de que o tempo passa, passou, e os quarenta anos se agigantam como um troféu, afinal, merecido. Encontramo-nos todos reunidos na casa antiga da Praia Vermelha neste dia que voltamos para abrir as salas, acender as luzes, fazer funcionar curtidas retortas, o giz traça um arco no quadro-negro, um cálculo demora a consumar-se. Os mestres nos seus ternos sóbrios abandonam o sombrio retiro e retornam às salas de aula: vêm para a lição do dia, deste dia que buscamos reerguer no perdido calendário do passado. E, assim – a memória tudo pode –, a invisível orquestra reanima a dança das horas antigas. Há notas, há provas, práticas, o rótulo nos frascos, ácidos, venenos, caveiras. A cantina funciona, o bondinho vermelho, lento, temerário, escala o Pão de Açúcar. As ondas quebram-se na Praia Vermelha, e Chopin ouve-lhes a sinfonia. Os cadillacs deslizam na Pasteur com as belas atrizes da Tupi. Os iates multicores dormitam nas águas azuis da Enseada. Despertam as águias e leões da monumental Produção Mineral. Cadáveres mutilados renascem nas mãos dos alunos da Medicina. A tropa de choque espera a fatídica hora de atacar. Ninguém faltou a esse encontro, mesmo aqueles que, porque tiveram de partir, não puderam vir; mesmo aqueles que em vão convocamos. Todos vieram colher a flor, melhor, a saudade, que se ilumina para festejar esses nossos quarenta anos.