

todo o lado e o vento da noite parecia

estranho. Quase um gemido, assobiava

ao lado das seteiras medievais cortando

profundamente as paredes. Nem pensar

descer aquelas escadas na escuridão.

O seu quarto estava mais perto.

Hardwick poderia ficar a pensar

o que quisesse da sua fuga da sla de

armas.

Amanhã ainda seria tempo de

lidar com ele.

Primeiro, precisava de um belo

sono. Talvez até tomasse um banho. Ela

tinha descoberto que usar a banheira era


mais fácil para regular a água do que o

maldito chuveiro.

Depois, cama e um bom livro e

tudo ficaria bem.

Sentindo-se melhor, resistiu a

outro olhar na direção do pequeno

quarto, agora com a porta bem fechada.

Em vez disso, escalou as últimas

escadas, e desceu o corredor até ao seu

quarto. Esta passagem não parecia ter

baldes e outros obstáculos. Ou, então,

ela não os viu. Uma forte possibilidade,

uma vez que as paredes antigas de que o

seu tio tanto gostava pareciam ter ainda

menos luz que o habitual.

A passagem era sombria.

Excetuando a pequena linha de

luz amarela, por baixo da sua porta

fechada.

Por um momento, os arrepios


voltaram. Mas desapareceram

rapidamente. A luz devia dever-se ao

serviço da Honoria. Com a tempestade

da noite, o seu quarto deveria ser muito

escuro, se assim não fosse.

E ela já tinha a sua quota de

dedos amassados para o verão inteiro.

A luz era uma coisa boa.

Por isso, prometeu lembrar-se de

agradecer à governanta pela sua

gentileza e abriu a porta.

Deu três passos para dentro do

quarto e congelou.

“O que estás aqui a fazer?” Ficou

a olhar arregalada para Hardwick, com

o coração na garganta.

“À tua espera.” Ele falou da

cama.

Forte como bronze, instalava-se

contra as almofadas, empilhadas na


cabeceira da cama. Olhava diretamente

para ela, com o olhar estreito, talvez até

zangado. Continuava lindo,

principalmente na sua cama. Igualmente

perturbador, era o facto de ele ter uma

perna levantada e, apesar de ter as mãos à volta do joelho, arrumando o kilt


para

esconder certas partes, ela continuava a

vê-las.

Uma dobra do kilt, com ideias

próprias, escorregara, revelando-o em

toda a sua impressionante glória.

Os olhos dela abriram-se mais.

Mesmo relaxado ele era formidável. O

calor chicoteava-a e ela não conseguia

parar de olhar, segura de que nunca tinha

visto um homem tão magnificente. Dava

três zero ao Grant, talvez quatro.

“Oh, meu...” ela tentou inspirar,

mas o ar não lhe passava na garganta.

“Pelas bolas de Odin!” Pulando


da cama, ele escovou o kilt, pondo-o no

lugar. “Não te preocupes, moça, não te

vou atacar.”

“Eu não disse-”

“Os teus olhos disseram.” Ele

cruzou os braços, olhando-a. “é o

perigo de usar kilt.”

“Eu sei disso.” Cilla levantou o

queixo. “O que eu não sei é porque é

que estás aqui.”

“Precisamos de falar.”

“Ah sim?” engoliu em seco, com

o pulso a correr.

“Sim.” Ele deu um passo na sua

direção, decididamente sério. Os seu

olhos negros brilhavam na penumbra do

quarto, e o seu queixo estava levantado,

revelando a sua irritação. “Não devias

ter saído a correr da sala de armas.

Disse-te que não era o que estavas a


pensar.”

“O quê?” Cilla corou até aos

dedos dos pés.

“Sabes bem o que quero dizer,

moça.” Ele conseguia ver para dentro

dela. “Os milhares de mulheres

americanas. O teu tio interpretou mal o que lhe disse.”

“Não estava a sentir-me bem.”

Ela apostou numa mentira inofensiva,

sem admitir o assomo de ciúmes que a

apunhalou. “comi demasiados mini-

pretzels no Ben Loy-”

“Não é essa a razão.” Ele abanou

a cabeça, com o seu olhar preso no

dela. “Assim como cheguei cá acima

primeiro do que tu, também sei que estás

a inventar desculpas. E, não, não leio os

teus pensamentos.

“Séculos de experiência

permitem-me detetar uma não verdade,


quando é criada.” Ele olhou para ela

com uma expressão que poderia ter sido

irritação, ou possivelmente

arrependimento. “A maior parte dos

fantasmas têm essa habilidade, a não ser

que tenham sido obtusos na vida. Nesse

caso, ficam para sempre assim.”

“Da mesma forma que um

mulherengo permanece com fome de

mulheres?” Cilla não conseguiu impedir

as palavras. “Quero dizer na sua vida

após a morte, claro.”

“Raios partam!” Ele passou uma

mão pelo cabelo. “Se estou faminto de

alguma mulher, essa mulher és tu!” O seu

sotaque acentuou-se, os seus olhos

tomaram-se de uma luz perigosa. “Uma

vez que isso não pode acontecer, queria

apenas asseverar-me de que não pensas

mal de mim.”
“Porque faria eu isso?” O

coração de Cilla recomeçou a martelar.

“Salvaste-me do perigo mais do que

uma vez e” – ela olhou para o lado, para

que ele não visse o efeito que causa nela

– “defendeste-me contra o meu tio,

quando ele riu da cara do diabo que eu

vi.”

Ela voltou a olhar para ele,

desafiante. “A cara era mesmo real. Não

sei porque te estou a dizer isto, mas

acabo de ver mais dois fantasmas. Era

um casal viking, num pequeno quarto

escuro, num dos patamares das escadas.

“Antes de vir para cá, eles ter-

me-iam assustado.” Ela afastou o cabelo

e manteve o queixo levantado. “Agora,

apenas senti pena deles. Sentia a sua

angústia – enchia o ar à sua volta.

Mesmo assim, foi um choque para eles.”


Ela ainda sentia um vazio dentro

de si, as suas óbvias circunstâncias a

evidenciarem a insensatez de se

apaixonar por um fantasma.

“Dava para ver que não estavam

felizes.” Ela hesitou, depois encolheu os

ombros. “Parece que Dunroamin atrai

fantasmas. Talvez eles estejam por todo

o lado, até mesmo nos campos do tio

Mac.”

Mantendo o olhar, ela esperou,

sem saber o que ele diria.

Ele surpreendeu-a, aproximando-

se uns largos passos e envolvendo-a

num abraço forte.

“Doce moça.” Ele conduziu-lhe a

cabeça para o seu peito. “Não nego que

há almas inquietas que descansam aqui.

Sutherland chama essas almas, por isso,

não me surpreende que verdadeiros


fantasmas viking visitem Dunroamin.

Devem ter ouvido falar dos problemas e

ficaram perturbados pelo alarido, e por

homens repugnantes os personificarem.

“Agora, a tua cara do diabo...”

Ele apertou mais os braços à sua volta,

espalhando as mãos para as ancas, com

um toque firme.

“Essas criaturas são outra razão

para a minha estada aqui.” Ele afastou-

se para a encarar, com um tom sério. “O

demónio devia andar á minha procura,

não à tua. Não há razão nenhuma para

teres medo e eu duvido que ele volte a

repetir a graça. Na verdade, vou

certificar-me disso.”

“Como é que o poderás fazer?”

“Terás que confiar em mim.” Ele

voltou a puxá-la para si, acariciou a sua

face contra o cabelo dela. “Eu sei


porque é que eles estão aqui e posso

afastá-los.”

“Ao diabo?” O peito de Cilla

ficou quente e apertado, como se uma

mão gigante tivesse descido do nada

para a lhe levar o ar. “Eu não quis

acreditar, dou conta dos fantasmas. Eles

-”

Ela interrompeu-se, com a

vergonha a invadi-la.

“Não te sintas mal, querida.” Ele

acariciou-lhe as costas, o seu toque tão

bem-vindo e quente como o seu tom de

voz de mel forte. “Não estou ofendido.

‘Afinal, e o que eu sou. Nada pode

mudar isso. E não te quero preocupada

com coisas que nem deverias saber.”

libertando-a, ele encaminhou-se

para a lareira, descansando um braço

por cima dela. “Quanto ao resto” – ele


deu-lhe um olhar tão intenso, que o seu

coração ficou preso – “a outra razão

para eu estar aqui, só quero que saibas

que não sou um mulherengo.”

“Eu não disse…” Cilla deixou as

palavras a meio, com o rosto a arder.

“Oh, está bem,” admitiu, finalmente.

“pensei nisso. E como não pensar?”

“De facto.” Ele sorriu.

Outro dos seus lentos e doces

sorrisos de fazer derreter uma rapariga,

e que fez com que ela esquecesse a cara do diabo, os fantasmas viking e
tudo o

mais, menos o calor doce e dourado que

a invadia.

Uma sensação que nada tinha a ver

com a imagem vislumbrada por baixo do

kilt, e tudo a ver com o o bater duro,

firme e seguro do seu coração. A forma

como o seu olhar lhe enfraquecia os

joelhos e lhe colocava borboletas na


barriga.

Estava a apaixonar-se por ele.

“Se ouvisses a verdade,” disse

ele, algo na sua expressão insinuando

que ele sabia, “eu disse mesmo ao teu

tio que conhecia milhares de americanas

interessadas na turfa. E sim, conheci

essas mulheres, embora tenha a certeza

de que elas nunca notaram a minha

presença. Eu apenas estava onde elas

estavam. Por isso, obviamente ouvi-as

falar.”

“Onde é que as encontraste,

então?”

“Tenho amigos, entendes? Os

fantasmas podem sentir-se sozinhos, por

isso, visitamo-nos uns aos outros.

Alguns dos meus velhos companheiros

frequentam o castelo de Ravenscraig,

perto de Oban. O seu senhor, Alex, é


uma amigo comum, por isso,

encontramo-nos lá muitas vezes.”

Os ouvidos de Cilla abriram-se.

Ela tinha ouvido falar de Ravenscraig.

“E as americanas?”

“Elas também visitam o castelo.”

Ele olhou-a, o nível do seu olhar, o seu

tom de voz tão fervoroso, que ela só

podia acreditar nele.

“Um dos funcionários de

Ravenscraig foi-me esperar ao

aeroporto de Glasgow,” disse ela,

recordando-se do jovem highlader

simpático, com a sua tufa de cabelo

ruivo. “Chamava-se Malcolm e

conduziu-me até Lairg, onde estava o tio

Mac.”

“Não me surpreende.” Ele deu-

lhe um breve sorriso, apenas um esgar

nos cantos da boca. “Os americanos são


muito bem recebidos pelas gentes de

Ravenscraig. O senhor de Ravenscraig

casou com uma americana. Eles

transformaram a propriedade num hotel

e também gerem um lugar chamado One

Cairn Village nos arredores do castelo.

Todos os verões, os americanos reúnem-

se lá em grande número para pesquisar

as suas-”

“Raízes,” Cilla terminou, com o

assunto trivial a ajudá-la a recuperar os

sentidos. “Ou seja genealogistas. Há

muitos americanos interessados nos seus

ancestrais, mas os de origem escocesa

são os mais dedicados.”

Ele encolheu os ombros. “O que

quer que sejam, vêm em massa. Quando

estão aqui, não se calam, louvando tudo

o que adoram na Escócia. Os castelos, a

névoa e as colinas, até às gaitas de


foles, kilts e sotaques e, sim o nosso

fumo de turfa.”

Afastando-se da lareira, começou

a nadar de um lado para o outro.

“Muitos dos americanos mencionaram a

turfa irlandesa, alegando que a

procuraram pela Internet, algo de que

ouvi falar, mas que não tentaria

explicar. A venda de turfa parecia um

empreendimento para salvar o teu tio. A

turfa de Dunroamin é de uma qualidade

excecional.”

“O tio Mac acha que sim.” Cilla

começava a entender. “Obviamente, ele

gostou da ideia.”

“E devia. Eu suspeito que me

darei bem com uma empreitada dessas.”

Ele fez uma pausa, uma sombra

atravessou-lhe a cara. “Pelo menos, vale

a pena tentar. Seria uma pena perder


Dunroamin. É o seu querido lar.”

“E o teu lar? Seagrave?” Cilla

não se importou com o seu tom de voz,

mas como os olhos ficaram com nuvens.

“Nunca falas-”

Ele fez um gesto de retirada.

“Seagrave já não existe.”

Cilla franziu o sobrolho, o seu

tom de voz torcia-lhe o coração. “Não

entendo, a tia Birdie disse que-”

“Eu ouvi.” Ele deslocou-se para

as janelas. “As paredes da minha casa

continuam de pé, é verdade. Ela também

acertou na localização. As ruínas são na

costa norte da Escócia, perto da bela

cidade de Aberdeen. Desde o meu

tempo e muito mais tarde, uma pequena

vila piscatória prospera, não muito

longe dos penhascos de Seagrave.

“Voltaste lá?”
“A Seagrave?” Ele pousou uma

mão contra o arco de uma das janelas e

olhou para chuva lá fora.“Tive um

vislumbre da vila, uma vez, ao longe.

Parecia um lugar justo. Mas o que resta

Seagrave não é a casa que conheci. Não

tenho nenhum desejo de voltar.”

“Quando estiveste lá, pela última

vez? Talvez agora-”

“Deixa estar, moça.” Ele voltou-

se e dirigiu-se para a fogueira, onde

ficou a observar as chamas. “Desde os

meus tempos, foram acrescentadas novas

alas, coisas enormes e monstruosas.

Paredes que sobreviveram durante

séculos ganharam novo rosto e já não se

reconhecem. Pelo menos, eu não as

reconheço.”

“Sinto muito.” E sentia.

Ela queria ajudá-lo, dizer ou


fazer algo que aliviasse a dor que

seguramente lhe pesava no coração. Mas

as palavras pareciam ocas, e quem

poderia mudar as devastações do

tempo? Ou atravessar o véu

impenetrável que os separava.

Ela não sabia muito destas coisas,

mas tinha a certeza que a sua capacidade

de aparecer e falar com ela – para lhe

tocar e visitá-la – era a extensão da

realidade.

Certamente, uma enorme dádiva.

Mas não suficientemente poderosa

para desfazer o passado.

***

“Deve ser difícil ter perdido a tua

casa.” As palavras de Cilla atingiram

Hardwick do outro lado do quarto, a sua

compreensão era um bálsamo para a

alma dele. “Não posso imaginar o


choque de a ver destruída.”

“Assim foi, sim.” Ele manteve o

olhar no fogo da lareira, com a sua

mente a recuar ao dia em que Bran o

alertou para o estrago. “Quando soube

disso, o meu estômago ficou ás voltas

durante meses. Foi um período muito

mau.”

“Entendo por que razão não

queres voltar.” Cilla já estava ao seu

lado, tocando-lhe no manto com dedos

leves e experimentando.

Ele ficou tenso, aquela doce

carícia foi-lhe direta ao coração. Tinha

passado muito tempo, talvez todo o

tempo, desde que uma mulher o tocou

com tamanha ternura.

Luxúria, sim.

Ele teve a sua quota de excitações desinibidas. Com todos os membros

debatendo-se e gemidos ofegantes, o


calor abrasador que pode levar um

homem à loucura, consumindo-o,

deixando-o mais vazio do que antes.

Ele olhou para Cilla, sabendo que

ela nunca o deixaria afundar, a não ser

da forma mais doce.

Ela encheria a alma de um homem

de alegria, dando-lhe o tipo de

contentamento e satisfação que durava

mais do que a mera cópula, a satisfação

das necessidades carnais.

Prazeres que ele nunca conheceu,

e que desejava não querer tão

ferozmente.

“Lamento a pergunta.” Ela enfiou

a mão debaixo do seu manto tartan, os

seus dedos procurando, tão bem-vindos

e quentes, o peito dele. “O tio Mac

gosta mesmo de ti,” disse, aparecendo

muito contente. “E tu pareces feliz aqui,


então, porque não ficas em Dunroamin?”

O sangue de Hardwick parou.

“Porque...”

Ele fechou os olhos e libertou

uma lufada de ar. Adoraria ficar em

Dunroamin. Principalmente, com ela ao

seu lado, se tal milagre fosse possível.

Mas ele não poderia ficar em lugar

nenhum desta terra.

Apenas em Dunroamin e apenas

pelo tempo permitido pelo seu tempo de

teste.

Um ano e um dia era tudo o que

ele tinha.

E era um tempo que ele

encurtaria, se pudesse, sabendo o que o

ser das trevas poderia fazer, se se

cansasse de chatear Hardwick com

simples bruxas e dragões. Mais do que

uma vez, ele entrou no santuário do ser das trevas, procurando uma palavra,

vislumbrando belas mulheres nuas,

presas pelo cabelo às árvores guardiãs

do templo.

Mulheres de carne e osso, como

Cilla, retiradas deste mundo para a casa

do ser das trevas e depois, quando ele

se cansava delas, eram dadas às raízes

dos dragões para seu prazer.

Ou, igualmente horrível, elas

eram atiradas para a cova, com as

bruxas, até que os séculos as

transformavam em ovelhas velhas e

murchas.

Isso aconteceu mesmo.

Ele próprio mergulharia naquela

cova, antes de permitir que Cilla

mergulhasse naquela caldeira sulfurosa.

Endurecendo, afastou a mão dela

do seu peito e recuou, para longe do seu

toque. “Eu não posso ficar em


Dunroamin,” disse-lhe, com a voz mais

ríspida do que desejaria. “nem mais um

dia do que o permitido.”

Ela pestanejou, olhando para ele

como se lhe tivessem crescido chifres.

Ele poderia ter rido com essa

ironia.

Em vez disso, passou um braço

sobre a testa, encontrando-a húmida,

sem surpresa. O coração dele estava a

ponto de explodir no peito, tal era a

ferocidade do seu bater com o pavor.

Preocupação com ela –

preocupações que não queria partilhar

com ela.

“Porque é que fizeste isso?” Ela

aproximou-se com um ar sisudo.

Era o seu ar de teimosia, um que

não desaparecia a não ser que recebesse

a verdade como resposta.


Hardwick também ficou

carrancudo. Também voltou a recuar,

desta vez, pondo dois longos passos

entre eles.

Ela cruzou os braços. “Então?”

Ele expirou. “Eu queria, não, eu

tinha que me afastar do teu toque.”

“Porquê?” Ela espetou-o com o

olhar, claramente insatisfeita com a

resposta. “Eu sei que me queres.”

Ele quase se engasgou.

Mas estremeceu. Querer não

descrevia um terço do que ele sentia.

“Nunca te perguntaste por que uso

o meu kilt?” Ele sabia que as palavras

não faziam sentido, mas ele não podia,

simplesmente, dizer a verdade.

Os olhos dela estreitaram-se, tal

como ele supôs que aconteceria. “Não

vejo a ligação.”
“Oh, está tudo ligado.” ele fez

correr uma mão no cabelo, procurando

as palavras exatas. “Veja bem, há coisas

que um homem repara mais rapidamente,

se estiver de kilt.” Ele olhou para ela,

esperando que a compreensão lhe

assomasse ao rosto.

Nada aconteceu.

Ela, simplesmente olhava para

ele, o seu rosto de uma inocência

branca.

“Ah, moça.” Desta vez, ele

passou as duas mãos pelo cabelo.

Ele tinha que ser franco.

Limpou a garganta. “Um kilt

permite um baloiçar fácil.” Disse,

apressando as palavras. “essa liberdade

significa que um homem percebe

agitações indesejadas, mesmo antes de

elas acontecerem.”
Os olhos dela arredondaram-se.

“Estás a falar de ereções, não estás?

Quando um homem fica-”

“Sim, é isso mesmo.” Ele

acenou.

O rosto dela tornou-se rosa.

“Estás a dizer que tu, que eu-”

“Estou a dizer-te que há uma

razão para eu te querer beijar, ainda

agora, e não o ter feito.” Voltando-se

para ela, ele agarrou-lhe os braços. “Eu

tive que me afastar do teu toque, ainda

agora, porque tinha que ser, não porque

eu o desejasse.”

Ele arriscou um beijo rápido na

sobrancelha dela. “Tu provocas-me

agitações que nenhuma outra mulher me

provocou. Sim, quero dizer isso que

estás a pensar. Mas há outros

sentimentos. Profundos, que eu não tenho


o direito de-”

“Oh!” Ela pendurou os braços em

redor do pescoço dele. “Devias ter-me

dito,” ela chorou, espiando-o com olhos

brilhantes.

Ela sorriu, com a esperança

espelhada por todo o seu ser. “Pouco

importa que sejas um fantasma,” disse

ela, não entendendo nada, claramente.

“És tão real e sólido como qualquer

homem. Podes tocar-me e eu-”

“Não.” ele abanou a cabeça. “Eu

não posso tocar.”

A sua expressão alterou-se.

“Mas-”

Ele esticou-se e rodou o pulso,

levantando os braços dela dos ombros.

“Se o meu estado de fantasma fosse a

única dificuldade, poderíamos. Vi uma

ou duas dessas relações resultarem bem.


Mas a nossa situação é diferente. O

nosso encontro veio demasiado tarde.”

O queixo dele fechou-se. “Se

conhecer-te enquanto fantasma não é

tardio, o que é que pode ser?”

“A minha vida, tal qual ela é, já

não me pertence.” Ele esperou um

pouco, adiando o que se seguia. “Eu

vendi-a ao ser das trevas em troca de

paz eterna.”

“Paz eterna?” Ela olhava-o

estarrecida. “Não foi isso que

encontraste, quando passaste a

fantasma?”

“Não.” Ele abanou a cabeça,

lentamente. “Eu não conheci um

momento de paz, desde esse dia. Pelo

menos, não até ter vindo para aqui.

Muito menos até ter vindo para

Dunroamin.”
Ela mordeu o lábio. “Se trocaste

a tua existência, como podes estar

aqui?”

“Porque,” ele começou, “o ser

das trevas não dá nada a ninguém sem

estipular algo em troca.”

“E o teu era o de não tocar numa

mulher?”

“Algo muito parecido com isso,

sim.”

Os olhos dela estreitaram-se.

“Estou a ver.”

“Não, não estás.” Ele segurou-lhe

no queixo, quando ela começou a afastar

o olhar. “Estás a pensar no Mac e nos

seus milhares de americanas.”

Ela corou. “Vieram-me à mente,

sim.”

“A minha veio-me à cabeça o

Grant A. Hughes III e eu adoraria um


duelo com ele. Merece uns cortes e

negras para o ensinar a nunca tratar uma

mulher de forma tão pobre.”

Ela soprou um cabelo da testa.

“Estás a mudar de assunto.”

“Não, estou a entrar nele.”

“Oh?” Os olhos dela começavam

a brilhar.

Amaldiçoando-se por ser a causa

disso, ele ficou hirto sobre o quanto a

desejava. Depois, aproximou-se dela,

puxando-a para si.

“Eu não sou esse homem, Cilla.

Nem outro qualquer que te possa ter

ferido.” Falou com gentileza, abrindo o

coração. “Mas eu tive a minha quota de

mulheres na minha vida terrena. Não

vivi de forma diferente de qualquer

homem da minha posição. Por não ser

casado, não via mal nenhum em divertir-


me.”

Ela endureceu, mas não fez

qualquer movimento para se afastar, por

isso, ele continuou.

“O meu salão era um lugar de

festa e os visitantes vinham de muito

longe até Seagrave.” Fez uma pausa, a

bilís começava a preparar-se para o que

aí vinha. “às vezes, os grandes nobres e

suas comitivas ficavam por semanas.

Era durante as estadias de gente tão

nobre que começavam os meus

problemas.”

“O que faziam eles?”

“Eles, nada.” Ele ainda os

conseguia ver. A forma como se

alinhavam à sua mesa alta, com os

cálices de vinho levantados em brindes.

“Eram homens de bem.”

“Então, o que aconteceu?”


“Tinham amigos amargos.” Ele

apertou os seus braços à volta dela,

lembrando. “Um tocador de alaúde

estava no encalço deles há dias, quando

chegaram a Seagrave. Nós sabíamos de

fonte segura que este homem era um

assassino. Quando alguns dias após a

sua estadia, esse homem e apareceu aos

meus portões, mandei-o embora.”

“O que mais poderias ter feito?”

Ela afastou-se para o olhar.

“Poderia tê-lo convidado a entrar

no meu lar, oferecer-lhe uma enxerga

quente e iguarias, pelo tempo que ele

desejasse. Esse era o costume.” Ele

libertou-a e moveu-se para as janelas,

precisando de ar. “Eu violei o código

ancestral da hospitalidade. Infelizmente,

inadvertidamente, fiz isso a um homem

que era, não apenas, um trovador, mas


um poderoso feiticeiro.”

“Ele amaldiçoou-te.” Ela falou

no cotovelo dele.

“Sim.” Ele voltou-se para ela.

“Foi para me aliviar da sua maldição

que procurei o Ser das Trevas.”

“E ele baniu-te para aqui?” Um

brilho de esperança iluminou-lhe o

olhar.

“Nao,” disse, afastando essa

esperança. “Eu próprio escolhi

Dunroamin. Parecia-me o melhor lugar

para passar pelo período provatório.”

Ela pestanejou. “O teu quê?”

“O meu tempo de teste.” Ele

respirou profundamente. “O Ser das

Trevas concordou em garantir-me um

fim para a maldição do trovador e a paz

eterna, que eu desejava, apenas se eu

conseguisse passar um ano e um dia,


sem ficar excitado com mulheres.”

“Compreendo.” desta vez, ela

disse. “Achavas que Dunroamin estaria

livre de tais distrações.”

“Foi isso, sim.”

“Depois, eu cheguei.”

“Sim, e que entrada triunfal.”

Sorriu, incapaz de se controlar. “Não me

terias escapado, moça. De forma

nenhuma.”

“Então, o que acontece, se tu, se

nós-”

“Se eu deixar que os meus

sentimentos por ti sigam o seu curso

normal?”

“Isso também, mas o que eu quero

dizer é: e se tu os combateres?” Ela

ficou mais direita, com o queixo a

levantar-se. “Há um ditado, no meu

mundo, que diz que duas cabeças


pensam melhor do que uma. Talvez dois

corações sejam mais poderosos do que

um simples feitiço?”

“Esses druidas operam grandes

magias” Hardwick olhou para ela,

incapaz de mentir.

Ela ainda não tinha perguntado

qual era a sua maldição. Certamente, ele

não estava ansioso para lhe contar. Mas

a sua vontade de ficar ao lado dele,

provocou-lhe algo que ele nunca julgou

poder acontecer. Ela enlaçara o seu

coração. Um frio pedroso, uma sensação

de aperto começou a atenuar, começando

a varrê-lo com a alegria mais

maravilhosa.

Por muito mal-fadado, ficaria

despedaçado, se a deixasse partir...

Ele estava a apaixonar-se.

E quanto mais olhava para ela,


vendo tanta esperança e confiança ,

brilhando nos seus olhos, mais fácil se

tornava acreditar.

Dois corações, onde antes havia

apenas um.

Ele gostava mesmo da noção.

Melhor ainda, talvez fizesse a

diferença.

Capítulo doze

Cilla soube no minuto em que

ganhou.

O alívio invadiu-a e ela respirou

fundo, tentando manter-se calma. Ela

poderia facilmente afastar o cabelo e

levantar um pnho de vitória. Talvez, até,

dar um grito de triunfo, ou tentar a sua

sorte com um derropio do seu tio.

Hardwick era dela.

Ele ficou a olhá-la, com os seus

olhos escuros num calor latente, que o


confirmava. Se não quisesse abusar da

sorte, ela lançar-se-ia sobre ele,

agarraria no seu manto e puxaria a

cabeça para junto da sua, beijando-o até

que o kilt lhe caísse.

Faria muito mais.

Talvez lhe tomasse o rosto entre

as mãos e segurasse bem, amaciando os

seus lábios nos dele, até que ele não

aguentasse mais e a puxasse para si com

força, exigindo beijos mais intensos e

profundos.

Ela provocá-lo-ia com a sua língua,

enlouquecendo-o, enquanto varria as

suas mãos pelo seu corpo, revelando a

sua necessiadde de contacto com cada

milímetro do seu corpo.

Ela estremeceu, perguntando-se o

que ele faria, se ela a pusesse numa

cadeira e lhe puxasse o kilt para cima,


de forma a poder balançar uma perna

sobre ele e sentar-se no seu colo nu,

cavalgando as suas coxas rochosas e,

com sorte, algo ainda mais granítico.

Pelo menos, tinha a certeza que

da próxima vez que a tentasse beijar,

iria até ao fim. E com muito mais do que beijos de romper a alma, cheios de

movimento de língua, respiração

ofegante e e susprios de seda quente.

Mas primeiro tinham que fazer

algo acerca da tal maldição do

trovador. Não conseguia esquecer-se

disso. Não, enquanto ela se lembrasse

do seu nome e tivesse a correr-lhe nas

veias o sangue forte de Filadélfia, na

Pensilvânia.

As mulheres de Philly eram

fortes.

Estavam sempre ligadas. Não iria

ser a ela a manchar essa tradição


orgulhosa.

Ela já tinha ideias de como

poderiam quebrar essa praga. Por isso,

esfregou as mãos, determinada a

convencê-lo.

Ele tinha tomado a sua posição

usual, à lareira, pernas cruzadas nos

calcanhares e um braço pendurado na

cornija. O olhar preso no seu, o seu

corpo sólido e másculo brilhando à luz

da lareira, e o negro sedoso do seu

cabelo brilhando como uma asa de

corvo. A sua alegre beleza masculina

quase a esmagava.

Havia qualquer coisa num homem

de kilt. Um sorriso de um highlander de

kilt e os joelhos de uma mulher ficavam

em água. Se depois, ele a beijasse, ela

estaria perdida.

Cilla engoliu em seco, puro


desejo feminino afundava-se dentro

dela, tornando quase impossível a

respiração.

Infelizmente, ele não parecia

partilhar o seu entusiasmo. A sua falta

de entusiasmo fez algo dentro dela

torcer. O coração dela começou a

deslizar. Tinha que haver uma maneira

de o fazer acreditar que juntos

venceriam qualquer desafio. Ela

mordeu o lábio, considerando. Ela tinha

visto a explosão de esperança no seu

rosto, quando ela fez a analogia dos dois

corações.

Ele tinha interesse nas

possibilidades.

Apenas não confiava nelas.

“És um cético.” optou pela

franqueza. “Se eu também sou. Mas

posso garantir-te que” – ela levou uma


mão ao coração – “Sei alguma coisa de

pragas. Estes são tempos diferentes dos teus. As pessoas são mais abertas.

Partilham informação sobre tudo.

Incluindo como quebrar um-”

“O meu feitiço não precisa de ser

quebrado.”

“Eu ,i sobre estas coisas.” Ela

falou por cima dele, aquecendo o tema.

“Há livros sobre tudo, desde o mau

olhado e feitiços, até aos efeitos de uma

energia negativa. Assim como se diz que

existem pragas, também há formas de as

bloquear. Velas brancas e sal do mar

vêm-me à cabeça. Se lhes pagares,

algumas pessoas virão mesmo-”

Ela fechou a boca, olhando para

ele. “O que é que disseste?”

“Agora?”

“Sim.” Ela esperou não pareceu

preocupada. “Disseste que o teu feitiço


não precisava de ser quebrado, como é

isso possível?”

“Porque” – ele falou com

delicadeza – “o meu feitiço já foi

quebrado.”

“O quê?” Ela pestanejou. “Não

percebo.”

ele ficou visivelmente tenso. “O

Ser das Trevas levantou o feitiço, antes de eu vir para aqui. Agora, tenho
outras

dificuldades com que lidar, como já

expliquei.”

“Referes-te ao facto de não te

poderes interessar por mulheres por um

ano e um dia?”

“Assim é, sim.” Ele deixou a

lareira para se fixar perto das janelas.

Como antes, ele passou uma mão pela

pedra esculpida do aco da janela e ficou

a olhar para a escuridão, lá fora.

“É uma estranha estipulação.”


Cilla insistiu. “Talvez me devas dizer

qual era a maldição?”

Ele franziu o sobrolho.

Apesar de ele ter ficado meio

voltado para ela, dava para ver.

Ela juntou-se a ele na janela,

preparada para incitá-lo, embora a

rigidez dos seus ombros e a escuridão

do seu rosto a aconselhassem a deixá-lo

em paz.

“Não queres ouvir falar dessa

maldição, moça.” O tom dele parecia

decisivo. “ o conto não é para os teus

ouvidos.”

“Acho que gostava de decidir

isso.” Ela queria chegar-se a ele e

abraçá-lo, mas sabia que ele não iria

apreciar o seu abraço. Não, agora. “Não

há muita coisa que me choque.”

Olhou-a com um ar de irritação.


Ela cruzou os braços. “Já que

não falas disso,talvez eu devesse falar?

Vejamos, por exemplo, este tempo de

teste. A que se deve uma pena tão

estranha? Deve ter havido uma boa

razão.”

Ele afastou o olhar para a janela,

aparentemente determinado a não

encará-la.

Caso quisesse fazê-lo, ela decidiu inspecionar um fio solto na sua manga.

“Sabes,” começou, puxando o fio, na

minha terra costuma dizer-se que onde

há fumo, há fogo.”

“E eu digo que quem anda à

chuva molha-se.”

“Seja como for” – ela continuou a

examinar o fio – “eu não ando à chuva.”

“Então, deves contentar-te em

saber que a minha pena não foi

completamente injusta.” Ele voltou-se


para a enfrentar. “Verdade seja dita, foi

mais do que justa. A maldição do

trovador exigia que o Ser das Trevas me pusesse a passar o tempo de


provação,

como ele passou.”

Cilla franziu o sobrolho. “Então,

a praga teve algo a ver com mulheres?”

Agora, ela entendia por que razão

ele não lhe dizia.

“O que quer que seja que se tenha

passado, acabou.” Ela surpreendia-se

com a facilidade com que as palavras

lhe passaram pelos lábios. “O agora é

tudo o que importa.”

***

Hardwick continuava sem falar.

A verdade, pois ela não merecia menos

que isso, ajustava-se como um bloco de

granito no estômago. Igualmente

irritante, era o facto de a cabeça lhe

começar a doer.
Ele deu-lhe um sorriso apertado, o

melhor que conseguiu. “Deixa estar,

querida.”

“Não.” Ela aproximou-se e

colocou-lhe uma mão no braço, com o

toque a aquecê-lo.

A persistência dela e o carinho

puseram-lhe o coração aos pulos. Ele

não tinha a certeza que alguma mulher

vez tenha demonstrado compaixão para

com ele. Luxúria, sim. Mas não

preocupação com o coração, e ele não

sabia como aceitar essa bondade.

Sabia que não devia aceitar.

E mais por sua causa do que por

ele – ela merecia melhor.

“Quero saber o que aconteceu.”

Ela olhou para ele, o seu olhar limpo,

preparado.

Inocente.
Ele ergueu a mão e fez o seu

polegar deslizar pelos lábios dela, com

necessidade de a tocar. “Acertaste,

moça. A praga tinha a ver com

mulheres.” Ele falou a verdade, vendo

já as esquinas do seu mundo a

escurecerem. “Fingindo-se ultrajado por

eu lhe ter fechado a porta na cara, o que

trovador-feiticeiro tinha era inveja do

meu suposto sucesso com o sexo

oposto.”

Ela respirou lentamente. “Então,

eras um homem de mulheres.”

“Sim, era, embora não mais do

que qualquer homem da minha

condição.” Ele fez uma pausa,

recordando. “O trovador viu a coisa de

outro modo e, irritado, puniu-me de uma forma que estragasse para sempre
o meu

prazer com mulheres.”

Ela arregalou os olhos. “Ele


arruinou a tua capacidade de- … ah …

tu sabes, de te divertires?”

