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O QUE A PRAGA
FAZ COM A GENTE E O
Q

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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O QUE A PRAGA FAZ COM A GENTE E O QUE A GENTE FAZ COM A PRAGA
Estamos diante de uma pandemia, não digo que sem precedentes pois infelizmente a
história relata algumas pestes que mataram milhões de pessoas, 1epidemias como: a Febre Tifóide
(Egito 430 a.C.), matou um quarto da população; Febre Antonina (165-180) provavelmente varíola,
matou 5 milhões; Peste Justiniano, a primeira contaminação registrada de febre bubônica, matou
10 mil pessoas por dia; Peste Negra (1300) matou 20 milhões de pessoas em 6 anos. As 2pandemias:
Cólera; Gripe (asiática, espanhola, aviária, suína); Tifo; e agora a COVID19.
A questão é que, em pleno ano 2020, o mundo inteiro se está diante do mesmo problema,
em busca das mesmas soluções: salvar seus habitantes e sua estrutura social e econômica. O que a
praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga? Praga aqui não significa maldição, mas uma
crise devastadora provocada pela pandemia.
A primeira constatação que chegamos é que somos muito pequenos e limitados diante de
algo microscópico com poder de devastar o mundo. Todavia, assim como anteriormente o ser
humano se reergueu, assim também poderá se reerguer novamente. Esse simples material sugere
formas práticas de passar por isso da melhor maneira possível, bem como responder questões que
muita gente está se fazendo: por que algo que sempre desejei, ficar em casa descansando, está me
provocando tanta angustia? Como explicar para meus filhos que eles não tem aula, mas não estão
de férias? Esse medo que sinto tem pertinência? De que forma posso me adaptar e tornar a
quarentena um tempo precioso e produtivo? Como evitar desgastes no convívio próximo?

O CONFINAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


Estou preso! Não numa grade ou numa gaiola, mas preso está o meu direito, preso
está a minha vontade, preso por acaso ou merecimento, sem acesso à liberdade.

Qualquer confinamento, seja voluntário ou não, pode acarretar impactos sociais e


psicológicos na vida do confinado. A supressão ou redução da liberdade atinge o indivíduo de muitas
formas. Um exemplo disso são as ditaduras que limitam o ir e vir dos cidadãos, que mesmo tendo
suas necessidades básicas supridas, muitos arriscam a vida para sair de lá. O fato é que a proibição
causa no ser humano uma espécie de castração e agonia. Gostaria de apresentar alguns casos de
enclausuramento (sem me ater em cada um deles) apenas como exemplos.
Desde crianças somos expostos a essa realidade, por exemplo, castigo definido por um
período de privação de liberdade. Alguns mais comuns: ficar olhando para a parede por
determinado tempo; ficar no quarto durante algumas horas; ser proibido de fazer algo que muito
preza como, ver televisão, brincar com amigos, usar o celular, etc. Normalmente esse tipo de
disciplina, causa e efeito, apresenta bons resultados, todavia se a motivação não for a correção sadia
e consciente, pode acarretar consequências psicológicas. Há casos em que os pais usam esse artifício
para a criança não “incomodar- vá para seu quarto e não saia de lá. Há casos que usam a disciplina
como um tipo de vingança – não fez o que eu queria, vai ficar sem celular uma semana. A
inflexibilidade também é altamente danosa. Uma criança urinou na roupa porque a mãe não
permitiu que ela saísse do castigo para ir ao banheiro. Outra não pôde participar da Ceia de Natal

1 E pi d e mi a c o nta mi naç ão l o cal i zada .


2Pandemia contaminação por vários locais, continentes e até global.

