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Oficinas de memória

teoria e prática
Beatriz Pinto Venancio
Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga
(Organizadoras)

Oficinas de memória
teoria e prática

Niterói/RJ, 2010
Copyright © 2010 by Beatriz Pinto Venancio e Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga
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V447 Venancio, Beatriz Pinto; Alvarenga, Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker


Oficinas de memória teoria e prática / Beatriz Pinto Venancio; Maria Carmen
Vilas-Bôas Hacker Alvarenga (Organizadoras) – Niterói, RJ: Editora da UFF, 2010.
70 p. : 23 cm. — (Coleção Didáticos EdUFF, 2006)
Inclui bibliografias

ISBN 978-85-228-0680-5
1. Oficinas. 2. Envelhecimento. I. Título. II. Série.
CDD 374.02

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Tania de Vasconcellos
Sumário

Introdução, 6
Beatriz Pinto Venancio e Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

Oficina de memória, início de um projeto, 10


Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

I PARTE: Política, cidade e cultura, 14

Fatos históricos e políticos, 14


Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

Memória e cidade, 20
Renata Amaral de Sá

Memória cultural, 26
Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga e Tatiana Sylvestre Damasceno

II PARTE: Casa, família e objetos, 33

Memórias da casa, 33
Beatriz Pinto Venancio

Memória familiar, 40
ue Ellen Vargas Lopes e Renata Amaral de Sá

Objetos biográficos, 47
Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

III PARTE: Roteiro de temas para as oficinas, 55


Este livro é dedicado aos homens e mulheres
que participaram e participam do Programa
de Extensão UFF Espaço Avançado
Introdução

Beatriz Pinto Venancio e


Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

O envelhecimento da população brasileira tornou-se tema de debates


e despertou a atenção de estudiosos, pesquisadores e profissionais das mais
diversas áreas. Assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, pedagogos e
tantos outros, que atuam diretamente com este grupo etário em projetos
específicos, têm dificuldade de encontrar literatura de apoio sobre o fazer pro-
fissional. No campo da memória, espaço multidisciplinar por excelência, esta
situação torna-se mais evidente. Se no território dos registros de memórias e
histórias de vida encontramos diversos estudos com diferentes enfoques, nas
abordagens diretas com idosos, individuais ou em grupo, são raríssimas as
referências, principalmente no âmbito da memória social. Esta foi a situação
com que nos deparamos no início de nossos trabalhos com idosos.
Como fugir de improvisos e construir um fazer profissional em confor-
midade com critérios éticos, teóricos, políticos e metodológicos? Uma das
tentativas para resolver esta questão nos levou à elaboração do presente
livro. Na verdade, um trabalho de bricolagem, para usar uma expressão de
Bastide (1970). No sentido etimológico, bricolagem é trabalho intermitente,
de ir e vir, recomeçar. O termo é empregado aqui não apenas para fazer refe-
rência a este processo contínuo de coleta, troca e rearranjo das lembranças
narradas em nossas oficinas, mas também ao percurso de produção do con-
teúdo expresso nos textos apresentados. Durante um ano, nos reunimos e
nos debruçamos sobre o que poderíamos chamar de uma vasta literatura da
memória e inúmeros diários de campo com relatos de oficinas de memória
acontecidas no Programa de Extensão UFF Espaço Avançado, voltado para a
população idosa de Niterói e entorno. Trata-se de um programa que envolve
vários departamentos da universidade e, aproximadamente, trezentos idosos.
Abordar o fazer cotidiano em oficinas nos remete a uma extensa
bibliografia nacional e estrangeira que discute metodologias para trabalho
de grupo. Nossa proposta é um pouco diferente. Pretendemos utilizar o
formato de “oficina”, ou seja, de produção coletiva de conhecimento, como
uma possibilidade de desenvolver um trabalho com memória social. O que
não significa o abandono de alguns dos princípios básicos presentes nas
abordagens grupais. Tais princípios promovem a participação, desenvolvem
as relações interpessoais, o respeito ao desejo de falar e silenciar de cada um.
O próprio termo oficina nos remete à ideia de trabalho e, aqui, partiremos
do princípio de que “memória é trabalho” (BOSI, 1979, p. 55).
Vamos um pouco mais além e somamos à memória-trabalho a memó-
ria-diálogo (HALBWACHS, 1990). Estar em grupo nos permite impulsionar
este diálogo entre pessoas, contemporâneas ou não, que relatam várias
versões, apresentando formas diferentes de olhar para o mesmo fato, discor-
dando, concordando ou simplesmente acrescentando novos elementos. Em
oficinas, aparecem também as memórias em disputa e os enquadramentos
de memória,1 os silêncios e esquecimentos (POLLAK, 1989).
Sendo assim, não podemos esquecer que, também em grupo, como
ocorre nos processos de entrevistas de história oral, as pessoas selecionam
suas lembranças, negociam suas imagens com os demais interlocutores da
oficina, reinterpretam seus significados, fantasiam, a partir daquele momento
e para aquele grupo. Marcados pela cultura de seu tempo, trazem tradições,
crenças e mitos, que podem ser familiares, regionais ou nacionais (QUEIROZ,
1988, p. 9).
Então, por que realizar uma oficina de memória social? Entre muitas
possibilidades, poderíamos dizer que utilizamos a memória como mediação:

A memória dos velhos pode ser trabalhada como um mediador entre


a nossa geração e as testemunhas do passado. Ela é o intermediário
informal da cultura, visto que existem mediadores formalizados cons-
tituídos pelas instituições (a escola, a igreja, o partido político, etc.) e
que existe a transmissão de valores, de conteúdos, de atitudes, enfim,
os constituintes da cultura. (BOSI, 2003, p. 15).

Enfim, este livro relata fragmentos da trajetória da Oficina de Memória


Social, iniciada em 1998. As oficinas acontecem uma vez por semana, com
duração de aproximadamente duas horas, reunindo cerca de trinta pessoas,
e são coordenadas por uma assistente social e duas estagiárias de Serviço
Social. O projeto busca possibilitar processos de reflexão sobre a memó-
ria, reconstituir as lembranças de fatos históricos a partir dos relatos dos
participantes, retratar a vida cotidiana das gerações passadas valorizando
as memórias dos idosos, transmitir estas memórias para outras gerações
e, ainda, coletar material para pesquisa sobre a memória social. Cruzando

