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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém jan./abr. 2018
http://dx.doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04ensaio29
Ensaio
DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04ensaio29
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Para Heidegger (cf. 1998) é o sentido do ser que precisa ser novamente buscado e
reexperimentado, o fenômeno em sentido fenomenológico. Não se trata, pois, na
fenomenologia hermenêutica de Heidegger, do retorno a algum ente específico ou
dimensão, faceta ou ângulo de algum ente para completá-lo ou somar informações.
E sua fenomenologia será hermenêutica, por passar por uma análise da existência
daquele ente que já sempre compreende o ser (o ser humano, que Heidegger
pretende reconduzir a si mesmo, enquanto ele mesmo, através da expressão ser-aí
– Dasein), que habita na proximidade do ser e tende a encobrir essa relação na
vida normal do dia a dia, ou seja, na sua ocupação absorvida com os entes, as
coisas com que lida.
O ser-aí é um ente que já sempre tem aberto seu aí e por isso está na
compreensão e se relaciona com seu próprio ser compreensivamente.
Diferentemente dos outros entes, o ser-aí é aberto, está na luz, está na clareira do
ser, na abertura. Ele não é a luz, mas ela brilha nele (ele compreende o ser). É o
único que é 'aí', que existe. Já as coisas do mundo são, como indica Marx, "na sua
significatividade relacionadas ao ente que tem seu ser como ser-no-mundo. Por isso
as coisas são 'próximas' ao Dasein, estão 'à mão' (Zur Hand, Zuhanden) e tem o
sentido de Zuhandensein" (1961, p. 96).
Desde o início o ser do ser humano precisa ser entendido no seu ser-com outros. O
ser no mundo é com-partilhado e também poderíamos dizer, consensual.
O "Dasein abre a totalidade do mundo, projeta compreensivamente e partilha
lingüisticamente essa totalidade significativa com os outros" (Marx, 1961, p. 98). A
existência acontece desde o início numa comunidade humana que mora numa
determinada abertura cultural, ou seja, que se relaciona com o mundo, com as
coisas e consigo mesmo (seres humanos entre si) através de uma já sempre
compreensão compartilhada e guardada e transmitida na linguagem. Somos ser-
com e nos entendemos a partir desse lugar e tempo compartilhado e tornado
cotidianidade.
Alcançar uma compreensão do ser humano a partir da sua proximidade com o ser,
neste seu modo fundamental, originário, pré-teórico, mostra que não há encontro
entre substâncias isoladas e que os modos teóricos de relação a partir dos quais se
compreende os entes como simplesmente existentes (Vorhandensein) já sempre
são derivados daquele mais originário, que foi naturalizado e entrou no consenso e,
por conseguinte, é pressuposto ou objeto de aceitação pela normalidade.
Com isso não está em questão se o ente ou objeto de que falamos corresponde
realmente àquilo que dele se fala, se está correto o que se diz ou não. Há a
constatação de que o ente (as coisas, o mundo, o ser humano) se torna
naturalmente aquilo que dele falamos. A cotidianidade constitui esse universo de
representações, ou então a abertura compreensiva na qual temos acesso às coisas,
sem que a abertura mesma seja posta em questão, mas, ao contrário, que seja
consolidada através da ininterrupta repetição (falatório) daquilo que constitui a
normalidade da nossa existência. Temos a constatação, portanto, que encontramos
os entes (tudo o que é) não enquanto tais, mas sempre mediados pelo saber que
acumulamos na tradição. E essa tradição é chamada de metafísica.
Para Heidegger (ao menos antes da virada do seu pensar em torno dos anos de
1930), que aqui nos interessa, o ponto de partida para responder à questão pelo
'que é' passa por uma interpretação do ente que já sempre tem uma compreensão
do ser, como já mostramos. Uma analítica da existência, como ele a chama em Ser
e Tempo, que possibilite que a própria questão volte a fazer sentido, que o ser se
torne novamente problema, o que implica numa desconstrução do arcabouço
conceitual tradicional. O ser humano tomar-se-á novamente em consideração, não
no sentido de acumular novas informações e mais precisas sobre si mesmo, mas de
libertar-se do movimento automatizado que os conhecimentos instituem na
autocompreensão cotidiana.
