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A Perspectiva Religiosa sobre o Sentido da

Existência: Kierkegaard:

Pensador dinamarquês cuja obra tem um só objectivo: esclarecer o que


significa a fé cristã. A fé em Deus é uma forma de vida terrivelmente
exigente porque dá muito mais importância a Deus do que às coisas
humanas e terrenas. Em Temor e Tremor (1843; trad. 1990, Guimarães
Editores), Abraão, exemplo do amor e submissão absolutos a Deus, é
considerado o modelo do homem de fé, pois para ele Deus está sempre em
primeiro lugar e nem o amor a um filho lhe pode ser superior: sem Deus o
homem está condenado ao desespero. Podemos escolher uma vida
dedicada ao prazer e ao divertimento (existência estética) ou ao cumpri-
mento do dever, das obrigações morais e sociais (existência ética), mas o
cristão autêntico aposta no Desconhecido e encontra nessa entrega o
sentido pleno (existência religiosa). A fé cristã é sofrimento. Reina a
incerteza (não sei se Deus existe) e a incompreensão dos outros, pois
colocar Deus acima de tudo implica frequentemente contrariar a moral
socialmente estabelecida. Critica Hegel por este ter querido tornar
acessiveis à razão os dogmas da fé cristã e as Igrejas por a transformarem
num hábito tranquilo e rotineiro.

Kierkegaard Um dos principais representantes do FIDEíSMO, defende que a


fé é superior à razão. Apresenta-nos uma interpretação da sua própria obra
em Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra Como Escritor (1859; trad.
1986, Edições 70).

A resposta da Kierkegaard à questão do sentido da vida é clara: a vida


humana só tem sentido se for orientada pelo cumprimento da palavra e da
vontade de Deus. A entrega exclusiva a objectivos terrenos, temporais e
passageiros é, para o filósofo dinamarquês, desperdício da existência. E
desperdício porquê? Porque, criados por Deus à sua imagem, fomos feitos
para a eternidade. Sem Deus a vida é desperdício porque termina em nada.

A reflexão de Kierkegaard sobre a existência é marcada por uma questão


religiosa fundamental para o filósofo dinamarquês: "Como ser
autenticamente cristão?". Indignado com a superficialidade, a falta de
seriedade e a tranquilidade rotineira segundo as quais o Cristianismo - a
mensagem e o exemplo de Cristo - era vivido no seu tempo.

Kierkegaard expõe uma interpretação da existência humana que salienta as


seguintes ideias fundamentais:

A existência humana só é verdadeira e autêntica se for relação com Deus.


Sem essa relação o homem desperdiça a sua vida e condena-se ao
desespero absoluto;
Essa relação (a que Kierkegaard dará o nome de fé) só terá autenticidade se
for absoluta, isto é, se Deus estiver sempre em primeiro lugar, tornando-se
tudo o resto secundário.

Sendo esta a forma de existência autêntica - a vivência religiosa


genuinamente cristã -

Kierkegaard refere-se também às formas de vida estética (centrada no


prazer) e ética (centrada no dever), não só para, por contraste, explicitar o
que caracteriza e distingue o homem religioso, mas também porque são
formas de existência alternativas que o homem pode escolher como
finalidades da sua vida.

Às formas de existência estética, ética e religiosa dá Kierkegaard o nome de


"estádios no caminho da vida". Estes "estádios" designam determinadas
concepções acerca do mundo e da vida, traduzem opções fundamentais
quanto ao modo como cada homem decide viver a sua vida.

Para Kierkegaard, ser cristão é viver imitando Cristo, seguir o seu exemplo e
não simplesmente admirá-lo. Ora, o que nos ensina Cristo? O amor e a
submissão absoluta à vontade de Deus. O Cristianismo, entendido
verdadeiramente, é, não uma doutrina, mas uma forma de vida
terrivelmente exigente que não admite que as coisas deste mundo tenham
precedência sobre Deus. Tudo o que faz com que Deus passe para segundo
plano é traição ao Cristianismo. As igrejas, ao procurarem facilitar a vida
dos homens, consolando-os e diminuindo-lhes a angústia, "brincaram ao
Cristianismo", falsificaram-no. O Cristianismo não é uma doutrina para
resolver os problemas deste mundo, mas a impaciência angustiada da vida
eterna no outro mundo. As igrejas, e em especial a dinamarquesa, fizeram
do Cristianismo um negócio, transformaram-se em empresas lucrativas de
viagens para a eternidade que só se salvam do descrédito porque não
temos notícias dos "passageiros".