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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porque o pai exigiu que ele ficasse no quarto pois estava de castigo. Atitudes como essa podem
produzir danos psíquicos como baixa autoestima, medo, fobias...
O confinamento involuntário mais comum trata-se do cumprimento de pena por crimes
praticados. Em todas as modalidades, 3regime aberto ou fechado, a reclusão pode ser
extremamente penosa. 4Pesquisas consideram que ”prisioneiros possuem taxas mais elevadas de
transtornos mentais, quando comparados com a comunidade [...] A literatura internacional aponta
a religiosidade como um elemento protetor da saúde mental. Estudo com mulheres presas em
Ribeirão Preto/SP encontrou que não praticar alguma religião multiplica o risco de ter depressão
moderada especialmente entre mulheres jovens”. O isolamento na instituição prisional faz parte de
uma cadeia de fatores promotores da instabilidade emocional e psíquica, entre tantos sintomas
identifica-se depressão, culpabilidade, agressividade, revolta, baixa autoestima, medo, elevado
nível de ansiedade e estresse.
Há o confinamento voluntário, quando o indivíduo se engaja em um desafio, como por
exemplo um reality show. Apesar da livre e espontânea vontade, essa situação nem sempre é
confortável e tranquila, ao contrário, pode desencadear uma série de sintomas de caráter
depressivo, ansiedade, medo, crise de identidade, além de potencializar quadros psicológicos já
existentes. “Foi um alívio sair. Eu sentia tanta falta da liberdade e, quando saí, já não sabia o que
fazer com ela” (Ator Dudu Pelizzari que participou do reality em 2010 "A Fazenda”.
Outro confinamento voluntário acontece quando o indivíduo se isola em busca de um
objetivo espiritual ou emocional através de práticas como meditação, rituais, silêncio, jejum,
exercícios mentais, etc. Esse cerceamento, apesar de satisfatório, também causa certa angustia,
especialmente nos primeiros momentos ou dias. Há toda uma restrição e um refreamento do estilo
de vida e comportamento do indivíduo carecendo de uma adaptação. O testemunho de pessoas
que optam por práticas como essas quase sempre começam com a frase “nos primeiros dias foi
muito difícil...”. O mesmo se aplica às pessoas que ingressam em um SPA para um programa de
emagrecimento ou reeducação alimentar. Elas desejam e pagam para estar lá, mas sentem uma
sensação de desconforto e aprisionamento.
E por fim o confinamento compulsório para a proteção, prevenção e bem estar. Este pode
ser aplicado em várias situações. Por exemplo, internamento numa clínica de tratamento de
dependência química; internação de doentes se convalescendo; ou ainda, a reclusão de pessoas em
situações de risco, como é o caso que vamos tratar aqui, a famosa quarentena. Esse termo, segundo
5
Mark Harrison, provavelmente foi inspirado no texto de Jesus no deserto, onde permaneceu por
quarenta dias, jejuando e orando, assim o fez com a intenção de preparar-se para seu ministério
(Lucas 4.1-13). Na verdade a prática, denominada “quarantino” surgiu em Veneza no século XIV,
quando a 6Peste Negra (conhecida por esse nome por ser transmitida pelas pulgas e ratos pretos)
se espalhou pela Europa. A cidade aplicou a regra de que os navios precisavam ficar ancorados por
quarenta dias antes dos passageiros e da tripulação desembarcarem.

3 R eg i m e a b er to , o de te nt o é a ut or i zad o a t er vi da s oci al e tr ab al har , mas de ve dor mi r na i nsti t ui çã o d e r ecl u são .

Reg i m e f ech ad o, o d et en to não po ssui p er mi ssã o d e sai r da i nsti t ui çã o pr i si o nal .


4 Ar ti g o “ O i m pac to da pr i sã o na saú d e m e ntal d os pr eso s d o e stad o d o Ri o de J an ei r o ”
5 Pr o fe ssor de hi stór i a da m edi ci na na U ni ver si da de de O xf or d .
6 Pa nd e mi a d e 1346 -1353, qu e ma to u d e 75 a 200 mi l hõ es de pe ssoa s na E ur asi a

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Além da quarentena, muitos médicos se dispuseram a atender os


pestilentos com risco da própria vida. 7Adotavam para isso roupas e
máscaras especiais.
Curiosidade: As máscaras tinham esse nariz comprido tipo um
“bico” pois nele eram colocados aromas para suavizar e poupar o médico
do forte odor causado pela doença. A vara servia para tocar o doente de
uma distância segura. Os médicos (que nem sempre eram médicos
verdadeiros) eram contratados pela cidade para tratar dos enfermos,
pobres ou ricos. Muitos deles morreram no contágio da peste, apesar do
aparato.

O QUE A PRAGA PRODUZ EM NÓS E O QUE NÓS PODEMOS PRODUZIR NA PRAGA


Há dois pratos em uma balança, dois lados em uma moeda,
Sempre há algo ruim e bom na crise.