1
Tentativa mais ou menos consciente de coletividades (partidos, sindicatos, igrejas, famílias,
nações etc.) de manter a coesão interna, reinterpretando incessantemente “o passado em
função dos combates do presente e do futuro” (POLLAK, 1989, p. 7-8).
temas caros aos relatos autobiográficos, mostramos como o processo da
memória se manifesta em diferentes tempos e situações.
Um trabalho delicado como este nos levou ao desejo de socializar a
experiência. Esta é outra razão de o livro ser construído por tantas mãos. Ele
é fruto do empenho de três estudantes entusiasmadas, da assistente social
que coordena o programa de extensão e de uma professora do departamento
de Serviço Social da UFF. É, na verdade, uma prova material do feliz encontro
entre ensino, pesquisa e extensão. Por este motivo, não poderíamos deixar
de agradecer aos inúmeros alunos que passaram pelo Programa. Cada qual,
a sua maneira, contribuiu com registros, dúvidas, discordâncias e atitudes
de curiosidade intelectual.
Enfim, nossa intenção é auxiliar o ensino em sala de aula das práticas
de oficina, especificamente de oficinas de memória, trazendo exemplos e
análises, mostrando desde a preparação até a realização, apontando as
dificuldades, as sugestões de encaminhamento e, ao final de cada capítulo,
a bibliografia que poderá ser consultada. Com isto, queremos socializar a
produção de conhecimento sobre um tema raro nos debates e nos catálogos
das editoras, mas extremamente emergente entre os professores, profissio-
nais e estudantes que se dedicam à área do envelhecimento e da memória.
O livro está dividido em três partes. A primeira aborda lembranças
de fatos culturais e políticos, memórias da cidade de Niterói e os costumes
e hábitos vivenciados pelo grupo. Na segunda parte, estão presentes as
reminiscências das casas em que este grupo viveu na infância, a memória
familiar e os objetos guardados no fundo de gavetas que conservam a
memória de acontecimentos pessoais. Por fim, sem intenção ou caráter de
manual, elaboramos uma proposta de roteiro de temas que poderão ajudar
àqueles que estão iniciando um trabalho semelhante.
Referências

BASTIDE, Roger. Mémoire collective et sociologie du bricolage. L’Année


Sociologique, [S. l.], n. 21, p. 65-108, 1970.

BOSI, Eclea. História e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T.A. Editor,
1979.

_______. A substância social da memória. In: BOSI, Eclea. O tempo vivo da me-
mória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 13-35.

HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, [Rio de


Janeiro], v. 5, n. 10, p. 200-12, 1992.

_______. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, [Rio de


Janeiro], v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”.


In: SIMSON, Olga de Moraes Von (Org.). Experimentos com histórias de vida
(Itália-Brasil). São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988. p. 14-43.
Oficina de memória , início de um projeto

Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

O projeto Oficinas de Memória se originou de outro projeto, chamado


“Oficinas de Relacionamento”. Quando iniciei meu trabalho como assistente
social neste programa voltado para a população idosa, uma das primeiras
coisas que observei foi o grande número de conflitos entre os idosos que
ali frequentavam. Estes constantes desentendimentos provocavam crises
hipertensivas em alguns deles, levando várias vezes a atendimentos de
emergência na rede hospitalar ou abandono do programa. Resolvi, então,
montar um projeto de intervenção para trabalhar essas desavenças, desen-
volvendo uma oficina com reflexões que permitissem identificar os conflitos
e minimizar o desgaste entre os idosos.
As oficinas de relacionamento começaram a acontecer e a dar resul-
tados. Tinham uma média de vinte participantes. Após cada encontro, as
pessoas praticamente se recusavam a ir embora, permaneciam reunidas e
começavam a contar suas histórias, sua participação na vida social e política,
além de outras tantas lembranças. Nessas conversas, relatavam o prazer
que sentiam em contá-las e a falta de espaço para fazê-lo, uma vez que, em
casa, ninguém tinha paciência para ouvir aquelas “histórias de velhos”. Sa-
bemos que a ausência de oportunidades para falar de si, a impossibilidade
de convívio social pode levar à “morte social” dos sujeitos idosos. Foi assim
que, com a concordância entusiasmada daquele grupo, iniciamos o projeto
Oficina de Memória.
No início, alternávamos o trabalho sobre o relacionamento entre
o grupo com espaços para contarem suas histórias. Os temas desses
encontros eram livres, escolhidos pelo grupo. Comecei, concomitante-
mente, a pesquisar bibliografia sobre memória social e história oral, suas
implicações, seus usos e a perceber a multiplicidade de oportunidades que
este trabalho proporcionaria, além de constatar que a sua importância
transcendia àquele espaço de fala para os idosos. Fui me aprofundando na
temática da memória social e, depois deste primeiro ano de experiência,
com a riqueza dos depoimentos na oficina e com o assentimento do gru-
po, resolvi desenvolver uma oficina específica de memória social. Neste
período, duas estagiárias se interessaram em participar do novo projeto.
A partir daí, temos, todos os anos, a participação de pelo menos duas
estagiárias de Serviço Social.
Nessa experiência, percebemos que havia pessoas que participavam
das reuniões, mas não falavam, mesmo quando convidadas pela coordena-
dora. Quando abordadas, em particular, diziam gostar da atividade, mas
confessaram que eram muito tímidas, ou que tinham vergonha de falar de
sua vida, ou que achavam que não tinham nada interessante para contar. A
partir das avaliações sobre essa primeira experiência, buscamos selecionar
os temas que apareceram de modo a facilitar a participação.
Procuramos seguir um formato aproximado de linha da vida e traba-
lhar as memórias iniciais de forma positiva. Por exemplo, entre os aspectos
agradáveis da infância, quais eram as boas lembranças? Do mesmo modo,
o que aguardavam de bom em relação à juventude e à vida adulta. Este pro-
cesso permitia que o grupo fosse se constituindo como tal e estabelecesse
vínculos de confiança para que as pessoas se tornassem capazes de relatar
suas memórias, alegres ou tristes, de acordo com a própria vontade. Todas
eram convidadas e estimuladas a participar, entretanto, respeitava-se o
desejo daquelas que preferiam não se manifestar.
A frequência ao programa caracteriza-se por uma flutuação do nú-
mero de participantes nas atividades em geral. Os idosos adoecem, têm
consultas médicas, viajam, além de também faltarem por inúmeros outros
compromissos particulares. Tal flutuação dificultou as primeiras oficinas,
pois, quando tentávamos dar sequência ao tema, o grupo presente não era,
necessariamente, o mesmo do encontro anterior. Foi necessário adaptar e
trabalhar o formato de linha da vida, a partir de temas relacionados a deter-
minadas fases. As oficinas tinham começo, meio e fim dentro daquele tema.
Assim, trabalhamos a infância por módulos. Em determinado dia, falávamos
do brinquedo preferido e, a partir deste tópico, outros elementos surgiam.
Muitas vezes, os idosos comparavam sua infância com a das crianças da
atualidade, analisavam pontos positivos e negativos de cada época ou fala-
vam das mudanças de valores, de estrutura familiar, formas de educação,
entre outros aspectos.
Esse formato se mantém até hoje, pois foi o que melhor se adaptou à
rotatividade de pessoas nas oficinas, embora, a cada ano, usemos formas,
técnicas e materiais diferentes para abordar os temas. Inserimos também
fatos políticos e socioculturais da cidade, estado ou país, para permitir que
a história particular e aspectos do cotidiano dos participantes apareçam
também a partir dos acontecimentos relatados pela história oficial.
Outra dificuldade que se apresenta para a realização das oficinas é que,
ao mesmo tempo que temos uma flutuação de pessoas, também há as que
participam desde o início ou há vários anos, e a cada novo ano manifestam
o desejo de permanecer, mesmo sabendo que haverá repetição de temas.
Tal fato nos desafia a pensar em novos modos de abordar o mesmo assunto,
para não cansar os nossos assíduos participantes.
Sendo assim, o roteiro de temas que vamos oferecer e os materiais
sugeridos para provocar a memória têm seu uso reinventado constantemente,
permitindo a abordagem de cada tema de inúmeras formas, como mostrare-
mos nos relatos das oficinas desenvolvidas pelos diferentes coordenadores,
selecionados no período entre 2000 e 2007.
O roteiro para as oficinas se divide em tópicos, que podem ser traba-
lhados em sequência ou não, tendo em vista datas comemorativas e outros
acontecimentos. São eles: fases da vida, vida social e cultural, fatos políticos
e históricos.
Neste programa de atendimento à população idosa, busca-se capacitar
os estagiários de Serviço Social para realizar e coordenar as atividades. Ao
chegar, depois de conhecer o campo de estágio e optar pela oficina pela
qual deseja se responsabilizar e de que quer participar mais ativamente, o
estagiário é estimulado a observar, atuar (conforme for sentindo segurança)
e, por fim, coordenar. Para isso, além de indicações de bibliografia na área
de Serviço Social e envelhecimento, também recebem informações sobre
uma literatura específica referente a memória social e história oral. Com a
supervisão da assistente social de campo, discutem-se as questões presentes
naquele campo em particular, procurando articular tal discussão com as
políticas sociais voltadas para a velhice. Na preparação de cada oficina, o
assistente social supervisor indica temas, ajuda a estruturar a atividade e
também avalia e discute as dificuldades do discente no momento da coor-
denação. No entanto, toma-se o cuidado de que cada coordenador imprima
seu estilo e sua criatividade nas atividades.
A experiência na supervisão desses alunos nos permite identificar
algumas dificuldades recorrentes nos trabalhos de oficina de memória. De
modo geral, com pouquíssimas exceções, não conseguem controlar o gru-
po facilmente. A memória, quando provocada, desencadeia uma ebulição
de falas. Todos falam juntos ou conversam em paralelo. São necessárias
várias intervenções para que as pessoas possam falar “ordenadamente”,
permitindo que todos tenham a chance de se colocar e também de serem
ouvidos. No outro extremo, as vezes, após a apresentação do tema, há um
profundo silêncio, e a grande maioria dos estagiários não sabe lidar com ele.
As pessoas precisam desse tempo para buscar, selecionar e organizar suas
lembranças. No entanto, a ansiedade para que alguém comece a falar, mui-
tas vezes, “atropela o processo”. Para evitar o silêncio, alguns estagiários
tomam logo a palavra e acabam dando uma “aula” sobre o assunto, em vez
de esperar que o grupo esteja pronto. Se o silêncio for muito prolongado e
mesmo com todo o estímulo não houver envolvimento dos participantes,
pode-se avaliar com o grupo suas causas (o tema não agradou, provocou
lembranças ruins ou simplesmente não querem falar sobre aquilo?). De-
pendendo da duração desta avaliação, pode-se solicitar que o grupo sugira
outro assunto para aquele dia.
Outra dificuldade que se apresenta é a de lidar com a dor do outro.
Quando lembranças dolorosas são relatadas, e alguém se emociona e chora,
muitas vezes, o coordenador inexperiente tenta distrair a pessoa ou mudar de
assunto. É necessário ter bastante sensibilidade nessa hora, além da clareza
quanto ao efeito terapêutico – o que não quer dizer psicoterapêutico – de
qualquer trabalho de grupo. Neste sentido, não podemos negar nem calar
a dor provocada por uma lembrança. Também não vamos instigar a pessoa
para que continue se aprofundando nesse processo. Ouvir, deixar que o
grupo se pronuncie, se assim o desejar, fazer as colocações necessárias,
permitindo que a pessoa se refaça, para então prosseguir com o andamento
da oficina são as nossas sugestões. Caso seja uma questão que requeira uma
intervenção mais profunda, deve-se, em particular, após o término da oficina
ou em outro momento oportuno, encaminhar a pessoa para os serviços de
psicologia pertinentes.
Nos capítulos seguintes, detalharemos o processo de trabalho nestas
oficinas de memória social.
I PARTE: Política, cidade e cultura