“Não, o contrário.” Ele obrigou-

se a manter o olhar no dela. “Condenou-

me ao estado de excitação permanente,

obrigando-me a satisfazer uma mulher

diferente, por noite, para toda a

eternidade.”

“O quê-”

Ele levantou uma mão,

silenciando-a, quando tentou falar.

“Não havia prazer nenhum nos flirts.

Pelo menos” – ele não ia mentir –

“depois dos primeiros cinquenta anos,

ou algo assim. Depois disso, o que

deveria ter sido uma bênção, tornou-se

num pesadelo vivo ou não-vivo.”

Ela empalideceu vagamente.

“Estou a ver.”

“Tens que ver.” Ele agarrou-lhe


nos braços, com a culpa rasgando-o. Ela

parecia tão gelada. “Eu não conseguia

continuar, querida. O meu cansaço

obrigou-me a pedir ajuda ao Ser das

Trevas, para me aliviar da maldição. É

por causa do pagamento que ele exigiu

que agora não te posso tocar e beijar

como amaria fazer.”

“Pensei que estavas farto de

mulheres!”

“Achava que sim.” Abraçou-a

com mais força, o coração martelava,

quando se preparava para fazer uma

grande revelação. “Depois de tantos

séculos, tantas mulheres sem nome e sem

rosto, comecei a pensar que mais valia

jantar cinzas todas as noites. Até ao dia

em que decidi libertar-me do meu tédio,

refugiando-me em Dunroamin, e tu

estavas a entrar num quarto, onde eu


acabara de chegar.”

“Escondeste-te no poster.” Um

sorriso apareceu em seus lábios. “Eu

pensava que eras um sintoma do meu

jetlag.”

A palavras saíram-lhe num

impulso, como um lembrete sobre as

enormes diferenças entre eles. Mas os

longos séculos de dele, guardando a sua

cama ensinaram-lhe muita coisa,

incluíndo a estranheza do mundo dela e

as maravilhas nele contidas.

Por isso, ele nem pestanejou,

apenas fez deslizar os braços à sua

volta, puxando-a para si. “E eu pensei

que estava a acordar de um sono de

setecentos anos. Tiras-te o ar, moça.”

Ela afastou-se para olhar para

ele. “Mesmo depois de todas essas

mulheres?”
“Principalmente por causa delas.”

Era uma verdade que não o surpreendia

minimamente.

A interminável parada de amantes

não lhe trouxe uma única mulher que ele

desejasse ver de novo. Não havia uma

única mulher entre elas que acelerasse o seu coração. Cilla fez isso e muito

mais, fazendo-o desejá-la, de formas

que ela nunca imaginou vir a sentir por

uma mulher.

No entanto, sentiu por ela, algo

que o honrava e assustava em

simultâneo.

Ele queria cortejá-la

devidamente, reclamar para si, não

apenas o seu corpo bem esculpido, o seu

cabelo de ouro e olhos de safira, mas

possuir também a sua alma e o seu

coração.

Possuí-la inteiramente, se isso


fosse possível.

“Mas…” Ela olhou para o lado,

com o lábio inferior preso entre os

dentes.

Ele segurou-lhe no queixo,

inclinando-lhe o rosto para si. “Falo a

verdade, moça.”

“Oh, eu acredito.” Os seus

olhares encontraram-se, de olhos claros

e brilhantes. “Só que há muita coisa a

considerar. A ter que acreditar que és

um fantasma, tão real e sólido como és.

Agora-”

“Aceitaste a minha condição de

fantasma.” E eu agradeço aos desuses

por isso.

“Como poderia não aceitar,

depois de tudo o que vi?”

“Então, aceita-me como homem.”

Ele olhou-a com profundidade,


desejando que ela o fizesse.

“E aceito,” disse, sem sequer

hesitar.

A esperança avançou sobre si, e

ele mal podia acreditar. Temendo dizer

algo que pudesse mudar a sua aceitação,

a sua vontade de confiar nele. Que se

desfizesse a alegria de, apesar de tudo, poder tocá-la e senti-la. A suavidade


da

sua pele, o calor maleável das suas

curvas,a doçura do seu sorriso. Já não

suportaria perder tudo isso. Não agora.

Por isso, antes que o mundo se

inclinasse e lhe afetasse a sua vantagem,

ele rezou a todas as entidades que o

pudessem ajudar.

Não queria escorregar de novo

para o vazio escuro com que teve que

lidar durante incontáveis anos.

Não havia volta atrás. Mesmo

que ele nunca conseguisse


verdadeiramente torná-la inteiramente

sua. Poderia agradar-lhe de outras

formas. Já tinha visto como ela

respondia bem à paixão.

Teria que ignorar a sua própria

paixão.

Ela era um bálsamo para a sua

alma necessitada, e mais do que

suficiente para ele.

Só esperava que ela sentisse o

mesmo.

“Estás a ver, moça” - ele mediu

as palavras - “Eu gostei mesmo das

mulheres que encontrei nos dias mais

remotos do meu estado, mas não me

consigo lembrar de um nome ou de um

rosto.”

“Não tens que me dizer isso.” As

suas faces ficaram róseas, mas não

desviou o rosto.
“Acho que devo.” Ele moveu os

nós dos dedos pelas faces dela,

esperando amaciá-la. “Precisas de

saber. As mulheres que se atravessaram

no meu caminho, entre os séculos que

nos separam do início e agora, não são

mais do que uma enorme mancha.”

Ela pestanejou. “Uma mancha?”

Ele assentiu. “Não me ocorre

outra forma de as descrever. Mas não

mentirei. Eram mulheres bondosas,

apaixonadas e generosas. Mas o meu

coração não se deu a elas, nem elas

desejavam o meu. Era tudo uma questão

de…” Ele não terminou a frase,

sabendo que ela iria entender. “Desde

que te conheci, parece que o meu tempo

com elas nunca existiu Não há sequer um

resquício da memória delas na minha

cabeça.”
“E eu?” A voz dela embargou-

se. “Onde é que eu caibo, no meio de

todas elas?”

“Ficas acima delas, como a

estrela mais brilhante dos céus. És a

doce luz dourada, que eu não sabia que

estava a perder.” Ele olhou para ela,

com o coração a bater. “O calor de mel

que eu nuca sonhei existir, mesmo na

minha vida terrena. Podes não ser a

primeira mulher que se afoga nos meus

braços, mas és a única a quem dei o meu

coração.”

“Oh…” Ela envolveu-lhe o

pescoço com os braços, derretendo-se

contra ele. “Acho que és um trovador,

ou talvez um poeta guerreiro? Nunca

ninguém me disse uma coisa dessas.”

“Devias ouvir palavras dessas

todos os dias.” Embalou o rosto, com o


coração num trovão. Deverias ser

amada todos os dias, acarinhada acima

de todas as outras. “As tuas

antecessoras não têm qualquer

importância. Continuaram as suas vidas

com os homens que lhes interessavam. O

que interessa é que tu és a mulher que eu

adoraria ver como a minha última, sem

ninguém depois de ti. Se” – ele tinha

que lhe dizer – “arranjarmos uma forma

de desfazer o pacto com o Ser das

Trevas.”

Ela afastou-se, com o olhar a

girar, de novo. “O que queres dizer

com isso?”

“Exatamente o que disse.” A

verdade envolveu-o coo uma lança.

Não tinha outra opção, senão

contar-lhe. “Depois que passar um ano e

um dia, ser-me-á concedido o sono


eterno, como pedi.”

ela empalideceu. “Queres dizer

que serás um outro tipo de fantasma?”

“Não haverá vida de espécie

nenhuma, depois disso.” Ele tentou

explicar. “Há muitas camadas para o

Outro Mundo, entendes? Eu pedi ao Ser

das Trevas que me enviasse para um

sono bem profundo e negro, do qual não

se desperta. E ele concordou.”

Olhou-a, desejando poder

regressar no tempo e desfazer esse

pedido.

“Isso é terrível.” O rosto dela

ficou em nuvens. Cerrou os punhos

contra o peito dele e ele percebeu os

tremores do seu corpo.

“Esse era o meu desejo. Só

queria ser aliviado. Um caminho para

fora de uma praga, que já não


suportava.” Ele tocou-lhe no cabelo,

com o arrependimento a espetá-lo.

“Soubesse eu que te iria encontrar.”

Ela molhou os lábios. “Então,

esse sono eterno levar-te-á, se passares

pelo período de provação, sem te

excitares?”

“Assim é.”

“Então, já sei!” Ela ficou

iluminada. “Sei o que é preciso fazer

para te salvar.”

“Não posso sr salvo, moça.”

Falou claramente, com o olhar

encerrado no dela. “O Ser das Trevas é

todo poderoso e tem uma alma entre

mãos. Não abrirá exceções.”

“Mas isso é excelente.”

Disparou. “Nós queremos que ele

mantenha a sua palavra.”

“Oh,Fá-lo-á, certamente.”
“Perfeito! Não entendes?” A sua

voz aumentou. “Só precisamos de te

excitar e o pacto com ele fica anulado e

vazio. Não te pode submeter ao

esquecimento profundo e escuro.”

“Não é assim tão simples.” Ele

abanou a cabeça, detestando ter que lhe cortar a esperança. “Não expliquei
bem

o período de provação.”

O rosto dela caiu. “Há mais?”

“A parte mais maldita, sim.”

“Conta-me.”

“Se me permitir desejar uma

mulher no sentido mais completo” – ele

falou rapidamente – “o período de

provação acabará imediatamente.”

Os olhos dela apertaram-se. “E

isso significa?”

“Se tal acontecer, a maldição do

trovador voltará imediatamente.” Ele

pegou-lhe nos braços, baixando-os do


pescoço. “Só que, desta vez, não teria a

liberdade de vaguear pelo mundo como

me apetecer e escolher as minhas

parceiras para cada noite. O Ser das

Trevas enfiar-me-á no canto mais escuro

do inferno, deixando-me a satisfazer as

bruxas que aí habitam.”

Para surpresa dela, o queixo dele

ergueu-se. “E se nos recusarmos a

aceitar isso?”

Ele piscou, sem ter a certeza se a

ouviu bem.

Ela pousou-lhe uma mão no

braço. “Podemos, simplesmente,

continuar assim, não podemos?”

Hardwick quase se engasgou.

Certamente, queria o que ela sugeria. A

ideia ocupava-o dia e noite. Mas nunca

foi homem de construir castelos de

areia. A verdade era que ele duvidava


ser capaz de continuar muito mais tempo

dessa forma. Ele desejava-a como um

homem faminto à procura de comida.

Ele estava à beira de se exceder.

Mas o toque dela e a esperança

nos seus olhos tornava impossível negá-

la. Assim como o seu desejo ardente de

cometer tal loucura.

Começou a entristecer com a

impossibilidade da coisa, mas

envolveu-a com um braço, puxando-a

mais para si. “Sim, querida, podemos

continua como estamos.”

Por agora, acrescentou em

silêncio.

***

Um bom pedaço mais tarde, no

início da noite, Hardwick estava mesmo

dentro da forte porta da ala abandonada

de Dunroamin, esforçando-se por não


espirrar. A Humidade e o mofo, o frio,

quartos quase invisíveis, cheios de pó,

couro antigo e livros cheios de mofo.

Havia certamente, uma série de outros

cheiros, que ele não conseguia

identificar.

Cabeças de cerdos, pássaros

embalsamados, e traços de cera eram

apenas suposições.

Felizmente, não detetava o menor

sinal de ar de dragão. Nem apanhou

rajadas subtis de enxofre ou o

desagradável cheiro demasiado doce

das bruxas do inferno. Não é que ele

estivesse em estado de atrair os seus

hediondos observadores.

De momento, a cópula – mesmo

com Cilla – era a última coisa que lhe

passava pela cabeça.

Ainda assim, franziu o sobrolho.


O seu semblante carregou-se

ainda mais, quando qualquer coisa de

quatro patas saiu de um canto escuro e

atravessou o soalho de cedro desigual.

Pequenas patas a bater, a minúscula

criatura desapareceu na escuridão de

odores desagradáveis e enfiou-se

debaixo de uma cadeira de braços velha

e esfarrapada.

Como se, também ele, não

quisesse nada com lugares escuros e

empoeirados, o rato reapareceu, num

ápice. Deu uns cautelosos passos em

frente e, em seguida sentou-se nas suas

patas traseiras, fixando Hardwick com

um olhar curioso.

A pequena criatura não parecia

ter medo dele, como muitas outras

teriam. Longe disso, o rato inclinou a

cabeça, alegremente.
O seu ar insolente fez com que o

coração de Hardwick parasse.

Noutra altura qualquer, ele teria

sorrido.

Mas do jeito que as coisas

estavam, estalou os dedos para conjurar

um belo pedaço de queijo. Lançou-o ao

pequeno rato de olhos brilhantes.

Agarrando-o, a bestazinha escondeu-se

atrás de um espelho dourado e rachado,

encostado a uma parede.

Sentindo um aperto esquisito no

peito, Hardwick colocou as mãos nas

ancas e olhou em volta. Teve o cuidado

de não respirar muito profundamente.

Apesar de não ser muito malcheiroso, o

ar estava suficientemente contaminado

para torcer um nariz sensível.

E – tal como ele aprendeu, apenas

agora – parecia que o seu nariz era


bastante perspicaz.

O coração também, que deus o

preservasse assim.

Ele travou um suspiro.

Não era altura de lidar com tais

revelações. Estava ali por uma razão

bem importante. Por isso, mergulhou

mais na passagem sombria, com o

cuidado de espreitar a todas as portas

abertas e nichos na sombra. Escuros,

sombrios e cheios de coisas

indecifráveis, estes espaços menos

frequentados e deliberadamente

escondidos nos cantos acenavam com

tesouros.

Em particular, o quarto que ele

sabia estar cheio de tartan antigo. Tinha

visto o quarto uma vez, e queria voltar a

encontrá-lo.

O seu pulso acelerou-se, com a


perspetiva.

Ele acelerou o passo, com uma

expressão decidida.

Precisava do tartan.

Com esse propósito, apalpou na

penumbra de uma sala prometedora,

para andar a direito até à esquina de

uma mesa de carvalho escuro.

“Pelas unhas grandes de Odin!”

Esfregou a anca, fazendo uma careta.

Só piorou a situação, ao afastar-

se da mesa e quase tropeçando contra

uma pilha enorme de cortinas de veludo

sujas e comidas pela traça.

Quando uma enorme teia de

aranha lhe roçou o rosto, ficando presa,

ele quase se peneirou para fora dos

quartos desarrumados e apertados.

Havia tanta coisa que um homem

– de corpo ou não – deveria enfrentar.


Mas a atração dos tecidos de

xadrez era maior.

Um pedaço de verdadeiro tartan,

habilmente aplicado protegê-lo-ia muito

melhor do que qualquer pedaço de

xadrez trabalhado da forma habitual.

Seguro disso, abriu

completamente a porta para mais um dos

pequenos quartos. Viu imediatamente o

tecido tartan. O tecido colorido estava

por todo o lado. Enormes pilhas

oscilavam numa tal profusão, que o

coração quase lhe saltava do peito. Num

canto, os panos empilhado quase

atingiam o teto.

De resto, o quarto estava

vazio,apesar de uma hera crescer

através de uma ranhura numa das

janelas revestida com uma camada de

sujidade. O verde espalhava-se por


grande parte da parede mais distante e

por cima de algum do xadrez ali

armazenado.

Mesmo assim, havia roupa mais

do que suficiente para o que ele queria.

Alívio – e esperança –

bombeavam pelo seu ser, ficou no limiar

a observar as suas escolhas. Antigo e

coberto com uma espessa camada de pó,

os padrões de tartan mal se distinguiam.

Não que o padrão fosse

importante.

O que importava era a sua força.

Precisava de um tecido que não

tivesse sido enfraquecido pela humidade

e passagem dos séculos. Ou pior do que

isso, os seus orgulhosos motivos

assaltados por traças e besouros. Só

precisava de uma faixa. Mas a que

escolhesse teria que se segurar


firmemente, sem se mover, depois que

ele o colocasse. .

A sua vida – ou des vida –

dependia disso.

Por isso, olhou cuidadosamente

para as pilhas de peças de tecido.

Levou-lhe dois segundos para

saber o que fazer.

Esfregando as mãos, foi direto à

pilha maior e enfiou os braços pelo

meio das peças empoeiradas. Fechou os

dedos sobre aquele que parecia mais

adequado, puxando-o rapidamente para

cima.

Escolhera bem.

Nem um grão de poeira manchava

o velho tecido MacDonald. Uma bela

peça de suaves verdes e azuis,

entremeados por riscas brancas,

vermelha e negras. Ele reconheceu-o


como sendo dos MacDonalds das ilhas,

amigos e aliados de longa data.

Ele sorriu e percorreu mãos de

apreço sobre a lã suave e bem

envelhecida.

A ligação com os MacDonald era

seguramente um bom presságio.

Melhor ainda, o tecido cheirava a

limpo e fresco.

A sua posição no meio da pilha

tinha-lhe permitido desafiar os desafios

do tempo, deixando a sua preciosa lã

quase tão cristalina como no tempo em

que alguma alma há muito perdida se

lembrou de atirar para a pilha.

Hardwick pôs o tecido de lado e

estalou os dedos, preparando-se para o

que devia fazer. Sentiu uma pontada de

arrependimento. Doía-lhe que agora,

depois de tantos séculos intocado, fosse


ele a manchar tão nobre tecido.

Felizmente, tinha a certeza que os MacDonalds não se importariam.

Como o seu amigo Bran de Barra,

mais do que um dos MacDonalds

estavam em dívida com ele.

Por isso, fechou os olhos e

respirou fundo, preparando-se. Depois,

começou a desenrolar a peça com

cuidado, medindo o suficiente para as

suas necessidades. Mais uma respiração

e alguns exercícios com os dedos e

estaria pronto.

Agarrando o tartan, pô-lo tenso e

rasgou um comprimento adequado.

Antes que a culpa o pudesse

cercar, ele enterrou os dedos no tecido,

e abraçou-o rapidamente, como se

quisesse afastar o resto do seu traje.

Uma vez nu, embrulhou o tartan nas suas

ancas. Apertou mais a banda do tecido,


até ter a certeza de que menor contração

das suas melhores partes fosse

impossível.

Satisfeito, apertou o tecido tartan,

bastante satisfeito com o seu trabalho de

mãos.

Passou uma mão pelo cabelo,

com a excitação a começar a acelerar-

lhe o sangue. Deliberadamente, teve uma visão do doce triângulo dourado


ao

cimo das coxas de Cilla. Imaginou a

sua mão a cobrir o seu calor e a

encontrá-la lisa, húmida e quente.

Macio, escorregadio e ansiando a

sua carícia, seguramente também

acariciaria a sua língua. Se não, ele

conhecia formas de a persuadir a

permitir-lhe esse prazer.

Com esse pensamento, o calor

tomou-o, os seus testículos aceleraram-

se com o desejo a incendiar-lhe o


sangue.

Mas nem se contorceu.

O embrulho do tecido funcionou

bem.

Apertado, sufocante, e um

amortecedor da luxúria, se alguma vez

existiu tal coisa, a ligadura permitiu-lhe

mudar o pensamento com o calor da sua

amada e a língua dele nela. Para coisas

tão desinspiradoras como limpar a

malha da sua cota ou ver várias panelas

da cozinha de Seagrave vazias e

esfregar toda a sua sujeira.

O seu sorriso regressou. Ele

esperava que estivesse renovado.

Desconfortável como estava, a

ligadura poderia permitir-lhe muitas

liberdades.

Verdade seja dita, ele jamais teria

uma ideia tão boa.


Olhou para baixo, sentindo que

tinha um sorriso até às orelhas.

Por uma questão de segurança,

reatou o nó da ligadura, tornando a

vestimenta ainda mais apertada.

“Pelas marteladas de prata de

Thor!” Uma voz familiar fez um

estrondo atrás dele. “Não acredito nos

meus olhos!”

“Bran!” A boa disposição de

Hardwick desapareceu.

Ele girou sobre si, para encarar o

seu amigo, segurando o seu manto,

mesmo quando rodava. Deu uma

palmada nas pregas de lã familiar,

endireitando as dobras. “Não consegues

deixar um homem em paz?”

O hébrido apenas olhou para ele

de olhos arregalados. “Eu sei

perfeitamente que algumas mulheres


modernas andam por aí com pequenos

pedaços de tecido, que mal lhes tapam

as nádegas, principalmente as Ameri-

canos. Mas ainda não tinha visto um homem nesse estilo!”

“Não é um estilo, meu grande

palhaço.” Hardwick olhou para ele de

olhos bema bertos. “É para combater a

estipulação do Ser das Trevas que eu

não me atrevo-”

“A ficar teso.” Brusco, como

sempre, Bran rolou nos seus

calcanhares.

“Como sempre, és um homem de

poucas palavras.” Hardwick cruzou os

braços. “Fica contente por não teres tais

necessidades.”

“Eu nunca despachei um trovador

da minha porta.” Bran juntou as suas

sobrancelhas, olhando para as vestes de

Hardwick, como se ainda conseguisse


ver a ligadura de tartan, debaixo delas.

“Seja como for, confesso que – se

estivesse na tua posição – Tinha em

consideração essas medidas. Mesmo

que eu acredite desde o início dos

tempos que as partes de um Highlander

não foram feitas para ficarem

constritas!”

“Hum.” Hardwick recusou outros

comentários.

Sabia muito bem o quanto um

Highlander apreciava um balanço livre e

desimpedido.

“Porque estás aqui?” Hardwick

mudou de assunto. “Pensei que tinhas

voltado a Barra para reunir os teus

rapazes?”

“Pois foi!” Bran forçou um

sorriso.

“Onde estão eles?” Hardwick


esperou.

“Sim, bem…” Bran olhou para o

chão, remexendo os pés no soalho

poeirento. “Os meus amigos estavam a

meio de um festejo, quando regressei ao meu salão.” Voltou a olhar para


cima,

deu um sorriso tímido a Hardwick. “Vai

levar um certo tempo para que as suas

cabeças fiquem limpas para se juntarem

a nós. Então -”

“Vieste à frente?” Hardwick

estava desconfiado. “Desde quando é

que tu – o maior festeiro das Hébridas -

te afastaste de uma noite de folia?”

“Talvez esteja a ficar velho?”

Parecendo tudo menos isso, o ilhéu

corpulento pôs Hardwick ao ombro.

“Setecentos anos a trabalhar numa

alma.”

Hardwick voltou a protestar, sem

acreditar na desculpa do seu irmão.


Bran esticou o queixo. “Será que

eu estava preocupado contigo?”

“Preocupado comigo?”

“Estava, pois.” A voz de Bran

tomou um tom beligerante. “Os deuses

perdoam-te por duvidares de mim.

Somos amigos, sabes? Eu costumo

apoiar os meus aliados.”

Desta vez, foi Hardwick quem

olhou para os pés.

Ou tê-lo-ia feito, se não se tivesse

impedido a tempo. O que ele não

poderia prever era a forma como o seu

peito se apertava ao reconhecimento do

seu amigo.

Como já tinha notado, desde que

conheceu Cilla ficou um coração de

manteiga.

Então, reuniu o seu semblante de

indiferença e fingiu ajustar o broche de


ombro do seu manto. “Não preciso que

ninguém tome conta de mim.”

“Dizes tu!” Bran riu. “Mas

pouco importa,” acrescentou igualmente

rápido. “A verdade é que também

regressei porque a festa estava um tédio.

Pensei em escoltar um pouco os campos

de Mac. Talvez tentar ver sinais dos

fantasmas vikings, antes de os rapazes

chegarem.”

Hardwick ergueu uma

sobrancelha. “Viste-os?”

Bran coçou a barba. “Se os

tivesse visto, podes ter a certeza que ai

da estaria ocupado come eles.” Fez

alguns movimentos floraidos com a mão,

como se tivesse uma espada. “‘Já há

muito tempo que não sujo as mãos de

sangue, já para não falar em pegar numa

espada a sério.”
“Então, depois de não te teres

encontrado com os nórdicos de Mac’s

Norsemen, vieste aqui dizer-me?”

“Não, credo!” Bran fez peito

cheio. “Eu teria voltado para Barra, se

fosse só isso. Não me voltarias a ver,

até eu voltar com os meus homens.”

“Então, porque estás aqui?”

“Porque encontrei uma coisa.”

“Sério?”

“Sim, e olha bem para isto!”

Bran estendeu uma mão, estalando os

dedos para produzir uma ferramenta

parecida com uma pá, com a ponta

brilhante de lâmina plana. “Há mais no

lugar onde esta estava. Todo um

esconderijo disto, enfiados num cesto de

vime, escondido entre a turfa.”

Hardwick franziu a testa.

“Quantas?”
Bran encolheu os ombros. “Uma

boa dúzia, talvez mais.”

“Nos campos de turfa do Mac?”

“Foi oq ue acabei de dizer.” Bran

voltou a acenar a cabeça, com o rosto

sério. “O cesto estava deliberadamente

escondido. Aposto a minha barba.”

Hardwick pegou no instrumento,

examinando-o. Pequenas palavras

estavam inscritas no aço da sua lâmina

de forma triangular:

MARSHALLTOWN COMPANY.

Um termo que fazia pouco

sentido, se não fosse pelos arrepios que

lhe deu na nuca.

Enroscou os dedos à volta do

punho de madeira do instrumento e

olhou para Bran. “Já ouviste falar

nisto?”

Bran abanou a cabeça. “Não que


eu me lembre, embora a pequena pá

pareça familiar.”

Hardwick assentiu sabiamente.

Ele também já tinha visto um

instrumento assim. Era apenas uma

questão de tempo para se lembrar.

Quando se lembrasse, tinha a

certeza de que, a Marshalltown

Company e as suas ferramentas os

poriam a um passo de resolver os

problemas de Mac.

Ele sentia-o nos ossos.

Assim como sabia que, quem quer

que tivesse escondido o cesto no meio

dos campos teria que enfrentar o inferno,

em breve.

Ele trataria disso pessoalmente.

Capítulo treze

INSPETORA OFICIAL DE KILT

Estampado em cetim vermelho


brilhante, na parte da frente de um

casaco azul de uma australiana, as

palavras saltavam à vista de Cilla, de

cada vez que ela olhava para os rostos

expectantes, que a observavam no

pequeno auditório da sua primeira aula

de joalharia de porcelana quebrada, que

teve lugar em Dunroamin.

Uma fã de Wee Hughie

MacSporran, a mulher – Elizabeth, de

acordo com o nome bordado a letras

grandes e igualmente escarlates, nas

costas do casaco – não estava

claramente interessada nas pilhas de

porcelana colorida e partida, na mesa de

trabalho montada na cave de

Dunroamin.

O olhar da mulher não parava de

se fixar noutro lugar.

Nas escadas, para ser mais


precisa, ao cimos das quais estava

Hardwick, de braços cruzados,

encostado à parede, observando o

processo.

A luz de uma tocha medieval

brilhava do ponto mais alto da torre,

iluminando-o e ao seu kilt em todo o seu

esplendor. Suave e bruxuleante, a falsa

tocha chamava a atenção para o brilho

do seu cabelo preto e para a largura dos

seus poderosos ombros. Os seus belos

joelhos e gémeos atraentes também

enchiam o olho.

A sua marca de sândalo

perfumava o ar.

Acima de tudo, a luz espalhava-se

pelo kilt. Cilla tentava não reparar

nisso.

Também Elizabeth não olhava

para outro lugar.


A mulher era uma irritação de que

Cilla não precisava, principalmente,

porque não via Hardwick há mais de

uma semana. Passou sete noites sem

dormir, perguntando-se, se ele

apareceria na escuridão, fazendo sombra

na sua cama e pronto para a possuir.

Enquanto as horas passavam, ela ficava

às voltas, na expetativa que ele o

fizesse.

Saber que ele passava o tempo a

rondar os campos do tio Mac, também

não ajudava. Seguramente, ela sabia que

ele era mais do que capaz de lidar com

quem quer que fosse que andasse a

rondar os campos, fingindo-se de

fantasmas viking. Mas ela também sabia

que havia outras coisas assustadoras em

Dunroamin.

E essas coisas preocupavam-na.


Ele tinha intenção de a acalmar,

quando a apoiou com aquilo da cara do

diabo. O seu apoio tocou-a

profundamente. Mas sabendo que ele

não duvidava da existência de tais

criaturas noturnas era pouco confortável.

A cara do diabo não voltou a

aparecer à sua janela, mas ela temia o

que aconteceria, se Hardwick

encontrasse o demónio nas primeiras

horas, nos campos.

Ela estremeceu, mexendo nas

porcelanas para disfarçar. Baralhou-as

pela mesa de trabalho, dando o seu

melhor para parecer ocupada.

Como se ele não se preocupasse

com diabos e bruxas do inferno. Era

muito melhor parecer fria e calma, como se o simples facto de respirar o


sândalo

medieval de Hardwick não fosse o

suficiente para a excitar e perturbar.


O que, naturalmente, era.

Nenhum homem devia cheirar tão

bem.

Quanto ao seu aspeto...

Ela deu outro olhar na sua

direção, respirando rapidamente,

quando ele lhe entregou um daqueles

sorrisos iluminados. Ele era

simplesmente lindo, mas com uma

dureza que nenhum homem dos tempos

modernos poderia sequer almejar.

Antes de desviar o olhar, os seus

olhos negros navegaram sobre ela,

lembrando-lhe que, por alguma razão,

ele achava-a igualmente sedutora. Era

um pensamento que fazia o seu pulso

saltar e, mesmo agora, desencadeava um

tumulto ao fundo da sua barriga.

Ele era simplesmente enorme e

lindo.
Era, definitivamente, demasiado

kilt para ela.

Sorte a dela por ele ter

regressado agora. Era uma altura em

que a sua compostura era crucial e –

dane-se tudo – ela tinha decidido dar

um workshop na cave de Dunroamin.

Usada regularmente como oficina, a

cave abobada era a área mais iluminada

do castelo.

Os fortes holofotes colocados na

sua mesa de trabalho brilhavam sobre

ela, captando-lhe, seguramente, as

olheiras e inchaços dos olhos. Já para

não falar da sua pancinha, que tornava

difícil apertar o último botão das calças.

Definitivamente comeu

demasiado pão, desde que chegou À

Escócia.

A Elizabeth australiana parecia


não ter comido nada, desde que saiu de

Sydney.

Cilla franziu o sobrolho.

Se a Ms. Inspetora Oficial de

Kilts não parasse de olhar para

Hardwick – ou parasse de molhar os

lábios vermelhos como vinho tinto –

seria reembolsada pelo curso desta

noite.

Tentada a reembolsá-la

imediatamente, Cilla expirou com força.

Por muito difícil que fosse concentrar-

se, ela não poderia admitir que os

ciúmes lhe estragassem a apresentação.

Havia demasiadas coisas a dependerem

do seu sucesso; sendo o seu objetivo

ajudar a salvar Dunroamin. Então, ficou

direitinha e forçou um sorriso,

parecendo estar à vontade, sabe-se lá

como.
“Sempre gostei de coisas antigas,”

começou, apertando os dedos à volta a

apertar os dedos à volta das pinças de

mosaico, que estava na sua mão.

“Tesouros a rebentar de história e

atitude, mas talvez precisando de um

pouco de dedicação e imaginação da

vossa parte, caso queiram, como eu,

trazê-las de volta à vida.”

A Elizabeth australiana bocejou.

Na fila da frente, o coronel

Darling deu uma baforada no cachimbo.

O olhar de Hardwick estreitou-se

sobre ela. Ela sentia-o, sem olhar para

lá. Era um daqueles olhares lentos,

pesadamente conduzidos, que

percorriam o seu corpo, deixando para

trás um rasto de calor, que tornava quase

impossível ficar-se quieto.

Ela não se atrevia a olhá-lo,


agora. Os joelhos fraquejariam e ela

esquecer-se-ia de tudo o que queria

dizer.

Perturbada, pousou as pinças e

pegou numa caixa de pequenos cacos de

porcelana, especialmente bonitos. Ela

virou-as, para que o público pudesse

ver as pequenas peças, esperando que

eles se concentrassem na louça partida e

não percebessem como as suas faces

estariam seguramente inflamadas.

Hardwick estava a tentar dizer-

lhe algo, com o seu olhar quente, de

molhar as calcinhas, e ela tinha uma

ideia do que seria. Ela podia nunca ter experimentado sexo selvagem e cru e

estonteante, que supostamente, faz

estremecer montanhas e faz o mundo

parar de girar, mas leu novelas

românticas e viu filmes suficientes para

reconhecer a mensagem de Hardwick.


Algo tinha acontecido.

Algo de diferente que – deus do

céu – significava que ele ia fazer amor

com ela.

Ela soube disso instintivamente e

o pensamento eletrificou-a. Incapaz de

resistir, deu-lhe um olhar rápido e

imediatamente se arrependeu porque,

logo que os seus olhos se encontraram,

ele baixou os seu para se mover

lentamente para baixo e para cima nas

suas coxas, fixando-se no ponto exato,

onde ela iria jurar que sentia o toque

escaldante dos seus dedos fortes e

experientes.

“Oh!” Ela disfarçou o suspiro

com tosse.

Os olhos dele ficaram ainda mais

escuros e um canto da sua boca

levantou-se num sorriso. Ele balançou a


cabeça, ainda que ligeiramente, com o

olhar persistindo no lugar que não devia.

Eu quero-te, Cilla moça.

As palavras calaram-se nos seus

ouvidos; o seu belo sotaque escocês

profundo e forte armaram-se de tal

forma que mais ninguém conseguia ouvi-

las. Notando o seu desconforto, ele

arqueou uma sobrancelha cúmplice. O

seu sorriso que mal se notava tornou-se

perverso.

Cilla reconheceu o seu potencial

e os arrepios apressaram-se pela sua

pele, encaracolando-lhe os dedos dos

pés.

Eu persigo aquilo que quero,

querida. E não desisto até o ter.

O seu olhar continuava agarrado

ao dela; a promessa implícita nas suas

palavras fazia-lhe pular o coração.


Dando-lhe um abanão, olhou para

a caixa de louça partida nas suas mãos.

Cada caco brilhava na iluminação forte.

A maior parte tinha uma forma irregular,

com padrões antigos de desenhos

florais, as cores eram suaves e mudas.

Ela apertou mais as mãos à caixa,

desejando que o fogo entre as pernas

reduzisse, centrando-se na porcelana.

Os cacos mais ousados pareciam ser de

origem americana. Vermelhos, azuis e

amarelos vibrantes marcavam-nos como

tendo começado a sua carreira sendo

muito procurados depois de um festim.

Outras, peças mais frágeis, eram

debruadas a ouro.

Violet Manyweathers aproximou-

se, com o olhar fixo na caixa.

“Pretendes ensinar-nos a fazer joias com

estes pedacinhos de loiça?”


“Pah!” Coronel Darling atacou-a

com um olhar. “É claro que sim! Porque

é que achas que estamos aqui sentados?

Embora” – ele despejou o resto do seu

cachimbo na mesa de trabalho – “ao

contrário de vocês, eu só esteja aqui

para observar.”

Violet despachou-o com um aceno

da sua velha mão.

“Fala por ti,” brincou, olhando

para o quadrado vermelho-sangue de

louça. “Eu posso querer um novo

pendente.”

“E podes.” Aliviada por ocupar

a sua mente em algo diferente, Cilla

tomou uma nota mental para que Violet

ficasse com o pedaço em questão. “Eu

ajudo-a em todos os passos.”

Violet sentou-se, parecendo

satisfeita.
O coronel enfiou o cachimbo na

boca e recomeçou a fumar.

Cilla desimpediu a garganta.