Depois que as autoridades chinesas colocaram as regiões afetadas em quarentena, muitos


países reconheceram que a melhor forma de evitar a propagação seria conscientizar as pessoas a
ficarem em casa e reduzir ao máximo a mobilidade daqueles que precisam sair.
O confinamento é eficaz, mas também causa impacto psicológico e social. “Quando estamos
confinados, perdemos a nossa rotina, reduzimos a nossa atividade física e, em caso de quarentena,
as pessoas podem ser vítimas de stress pós-traumático, irritabilidade, angústia e insônia”, explica
Chee Ng, professor de psiquiatria da universidade de Melborne e colaborador da Organização
Mundial da Saúde (OMS). Alguns locais estão registrando aumento nos índices de violência
doméstica. Não apenas na China, mas muitas pessoas tem recorrido ao atendimento psicológico
para conseguir lidar com os efeitos do isolamento físico na saúde mental.
Além das consequências psicológicas também somos afetados fisicamente,
socialmente e espiritualmente. A boa notícia é que há possibilidade de nascer
coisas maravilhosas numa situação de confinamento.
Shakespeare escreveu os sonetos durante a peste de 1592. Nesse período a
Inglaterra foi assolada por uma epidemia denominada 8Praga de Londres, e
os teatros ficaram fechados. 9Algumas companhias teatrais faliram, outras se
juntaram para sobreviver. Shakespeare ficou em Londres, quando escreveu
“Vênus e Adônis”, “O rapto de Lucrécia” e o “Rei Lear”.
Outro grande benefício oriundo de um período de praga, foi o
10
Cálculo, descoberto por Isaac Newton, que refugiou-se em sua terra natal Woolsthorpe durante a
Peste Negra. Newton reconheceu os princípios subjacentes ao movimento dos corpos do sistema
planetário, conjecturou a existência da força gravitacional e determinou que a luz solar branca é
composta de todas as outras cores, indo do vermelho ao violeta.

7 A _P hysi ci a n_ W ear i ng _a_ S eve nt e en th _C en tur y _Pl ag ue _Pr ev e nti v e_C ost u me _ W DL3957. p ng (w i k p édi a)
8 Praga de Londres ou peste bubônica, transmitida por uma bactéria no rato, dizimou quase de 75 mil a 100 mil pessoas.
9 Fonte; artigo de Gilberto Cruvinel.
10 Ferramenta matemática para analisar fenômenos que abrigam um ou mais componentes da física.

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ESTRATÉGIAS PARA RECONHECER OS PROBLEMAS E CONTORNÁ-LOS


FRUSTRAÇÃO E TÉDIO. A alteração do estilo de vida e da rotina diária pode provocar uma
desorientação e apatia. A rotina é muito importante na vida do indivíduo.

Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã. Me sorri
um sorriso pontual. E me beija com a boca de hortelã". ("Cotidiano" Chico Buarque)

O que parece tedioso na rotina diária é o que nos equilibra pois a repetição de
comportamentos permitem uma organização física, emocional e social, permitindo uma sensação
de controle. "Quando não temos uma rotina levamos o corpo a um estresse, pois ele não consegue
organizar as funções metabólicas. Por exemplo, o organismo não sabe quando vai receber um
alimento, então libera hormônios anabólicos para armazenar a comida já ingerida", explica a clínica
geral Camila Pinto. As rotinas são fundamentais a partir do nascimento.
Há possibilidade de estabelecer uma rotina alternativa em tempo de confinamento. Tanto
aquele que mora sozinho como famílias podem construir uma base de atividades e tarefas. Isso
fornece uma sensação de segurança, unidade e dinâmica.
Para crianças. É importante elas saberem que não estão de féria por isso não podem viajar
e realizar atividades que normalmente fariam nesse período. Esconder a situação das crianças não
é poupá-las, mas confundi-las. Hoje, muitas crianças tem acesso a internet e redes sociais, sendo
assim é importante que sua curiosidade sobre o assunto seja atendida, obviamente, não precisamos
usar uma “bomba de realidade”, mas mostrar que todo o mundo está se protegendo de uma doença
que pode ser dominada e exterminada, como já aconteceu no passado, se todos cumprirmos nossa
parte. Com uma informação objetiva e verdadeira, elas vão compreender melhor as limitações e se
sentirem mais seguras. Algumas sugestões para crianças e adolescentes.
1. Hora de estudo. É um momento precioso de reforço escolar. Rever matérias nas quais há
dúvidas. Uma ou duas horas por dia é muito útil. É uma grande oportunidade de exercitar a
leitura e interpretação de texto. Oferecer (de acordo com a idade) um texto, pedir para
lerem e depois explicarem para a família o que leram. É possível até uma interpretação
lúdica. Alguns adolescentes dizem: vou ter que estudar nas férias, então agora não quero
fazer nada. Há uma lógica se não houvesse a imposição da quarentena, mas como há, incluir
o benefício da rotina reduzida de estudo nesse período é muito sadio.
2. Hora da responsabilidade. Arrumar o quarto, o armário, os brinquedos. Ajudar em alguma
tarefa. É uma grande oportunidade de incluí-los no funcionamento da casa.
3. Hora de exercícios. Quem mora em casa e tem quintal privativo, fica mais fácil. Quem mora
em apartamento também pode lançar mão de alguns recursos (ver na internet), para
movimentar o corpo.
4. Atividades diversas. Empresas e profissionais estão disponibilizando atividades direcionadas
a várias faixas etárias. Pode ser um bom momento para desenvolver a criatividade e
despertar interesses.
As atividades podem ser feitas em família, isso é um privilégio através do qual é possível
estreitar a comunicação e a interatividade, e tão negligenciado nos nossos dias.