Fatos históricos e políticos

Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

Ao trabalharmos com fatos relacionados à história e, mais especi-


ficamente, ligados à história de uma nação, deparamo-nos com algumas
dificuldades. A história oficial, ou a leitura desta história feita por historia-
dores, é, mais comumente, realizada a partir da macro-história. As decisões
políticas e econômicas dos governos, os acontecimentos que a marcaram
não priorizam o cotidiano de pessoas comuns. Nas oficinas de memória,
buscamos realizar justamente uma mudança de escala. O debate sobre a
micro-história, a história oral e suas fontes é relativamente recente no Bra-
sil, data da década de 1970, e foi impulsionado nos anos 1990 (FERREIRA;
AMADO, 2005). Observa Revel:

A abordagem micro-histórica é profundamente diferente em suas


intenções, assim como em seus procedimentos. Ela afirma em prin-
cípio que a escolha de uma escala particular de observação produz
efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de
conhecimentos. Variar a objetiva não significa apenas aumentar (ou
diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modificar sua forma
e sua trama. (REVEL, 1998, p. 20).

Reler essa história, a partir da visão de sujeitos que dela participa-


ram de modos diversos, vivenciando no cotidiano as consequências das
decisões governamentais, como espectadores ou participantes ativos dos
fatos históricos, permite apreender aspectos que ficaram ocultos, pouco
visíveis ou ignorados nas leituras macroscópicas. As oficinas de memória
que trabalham temas históricos corroboram esse entendimento.
Outro aspecto que vale a pena ressaltar é a relação entre a memória
oficial e a memória coletiva. Segundo Robin (1989), a oficial é datada, come-
morada, marcada por feriados, monumentos, placas, museus, heróis, enfim
há um espaço oficial para sua perpetuação. A memória coletiva, entretanto,
difere dela:
Narrativa na verdade bem diferente da narrativa tradicional, com seu
fechamento sobre si mesma e seu corte sincopado. Como não religar
o escrupuloso respeito do documento de arquivo – colocar a própria
peça sob os olhos – a singular ascensão da oralidade – citar os atores,
fazer escutar as vozes – à autenticidade do direto a que fomos por outro
lado acostumados? Como não ver no gosto do cotidiano do passado,
o único meio de restituir a lentidão dos dias e o sabor das coisas?
E nestas biografias de anônimos, o meio de nos fazer compreender
que não é pelas massas que se submetem as massas? Como não ler,
nestas bolhas de micro-história, a vontade de igualar a história que
construímos à história que vivemos? (NORA apud ROBIN, 1989, p. 29).