“Antes de começarmos, têm que

entender uma coisa. Estes cacos e peças

de loiça partida são muito mais do que

isso. São belezas quebradas.” ela olhou

em volta, o seu coração aquecendo com

um tema adorado. “Pequenos fragmentos

de chávenas e pires de outros tempos,

pratos de sobremesa e tudo o mais, que

foi num determinado momento e sem

culpa própria foi estragado.”

Uma matrona levantou a mão, na

fila de trás. “Como se interessou por

esta atividade?”

“Muito antes de ter começado,

realmente.” Cilla olhou na direção dela,

lembrando-se de a tia Birdie se

apresentar a ela como a proprietária do


salão de cabeleireiro de Tongue.

“Quando tinha seis ou sete anos, tinha

um lindo serviço de chá. Era pequeno,

as peças maiores do que para uma

criança. Embora a minha mãe mo tenha

oferecido disse que pertencera à minha

bisavó.”

Ela passou um dedo pelas peças

de porcelana. “O serviço de chá era

uma lambuja antiga decorada com

botões de rosa, rosa e lilases. Se bem

me lembro, havia também pequenos

redemoinhos de delicadas folhas verdes.

Muito parecidas com este…”

Baixando-se, remexeu na caixa

até encontrar uma peça semelhante.

Levantou-a para que o público a

examinasse.

Um coro de oh e ah, compensou o

seu esforço.
“Deve ter sido uma criança boa.”

A voz de canário de Flora Duthie

levantou-se da primeira fila. “Nunca

permiti que as minhas filhas brincassem

com algo tão frágil.”

“Oh, a minha mãe também não.”

Cilla sorriu, recordando-se. “O serviço

de chá era para olhar, não era para

brincar. Ficava atrás das portas de vidro

de um raro armário e” – fez uma pausa,

tentando captar a atenção de toda a gente

– “eu achava as miniaturas de chávenas

e pires irresistíveis.”

Eu acho-te a ti irresistível.

As palavras de Hardwick

voltaram a passar-lhe à frente. Intensas,

ásperas e tão melosas, que ela quase se

esqueceu de respirar. Calafrios

consumiam-na de novo e ela pousou a

caixa com as peças de porcelana. Não


se atreveu a olhá-lo. Tinha a certeza que

ele sabia bem o que a sua voz profunda

representava para ela.

O que ele não sabia era o quão

desesperadamente ela queria fazer-lhe o

mesmo.

Mas já há uns tempos que ela não

ouve falar de ninguém que fique doido

com o sotaque americano.

Se é que alguma vez aconteceu.

Ela mordeu um lábio, um

formigueiro agitado continuava a

percorrê-la, com a voz dele. Que deus

lhe valesse, se ele voltasse ao seu olhar

quente e mágico pelo seu corpo.

Com uma parte a desejar que ele

o fizesse, normalizou a respiração. “Um

dia, quando a minha mãe saiu, subi para

uma cadeira e tentei tirar o serviço de

chá da prateleira. Escorreguei,


agarrando-me ao armário, na queda.”

“Ah, deus me livre!” Uma mulher

de óculos, na segunda fila, falou alto.

Coronel Darling voltou-se para

olhar para ela. Fez qualquer comentário

a interrupções, excluindo-se a si,

claramente.

“Escusado será dizer” – Cilla

esperava que ela fosse a única anotar a

sua falta de ar - “que arrastei comigo

todo o armário. Aterrou em cima de

mim, deixando-me com cicatrizes, até

hoje. O pior de tudo é que o acidente

quebrou o meu serviço de chá.”

Um coro de simpatia respondeu-

lhe.

Ela deixou uma mão a descansar

na mesa de trabalho. “Estava desolada.

Tentando tudo, pedi à minha mãe que

me deixasse arranjá-lo. Ela não me


permitiria voltar a colar os cacos,

alegando que o serviço de chá estava

estragado.”

“Mas a senhora viu isso de forma

diferente.” A dona do salão de

cabeleireiro de Tongue voltou a falar.

“Disse-lhe que queria fazer jóias, a

partir de loiça partida?”

Cilla sorriu. “Não totalmente,

mas quase. Eu era apenas uma criança,

lembre-se disso. A experiência ficou

comigo, dando-me a minha paixão mais

tardia de pegar em qualquer coisa

quebrada e transformá-la em algo

bonito, de novo.”

A estas palavras, um redemoinho

de sândalo envolveu-a, quase numa

carícia. Terno, desta vez, mas

igualmente potente. Como se soubesse

que ela pensou nele ao dizer aquelas


palavras.

Ela não se referia a consertá-lo,

mas a pô-lo inteiro, de novo.

No público, Elizabeth australiana

agitou-se na cadeira. Os seus lábios

vermelhos fizeram um beicinho e o seu

olhar – ainda em Hardwick – tornaram-

se sedutores.

Cilla deu-lhe uma cara de

zangada.

A australiana voltou a agitar-se,

por ou sem querer, revelou que se

esquecera das calcinhas por baixo da

sua saia curta. Cilla quase deixou cair a

pulseira de porcelana, que acabou de

pegar, com a intenção de passar em

volta, como exemplo do seu estilo.

A Sra. Inspetora Oficial de Kilts

estava nua.

O queixo de Cilla caiu. Os dedos


apertaram-se na pulseira, até que o seu

fecho de garra de lagosta lhe beliscou o

polegar.

A Elizabeth australiana parou de

se mexer. Mas instalou-se de tal forma,

que os seus atributos ficaram expostos.

“Tem aqui um lugar, se se quiser

juntar a nós.” Ela deu umas palmadinhas

na cadeira ao seu lado, com o olhar fixo

atrás do ombro de Cilla.

Hardwick!

Cilla ficou sem ar. Ele moveu-se

para ficar mesmo atrás dela. O seu odor

sexy de sândalo envolvia-a, forte e

possessivo. Ela engoliu em seco, com o

coração acelerado, enquanto outra

emoção menos agradável espetava

agulhas nas suas partes mais

vulneráveis.

Da sua nova posição, a vista de


Hardwick para a atraente australiana era

tão boa como a sua. Talvez até melhor,

uma vez que, sendo homem, não

afastaria o olhar, como ela o fez.

Era um pensamento, que a

chicoteava numa fúria incandescente.

Pousando a pequena e linda

pulseira partida de prata esterlina,

prendeu a respiração quente. Esperava

também que a palavra ciúme não

estivesse estampada na testa a letras

gordas.

Algo lhe dizia que sim.

“Há um nome para mulheres

assim, mas não vou falar na ua

presença.” Hardwick aproximou-se

mais, com a sua intensa voz sussurrada.

“Vales mil vezes uma da laia dela, mais

talvez.”

O elogio enviou-lhe o calor mais


doce. Nenhum homem alguma vez lhe

fez um elogio assim. Ela sentia-se

completamente indigna, mas isso não

impediu que as palavras dele a

afetassem. Tinha a certeza que lhe

puseram cores frescas no rosto, mas

pouco se importava.

Tudo o que importava era

Hardwick.

***

Ninguém se atreveria a chamar

monge a Hardwick. Mas a moça de

bronze na fila da frente do workshop de

Cilla deixou-o gelado. Ele olhou para

ela com um olhar cuidadoso e neutro,

sem que a sua figura o movesse

minimamente.

Nem nada debaixo das estrelas o

persuadiria a tomar o lugar ao seu lado.

“Muito agradecido, minha


senhora,” agradeceu, inclinando a

cabeça. “Mas, tal como aqui o nosso

Coronel” – ele olhou de soslaio para o

homem – “Estou aqui a penas para

observar. Se Miss Swanner e as suas

peças de porcelana não se importarem.”

As pernas da moça fecharam-se.

“E eu estou aqui para fazer um broche

celta para o contador de estórias das

Highland.” Ela sentou-se direita,

assumindo um ar de proprietária. “Algo

num estilo Robert de Bruce é o que

tenho em mente. Wee Hughie é seu neto

na décima oitava geração.”

“De verdade?” Hardwick

arqueou uma sobrancelha.

Pensou em dizer-lhe que nos seus

setecentos anos de fantasma, encontrou

supostos descendentes de Robert de

Bruce em número suficiente para


repovoar a Escócia.

Em vez disso, olhou para Cilla,

sem gostar dos círculos escuros abaixo

dos olhos dela. O leve inchaço que lhe

dizia que ela não andava a dormir bem.

“Pareces cansada, moça.”

Arrependeu-se da sua honestidade, logo

que acabou de falar.

O que ele queria era sussurrar

qualquer coisa sedutora no seu ouvido.

Talvez sugerindo, que depois de acabar

de a tantalizar com os seus dedos, a

aliviaria com a língua. Foi por isso que

desceu as escadas e se aproximou dela.

Para lhe dizer que pretendia fazer

amor com ela, nessa noite. Pelo menos, na medida do possível para a sua

presente condição.

Agora, quebrara uma das

primeiras regras de cortejar.

Fez um comentário ao seu mau


aspeto.

“Moça” – ele tentou remediar a

situação – “não era isso que eu queria

dizer.”

“Estou bem, obrigada. Nada

cansada.” Ela agarrou a caixa de cacos

e reuniu os dois jovens de cabelo ruivo,

que ele sabia, agora, serem sobrinhos de

Honoria. “Se me der licença, vou

continuar com o meu workshop.”

“És a melhor visão a agraciar os

meus olhos, desde” – ele aproximou-se

mais, ignorando a sua ira – “a última vez

que olhei para ti.”

A sua boca apertou-se e o olhar

girou na direção da outra vadia.

Então, era isso. Ela estava com

ciúmes.

Hardwick quase saltou de alegria.

“Ela nem te chega aos


calcanhares.” Ele cruzou os braços,

cheio de si. “Mais tarde, quando

estivermos sozinhos, eu posso provar

isso. Como tenho tentado fazer há uns

tempos, como aposto que já sabes.”

Para sua delícia, ela corou.

Parecendo docemente frustrada,

quase se afastou dele para procurar um

pequeno quadrado vermelho da caixa

dos tesouros. Depois, claramente com

grande esforço para esconder o quanto

ele lhe agradava, entregou a pequena

peça nas mãos de Flora Duthie, que a

aceitou com satisfação.

Quando regressou à mesa de

trabalho, as suas faces ainda brilhavam

coma antecipação e – ele tinha a

certeza, pois conseguia ver – o seu pulso

batia excitadamente no fundo da sua

garganta.
Ela mal podia esperar para estar

a sós com ele.

A sua ânsia brilhava como um

farol.

Depois, estragou tudo ao abrir um

sorriso para os dois rapazes morenos,

Robbie e Roddie.

Hardwick franziu o sobrolho.

Ela entregou ao mais alto dos

dois rapazes, a sua caixa de loiça

partida. “Robbie, se pudesses passar

isto à volta, para que todos possam

escolher uma peça e tu, Roddie” – ela

deu ao outro jovem um tabuleiro cheio

de umas ferramentas a que ela chamava

pinças de mosaico – “se entregares isto,

podemos começar.”

Como se estivessem numa fila,

Honoria e Behag Finney, a cozinheira,

saíram das sombras do outro lado da


sala abobadada. Aproximando-se,

seguravam pequenas mesas, que ele

ouviu chamar de tabuleiros de trabalho

dobrados, bem apertadas nos entre os

braços.

Acenando-lhes com a cabeça, a

sua senhora rapidamente voltou a sua

atenção para o público. Ela ergueu a

própria pinça e um pedaço irregular de

porcelana.

“A maior parte das peças que uso

para a minha coleção Vintage Chic são

cortadas em quadrados, ovais, corações

e retângulos.” Ela pousou o pedaço de

porcelana e a pinça. “Mesmo assim, a

maior parte das minhas obras mais

apreciadas foram feitas com formas

irregulares. Sugeria que segurassem a

vossa peça na mão, fechassem os olhos

e deixassem que a loiça vos dissesse à


sua maneira, qual a melhor forma de a

cortar.”

Quase todos, à exceção do

Coronel Darling acenaram de forma

aprovadora.

Elizabeth revirou os olhos.

Na parte de trás da sala, Birdie

MacGhee usava, claramente, a sua

influência de esposa para impedir Mac

de bater na coxa e vaiar alto.

Hardwick, também poderia

facilmente ter gargalhado.

Tinha vivido demasiado tempo

para perder tempo a ouvir sons de

porcelana a partir.

Parecia que, ao contrário do que

havia dito, Coronel Darling pescou não

uma, mas duas peças da caixa.

Escolhendo, primeiro, um pequeno

pedaço a que Cilla designou de chintz,


um delicado padrão de flores amarelas,

rosas e verdes; a sua segunda escolha

provou ser igualmente refinada,

exibindo folhas verdes e flores roxas,

pintadas à mão.

O peito cheio do coronel e os

olhares que dedicava a Violet e a Flora deixavam pouca dúvida sobre quem

seriam as agraciadas com os seus

trabalhos.

Como se fingisse não notar – ou,

pelo menos, como se tivesse esquecido

os seus votos de não se envolver na

atividade de fazer joalharia – Cilla

continuou. Moveu-se entre as filas de

formandos, com o ligeiro movimento

dos peitos e a tentadora oscilação da sua

anca a tornarem muito difícil a

Hardwick pensar noutra coisa.

Até que ela passou ao lado do

tabuleiro de trabalho da pequena Violet Manyweathers. As mãos da


velhinha
tremiam, tornando difícil cortar o seu

quadrado de um forte vermelho festivo e

transformá-lo numa forma oval que ela

queria para fazer um brinco.

Uma e outra vez, Cilla foi

encorajando-a, inclinando-se,

finalmente, para cobrir os dedos

trémulos da mulher, com os seus

próprios e as duas conseguiram cortar o

quadrado de Violet.

Hardwick aproximou-se,

observando silenciosamente e sem

perceber que estava tão perto, até que

um grito quebrou o seu encanto.

Olhando-o de forma acusadora, a

pequena mascote Dunroamin, Leo,

espiava-o do lugar onde estava,

enroscado aos pés de Violet.

“Perdão, rapaz.” Hardwick

baixou-se para acariciar a cabeça do


cão.

Mas, por muito que ele

lamentasse ter pisado a cauda de Leo, a

sua mente estava noutro lugar.

Em vez da sala abobadada e bem

iluminada de Dunroamin, ele viu o

enorme salão de Seagrave. Em vez de

Cilla e Violet Manyweathers, a sua

pretendente de há muito tempo e a sua

mãe brilhavam à sua frente. Lembradas

das profundezas nubladas dos tempos, as

duas almas do seu passado enchiam a

sua visão, uma muito amada e querida, a

outra inspirando-lhe apenas desgosto.

Como se tivesse sido, apenas,

ontem,

continuou a olhar, quando a bela

Lady Dolina apareceu atrás da cadeira

da sua mãe e, depois, se inclinou para

agarrar na colher dos seus dedos


curvados e trémulos.

“Ela devia estar presa numa

torre!Longe do salão, onde uma

enfermeira a pode alimentá-la e tratá-

la.” Lady Dolina atirou a colher para

cima da mesa alta, bem longe do alcance

da sua velha mãe. “É uma ofensa para

os meus olhos ver a comida a cair-lhe

pelo queixo.”

“E vós ofendei-me a mim.”

Hardwick agarrou-a pelo cotovelos,

empurrando-a pelo estrado e, por fim,

afastando-a do salão.

Foi a última vez que a viu, e isso

era-lhe indiferente.

O que não lhe era indiferente, era

a sua intrusão, agora..

Ela roubava-lhe o prazer de ver

Cilla ajudando Violet Manyweathers a

cortar o seu pedaço quadrado de loiça


vermelha. Preparado, como estava –

tinha puxado a sua ligadura tartan,

especialmente apertada – apreciando as

suas nádegas redondas, baloiçando a

cada movimento.

Não era preciso examinar o

aperto no seu peito.

Nascido de uma emoção

completamente diferente; uma a que

Bran chamaria, certamente, de amor,

nem as suas excitações, nem os inchaços

do seu coração importavam neste

momento.

A sua mãe e Lady Dolina tinham

desaparecido.

E tinham levado Cilla e Violet

com elas.

Hardwick franziu o sobrolho,

pestanejando.

Juntou os olhos, mas nada


aconteceu. A sala estava vazia.

Restavam, apenas, os assentos vagos e a

mesa de trabalho da sua dama.

Furioso por ter passado muito

mais tempo do que ele pensava, a espiar

o seu próprio passado, pegou num

pedaço de loiça azul brilhante, da caixa.

Virou o fragmento na palma da mão, com

o coração a bater mais forte, de cada

vez que o olhava para ele.

Era o mesmo azul dos olhos de

Cilla.

“Onde estiveste?”

Ele voltou-se, ao ouvir a voz

dela. O pedaço azul saiu-lhe dos dedos.

“Eu … infernos e tédio, eu-” baixou-se

apanhando a pequena peça do chão de

pedra do salão.

“Então?” Ela saiu das sombras,

as pilhas de tabuleiros bem alinhadas


contra a parede mostravam o trabalho

que esteve a realizar.

“Estava a pensar.” Pousou o caco

na mesa. “Pensava em ti tão

intensamente, que nem me dei conta que

tinhas acabado a tua-”

“Não me refiro a agora.” O seu

olhar dirigiu-se para o assento, onde

esteve a vadia. “Referia-me à semana

toda?”

“Estive a patrulhar os campos de

turfa do teu tio. Pensei que sabias

disso.” Era a melhor resposta que lhe

podia dar, uma vez que não queria

revelar-lhe que passou o tempo a

aborrecer-se nos campos.

Usando cada minuto para lidar

com o desejo que sentia por ela, para

testar a força da sua liga de tartan,

voltando, apenas, quando teve a certeza


que poderia dar-lhe prazer sem que o

seu sexo se levantasse.

Agora, olhava para ela, sem

perder a cor pintada nas suas faces. Nem

deixou de notar que ela evitava o seu

olhar. Quando ela voltou a lançar um

olhar ao assento da outra mulher, ele

entendeu porquê.

“Por Odin!” A descrença varreu-

o. “Não me digas que achas que eu

estive com aquela mulher?”

Os olhos dela faiscaram. “Ela

parecia realmente interessada em ti.”

“Por mim, ela podia ter arrancado

as roupas e andar por aí nua, qe não me

fazia diferença nenhuma.” Voltando a

pegar no caco azul, enroscou os dedos à

sua volta, apertando com força.

“Continuaria a não a ver. Pelo menos,

dessa forma que tu pensas.”


***

Cilla mordeu o pescoço,

querendo acreditar nele. Mas nesse

momento o seu cinto estava a bater

viciosamente na sua recentemente

adquirida pancinha.

Ela afastou o cabelo, e encontrou

o olhar completo dele. “ela tem uma

barriga lisa.”

As palavras soaram a triviais, até

a ela.

Incapaz de as impedir, começou a

fazer uma carranca, quando – para seu

espanto – Hardwicklevou os punhos à

cintura e inclinando a cabeça para trás,

deu uma grande gargalhada.

Com os seus olhos negros acesos,

ele riu. “Nunca conheceste um

Highlander, se achas que ficamos

babados com magricelas!”


Cilla tentou não parecer afetada.

“Seguramente não sei das preferências

de um Highlander.”

“Então, meu doce” – ele

aproximou-se, com o seu polegar a

desenhar círculos na peça azul, que tinha

na mão – “talvez esteja na hora de

saberes.”

Ela olhou para o lado, plenamente

consciente das luzes que brilhavam por

cima das suas cabeças. Elas destacavam

os inchaços por baixo dos seus olhos e o

cabelo despenteado. Depois de ter

tentado ficar calma, fria, ela adotou a

atitude da tia Birdie com um toque

francês.

Só que, com ela, não resultou.

O seu cabelo não era

suficientemente longo, e os ganchos

tinham caído. O que tinha sido


elegantemente feito estava agora

desfeito.

“O meu ex era da colheita das

Highland.” Era uma desculpa pobre, mas

dava-lhe tempo. “Pelo menos, assim

reclamava-”

“Doçura, se ele fosse um

verdadeiro Highlander, tu não terias

dúvidas.” A sua voz ficou mais

profunda, o tom voava por ela como mel

aquecido pelo sol. “Como diria um

velho amigo meu, ‘Há homens e depois,

há os Highlanders. Aquele que não sabe

a diferença é um tolo.’”

“Eu sei ver a diferença.” Ela

voltou a olhar para ele, com o coração

apertado. “É uma grande diferença.”

“Sim, assim me disseram.” Ele

deu um sorriso de lobo.

Os olhos de Cilla arregalaram-se.


Ele riu.

O calor consumia-a, a sua

proximidade e o olhar no seu rosto

excitavam-na ainda mais do que a magia

fantasmagórica dos seus olhares

picantes e os seus dedos errantes. O seu

pulso acelerou e a boca ficou seca. Ela

estava a cair no feitiço dele, perdendo-

se mais a cada momento que passava.

Todo o seu corpo estremecia de desejo

por ele.

O seu coração…

“Diz-me, de novo, como podes

parecer tão real,” deixou escapar, com

os nervos a fazerem-na arriscar um tema

mais seguro.

“Porque eu quero e” – fez uma

pausa, a sua voz ficando séria,–

“porque tive setecentos anos de

prática.”
Incapaz de discutir, Cilla olhou

para onde Leo dormia, debaixo da mesa

de trabalho. “E ele?” Ela esperou até que ele olhasse também para baixo,
para

o pequeno cão. “Porque é que ele não

tem medo de ti? Sempre ouvi dizer que

os cães fogem dos fantasmas?”

Ele aproximou-se mais, levou

uma mºao à face dela. “Acreditas em

tudo o que te dizem, Cilla-moça?”

“Eu-”

“Os cães não são diferentes das

pessoas.” O sorriso dele voltou, os seus

olhos iam aquecendo. “Em espírito ou

em vida, são as mesmas almas. Não me

digas que nunca reparaste que os cães

conseguem saber quando alguém gosta

deles ou não’.”

Ele lançou outro olhar a Leo.

“Também distinguem uma alma boa de

uma má. Essa sabedoria não muda, só


porque a alma que eles vêem pode ser

de outros.”

“De outros, como fantasmas?”

Ele assentiu.

Debaixo da mesa, Leo

espreguiçou-se e começou a ressonar..

Hardwick movimentou um fio de

cabelo do rosto dela, o seu olhar

aquecendo-a até à raiz da sua alma.

Nunca teve um homem a tocar-lhe tão

intensamente, por dentro e por fora. Não

podia imaginar o que aconteceria,

quando ele lhe tocasse realmente, algo

que ela sabia iria acontecer muito em

breve.

Ela humedeceu os lábios. “Estás

a tentar dizer-me que és um homem

bom?”

“Não.” ele abanou a cabeça

lentamente. “Pretendo mostrar-te como


tu és boa.”

Ela piscou os olhos. “Eu?”

Ele inclinou-se para lhe acariciar

o pescoço, deixando os lábios a escovar a sua pele. “Tu e mais nenhuma,”

declarou beliscando-lhe a orelha.

“Parece que estás a falar a sério.”

O coração de Cilla começou a bater

lentamente e com força.

“Porque estou.” Ele levantou o

caco azul que ainda tinha na mão e

parecia examiná-lo. “Sabias, para

começar, que os teus olhos são do

mesmo azul que este? Ou” – ele pousou

o pedaço de louça e pegou numa peça

creme com um delicado aro dourado –

“que o teu cabelo brilha com o mesmo

brilho dourado do aro desta porcelana?”

Ele olhou-a por um longo

momento, o seu olhar incendiava-lhe a

alma. “Um homem pode perder-se


nesses olhos.” Ele pousou o frágil

pedaço de porcelana e pegou-lhe no

cabelo, enrolando uma mecha entre os

dedos. “Nos meus tempos, os reis

ficariam de joelhos por uma dama com

esses traços de seda dourada. Neste

dia, nesta noite, digo-te que sonhei tanto

em tocar este cabelo.”

Ele deixou os fios deslizarem-lhe

por entre os dedos. “Sonhei com tanta

coisa, moça.”

ela mordeu o lábio, incapaz de

falar.

As suas palavras derretiam-na.

Quanto aos olhos dele, quase doía

olhar para dentro deles, de tão intenso

que era o seu olhar. Jamais algum

homem olhou para ela com uma fome tão

nua.

“Tens uma língua de prata.” ela


tropeçou na sua própria língua, o bater

selvagem do seu coração tornava

impossível o pensamento. “Nunca

ninguém me disse-”

“Que pena tão grande.” Ele

voltou para a mesa, pegando numa lasca

do caco vermelho cortado por Violet.

“E maior é o meu prazer em mostrar-te

isso. Eis a cor rica dos teus lábios,”

acrescentou, segurando a pequena lasca

junto à luz, antes de a devolver à mesa.

“Doces lábios, que imploram por um

beijo.”

O mundo tremeu. “Um beijo de

um Highlander?”

O sorriso dele tornou-se

diabólico. “O meu beijo.”

Antes que ela pudesse fechar os

olhos, ele puxou-a para os seus braços e cobriu-lhe a boca com a sua, num
beijo

quente e exigente. O sangue dela chiou e


a sala girou. Um turbilhão de desejo

fustigou-a e ela enganchou-se nele,

pressionando mais, quando ele

intensificou o beijo e os dois se

perderam num redopio de lábios, línguas

e um ar suave e quente.

“O-o-oh,” ela suspirou, inalando

o ar, mesmo quando ele reclamou outro

beijo forte de satisfazer a alma.

Ele envolveu-a com os braços,

arrastando-a mais para si. Ele deixou as

mãos deslizarem, até abrir os dedos nos seus quadris, apertando-a contra si,

enquanto continuava a beijá-la sem

parar.

“Agora, meu amor,” – ele afastou-

se para a observar– “agora foste quase

beijada por um Highlander.”

Ela pestanejou. “Quase?”

“Exato.” ele deslizou uma mão

pelo cabelo dela, recolhendo os ganchos


que faltavam e atirando-os para o chão.

“Há outro tipo de beijos em que somos

especialistas, entendes?”

Cilla quase se engasgou. “O que

queres dizer com isso?”

“Nós somos homens da terra.”

Ele sorriu. “Seguramente, podes

adivinhar, não?”

ele baixou o olhar, e ela soube

realmente.

“Oh, não…” O embaraço

escaldava-lhe as faces. “Não podes

querer dizer-”

“Oh, quero sim.” Ele aproximou

as mãos da sua blusa, já desabotoada.

“tenho que manter a minha palavra,

Cilla-moça. Estou prestes a mostrar-te

como és boa. Deliciosa, diriam muitos.”

Ela engoliu em seco.

Ele cruzou os braços, parecendo


estar satisfeito. “‘É altura de teres

prazer de um homem que vive para te

dar prazer.”

Capítulo catorze

“Espera.”

Cilla agarrou os pulsos de

Hardwick no exato momento emq ue ele

abria os últimos botões do seu top. Os

seus seios já estavam rijos e sedentos do

seu toque. A sensualidade ondulava por

todo o seu ser e ela ansiava por mais. O

seu coração corria como louco, no

entanto, ela mordeu o lábio, segurando-

o. Ela queria isto, tudo, mas...

Olhou para os holofotes por cima

da cabeça. Piscando com a sua força.

“Há demasiada luz.” Vai revelar os

meus defeitos.

Podes não me querer.

“Oh, não, querida.” ele abanou a


cabeça, sorrindo. “Não pode ahver luz

suficiente. Eu ver-te-ei claramente.” O

seu olhar aprofundou-se na sua blusa

meio aberta, os seus olhos brilhavam

escuramente. “Toda, poderei celebrar

com o olhar.”

“Mas-”

Ele pousou-lhe dois dedos nos

lábios, silenciando-a. “Mas é um mundo

que eu não conheço.”

“Tem o seu propósito.” Ela tentou

outro olhar para os holofotes.

Estavam mesmo muito fortes.

Ela franziu o sobrolho. “As luzes

incomodam-me.”

O sorriso dele sumiu. “Porque

dizes isso?”

“Porque é verdade.” Ela olhou

para o lado. “Ouviste-me falar esta

noite; aquela parte em que um armário


caiu em cima de mim, quando era

pequena.”

Ele ficou com ela num abrir e

fechar de olhos, tomando-lhe o queixo e inclinando-o pra cima. “Não me


digas

que te estás a vangloriar com as

cicatrizes de infância?”

“Não é isso...” ela esquivou-se.

As cicatrizes eram pequenas,

quase não se notavam. Seria precisa uma

lupa para as encontrar. O que ela queria

dizer era, como ela alcançou algo que

queria desesperadamente e que lhe caiu

em cima.

Agora, queria assim Hardwick.

Estava ferozmente atraída por ele,

mas os seus sentimentos eram tão mais

profundos. De certeza que o ar tremia,

de cada vez que ele a olhava. Mas a

preocupação que ele tinha com os seus

tios, por Dunroamin enchia-lhe o


coração. A sua escolta medieval para os

proteger, falava com algo dentro dela,

apertava-lhe a garganta, por vezes. Era

mais do que bem parecido, mais do que

um sotaque escocês sexy. Ele podia ser

tudo para ela; talvez já fosse. Ela tinha a

certeza que perdê-lo representaria um

imenso vazio.

Por isso, não quis arriscar nada

que o afastasse dela.

Ele era a perfeição no masculino,

cada pedacinho forte dele. O negro

sedoso do seu cabelo, e o seu olhar

latente, as suas mãos grandes e fortes e o

seu perfume de sândalo...

Ela era cheia de defeitos, e não

apenas fisicamente.

Tudo o que ela tocou deu errado.

As suas relações do passado, o

seu negócio, os seus sonhos e


esperanças mais desejados – poderia

isto dar certo, com ele?

Não estariam amaldiçoados,

desde o início, a encontrarem-se com

séculos de distância? Por muito real e sólido que ele se manifestasse. No


fim

de contas, ele era o que era.

Ela olhou para o lado, esperando

que ele não a visse a limpar os olhos

húmidos. Não era como a tia Birdie.

Não sabia, se tinha a coragem, a audácia

de saltar de uma falésia e ver se

aprendia a voar.

“Não entendes,” ela tentou

explicar. “Eu não sou-”

“Tu és tudo o que eu quero. A

única coisa que desejo, neste mundo e

em outro mundo qualquer.”

Aproximando-se mais, roçou-lhe os

lábios na testa. “Beijarei cada

minúscula cicatriz tua, até que as


esqueças.”

“As cicatrizes não me

incomodam.”

Ele arqueou uma sobrancelha. “O

quê, então?”

“Bem, é…” Tenho a certeza que

me apaixonei por ti.

“‘Isso são nervos, bem vejo. Mas

não tens motivos para preocupações.”

Ele levantou-lhe o queixo, virando-lhe o

rosto para cima. “Sabes que te quis

desde o primeiro momento em que te vi?

Que te desejei logo?”

Ela acenou, lembrando-se do

calor dos seus olhos.

Não terá ela sentido o mesmo?

“Estás a esquecer-te de uma

coisa,” disse ele, como se sentisse o seu

sentido de capitulação. “Já te vi nua.”

A sua voz aprofundou-se, o seu tom rico


e sedoso era derramado por toda ela,

fazendo com que se sentisse querida,

desejada e feminina. “A não ser que eu

tenha perdido qualidades, tu já sentiste

as minhas mãos em ti.”

Ela corou, “Senti, de facto,

qualquer coisa durante a

apresentação,”admitiu, surpreendida por

o ter feito.

“Setecentos anos à tua espera,

moça.” Ele voltou a baixar o olhar e ela

voltou a sentir, de novo, que a mão dele

lhe tocava entre as pernas. Era a

sensação do seu dedo, deslizando no

centro, provocando-a e atormentando-a.

Fogo líquido corria-lhe nos

nervos, tirando-lhe o ar. O coração

batia mais rapidamente, o seu pulso

pulando com a intimidade.

“Tem misericórdia,” suspirou,


atordoada com a bênção que a percorria.

“Espera até ser mesmo o meu

dedo, menina Cilla.” Ele circulava os

polegares sobre a elevação dos seios

dela, enquanto falava, esfregando-a

através da renda do sutiã. Depois,

olhou-a com o olhar intenso. “Quando

fore a minha língua, eu posso não

conseguir parar. Nunca, se tal for

possível. Para veres como estou faminto

de ti.

“Vou devorar-te.” Ele pegou na

mão dela e levou-a aos lábios, beijando-

lhe as pontas dos dedos. “Esperei

demasiado tempo e tenho que te ter,

agora, e de todas as formas que me têm

vindo a atormentar. Se não puder,

enlouqueço.”

“Não, eu é que enlouqueço.” Já

estou louca. O sexo de Cilla apertou-


se, as palavras dele eram eletricidade.

Ela queria as mãos dele, tocando-a e

esfregando-a, pondo-a selvagem. Ela

ansiava pela língua dele na dela, que a

beijasse e lambesse.

“Desejas uma amostra do meu

movimento de língua?” Ele aproximou-

se mais, com a voz baixa e rouca. “isso também está nos meus poderes,
embora

preferisse, de facto, misturar a minha

língua com a tua.”

“Sim!” deixou escapar. “Quer

dizer, não. Ainda não. É das luzes,

elas-”

Ele afastou-se, olhando-a. “As

luzes não importam.”

“Mas-”

“Não há mas. Embora” – ele

lançou um dos seus olhares aos

holofotes fortes – “O que falta às vossas

luzes modernas em graça, eu devo ter.


Se isto fosse Seagrave, e nos meus

tempos, possuir-te-ia à luz de velas.

Como…”

Ele sorriu e estalou os dedos.

De uma vez só, a horrível luz por

cima da cabeça desapareceu e um brilho

quente e dourado envolveu-os. Uma luz

suave e bruxuleante que brilhava por

todo o lado, quebrada por algumas

sombras, que pareciam igualmente

convidativas.

Cilla pestanejou. “Oh, meu

deus!”

“Estás contente?”

“Não tenho palavras.” Ela olhou

em volta, com o queixo caído, quando

viu que as tochas do tio Mac das

escadas, agora ardiam realmente. Assim

como os candelabros de ferro, na parede

da sala abobadada.
Artífices medievais que– ela

sabia – não estavam lá uns momentos

antes.

No entanto, as suas ferramentas

de trabalho e as suas porcelanas

continuavam lá. E, ela verificou com

alívio, o pequeno Leo continuava a

dormir, enroscado no chão. A única

diferença era que uma camada de cheiro

de ervas doces cobria agora as frinchas

das pedras, e Leo – graças à atenção de

Hardwick – descansava numa cama de

aspeto suave e quente de xadrez.

Cilla girou para Hardwick.

“Como fizeste isto?”

Ele encolheu os ombros, tentando,

sem grande sucesso, parecer modesto.

“Eu disse-te que tinha séculos de

experiência. A verdade é que, poderia

ter conjurado algo muito mais


esplêndido, mas sinto-me egoísta, esta

noite.”

“Egoísta?”

“Sim, tão certo como a chuva.”

Um canto da sua boca içou-se. “Estou a

economizar forças para te dar prazer.”

“Oh.” O coração dela começou a

deslizar.

Os joelhos voltaram a ficar moles

e ela soltou uma enorme baforada de ar.

Era tudo o que conseguia fazer para não

lançar os braços à volta do pescoço dele

e implorar que a beijasse. O seu corpo

inteiro tremia de excitação, um

formigante delicioso passava-lhe dos

pés à cabeça.

“Por isso, estás a ver, minha

querida,” a sua voz ficou carinhosa.

“Não quero gastar mais poderes do que

os necessários. Não até ter terminado o


que tenho a fazer contigo.”

“Isso não é egoísmo.” Ela tocou-

lhe no peito, sentindo a sua força,

através da lâ áspera do seu manto.

“Não?” Ele inclinou-se mais, com

o hálito quente na face dela. “Então,

não estás a ter em consideração o prazer

que isto me vai dar. Consegues imaginar

o quanto ansiei por beijar cada parte

dourada e doce de ti? Ver-te nua,

estendida à minha frente, e depois usar a minha língua para te lamber,


banhar e

provar até que grites por uma

libertação?