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E se as crianças ou adolescentes se negarem? Vivemos uma época de crise e até então, não sabemos
como as coisas vão se desenvolver, por isso, tentar convence-los da importância desses movimentos
é prepará-los para um desfecho breve ou prolongado da crise.
Com adultos. O princípio é o mesmo. Estabelecer um cronograma e uma agenda diária que inclua
atividades diversas. Como já mencionei, muitos profissionais e instituições estão oferecendo cursos
os mais diversos: idiomas estrangeiros, música, dança, yoga, artesanato, planejamento,
maquiagem, jardinagem, gastronomia, etc. Até cursos de extensão e profissionalizantes. Sendo
assim é possível reservar uma hora para atividades físicas, intelectuais, e relaxantes. Talvez esse seja
o momento de descobrir seus talentos e aperfeiçoar seus conhecimentos. Algumas editoras estão
oferecendo literatura, uma ótima oportunidade para recomeçar a prática da leitura.
ANSIEDADE E ESTRESSE. A ansiedade é basicamente motivada por necessidade de controle e medo
superdimensionado.
“Não andem ansiosos por coisa alguma...” (Filipenses 4.6)

O controlador vive uma ilusão pois não é viável ter domínio em


todos os aspectos da vida. "Nem mesmo a pessoa mais poderosa
do mundo consegue ter controle de tudo", disse Hélio Roberto
Deliberador, professor do departamento de psicologia social da
PUC-SP. Quando há mudanças imprevistas na vida, especialmente
no caso que estamos vivendo, existe uma possibilidade de aumento
exponencial da ansiedade. Não saber quanto tempo, nem como, ou
ainda, o que o futuro próximo nos reserva em termos de saúde,
economia, segurança, pode ser desesperador.
A consciência que não temos controle sobre a vida é algo libertador, como diz o texto bíblico,
“quem de vocês, por mais que se preocupem, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?”
(Mateus 6. 27). Cientes disso conseguimos assim relaxar e enfrentar com mais serenidade e
praticidade as situações difíceis. Falta de controle também produz medos superdimensionados,
como: contrair uma infecção, falta de comida, a vacina não vai chegar, animais são transmissores,
fim do mundo, apocalipse zumbi... medos superestimados e medos irracionais.
De que forma podemos lidar com a ansiedade?
O primeiro passo é saber que há coisas que podemos controlar e outras que não podemos. O que
podemos controlar no caso de uma crise como a que estamos vivendo?
 Podemos controlar nossas atitudes e movimentos que devem se basear nas orientações dos
órgãos oficiais e autorizados. Não vou especificar aqui quais são elas pois as diretrizes
podem mudar de acordo com a evolução ou involução do quadro, portanto, precisamos nos
manter informados.

 Por que o isolamento é importante? Se eu vejo que ruas estão vazias e não acho que é
nenhum problema sair, pode realmente não ser, mas se 500 pessoas no meu bairro
pensarem assim, já temos uma aglomeração e um risco de contaminação. Ser comedido em
relação à mobilidade é uma atitude de prevenção e também de solidariedade, para mais
cedo poder voltar à vida normal. Nessa hora cabe o bom senso.