Quando trabalhamos a Segunda Grande Guerra, as narrativas reve-


laram o medo sentido pelas famílias durante os blecautes, as dificuldades
para se comprar açúcar e carne, devido ao racionamento, o sentimento
de luto e tristeza por famílias brasileiras, conhecidas dos participantes ou
não, que perderam entes queridos nos combates. Relatou-se, por exemplo,
a solidariedade de um grupo de formandas do curso normal em Niterói, que
não viram sentido em comemorar com um grande baile sua formatura, no
momento em que o país e o mundo passavam por tantas perdas. Uma senhora
que vivia no Nordeste, perto da cidade de Natal, falou de saques realizados
pela população mais pobre em corpos que apareciam nas praias nordestinas
após os ataques a navios mercantes na costa brasileira. Recordou-se até de
um conhecido que foi roubar o anel do cadáver do comandante, mas, ao
não conseguir, cortou o dedo dele e dias depois foi preso tentando vender
o tal anel. Sobre os fatos narrados, não temos dados concretos para avaliar
o quanto são eles reais ou estão permeados de fantasias. Um historiador,
no entanto, observou que é bem possível que tenham acontecido (o que
mereceria um estudo na região para verificar o ocorrido). Esses fatos, não
abordados pela memória oficial, ganham novas cores quando relatados por
aqueles que deles foram testemunhas.
Além disso, nesse processo de realização das oficinas sobre a Segunda
Guerra, pudemos observar momentos distintos de uma mesma narradora. Uma
senhora polonesa, naturalizada brasileira, que havia vivido, quando criança,
num gueto em Varsóvia no início da guerra, sempre contava histórias sobre o
período. Relatou que os alemães costumavam bater na porta das casas, e sua
mãe a escondia debaixo de muitas cobertas sob a cama, com medo de que
eles a prendessem ou fizessem alguma maldade com ela. Contou ainda que,
para as crianças, a vida, de certa forma, parecia normal, pois elas continua-
ram estudando em uma determinada casa e se reuniam também para brincar.
Recordou-se que os pais, no inverno gelado, ficavam com pena de algumas
patrulhas alemãs do gueto. Estas patrulhas eram compostas, segundo ela,
por meninos que passavam a noite ao relento, e seus pais e outros morado-
res ofereciam-lhes chá quente para minimizar o frio. Contou-nos ainda que,
quando terminou a guerra, ela logo se casou, pois queria ter a sensação de
que a vida voltava ao normal. Recém-casada, veio para o Brasil com o marido,
tentar a vida. Sempre que participava, contava muitos detalhes sobre a época
da guerra na Europa. Os outros participantes apreciavam seu depoimento,
mostravam-se sempre curiosos, faziam muitas perguntas a que ela respondia
com presteza. Em uma das últimas oficinas de que participou, ela quase não
falou. A coordenadora, que já conhecia sua história, procurou estimulá-la com
perguntas, mas ela a tudo respondia de forma evasiva ou muito resumida. Per-
cebendo que algo havia acontecido, não se insistiu, dando-se prosseguimento
ao trabalho normalmente. Ao final do encontro, a senhora a procurou para
contar que seus filhos lhe pediram para não ficar contando essas histórias,
pois eram muito tristes, que ela deveria esquecê-las.
Deste modo, pudemos observar o que Pollak expõe a respeito do
silêncio, da função do “não dito”:

As fronteiras desses silêncios e “não- ditos” com o esquecimento de-


finitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente estanques
e estão em perpétuo deslocamento. Essa tipologia de discursos, de
silêncios, e também de alusões e metáforas, é moldada pela angústia
de não encontrar uma escuta, de ser punido por aquilo que se diz, ou
ao menos de se expor a mal-entendidos. (POLLAK, 1989, p. 8).

O autor afirma ainda que esse processo não difere muito, tanto quando
se analisam os aspectos da memória no coletivo como nos aspectos psíqui-
cos e, portanto, pessoais. Nesse sentido, percebemos que não encontrar
escuta na família, e, mais ainda, o pedido de silêncio e de esquecimento
desses fatos provocaram na senhora uma autocensura, pois os filhos não
estavam fisicamente presentes na oficina. Como afirmou Halbwachs (1990),
nossas memórias carregam muitos interlocutores e são organizadas a par-
tir do momento atual. A esse processo em que ocorre a reorganização de
sentimentos e lembranças e um distanciamento, Pollak (1989) acrescenta:
“a linguagem se condena a ser impotente porque organiza o distanciamento
interior, o compromisso do não-dito entre aquilo que o sujeito se confessa a
si mesmo e aquilo que ele pode transmitir ao exterior” (POLLAK, 1989, p. 8).
As oficinas permitem ainda abordar outras dimensões dos processos
de memória social como enquadramento, memória subterrânea, memória
diálogo, memória familiar e grupal, como também, memória por tabela. A
análise de duas oficinas realizadas em anos diferentes (a primeira em 2005 e
a segunda em 2006), mas que trabalharam o mesmo tema – governos brasilei-
ros que marcaram nossas vidas – nos permite exemplificar estes processos.
A oficina realizada em 2005 teve como destaque a figura de Getúlio
Vargas. Praticamente todos os participantes ressaltaram suas qualidades:
homem bom, caloroso, que caminhava no meio do povo. Estas característi-
cas faziam dele alguém próximo. Apesar de na época serem adolescentes ou
jovens, destacaram sua importância na vida dos brasileiros. Uma senhora
contou que ele visitara seu colégio e ela tivera a honra de apertar-lhe a mão.
Outra apontou os direitos que foram concedidos ao povo em seu governo.
Uma outra recordou que no dia de sua morte ficara desolada, chorara muito e
fizera questão de acompanhar o cortejo fúnebre na cidade do Rio de Janeiro.
Quase todos disseram que receberam a notícia na escola. As aulas foram
suspensas, e eles retornaram a suas casas. Sua morte/suicídio foi assunto
durante algum tempo nos noticiários e conversas familiares. Somente uma
senhora mais jovem, que não se lembrava de nada da época, por ser ainda
criança, comentou sobre o filme Olga,1 afirmando que aquela atrocidade
com a personagem, ocorrida na Segunda Guerra Mundial, tinha sido desen-
cadeada por Getúlio Vargas.
Já na oficina de 2006, o destaque foi o presidente Juscelino Kubitsche-
ck. Os participantes falaram da construção de Brasília, da figura empreen-
dedora de JK, de sua vida pessoal, de suas amantes, da morte suspeita em
acidente de carro. Uma senhora contou ser sobrinha de uma dessas amantes.
Nessa oficina, exceto ela, que o fez indiretamente, contando a história da tia,
ninguém narrou nada pessoal.
O que essas duas experiências nos revelam?
A primeira está impregnada da história oficial. Os participantes,
todos muito jovens naquela época, acentuaram o perfil populista que o
próprio Getúlio tratava de construir e fortalecer por meio de propagandas
e campanhas. O Getúlio revelado por eles era o “pai dos pobres”. Outros
aspectos, como a aproximação de regimes fascistas na década de 1940 ou
a perseguição política a opositores e comunistas, não foram citados. So-
mente alguém que era criança na época e não podia se lembrar da figura
pública de Vargas apontou, timidamente, essa questão, a partir de um filme