Nesta analítica do ser-aí duas tarefas são importantes, de acordo com a indicação
de Gethmann (Cf. 1993, p. 211): em primeiro lugar, a auto-interpretação do ser-aí
terá de ser feita a partir de categorias genuinamente humanas, não emprestadas
de algum outro empreendimento teórico. Essas categorias serão chamadas de
existenciais; e, em segundo lugar, os entes não humanos também deverão poder
ser compreendidos primeiramente não mais a partir do âmbito do ser-
simplesmente-dado (Vorhandensein), mas sim a partir do ser-para, do utilizável
(Zuhandensein). Tanto o ser do ser humano quanto o ser dos demais entes
passarão pela desconstrução.
Não se trata, por isso, da prática contraposta à teoria (a distinção e conflito vigente
entre teoria e prática), isso porque a distinção mesma já é resultado de uma
teorização ou explicação. Está em questão o reencontrar-se no mundo, na lida
compreensiva. Quando justificamos nossas relações, criamos explicações e
determinamos aquilo com que já sempre lidamos e vivemos, criamos um horizonte
teórico que, aos poucos, cria autonomia em relação ao seu nascimento, à sua
origem e se torna o modo cotidiano e automático com que encontramos as coisas e
a nós mesmos. Fomos, neste movimento, perdendo a capacidade de experimentar
originariamente aquilo de que falamos. Experimentamos derivadamente, não a
partir do dar-se ou apresentar-se das coisas.
Heidegger, ainda em Ser e Tempo, exemplifica o problema com uma reflexão sobre
o utensílio martelo. O utensílio faz parte de todo um contexto referencial e somente
nele é compreendido. Na lida, trato ou manipulação torna-se disponível para um
propósito, útil para algo. Não é primeiro um instrumento teórico, uma posição
categórica, mas é instrumento útil na significação imediata, compreendido
previamente como instrumento. Não é cognoscitiva a primeira relação, mas de uso.
O instrumento é alguma coisa a partir da serventia que tem: para isso ou para
aquilo. Kusch diz que "a atitude teórica está enraizada no fazer prático" (Kusch,
2003, p. 167). Para Nunes
Quando agora Heidegger caracteriza o ser-aí em relação com o mundo, ele está
colocando o ser humano no horizonte do mundo como abertura de sentido,
totalidade de sentido. De acordo com Prauss (1996, p. 12), o mundo é aquilo que
já está originariamente e previamente descoberto na lida prática do ser-aí. Esse
mundo aberto originariamente é que permite a construção posterior de estados
teóricos, derivados deste modo primário prático.
Heidegger acredita, dessa forma, que o teórico está enraizado e se funda no pré-
teórico. A pergunta pelo sentido do ser, pelo ser do ente, tem o propósito de tornar
visível essa condição circular da investigação ôntica. É preciso "quebrar o império
geral do teórico" (Tietz, 2005, p. 41), o que Heidegger pretende com a virada
hermenêutica da fenomenologia. A relação é circular porque não partimos do nada
na nossa relação com aquilo com que nos ocupamos ou que teorizamos, mas já
sempre moramos ou estamos enraizados numa compreensão (do ser das coisas)
que é a condição para esse determinado acesso ou ocupação, mas que permanece
oculto. A fenomenologia hermenêutica de Heidegger é o esforço filosófico de
resgatar essa circularidade que acontece na diferença entre o ente e o ser. Isso
para poder morar autenticamente dentro da circularidade e não para suprimi-la em
nome da objetividade e neutralidade.
É importante lembrar que, além de a existência (o ser humano como ser-aí) ser
essencialmente no mundo, ela tem também a tendência de sucumbir no próprio
mundo, no envolvimento com os entes e acontecimentos do seu entorno. Isso é
especialmente relevante para quem se ocupa com a investigação do ser humano ou
com algum aspecto, parte ou faceta dele. Não há uma relação neutra e indiferente
com o mundo. Nessa tendência ao decaimento e fixação no modo de ser dos entes,
esquecido do ser, o ser-aí se entende impropriamente a partir das coisas e das suas
determinações, do mundo de ocupações com o qual ele mesmo 'tem a ver'. Dito de
outra forma, a existência, em sua conduta, se deixa determinar por aquilo que ela
procura, por aquilo com que lida. Aquilo que já se possui encaminha e determina a
busca para frente. No entanto, não é possível separar o ser humano (aquele que
existe) do mundo, pois não teríamos mais o ser humano como ser-aí, mas como
coisa entre outras coisas, objetificado, portanto. A existência humana é numa
determinada relação com o mundo. A existência está facticamente sucumbida,
decaída no seu mundo e isso não é um fenômeno negativo, como Heidegger (Cf.