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 Podemos controlar nossas preocupações. Há preocupação sadia e pertinente e preocupação


demasiada que só produz angustia. O texto abaixo não nega a importância de comer, beber,
se vestir, mas o bem estar é nossa prioridade. Se não tivermos carne, comeremos ovo, se
não tivermos ovo, comeremos pão, se não tivermos pão, comeremos cenoura... e se não
tiver nada é porque o mundo já acabou e não há mais nada a fazer.
“Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio
corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida e o corpo mais
importante do que a roupa?” (Mateus 6.25).
Como já disse a necessidade do controle e de se proteger leva as pessoas a entrar em pânico e
fazer grandes estoques colaborando com a escassez da alta de produtos prejudicando assim os
menos afortunados. Até onde essa sensação de que vai faltar alimento é coerente e até onde está
se tornando uma 11paranoia? A mente nos faz acreditar que alguns bens estarão indisponíveis e
fazemos de tudo para consegui-los. Se colaborarmos para que não falte suprimentos, a crise pode
durar pouco tempo ou muito tempo, mas teremos como suprir nossas necessidades básicas.
 Fazer um planejamento. Neste momento cabe fazermos uma lista de nossas prioridades e
deixarmos de lado aquilo que poderemos negociar posteriormente. A mente age por
impulso e a ansiedade nos impele a comprar. Pode ser um bom momento para avaliarmos
ganhos e gastos, e tentar reduzir o que está em excesso. Muitas pessoas estão preocupadas
com seus empregos, atividades, graduação, estudos, eventos, etc. Pense que todas essas
coisas não foram canceladas, e sim adiadas. Não adianta ficar especulando e sofrer por
antecipação.

 Organização. Nosso ambiente familiar ou de trabalho reflete nossa situação emocional e


personalidade. Sendo assim, é uma grande chance você organizarmos a casa, armários,
documentos, fotos... essa atividade vai preencher parte da nossa agenda como também
mostrar o que se pode desapegar e, quem sabe, abençoar alguém. A organização e o
desapego deixa o ambiente mais leve e consequentemente você também. Lembramos que
o apego colabora para o medo de “perder coisas” e isso traz angustia.
O estresse na quarentena.
Estresse é uma resposta física, liberando uma mistura de adrenalina , cortisol e norepinefrina.
Pode ser uma reação normal e até ajudar a pessoa no seu desempenho. Todavia quando o estresse
é muito intenso isso altera nosso estado de forma brusca e incômoda. Sensações de irritabilidade,
medo, frustração, nervosismo, preocupação. Enquanto a ansiedade é um sofrimento pelo futuro, o
estresse é um sofrimento pelo presente. Foi observado episódios de transtorno de estresse pós-
traumático (TSPT) após a epidemia 12SARS em 2003.
 Respeito ao espaço e privacidade. Os confinados devem fazer coisas juntas, mas também
precisam de espaço e privacidade. Nem todo mundo quer participar do caraoquê, ou fazer
exercícios, ou correntes, enfim... tente manter alguma privacidade. Tente ficar alguns
minutos sozinho. Desligue a TV, o celular, e relaxe.

11 Paranóia são pensamentos influenciados pela ansiedade e medo, por vezes com delírios e irracionalidade.
12 SARS - síndrome aguda respiratória grave.

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 As pessoas reagem diferentemente às notícias. Tem gente que gosta de postar coisas
engraçadas; outras que desejam acompanhar tudo que está acontecendo; há ainda aqueles
que não querem falar no assunto. O respeito ao outro é importante. Forçar, criticar, cobrar,
tentar impingir opiniões, discutir, só eleva o estresse. Vamos aproveitar a oportunidade para
entender que as pessoas reagem de formas diversas.

 Evite o excesso de notícias trágicas. O fluxo de informações que provocam ansiedade foi
denominado pela OMS de infodemia. Saber o que está acontecendo não significa ficar
obcecado por informações. Há muita notícia, postagens, orientações circulando e nem todas
são fieis e pertinentes. Aumentam as teorias de conspiração e especulações. Vale observar
o quanto tempo gastamos com esse tema, seja na internet, em grupos, em redes sociais,
televisão. Dados contraditórios podem causar confusão e medo, além de atitudes
precipitadas, como auto medicação.

 Pensamento negativo. O pensamento recorrente de que tudo vai dar errado. É o fim do
mundo. Todos vão morrer. O país não vai se recuperar. Os profissionais de serão
contaminados. Vou a falência... Realidade é diferente de pessimismo. “Quero trazer à
memória o que pode me dar esperança”. A realidade está complicada sim, mas o mundo se
recuperou de muitas catástrofes. Você certamente já vivenciou algum momento difícil,
talvez já esteve em alguma situação que não parecia haver solução, mas você está aqui. Algo
ruim já lhe aconteceu, mas algo bom também lhe acontece, traga isso à sua memória. Leia,
veja filmes, converse sobre histórias de vitórias e superação. Seja uma realista otimista.