1
Filme brasileiro dirigido por Jayme Monjardim, em 2004, inspirado na biografia de Olga
Benário, escrita por Fernando Morais.
de cinema. Na lembrança da maioria, estava a imagem impregnada pela
propaganda política oficial do governo, construída pela história também
oficial, reforçada nos períodos de ditadura, tanto do Estado Novo, como da
militar pós-64. Provavelmente muitas dessas imagens e informações foram
absorvidas, também, nos diálogos familiares, formando o que Pollak (1992)
identificou como “memória por tabela”. Esses eram os aspectos ressaltados
pela sociedade em geral, pois, para grande parte das classes trabalhadoras,
os direitos trabalhistas implementados na era Vargas trouxeram ganhos e
conquistas efetivas. Percebe-se, então, o enquadramento da memória rea-
lizado pelas instituições oficiais. Uma imagem diferente só é apontada por
alguém que não tinha idade suficiente para lembrar-se dessas referências.
No seu caso, a visão de Getúlio foi mediada por um filme recente, que traz
uma releitura da história, baseado em memórias subterrâneas, que ficaram
sufocadas por governos ditatoriais (POLLAK, 1989, p. 5).
Já a oficina de 2006 aponta para a forte influência da mídia. Uma
emissora de televisão havia exibido, no início do ano, uma minissérie com
a biografia romanceada de JK. Os autores e diretores ressaltaram a imagem
quase mitificada do presidente, como um homem empreendedor, altruísta,
humanitário, sonhador. Sendo assim, as narrativas dos participantes foram
impregnadas por esta minissérie, de tal modo que qualquer lembrança do
período ficou apagada. Em anos anteriores, várias pessoas haviam relatado
que foi um período de carestia, altos impostos e empobrecimento da classe
média. Diziam que, durante a construção de Brasília, a vida ficara bem mais
difícil. Alguns chegaram a apontar JK como responsável pelo endividamento
do Brasil, que levou ao processo inflacionário no país. Tais aspectos não
apareceram na oficina de 2006. A atividade prática acabou por revelar o que
a teoria afirma. Se os estudos sobre a memória coletiva e social demons-
tram que o processo da memória é complexo e influenciado por múltiplos
fatores (como o tempo presente, os conarradores, a história oficial) não se
pode negar a força das imagens divulgadas na mídia, que complementam o
trabalho de enquadramento da memória.
Nesse sentido, podemos perceber, nas duas experiências, a consta-
tação de Robin (1989) de que a memória do indivíduo está impregnada por
diversas influências que podem se reforçar ou se contrapor. Estas influências
se expressariam por imagens-forças da memória nacional, memórias familia-
res (histórias familiares permeadas pela imaginação, álbuns de fotografias,
objetos afetivos, fragmentos de correspondências), levantamentos históri-
cos, material difundido pela mídia e literatura, romanceada ou não. Assim, o
indivíduo vai organizar as representações do passado e dar sentido a elas.
Deste modo, as oficinas permitem a percepção e o estudo dos proces-
sos de memória coletiva e grupal com base no material trazido pela equipe e
participantes, possibilitando a releitura de fatos históricos e sociais a partir
de perspectivas individuais. Permitem ainda que memórias não registradas
pela historiografia oficial venham ao conhecimento público e a enriqueçam
com outras perspectivas. Como dissemos no início, citando Revel (1998),
variamos a “objetiva”.

Referências

FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Org.). Usos e abusos da


história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, [Rio


de Janeiro], v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

_______. Memória e identidade social. Estudos Históricos, [Rio de Janeiro], v.


5, n. 10, p. 200-212, 1992.

ROBIN, Régine. Le roman mémoriel: de l’histoire à l’écriture du hors-lieu.


Tradução Rachel Soihet, Rosana Márcia A. Soares e Suely Gomes Costa.
Montreal: Le Préambule, 1989. p. 1-38.

REVEL, Jacques. Jogos de escala: a experiência da microanálise. Tradução


e organização: Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
Memória e cidade

Renata Amaral de Sá

Com o passar dos anos, todo e qualquer território sofre modificações,


seja pelos desgastes provenientes do tempo, seja por obras e novas constru-
ções resultantes de uma busca insaciável pela modernidade e pelo progresso.
A construção da memória é classificada por Halbwachs (2006) como
“fenômeno coletivo e social”, que passa por “flutuações, transformações e
mudanças constantes”. Sendo assim, vemos que não existe uma memória
dada, pronta, mas um processo de construção dessa memória no presente.
Além disso, o autor afirma que a memória individual não está isolada. Fre-
quentemente, toma como referência pontos externos ao sujeito. “Para evocar
seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às lembranças de
outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora de si, deter-
minados pela sociedade” (HALBWACHS, 2006, p. 72). Ou seja, a memória se
encontra ou permanente transformação, aberta a influências externas e ao
esquecimento.
E se pensarmos no espaço das cidades, poderíamos afirmar com Pe-
savento que “[...] o centro urbano é como uma vitrine, um microcosmo do
tempo que passou, mas que nem sempre se deixa ver. Destas temporalidades,
o tempo mais difícil é o do esquecimento. Tempo que finge não ter existido,
soterrando as lembranças.” (PESAVENTO, 2007, p. 6).
De acordo com Halbwachs, a memória coletiva se apoia nas imagens
espaciais. Vale ressaltar que o termo espaço empregado aqui se refere ao
espaço físico, aquele conjunto de formas e cores que percebemos ao nosso
redor, e consideramos lugar como sendo parte deste espaço. Sendo assim,
para o autor,

não há memória coletiva que não aconteça em um contexto espa-


cial. Ora, o espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se
sucedem umas às outras, nada permanece em nosso espírito e não
compreenderíamos que seja possível retomar o passado se ele não
estivesse conservado no ambiente material que nos circunda. É ao
espaço, ao nosso espaço – o espaço que ocupamos, por onde pas-
samos muitas vezes, a que sempre temos acesso e que, de qualquer
maneira, nossa imaginação ou nosso pensamento a cada instante é
capaz de reconstruir – que devemos voltar nossa atenção, é nele que
nosso pensamento tem de se fixar para que essa ou aquela categoria
de lembranças reapareça. (HALBWACHS, 2006, p. 170).

Sendo assim, podemos dizer que as cidades são compostas por diver-
sos lugares que nos remetem a lembranças, relacionadas tanto a atividades
comuns do dia a dia quanto a situações excepcionais. Estes territórios podem
nos parecer familiares por terem sido percorridos por nós ou por alguém
que nos narrou algo ali vivenciado.

Na memória mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode


haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de comemora-
ção. Os monumentos aos mortos, por exemplo, podem servir de base
a uma relembrança de um período que a pessoa viveu por ela mesma,
ou de um período vivido por tabela. (POLLAK, 1992, p. 203).

Diante disto, podemos dizer que a memória relacionada ao território


nem sempre é somente nossa, pois “podemos ter sido de alguma forma indu-
zidos, educados e ensinados a identificar lugares de uma cidade, partilhando
das mesmas referências de sentido, em processo de vivência do imaginário
urbano coletivo.” (PESAVENTO, 2007, p. 2).
Com base nas experiências vividas por atores sociais deixados à
margem pela “história tradicional”, podemos fazer uma investigação em
torno destas transformações e observar o que se oculta sob a superfície dos
novos espaços. “Quando as vozes das testemunhas se dispersam, se apagam,
nós ficamos sem guia para percorrer os caminhos da nossa história mais
recente.” (BOSI, 2003, p. 200).
Por meio das histórias de moradores de uma cidade, é possível (re)
construir imagens sobre um espaço e época que não vivenciamos. E assim,
pode-se investigar como esta memória é experimentada por estes narra-
dores.

A partir de imagens construídas por personagens da vida urbana,


através de narrativas orais, é possível registrar experiências de vida
e pobreza, histórias de agentes sociais urbanos que se apagam nas
estatísticas e são condenados ao esquecimento. (COSTA, 2002, p. 1).