“Quero tudo isso e muito mais.”

Ele trabalhou com a ponta da língua, na

sua orelha. “Então, não me negues.” Ele

beliscou-lhe o pescoço. “É demasiado

tarde.”

Afastando-se, ele voltou a pegar-

lhe na blusa. Mas, antes de pôr os dedos


nos últimos botões, fez deslizar um olhar

intencional, à parede distante, onde ela

tinha empilhado os tabuleiros de

trabalho.

A parede estava, agora, vazia..

Até que ele estreitou os olhos e

um enorme candelabro de pé apareceu.

Resplandecente, uma boa dezena das

melhores velas de cera brilhavam à

volta dos seus braços curvos. Mais um

estalar de dedos e uma bela cama baixa

juntou-se ao candelabro.

Ricamente esculpida de carvalho

brilhante, muito limpo, com a cama

coberta por uma coberta exuberante de

veludo azul royal.

O coração de Cilla começou a

bater forte contra as costelas. Ela sabia o que ele pretendia fazer com ela

naquela cama. Ele acbara de lhe dizer e

ela ardia por cada uma das delícias que


ele lhe prometeu.

Ela respirou fundo, incapaz de

afastar o olhar da cama.

A sua barriga foi tomada por um

batalhão de borboletas.

“Fizeste isto para nós.” Ela mal

podia acreditar.

“E tu foste feita para mim.” Os

dedos dele estavam quentes contra os

seios dela, escorregando para dentro do

sutiã para lhe acariciarem os mamilos.

“Ainda bem que a cama te agrada.”

Ela acenou a cabeça, demasiado

tomada para falar.

Para além, disso, estava perto de

um clímax. E continuava completamente

vestida! Vindo sabe-se lá de onde,

chegou-lhe o pensamento de que os

Highlanders são homens diferentes dos

outros. Agra, ela sabia a verdade disso.


Mas o adágio não estava

completo.

Highlanders não eram, apenas,

diferentes. Eles eram melhores.

“A cama é linda,” disse ela,

baloiçando ligeiramente, com a

excitação a enfraquecer-lhe os joelhos.

“Como tu,” garantiu,

desabotoando o último botão. “O azul é

por causa dos teus lindos olhos de

safira,” disse, olhando para a cama.

“Tudo o resto é para te dar prazer.”

“E o teu?” O ar dela parou,

quando ele fez deslizar o top pelos

ombros e se desembaraçava do sutiã,

afastando os dois, sem que ela se tivesse

apercebido que ele os tinha retirado.

“Então, e o teu prazer?”

“Tu és o meu prazer.” Os olhos

dele escureceram ao olhar para ela, o


calor dos seus olhos provocando-lhe um

inchaço nos seios, matando-a de desejo.

“Já chega.”

Ele pegou nela, as mãos

palpavam e apertavam a plenitude dos

seus seios, os polegares circulavam os

seus mamilos rijos. Um prazer

requintado desenhava-se nela em

espiral, mil vezes maior do que as

carícias pelo olhar que já lhe tinha feito.

O seu toque real desfazia-a.

“Oh, Hardwick.” ela arqueou-se,

levantando os seios e oferecendo-se a

ele. “Também te quero tocar…”

“Tu encantas-me.” Ele inclinou-

se, arrastou a língua através das

elevações dos seus seios. “Eu não

preciso de mais nada.”

Mas quando ele a tomou contra o

seu peito duro e a conduziu à cama de


coberta azul, ela soube que precisava de

mais qualquer coisa.

Ela queria satisfazê-lo, também.

Infelizmente – ou não,depende –

ele já a deitava na cama, os dedos

retiravam-lhe o cinto.

Senti-lo a despir e a retirar as

calcinhas – as suas cuequinhas! – tirou-

lhe todos os pensamentos.

Menos um.

Ela queria, padecia por estar nua

com ele.

A sua mente ficou vazia para

tudo, menos para o toque dos seus dedos

fortes, enquanto ele despia as suas

roupas, atirando cada peça ao chão duro

de pedra. O tremeluzir das tochas

escorregava por cima dela, lançando

sobre o seu corpo uma suavidade de luz

e sombras. E mesmo ela tinha de admitir


que o efeito era agradável como

nenhuma luz que brilhasse neste mundo.

Até a sua pequena pancinha

parecia mais feminina do que gordinha.

Mas, antes que pudesse penar

demasiado nisso, ele esmagou-a nos

seus braços, beijando-a longamente. Era

um beijo feroz, com a boca toda, como

que de desespero. Ela devolveu-lhe a

sua paixão com igual intensidade,

enterrando-lhe os dedos no manto,

agarrando os seus ombros largos e

poderosos. Ela esperava que ele

desaparecesse a qualquer momento, que

um murro castigador os esmagasse e os

punisse por tentarem tanto reclamar

aquilo que tanto desejavam. Mas ele

continuava a beijá-la, com cada

movimento selvagem da sua língua

provando aquilo que tinha dito: ele


estava mesmo faminto por ela.

Depois, ele afastou a boca da

dela, o seu olhar escuro faiscando,

enquanto a ajudava a mergulhar na

berma da cama. “És linda, menina

Cilla. Preciosa e dourada,” disse,

olhando diretamente para os caracóis no

meio das pernas. “Não me negues este

prazer.”

“Não o farei.” Mesmo que

quisesse, não conseguiria ! Ela mal

conseguia respirar com a excitação, e o

ruído do coração nos seus ouvidos

mpedia-a de o ouvir.

“És a maior das dádivas e eu

nunca quis tanto algo.” Ele ajoelhou-se

perante ela e afastou-lhe as coxas,

abrindo-a para a acariciar.

Aqueles beijos das Highland que

ela tanto desejava.


Ele estava prestes a dar-los e

esse pensamento secava-lhe a boca e

parava-lhe o coração. Sexo oral era algo de que ela só ouvira falar das
novelas

românticas. Nunca teve experiência

própria, por muito que a ideia sempre a

tenha excitado. Nenhum dos seus

namorados alguma vez se interessou por

isso.

Agora…

Era a vez dela.

“Preciosa moça, Beberia de ti, se

pudesse, banhar-me-ia com o te sabor,”

ele falava contra o ventre dela, de hálito

quente e suave. Uma brisa leve e

provocadora passava pelos seus

caracóis íntimos, uma sensação que

quase não se sentia, mas que era tão

intensa, que ela juraria ter relâmpagos

entre as pernas.

“O-o-oh!” Os seus olhos abriram-


se muito.

Hardwick riu, um som puro e

intenso de pura satisfação masculina.

Olhou para cima, para ela.

“Ainda nem comecei.”

“Mas-”

“Sem mas, já disse.” Ele voltou a

sua atenção para a barriga dela,

aninhando-se, beliscando e lambendo a

sua pele. “Relaxa, e deixa que eu te

ame.”

As mãos dele escorregaram para

cima e para baixo das suas ancas,

depois moveu-se mais para baixo,

percorrendo as suas coxas interiores,

abrindo-as mais. “Abre mais. Quero ver

e beijar tudo o que é teu.”

“Sim, por favor. Eu quero…” Ela

não conseguia dizer mais nada, mordeu

o seu lábio inferior. As sensações eram


intensas, loucamente deliciosas. Ela já

estava escorregadia e molhada, as

palavras dele empurravam-na para o

limite. Quase lá, ela fez como ele pediu e deixou abrir os joelhos, dando-lhe
o

acesso que ele desejava.

A quente e formigante intimidade

que a fez cerrar os pulsos contra as

lindas cobertas azuis. O desejo corria

por toda ela, enquanto ele agarrava os

seus joelhos e afastava as pernas.

Ela queria que ele tivesse tudo –

e nunca tinha desejado tanto um homem.

Não era só amor.

Ele transformara-se no ar que ela

respira.

***

Hardwick olhou para ela. Por um

momento de loucura, quase arrancou a

sua liga de tartan, para poder mergulhar

bem dentro dela, tomando-a como sabia


que não se atreveria. Ele ansiava por

sentir o seu calor suave e estreito,

mesmo que fosse apenas por um

momento proibido. Para deleitar-se

com a doçura das suas pernas

enroscadas nas suas e escorregar para

dentro e para for a dela.

Em vez disso, respirou fundo e

esperou que a liga se aguentasse.

Depois, baixou a cabeça e

começou a lamber o interior acetinado

das suas coxas. Ela engasgou-se, o seu

corpo exuberante e ansioso debaixo

dele, deixava-o enlouquecido. A sua

língua tremeu sobre a pele sensível, uma

tortura – e bênção – quase impossível de

suportar.

O calor dela chamava-o, mas ele

aguentou-se, querendo dar-lhe o máximo

de prazer possível.
Em resposta ela tremia e

contorcia-se. “É tão bom. Nunca senti

nada tão doce.” Ela enterrou os dedos

nos ombros dele, segurando-se bem.

“Não pares, por favor!”

Ele olhou para ela, seguro de que

ela nunca pareceu tão desejável, com o

seu cabelo despenteado e os olhos

vibrando de paixão. “Oh, Não pararei.”

Em vez disso, enfiou as mãos

debaixo das nádegas dela, apertando-as

e trabalhando-as, enquanto distribuí-a

demorados beijos pela sua pele

acetinada. Os seus ouvidos eram um

trovão e o seu corpo inteiro se apertava-

se, agitado pela sua recetividade.

E ele ainda nem se tinha

aproximado da delicadeza feminina ao

cimo das suas coxas.

“Hardwick…” ela olhava-o, com


uma interrogação no rosto.

“Shiu, moça,” ele falou baixinho,

inalou o seu cheiro de mulher. Deixa-me

mostrar-e o quanto te desejo.”

Ele prendeu o seu olhar no dela, o

seu aperto no seu traseiro aumentava à

medida que ele se aproximava para

lamber o seu caminho aberto. O seu

aroma quente e almiscarado do desejo

entrepôs-se neles, tingindo o ar e

enchendo-lhe os pulmões, intoxicando-o

completamente.

Desejando-a desesperadamente,

afastou o olhar do dela e olhou para

baixo, deliciando-se com a beleza dos

seus caracóis dourados. A tentação do

seu desejo escorregadio e molhado e a

forma como ela tremia debaixo do seu

olhar.

Ele engoliu em seco, a sua


própria vontade lutando contra o pedaço

de tartan enrolado.

Ele reprimiu um insulto, um

desespero feroz brotava de dentro dele.

Sabendo que não podia, esvaziou

a sua mente. Com todas as suas forças,

desejando não ver o calor da pele

exuberante apenas a uma respiração dos

seus olhos famintos, da sua língua

ansiosa. Em vez disso, ele imaginou as

pilhas de pedra e tijolos que gerações

inteiras usaram para lhe desfigurar a sua

amada casa.

Fechando os olhos para dar mais

poder à imagem, baixou a cabeça e

lambeu, usando o puro instinto de macho

para percorrer com a ponta da língua,

primeiro para cima, depois para baixo

do seu centro molhado e cheiroso.

“Ah-h-h!” As pernas dela


endureceram, doces tremores

percorriam todo o seu ser. “Hardwick!”

O desejo na voz dela quase o

desfez.

Os olhos dele abriram-se de

repente. A visão da sua largura aberta –

e tão perto, à sua frente – tirou-lhe o ar,

deixando apenas o fogo abrasador, que

lhe queimava os pulmões e o deixava a

questionar-se porque razão não ficarva

em cinzas. Ele não se lembrava de

alguma vez ter sentido uma ligação tão

primitiva com outra mulher, um fogo tão

consumidor.

Então, ela balançou os quadris e a sua suave humidade roçou-lhe o queixo,

o seu odor húmido roubando-lhe a

razão.

“Por todos os deuses!” Ele

inclinou a cabeça para trás, a sua

contenção quase se quebrava.


Com o desejo a explodir, ele tirou

as mãos debaixo dela e agarrou-lhe os

quadris, enquanto abria a boca por cima

dela. Ele mergulhou fundo, bebendo dela

até que a necessidade de respirar o

obrigou a afastar-se um pouco.

“Vais acabar comigo.” ela

olhava-o de olhos virados e ofegante. O

seu corpo bem feito brilhava à luz das

candeias, a sua deusa loira e doce, com

os joelhos afastados, e ela abrindo-se

cada vez mais.

“Tu és tudo.” Uma e outra vez,

ele lambeu-a, parando apenas para dar

ao seu ponto mais sensível um ligeiro

tratamento circular, de que ele

necessitaria. Ou para lhe garantir o

prazer de afundar a língua bem dentro

dela, provando o seu calor mais

profundo e deixando-o saciar-se na


humidade quente e excitante dela.

Ela estremeceu da cabeça aos

pés, arrepiando-se de prazer.

Ele balançou com o gosto dela. O

seu aroma picante e limpo incendiou os

seus sentidos, queimando-o por dentro.

Ele não poderia voltar a arriscar uma

coisa daquelas. Da forma que estava,

com todos os músculos tensos com o

esforço de evitar a sua excitação. O

implacável inchaço dos seus testículos e

o seu alongamento começavam a ser

impossíveis de negar.

“Por favor.” Ela entrelaçou os

dedos no cabelo dele, puxando-o para

si.

Algures, alguma coisa se rasgou –

ele ouviu o som do tecido – mas deixou

de se importar. O cheiro e o sabor dela

na sua língua deixaram-no louco,


selvagem. Então, rosnou, algo de que

não se lembrava de já ter feito, depois

decidiu dar-lhe prazer com um beijo,

lambendo-a e rodando a língua ao

mesmo tempo.

Ele libertou as mãos dos quadris

para as levar aos seios, amassando-os e

apertando-os, usando os dedos para

rolar e apertar os mamilos inchados.

Também ele se sentia inchado. Mas

também sentia a força do tecido tartan a

apertá-lo, com uma pequena parte de si

a perceber que não era o tartan, mas a

coberta azul da cama, que tinha rasgado.

A sua ligadura, por muito que lhe

doesse, continuava segura.

A sua mulher desfazia-se.

Ela precisava de uma libertação.

Por isso, ele deslizou, de novo, as

mãos por baixo dela, cobrindo-lhe o


traseiro e levantando-lhe os quadris.

“Abre mais as tuas pernas, moça.” Ele

fixou o olhar no dela, pois queria que

ela o visse dando-lhe prazer. “Tão

abertas quanto puderes e mantém-nas

assim, olha para mim, enquanto eu te

completo.”

“Oh deus….” Ela mordeu o

lábio, mas assentiu.

“Vê-me a levar a língua ao teu

ponto mais sensível.” E ela olhou, sem

tirar os olhos dela, ele baixou a cabeça

e lambeu o pequeno e latejante botão,

que ele sabia a levaria ao êxtase.

Uma e outra vez, a sua língua

desenhou círculos naquele ponto

especial, cada um dos movimentos

facilitava as suas lambidelas para o

comprimento dela. Ele deixou a sua

língua sondando e provando, e depois,


voltou à pequena protuberância de

prazer.

E a cada volta melosa, ele

imaginava mais um estranho a colocar

pedras e tijolos na sua casa.

Um tijolo, uma lambidela quente,

ao imaginar os profanadores a tirarem

os tijolos da pilha. Mais uma pedra,

mais uma lambidela lasciva para o

interior da sua dama, degustando-a e

saboreando-a.

O suor começava a despontar-lhe

na testa, tal era a tensão, mas ele não

conseguia parar mesmo que a sua vida –

ou não vida – dependesse disso.

A verdade é que ele a devoraria

até ao fim dos tempos, se pudesse ser.

Mas antes que ele tivesse passado

por metade das suas pilhas de blocos

imaginários, ela arqueou as costas e


afastou a cabeça, gritando a sua

libertação.

“Ahahhh…” gritou e caiu para

trás na sua pequena cama, ofegante.

“Hardwick…”

Seagrave….

Uma segunda voz também o

chamou. Uma voz aguda e cacarejante de

mulher, que vinha das sombras

profundas das escadas da sala.

Debaixo da mesa, Leo rosnou.

O sangue de Hardwick gelou.

Sem querer, mas incapaz de fazer

de outra forma, ele olhou para baixo,

para o pequeno cão. Sem grande

surpresa o pequeno dachhund estava

eriçado e o seu olhar castanho estava

preso na direção exata onde Hardwick

suspeitava que estaria.

Leo sabia.
E, que os antigos o ajudassem, ele

também sabia.

O seu intestino estava apertado,

virou a cabeça em direção às escadas.

Mas eles já lá não estavam. Estava uma

mulher – uma bruxa dos infernos – e não

estava sozinha.

Ela estava de frente e ao centro

de um enorme buraco, onde as escadas

mal iluminadas deviam levar às

cozinhas de Dunroamin. Inúmeras

bruxas da mesma espécie estavam atrás

dela, todas acotovelando-se para

espreitar e zombar dele.

“Seagrave…” A primeira bruxa

levantou as mãos nodosas para rasgar as

suas vestes negras de capuz, a carne fria

por baixo das suas entranhas. “Estamos

à tua espera…”

Outra chegou-se à frente.


Mostrando os seus seios finos

pendurados, levantando-os em oferta.

“Há tanto tempo que não temos um

homem,” estava delirante, os lábios

encaracolavam-se num sorriso horrível,

sem dentes.

A visão desapareceu.

O aviso.

Leo parou de rosnar, voltando

lentamente a ressonar.

A mão de ia avançando debaixo

do kilt, os seus dedos conquistadores

enroscavam-se nas suas coxas e

deslizavam para cima, provocando-o.

“Não!” Ele afastou-se, pulando

para fora da pequena cama azul. “Não

me toques.”

“O que se passa?” Ela evadia-se,

de olhos arregalados.

A preocupação no rosto dela


bateu contra ele. “Fica aí, não te

aproximes de mim. Agora, não.”

Ele nunca sonharia que as bruxas

se aproximariam tanto. Que se

manifestariam tão completamente no

mesmo quarto que Cilla – apesar de ela

não as ter visto – assustando-o mais do

que qualquer outra coisa, nas suas duas

vidas e nos longos séculos que as

constituem.

“Mas porquê?” A confusão e a

mágoa ficaram estampadas na cara dela

e, vendo-o, Hardwick encolheu-se. Ele

voltou a cair na cama e puxou-a para os

seus braços, embalando-a da melhor

maneira possível, mas sem a sentir

verdadeiramente contra o seu corpo.

Uma façanha quase impossível,

mas nem de perto tão difícil como o que

ele tinha que fazer.


“Não tem nada a ver contigo, meu

doce.” Ele tomou-lhe o queixo entre as

mãos, arriscando um beijo suave.

Esperava que ela acreditasse.

“O que acabamos de partilhar foi

para lá de maravilhoso.” Ele sentou-se,

passou uma mão pelo cabelo dela. “Se o

mundo fosse diferente, ou a minha vida,

se é que lhe podemos chamar isso,

diferente do que é, eu passaria todas as horas do dia a amar-te.”

Ela franziu o sobrolho. “Mas?”

“Mas” – desta vez ele disse a

palavra – “nunca deveríamos ter ido tão

longe. Eu devia saber. Há perigos

maiores do que eu imaginava e não

posso permitir que eles interfiram com

Dunroamin mais do que já aconteceu.”

“Se achas que tenho medo, estás

errado.” Ela passou uma perna pelo colo

dele, tocando nas suas coxas por baixo


do kilt.

Ela contorceu-se em cima dele,

toda quente e escorregadia. Por um

breve momento, em que o coração lhe

parou, ele iria jurar que ela se afundou

nele. Um calor ardente, apertado e


quente latejando em torno dele, tão

glorioso que quase o cegava. Mas

depois, sentiu a sua suavidade nas coxas

e soube que se tinha enganado, o desejo

por ela deixava-o a imaginar.

Por muito que ele usasse os seus

poderes para que ela sentisse a sua mão,

ainda há pouco.

“Pouco importa quão brava uma

pessoa é,” disse, com as palavras

partirem-lhe o coração. A frustração

tomou conta dele e cerrou os dentes,

pensando novamente em tijolos e

pedras. “Foi um erro da minha parte. Eu

nunca devia ter-te tocado.”

“Não! Foi lindo, tudo.” Ela

abanou a cabeça, parecendo frenética.

“Recuso-me que penses de outra forma.

Nem agora, nem amanhã, nem nunca

mais.”
“Ah, moça.” Ele tomou-lhe os

braços, quando ela os tentava pôr ao

pescoço dele. “Sabes da praga. Se

acreditas em mim” – ele levantou-a do

seu colo – “e depois do que nós já

desfrutamos, ambos sabemos que

acreditas.”

Ele ficou de pé, provocando a

distância. “Então, também tens que

acreditar no feitiço que me envolve. Nos

meus tempos os feiticeiros eram homens

poderosos. Tão habilidosos, a sua magia

era tão grande que vive até aos dias de

hoje. Uma praga destas não pode ser

desfeita.

“Só pelo Ser das Trevas,”

admitiu, com essa verdade a infiltrar-se

nas veias, como gelo. “Ele pode

arrancar cabeças de druidas com um

gesto de mão.”
“O que ele me fez…” Ele não

terminou a frase, não a querendo alarmar

mais do que já fizera.

“Nós podemos confrontá-lo

juntos.” Ela levantou-se, indo para junto

dele. “Eu posso-”

“Eu não sou um pedaço da tua

loiça partida, querida.” Ele passou uma

mão pelo cabelo, quase desejando ser

isso. “Não me podes voltar a pôr no

lugar com um pouco de cola e prata

derretida.”

O seu queixo levantou-se, os

olhos reluzentes.

“E se eu quisesse tentar?”

“Não há nada que possas fazer.”

Ele olhou para ela, vendo tanto amor e

desespero no seu rosto, que lhe rasgava

a alma. Por isso, começou a mover-se

no salão abobadado, fazendo caretas aos


pedaços conjurados do seu mundo, até

que eles desapareceram, um a um.

Deixou o candelabro e a pequena

cama azul para o fim.

Depois, também eles

desapareceram.

Tal como antes, as modernas

luzes de Dunroamin iluminavam a sua

mesa de trabalho. E o pequeno Leo,

mais uma vez, dormia enroscado nas

pedras nuas do salão.

Hardwick suspirou, sentindo todo

o peso dos séculos a cair sobre ele.

“Tenho que ir, moça.”

“Ir?” os olhos dela

arredondaram-se.

A forma como ele disse a palavra

foi visceral.

Ela levou as mãos ao rosto,

empalidecendo. “Não podes estar a


dizer que vais embora?”

“Sim, estou.” Ele respirou fundo,

sabendo que um dos dois precisava de

ficar calmo. “Há uma hipótese que nos

pode ajudar. É muito pequena, mas tenho

que arriscar.”

“Indo embora?”

“Não.” Ele abanou a cabeça

lentamente. “Suplicando misericórdia ao

Ser das Trevas.”

Ela deu um passo para trás, quase

cambaleando. “Vais lá? Ao inferno?”

Hardwick assentiu. “Para o canto

negro do Ser das Trevas, sim.”

Ele iria lá, pedir para entrar e

afirmar a sua posição. Se a recusa o

encontrasse, iria mais longe.

Independentemente das

consequências.

***
“Então, não estás cansado de

mulheres?”

A vós do Ser das Trevas rasgou-

se através da névoa flutuante do Grande

Além. Embora ainda dentro das paredes

do seu massivo templo de pedra, falava

com autoridade e poder, cada palavra

sua intensa como trovão e afiada com o

crepitar de relâmpagos.

Hardwick entrou na roda cinza,

rompendo a primeira regra da entrada no

santuário do Ser das Trevas, chegar lá

por sua própria vontade. Como se

pessoalmente afrontado, o omnipresente

nevoeiro andava à sua volta cada vez

mais espesso. Ainda assim, continuou,

sendo a sua única concessão a mão que

segurava o punho da espada.

Conseguia sentir o desagrado do

Ser das Trevas, em relação à sua


coragem.

A sua mão ficou onde estava.

Ficou arado a uma distância

respeitável das enormes árvores

guardiãs do templo. Felizmente, não

havia nenhuma beldade nua agarrada a

elas, presas pelos cabelos e cordas de

cintilante e inquebrável névoa.

“Eu espero, Seagrave.” A voz do

Ser das Trevas chiou como um chicote.

“Estás farto de mulheres ou não?”

“Eu sou um Highlander. Nós

nunca nos cansamos de mulheres.”

Hardwick falou, por fim, mesmo que a

névoa e as árvores escondessem a vista

da maior parte do templo. “‘Foi apenas

a maldição que me atormentou.”

Seguiu-se o silêncio.

Ele imaginou o Ser das Trevas a

erguer uma irritante sobrancelha negra.


“Não encontraste a paz que

querias no teu sossegado Dunroamin, o

refúgio sequestrado no extremo norte da

Escócia?” a voz descarnada ergueu-se,

ribombando o suficiente para ecoar até

ao infinito. “Vejo que não carregas o teu

escudo. Não te chega teres-te visto livre

desse fardo que seguravas há séculos?”

“O meu escudo está aqui, caso

precise dele.” Hardwick estalou os

dedos e o escudo apareceu-lhe nas

mãos. “Quanto ao meu fardo” - ficou de

pé, querendo agradecer onde devia –

“estou-vos grato por estar aliviado

dele.”

“Pois tens razões para estar.”

Por momentos, Hardwick pensou

ter ouvido uma risada de dentro do

templo.

Mas se ouviu, as palavras


seguintes do Ser das Trevas arruinaram

essa imagem. “Então, e a paz, Seagrave?

Encontraste o que o teu coração

desejava, em Dunroamin?”

Os ouvidos de Hardwick ficaram

mais aguçados. “O meu quê?”

De novo, ele voltou a ouvir o

ruído suave que podia passar por uma

gargalhada.

“Porquê, a tua solidão e tédio,

claro.” Um farfalhar de vestes e uma

brisa de vento gelado indicavam que o

Ser das Trevas se havia movido para

mais próximo. “Os teus dias devem ser

vazios e entediantes, lá no deserto de

Sutherland.”

“São tudo menos isso – como

muito bem sabes!” Hardwick perdeu a

paciência. “Vi os teus serventes a

espiarem-me. Não vim aqui para dançar


à volta do fogo contigo. Quero dois

benefícios e não saio daqui sem uma

garantia deles.”

“Atreves-te?”

A voz do Ser das Trevas, trovejou

pelo interior do santuário, seguido quase

de seguida por um ruído enorme, que

lembrava o Mac a dar uma palmada no

joelho.

Ao redor das árvores-sentinela, o

labirinto de raízes expostas rapidamente

se transformou numa tropa de dragões

ciciosos. Levantando-se nos seus pés

escamosos e com garras balançavam as

cabeças negras e reluzentes, na direção

de Hardwick. Os seus olhos vermelhos

irados e as caudas agitadas não

deixavam dúvidas de que não eram

delicadas com requerentes de bênçãos.

“Acabem com isso, minhas


bestas!” O Ser das Trevas mostrou-se

brevemente, a sua forma alta e

impositiva aparecia numa silhueta à

entrada do templo,no momento em que

estendeu um braço para as raízes de

dragão. “Durmam até serem

convocadas!”

As criaturas desapareceram de

uma só vez, deixando um emaranhado de

raízes inofensivas no seu rasto.

“Então, Seagrave!” A voz do Ser

das Trevas veio. De novo, do seu templo

de abrigo.

O arco ainda iluminado da sua

entrada parecia vazio.

“Que desejos quererias? Agora,

depois da generosidade que já mostrei

contigo?”

“Eu sou um homem diferente

daquilo que era quando vim ter contigo


da última vez.” Hardwick cruzou os

braços, sem querer curvar-se. “Por isso,

tenho necessidades diferentes.”

“Necessidades suficientemente

grandes que justifiquem a tua vinda

aqui?”

Hardwick endireitou os ombros,

preparando-se para dar tudo. “São

suficientemente importantes para estar

disposto a oferecer o que quiseres, antes

do fim do meu período de teste.”

Ele quase conseguia ver a

sobrancelha do Ser das Trevas a erguer-

se, de novo.

Não estava preparado para o

longo silêncio que se seguiu.

Uma calma salpicada por um

barulho que se parecia muito com um

homem a esticar a sua barba.

Quase como se estivesse a


pensar.

Hardwick franziu o sobrolho.

Não era de se esperar grandes

coisas, quando o Ser das Trevas se

punha a pensar.

“Diz-me, Seagrave, estas bênçãos

têm alguma coisa a ver com a dama?”

“Sabes bem que sim.”

O Ser das Trevas reapareceu no

limiar da porta, um vento silencioso

chicoteava-lhe as vestes. “Não há nada

que eu não saiba.”

A raiva incendiou Hardwick.

Certamente, as bruxas exaltaram-se com

tudo o que testemunharam na sala

subterrânea e abobadada de Dunroamin.

“Não te esqueças de que eu já fui

homem.” As palavras do Ser das Trevas

provavam que as bruxas tinham falado.

Hardwick ajustou o queixo. Tanto


lhe fazia que o diabo tivesse sido dez

homens de carne e osso.

“Todos fomos homens um dia e

continuamos a ser. Independentemente

da forma que nos foi concedida,”

rosnou, enrolando uma mão no punho da

espada e apertando os dedos da outra,

na pega do escudo. “O que eu quero de

ti é uma noite com Cilla, para a

conduzir, realmente, pelo universo do

amor.” Ele aproximou-se alguns passos,

o seu olhar na silhueta negra da entrada

do templo. “Quero a tua palavra de que

deixas Dunroamin em paz. Não quero as

tuas bruxas a manifestarem-se por lá, de

novo.”

“A sério?” O Ser das Trevas

parecia analisar os seus nós dos dedos.

“Esqueces-te que não estás em posição

de fazer tais exigências.” Fez uma


pausa, enquanto uma rajada de vento

correu por entre as árvores. “Mesmo

assim, falarei com as senhoras.”

“Senhoras?” Hardwick quase se

engasgou. “São tão diabólicas como

tu.”

O Ser das Trevas enviou-lhe um

ar reprovador.

Ele sentiu-o até aos ossos.

“Estavam apenas demasiado

ansiosas.” O Ser das Trevas tomou as

dores delas. “Também elas amaram, um

dia, e perderam o seu amor.”

“E os meus pedidos?”

“Feito.”

“O quê?” Hardwick arregalou os

olhos.

O alívio banhava-o. O triunfo, o

calor e a doçura quase lhe dobraram os

joelhos.
Até que o Ser das Trevas

levantou uma mão interrompendo.

“Feito, isto é, depois de dares uma

última prova.”

O coração de Hardwick pulou.

“Não te chega que te ofereça a minha

alma? Agora, antes do ano e um dia que

exigiste?”

Ele não tinha a certeza, mas ia

jurar que o Ser das Trevas encolhera os

ombros.

“‘É um assunto grave, Seagrave.”

A sua voz profunda encheu o interior do

sacrário. “Pedes-me que te conceda

uma noite de alegria com a tua dama e”

– lá veio aquele riso suave, de novo –

“e negas o prazer às minhas damas. Mas

tudo pode ser remediado, se essa for a

tua vontade.”

Hardwick cruzou os braços. “Diz


qual é o teu preço.”

“A alma da tua dama.”

“Isso é uma loucura!” Hardwick

olhou para dentro da névoa, sem se

surpreender por ela ter aumentado, de

novo, tirando o Ser das Trevas e o seu

templo para fora da vista.

“A escolha é tua, Seagrave.” A

voz veio do interior das paredes do

templo. “Uma noite de prazer,

Dunroamin deixado à sua inocência e –

o preço – a alma de Cilla Swanner.”

“Não!” Hardwick rosnou em

negação.

Depois, viu-se a cair, girando e

rodopiando por um túnel, que não

parecia ter fim. Rodava de cada vez

mais para baixo, ventos frios rasgavam

o seu kilt e fustigavam-lhe o cabelo.

E, quando a escuridão veio para o


reclamar, uma palavra deslizava pelo

seu coração, confortando-o.

Cilla.

Capítulo quinze

Várias noites mais tarde, Cilla

estava à beira de um sofá de xadrez num

canto da enorme biblioteca de

Dunroamin. Havia velas por todo o

lado, a única luz que o tio Mac admitia

na sala. Candelabros de pé, candeeiros

de parede e velas de mesa; cada uma

lançando uma luz dourada,

acrescentando uma ambiente ao evento

noturno.

‘Conheça e Cumprimente o

Autor’, com Wee Hughie MacSporran,

o contador de estórias das Highland.

Cilla observava e ouvia-o,

tentando parecer interessada.

Na verdade, estava apenas


surpreendida.

O homem alto, tipo urso, que

palestrava no pódio perto da lareira de

mármore preta da biblioteca era tudo o

que ela não esperava.

Ela inclinou-se para Hardwick,

sentado ao seu lado. “pensava que ele

era um reconhecido mulherengo?”

“Assim dizem.” Hardwick

encolheu os ombros. “Não vejo oq ue é

que ele tem de especial. Ou” - ele

levantou uma sobrancelha maligna –

“Talvez seja especialista em beijos das

Highland?”

Cilla escondeu um sorriso. “Por

alguma razão, duvido disso.”

Embora tivesse, pelo menos ,

dois metros de altura, Wee Hughie

parecia ter mais pancinha do que

músculos. Até a sua testa erudita alta e o


cabelo ruivo em queda lhe impediam

que o seu rosto redondo, de maças do

rosto muito vermelhas lhe dessem um ar

muito gaiteiro. Infelizmente a sua

jovialidade era obscurecida pela sua

tendência de se pavonear.

“O tempo tem pouca importância

nas Highlands,” dizia, com o seu

sotaque bem definido, talvez até

demasiado suave. As palavras rolavam

como se ele as repetisse. “As nossas

montanhas são um lugar mágico de

beleza pitoresca, lânguido e sedutor.”

Ele fez uma pausa, lançando um

olhar significativo para o pequeno grupo

de mulheres australianas que

compunham sua comitiva e tinham

ocupado os assentos da primeira fila.

“A Escócia, todo o mundo sabe, é

um lugar onde se acredita que um


passado longínquo aconteceu apenas

ontem, e a longe a distância não estão

completamente perdidos, mas à espera

de serem descobertos, por quem tiver

olhos para os ver.”

ele olhou em volta, implicando o

público. “Vocês têm esses olhos?”

Uma rodada de acenos

silenciosos dos residentes de Dunroamin

foi a resposta que obteve, enquanto as

suas australianas, todas vestindo

casacos de inspetoras Oficiais de Kilts,

concordavam com audíveis Uhhh e

aahhhhs.

Ao lado de Cilla, Hardwick

bufou.

Ela deu-lhe um olhar. “Não

gostas mesmo dele, pois não?”

“Não gosto de sacos rotos.” Ele

cruzou os braços. “esses idiotas


incomodam-me mais do que uma pedra

no sapato.”

Olhou pela janela, parecendo

observar as nuvens que se aproximavam.

Mas não antes de Cilla lhe apanhar uma

contração no vanto da boca.

“Eu vi isso.” ela cutucou-o,

aliviada por ver que as recentes linhas

no seu rosto estavam mais suaves,

mesmo que só por um instante. “Achas

que ele é estranho?”

“Acho que a cabeça dele é tão

inchada, que é estranho que ele consiga

passar entre as portas.” disse isto de

voz baixa, com o olhar ainda nas

janelas.

O seu rosto estava duro, quase

sem expressão. Como tem estado desde

que regressou da sua vista ao Ser das

Trevas e anunciou o seu fracasso.


Cilla franziu o sobrolho e pegou-

lhe na mão, entrelaçando os dedos, antes

que ele a afastasse. “Devias ter ficado

na cama.” Ela aproximou-se, falando

baixinho. “O tio Mac disse que podias

ficar com o quarto, pelo tempo que

quisesses. Ele acha que estás doente de

vigiar os campos, que estás com um

resfriado. Não sabe que é de-”

“Do gostinho do aviso do Ser das

Trevas pelo que me espera, quando

acabar o meu tempo?” Desta vez, ele

olhou mesmo para ela, com os seus

olhos negros a brilharem à luz das velas.