SOLIDÃO. “É impossível ser feliz sozinho”. O verso imortalizado por Tom Jobim na música
Wave valoriza a importância de convivermos em grupo.

“Solidão sou eu sem mim” (AF)

Durante o isolamento ou o distanciamento social pode-se


desenvolver um sentimento de solidão. Isso se torna mais
forte ainda se o indivíduo já for solitário. A solidão se ramifica
para outros sentimentos nocivos como abandono, menos
valia, improdutividade...
 Fique em contato. Terapeutas, conselheiros, líderes religiosos, e mesmo pessoas solidárias
estão se dispondo a conversar pela internet ou telefone com aqueles que se sentem
solitários. Movimentos de apoio e participação ao redor do mundo: pessoas cantando e
músicos tocando, nas janelas e varandas de suas casas; correntes de oração; palmas para
profissionais de saúde e outros que estão trabalhando nos serviços essenciais; mensagens
colocadas nas portas, nos elevadores... enfim, não se isole, não tenha vergonha de pedir
ajuda. De repente você já se sentia assim há algum tempo - aproveite a oportunidade. De
repente você pode se dispor a “visitar à distância” alguém, se oferecendo para fazer uma
compra; deixando um agrado na porta; acenando da varanda; ouvindo quem precisa ser
ouvido...

 Solitude. De repente você se viu sozinho(a), por uma contingência de morar só e precisar
permanecer em casa. Primeiramente pense que isso vai passar. Pense em investir na sua

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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maturidade emocional e crescimento interior através do convívio da sua própria solidão.


Ouça-se; entre em contato com seu eu interior. Meditação, oração, reflexão, relaxamento,
pode ser algo que estava precisando. Mantenha contato, conforme sugerido no item
anterior, mas também use esse tempo precioso para você. A solitude é a reclusão e o
isolamento voluntário ou imposto que não causa sofrimento ao indivíduo.
NECESSIDADE X SOLIDARIEDADE. A crise provoca o que há de pior e o que há de melhor em nós
mesmos.
“Farinha pouca meu ‘irmão’ (pirão) primeiro” (anônimo)

O ditado parafraseado acima está longe de ser uma realidade. O primeiro impulso do ser
humano é na direção de si mesmo e daqueles a quem ama. Isso é normal, não significa que você é
egoísta e insensível, todavia a dificuldade traz a lume nossas sombras, o que há de pior em nós
mesmos. Comida, segurança, vacina, remédio, atendimento, primeiro para nós, se sobrar, para o
outro. Por isso em muitos lugares os mercados estão vazios; pessoas sem conseguir se abastecer;
remédios esgotados. Por outro lado a crise também desperta em nós um espírito compassivo. De
que forma podemos trazer equilíbrio entre nossa necessidade pessoal e a prática da solidariedade?
 Reveja suas prioridades. Uma crise como essa atinge economicamente a todos e nos desafia
a revermos nossas prioridades. Quanto podemos poupar? Quanto podemos gastar? O que
podemos negociar? Quanto podemos dispor para ajudar o outro?

 Olhando pelo próximo. Sabe aquele valor que você normalmente gasta comprando coisas,
ou com lazer, viagens, etc. Se você tem uma reserva ou um salário fixo, que tal separar um
pouco e dar um destino altruísta? Há pessoas que só recebem ao prestarem serviços.
Algumas prestam serviços para nós. Uma sugestão é adiantar o valor e depois o profissional
nos compensar. Se o profissional tem condições de oferecer o serviço on line, podemos,
dentro das nossas possibilidades atuais, pagar por esses serviços integralmente ou negociar
uma redução do valor.

 Cesta básica solidária. Todo mundo que tinha algum dinheiro já foi ao mercado fazer sua
despensa, mas tem muita gente que não conseguiu comprar o suficiente porque não tem
recursos. Uma sugestão, toda vez que formos no mercado, junto com nossas compras,
fazermos uma cesta básica para alguém. Se você já foi e puder ir novamente, faça isso.

 Compromissos. Quem faz parte e contribui normalmente com alguma entidade religiosa
que está cumprindo as recomendações de prevenção e proteção cancelando o
congraçamento, mas transmitindo on line a liturgia, continue contribuindo de acordo com
suas condições atuais. Assim também com instituições beneficentes que dependem de
doações.