Assim, surgiu a ideia de trabalhar uma oficina de memória abordando


o tema “Transformações na cidade de Niterói”. O tema em questão permite
uma reflexão muito importante de como, a partir da análise das narrativas
dos seus moradores, a (re)construção da memória social de uma cidade
pode colaborar para a valorização de sua história e identidade.
Numa oficina, realizada no dia 3 de julho de 2006, pudemos contar
com a participação de nove idosos que recordaram diversas fases, lugares
e eventos ocorridos na cidade de Niterói na época da mocidade. A pri-
meira idosa a fazer um relato nos contou a respeito do que havia de mais
marcante para ela na cidade de Niterói: o carnaval. Disse que antigamente
os desfiles dos blocos ocorriam na Amaral Peixoto, próximo a sua casa, e
que o carnaval de Niterói não perdia em nada para o do Rio. As pessoas
famosas se apresentavam no Clube Caio Martins, que, assim como o Clube
Canto do Rio, era somente para os que tinham um poder aquisitivo mais
elevado. Recordou-se que o carnaval também tornou-se marcante devido
ao nascimento do primeiro filho, numa terça-feira gorda; durante o parto,
ela podia ouvir o som da Escola de Samba Viradouro que desfilava na Ama-
ral Peixoto. Portanto, para ela, o carnaval ficou para sempre associado ao
nascimento do filho.
Se as edificações compõem o patrimônio material da humanidade, o
carnaval, assim como outras festividades, canções, crenças, ritos e tradições,
se enquadra no que Pesavento chama de patrimônio imaterial. Como ele
observa: “Para além das palavras, os sons, as músicas e as canções cantam
a cidade, trazendo ao presente as sensibilidades do passado.” (PESAVENTO,
2007, p. 8).
Todos os relatos dessa oficina basearam-se em situações vivenciadas
pelas próprias pessoas, seja individualmente ou no coletivo. Um senhor,
por exemplo, recordou como eram os meios de transporte na cidade, o que
despertou as lembranças de todos do grupo. Logo se falava elogiosamen-
te dos trens, o meio de transporte mais utilizado na época. Uma senhora
recordou-se então que havia também o bondinho, onde era muito bom
namorar, assim como nos coretos da praça do Barreto, que já não existem
mais. Atualmente, no lugar da praça, há um barracão da escola de samba
Viradouro. Esta última lembrança da idosa nos trouxe a descrição de uma
experiência vivida num lugar que visivelmente já não existe mais. Trata-se,
de acordo com Pesavento, de um “visível-escondido”, um lugar que, não
fossem os relatos, não se saberia que um dia existiu. Situação semelhante
ocorreu numa oficina sob o mesmo tema, no ano de 2000, em que uma idosa
falou da sua tristeza ao ver a praça da República, de que tanto gostava, ser
demolida. “Tiraram a praça para colocar um prédio! Um absurdo!”, queixou-
se ela. Os demais idosos presentes nesta oficina recordaram-se do episódio,
compartilhando o mesmo sentimento de perda. Anos depois esta praça foi
reconstruída exatamente como era no passado, preservando-se até mesmo
as estátuas que lá haviam, o que foi motivo de grande alegria para todos
que a conheceram.
Outra lembrança ligada a espaço físico referia-se à região oceânica da
cidade. Os idosos contaram que não se ouvia nem falar desta área. De acordo
com um deles, “Itaipu, Piratininga, Itaipuaçu... era tudo mato”.
A grande quantidade de cinemas que havia em Niterói, todos na
avenida Rio Branco, mais especificamente em frente às barcas, também foi
recordada. Contaram que naquela época se podia ir tranquilamente assistir
à última sessão no cinema e voltar meia-noite para casa de ônibus, pois não
havia o menor perigo. Um senhor ressaltou que não havia favelas na cidade
até construírem a Ponte Rio – Niterói. Recordou-se então das barcaças que
atravessavam carros e até caminhões para o outro lado da baía, antes da
construção da ponte. Contou que Niterói parecia mais uma pousada do Rio
de Janeiro, pois as pessoas que trabalhavam lá preferiam a tranquilidade
de Niterói para morar. Segundo ele, infelizmente, com o passar dos anos,
a cidade acabou absorvendo também muitas coisas negativas da cidade
grande, principalmente a violência.
Em uma oficina realizada em 2003, os idosos falaram muito do aterro
da praia do Centro da cidade. Segundo eles, não existiam prédios nem co-
mércio na avenida Rio Branco, “era tudo praia”, e na avenida Amaral Peixoto
só existiam casas. Ao contrário do que ocorre hoje, o Centro resumia-se,
assim, a umas poucas ruas, praticamente sem lojas comerciais.
Como já mencionado, inúmeras transformações ocorrem nas cidades
ao longo do tempo, e com Niterói não foi diferente. Com o passar dos anos,
muitos edifícios foram levantados e há incontáveis experiências vividas em
locais que visualmente nem existem mais. Foi o que percebeu determinada
senhora que morou muitos anos fora de Niterói. Emocionada, falou sobre o
choque que foi para ela voltar à cidade e descobrir que o local onde nasceu
e viveu grande parte da sua juventude já não existia. Contou que chegou
a desmaiar quando viu, no lugar da sua casa, um enorme shopping center,
e lamentou-se dizendo que o progresso nem sempre é uma coisa boa, às
vezes machuca.
As transformações do espaço podem marcar profundamente a vida
do morador de uma cidade. Algumas afetam diretamente o cotidiano das
pessoas e da cidade como um todo, como foi o caso da construção da ponte
Rio–Niterói. Outras podem até provocar um abalo emocional com a perda
do sentimento de pertencimento, que leva ao desenraizamento da pessoa,
que já não consegue mais identificar sua história naquele ambiente.
De acordo com Bosi, “há nos habitantes do bairro o sentimento de
pertencer a uma tradição, a uma maneira de ser que anima a vida das ruas
e das praças, dos mercados e das esquinas. A paisagem do bairro tem uma
história conquistada numa longa adaptação.” (BOSI, 2003, p. 206). Deste
modo, as mudanças aceleradas na arquitetura da cidade provocam, muitas
vezes, um descontentamento entre os moradores mais antigos que não acei-
tam este “progresso”, resistindo às transformações. A autora afirma ainda
que, “cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que
são pontos de amarração de sua história.” (BOSI, 2003, p. 199).
Numa oficina com um tema preestabelecido, que por si só já conduz
a lembranças, as pessoas tendem a complementar as memórias umas das
outras, reiterando fatos, acrescentando dados. Como observa Venancio,

Nas oficinas, as evocações de umas mulheres instigaram as recorda-


ções das outras, despertando reminiscências pessoais, imagens de
paisagens, objetos e hábitos cotidianos. E estendendo esta provoca-
ção, o pessoal levava ao coletivo, o quarto à casa, o quintal à cidade
e vice-versa, em movimentos oscilantes e irregulares. (VENANCIO,
2004, p. 65).

Percebemos este processo na oficina sobre as transformações da cida-


de de Niterói, já descrita. A recordação de uma determinada praça por uma
das participantes levou alguém a lembrar-se de outra praça, o que motivou
um senhor a falar dos transportes do passado. Este assunto já levou uma
terceira pessoa a recordar-se dos namoros na época. Como num processo de
associação livre, podemos afirmar que uma memória estava ligada a outra.
Logo, por meio da narrativa, os idosos podem colaborar no processo
de reconstrução da memória social, não só de uma cidade, tema da oficina
realizada, como de vários aspectos da sociedade, como família, religião,
trabalho e cultura.
Segundo Bosi, “faz parte da dialética do espírito moderno essa tensão
diária entre transformação e resistência.” (BOSI, 2003, p. 206). Ao trabalhar
esta temática na oficina de memória, vimos que a resistência de um morador
às transformações dos espaços em sua cidade não se deve apenas a uma
valorização de sua cultura, mas envolve também a necessidade de preser-
vação de sua própria história e memória.
Referências

BOSI, Ecléa. Memórias da cidade: lembranças paulistanas. Estudos Avança-


dos, [S. l.], v. 17, n. 47, 2003.