O tom de voz tinha uma pitada de

amargura. “E eu não tenho usado o

quarto para dormir. Tenho andado nos

campos com os meus rapazes, todas as

noites. Continuamos à procura dos

fantasmas vikings.”
“Talvez não existam?”

“Alguma coisa existe, de

certeza..” Ele esperou que Honoria

passasse com pãezinhos e scones.

“Quem quer que sejam, têm estado a

esconder-se. Mas nós estamos em cima

deles. Quanto a mim” – pegou numa fatia

de pão, como num dever, quando

Honoria passou uma segunda vez – “o

mal-estar. ou o que quer que seja que o

Diabo me infligiu, vai passar. É preciso

mais do que um feitiço de tonturas para

acabar com um Highlander.”

O seu olhar inclinou-se para uma

poltrona axadrezada, não muito longe de

onde eles estavam. “Não teria perdido a

exibição desta noite, nem por todos os

haggis da Escócia.”

Por um instante, o seu rosto

iluminou-se e ele parecia tão


malvadinho como antes da sua visita ao

Ser das Trevas. Certamente tão

deliciosamente lindo, embora não fosse

altura de deixar a cabeça nessa direção.

Então, ela alisou a saia e, por

respeito aos tios, decidiu mostrar algum

interesse no evento da noite.

Seguramente,Wee Hughie era um

artista.

Com o kilt a abanar

impecavelmente, passeava em frente à

lareira, de peito inchado e ombros

orgulhosos. “Tenho o sangue de mil reis

nas minhas veias,” vangloriava-se,

parando no momento exato. “A minha

linhagem remonta a mais de dois mil

anos. Desde o lendário rei celta, Conn

das cem batalhas, até ao terceiro século

da Irlanda e aos dias de Sidhe, o

famoso Tuatha De Danann, ao” – limpou


a garganta com intenção – “nosso grande

rei guerreiro, Robert de Bruce, e muitos

mais.”

Pegando no seu livro, Raízes

Reais, levantou-o e mostrou-o à volta da

sala, para que todos os pudessem ver.

“Agora, com a ajuda do meu livro, ou

com os meus serviços de pesquisa

pessoal, também vocês podem saber a

verdade sobre a história dos vossos

ancestrais. Talvez venham a descobrir

os gostos de grandes reis e nobres.

Como eu fiz com inúmeros clientes,

posso levá-los, passo a passo, pelo

processo, mostrando-vos-”

Um violento som de gaitas-de-

foles irrompeu pela biblioteca, a

explosão celta abanava as paredes e

fazia chocalhar as xícaras chá.

“Aaaaagh!” Wee Hughie


cambaleou para trás, de braços no ar,

enquanto a melodia da gaita – “Paddy’s

Leather Breeches” – soava novamente,

desta vez ainda mais alto.

“Urze a arder!” Honoria saltou,

deixando cair o tabuleiro de scones e

shortbread.

Coronel Darling abanou o

cachimbo no ar. “É aquele maldito

pterodáctilo! Oiçam o que vos digo.”

“Pterodáctilo uma ovas! É a

minha melodia!” O tio Mac riu, com um

sorriso de orelha a orelha.

Perto de Cilla, Hardwick fingia

não notar o alvoroço.

E na cadeira de braços, coberta de

tartan, ali ao lado, um Highlander

corpulento, com uma cabeleira ruiva e

uma barba farfalhuda, deu uma palmada

na coxa e quase tinha uma convulsão


com o riso.

Olhando na direção deles sorriu e

acenou a cabeça. Depois, enquanto a

música continuava, de cada vez mais

alta, começou a bater o pé. Ainda

sorrindo, ele levantou as mãos para

mimar os movimentos dos dedos de um

animado gaiteiro.

Cilla olhou para ele. O seu

queixo desceu.

Com o coração a bater, voltou-se

para olhar para Hardwick. Ele teve a

delicadeza de se mostrar um ar um

pouco culpado.

“Eu conheço-o!” Ela pegou-lhe

no braço, apertando-o. “É o fantasma -

… aahh … o homem que apareceu,

subitamente, à minha frente, logo que

cheguei aqui.”

Como que para confirmá-lo, o


grande Highlander pôs-se de pé e fez

uma vénia garbosa.

“Bran de Barra, minha senhora.”

Levou dois dedos à testa, como forma de saudação. “O MacNeil de


MacNeil,

nada mais, nada menos.”

“Cilla Swanner.” Respondeu,

sem pensar. “Yardley, Pennsylvania.”

“Outra bela ameri-cana!” riu,

parecendo muito satisfeito com a sua

observação. Lançou um olhar corajoso a

Hardwick. “Isto pode melhorar, meu

amigo? Não” - ele voltou a bater na

coxa – “eu digo que não!”

Cilla piscou os olhos, sem

perceber as trocas dos homens.

Ela olhou para trás e para a

frente, entre os dois, vagamente ciente de que o tio Mac e o Coronel


Darling

percorriam a biblioteca espreitando, por

baixo das cadeiras, tentando entender de


onde vinha a música.

Por fim, ela lembrou-se de algo

que a andava a incomodar. Ela atiçou

Hardwick. “O tio Mac só tem a sala de

armas equipada com aquela música.

Está gravada para começar a tocar

depois das suas sestas da tarde.”

Ela levantou a voz acima dos

gritos da gaita. “O que está a tocar é o

CD que a tia Birdie tem no carro.”

“Ou não.” O olhar de Hardwick

caiu sobre o seu amigo.

Voltando a sentar-se, Bran de

Barra tinha as suas pernas esticadas

confortavelmente na cadeira de braços

cruzados sobre o seu peito amplo e

vestido com xadrez.

“O que quer dizer com isso?’”

Cilla puxou o braço de Hardwick.

Ele tirou uns fiapos do kilt.


Depois, arriscou um olhar sabido a Wee

Hughie.

“Pode ser que o Bran quisesse

animar a noite.” Ele não conseguia

impedir os lábios de tremerem. “Ele é

conhecido por arrastar o seu bom humor

consigo.”

“E o teu?” ela provocou. “Não

me digas que isto não tem dedo teu.”

“Ah, bem…” Ele não negou.

“Bran e os rapazes têm trabalhado

muito lá fora, nos campos. Mereciam um

pouco de leviandade.”

Os olhos dela arredondaram-se

“Eles?”

Ele olhou para ela. “Não achas

mesmo que é o CD da tua tia a tocar tão

estridentemente, ou achas?”

“Mais fantasmas?” Cilla olhou à

volta, não vendo nenhum.


“Oh, não os vais ver.” Ele

deslizou uma mão, à sua volta, puxando-

a para si. “Alguns rapazes são um

pouco tímidos, mas há um ou dois

gaiteiros entre eles. Eu e o Bran demos-

lhe a noite de folga dos campos do Mac,

para que eles tocassem aqui um

pouquinho.”

“Para estragar a apresentação do

Wee Hughie?” Os próprios lábios de

Cilla começaram a tremer.

“As suas inspetoras de kilt hão-de

compensá-lo.” Ele aproximou-se mais e

deixou-lhe um beijo na testa. “Já digo

aos rapazes para abrandarem o som.

Seja como for, já é hora de regressar à

patrulha dos campos de turfa. O cheiro

de homens disfarçados de vikings está

muito forte no ar da tarde. Pode ser que

os cerquemos em breve.”
Girando sobre si, acenou para as

pesadas cortinas vermelhas de uma das

janelas do canto da biblioteca.

“Paddy’s Leather Breeches”

deixou de tocar no mesmo instante.

E, embora não os tenha visto,

Cilla sentiu uma corrente de ar frio,

quando eles saíram.

“Foram-se embora?” Ela

aconchegou-se no peito de Hardwick,

surpreendida, como sempre, pela sua

solidez quente e rija como rocha.

“Sim, foram-se embora.” Ele

voltava a observar o Wee Hughie de

novo, olhando o homem com olhos

focados. “Bran e eu somos os últimos

fantasmas aqui, por assim dizer.”

Cilla reprimiu um suspiro.

Apesar de os seus humores

andarem negros como tempestade, desde


que regressou do encontro com o Diabo,

ele nunca pareceu tão pouco

fantasmagórico. Ela fechou os olhos, por

uns momentos, memórias de todos os

minutos que passaram juntos assolavam-

na por todos os lados. Ela queria ficar

com todos eles, compor outros, e estar

sempre onde estava agora: com o

homem que amava acima de tudo.

Até mais do que à própria vida,

para dizer a verdade.

Que os deuses a ajudassem,

quando chegasse a altura de dizer adeus.

Não querendo pensar nos efeitos

das despedidas, respirou fundo e

deixou-se ficar quieta. Depois, sentou-

se direita e seguiu o olhar de Hardwick,

esperando que a palestra de Wee Hughie

lhe tirasse a cabeça da velocidade a que

o verão estava a passar.


Infelizmente, ao seguir o olhar de

Hardwick, ficou presa a uma sombra no

canto, atrás da lareira de mármore preta.

Ou, para ser mais precisa, duas

sombras.

Lá estava Gudrid, o fantasma

viking da loira alta e imponente, cuja

trança longa e ruiva e a veste azul, Cilla

reconheceu de imediato. Estava com

um gigante loiro, um guerreiro nórdico

com capacete, que ela sabia chamar-se

Sea-Strider.

Cilla ficou a olhar especada para

o casal de fantasmas, com o pulso a

acelerar. O rugido do sangue nos

ouvidos, quase abafava a voz de Wee

Hughie.

O casal olhou para ela, e ela

soube instintivamente, que mais ninguém

os viu. Ela lançou um olhar a Hardwick


e, de certeza, ele não os viu.

Voltando-se para o casal, Cilla

soube que havia uma boa razão para eles estarem ali. Ela só queria
descobrir

porquê, desta vez.

Não era fácil.

Sea-Strider estava mais parado

do que nunca, um bom passo atrás da sua

mulher loira. Embora não estivesse

propriamente carrancudo, as linhas do

seu rosto estavam bem delineadas e

solenes. E enquanto observava as

fileiras dos que estavam sentados na

biblioteca de Dunroamin, segurava

firmemente o seu enorme escudo

pintado.

O peito de Cilla apertou-se, o ar

que esteve prestes a libertar alojava-se

na garganta. Ela levou as mãos ao colo,

desejando que os fantasmas revelassem

a sua mensagem. Mas os lábios de


Gudrid não se moviam, embora os olhos

parecessem tristes e suplicantes.

Sea-Strider parecia ter voltado

toda a atenção para Wee Hughie, com

um olhar parado e intenso.

“O meu reportório de contos

escoceses é rico e vasto,” dizia o

contador de estórias das Highlands,

elevando a voz para encher a biblioteca.

“Depois de ouvirem um punhado delas,

talvez tenham um pedido especial, um

tema que queiram abordar? Uma

pergunta sobre um antepassado?”

Ele olhou em volta, com uma

sobrancelha arqueada, na expectativa.

Como ninguém falava, ele tossiu

atrás de uma mão. “Se não há perguntas,

acabarei a noite, pedindo desculpas por

ter tido que adiar a palestra. Foi uma

gentileza do laird” – ele acenou ao tio


Mac– “não se ter queixado por eu não

ter dado a palestra na altura

combinada.”

“Diz-lhes porquê.” Uma das suas

australianas chegou-se à frente, falando

com entusiasmo. “Talvez eles não

saibam…”

As expressões nos rostos dos

dois fantasmas nórdicos alterou-se.

Eles aproximaram-se.

“Eu parti do princípio que

sabiam.” Wee Hughie endireitou as

costas. “Todos os jornais no norte da

Escócia deram a notícia.”

“Ora!” O tio Mac inchou o

peito. “Eu sei tudo o que se passa

nestas montanhas.”

Wee Hughie mordeu o isco.

“Então, deve ter ouvido que, na noite em

que era par vir cá, fui chamado a


Balnakeil.” ele pôs-se a remexer numa

sacola verde, perto dos livros,

produzindo um fantástico brilho de

ferro. “Fui lá para aceitar esta pá do

museu de arqueologia, em honra da

minha atenção, em várias palestras, dada

ao memorial viking de Balnakeil Bay.”

Aproximando-se mais do

auditório, ofereceu a pá para inspeção.

Teve o cuidado de mostrar a parte do

instrumento que tinha gravada a

inscrição: Contador de Estórias das

Highlands.

Hardwick aproximou-se mais,

com os olhos postos na pá.

Deu uma olhada ao amigo, Bran.

Mas o alegre Highlander não notou.

Também a sua atenção parecia fixa no

Wee Hughie.

Alheio ao escrutínio deles, Wee


Hughie continuou. “Os números do

turismo em Balnakeil aumentaram para

mais do triplo, desde que eu eduquei o

público sobre a abundância de

memoriais e ruínas vikings, que existem

ao longo da costa norte.”

Ele fez uma pausa, a sua voz

tomou um tom fanfarrão. “Na verdade,

irei em breve a Shetland para investigar

um achado viking. Localiza-se na Ilha

St. Ninian. É um lugar muito agradável,

mas também ignorado por muitos.”

“É? E o senhor quer mudar

isso?” O tio Mac olhou-o por baixo de

sobrancelhas castanhas cerradas. “Há

quem aprecie lugares isolados!”

Wee Hughie ficou vermelho.

“As pessoas de Shetland

pediram-me que os ajudasse a atrai

visitantes.” ele olhou à volta, como se esperasse aplausos. “O lugar foi


descoberto nos anos 1950. Será um

privilégio alertar o público para-”

“O que é um achado relacionado

com os vikings?” A pergunta saltou da

boca de Cilla, antes que ela percebesse.

Do outro lado da sala, a mulher

loira e o seu Sea-Strider acenaram de

forma significativa.

Depois, juntaram as mãos,

sorrindo. As suas expressões ficaram

mais leves, fixaram o olhar de Cilla,

como se um enorme fardo lhes tivesse

saído dos ombros.

Num ápice, desapareceram.

Arrepios desceram pela espinha

de Cilla. Ela piscou os olhos e molhou

os lábios, sabendo agora que o casal de

Vikings eram os chamados fantasmas

mensageiros. Daqueles que estavam

sempre a aparecer, até que alguém


entenda o que os consome e os seus

intermináveis assuntos terrenos ficam

resolvidos.

Em frente da biblioteca, Wee

Hughie respirou fundo para responder.

“Um achado, relacionado com os

vikings,” explicou, pousando a sua pá,

“é um lugar arqueológico que, não sendo

necessariamente viking, foi influenciado

por eles, de alguma forma.”

“Tais como?” Cilla sentou-se à

frente, decidida e testá-lo. Na sua mente,

estava ainda o casal nórdico,

observando-a, encorajando-a com

sorrisos e acenos. “Gostaria de ter um

exemplo.”

Wee Hughie rolou os ombros,

ansioso por obedecer. “O memorial

Balnakeil, uma campa de um jovem, é

claramente um local arqueológico de


corte Viking. Data do século nono ou

décimo, quando os nórdicos cercavam a

nossa costa com frequência. Os bens

encontrados com o rapaz eram vestes e

utensílios tipicamente Vikings.”

Ele pegou num copo de água, da

mesa, e bebeu-o. “O lugar de St. Ninian

em Shetland é diferente,” continuou,

limpando a boca com as costas da mão.

“As ruínas de lá são de uma igreja celta

anterior e, como tal, são dignas da visita

de qualquer curioso. O que torna St.

Ninian única é o tesouro espetacular de

reserva Pictish, que foi descoberto

debaixo de uma laje, nos fundos da

capela.”

“Um tesouro enterrado?” Cilla

arregalou os olhos. Quase via Gudrid e

Sea-Strider radiantes.

Ao seu lado, Hardwick


praguejava.

Enviou um olhar lapidar a Bran, e

fez um gesto seco, com o punho fechado.

“Sim, pode-se falar em tesouro

enterrado.” Wee Hughie deleitava-se

com a atenção. “St. Ninian desistiu de

um dos mais fabulosos esconderijos de

prata celta, alguma vez encontrado nas

ilhas britânicas. Um rapaz encontrou o tesouro, ao descobrir uma caixa de

madeira, cheia de taças de prata e

broches, punhos de espadas e

armadilhas, pins, colheres e inúmeros

objetos ainda por identificar, tudo mais

caro do que o resgate de um rei.”

“E os Vikings?” Cilla não virou a

cabeça, mas sabia, sem olhar, que ele

estava a fazer cara feia. “O que tinha

eles a ver com tudo isso?”

“Tudo.” Wee Hughie aperaltou-

se. “Sem eles o tesouro nunca teria


ficado escondido e conservado por

centenas de anos.”

Cilla dardejou um olhar para o

lugar onde esteve o casal viking, com o

coração aos pulos.

Voltou a olhar para Wee Hughie.

“Como assim?”

“É assim…” ele levantou um

dedo sabido. “Acredita-se que o

tesouro foi escondido em meados do

século nono, um período em que os

ataques vikings eram particularmente

ferozes. Muitos estudiosos defendem a

teoria de que, quando se avistavam as

velas vikings no horizonte, o tesouro era

escondido para evitar deteção.”

Cilla acenou a cabeça, certa de

que estava a perseguir qualquer coisa.

Hardwick continuava a

resmungar. Palavras zangadas em


gaélico, que pareciam insultos.

“Há” - Wee Hughie aceitou um

copo de água fresca, de Honoria –

“outras possibilidades, incluindo que os

próprios vikings possam ter enterrado os

tesouros, com o objetivo de os manter a

salvo de outros ataques.”

Cilla expirou. “Então, é por isso

que lhe chama um lugar relacionado com

os vikings.”

“Exatamente.” Wee Hughie

acenou. “Esses lugares são abundantes

na Escócia. A possibilidade de

encontrar tais tesouros, escondidos por

urze ou dunas, durante séculos, é o que

torna a arqueologia tão entusiasmante.”

Foi, então, que Cilla reparou que

Hardwick e Bran tinham desaparecido.

Pondo-se de pé, olhou em volta,

esquecendo os vikings e o Wee Hughie.


Hardwick tinha avisado que o Ser das

Trevas o poderia chamar a qualquer

instante. Se ele foi resgatado, enquanto

ela estava a falar de tesouros

escondidos com um homem que se auto-

denominava contador de estórias das

Highland, ela nunca mais se perdoaria.

“Ele foi por aquele caminho,

querida.” Flora Duthie indicou a porta

aberta da biblioteca.

Cilla começou a andar às

palavras da pequena mulher,

envergonhada por quase a ter abalroado.

Imperturbável, Flora aproximou-

se, carregando um prato com dois

enormes scones cheios de creme, numa

das mãos. “Eu vi-o passar, quando fui

buscar os meus scones.”

“Obrigada.” Cilla voltou-se em

direção à porta.
Flora estendeu a bengala,

bloqueando-lhe o caminho. “Tem

cuidado, criança,” disse, abanando a

cabeça. “Ele parecia muito zangado.”

“Eu sei lidar com ele.” Cilla

sorriu, tranquilizando a velha senhora,

enquanto ela baixava a bengala. “Não é

comigo que ele está zangado.”

Ignorando os olhares do seus tios.

Ela afastou-se, por entre as inspetoras

de kilt, que agora rodeavam a mesa de

livros do seu herói, bajulando-o e

guinchando.

Elas que ficassem com o seu

contador de estórias de faces rosadas.

Ela tinha que encontrar

Hardwick.

Parou à porta da biblioteca,

olhando para os dois lados ao fundo do

longo e escuro corredor. Os passos


masculinos e rápidos, que se afastavam,

davam-lhe uma boa ideia das sombras à

sua esquerda. Ela correu pelo corredor

abaixo, mas Hardwick não estava em

lado nenhum.

Saindo apressadamente da

enorme porta de entrada do castelo,

desceu para a parte de cascalho e dos

jardins. O seu olhar disparava para

todos os lados, ela corria através da

relva molhada, chegando até aos campos

de turfa do tio Mac.

Ela tinha apenas feito alguns

metros, quando Hardwick saiu de trás de

uma moita de rododendros.

“Então, mocinha.” Ele agarrou-

lhe o braço, puxando-a com força contra

o peito. “Não vai alado nenhum.”

“Pensava que o Ser das Trevas te

tinha levado.” Ela agarrou-se a ele,


lançando-lhe os braços ao pescoço e

passando-lhe os dedos pelos cabelos,

apertando com força. “O casal de

vikings, os fantasmas que eu vi estavam

lá, na biblioteca. Quando desapareceste,

pensei que eles tinham vindo para me

avisar que o teu tempo aqui tinha

terminado.”

As sobrancelhas dele ergueram-

se. “O casal viking? Porque é que não

me disseste?”

“Acabo de o fazer.” Ela

engasgou-se com as palavras,

entrelaçando mais os dedos nos cabelos dele. “Eu sabia que eles estavam lá
por

alguma razão, e quando vi que não os

conseguias ver, temi que tivesse algo a

ver contigo. Agora, depois de ouvir o

Wee Hughie-”

“Chega.” A boca dele desceu

sobre a dela, silenciando-a. Ele apertou


mais os braços em redor dela, quase

como se temesse que ela desaparecesse,

se ele não a abraçasse com tanta

firmeza.

“Eu ouvi o MacSporran e não te

terei comigo esta noite.” Ele voltou a

beijá-la, separando-lhe os lábios com a língua e investindo profundamente.

Beijava-a sem piedade, como se não

conseguisse saciar-se dela. A língua

deslizava furiosamente por cima e à

volta da dela, mergulhando-a e

retirando-a, até que ela ficou flexível

nos seus braços e ele interrompeu o

beijo.

Afastou-a, respirando

profusamente. “Vou juntar-me ao Bran e

aos outros rapazes nos campos.” Olhou

para ela, com os olhos ainda negros de

paixão, quase ardendo. “Agora, regressa

ao castelo. Não te quero a vir comigo.”


“Por que não?” ela levantou o

queixo. Depois de um beijo daqueles e a

estranha sensação de que ele queria que

fosse o último, ela não iria regressar a

Dunroamin.

“Não te perturbes com isso.” Ele

segurou-lhe no rosto, entre as mãos,

franzindo o sobrolho. “Vais porque eu

disse para ires.”

“Oh, sim?” Cilla irritou-se.

“Isso podia resultar no século XIV, mas

não resulta comigo.” Ela cruzou os

braços teimosamente. “As mulheres

modernas fazem o que querem.”

“O que queres tu?” Os seus olhos

brilhavam mais e o seu tom de voz ficou

todo meloso, a sua leveza aproximava-

se do perigo.

Cilla pestanejou. “Eu…” A voz

dela engasgou, e os malditos


formigueiros que ele sempre lhe

provocava e que lhe tornavam

impossível o pensamento.

“Vem, doce.” O olhar dele ficou

mais quente, descendo ligeiramente.

“Diz-me que eu agradeço-te – se,

depois, voltares para dentro.”

“Isso não é justo.” Cilla mordeu um lábio, já presa na magia dele.

“Se te mantiver a salvo, é.” Ele

meteu-lhe a mão debaixo da saia,

fazendo subir a mão pela coxa, para

palpar e apertar o calor coberto por

calcinhas, entre as suas coxas.

“Diz-me, moça.” Ele aproximou-

se mais, lambendo, mordendo-lhe a

orelha. Os dedos dele começaram a

mexer-se, acariciando-a intimamente.

“Todos os teus desejos satisfeitos…”

“Estás a tentar distrair-me.”

“Não estou não!” Ele levantou a


cabeça, olhando para ela.

“Claro que estás!” Cilla libertou-

se, preocupada por ele se colocar acima

do que sentia. “E sei bem por que queres

que me vá embora. Vi bem a tua cara,

quando Wee Hughie começou a falar de

Vikings. O teu amigo, Bran, também

ficou perturbado.”

Com o sorriso a esmorecer,

tocou-lhe no clítoris com a ponta do

dedo, circulando, uma e outra vez, antes

de afastar a mão e depois, de se afastar

dela.

“Gostaria de tirar a minha manta

e deitar-te no chão e mordiscar aquele ponto pequeno e saboroso como se


não

houvesse amanhã,” garantiu, com a

respiração ainda dura e a voz áspera.

“Mas não é a hora nem o lugar e

precisas de sair.”

“Ah!” Cilla afastou o cabelo,


escondendo quão bamba acabara de

ficar, por cauda das suas palavras. “Fico

aqui até saber o que se passa.”

“‘É trabalho de homem.” Ele

cruzou os braços. “Não te quero por

aqui, caso as coisas fiquem perigosas.”

“O perigo não me assusta.”

“Este tipo de perigo deveria

assustar-te.” Ele permaneceu firme.

“Então, diz-me porque é que tu e

o Bran desapareceram da biblioteca.”

Ela também conseguia ser teimosa.

“Não me mexo, até saber a verdade.”

Ele franziu o sobrolho e passou

uma mão pelo cabelo. “A verdade,

moça, é que graças a Bran, à visão

aguçada dos rapazes e à tagarelice de

golpe de Wee Hughie, Bran e eu

descobrimos do que andam os fantasmas

Vikings à procura.”
Cilla olhou para ele, estarrecida.

O coração dela começou a

acelerar, com fúria.

Na sua mente voltou a ver Gudrid

e Sea-Strider, de pé, a um canto,

acenando e sorrindo, quando Wee

Hughie começou a falar de arqueologia

nórdica..

“Oh meu Deus!” bateu com uma

mão na face. “Há tesouros celtas

enterrados nos campos de turfa do tio

Mac!”

Hardwick acenou. “Sim, pode

ser isso.”

Ele olhou para as charnecas.

Estavam escuras, por baixo da névoa

ondulante e das nuvens, que pairavam

pesadas.

“Há uns tempos, Bran e os

rapazes encontraram uma caixa de


ferramentas escondida debaixo de uma

moita de turfa. Não votaram a encontrá-

lo, ou talvez alguém o tenha movido.

Mas” – o canto da sua boca curvou-se

para cima – “Bran usou um dos seus

poderes de fantasmas para conjurar uma

das ferramentas que eles encontraram.”

“Uma das pás do Museu

Arqueológico de Marshalltown de Wee

Hughie?” Cilla pôs-se a adivinhar.

“Não a dele, espero.” O sorriso

de Hardwick alargou-se. “Mas uma

ferramenta como a dele, sim. A palavra

Marshalltown estava gravada nela, isso

é certo.”

“Então, achas que os fantasmas

estão a usar os seus disfarces de Viking

e as pás para procurar tesouros

enterrados nos campos de turfa do tio

Mac?”
“Acho.”

Agora, ela entendia. “Preocupas-

te que se os apanhares, eles ofereçam

luta.”

“Nós vamos apanhá-los. E, sim,

deveremos lutar. Mas a minha

preocupação não é essa.”

“Então, qual é?”

Ele inclinou-se, olhando-a nos

olhos. “Que possas desmaiar, se

estiveres presente, quando eu, o Bran e

os outros rapazes ficarmos selvagens.”

“Quão selvagens?”

“Homens nus, gritando e

balançando espadas de aço.”

Os seus olhos arregalaram-se.

“Não pensei que fosse assim.”

“Eu sei.” Ele deu o seu sorriso

mais malvado. “Se nunca viste uma luta

de Highlanders, não é uma boa visão


para os corações. Principalmente,

quando temos à nossa frente canalhas,

que são demasiado covardes para

mostrar o rosto e andam por aí

disfarçados de fantasmas viking.”

“Mesmo assim…” o pulso corria.

Ela ouvira falar da ferocidade das

batalhas das Highland, nos livros de

história. De como eram corajosos e

atrevidos, com os homens a despirem as

suas vestes para afrontarem os inimigos.

“Eu acho que não me importava

de ver Highlanders nus, baloiçando a

espada-” interrompeu-se, piscando os

olhos.

Ela estava a falar para o ar.

Hardwick desapareceu, deixando

apenas o seu sexy aroma de sândalo

para trás.

Ela olhou em volta para ter a


certeza. Não havia que enganar. Nada se

mexia perto dela, a não ser pedaços de

névoa das Highland. Ele tinha mesmo

desaparecido. Até o seu odor começava

a desvanecer-se, sendo este um sinal

certo de que ele tinha zarpado para as charnecas.

Cilla franziu sobrolho.

Depois, começou a bater no

queixo. Precisava exatamente de dez

segundos para tomar uma decisão.

E quando começou a andar não

foi na direção da Porta da frente de

Dunroamin.

Se Hardwick ficasse louco,

paciência.

Capítulo Dezasseis

“Não tens a certeza que era este

beiral?”

Hardwick olhou para a saliência

da turfa negra. Pouco mais que um metro


de altura na charneca, se alguma vez

estiveram ferramentas do museu de

Arquelogia de Marshalltown, agora não

havia nada. Igualmente inocente parecia

a espessa franja de erva no topo do

camalhão.

Ele olhou para Bran percebendo-

lhe o queixo teimoso.

“Há centenas de camalhões

destes, nestas charnecas. Uns naturais e

outros cortados pelos rapazes do Mac.”

Ele cruzou os braços. “Digo que

continuemos a busca. Agora que

sabemos o que procuramos, não há

tempo-”

“Era esta ladeira.” Bran

enganchou os polegares no cinto da

espada. “Pode ser que esteja a ver algo

que tu não vês!” Ele rodou nos

calcanhares, sorrindo. “Um


pequeníssimo pormenor que notou há

pouco. Ficou na minha mente até agora.”

Hardwick ajustou o queixo,

irritado. Mas voltou a olhar para a

ladeira, observando com mais atenção.

“C'os diabos!” As suas

sobrancelhas uniram-se. “Não há

qualquer brejo de algodão.”

“Exato!” Bran esticou um braço

para indicar as delicadas cabeças

brancas de algodão, pintando as

charnecas em toda a sua extensão.

Pequenas e em forma de velas a arder,

mergulhavam e balançavam ao vento,

dando vida aos campos de turfa num mar

branco de danças.

Menos sobre a ladeira, onde eles

estavam.

A carranca de Hardwick

aprofundou-se. Quanto mais olhava para


a grama menos espessa em algodão,

mais estranha lhe parecia a ladeira.

Lançou um olhar a Bran, vendo

que o amigo concordava com ele.

Bem como os companheiros de

luta de Bran. Homens musculados e

desgrenhados da ilha de Barra, que

trocavam olhares suspeitos e se

aproximavam mais, formando um cerco

apertado em volta do pequeno pedaço

de terra.

Voltando-se para o corte da turfa,

Hardwick desembainhou a espada,

usando a ponta para examinar o cume da

ladeira. O pedaço de erva moveu-se e

uma enorme camada de terra solta caiu a

seus pés.

“Ah!” Bran sltou a sua própria

espada, com os olhos flamejantes. “Eu

sabia que havia algo de estranho com


esse corte.”

Sorrindo amplamente, saltou para

a saliência, afundando os joelhos na

terra macia e negra. Com entusiasmo,

passou a lâmina pelo cume e levantou

facilmente um bom pedaço de erva de

turfa.

“Tem cuidado!” Hardwick

avisou, enquanto os rapazes de Bran se

juntavam a ele, usando a ponta das

adagas para picar o estranho montinho.

“Se há aqui uma igreja antiga ou uma

arca de tesouro, é do Mac e não seremos

nós a danificá-lo.”

“Oh! Só estamos a fazer

exercício físico, até que os fantasminhas se mostrem!” Bran riu. “‘é a esses

canalhas que quero dar uma surra com

os nossos machados e espadas! Não é

ao bom Mac-”

Pancada … Grito….!
Bran franziu o sobrolho, quando a

sua espada embateu contra algo

comprido e duro, o contorno visível,

agora, sobre a fina camada de turfa.

“Numa parede!” ele saltou para

trás, bramindo a espada, triunfantemente.

“‘É exatamente igual a Shetland – uma

antiga igreja celta cheia de tesouros!”

“‘É um saco de paus.” Hardwick

puxou o saco de linho grosso para fora

da terra. “Não, ferramentas,” corrigiu,

virando o saco fazendo tombar um monte

de pás e enxadas. “Não são das

Ferramentas de Arqueologia de

Marshalltown, mas aposto que os

canalhas as usaram para escavar a turfa

do Mac.”

“É o que achamos todos.” Um

dos homens de Barra concordou, as suas

palavras recebidas com entusiasmo


pelos seus companheiros insulares.

“Mas onde está o tesouro?”

Hardwick levou as mãos às ancas

e passou as colinas a pente fino.

Iluminada como era uma noite de verão,

no norte, fiapos de nuvens e névoa

derivando levemente mantinham os

contornos da charneca suaves e

indistintos, as colinas eram cortadas por

uma mancha de sombra impenetrável.

Coçou o queixo, pensando.

“O que quer que seja, tem que

estar por aqui.” Bran enfiou a espada na

terra, inclinando-se fortemente no punho

coberto de joias. “Os inimigos devem

querer as ferramentas à mão.”

“Exatamente.” Hardwick não

podia concordar mais. “Só temos que a

arrancar à força.”

Ele voltou-se, depois, olhou para


trás, encontrando os olhares ansiosos

dos duros hébridos de Bran.

“Algures por aí, há uma espécie

de ruína.” Ele fez um gesto de varrer

com o braço. “Uma igreja antiga, uma

cabana, uma tumba viking, o que quer

que seja. Eu digo que nos separemos e

procuremos a terra toda, cem passos em

volta, os olhos bem atentos a qualquer

erva levantada, torrões ou falsos que

pareçam estranhos.”

Não mencionou que também

estaria de olho numa beleza alta e bem

feita, de cabelo loiro, que poderia

enfeitiçar um homem, com o fio do seu

cabelo brilhante.

Não conseguia afastar a sensação

de que ela o seguira.

Só de pensar nela ficou com

impulsos quentes debaixo do kilt.


Mesmo agora, ele iria jurar que ainda

sentia o gosto da sua língua, na dele, e

conseguia imaginar o cheiro do sua

excitação quente e molhada.

Franziu o sobrolho. Não era hora

para pensamentos desses. Nem para a

maldita tontura com que ficava de cada

vez que essas imagens o tentavam, como

um tormento. Um incómodo e uma

irritação sangrenta do Ser das Trevas.

“Ainda é suposto atacarmos, se

os fantasmas vikings aparecerem?” Os

homens de Barra apareceram à sua

frente, de machado de combate em mão.

Hardwick pestanejou, focando-se.

As ondas de tontura pareciam estar a

levar mais tempo a desaparecer.

Ele juntou os olhos. “O primeiro

que avistar os inimigos deve assobiar

como um maçarico.” Ele olhou em


volta. “Posso confiar em todos?”

Bran bufou.

Os seus hébridos pareciam

ofendidos.

Hardwick desembainhou a

espada, sabendo que um gesto de

bravura lhes incendiaria o sangue.

“Barra!” Gritaram o grito de

guerra de Bran, chocalhando as espadas

no ar ou espetando-o com as suas

adagas.

“Então, toca a andar!” Hardwick

embainhou a sua própria espada.

“Primeiro assobio e pomo-nos à carga!”

Mas horas mais tarde, depois de

muito andar em círculos e muitos outros

cursos, quando uma bossa examinada

parecia ser apenas isso - uma bossa –

os homens ainda andavam, os olhos

queriam ver, mas o espírito fraquejava.


Ignorando a sua própria má

disposição, Hardwick pôs-se num

joelho par inspecionar um buraco

suspeito na ladeira. Viu-se a olhar para

um buraco de raposa. A pequena criatura

içou-se contra ele, de dentes

arreganhados e pelo eriçado.

Hardwick pôs-se de pé,

engolindo o desapontamento.

Quem diria que a noite iria

desenterrar uma raposa, em vez de um

tesouro celta? E também: nada de

fantasmas viking. Embora, ele pudesse

apostar o seu kilt em como eles estavam

perto. Ele sentia a sua ladroagem no ar,

tão certo como ele carregar o cheiro

doce de Cilla na sua língua.