O QUE A PRAGA PRODUZ NA FÉ E O QUE A FÉ PRODUZ NA PRAGA


“A fé é coerente, solidária e responsável”

O texto de Lucas 4 de 1 a 13 fala sobre Jesus numa quarentena em um deserto, quando foi tentado
pelo diabo. Resumindo o texto:

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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- Se você é o filho de Deus, manda essas pedras se transformarem em pão, certamente está com
fome.
- Nem só de pão viverá o homem – replicou Jesus.
Então o diabo o levou a um local alto onde lhe mostrou reinos e riquezas.
- Olhe tudo isso! Tudo está sob o meu domínio e pode ser seu, apenas se me adorar. Pense como
será muito mais fácil realizar seu ministério com poder, dinheiro, infraestrutura... estou autorizado
a fazer isso por qualquer um, posso fazer por você...
- Adorarás ao Senhor, seu Deus, e somente a Ele prestarás culto – Jesus não se curvou.
O diabo, não satisfeito, o levou ao lugar mais alto do templo, em Jerusalém e o desafiou:
- Se você é mesmo filho de Deus, se joga daqui, prova seu poder... seu Pai, não vai deixar que nada
lhe aconteça e mandará anjos lhe segurarem, isso está até escrito nas escrituras.
Jesus o olhou e firmemente o advertiu - Também está escrito: Não tentarás o Senhor seu Deus!!!
Em tempos de crise e de desespero, a fé se confunde com insensatez e ignorância. Como
podemos ver no texto, numa interpretação simples, Deus permitiu que Jesus, seu filho, fosse
tentado. Tudo o que satanás falou era verdade: Jesus poderia transformar pedras em pães; sim, o
diabo é o príncipe desse mundo e por isso tem poder aqui e seria bem mais simples pra Jesus fazer
um pacto para ter sucesso rápido e fácil no seu ministério, mas preferiu o caminho estreito, repleto
de dificuldades e descrença; com certeza Deus poderia proteger Jesus, caso ele caísse ou se jogasse
num abismo. Mas Jesus não fez nada disso, pelo contrário, repudiou todas as tentações. Será que
algum crente ou líder faria a mesma coisa?
 A fé a serviço dos meus interesses. Temos visto líderes religiosos e fiéis usarem a fé como
pretexto para atender seus interesses pessoais. A recomendação de não permitir
aglomerações em serviços religiosos como forma de prevenir e proteger as pessoas, são
repelidas, mas essa atitude é fé ou egoísmo? Fé ou irresponsabilidade? Durante a praga da
morte dos primogênitos no Egito, a recomendação era ficar todo mundo em casa “...nenhum
de vocês poderá sair de casa até o amanhecer” (Êxodo 12.22c). Seria fé sair?

 E quem não tem internet? Sabemos que tem muita gente, especialmente idosos e pobres
que não tem acesso a internet para participar dos cultos on line. É necessário passar para
eles é que isso é um período e que vai passar. Hora de ler a Bíblia em casa e meditar. Quase
todo mundo tem um telefone, celular ou fixo, ou alguém na casa tem. Quem não pode
assistir os cultos, pode receber uma mensagem (versículo), uma oração no telefone. Crentes
podem se disponibilizar para fazer isso e assim serem igreja.

Tem gente que acha que só é igreja na igreja.

 Repensar nossos conceitos e valores. Esse não é um apelo religioso, mas de conscientização
da vida. O que realmente tem importância para nós? O que vale olhar um dia lindo sem
poder sair para usufruir? O que interessa termos uma conta robusta, sem poder gastar?
Damos mais importância à roupa do que ao encontro; à festa do que a celebração; a foto no
porta retrato é linda, mas a convivência é ruim; o valor do presente é mais admirado do que
seu significado; status tem mais peso do que a realização pessoal; consideramos mais
aqueles que podem nos retribuir o favor do que aqueles que jamais poderão; valorizamos a