Indivíduo, Sociedade e Temporalidade


Vermeer, Jovem com Brinco de Pérola - 1666

O homem estético orienta a sua vida pelo "princípio do prazer", isto é, pela
procura do prazer, do que é agradável aos sentidos. O modelo do homem
estético é o sedutor, o Don Juan, mas, embora o prazer da conquista e do
gozo sexual seja o mais intenso e o mais procurado, a vida estética pode
também consistir na entrega a fins temporais como o poder e o dinheiro.

O que há de comum entre os diversos indivíduos com preocupações


diferentes para que consideremos que adoptam uma forma de vida
estética?

Vivem para o momento imediato, para o instante que passa e, identificando


a repetição com o aborrecimento, rejeitam voltar a fazer a mesma coisa. O
homem estético é dominado pela imaginação e pela fantasia: sonha com
estados de alma sempre novos, desejando que cada experiência agradável
seja uma absoluta novidade.

Para ele, a arte de viver consiste em escapar à monotonia do "já visto". Esta
obsessão pela novidade, pela diferença, implica uma mudança constante e
a negação de qualquer compromisso ou fidelidade, seja a uma mulher seja
a valores morais e religiosos seja a um ideal social e político. Tudo isto, mais
instituições como o casamento, a família e uma ocupação profissional
rotineira, são insuportáveis, impõem restrições, reprimindo a procura do
prazer (que se pretende indefinida).

Este amor à novidade tem o seu reverso: a satisfação do prazer em


determinado caso é sempre seguida pela insatisfação. A dinâmica infinita do
desejo, o querer que seja sempre mais intenso, transforma cada desejo
satisfeito em melancolia e aspiração a nova experiência satisfatória.
Múltiplas experiências, dispersão na procura do prazer e permanente
insatisfação com o prazer atingido, eis o que caracteriza a figura que melhor
representa este estádio: o sedutor D. Juan, que termina no desespero e na
perdição. À medida que o homem que assim vive se torna consciente da
futilidade e inconsistência da sua vida e deixa de valorizar uma existência
determinada pelas inclinações e caprichos sensoriais, o desespero instala-
se.

O homem ético é orientado pelo princípio do dever. Ao contrário do homem


estético, não pretende estar "além do bem e do mal". Não quer ser
excepção, deseja sentir-se integrado na sociedade em que vive, respeitar as
normas e os padrões comuns: reconhece como sua a moral comum porque
o mais importante para ele é sentir-se ligado aos outros homens. O homem
ético constrói a sua identidade identificando-se com as normas ou princípios
com os quais a maioria dos homens se identifica.

A uma vida caracterizada pela descontinuidade e instabilidade prefere uma


vida consistente, marcada pelo compromisso empenhado nas escolhas
realizadas. A vida para o homem ético é, não uma sucessão desconexa de
instantes, mas algo que a partir do presente se projecta no futuro, sob a
forma de conjunto organizado e planificado.

O estádio ético implica a renúncia às atracções passageiras, aos caprichos


do impulso sensual, aos interesses egoístas e aos devaneios da fantasia.
Viver de forma ética não é fácil e, por vezes, enormes sacrifícios são
exigidos.

A existência estética é essencialmente divertimento e amor à novidade. A


fantasia predomina sobre a razão e a vontade. Guiado pela fantasia, o
homem estético abraça as riquezas, as honras e os prazeres, sendo
irresistivelmente atraído por prazeres imaginados como sempre mais
intensos. Evita pensar sobre si mesmo, não se concentra senão nos seres e
nas coisas que o podem satisfazer e que, mais tarde ou mais cedo, o
desiludem. A vida do homem estético é uma vida à deriva, cujo centro resi-
de na periferia de si mesmo. O "esteta" não é senhor de si mesmo: a sua
existência é governada por contingências externas.

Luís Rodrigues, Manual de Introdução à Filosofia – 11º ano, Lisboa, Plátano Editora.

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