Continuando a erguer-se, olhou

através das charnecas e ao lado de

Dunroamin, a massa escura rochosa da


costa e o largo leito do Kyle. A água brilhava, um vidro suave e quieto, o

mesmo azul profundo dos olhos dela.

Ele parou e inspirou o ar, certo de

que algo seguia com ele, na névoa, ao

seu lado. Uma presença determinada a

acompanhar as suas passadas longas.

Fingindo um ar de casualidade,

estalou os dedos coma intenção de

conjurar uma caneca de cerveja. Afastá-

lo-ia, depois, para trás das costas em

sinal de apreciação. Depois, limparia

os lábios com a manga e continuaria,

parecendo despreocupado, mas com uma

mão sobre o punho da espada.

Infelizmente, os efeitos

prolongados das tonturas tornaram

demasiado grande o esforço de conjurar

coisas. E ele baixou a mão, antes de,

sequer, tentar.

E pensou muito em quem poderia


estar a segui-lo.

O passo longo era demasiado

firme e masculino para ser Cilla. E,

graças a Deus, era também um passo

demasiado firme para ser uma das

bruxas cambaleantes e desdentadas, sem

peitos, enviada pelo Ser das Trevas.

Ele estremeceu.

Depois, passou a capa por cima

dos ombros e avançou em direção ao

local onde julgava estar o seu seguidor.

Depois de curtos passos, a névoa se

dispersou e um viking enorme, de cabelo

loiro saiu da abertura, e especou a olhar

para ele. Não era nenhum fantasminha

viking, era um verdadeiro fantasma, o

homem vestia malha medieval e tinha

uma lança com mais de dois metros.

Hardwick parou, gelado.

Podia ser um fantasma, mas com a


exceção de Bran e dos outros amigos

fantasmas, nunca se acostumou

verdadeiramente a encontrar outros que

habitavam o seu reino etéreo. Talvez

precisasse de mais setecentos anos, mas,

por agora, esses encontros assustavam-

no sempre.

O viking não partilhava da sua

reticência.

Avançando mais, levantou a

lança, para apontar a um monte de terra,

à direita de Hardwick. Meio escondido

atrás de uma espessa moita de bétulas,

uma área que Hardwick ainda não tinha

explorado.

Nesse momento, um afiado grito

de pássaro picou o ar. Hardwick voltou-

se, para ver Bran e os outros a correrem

na sua direção. Olhou para o ligar onde

estava o Viking, mas o homem tinha


desaparecido.

O pássaro fez-se ouvir, de novo.

Não era o piar doce de um

maçarico real, mas os gritos ásperos e

agitados de um bonxie.

Auk, auk.

“Gregor!” Hardwick sorriu e

agarrou o braço de Bran, quando ele se

aproximou. “Ele encontrou alguma coisa

– olha!”

Apontando a ponta da espada

para o céu, Hardwick indicou o pássaro

feroz. Gregor voou por cima deles, as

suas asas enormes completamente

abertas.

“Vem!” Hardwick começou a

correr. “Gregor é a segunda alma a dar

um aviso. Os nossos fantasminhas estão

atrás da colina!”

“Barra!” Bran gritou o seu slogan


e correu atrás de Hardwick, bramindo a

espada.

Auk, auk!

Os gritos de Gregor aumentavam,

enquanto os homens invadiam a mata.

Alguns abandonaram os seus mantos, ao

passarem pelas árvores e arbustos.

Todos erguiam armas e gritavam os seus

slogans. Olhavam para cima com

frequência, usando o pássaro como guia,

até que as vozes de outros homens –

gritos e insultos – se misturavam com as

suas próprias vozes.

Com o sangue a explodir e os

corações aos pulos, corriam, acenando

aço e ansiosos pela luta. Mas a visão

que tiveram ao saírem da mata, pô-los

às gargalhadas.

“Por todas as maravilhas!” Bran

enfiou a espada na terra boquiaberto.


Hardwick também olhava, mas

segurava a espada firmemente.

Os insulares, nus, olhavam em

descrença.

Os seus inimigos, disfarçados, na

verdade, de vikings de uma loja,

estavam no meio de uma cabana

escavada, caixas transbordantes e sacos

de artefactos que agitavam o terreno

turfoso.

Estavam amontoados num círculo

fechado, com um braço acima da cabeça

e o outro abanando no ar.

A razão era evidente.

“O pássaro está bem treinado,

meus amigos,” Hardwick avisou os

ladrões. Aproximou-se, com um largo

sorriso, quando Gregor fez um passe

particularmente esplêndido. “Uma

palavra e ele vai arrancar-vos mais do


que a cabeça.”

“Manda-o parar!” Uma voz

inglesa ergueu-se do amontoado. “Ele já

derramou sangue!”

“Se achas que as garras de um

pássaro são afiadas” – Hardwick olhou

para os homens de Bran – “espera até

experimentares o gosto das nossas

espadas.”

“Espadas?” O homem torceu-se

para encarar Hardwick, tendo cuidado

para não deixar a sua cabeça

descoberta. “Não podes estar a falar a

sério. Estamos desarmados. Bem podes

ver as nossas armas, ali, na pilha, perto

das árvores. São feitas de madeira ou

plástico. Brinquedos, só isso! Não

estamos aqui para lutas de espada.”

Hardwick cruzou os braços. “A

razão por que estão aqui é óbvia. Quanto a nós” – os homens nus
aproximaram-se
mais, formando um circulo de rostos

severos, em redor da cabana arruinada –

“eu e os meus amigos apreciamos uma

boa luta de espadas. A verdade é que já

há muito que desfrutamos de uma!”

Ao lado dele, Bran levantou a

espada e passou o polegar pelo fio.

Uma gota de vermelho apareceu e ele

pulou para a frente, enfiando o aço,

mesmo debaixo do nariz do ‘Viking’

mais próximo.

Quando ele se afastou, rindo,

Gregor desceu para se instalar no seu

ombro.

“Deviam ficar satisfeitos por ter

sido eu a fazer isso,” disse ao inglês de

rosto pálido. “Se fosse aqui um dos

meus rapazes, o teu nariz estaria agora a

beijar os teus pés!”

“Que espécie de pagãos loucos


são vocês?” Outro homem fez-se mais

ousado, agora que Gregor já não lhes

pastava na cabeça. Mais velho que os

outros, vestia um pobre tecido tweed

bem visível debaixo da sua veste viking.

Lançava um olhar superior a Hardwick.

“Podia mandá-lo prender por nos

ameaçar.”

Bran bufou.

Hardwick embainhou a espada e

foi falar olhos os olhos com o homem,

que era. Claramente, o líder do grupo.

“Não tenho tempo para discutir o teu

primeiro comentário. Embora” – ele

correu os olhos pelo amontoado de

ingleses disfarçados – “há muita gente

por aí que questionaria mais um

saxónico disfarçado de nórdico do que

um Highlander de espada!”

O homem olhava para ele, a boca


cerradíssima.

“Quanto a detenções, quem tem

que ter medo sois vós.” Hardwick

baixou-se para pegar um pedaço de

madeira preta com manchas de turfa que

era claramente parte de uma caixa de

carvalho com amarras de ferro.

Segurando-o com reverência, virou-se

para o “Viking.” "Há muitas testemunhas

das suas charadas noturnas. Agora que

nós também sabemos a razão por trás

delas, e onde roubaram os disfarces, ah,

bem ...

“Já para não falar que comete

essas loucuras nos terrenos de Mac

MacGhee.” Bran retirou a adaga

debaixo do cinto e usou-a para limpar as

unhas. “Há quem te enforcasse pelo que

fizeste.”

Isso silenciou o homem.


Mas o primeiro parecia ter

recuperado a sua coragem. “Oh, eu

digo! Não há nenhuma lei na Escócia

contra as caminhadas em charnecas,

independentemente do dono. Nós-”

“Mas sempre houve leis contra o

roubo.” Hardwick falou por cima dele.

“Principalmente nas Highlands.”

“Não estávamos a roubar.” O

homem moveu a cabeça, olhando para os

outros ‘fantasmas’ para confirmação.

Como ninguém disse nada,

continuou, improvisando, nitidamente.

“Somos académicos da cultura Viking.

Atores de reconstituições, se quiser.

Escolhemos estas charnecas para o

nosso treino, porque são remotas e-”

“Cheias de tesouros?” Bran

voltou-se para uma das arcas a

transbordar de artefactos, apanhando


uma mão cheia de amuletos de prata e

colares feitos de missangas coloridas.

“Nas minhas viagens ouvi falar

de homens como vós.” Ele devolveu as

joias nórdicas à arca. “‘Vocês são

ladrões da História, é isso! Homens que

contaminam locais como este e vendem

o saque a quem oferecer mais.”

O homem de tweed desimpediu a

garganta. “Oiça lá, nós investigamos

estes tesouros há anos.” Ele retirou um

mapa debaixo das suas vestes viking e

abanou-o à sua frente. “Ninguém sabia

disto, até termos feito uma menção no

Icelandic Sagas. Só através de muito

estudo e pesquisas encontramos a

localização.”

Continuou numa voz autoritária.

“Nós planeamos entregar cada um destes

artefactos às autoridades de
arqueologia.”

Hardwick levnatou uma

sobrancelha. “Da mesma forma que

pretendem devolver a máscara vermelha

do diabo de Erlend Eggertson e os

outros fatos de Up Helly Aa, da Galley

Shed em Lerwick?”

Não ficou nada surpreendido,

quando o inglês se encolheu. Evitando o

olhar de Hardwick, olhou para o seu

mapa, com a expressão teimosa.

Não disse nada.

Não que tivesse que o fazer. A

culpa cobria-o completamente.

Hardwick agarrou os cotovelos

de couro surrado do homem, apertando

com força. “Dá-te por feliz por não

serem outros tempos, meu amigo. Já

terias dado o teu último suspiro, se

fosse.”
O homem gaguejou, os olhos

arregalaram-se.

Hardwick libertou-o, precisando de

reunir todas as suas forças para resfriar

o temperamento.

Por dois pins, ele teria estalado

os dedos e inventado umas lanternas e

uma fogueira, transformando as pedras

tombadas e as ruínas da casa, no campo

de uma festa rija de homens de clã.

Preencheria o ar com o cheiro de

fumaça, cebola e ensopado de coelho,

cerveja derramada e neblina húmida da

noite. Acima de tudo, colocaria uma

corda pendurado no mais vigoroso ramo

de uma árvore.

Em vez disso, obrigou-se a

lembrar-se onde estava e em que tempo

estava. Enviou um olhar de aviso a Bran e aos outros que estavam mais do
que

sedentos para se esquecerem onde


estavam.

Mesmo assim, sacou a adaga.

Mas, ao contrário de Bran, que estava a

de novo a usar a sua par tratar das

unhas, ele segurava a faca bem afiada,

aoenas para ameaçar o homem, que não

o conhecia suficientemente bem para

perceber que, se ele lhe quisesse fazer

mesmo mal, ele já não estaria ali vivo.

“Eu ouvi a história deste

tesouro,” disse, com a voz enganadora

em suavidade.

O homem de tweed olhou para

cima, humedecendo os lábios. “É um

grande tesouro. Um tesouro viking para

rivalizar com qualquer um da Grã-

Bretanha, até ao momento.”

Hardwick franziu o sobrolho.

Não precisava que lhe dissessem isso.

Apenas os bens visíveis no topo das


muitas arcas a transbordar e os sacos a

abarrotar davam conta do valor da

descoberta.

Já para não falar no valor da

própria casa, que parecia

impressionantemente bem preservada,

tendo em consideração a idade.

“Então?” Ele olhou para o inglês.

“ahhh … hummm… eu disse-te.

Houve uma breve anotação no Icelandic

Sagas.” O homem agarrou o mapa de

bordo ao peito. “Algo sobre uma

mulher nobre, chamada Gudrid, que

morou perto de Tongue e se apaixonara

por um homem ,com uma condição

social abaixo da sua.”

Fez uma pausa e deu um olhar

nervoso aos seus companheiros.

“Continua.” O tom de Hardwick

era forte.
“Não há muito mais.” O rosto do

homem ficou vermelho. “Só que ela

fugiu com o amante, apesar da

desaprovação do seu pai. O Sagas

escreveu que o jovem, de nome Sea-

Strider, era um guerreiro viking e traria

riqueza saqueada ao Tongue,que ele e

Gudrid esconderam na casa de um amigo

de confiança. Acredita-se que eles

planearam usar o tesouro para financiar

a sua viagem para a Islândia e aí

assentarem, longe da ira do pai de

Gudrid.”

“Mas nunca conseguiram.”

Hardwick franziu o sobrolho. Era um

palpite fácil, o tesouro ainda ali estaria.

Tweedy encolheu os ombros. “O

Sagas nada disse sobre o seu destino.

Achamos que algo aconteceu e Sea-

Strider se perdeu no mar. Mas nós” – os


olhos do homem brilharam, por instantes

– “encontramos referências a uma

Gudrid no castelo Varrich sobre o

período em questão. Foi essa pista que

nos trouxe aqui.”

“Estou a ver.” Hardwick olhou

para Bran.

Mas o seu pensamento estava no

viking alto e loiro que lhe aparecera. O

coração dele apertou-se com o destino

do homem. Olhou à volta, meio que

esperando ver Cilla a espiá-lo atrás de

um arbusto, mas não a viu em lado

nenhum. O peito dele apertou-se com a

sua ausência. Sentiu uma súbita

necessidade de a ter, pensando nas

estrelas cruzadas dos vikings.

Lembrando os Vikings, deu outro

olhar ao grupo amontoado à sua frente.

“Por que é que assaltaram a


Galley Shed?”

O homem de tweed atirou. “Isso foi um azar, mas-”

“Eh?” Bran aproximou-se, com a

mão nu punho da espada.

“Não tínhamos os meios para

comprar fatos por nossa conta.” o

queixo do homem levantou-se e os seus

olhos brilhavam desafiadores. “Só

queríamos desviar possíveis

intrometidos, até recuperarmos o

tesouro. Teríamos devolvido os fatos

antes do Up Helly Aa.”

“Ah, sim?” Hardwick voltou a

olhar para Bran. “Estou aqui a pensar

que terão que os devolver mais cedo.”

“Pois.” Bran acenou. “Eu diria,

já.”

“Agora?” A voz do homem ficou

estridente.

O primeiro homem chegou-se à


frente, com os olhos a rebentar. “O que

sugerem? Estamos no meio de

nenhures.”

“Pois é.” Bran concordou.

Os homens das ilhas deram um

urro e bateram nas coxas.

Os fantasmas ficaram pálidos.

“Não estão à espera que nos

dispamos?” A vos do homem de tweed ergue-se. “Somos ingleses, não


pagãos

das Highland!”

“Oh, não devias ter dito isso.”

Hardwick abanou a cabeças. “Não nos

deixam hipóteses. Seguramente vão-se

despir. Agora, e uma questão de honra

para as Highlands.”

Afastando-se, esticou as pernas e

cruzou os braços. Assegurou-se que um

brilho estilo pagão iluminou o seu

olhar. “A verdade é que nós não

conseguimos carregar tudo isto para


Dunroamin. Teremos que o deixar, e a

vocês, até que eu volte ao castelo e diga ao Mac que encontramos os seus

fantasmas. Ele e as autoridades locais

podem decidir o que fazer convosco.”

“Ele não poderá ficar com o

tesouro!” O primeiro fantasminha

chegou-se à frente. “Pelo menos, não

com tudo. Podemos fazer um negócio

contigo, cortar em-”

“Eu estou dentro.” Hardwick

olhou para ele, quase a dizer-lhe que o

seu tesouro era Cilla. “A minha

recompensa é apanhar-vos. E saber que

o que quer que seja que Mac consiga

daqui, seja suficiente para o telhado e mais alguma coisa.”

“Nunca desejamos mal aos

MacGhees.” O Tweedy tentou adular a

questão.

Hardwick ignorou-o. “Os meus

amigos” – ele virou a cabeça para os


homens de Bran – “fazem-te companhia,

enquanto esperas pelo regresso de

Mac.”

“Não nos podes deixar aqui

nus!” Outra voz inglesa levantou-se, nas

traseiras do ninho de fantasminhas.

“”vamos gelar.”

Hardwick encolheu os ombros.

“Deviam ter pensado nisso, antes de se

terem vestido com roupas roubadas.”

“Se deixas os teus amigos a

guardar-nos, por que é que temos que

nos despir?” Tweedy voltou a tentar.

“Porque” – Hardwick sorriu –

“pode acontecer que, quando os meus

homens virem o Mac e a polícia local a

aproximarem-se, bem pode ser que eles

desapareçam.”

“Fujam?” Tweedy, o homem

vestido de tweed, deu um olhar aos


Highlanders nus.

“Não, desapareçam,” Hardwick

repetiu, para gozo dos homens das ilhas.

“Não seria demais?” Bran riu.

Depois, pousou uma mão no

ombro de Hardwick, afastando-o dos

fantasmas viking, em direção do bosque

de vidoeiro e pedras.

“Vê lá isso, então,”ele apressou

Hardwick. “Veste-te e vai buscar o

Mac. Vê a tua senhora.”

***

Um pouco mais tarde, Hardwick

caminhava rapidamente em direção as

enormes portas de Dunroamin,

maravilhado com duas coisas. Uma era

o facto de ele não ter reparado que já

era manhã alta. O sol já brilhava na

grama de Dunroamin, a luz brilhante e

inclinada quase lhe feria os olhos.


Essa era a sua segunda revelação.

Ele tinha quase a certeza que Mac

tinha razão.

Ele tinha mesmo apanhado uma

espécie de febre ou constipação, ou

algoa ssim, enquanto patrulhava os

campos à noite.

Ou isso ou, como era mais

provável, as malditas tonturas que ele

tinha, desde que visitou o Ser das

Trevas estavam a piorar. Em todos estes

séculos, nem uma doença o assolou. Na

verdade, essa era uma das vantagens de

ser fantasma. Estava sempre em forma.

No entanto, a cabeça doía-lhe e

latejava com maior frequência. A

estranha campainha nas orelhas estava

melhor, mas não desapareceu

completamente. Também estava sempre

com sono. Um desejo que ele não


experimentava desde os dias de

Seagrave, quando a sua vida não era

mais do que isso.

Uma vida. Uma vida humana.

Estendeu a mão ao trinco da porta

e parou, outro pensamento o fazia parar.

Ele tinha caminhado o caminho inteiro

desde a casa viking.

Um aborrecimento impensável

para um fantasma, a não ser que o

fantasma estivesse apaixonado e tivesse

notícias que agradariam, seguramente, à

sua amada.

Ele simplesmente se esquecera de

agir como um fantasma.

As notícias dele eram demasiado

importantes para que a sua mente se

tivesse dado conta do longo percurso

que fez.

Ouviu a voz de Mac a vir da


marquise, no momento em que entrou no

castelo. Dirigindo-se nessa direção,

seguiu o delicioso aroma de bacon frito,

ovos e salsichas, ansioso por partilhar

as notícias.

O seu coração batia com a glória

da vitória.

Ele acelerava o passo.

Conseguia já antecipar a

admiração nos olhos de Cilla.

A pequena marquise de vidros e

Mas quando alcançou o espaço cheio de

verde e ensolarado, os olhos dela foram

os únicos a não olhar para ele.

Felizmente, todos os outros

olhavam.

Até o pequeno Leo levantou um

olho para espreitá-lo, do lugar onde

estava, estatelado ao sol.

Flora Duthie pousou a chávena de


chá e moveu a cabeça, levantando a

orelha no sentido dele. Honoria fez uma

pausa nas arrumações dos pacotes de

cereais no armário perto da porta.

Sacudindo as mãos no seu avental

branco, voltou-se para ele. Tal como

Flora, pôs as orelhas alerta, com o olhar

expectante.

Os outros aparentavam igual

interesse.

Afinal de contas, não era todos os

dias que ele interrompia o pequeno-

almoço.

Mac interrompeu um discurso

aceso com o coronel, para saltar a seus

pés. “Vejo o brilho nos teus olhos!” Ele

aproximou-se, quase esbarrando com a

árvore de café, com a pressa.

“Hei-ho!” gritou, amarrando os

braços de Hardwick. “Diz-me que


apanhaste os meus fantasminhas!”

“Sim – de facto!” Hardwick

sorriu-lhe, distraído. Cilla tomava

sempre o pequeno-almoço com os

residentes. Ele conhecia os dias dela

melhor que os seus.

Mac abanou-lhe os braços.

“Queimaste-lhes os pés com paus e erva

seca?”

“Não.” Hardwick escovou a

manga, quando Mac o deixou. “mas

foram bramidas espadas e punhais.”

“Estavam vestidos de vikings?”

Violet Manyweathers fez deslizar um

olhar de eu-bem-te-disse, ao coronel.

“Apanhados em flagrante?”

“Isso e muito mais, minha

senhora. Não só-”

Hardwick vi uma sombra a

mudar-se e pensou que poderia ser Cilla


a andar no terraço. Mas era apenas o sol

a esconder-se atrás de uma nuvem.

Voltou-se para Violet. “os patifes

não estavam apenas vestidos com as

roupas roubadas ao Up Helly Aa,

estavam também a saquear uma cabana,

que escavaram num canto escondido dos

campos de turfa do Mac.”

Os olhos de Mac abriram-se

muito. “O quê! Uma cabana?” Ele

lançou um olhar à mulher. “Porquê, os

meus terrenos têm escombros de casas,

suficientes para repovoar Inverness

inteira! As pedras são das casas do

tempo de Clearance. ‘É assim por toda

a Sutherland-”

Hardwick desimpediu a garganta.

“Não é uma casa Clearance. É uma casa

viking, muito bem preservada, e” – ele

não conseguia impedir que os lábios lhe


tremessem – “preenchido com o que

deve ser o tesouro mais rico da era

viking e celta de toda a Grã-Bretanha.”

O queixo de Mac caiu.

“Tesouro?”

Birdie lançou-se a ele, quase

derrubando-o com tanta excitação.

“Mac! Estamos salvos! Dunroamin está

seguro!”

Coronel Darling puxou um lenço

do bolso e assoou o nariz ruidosamente.

“Quem haveria de dizer?”

Violet começou a chorar.

Hardwick engoliu em seco, a

garganta estava demasiado apertada

para palavras. Ele afastou-se, lutando contra a ridícula vontade de lançar

braços à volta de todas as alminhas ali

presentes e abraçá-las com força,

tomando parte do seu triunfo. .

Uma vitória que seria perfeita, se


ao menos Cilla a partilhasse.

Ele voltou a olhar pelas janelas,

esperando estar enganado sobre as

sombras do sol. Mas não tinha errado. O

terraço estava vazio.

“parece que não vou perder o

meu tempo a carregar baldes para

apanhar as gotas de chuva, durante muito

mais tempo!” A voz de rouxinol de

Flora Duthie levantou-se do canto da

mesa.

Hardwick voltou-se de novo para

a sala.

A mulher minúscula fungava. “É

um tesouro mesmo grande?”

Hardwick assentiu. “O maior que

eu já vi.”

Tirando a safira dos olhos da

minha amada.

O coração dele apertou-se e


voltou a desimpedir a garganta. “è

melhor chamar as autoridades,” disse a

Mac,o peito apertando-o ao revelador

brilho no rosto do lorde. “talvez

contactar Erlend Eggertson em Lerwick.

Ele ajudará nos procedimentos de

devolver os fatos de Up Helly Aa, a

Shetland.”

“E os ladrões?” Mac passou a

manga pelo rosto. “Ainda estão à solta,

nos campos? Não vão escapar-se?”

“Oh,não irão a lado nenhum.”

Hardwick sorriu. “o meu amigo Bran e

os seus rapazes estão a guardá-los.

Deixamo-los nus como crianças. Se

fugirem, será com todo o esplendor da

sua vergonha.”

“Haggis saltitantes!” Mac deu

urras e murros no braço de Hardwick.

“Eu sabia que gostava de ti! És um


homem como o meu coração manda!”

O próprio coração de Hardwick

comprimiu-se. Espontaneamente, chegou

a imagem do Ser das Trevas e do

interior do seu santuário, com as raízes

de dragão, com as suas costas pretas

reluzentes e caudas e olhos vermelhos e

hálito sulfuroso. Imaginou Cilla nas

suas garras, as bruxas do inferno às

gargalhadas, enquanto as raízes dragão a

puxavam para o seu covil.

Ele piscou os olhos e a visão

esbateu-se, a luz brilhante da manhã, na

marquise a tornar essa ideia mais do que

absurda.

No entanto, ele sabia que poderia

acontecer.

Um arrepio frio subiu-lhe pela

espinha. A marquise parecia

desaparecer à sua volta, as gargalhadas


de Mac e as conversas dos residentes

escureciam em seus ouvidos. Ele cerrou

os punhos, lutando contra a ameaça que

se construía debaixo das suas costelas.

Mac lançou os braços ao alto e

dançou uma pequena melodia, rindo.

E ele estava seguramente a

preocupar-se, a toa.

Mesmo assim, agarrou no braço

de Mac. “Onde está Cilla?”

“Eh?” Mac sorriu e sacudiu o

kilt. “Ah, está a dormir,” estava

ofegante. “Ela desce em breve.”

Hardwick começou a sentir-se

tontos, até que apanhou o olhar

cauteloso de Birdie. Quando ela lançou

um olhar furtivo a Honoria e aquela

começou a reorganizar, prontamente, os

pacotes de muesli, ele percebeu que algo estava errado.

“O que é que se passa?” O medo


começou a dar-lhe a volta às tripas.

“Onde está ela?”

Mac passou-lhe um braço pelo

ombro. “Eu já te disse que a menina está

na cama.”

“Não.” Hardwick libertou-se

dele. “Não acho que esteja.”

O aumento de cor nos rostos de

Birdie e Honoria diziam-lhe que o seu

palpite estava certo.

“Acabem com isso, senhoras.”

Ele cruzou os braços. “Eu sei que ela

não está aqui.”

Ele sentia a sua ausência como

um rasgo na alma.

“foi ver as vistas.” Honoria

falou, primeiro, de queixo levantado e

orelhas arrebitadas.

“Onde?” Um músculo tremeu no

queixo de Hardwick.
Birdie não disse nada.

“Se sabe de alguma coisa” – Mac

foi para junto dela – “é melhor falar.”

“Oh, porra!” Birdie acenou uma

mão nervosa. “Ela não queria que

ninguém soubesse.”

“Saber o quê?” Hardwick e Mac

falaram em simultâneo.

“Foi a Seagrave.” Birdie

parecia na defensiva. “Foi para o chalé

do Robbie e do Roddie a noite passada,

pedir-lhes que a levassem lá. Partiram

há horas.”

“Por que não me pediu?” Mac

enrugou a testa.

“Talvez porque soubesse que não

a deixarias em paz?” Birdie sorriu com

doçura. “Ela tem assuntos a tratar lá,

que prefere fazer sozinha.”

“Hum.” Mac franziu a testa.


O sangue de Hardwick gelou.

Quando Birdie voltou a abrir a boca

para discutir com o marido, ele

aproveitou a oportunidade para sair da

sala.

Não conseguia imaginar por que

queria Cilla ir a Seagrave. Fosse qual

fosse a razão, não lhe agradava nada.

Para além disso, era perigoso.

Havia coisas para além das

memórias, que o impediam de voltar ao

seu lar. O isolamento da ruína, segundo

lhe disseram, atraía almas repugnantes.

Fantasmas que usavam a sua casa

para orgias e devassidões, a que ele não

queria que Cilla assistisse. Também

ouviu que algumas pessoas do tempo

dela, às vezes visitavam o local,

apreciando o local para preencher a sua

solidão.
“Raios, maldição!” Ele

desapareceu da pesada porta da frente

Dunroamin e franziu os olhos contra a

luz ofuscante do sol.

Onde estava o nevoeiro das

Highland, quando era preciso?

Fazendo uma carranca, desceu os

pesados degraus de pedra, sabendo que

não havia nada a fazer. Tinha que se

varrer para Seagrave e trazê-la.

Só esperava que não fosse tarde

demais.

Capítulo dezassete

‘É trabalho de homem.

Cilla recordou as palavras de

Hardwick, enquanto se aproximava da

casa em ruínas, o castelo de Seagrave,

tão silencioso nas alturas da falésia.

Respirou fundo. Precisava de força e

calma, pois estava a pontos de realizar


um sério trabalho de mulher. Os homens

não faziam o que ela ia tentar. Numa

hora destas, só as mulheres eram tão

corajosas, tão determinadas, na busca

dos seus sonhos.

Segura disso, continuou, num

passo vivo e seguro.

A confiança era a chave.

Só, se, de facto, acreditasse, é

que teria a hipótese de ultrapassar

setecentos anos para encontrar o

travador feiticeiro, que amaldiçoou

Hardwick. Os vilões regressam sempre

à cena do crime. Ela esperava que o

druida mantivesse o padrão. A tia

Birdie garantira-lhe, que mesmo que não

o fizesse, deveria haver marcas de um

episódio tão dramático, nas paredes de

Seagrave.

Que a ajudariam a estabelecer


contacto.

Mas não era fácil, fazê-lo.

Ela já tinha feito metade do longo

caminho até à imponente concha da

antiga casa de Hardwick. Por estranho

que pareça, ela confortava-se nas

ocasionais latas de refrigerante ou

garrafas de água, nos trilhos de

bicicleta.

O lixo e os sinais de ciclistas

asseguravam-lhe que as ruínas não eram tão perigosas como pareciam.

Outras pessoas vinham ali.

Por isso, continuou, em vez de

fugir pela estrada da costa da

comunidade piscatória de Cruden Bay,

onde o Robbie e o Roddie a deixaram.

Ela tinha que ser forte.

A sua vontade de ferro em

contactar com o trovador e obrigá-lo a

desfazer o feitiço não a deixaria desistir.


Ainda assim, não conseguia evitar

um arrepio. Seagrave não era o

arquétipo da ruína escocesa, cheia de

escombros e romance, aves marinhas e

pilhas de musgo e entulho indistinto.

As ruínas eram formidáveis.

Imponentes, austeras e altas, não

pareciam nada desintegradas. Apenas

sombrias e abandonadas, sem telhado e

enormes retângulos vazios, indicando a

antiga localização de portas e janelas.

Cilla voltou a respirar fundo e

ajustou as correias da mochila. Cheia de

comida e, mais importante de tudo, com

as mezinhas da tia Birdie, a mochila

começava a pesar.

Então, saiu do trilho, chegando ao

coração da ruína. Um enorme corredor

sem telhado, com muitas portas abertas

dos dois lados, estendia-se à sua frente.


Assustador, húmido e a cheirar a terra,

não era convidativo. Mas ela

continuou, até encontrar um espaço

aberto, que foi seguramente um pátio.

Atolada de ervas daninhas e

espinhos, toda a área estava pintada de

alvenaria caída. Enormes janelas vazias,

voltadas para o mar, deixavam entrar a

luz. O melhor de tudo era que, nas

paredes protegidas da muralha, ela

estaria longe de olhares indiscretos.

Também estaria, de alguma forma,

protegida do vento frio que vinha do mar

do norte. Pesadas ondas de topo branco

batiam contra as falésias de Seagrave,

as águas agitadas eram muito diferentes

do azul suave do Kyle.

Satisfeita, ela dirigiu-se a uma

das janelas e colocou a mochila num dos

parapeitos de pedra.
Mais um suspiro, e ela começou a

organizar as mezinhas para chamar

espíritos. Duas velas brancas,

cuidadosamente inseridas em jarros de

vidro, por causa do vento. Uma

lamparina de azeite genuína do século

catorze, tirada das profundezas da ala

abandonada de Dunroamin. Pequena e

enferrujada, a lamparina era ideal para

evocar um sentido de passado distante,

ou pelo menos, assim garantiu a tia

Birdie.

Uma pequena garrafa de óleo

essencial de olíbano servia o mesmo

propósito. Com o coração aos pulos, ela

içou-se no parapeito da janela. Depois,

desenroscou o tampo da garrafa,

espalhando algumas gotas na pedra.

Por precaução, espalhou um

pouco de óleo na ponta do nariz.


Depois, fechou os olhos e tentou

concentrar-se, imaginando o trovador

feiticeiro como um homem pequeno e

curvado, grisalho e carregando um

alaúde.

Infelizmente, só conseguiu sentir-

se tola.

Os olhos abriram-se e as

esperanças diminuíam. Apesar das

jarras de vidro, o vento tinha pagado as

velas. O pior é que ela não se lembrou

de devolver os fósforos à mochila e

agora tinham desaparecido.

O vento tinha, seguramente,

varrido os fósforos para o mar.

Maldição.

A tia Birdie tinha insistido que as

velas brancas eram cruciais.

Agora, não as conseguia

reacender.
A frustração apertou-lhe o peito.

Por um momento, os olhos arderam-lhe e

a vista do mar agitado ficou desfocada.

Piscou várias vezes, até que a visão

clareasse.

Depois, pegou na pequena

lamparina medieval, agarrando-a

firmemente. Focou-se no druida,

querendo que ele aparecesse.

Nada aconteceu.

Respirou fundo. Respirações

longas para aproveitar o cheiro antigo

do incenso. Mas tudo o que inalou foi o

cheiro penetrante do mar e a crosta

negra e pedregosa da costa. Era

molhada e uma lufada forte de algo, que

ela suspeitava estar fortemente

relacionada com as muitas armadilhas

para pesca de lagosta e redes de

pescador nas redondezas de Cruden Bay.


O incenso não conseguia competir

com tudo isso.

Em vez de se sentir transportada,

sentiu-se, apenas, ridícula.

O druida não estava aqui, ou não

estava ao alcance, ou simplesmente não

queria saber.

Provavelmente, foi amaldiçoada,

antes mesmo de colocar as sua mezinhas

no saco. Reconhecendo a derrota,

quando estava à sua frente, ela suspirou.

Foi, então, que viu o homem no

lado mais distante da muralha.

“Oh!” Ela arregalou os olhos.

Alto, vestido de preto e bonito,

de uma forma rude, não poderia ser um

ciclista escocês. Estava de braços

cruzados, encostado ao arco de ua das

portas abertas.

Não era, claramente, um druida


medieval.

Tentando fingir que encontrava

homens-mistério vestidos de negro, a

toda a hora, saltou do parapeito da

janela e limpou as mãos.

“Belo dia para um passeio,

não?” Tentou ser informal.

Ele não disse nada.

Forçou um sorriso americano

amigável, mas pôs a mente a pensar no

que poderia usar como arma. Talvez, as

bordas irregulares de uma das jarras de

vidro, se ela for suficientemente rápida

a quebrá-la. Será que o óleo de incenso

cega temporariamente as pessoas,

quando lançado a cara? Questionou-

se.

Ele continuava a estudá-la, com

um ligeiro sorriso rasgando-lhe os

lábios.
Cilla deixou cair o seu sorriso. A

gentileza não estava a resultar.

Ficou mais direita, procurando

ficar calma. “É destas bandas?”

“da Escócia?” O seu sotaque

intenso dizia que sim. “Sim, fui em

tempos.”

A nuca de Cilla arrepiou-se. Não

gostou do tom com que ele disse aquilo.

“Em tempos?”

ele olhou para o lado, e ela viu

que ele tinha o seu cabelo escuro atado

num rabo de cavalo, pelos ombros.

“Sim, em tempos.” O sorriso a

desvanecer-se. “‘Foi há muito tempo,

um tempo há muito esquecido.”

“‘Foi?” Cilla olhou para as

jarras das velas, perguntando-se se as conseguiria alcançar.

Uma coisa era Hardwick usar

aquela linguagem, mas este tipo parecia


novo demais para isso.