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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quantidade, mas nem sempre a qualidade, a utilidade; consideramos o tempo um inimigo


ao invés de fazê-lo nosso aliado...
Depoimento:
Por volta de 1994 eu havia voltado de um grande evento religiosos onde participei como
palestrante, mas ao chegar em casa, com meus filhos, marido ainda viajando, vi que a geladeira
havia queimado e toda a comida estava estragada, a piscina estava lodosa, a casa toda empoeirada
por conta de um vento, não tinha água na cisterna e a bomba estava ruim, peguei o carro para
comprar algo e a bateria tinha arriado... sai muito chateada chutando pedra e falei com Deus, “só
me faltava essa, fui para um “evento teu” e quando volto encontro tudo desse jeito??? Não é justo!
E enquanto eu estava naquele mau humor, Deus falou bem baixinho no meu coração: Seu problema
é o sonho de muita gente! Acho que se eu imaginasse Deus como um pai ou uma mãe com um
chinelo, seria perfeito. Senti uma chinelada amorosa que doeu, mas me deu um sacode. E a voz
paciente, disciplinadora e afetuosa continuou: Você tem uma casa e saúde para limpa-la; você não
tem água agora, mas amanhã só vai precisar virar a torneira; não precisa pegar três conduções, ou
andar alguns quilômetros para chegar onde precisa, pede um taxi, carona a um vizinho e vai
consertar a bateria, ou espera; não tem comida? Mas você tem amigos, família que receberão você
e seus filhos com muito carinho e ainda tem dinheiro para comprar mais... quer que eu continue ou
você mesma faz isso? Eu percebi naquele momento que não posso focar no que não tenho, e sim
no que eu tenho e no que posso conseguir e no que posso construir; desde então eu tento dar mais
importância ao que eu tenho e ao que posso fazer, e não ao que não tenho ou não posso fazer.

 Qual nosso papel em tudo isso? Um vírus, algo microscópio, está provocando danos no
mundo todo, isso expõe nossa fragilidade, nossa pequenez. A culpa é da China! A culpa é dos
comunistas! A culpa é do capitalismo! A culpa é... NOSSA! Deus construiu um mundo
perfeito, mas nós o deterioramos com nossas escolhas individuais e coletivas. Há quem diga:
mas eu nunca fiz nada, não é minha responsabilidade. Existe uma cumplicidade no mundo,
de forma consciente ou inconsciente. Existem escolhas que afetam apenas a nós mesmos e
outras que afetam pessoas inocentes. Infelizmente vivemos o efeito borboleta, se desejar
assista minha palestra no YouTube, “Escolhas”- Mulheres de Betânia. O momento não é de
apontar culpados, além de não ajudar só reflete a imaturidade emocional da pessoa. O
momento é se unir em soluções. Como? Evitar acusações; não postar ou divulgar
informações sem fundamento ou incompletas. Não sabe bem sobre o assunto? não
comente; se torne um ajudador e não um espalhador. Temos um papel importante no
combate à pandemia, pense no que pode fazer.

 Solidariedade. A fé sem obras é morta. “A fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.
Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e
eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras”. (Tiago 2:17,18). Nós economizamos pra
viajar, para comprar um sofá novo, para adquirir bens... tudo isso é bom e voltará a
acontecer, mas nessa hora a solidariedade é fundamental, especialmente em relação
àqueles que estão próximos e desamparados. A fé é demonstrada por obras. Atos sem amor
também nada significam, sendo assim a prática religiosa em épocas de crise têm a ver com
o movimento FÉ  AMOR  AÇÃO, como podemos ver em 1 Coríntios 13.

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes
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Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e até no céu, mas,
se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o som de um gongo ou
como o barulho de um sino.
Poderia ter o dom de anunciar mensagens de Deus, ter todo o conhecimento,
entender todos os segredos e ter tanta fé, que até poderia tirar as montanhas do seu
lugar, mas, se não tivesse amor, eu não seria nada.
Poderia dar tudo o que tenho e até mesmo entregar o meu corpo para ser queimado,
mas, se eu não tivesse amor, isso não me adiantaria nada.

CONCLUSÃO - O QUE FAZEMOS COM A PRAGA?


ESPERAMOS PASSAR - tudo passa, as coisas boas e a ruins.
OTIMISMO – evitar o pânico, focar em resultados com esperança, manter a calma.
RESPONSABILIDADE – acatar as orientações dos órgãos oficiais.
PREVENÇÃO – fazer uma despensa básica, caixa de medicação básica.
MOVIMENTAÇÃO – física, intelectual, social/virtual.
ORGANIZAÇÃO – incluir rotinas, organizar a casa e a mente.
HARMONIZAÇÃO – evitar brigas, discussões desnecessárias, praticar a tolerância.
ORAR!!!

“E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar

a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus,
e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra” (2 Crônicas 7:14).

Se usar parte desse material, favor citar a fonte

O que a praga faz com a gente e o que a gente faz com a praga – Alda Fernandes

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