1998) irá mostrar, mas é o modo como o ser-no-mundo se realiza efetivamente, na
medida em que não há nenhum lugar externo ao mundo no qual possa se amparar.
TEMPO E ANGÚSTIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez nossa pesquisa seja orientada por pressuposições, necessárias para que a
pesquisa sobre o objeto avance e não fiquemos discutindo o acesso ao mesmo e as
credenciais que temos em relação a ele, e esse é o modo de operar das ciências
dos objetos, chamadas de ônticas. O que a fenomenologia de Heidegger pretende é
fazer aquilo que normalmente não fazemos na nossa relação naturalizada com a
realidade: pensar a própria realidade como realidade e as condições de
possibilidade dos objetos e seus campos. É um retorno para o sentido prévio que já
sempre carregamos numa cultura, numa linguagem, no conhecimento que temos,
que são a condição do nosso acesso ao objeto.
Por isso, tornar o próprio acesso novamente problema é o que sua fenomenologia
em sentido fenomenológico pretende. E estamos implicados radicalmente nesse
acesso. Vem à luz o círculo no qual nos movemos, mas que estancamos na nossa
busca por um lugar final e definitivo para ancorar nossos saberes. Estamos numa
circularidade hermenêutica que nos enraíza na facticidade, na finitude. É como um
jogo de velamento e desvelamento, onde aquilo que se desvela ocupa nossa
atenção de tal forma que perdemos a consciência do que fica velado no
desvelamento. Mas já escrevemos que esse velado não é o objeto ou dimensão dos
objetos ainda não desvelados (e que podem vir a se tornar objeto), mas o não-
objeto, aquilo que não se permite objetificação, mas é o horizonte necessário para
que se possa determinar o objeto como objeto, ou seja, o sentido do ser, a
mundanidade do mundo, a abertura compreensiva na qual o ser humano já sempre
se encontra como ser-aí. A cotidianidade impessoal é o 'lugar' do ocultamento do
ser, embora seja justamente o 'lugar' do desocultamento dos entes. Por isso a
fenomenologia hermenêutica será um retorno para ao velado no desvelamento,
mas sem a possibilidade de reduzi-lo a ente, sem poder circunscrever o horizonte
de possibilidades e assim somá-lo com os demais entes. É entrar no jogo de
ocultamento e desocultamento, voltar para a diferença ontológica no qual ele
ocorre.
Essa circularidade não pode ser eliminada, mas podemos nos esquecer que nos
movemos nela e isolar alguns princípios para servirem de suporte e assim fazermos
de conta que nos situamos num lugar fora do tempo e história. A fenomenologia
hermenêutica de Heidegger é um movimento de retorno para esse encontrar-se já
sempre numa compreensão do que as coisas são ou não são, com a finalidade de
assumi-la autenticamente e não eliminá-la. Assumir esse encontrar-se no mundo
cria a possibilidade de libertar-se do movimento cego e automático que nos guia na
cotidianidade. Neste sentido a fenomenologia hermenêutica de Heidegger pode nos
ajudar nas ciências que tratam do humano a despertar a capacidade de lidar com
os objetos, mas mantendo ao mesmo tempo a atenção para a abertura que permite
os objetos e que sempre por eles é pressuposta. Isso para que reexperimentemos
as coisas como elas se mostram e acontecem para nós.
Referências
Recebido:20/04/2018
Aprovado: 04/07/2018
revistadonufen@ufpa.br
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912018000100008
https://www.conjur.com.br/2015-dez-26/diario-classe-indicacoes-metodo-fenomenologico-
hermeneutico