Ela encostou-se à parede,

pousando o cotovelo no parapeito da

janela, num gesto que, esperava,

parecesse inocente. Mesmo que não

tivesse tempo para partir uma jarra,

poderia usar uma para lhe bater na

cabeça, caso fosse necessário.

Quase se engasgou com esse

pensamento.

Ele era muito musculado,

certamente com força idêntica à

Hardwick ou perto disso. Também

apostava que devia ser rápido de pés.

Quanto aos estragos que as mãos

poderiam causar, mais valia não pensar

nisso.

“Acho que vou andando.” Ela

lançou um olhar ao longo corredor de

portas e janelas abertas.


Uma escura passagem de sombras

e uma estranha sensação de que havia

criaturas por todo o lado, fugindo-lhe do

olhar, antes que ela as captasse, tomou

conta dela. O pior é que a curta

distância até à entrada parecia ter

quilómetros, talvez tão longe como a

lua.

A sua boca secou, a necessidade

de desaparecer fervia dentro dela.

Os dedos dela envolveram a jarra

da vela.

A mão do escocês apertou-lhe o

pulso. Ele moveu-se, num abrir e fechar

de olhos.

“Hey!” Ela tentou libertar-se.

Ele voltou a sorrir, um riso de

ferro.

“As velas não teriam

funcionado.” ele largou-a, mas ficou à


sua frente, bloqueando-lhe a passagem.

“Não da forma que pretendias.” Ele

coçou o queixo, enquanto observava as

sua mezinhas. “Mas teriam servido de

escudo.”

“Escudo?” Aquele grito

esganiçado era a sua voz?

“Sim, ter-te-iam protegido.” Ele

inclinou-se, com a olhar a penetrá-la.

“Se ainda estivessem a arder.”

“Não sei do que está a falar.” Ela

agarrou nas jarras e no incenso e enfiou

tudo na mochila.

Poderia servir de arma, se

balançada corretamente.

Outro sorriso malvado passou-lhe

nos lábios. “Ah, sabes muito bem,

Cilla.”

Aquelas palavras puseram-lhe os

joelhos em geleia.
Ele sabia o seu nome.

Ela susteve o ar, com o coração

aos pulos. “Como sabe quem eu sou?”

“Como é que pode ser que não

saibas quem eu sou?” Ele angulou a

cabeça, olhando para ela. “Pensei que

já terias adivinhado.”

“Eu não o posso conhecer.” Cilla

apertou a mochila, preparando-se para a

fazer girar. “Penso que ouviste o

Robbie e o Roddie a dizer o meu nome,

quando paramos para um chá, em

Collieston. Havia outras pessoas na

casa de chá. Podias ser uma delas.”

“Ah, desapontas-me.” ele estalou

a língua. “E pensar que eu me dei ao

trabalho de vir até aqui.”

“Não precisava de se ter

incomodado. E pode ficar aqui

sozinho.” Ela começou a afastar-se.


“Vou embora.”

“Sem ouvir o que fiz por ti?”

Algo no seu tom de voz a fez

parar. “Sei que não é o trovador.”

“O trovador-druida?” Ele riu

suavemente. “Posso ser, se quiseres.

Nada é impossível.”

O pulso de Cilla deslizou.

Virou-se lentamente.

Ele estava à janela, olhando para

ela. A sua figura ala de ombros largos

estava delineada no escuro, pela luz

crepuscular do mar. Ele parecia mesmo

um ciclista. Do tipo mau e perigoso. E

algo na forma como ele inclinava a

cabeça gelava-lhe a alma.

Ela tinha a certeza que já o tinha

visto antes.

“na verdade, tenho várias formas,

senhora.” Ele falou de forma informal,


o sorriso brilhava na sombra.

“Oh, meu Deus!” Ela arregalou os

olhos. “Tu és ele! A cara vermelha do

diabo, da minha janela!”

Ela sabia que a cara era real.

Ele levou uma mão ao coração e

fingiu um estremecimento. “Finalmente

reconhecido, embora eu deva adiantar

que não sou o próprio, não. Apenas um

mero guardião de um pequeno canto do

seu infindável domínio.”

Cilla olhava para ele, com o

sangue a correr, frio. “Mas a máscara-”

“A máscara e aquele maldito

pássaro arruinaram aquilo que pretendia

ser um aviso a Seagrave.” A irritação

vestiu-lhe o rosto. “Queria que ele

soubesse o quanto eu me conseguia

aproximar de ti.”

Olhou para o mar, e depois,


voltou a ela. “Se me tivesse dado ao

trabalho de ver o que se passava em

Dunroamin, teria antevisto a

interferência de Gregor com a máscara

Up Helly Aa e teria escolhido outro

disfarce. Assim, algumas das minhas

raízes de dragão estavam a causar

estragos, na altura, portando-se mal. A

minha mente estava ocupada de outra

maneira.”

“Raízes de dragão?” Cilla

engoliu em seco, com o medo apertando-

lhe o peito.

Até agora, ela achava que ele era

apenas um lunático. Mas agora, depois

das menções feitas a Hardwick,

Dunroamin, e Gregor, tinha pouca

escolha em não acreditar nele.

Ele era, realmente, um servo do

diabo.
Pior, ela sabia que ele não a

deixaria ir embora, até dizer o que tinha

a dizer.

Por isso, ajustou os ombros,

tentando parecer mais corajosa do que

era. “Porque é que querias que

Hardwick visse quão perto podias

chegar perto de mim?”

Ele encostou-se ao parapeito da

janela, cruzando as pernas, pelos

calcanhares. “Queria ameaçá-lo com a

tua alma. Ele precisava de ver que eu a

poderia levar, se quisesse.”

“Levar a minha alma?”

“Era uma opção, sim.”

Cilla olhou para ele, bravura

esquecida. “E agora?”

“Fiz outra escolha.” Atirou uma

pedrinha do parapeito da janela, ficando

a observar a sua queda no mar. “Em vez


disso, decidi devolver a alma a

Seagrave. Por assim dizer, claro, já que

a alma dele nunca o deixou. Só a vida-”

“O quê?” O coração de Cilla

bateu contra as costelas. Sentiu-se tonta.

O mundo parecia ter parado, o mar e o

vento ficaram em silêncio. Cilla levou

uma mão ao peito, apenas consciente do

estranho zumbido nos ouvidos, as

palavras que ela tanto queria ouvir. “Ele

é um homem a sério, de novo?

Quebraste-lhe a maldição?”

“É uma forma de pôr a questão,

sim.” Ele levantou uma mão,

examinando os nós dos dedos. “Ao

lembrar-me disso, faz-me perguntar o

que me terá possuído. Nunca gostei

dele.”

“Mas-”

“Toca-lhe e eu mato-te!”
Hardwick irrompeu pelo pátio, de

espada em punho. “Mil vezes, se for

preciso!”

“Só? Perdeste a tua bravura,

Seagrave.” O Ser das Trevas olhava de

frente, imperturbável.

“Hardwick!” Cilla correu para o

meio deles, de braços no ar. O terror

varria-a, a respiração engasgando-a e o

seu peito a arder. “Nada de lutas, por

favor! Tu és-”

“Afasta-te, moça!” Hardwick já

se lançava.

Era demasiado tarde.

***

Pulando para a frente, Hardwick

agarrou Cilla, colocando-a atrás de si.

“Não fazes ideia do que ele é capaz,”

avisou. “Tenho de me bater com ele..”

O seu inimigo gesticulou para a


sua espada. “Podes tentar.”

Hardwick libertou Cilla,

esperando que ela tivesse juízo e se

afastasse. Ele manteve o olhar no Ser

das Trevas, tentando nem pestanejar.

“O que for preciso,” falou com raiva.

Se tivesse força.

Passou boa parte do dia a tentar

deslocar-se a Seagrave. Falando

sempre, alcançando apenas as terras de

Mac. Até que um último esforço o

esparramou no chão turfoso da sua

antiga casa.

De imediato, ouviu Cilla a falar,

nas profundezas da ruína.

Agora, que a tinha encontrado,

protegê-la-ia das ameaças do seu

inimigo, mesmo que fosse a última coisa

que fizesse.

“Arranja uma espada, Ser das


Trevas.” Afunilou os olhos, com a fúria a abater-se sobre ele. “Luta comigo

como um homem- se te atreves a tal!”

O Ser das Trevas inclinou-se

contra o parapeito de uma janela, que foi

uma das favoritas de Hardwick. Ele

sorriu, quase indulgentemente. “E eu

que pensava que tinhas vindo para

acabar com as nossas inimizades.”

“Uma espada, seu canalha.”

Hardwick avançou para ele. “Arranja

uma.”

“Posso reunir mil espadas, se

quiser.” O seu inimigo levantou uma

mão e o ar encheu-se com a lima do aço, a ser chicoteada das bainhas, o


alto

bramido das espadas. “Alas” – os sons

desapareceram – “Estou aqui por outra

razão.”

“Nomeia-me uma que seja

suficientemente boa para me impedir de

correr contigo.”
“Hardwick, não!” Cilla gritou do

canto. “Não entendes. Ele-”

“Ele não ouve a razão,”O Ser das

Trevas falou por cima dela, lançando um

olhar na sua direção. “ele está de cabeça

quente.”

Voltando-se para Hardwick,

suspirou, como se a sua paciência

estivesse por um fio. “Podes

arrepender-te de levantares uma espada

para mim. Na verdade, não te servirá de

nada.”

“Não é assim para a minha

consciência.” Hardwick levantou a

espada, beijando o punho para dar sorte.

Independentemente dos custos, as

apostas impossíveis, ele enviaria o seu

inimigo de volta para o outro mundo.

Uma morte curta, sabia-o bem. O

Ser das Trevas era imortal.


Mas um golpe num disfarce

humano, iria abrandá-lo, dando tempo a

Cilla para fugir.

“Então, arriscarias tudo?” O

olhar do Ser das Trevas desceu para o

kilt enlameado de Hardwick e para os

salpicos de turfa nos seus joelhos.

“Pouco sensato, na tua condição.”

“A minha condição?” Hardwick

especava para ele.

O Ser das Trevas encolheu os

ombros. “Se não sabias-”

“Sei que vou ficar com o teu

nome gravado na minha espada.”

Hardwick atirou o braço esquerdo para

a frente dele, parando o pulso de Cilla,

quando ela tentou agarrá-lo. Voltou a

empurrá-la, a sua presença e o perigo

que ela corria estavam a enlouquecê-lo.

Ele lançou-lhe um olhar feroz,


depois olhou, de novo, para o seu

inimigo. “A minha espada anseia pelo

teu sangue. Passou muito tempo desde

que a sua sede foi saciada!”

Imperturbável, o Diabo, colocou

o quadril no parapeito da janela.

“Quanto tempo passou, desde que foste

homem?”

“Um Highlander é sempre um

homem.” Hardwick estava direito, com

o orgulho a trespassá-lo. “Praga

nenhuma pode levar isso. Nem mesmo

tu, com toda a magia negra e sujidade.”

“Sou poderoso, sim,” O Ser das

Trevas concordou.

“E a tua língua faz perguntas sem

sentido.” Hardwick apontou a espada

ao queixo do Ser das Trevas. “Estou

ansioso por cortá-la.”

O demónio sabia perfeitamente,


quando é que ele deixou de ser um

homem de carne e osso.

Não iria servir de isco.

Principalmente, em frente a Cilla.

Certamente, não enquanto ela chorava.

Ele franziu a testa, apanhando o

brilho nos olhos dela, pelo canto do seu.

A forma como o lábio tremia e a

respiração parecia ter parado.

“Não entendes?” Ela correu para

a frente e agarrou-lhe os braços. “Ele

levantou a maldição!” Ela abanava-o, a

voz falhando. “És inteiro, de novo, como

antes! É por isso que ele está aqui. Veio

dizer-me..”

“Isso não pode ser.” Hardwick

rejeitou a ideia. “Esqueces-te que me transportei para aqui. Se fosse de


carne

e osso não poderia ter feito isso.”

“Não voltarás a ter oportunidade

de o fazer.” O Ser das Trevas falou da


janela, com a sua voz profunda, ecoando

na ruína. “Transportares-te para aqui

gastou os últimos poderes que tinhas do

outro mundo. Eles têm enfraquecido,

desde que foste arremessado de volta à

vida, através do túnel de redenção.”

“‘Arremessado de volta à

vida?’” Hardwick voltou-se para

encará-lo com fúria. “Nuca ouvi tal

disparate.”

O Ser das Trevas levantou uma

sobrancelha. “Talvez porque foste

amaldiçoado e a tua entrada tenha sido

proibida?”

“E depois de todos estes séculos,

enviaste-me para um lugar de gastar

milagres?” Hardwick afastou a vontade

de lhe esmurrar o nariz.

Não gostava da ideia de ver Cilla

com falsas esperanças.


Com o temperamento a aumentar,

desembainhou a espada. As suas mãos

ansiavam por transformar o seu inimigo

em polpa. “Não acredito” Olhou para o canalha. “Nem numa palavra tua.

Conheço bem os teus truques.”

O Ser das Trevas olhou para ele

de cima a baixo. “Não te sentiste fraco,

ultimamente? Facilmente cansado e com

vontades mortais, como dormir e outros

hábitos irritantes?” Fez uma pausa para

tirar um pedaço de pedra da sua coxa.

“Talvez um apetite súbito pelo famoso

pequeno-almoço de Dunroamin?”

Hardwick aprumou-se, sem

vontade de admitir tal coisa.

Mas as palavras do canalha eram

intrigantes, e, até, agitavam a sua alma cansada e descrente.

Podia ser.

Mesmo assim…

Tão discretamente quanto podia,


ele enfiou a mão da espada de trás das

costas e estalou os dedos para convocar

o escudo.

Nada aconteceu.

Ele voltou a tentar, com maior

vigor, desta vez. Mas voltou a falhar. O

escudo não apareceu.

“Vês como é verdade.” A voz do

Ser das Trevas era suave, triunfante.

“Por isso, para d eme insultar com a tua dúvida- se insistes, ainda me
arrependo

da minha da minha generosidade e

reverto a tua sorte.”

A estas palavras, Cilla gritou.

“Não, por favor!”

“Ele é um mestre trapaceiro,

moça.” Hardwick olhou-a, detestando a

ideia de ela ter empalidecido. E que a

mão que levou à boca tremesse. Ela

acreditava mesmo no malvado. E isso

apertava-lhe as entranhas, doendo-lhe


até à medula.

Saber a verdade, iria derrotá-la.

O Ser das Trevas podia ter o

poder de desfazer a praga de qualquer

homem. Mas não o ajudaria.

Nem que o céu desabasse sobre

eles.

“Não oiças o que ele diz, Cilla.

Ele quer esmagar-nos.”

“Não, é verdade.” Ela levou um

um punho ao coração, com as lágrimas a

correrem pelas faces. “Eu sinto-o aqui.”

“Quem dera que aassim fosse,

querida.” Uma dor aguda apertou o

coração de Hardwick.

Ele voltou-se para o seu inimigo.

“Se isso é verdade, a que devo a

honra?”

“Não é por ti, podes estar certo!”

“A quê, então?”
O Ser das Trevas olhou para o

lado, o olhar deslizando sobre as águas

escuras do mar do Norte. Quando

voltou a olhar à volta, tinha uma

expressão de raiva tão

surpreendentemente sincera, que

Hardwick quase sentiu pena dele.

Mas conhecendo-o bem, esperou.

O Ser das Trevas afastou-se do

parapeito da janela, um cheiro a enxofre

rodeou-o. “Foi a tua mulher,Seagrave.”

Ele olhou para Cilla. “Eu nunca devia

ter ido a Dunroamin-”

“Não!” O chão desaparecia

debaixo dos pés de Hardwick. A mão

da espada recomeçava a fazer

comichão. “Não me digas que tu-”

“Ela poderá explicar mais tarde.”

A impaciência alcançou a voz do Ser

das Trevas. “Se me pressionas, deixo-te


sem qualquer explicação. Como…” -

Ele voltou a olhar para o mar – “Só sei

que não foi sensato tê-la visto. Ela

lembra-me uma pessoa que conheci há

muito tempo. Uma mulher-”

“Uma mulher que amaste e

perdeste.” Cilla acabou por ele.

Hardwick franziu a testa, sem

olhar para nenhum dos dois.

Ele sentiu que o olhar que

trocaram era o de amigos há muito

perdidos.

“Foi há muitos anos,” dizia o Ser

das Trevas. Voltou a olhar para

Hardwick, com o olhar profundo. “Mais

séculos do que consegues contar,

Seagrave. Mas nunca esqueci. Nem

esquecerei em toda a eternidade. A sua

perda dói-me até hoje.”

Ele inalou ar e libertou-o


lentamente. “Quase desfiz a tua praga,

quando apareci à tua moça, em

Dunroamin.” Deu uma gargalhada um

pouco amarga. “Até me senti mal, por a

ter assustado. Imagina! Mas, depois de

ter regressado ao meu templo, caí em

mim.

“Até que entraste no meu

santuário pedindo entregando-te por uma

noite de amor nos braços dela,”

admitiu. “Quando recusaste a minha

oferta da sua alma, pelo teu prazer,

lembrei-me de como segurei o corpo

frio e mole da minha mulher. De como

pedi aos deuses que ma devolvessem.

Eles recusaram-se e eu…”

Deixou as palavras a meio, a

expressão endurecendo.

“Ficaste sensibilizado a dar-nos

uma hipótese.” A voz de Cilla


interrompeu-lhe a frase.

Ela pegou na mão de Hardwick,

entrelaçando os dedos.

Ele continuava a não acreditar.

“Há mais. Algum truque, eu cheiro-o.

Mesmo que tivesses ficado comovido

pela semelhança da minha mulher com

alguém que conheceste há milhares de

anos, nunca acreditaria que libertarias a

minha alma, com tamanha facilidade.”

O aperto quase impercetível dos

lábios do Ser das Trevas provava-lhe

que ele tinha razão.

“Então?”

“A verdade, Seagrave, é que não

tive escolha.”

Hardwick cruzou os braços.

“Isso não é resposta.”

O Ser das Trevas passou uma

mão pelo cabelo, parecendo irritado.


“Há poderes no outro mundo ainda

maiores do que os meus e do que os do

meu mestre. Tu evocaste-os, quando

recusaste que levássemos a alma de

Cilla, em troca do teu favor.”

“Eu quebrei a minha própria

maldição?” A sobrancelha de Hardwick

ergueu-se, e o queixo caiu.

“Chama-lhe o que quiseres.” O

Ser das Trevas encolheu os ombros. “A

tua abnegação desencadeou o único

poder que eu não posso combater. A

força eterna de um coração puro e

apaixonado. Quando me gritaste ‘Não!’,

o teu amor pela tua dama rasgou a

entrada do túnel de redenção. Por muito

que eu desejasse o contrário, não te

conseguia impedir de seres arremessado

para ele.”

Hardwick olhava para ele,


demasiado atordoado para falar.

Então, era verdade!

Algures dentro dele, algo se

enrolava e apertava e depois se

desprendia, libertando o resto da sua

dúvida. O seu coração trovejava e a

garganta apertava-se, as emoções eram

demasiado humanas para que ele

conseguisse negar os argumentos do seu inimigo.

Agora entendia o cansaço que o

afetava. As moléstias demasiado

humanas que ele ignorava.

A sua sonolência e fome, a sua

incapacidade de se peneirar

adequadamente.

“Pelos deuses!” Ele amarrou em

Cilla e abraçou-a com força.

Ela enroscou os braços nele,

abraçando-o com a mesma intensidade.

“Eu disse-te que era verdade! Ele amou


uma mulher parecida comigo.” Ela

esticou-se, passou os dedos pelo queixo de Hardwick. “Não entendes? Ele

lembra-se da da dor de coração, de

como foi duro perdê-la. Foi por isso que

nos ajudou.”

“Humm.” Hardwick endureceu,

não estava pronto para dar crédito ao

seu inimigo com sentimentos mortais.

Cilla lançou um olhar ao

bastardo. “É isso, não é?”

“Já fui homem,” consentiu, com

uma sombra a atravessar-lhe o rosto.

“Esse tempo já lá vai há muito, tão

distante que nem as mais velhas pedras

da Escócia recordam. Mas vós, minha

senhora…”

Ele não concluiu, voltando, em

vez disso, para Hardwick.

“A tua viagem, daqui para a

frente, Seagrave, é só tua.” Voltando ao


seu eu formidável, de novo, apertou o

ombro de Hardwick, com força. “Usa-a

com sensatez. Já sabes que estarei a

observar.”

E depois, desapareceu.

Apenas um reboliço do vento e

um cheiro a enxofre, indicando que ele

tinha estado ali.

Capítulo dezoito

“Wow.” Cilla começou a abaná-

lo. “Isso aconteceu mesmo?”

Hardwick pegou nas mãos dela.

“Algo aconteceu, sim. Só não sei bem o

quê-”

“Eu tenho!” Ela estava acima da

dúvida. “Estás inteiro, de novo, o

feitiço contra ti foi quebrado.” A

maravilha varreu-a com emoção. Ela

olhou para o pátio cheio de entulho,

como que esperando ver o Ser das


Trevas, num canto ensombrado,

observando-os.

Quem quer que fosse, realmente,

tinha desaparecido.

Mas ele tinha virado o mundo na

sua passagem. Pequeno remoinhos de

vento deflagravam pela expansão de

ervas daninhas do pátio, trazendo

rajadas de folhas secas e sabe-se lá

mais o quê que se aquietavam no chão

lamacento.

A maravilha das suas revelações

estava no ar. Tão espessa, que ela se

engasgou na esperança de ele ter partido

com elas. Um nó apertado latejava na

garganta e os olhos queimavam-lhe.

Ela suspirou várias vezes,

tentando manter os pés no chão.

“Acaba com o teu choro,

querida.” Hardwick tomou-lhe os


braços e olhou para baixo, para ela. A

desconfiança, de novo, nos seus olhos.

“Pode não haver razões para nos

alegrarmos. Sei bem o que aconteceu.

Mas continuou a não acreditar nele.

“Se ele nos enganou, a tua dor

vai-me matar.” Ele puxou-a bem para si e abraçou-a, descansando a cabeça

contra o cabelo dela. “Quanto a mim-”

“Mas é mesmo verdade!” Ela

pestanejou para ele, com o coração aos

pulos selvagens. “Tudo. Sei isso do

fundo da minha alma,” gritou, com a voz

engrossada pela emoção. “Tu também

sabes. Bem o vejo. Há algo de

diferente!”

E havia.

A sua espada medieval havia

desaparecido, até o cinto da espada, que

ela achava tão sexy.

“Olha –ele levou a tua espada!”


Ela afastou-se, sentindo-se vitoriosa,

quando ele seguiu o seu olhar, com os

olhos arregalados, ao ver que a espada

tinha desaparecido.

“Pelas bolas de Odin!” Esfregou

os olhos e voltou a olhar.

Mas, ao invés de admitir o

milagre, ele fez uma carranca. “Aquele

covarde vai preparar alguma.”

“Tens de acreditar!” Ela voltou a

inclinar-se para ele, desejando que ele

tivesse fé. “Se não acreditares, talvez a

quebra do feitiço não resulte. Talvez

possa ser revertida, ou o túnel da

redenção arrastar-te de volta.”

“Não tenho a certeza que tenha

acontecido algo que possa ser

revertido. Aquela besta tem uma língua

prodigiosa, capaz de enfeitiçar quem

quer que seja – até a mim, num momento


vulnerável.” O seu semblante ficou

ainda mais carregado e ele passou uma

mão pelo cabelo. “Eu acreditei, por um

momento. Agora que ele desapareceu, as

dúvidas voltaram.”

Ele abanou a cabeça. “Só há uma

forma de ter a certeza, e eu não vou

arriscar..”

“Eu digo que deves!” Ela sabia o

que ele queria dizer, pôs-se na ponta dos

pés e apertou-lhe as faces. “Agora,

aqui, neste lugar que um dia foi o eu

lar.”

“Não.” A sua recusa foi rápida.

“Sim.” Ela beijou-o com

sofreguidão, deixando os lábios a

saquear os dele, antes que lhe fugissem.

Passou-lhe os braços à volta do

pescoço, abraçando-o, caso ele tentasse

fugir. “Por favor...” Ela encostou-se


mais, esperando que o seu calor e

curvas o pudessem convencer.

Capitulando a situação, ele

transformou aquele beijo num reboliço

de movimentos de línguas ferozes,

misturando os hálitos quentes. O seu

perfume de sândalo torneava-a,

mergulhando-lhe nos sentidos,

excitando-a. Arrepios atravessaram-na,

aquecendo-lhe o sangue nas veias.

“Moça preciosa.” Ele agarrou a

parte de trás da sua cabeça para a beijar

ainda mais profundamente.

“Vês.” Ela sussurrou a palavra

contra a boca dele. “Estamos a beijar-

nos e nada acontece.” Separando-se, ela deixou a língua deslizar pelo


queixo

dele e depois, levou a sua ponta ao

lóbulo dele. “Não há papões, nem

diabos vermelhos a saltarem das

sombras. Só nós dois aos beijos, aos


abraços e” – um tremor particularmente

forte percorreu-a – “os deliciosos

arrepios de excitação entre as minhas

pernas, por te querer tanto ali.”

“Acaba com isso!” Ele varreu-lhe

as costas com as mãos, abrindo os dedos

nas ancas. “Não fales assim – eu não

aguento.”

“Essa é a minha esperança. Eu-”

Ela interrompeu-se, com os olhos muito

abertos para a súbita ereção debaixo do

kilt. Quente, pesado e autoritário, a sua

dureza encostava-se a ela, incendiando-

a, mesmo detrás da grossa lá do seu

manto.

“Misericórdia!” Seu coração

galopava. Inclinando-se para mais

beijos, ela esfregou-se contra ele, já

derretendo.

“Não, moça.” Ele afastou-a,


ficando mais carrancudo do que nunca.

“Não vou arriscar. Isto acaba aqui e

agora.”

Ele afastou-se, ofegante.

“Esqueci-me. Eu não te vou pôr em

risco-”

“isso quer dizer que também não

confias em mim?” Cilla despiu o

casaco, atirando-o ao chão coberto de

escombros e erva. “Pensava que

tínhamos passado por isso? Já te

esqueceste a felicidade que me deste?

Como fico aberta à tua frente, tremendo

de paixão, debaixo dos teus beijos?”

Ela olhou para ele, sabia que

tinha os olhos num fogo. “Sim, refiro-me

a esses beijos.”

“Moça.” O arrependimento

escureceu-lhe o rosto. “Não faças isto.

Tu não sabes o que pode acontecer, não


conheces os perigos.”

Ela olhou para ele, de seguida.

“Então, e aqueles olhares que me deste

durante a minha aula de porcelana

quebrada? Senti os teus dedos a

percorrerem-me, enfiando-se até,

debaixo das minhas cuequinhas para me

penetrarem, esfregando-me e

acariciando-me.” Ela pousou para

respirar, os seus seios inchavam com a

sua agitação. As memórias queimavam-

na, enviando calores para o seu centro.

“E continuaste até que eu tive

dificuldades em conseguir acabar o meu

trabalho.

“Nunca um homem me tocou

assim.” Nem permitirei que o outro o

volte a fazer assim! “Não era apenas

quente, excitante e orgiástico. Foi lindo,

de me derreter o coração, a minha alma,


cada pedacinho e pequeno nervo no

meio das minhas coxas.”

“Cilla.” Ele abanou a cabeça, os

olhos tristes. “Não digas mais nada.”

“Tu tocaste-me.” A sua voz

embargou-se, a emoção entorpecia as

palavras. “Um milhar de homens pode

pôr as mãos numa mulher. Mas apenas

um a pode tocar.

“Até que ele o faça,” – ela

desenhou uma respiração instável na

face dele – “até esse momento, ela é

uma virgem.”

“Para, já.” Ele afastou-se e

passou as duas mãos pelo cabelo. “Tu

viste o poder do demónio.” Voltou-se,

de novo, para ela, com o rosto negro.

“Ele não é de confiança. Não arriscando

alguém tão precioso quanto tu.”

“Eu acredito nele!” Determinada


a prová-lo, ela desabotoou a blusa com

uma velocidade que a impressionou.

“Quanto à confiança, haverá quem pense

que sou eu quem mais precisa de

confiança nesta realação a dois!”

A sua blusa aterrou perto do

casaco.

Ela afastou o cabelo para trás,

pôs o sutiã a voar. “Então?”

“Eu disse-te, moça. Acaba com

isto.” Ele virou-se, as mãos crsipadas.

Foi muito mau para ele, tê-la

deixado ver a sua ereção.

Ele desejava-a,

desesperadamente.

Ela mordeu o lábio, e baixou-se

para tirar os sapatos e meias.

Endireitando-se, pegou na fivela do

cinto, tirando-a tão rapidamente, que

partiu uma unha. Com o coração aos


pulos, tirou o peso da cintura e abriu o

fecho das calças. Foi num abrir e fechar

de olhos que se viu livre das calças e

das cuecas e as pôs de lado.

No momento em que ela fez isso,

Hardwick ficou tenso. Quando ela

olhou, um enorme tremor atravessou-o e as suas mãos fechadas apertavam-


se tão

visivelmente, que os nós dos dedos

estavam brancos.

Ela respirou fundo e pôs os

ombros para trás.

Era agora ou nunca.

“Vira-te.” A sua voz não admitia

recusa. “Estou nua.”

“Mãe de todos os deuses!” Ele

voltou-se, encurtando a distância entre

eles, em dois passos rápidos. “Eu tinha

jurado não fazer isto, mas não aguento

mais.” Ele alcançou-a, puxando-a com

força para si. “Agora, é demasiado


tarde. Não me posso conter.”

Ele passou-lhe um rijo braço de

ferro pela cintura, esmagando-a ainda

mais contra si. “Oh, querida, nunca

ninguém te disse o que uma mulher nua

faz a um Highlander? Tens alguma ideia

do que tu me fazes?” Agarrando-lhe o

rosto com a mão livre, colou a sua boca

à dela, reclamando-lhe os lábios, num

beijo faminto e duro.

O estilo de beijo devorador que

não dava hipóteses.

Ela gritou, estendendo as mãos

pelo seu peito largo, coberto com o seu manto xadrez. Todo os eu corpo
tremia,

as suas pernas quase desistiam, quando

ele interrompeu o beijo para a olhar.

Aguentando o olhar dela, ele levou a

mão ao enorme broche celta no seu

ombro, abrindo o fecho.

Afastou-o e fez voar o seu manto


até ao parapeito da pedra fria da janela.

“Estás a fazer isso pelo que eu

penso?” O olhar dela seguiu o manto,

depois, voltou-se para ele.

A esperança saltou dentro dela.

O seu coração disparou e uma

chuva arrepios incendiou-lhe entre as

pernas. Cada ondulação quente e

enroscada que ele lhe dava, voltava a

rodopiar por ela toda. A barriga

vibrava deliciosamente, e os seus

joelhos enfraqueciam, o seu desejo era

palpável. Ela queria aquelas lambidas

longas e lentas, já. Os doces estilhaços

que ele lhe dava.

Ela também o queria a ele, no seu

cumprimento longo, rijo e duro,

entrando e saindo dela.

“Provocaste-me demasiado,

moça.” O seu olhar ficou um forno,


varrendo-lhe o corpo. Era um olhar

corajoso, possessivo e faminto. O

resquício de dúvida, que tinha antes,

desapareceu. “Sabes muito bem o que

procuro. Eu disse-te” – ele tocou-lhe

nos seios, palpando-os, primeiro, depois

apertando-os e espremendo-os, depois –

“um Highlander, depois de tentado, não

para até conseguir o que deseja.”

Ele fez a mão descer pelo corpo

dela, e à volta, segurando-lhe as nádegas

duras. “Caso não saibas, não é qualquer

uma que nos faz correr o sangue.”

Alcançando-lhe o queixo,

levantou-lhe o rosto, para que o olhasse nos olhos. “‘É a exuberância de


uma

moça bem torneada que nos desperta.”

Ele inclinou-se para escovar os lábios

nos dela. “Se, por acaso, ela for a

mulher que um homem ama mais do que

à própria vida, nada o detém.”


O coração de Cilla fixou-se numa

única palavra. “Estás a dizer que me

amas?”

ele levantou uma sobrancelha.

“Se tens que perguntar, é porque eu

andei a fazer algo de errado.”

“Oh, deus...” Ela engoliu em

seco. O seu lábio inferior tremia, sem que ela o conseguisse evitar.

“Não te vou fazer a mesma

pergunta idiota.” Ele levou as mãos ao

cinto do kilt, enviando os dois para o

espaço.

Não restou nada a vesti-lo, a não

ser as braceletes de prata nos seus

braços fortes.

Ficou afastado dela, para que o

admirasse. “Não, não te obrigarei a

declarares-te,” disse, com uma nota de

orgulho na voz. “Há muito que sei que

me amas.”
Com a declaração feita, colocou-

a entre os braços e deitou-a perto do

parapeito da janela coberto com o manto

de xadrez. Afastando-lhe os joelhos,

entrou no meio das suas coxas. Enroscou

os braços à sua volta, segurando-a bem.

“Tenho apenas um

arrependimento.” Olhou para ela, com a

expressão nublada.

“Ainda estás preocupado que o

Ser das Trevas tenha mentido.” Ela

passou uma mão à volta do seu pescoço,

sem gostar do aumento do vinco na sua

testa. “Juro que ele foi sincero. Tenho a

certeza-”

“Querida, já não me importo com

o que possa acontecer, pelo menos,

comigo.” Ele enfiou uma mão, por

debaixo dela, levantando-a, para que o

seu calor húmido deslizasse contra ele.


“O que interessa é ter-te aqui, agora.

Mas se queres saber o que me

incomoda, é que-”

“Ama-me, apenas.” Cilla olhou

para ele, segura de que nunca desejou

tanto um homem. Ela sabia que ficaria

louca, se ele não acabasse, em breve, o

que começou.

“Agora,” insistiu, envolvendo as

pernas em torno dele. “Parece-e que

esperamos este momento desde sempre.”

***

“E esperamos!” Hardwick sabia

isso, melhor do que ela.

Mas ainda fez um gesto que

abarcava as paredes em ruínas.

“Preferia ter-te amado, neste quarto,

quando estava no seu melhor. É o meu

único arrependimento. Esta era a minha

câmara de receção.” Ele combateu as


memórias do passado, as imagens

abrasavam-no. “Era aqui que recebia os

hóspedes, que chegavam pelo mar. Lá

em baixo, onde agora se vê apenas

rochas e ondas furiosas, foi em tempos

uma plataforma sempre a postos. Esta

sala esperava por essas visitas.

“Tinha todos os confortos daquele

tempo,” disse-lhe, com o seu membro

comprido a esfregar-se nela, entretanto.

“Tapetes de pele cobriam o chão e

tapeçarias ricas ornamentavam as

paredes. Este parapeito da janela era

privado, protegido dos olhos curiosos

por tapeçarias fortemente bordadas de-”

“Achas que eu preciso dessas

guarnições?” Ela estendeu a mão entre

eles, agarrando-o com firmeza. “Terias

que me levar até lá”- ela olhou para o

pedregoso chão – “se essa é a única


forma de te ter. Mas aqui na tua manta, à

janela, parece-me mais do que

adequado”.

“Eu disse-te,” disse, acariciando-

o, “é o toque que importa. Não o que se

vê ou que se recebe, mas o que o

coração sente. O que sentimos pela

única alma capaz de nos completar.”

O coração de Hardwick alargou-

se, a sua alma ficou aos tombos.

“Moça,” ele mordeu uma palavra.

Depois, inspirou fundo, enquanto ela

avançava sobre ele, deslizando como

uma labareda de mel.

O mundo tal qual ele o conhecia

dissolveu-se.

Setecentos anos de agonia,

desaparecia, como se nunca tivesse

existido.

Ela apertou as pernas contra


ele,com os olhos a brilhar dentro dos

dele, o profundo evoluir da sua paixão

varria-lhe os seios.

“Hardwick…” Segurou-se com

firmeza aos seus ombros.

Ele passou uma mão suave pelo

seu lado e para a barriga e desceu para

o lugar doce e escorregadio que tão bem

conhecia. O desejo envolvia-o, ele

palpava-a e esfregava-a, lendo-a, antes

de deslizar os dedos para o talo, que

sabia a partiria em pedaços.

Com a sua própria luxúria a

rasgar, fez movimentos circulares na

delicada protuberância, com o polegar,

massajando e provocando até que ela

arqueou o seu dorso, com as ancas em

resistência e o pulso acelerado sob os

dedos dele.

Um desejo quente apertava-o com


força, aquela humidade escorregadia era

maior do que ele conseguia suportar.

Ele pôs a cabeça para trás,

prestes a rosnar com as maravilhas dela,

mas um êxtase incrível roubou-lhe o

grito. Um prazer sem fim abateu-se

sobre ele e ele passou os braços à volta

dela, procurando-lhe os lábios.

Mergulhou a língua dentro da sua boca

doce e sedosa, usando o mesmo ritmo

dos seus gemidos a fundir-se no corpo

dela.

E depois, ela afastou a cabeça,

todo o seu ser em tensão, enquanto

desenhava um enorme suspiro trémulo e

apertava ainda mais as suas pernas à

volta dele. Ela entregou-se àquela

libertação de uma forma que ele nunca

tinha visto, o seu grito de prazer

rasgando e juntando-se com o dele.


“O-o-oh...” Ela ficou mole nos

braços dele, ofegando contra um mundo

em chamas.

Um mundo – agora seguro – que

ele temia ver.

Não que sentisse alguma ameaça.

Mas com o calor do seu vazante

prazer, o bom-senso prevaleceu. Sabia,

sem dúvida, que havia uma boa hipótese

de abrir os olhos e ter um bando de

bruxas do inferno, esfregando as mãos e

reclamando-o para o mundo delas.

Certamente, o Ser das Trevas não

faria mal a Cilla.

Ele perseguiria o diabo até ao fim

dos tempos, se ele se atrevesse a isso.

O problema era que, agora que

ela a possuíra completamente, não

suportaria perdê-la. Como se soubesse

disso, ela moveu-se nos seus braços,


envolvendo os seus no pescoço dele,

com a cabeça a repousar no ombro dele.

A confiança dela quase o

desfazia.

“Foi lindo,” disse, piorando as

coisas.

“Sinto muito, moça.” Ele passou

as mãos pelo dorso dela, subindo e

descendo, esperando acalmá-la.

“Gostava que as coisas fossem

diferentes-”

“Não precisam.” Ela inclinou-se,

beijando-o. “Está tudo perfeito assim.”

Duvidando disso, ele abriu os

olhos.

A ruína lamentável do seu salão

de receções de outrora continuava vazia.

O Ser das Trevas não espreitava atrás

de uma parede ou a um canto. Nem

havia raízes de dragão ou bruxas do


inferno à vista. O alívio varreu-o, quase

tirando-lhe o ar. O seu coração começou

a saltar, com força, rapidamente e

triunfante.

Mal podia acreditar.

Precisando de uma prova, pôs-se

de pé, olhando em volta. Enormes

sombras do fim da tarde enchiam os

cantos e estendiam-se pelo chão áspero e irregular, que em tempos teve


pedras

suaves e tapetes macios. Mas nenhuma

agitação salvava a brisa da noite a

entrar pelas suas janelas.

“Está uma noite perfeitamente

normal.” Cilla sentou-se, olhando-o.

“Um belo crepúsculo, como dizem os

escoceses.”

“Pode ser.” Hardwick voltou a

olhar à volta. Seus pulsos cerrados

sobre a verdade, a alegria apenas

prejudicada pelo calor que lhe turvava a


visão, e uma massa quente na garganta.

Mesmo assim, ele não podia ter a

certeza.

Com o coração a tremer, estalou

os dedos a um nicho de parede, tentando

fazer aparecer uma bacia e um jarro, que

em tempos ali estava.

Nenhum dos dois apareceu, o

antigo nicho permaneceu igual, um

buraco na pedra. Era apenas uma

relíquia preenchida de argamassa e uns

dejetos de gaivotas.

O coração de Hardwick quase lhe

saía do peito.

Olhou para o nicho em ruínas,

seguro de que nunca tinha visto nada

mais bonito.

Exceção feita à sua amada, claro.

“Cilla, tenhas razão!” Ele

arrancou-a do parapeito da janela e


segurou-a nos braços, girando e girando

até ficar tonto e libertá-la. “Acho que o

feitiço foi mesmo quebrado.”

Ele pousou-a, uma na testa dela

amorteceu o seu triunfo.

“O que foi?” passou os braços à

volta dela, apertando-a mais.

Suavemente, desta vez. “Não estás

contente, por termos o tempo todo?”

Ela olhou em volta, apertando o

lábio. “É só porque, bem, apaixonei-me

por ti.”

“Ah, mas isso é motivo para

celebrar.” Ele passou as costas da mão

pelo rosto e vincou-lhe as sobrancelhas.

“Não para rugas na testa e rosto

fechado.”

“Não é só isso.” Ela olhou para

ele, com as faces rosadas. “Também

aprendia amar a Escócia.” Ela olhou


para baixo tocou num pedaço de grama,

com o dedo do pé. “Dunroamin e os

residentes. Não consigo imaginar não os

ver. Até do Leo e do Gregor vou sentir saudades. Do Coronel Darling e das

suas fanfarronices.

“Quanto a ti...” Ela levou uma

mão aos lábios, as lágrimas começaram

a rolar pelas faces.

“Não precisas de dizer adeus a

ninguém. Não agora.” Ele envolveu-a

entre os braços, abraçando-a. “Ia deixar

que o Mac e a tua tia te dissessem, mas

nós apanhámos os fantasmas viking. E

nem vais acreditar: um enorme tesouro

com eles!”

“Um tesouro?” Ela pestanejou.

“Nos campos de turfa do tio Mac?”

Hardwick assentiu, rindo. “Tão

certo como eu estar aqui. Podes

perguntar ao Robbie e ao Roddie, no


caminho para casa..”

Uma proeza que ele jamais

sonhou conseguir: subir para um

automóvel.

Não que ele deixasse, claro.

Sentindo-se já um bravo,

lembrou-se da sua coragem e pegou no

manto de xadrez do parapeito da janela.

Passou-lho pelos ombros, antes que

ficasse com frio.

A verdade é que ela parecia

quase febril.

“Então, os problemas do tio Mac

e da tia Birdie acabaram.” Ela

envolveu-se mais no manto dele, a cor

das suas faces aumentava. “Fico tão

contente por ele ficarem bem. Com o

fim do verão a aproximar-se, isso

tornará mais fácil a minha partida,

sabendo que eles estão-”


“Partida” Hardwick especou

para ela, embasbacado.

Só agora, percebendo como tinha

sido pateta.

As mulheres precisavam de

palavras.

‘Foi essa a primeira lição que o

pai lhe ensinou sobre o sexo oposto, há

tantos séculos. Os homens viviam de

atos e boas ações da espada. As

mulheres precisavam de ser cortejadas,

e queriam o coração dos homens nu,

diante delas.

A sua mulher, mexia no seu

manto, evitando o seu olhar.

“Claro que tenho de partir.” As

palavras dela perfuraram-no. “Os

americanos não podem, simplesmente,

ficar na Escócia. A não ser que-”

“Por todos os deuses vivos!” Ele


voltou a agarrá-la, beijando-a com

vigor. “Achas que te vou deixar partir?

Logo agora, que tenho a minha vida de

volta, para partilhar contigo?”

“Mas-”

Ele voltou a beijá-la,

silenciando-a.

“Não te disse que não gostava

dessa palavra?” Ele afastou-se para

olhá-la e abanar a cabeça. “Não há

lugar para ela, no nosso futuro.” Ele

olhou para o lado, fingindo pensar no

assunto. “A não ser que tenhas algo

contra o facto de eu perguntar ao teu tio,

se podemos usar a ala abandonada de

Dunroamin para construir um lar? Em

troca de ajudar a gerir o local, é claro.

Eu posso ajudá-lo com o negócio da

turfa, e-”

“Queres que eu fique?” Ela


lançou-se a ele, quase mandando-o ao

chão. “Contigo, em Dunroamin?”

“Não é só isso.” Ele tomou

balanço, depois, puxou-a para si. “Eu

quero que sejas minha esposa.”

“Oh, sim!” gritou, com um sorriso

que quase o cegava.

Ou talvez fosse o calor

abominável a picar-lhe os olhos. De

qualquer forma, ele sabia uma coisa:

A vida não tinha como melhorar.

Epílogo

Up Helly Aa

Festival do fogo do norte

Seis meses mais tarde…

“É tudo o que esperavas,

querida?”

Sir Hardwin de Studley,

orgulhoso e bem-sucedido gerente das

empresas de turfa de Dunroamin, passou


o braço pelos ombros da sua esposa,

Cilla, quando estavam no meio da

multidão barulhenta, que povoava a

maior avenida de Lerwick.

“O-o-oh, sim.” Ela encostou-se a

ele, sentindo-se quente, apesar do frio

vento de janeiro. “Quebraste mesmo o

nosso recorde.”

As suas sobrancelhas arquearam-

se. “O nosso recorde?” Mas depois,

voltou a cabeça para trás, rindo e

apertando-a contra si. “Um homem está

sempre a aprender.”

“A palavra” – ela esticou-se para

lhe mordiscar a orelha – “é incrível.”

Parecendo agradado, depositou-

lhe um beijo na testa. “Ainda não viste

nada.”

Sorrindo, ela passou dedinhos de

lã por baixo do seu manto. “Já estou


arrepiada.”

“Da próxima vez, talvez nem te

dê tempo de tomares o pequeno

almoço.” Os seus olhos negros

brilharam maliciosamente. “Eu, afinal,

já terei tomado o meu.”

“És tão mau!”

“Só de formas que te agradam,”

garantiu, no seu sotaque escocês

delicioso.

“Agrado-te?” Ela aproximou-se

mais, enfiando uma mão discretamente,

debaixo do seu sporran, fechando os

dedos sobre a impressionante

protuberância naquele local.

Ela acariciou-a e apertou-a,

sorrindo inocentemente.

Ele ficou teso.

“Perguntas?” Ele inalou ar,

libertando-o numa nuvem branca. “na


verdade, se me agradares mais, vamos

ser nós o centro das atenções da noite e

não as pessoas na parada.”

“É uma delícia ver-te tão feliz.”

Cilla retirou a mão, verdadeiramente

satisfeita.

Ela também estava feliz.

Delirantemente feliz.

Nunca ela poderia supor que a

vida pudesse ser tão rica e preenchida,

cheia de momentos de alegria.

Irradiante, ao olhá-lo, sabia que a

felicidade brilhava nos seus olhos. A

sua sorte espantava-a, e não passava um

dia, sem que se sentisse agradecida.

Apenas uma pequena coisa a

incomodava.

Uma preocupação que ela não

sabia bem como gerir.

“Claro que estou feliz, doçura.”


Ele aproximou-se para lhe acariciar o

rosto com os nós dos dedos. “Não há

mais nada que eu queira, apenas a ti.”

Cilla mordeu o lábio. “E se-”

Nesse momento, um enorme

alarido cresceu da procissão de velas e

guizos de vikings de braços no ar,

agitando as tochas acesas, acima das

cabeças.

Uma chuva de cinzas espalhou-se

por cima dos espetadores.

Ao redor deles, as pessoas riam e

agachavam-se. Outros escovavam os

ombros, bem humorados. Com o rosto

corado de frio, Hardwick voltou-se para

afastar várias faúlhas que brilhavam na

sua manga.

“Vês, moça? Foi por isto que te

disse que não vestisses a tua melhor

roupa.” Levantou os dedos manchados


de cinza e fuligem. “Quando a cerimónia

acabar e chegarmos ao salão de festas,

as tuas roupas estarão cheias de

buracos-”

“Não me importo.” Cilla olhou

para as pequenas marcas das tochas,

com o momento de tensão a passar. Ela

riu, quando o vento enviou mais uma

cascata de faíscas por cima da multidão.

“É divertido e- … oh, olha!” Ela

apontou. “ Aí vem o Erlend Eggertson

com a sua máscara de diabo vermelha.”

Hardwick olhou na direção que

ela indicou. A enorme máscara,

aproximava-se na direção deles,

impondo-se no meio das centenas de

vikings, com elmos de chifres, que

enchiam as ruas.

A procissão em chamas iluminava

os céus, enquanto os alegres esquadrões


de guizers passavam, alguns gritando

para familiares e amigos, acenando

freneticamente da beira. Outros

levantavam as vozes com canções

nórdicas.

Erlend Eggertson abanou com a

máscara na direção deles, abrandando o

passo, enquanto os outros prosseguiam

no lugar em chamas, com cada guizer

com uma tocha a arder no convés do

barco longo, até que a sua madeira

ornamentada se juntou ao fogo.

Estrondosos aplausos e gritos

chegavam do lado da barca a arder,

enquanto a Guizer Jarl se soltava.

Erlend Eggertson balançava mais

perto.

No porto, flamejavam chamas

contra os céus, num crepitar e rugir

quase ensurdecedor. A multidão


avançou em direção ao navio fadado.

Depois, quando Eggertson estava

apenas a uns metros deles, foi apanhado

na multidão. A sua máscara vermelha foi

arrastada, antes que ele conseguisse

chegar até eles.

Ele voltou-se para trás uma vez,

parecendo enfiar a sua figura

encharcada de alcatrão em direção a

uma das avenidas vazias que levavam à

High Street.

Vivam bem .

O seu cumprimento ficou no ar.

Mas depois, foi engolido pelo alarido, à

semelhança do que acontecera à

máscara.

Cilla tremeu.

A voz do Shetlander não era nada

como ela a recordava. Antes que ela

pudesse dizer isso, outro Shetlander se


apressava na direção deles,

acotovelando-se na multidão.

“São os Studleys, certo?” Ele

chegou oegante, limpando a testa suada,

à manga. “Tenho andado à vossa

procura por todo o lado. Foi o

Eggertson quem me enviou-”

“Sim?” Hardwick deslizou o

olhar para a esposa. “Nós acabamos de

o ver.”

Os olhos do homem arregalaram-

se. “Ah, mas isso é impossível.” Ele

sacou de um lenço e limpou, de novo, a

testa. “É por isso que estou aqui. Para

vos dizer que ele está de cama e não

conseguirá vir às festividades. Acha que

tem uma intoxicação alimentar. Uma

pena, de todas as noites, tinha que ser

esta.”

Cilla franziu a testa. “Mas-”


Hardwick apertou-lhe o cotovelo,

silenciando-a. “Mais alguém usou a

fantasia dele?”

O homem riu a abanou a cabeça.

“ A do Eggertson? Nem pensar. Ele tem

tanto orgulho naquela máscara do diabo,

que nem aos filhos a deixaria usar.”

Hardwick e Cilla trocaram

olhares.

O Shetlander sorriu. “Ele jura que

já estará bem amanhã à noite. Gostaria

de o os convidar para se juntarem a ele

– a nós – numa das festas privadas que

ele organizou em vossa honra. O nosso

agradecimento por nos terem ajudado a

recuperar os nossos trajes.”

“Será um prazer.” Assentiu

Hardwick.

O homem bateu na testa com a

mão e desapareceu pelo mesmo lado que


aparecera.

“Eu sabia que havia algo de

estranho, na forma como a máscara

balançava na nossa direção.” Cilla

agarrou o braço de Hardwick. “Era ele!

O Ser das Trevas. Ele veio despedir-se

e dizer que nos quer bem.”

“Bah!” Hardwick rosnou.

“Aquele ali nunca faz algo tão mundano.

Deve ter havido outra razão.”

Cilla pensou. “Bem, ele-”

Interrompeu-se para olhar para o

rosto do marido.

Meio que voltando-lhe as costas,

ele olhava na direção para que o Ser das

Trevas apontara, com um olhar de

espanto no seu belo rosto.

Ela viu logo porquê.

Estavam dois vikings na

escuridão de um estreito beco. Altos e


orgulhosamente trajados, ele identificou

de imediato a mulher loira, bem como o

escudo colorido e a lança de três metros

de Sea-Strider.

Se houvesse alguma dúvida, a

estranha luz do outro mundo que os

envolvia era mais do que evidente.

Os seus sorrisos eram, no entanto,

uma surpresa.

Quase beneficentes. Havia algo

neles que picava os olhos de Cilla. Ela engoliu em seco, querendo que o
alto na

sua garganta recuasse.

Estava mesmo muito sensível nos

últimos tempos.

“O que tem ela nas mãos?”

Cilla pestanejou, as palavras de

Hardwick fizeram-na começar.

“H’mmm?” Ela ficou o olhar,

tentando ver melhor, através da

multidão.
Não que precisasse.

A mulher deixara o beco e

encaminhava-se para eles. A luz das

chamas das festividades de Up Helly Aa mostrava claramente a pequena


espada

de madeira e o pequeno escudo pintado,

nas suas mãos.

“Oh, meu Deus!” Cilla ficou a

olhar especada, enquanto Gudrid se

aproximava, com um sorriso que dizia

tudo. “Ela sabe.”

“Sabe o quê?” Hardwick olhou-

a.

Mas a mulher nórdca estava lá, à

frente deles. Silenciosa, entregou a Cilla

a espada miniatura e o escudo, acenando

solenemente, ao entregá-los.

“A nossa gratidão.” A voz de

Gudrid era suave e melódica. “E a nossa

bênção.”

E ao dizer estas palavras,


desapareceu.

E à margem da multidão,Sea-

Strider já não se encontrava à entrada do

beco.

***

O que ficou foi um poço estranho

no peito de Hardwick. Era um

sentimento que aumentava à medida que

observava a firmeza com que a sua

esposa segurava as pequenas

lembranças.

Quando ela começou a pestanejar

e uma pequena lágrima lhe rolou pelo

rosto, ele agarrou-a e, cobrindo-lhe a

boca, beijou-a com sofreguidão.

“Pelos órgãos de Odin, mulher!”

Ele libertou-a para lhe limpar a lágrima.

“Porque é que não me disseste?”

Ela olhou para ele, a incerteza no

seu olhar, partia-o a meio. “Temi que


não estivesses preparado. Que

preferisses que as coisas ficassem como

-”

Ele voltou a tomá-la nos braços,

apertando-a com toda a força do mundo.

“Não estria preparado?” ele rosnou as

palavras, que fizeram rodar cabeças.

“O nosso primogénito e achas que não

estaria preparado?

“Minha doçura, estou radiante!”

Esperei setecentos anos por este

privilégio!

Cilla sorriu, com os olhos

brilhantes.

As cabeças que giravam,

bateram-lhe nos ombros e deram vivas.

Hardwick ignorou-os.

Na qualidade de homem que

nunca foi de muitas palavras, ele enfiou os dedos no cabelo dela e beijou-a.
De

forma quase severa, rápida e com toda a


intensidade. Mostrando-lhe o quanto ela

o fazia feliz.

À sua volta a noite brilhava. E

sob o coração da sua amada uma chama

de uma natureza muito diferente brilhava

e crescia, esse pensamento enchia-o de

mais alegria do que ele alguma vez

julgou ser possível.

Como se soubesse disso, Cilla

envolveu os braços no dorso dele e

apertou-o firmemente.

Ele afastou-a, apenas o suficiente para lhe oferecer um sorriso. “Pelos

deuses, como eu te amo.”

Depois, recomeçou a beijá-la,

desta vez lenta e docemente.

Nota da autora

Alto, Moreno e de Kilted combina

três das minhas paixões: Todas as coisas

antigas e peculiares, lugares remotos e o

paranormal. Para ganhar o meu coração


basta deixar-me num vasto lugar vazio,

num canto da Escócia – Um lugar não

tocado pelo tempo, onde as rochas, o

vento e o frio sejam as únicas

companhias. Atirem-me com um

fantasma ou dois, um castelo em ruínas

ou uma casa que já viu melhores dias, e fico feliz.

A ação deste livro situa-se no remoto

extremo norte da Escócia. Em

Sutherland, para ser precisa. Embora

adore cada milímetro da Escócia, é

neste local que o meu coração bate mais

forte. Todos os locais visitados por

Cilla e Hardwick são reais, embora eu

tenha mudado alguns nomes. Estes locais

vêm no mapa e eu recomendo-os

vivamente, a quem visitar Sutherland.

Dunroamin é inteiramente ficcional,

mas poderia muito bem ser um dos

castelos fenomenais de alguns


proprietários privados que visitei na

Escócia. Na verdade, a casa do tio Mac

e da tia Birdie baseia-se em vários

deles. Lugares que, tal como Dunroamin,

estão repletos das coisas antigas, que

tanto aprecio: antiguidades, armas

medievais, montes e montes de tartan

esbatido, e outras insignificâncias do

género. Nestes locais, o passado é

valorizado e a intrusão da modernidade

é, felizmente, reduzida ao mínimo.

O Castelo Varrich existe tal e qual é

descrito na história. A caminhada até à

ruína também é retratada com precisão –

sei, no entanto, por experiência própria,

que nunca encontrei um fantasma sexy

dentro daquelas ruínas.

A ruína, hoje disponível ao público,

foi construída no século catorze pelo clã

Mackay. Que se acredita ter sido


construído sobre uma estrutura mais

antiga, um forte nórdico. Gudrid, o

fantasma Viking (e o seu amado) podiam

muito bem ter laços com o castelo

Varrich.

A casa de Hardwick, na costa norte

da Escócia, também é real. Mas o nome

foi alterado. A verdadeira ruína dá pelo

nome de Slains Castle,e é

assustadoramente espetacular. Está

completamente abandonado (tal como

foi descrito no livro) e perigosos, pois

fica mesmo na borda de um enorme

penhasco. Há memoriais espalhados ao

acaso, honrando as pobres almas que

sucumbiram em Slains. Por isso, se

visitar o local, seja cuidadoso.

Slains parece ter servido de

inspiração para o Drácula, de Bram

Stoker. Por isso, pode imaginar o


ambiente. Sempre que o visitei, fui

sozinha, o que aprimora a essa

atmosfera. Infelizmente, essas

explorações são coisa do passado, uma

vez que o castelo está nas mãos de

especialistas, nos últimos anos. O plano

é restaurar a ruína e torná-la em

apartamentos residenciais. Por isso, o

local está agora encerrado e a entrada é

proibida.

O interesse de Cilla em joalharia de

cerâmica é meu e eu partilho a sua visão

de cacos partidos. Lamentavelmente,

nunca tentei fazer as minhas próprias

peças. Se os prazos alguma vez o

permitissem, eu abraçaria a ideia como

um novo e adorado passatempo.

Gregor, o travesso pássaro mandrião

– uma criatura pterodáctila como um

‘bonxie’ – é inspirado nos meus


próprios encontros com uma dessas aves

de rapina do norte da Escócia e em

Shetland. Os pássaros fazem ninhos nos

altos terrenos da costa e são bastante

ferozes. Atacam quem quer que se

aproxime dos seus ninhos (que não se

conseguem ver, devido à alta vegetação,

urze e rochedo). É claramente seu

direito serem tão ferozes, e há sinais

indicando o perigo da sua presença. São

conhecidos por tirar narizes, por isso, é

sensato ter cautelas.

O Up Helly Aa de Shetland é um

festival de fogo viking, que culmina com

uma procissão de tochas de guizers trajados a rigor e a queimada de um

barco viking. É um evento anual que tem

lugar todos os anos, na última terça-feira

de janeiro. Se alguma vez quiser ir, deve

levar um casaco bem velho, pois, tal

como acontece na história, faíscas e


faúlhas andam mesmo pelo ar,

perfurando as roupas dos espetadores.

Nos meses de verão, os visitantes

interessados em Shetland podem ter

mais informações na exposição da Galé

Up Helly Aa. As horas de abertura a

público são limitadas a três dias por

semana, por isso é melhor planear com

antecedência. Se visitarem, digam olá a

Erlend Eggertsson. Não, ele não existe

mesmo – inventei-o. Mas podem

acreditar que as pessoas que gerem o

festival Up Helly Aa de Galley Shed e

Shetland, são igualmente dedicadas.

Obrigada por ler Alto, Moreno e

Kilted. Se gosta de lugares remotos e de

antiguidades tanto como eu, espero que

tenha gostado de visitar o extremos norte

da Escócia de Hardwick e Cilla.

Desejos de Magia das Highland para


todos!

Allie Mackay / Sue-Ellen Welfonder

Se gostou de Alto, Moreno e Kilted, dê uma espreitadela no romance

paranormal escocês e sexy, de Allie

Mackay, Algumas Gostam de Kilts, já

disponível!

Se gosta da Escócia e de homens

morenos, altos e em kilt, este livro é

para si!

Algumas Gostam de Kilts

Mindy Menlove mora num castelo

que foi transportado pedra por pedra da

Escócia para a Pensilvânia. Quando o

seu noivo cai num escândalo e Mindy

decide vender a sombria propriedade,

os seus planos são imediatamente

desvendados. Ela está vinculada às

Hébridas, um local que preferia evitar.

E, em vez de escapar ao passado, é

confrontada com o fundador do castelo


original, que por acaso é loucamente

irresistível e tem setecentos anos.

Bran de Barra foi um lendário chefe

de clã. Desde a sua morte que tem

desfrutado dos prazeres de um fantasma

– até que uma mulher mal-humorada do

outro lado do Atlântico diz ter demolido

e não ter intenções de reconstruir o seu

lar ancestral. Uma tarefa que ela não

aceitou de bom grado, e se o malandro

do Bran não conseguir fazer com que

Mindy mude de ideias sobre a sua terra

natal– e sobre ele – nenhum dos dois

encontrará paz. Mas a paixão inesperada

pode ser muito poderosa…

~*~

Excerto ~ Algumas Gostam de Kilts

Mindy afundou-se num pequeno sofá

tartan, começando a entender a razão

pela qual a sua irmã e outras mulheres


como ela ficavam todas tontas com um

simples vislumbre de xadrez ou de urze

roxo numa colina.

A Escócia era especial.

E havia algo em Anchor que fazia o

seu coração disparar. O ceticismo

insistia que o estranho sentido de paz e

retidão tinha a ver com a falta de

televisão e telefone. Acontece que, no

mundo louco dos nossos dias, um lugar

sem o que Margo designava por

inconveniências modernas tinha uma

certa atração.

Mesmo assim…

Olhou em volta, tentando entender

por que razão a cabana limpa, mas

humilde, deixou o seu pulso acelerado,

deixando-a mesmo sem fôlego, tonta.

Não conseguia ver nada fora do

normal.
Do outro lado, uma porta abriu-se

para um quarto sombrio. Ela conseguia

adivinhar um velho guarda-roupa e uma

cama de casal, forradas com o mesmo

xadrez vermelho do sofá e uma cadeira

de braços, perto da lareira.

Só quando voltou a sua atenção para

a cozinha, guiada pela ideia de uma

xícara de chocolate quente para

saborear à lareira, entendeu porque

estava a ser varrida por um formigueiro.

Não era a Âncora.

Era ele.

Bran de Barra.

Ele estava a olhar para ela, na

cozinha, de mãos atrás das costas, com

Gibbie, o seu cão, ao seu lado. Ainda a

usar a sua roupa moderna desgastada e

uma camisola Aran, era a personificação

de tudo quanto é irresistível para as


mulheres que gostavam de homens com h

grande.

Como sempre, o seu olhar azul

incendiava-a. Quando ele começou a

avançar, com uma passada larga, na sua

direção, de lábios curvados naquele

sorriso tão sexy, Mindy pôs-se de pé,

com o coração às cambalhotas.

Bateu com a mão no peito, os olhos

arregalando-se. “És tu!”

“Sim.” Ele continuava a aproximar-

se. “pelo menos, era, da última vez que me vi.”

Mindy olhou para ele, especada.

Tinha a certeza que o chão lhe fugia

debaixo dos pés. Ela sabia que a

aparência dele, a simples visão da sua

imagem fazia desaparecer o resto do

mundo. Só ficava ele, o bater do

coração e a sua incapacidade de se

centrar noutra coisa.


Era desse modo poderoso que ele a

afetava.

A chama lenta nos seus olhos

comprovava que ele sabia disso.

“Fomos interrompidos.” O seu

sotaque escocês era suave e forte, mais

acentuado que o normal, e – ela engoliu

em seco – de tal forma sexy que fazia

com que as suas parcas palavras

parecessem uma declaração de amor

eterno e de devoção.

Ou a sua intenção de a devorar.

Arrepios corriam pela sua pele, só

com esse pensamento. Com um calor a

percorrer-lhe a barriga, a sua reticência

natural em não se querer apaixonar por

um Highlander simplesmente se

evaporou.

Mas isso não quer dizer que as

reticência não fossem válidas.


Eram, por isso…

“Não precisa de me beijar de

novo.” Ela refugiou-se atrás do sofá. Se

ele a tocasse, ela estaria perdida.

“Beijar?” Os seus ombros largos

bloqueavam a porta da cozinha. Um puro

sorriso pecaminoso negava a nota de

espanto na sua voz.

Ele não estava nada surpreendido.

Estava divertido.

“Mindy, moça.” Ele levantou as

mãos, palmas para fora. “Não te

beijarei, se o não desejares.” Ele deu uma olhada ao sofá de xadrez, os


olhos

brilhavam. “Mas não me digas que já te

esqueceste que nada me afastará de ti, se

desejar estar a teu lado?”

Mindy engoliu em seco.

Tinha-se esquecido.

Lembrava-se muito bem de quando o

encontrou imponente a não mais que um


palmo de distância. Gibbie também se

movimentara à velocidade da luz.

Agora, o cão estava esparramado no

sofá, o seu corpo cinza desgrenhado

ocupava o espaço até ao último

milímetro. E parecia que ele queria ficar ali por um bom pedaço de tempo.

O seu dono passava os braços pelos

quadris de Mindy.

Ela ficou rija, um formigueiro quente

percorria-lhe o corpo. “Disseste que

não me ias beijar!” Ela olhou para ele,

vendo, de imediato, que ele sabia que a

enlouquecia de desejo, como ele próprio

dizia.

Quem falava assim?

A não ser que ela deseje?

Ela deixou sair um ar apertado. Ele

fazia-a pensar que estavam a representar

uma cena de um novela romântica

histórica. Ela era a heroína resistente,


mas em breve tomada e possuída e ele

era herói incrivelmente sedutor,

preparado para cavalgar com ela até ao

pôr-do-sol. Ou, no caso dele, carregá-la

ao ombro e subir as escadas de caracol,

até à cama de dossel da torre do castelo.

E que Deus lhe valesse, quase

desejou que ele o fizesse.

~*~

Os leitores que gostam das minhas

novelas do clã MacKenzie devem

adorar a minha novela que revisita o

mundo da minha popular série dos

MacKenzie:

A subjugação de Mairi MacKenzie

Regresso à Série Kintail, #1

Um amor proibido, tão poderoso

que os pode destruir aos dois.

Mairi MacKenzie pode trazer os

mortos de volta à vida. Mas a sua fama é um fardo demasiado pesado para
suportar, e ela refugia-se no antigo

broch de Dunwynde, o Glen of Winds, o

seu lar secreto. São muitas as razões

para se esconder do mundo, permitindo

que as pessoas acreditem que é uma

alma penada. O clã MacKenzie protege-

a como um dos seus tesouros mais

preciosos.

Apenas Mairi sabe quão indigna ela

é da devoção do seu clã.

Sir Gare MacTaggert apenas deseja a

redenção. Em tempos tido como um dos

maiores guerreiros da Escócia, há anos

que não levantava uma espada, por

causa de uma tragédia em campo de

batalha, que lhe arrancou o coração.

Tudo o que lhe resta é o seu clã e o seu

lar,e agora pode perdê-los, também. A

coroa escocesa quer o seu canto do

reino fortalecido e, por isso, um um


decreto do rei ordena-lhe que forje uma

aliança – através de casamento.

No entanto, a sua honra não lhe

permite casar com qualquer mulher,

morto, como está, na sua alma. Ele

procura a ajuda da alma penada de

Glen of Winds, mas antes que ela

consiga restituir-lhe a vontade de viver,

eles têm que enfrentar um desafio maior:

o amor proibido que os pode destruir.

Pode, também, gostar dos contos

mágicos de Allie…

Cair no Tempo

Quando o amor chama através das

eras…

A aspirante a escritora, Lindy

Lovejoy, sabe tudo sobre finais felizes.

Mas, ao viajar para a Escócia para

pesquisar a cultura celta e os seus mitos,

nunca esperou viver o seu próprio


romance de livros, até que uma paragem

na Cave Smoo a envia de volta no tempo

e para os braços de Rogan MacGraith,

um herói das Highlands, que queimaria

as páginas do mais tórrido romance.

A sétima irmã

Uma história de amor, lenda e magia

Para dar uma volta à sua sorte, a

artista Americana, Maggie Gleason,

regressa à Irlanda com a esperança de

pôr para trás das costas as suas mágoas.

Em vez disso, revisitar a vila de

pescadores, que a encantara doze anos

antes, apenas reabriu as suas feridas –

até que a inesperada aparição do

proprietário travesso do pub, Conall

Flanagan, lhe provar que a velha ilha é

um lugar mágico, onde tudo pode

acontecer e que o amor aguenta sempre

as provações do tempo.
Sobre a Autora

Allie Mackay é o pseudónimo da

escritora bestseller do USA Today, Sue-

Ellen Welfonder, que escreve romances

sobre Escócia medieval, com o seu

nome verdadeiro. Uma antiga comissária

de bordo, tem três grandes paixões: a

Escócia, o universo paranormal e os

animais. Todas podem ser encontradas

nos seus romances medievais e

paranormais que ela escreve, com o

nome Allie Mackay.

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(Sue-Ellen Welfonder)

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Allie Mackay

(A ordem é descendente, os títulos mais

recentes são os do topo)

Série de O Legado de Ravenscraig

Highlander na sua cama

Highlander nos seus sonhos

Alto, Moreno e Kilted

Algumas Gostma de Kilts

Série Os caça-fantasmas das Highland

Guerreiro Assombrado

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(A ordem é descendente, os títulos mais

recentes são os do topo)


Novelas

A Subjugação de Mairi MacKenzie

(Ventos das Highland, Antologia de

Inventários de Cridhe)

Era uma vez um Natal nas Highland

A sétima irmã

Cair no Tempo

Um homem, uma mulher, e Haggis

(Antologia dos Contos do Amor w/ Lori

Foster)

Série Escoceses Escandalosos

Era uma vez um Natal nas Highland

Amar um Highlander

Desejar um Highlander

Trilogia: Os Guerreiros das Highland

Pecados de um demónio das Highland

Tentação de um patife das Highland

Sedução de um Guerreiro das Highland

Série MacKenzie

Demónio de Kilt
Noiva da Besta

Apenas por um cavaleiro

Até que chegue o cavaleiro

Noiva para um cavaleiro

Seduzindo uma noiva escocesa

Tentação de um Highlander

Trilogia MacLean

Cavaleiro na Cama

Senhor das Highlands

Casamento para um cavaleiro

Copyright 2006, 2015 by Sue-Ellen

Welfonder/Allie Mackay

Edição E-book Edition, Direitos da

autora (2015) Sue-Ellen

Welfonder/Allie Mackay

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Elogios a Allie Mackay
Dedicatória
Agradecimentos
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo três
Capítulo Quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo Sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo Dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo catorze
Capítulo quinze
Capítulo Dezasseis
Capítulo dezassete
Capítulo dezoito
Epílogo
Nota da autora
Excerto ~ Algumas Gostam de Kilts
Cair no Tempo
Sobre a Autora
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