Costa, Icléia Thiesen Magalhães. Eu, Celina, comerciária: uma história


de vida, experiência e pobreza. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA –
ANPUH, 10., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: UERJ, 2002.

DAMASCENO, Tatiana Sylvestre. Relato sobre a oficina de memória com o


tema Cidade, do dia 3/7/2006, extraído do Diário de Campo, 2006.

HALBWACHS, Maurice. Memória individual e memória coletiva. In: _______.


A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:


DP&A, 2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História, memória e centralidade urbana. Dis-


ponível em : <http://nuevomundo.revues.org/document3212.html>. Acesso
em: 3 out. 2007.

POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, v. 2, n. 3, 1989.

_______. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.


5, n. 10, 1992.

SÁ, Renata Amaral de. Relato sobre a oficina de memória com o tema Cidade,
do dia 3/7/2006, extraído do Diário de Campo, 2006.

_______. Velhos tempos, outros espaços: um estudo em torno da memória social


da cidade de Niterói. 2007. Trabalho de conclusão de curso-Escola de Serviço
Social, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2007.

VENANCIO, Beatriz Pinto. Teatro de lembranças: registro cênico-dramatúrgico


da memória. 2004. Tese (Doutorado em Teatro)-Programa de Pós-Graduação
em Teatro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2004.
Memória cultural

Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga


Tatiana Sylvestre Damasceno

Durante a realização das oficinas de memória, muitos temas trazem


à baila questões culturais. Dentro dessa perspectiva, selecionamos alguns
exemplos de oficinas relacionadas a elas. Para situarmos melhor tais ofici-
nas, necessitamos, ainda que sucintamente, pontuar algumas discussões
acerca da cultura.
O conceito de cultura, como discute Abreu (2005), é polissêmico,
possuindo diferentes significados ao longo dos tempos. “Além dos usos
científicos, principalmente por diferentes correntes da antropologia cultu-
ral, está largamente difundido no senso comum, aumentando a pluralidade
de seus significados.” (ABREU, 2005, p. 33). A partir dessa pluralidade de
possibilidades, vamos nos ater a algumas relações importantes entre cultu-
ra e memória social, correlacionado-as ao trabalho realizado nas oficinas,
certas de que é praticamente impossível esgotar o assunto, diante da vasta
discussão acerca do tema.
Bosi discute o conceito de cultura a partir da etimologia do termo.
Este deriva de colo, “cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro,
culturus.” (BOSI apud DODEBEI, 2005, p. 44). Para o passado, cultus atribuía-
se ao campo que já havia sido utilizado por várias gerações de lavradores.
Cultus traz em si o cultivar através dos tempos, assim como a qualidade
resultante desse trabalho, ou seja, a sociedade que já possui memória ao
produzir seu próprio alimento.
Dodebei destaca que:

Desde a antiguidade, o conceito de cultura aparece com dois sentidos


principais que ainda hoje se mantêm: o de culto, us, do cultivo, culto
coletivo, da tradição/informação compartilhada, da memória, e o de
cultura animi, do aprimoramento, elevação, refinamento individual.
Como Gertz afirma, o homem é um animal amarrado a teias de signi-
ficados que ele próprio teceu. Essas teias seriam a cultura, tal como
sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, um contexto no qual
esses signos podem ser descritos de forma inteligível, com densidade.
(DODEBEI, 2005, p. 45).
Deste modo, o trabalho na oficina de memória busca trazer esses
contextos, nos quais as memórias individuais, pessoais e coletivas se enre-
dam nas teias da cultura. Selecionamos, então, algumas oficinas realizadas
sobre temas como moda e entretenimento, devido à ampla discussão que
estes assuntos despertam.
A moda expressa conceitos, valores, costumes, status, tabus presentes
nas sociedades de diferentes épocas e lugares, que se transformam com o
tempo e as mudanças sociais. Seria, portanto, um fenômeno social ou cultu-
ral que consiste na mudança periódica de estilo, de caráter mais ou menos
coercitivo, e cuja vitalidade se explica pela necessidade de conquistar ou
manter uma determinada posição social (FERREIRA, 1969, p. 814).
Mediante tal definição, pode-se compreender melhor por que o fenô-
meno da moda tem tantos adeptos, pois os indivíduos, em sua grande maio-
ria, não querem sentir-se excluídos da sociedade e procuram acompanhar
o que há de mais atual, como forma de inclusão social ou como forma de
pertencimento ao mundo considerado “moderno”.
As transformações da moda, que ocorrem em nossa sociedade, carac-
terizam fases da nossa história, que estão relacionadas aos modos de com-
portamento dos indivíduos, aos acontecimentos políticos de determinada
época e também aos grupos que estão no poder naquele momento. A análise
destas mudanças nos permite conhecer o tipo de música que predominava
nos diferentes períodos, os artistas que faziam sucesso, enfim, são várias
as associações que podem ser feitas a este tema.
É nesse contexto que iremos trabalhar, utilizando a moda como um
tema que traz lembranças, que envolve comportamentos, atitudes, além de
diversos tipos de acontecimentos que fizeram e fazem parte da realidade
de várias gerações.
Na primeira oficina, realizada em maio de 2005, foi utilizada, como
material para provocar e estimular a memória a gravação de um programa
exibido no canal GNT, intitulado O século da moda – cultura pelo corpo per-
feito. Neste documentário, eram mostrados vários aspectos da evolução das
modas masculina e feminina, tais como: a criação dos primeiros produtos
cosméticos, tratamentos de beleza, o surgimento da ginástica, entre outros.
Também se apresentavam os vários modelos/estereótipos de beleza femi-
nina e masculina entre as décadas de 1920 e 1980 – tipo físico de homens e
mulheres, as formas de maquiagem para as mulheres, os cortes de cabelo
e bigodes para os homens, além do desejo de parecerem jovens. A partir
dessa exibição, os idosos presentes puderam colocar suas impressões. Uma
senhora falou que usava outro corte de cabelo; outra se lembrou das roupas
que usava na lavoura quando era jovem (chapéu, saia e blusa de mangas
compridas para proteger do sol) e também das roupas dos fazendeiros
(chapéus de abas largas e botas) que faziam com que parecessem ricos e
poderosos. Recordou também sua beleza quando jovem e um vestido com
bolero que adorava usar. Falou ainda do comportamento na época: homem
só conversava com homem, e mulher com mulher. Outra relatou que pela
forma de se vestir dava para dizer a que classe social a pessoa pertencia.
Uma senhora comentou que a vaidade não mudou com o passar do
tempo. Houve também uma discussão envolvendo gênero, a partir do comen-
tário de que hoje os homens tiram as sobrancelhas. Um senhor disse que
“homem que é homem não tira sobrancelhas”; já outra senhora discordou,
ponderando que isso não interferiria na masculinidade.
Os idosos concordaram que estar na moda é parecer jovem, porém
nem todos acham que isso valha a pena. Uma das senhoras comentou que a
busca pela beleza chegou a tal ponto, que tudo é motivo para se fazer uma
plástica. É uma eterna insatisfação com o próprio corpo, e ela não concorda
com este padrão de beleza.
A segunda oficina analisada foi realizada em julho de 2006. Nesta, o
elemento provocador de memórias foi um conjunto de revistas de moda das
décadas de 1960, 1970 e 1980. A partir das imagens e da discussão gerada,
houve a sugestão de se realizar um desfile de modas, no qual os modelos
seriam os próprios participantes da oficina. O traje dependeria do gosto de
cada um, podendo ser social, esportivo, esporte fino etc. Um dado bastante
interessante foi que, na ocasião, os 16 idosos presentes concordaram com a
proposta, mas foram as mulheres as que mais se manifestaram. Os homens
aprovaram o desfile, mas não queriam participar dele, achando que era
coisa para mulher.
A data do evento foi marcada, e os homens continuaram relutantes
em participar, apesar de termos deixado claro para eles que o traje poderia
ser o que eles quisessem vestir no dia, e que seria mais um momento de des-
contração entre o grupo. Mesmo com as transformações ocorridas ao longo
dos tempos, estes senhores expressaram posições arraigadas culturalmente
sobre o comportamento masculino. As mulheres, no entanto, participaram
ativamente. Houve uma preparação do salão para que o desfile aconteces-
se, inclusive com demarcação da passarela. Entretanto, pareceu-nos que o
mais importante para elas no momento em que estavam desfilando era a
exibição para os que assistiam. Sem se importarem em seguir o trajeto da
passarela previamente combinado, paravam para tirar fotos e, por vezes,
cumprimentar os que assistiam. As mais tímidas desfilavam rapidamente;
outras iam com mais calma, parando para o flash das máquinas fotográficas.
Algumas idosas levaram mais de um traje para desfilar. Por isso, tiveram de
ser as primeiras a entrar, para que houvesse tempo para trocarem de roupa
e desfilarem novamente. Uma das senhoras levou parentes para assistir,
apesar de o desfile ser fechado; somente para os participantes da oficina.
Ao final da apresentação das idosas, elas mesmas sugeriram outro
desfile, com maior organização. A proposta agora era que pessoas de ou-
tras oficinas pudessem participar, e que o desfile fosse aberto ao público.
O desdobramento da oficina em um desfile e o comportamento das “nossas
modelos” podem revelar sonhos e desejos não realizados de estarem em uma
passarela, mas também podem reproduzir as imagens de glamour presencia-
das quando eram jovens nos bailes e concursos de misse, e as lembranças
das atrizes de Hollywood desfilando no tapete vermelho. A forma de andar,
desfilar e parar para as fotos aproximavam-nas bem mais das atrizes e misses
do que das top models de hoje. Como afirmamos anteriormente, as imagens do
passado tomam densidade no presente.
Além disso, podemos notar nos relatos que a questão de gênero se
fez presente. Os homens não toleraram “transgressões” ao paradigma de
comportamento masculino apreendido por eles: “homem que é homem não
tira sobrancelhas”, nem desfila; “isso é coisa de mulher”. Uma senhora se ma-
nifestou contrária a essa postura, pois para ela a masculinidade está ligada
à personalidade e não à aparência física.
Vieram à tona, de forma sutil, questões sociais retratadas na figura do
fazendeiro imponente, mostrando seu status, e a diferença social de quem
trabalhava na lavoura. Tudo isso, permeado pela lembrança do vestido
preferido e da beleza juvenil. Além disso, o código social de determinada
época e lugar se revelou com a descrição de que homem só falava com ho-
mem e mulher com mulher. Enfim, surgiram cenários que só poderiam ser
visualizados e compreendidos nas teias da memória e da cultura, durante
a realização das oficinas.
Em relação ao tema entretenimento, uma questão que frequentemen-
te se faz presente nas oficinas é a do acesso à cultura. Percebemos que a
maioria dos idosos que participa não só das oficinas, mas do programa em
geral, praticamente não teve acesso a espaços culturais como museus e tea-
tros. Nas oficinas que tratam do tema, direta ou indiretamente, são poucas
as pessoas que relatam idas a tais espaços. Como exemplo, selecionamos
uma atividade, realizada em 2005, em que buscamos retratar quais eram as
formas de entretenimento dos participantes na juventude.
Um dos senhores comentou que frequentava cinemas, praias e clu-
bes, que passou a juventude em Niterói e São Gonçalo, chegando a presidir
um clube na época. O grupo relembrou os lugares mais “badalados” das
proximidades. As praças foram citadas. A praça do Barreto, por exemplo,
lembrada por uma das idosas, era um local onde os namorados passeavam.
Ao fazer uma relação com a atualidade, o grupo comentou que esta praça,
antes palco de vários encontros de casais, hoje é reduto de mendigos.
Outro senhor disse que na juventude também ia a bailes, cinemas,
praças e namorava. Um senhor observou que o passeio na praça devia-se à
falta de televisão na época e, também por este mesmo motivo, as pessoas
viviam nos cinemas. Outro disse que gostava de ir a bailes e tinha carteira
de vários clubes onde ia dançar, o que sempre gostou de fazer. Aliás, muitos
desses idosos ainda gostam de dançar. A lembrança de bailes e grupos de
dança na juventude como principal forma de diversão está presente nas ofi-
cinas de dança de salão, onde as músicas reavivam memórias, e eles fazem
comentários a respeito. O corpo se movimenta no presente, mas a mente,
muitas vezes, está revisitando o passado.
As lembranças acionadas pelo tema juventude revelaram ainda outras
formas de diversão. Apesar da tradição do Brasil como “país do futebol”, os
homens presentes não relataram idas a estádios ou participação em jogos
de futebol. Surpreendentemente, foi uma mulher que trouxe para o grupo
essa questão: uma idosa disse, efusivamente, que gostava de futebol, que
ia assistir aos jogos do Flamengo, e ainda que, enquanto o marido não gos-
tava de fazer nada, ela gostava de tudo. Observou que sua irmã era igual
a seu marido, já seu cunhado era igual a ela, parecia que os casais tinham
sido trocados. Seu relato revela que o esporte era apreciado por homens e
mulheres (mesmo que em minoria) e que havia certo trânsito das mulheres
nesses redutos considerados masculinos.
Nesta experiência, as memórias intergeracionais se fizeram presentes.
A coordenadora da oficina contou que morou no interior onde as pessoas
iam para a praça e lá os jovens paqueravam também. Uma das estagiárias
deu o exemplo da cidade onde mora, Rio Bonito, dizendo que o mesmo acon-
tece ainda hoje por lá. Por estes relatos, pudemos observar que pessoas de
outras gerações viveram experiências em cenários parecidos, em locais e
épocas diferentes.
Diante dos relatos sobre o tema da oficina, nota-se que as lembranças
da maioria dos participantes sobre entretenimento na juventude enfatizam
a ida ao cinema, a bailes, os passeios na praça e os namoros. Percebemos
então que para a maioria desses idosos, quando jovens, o cinema era o
principal veículo para difusão cultural. Os principais locais de socialização
seriam as praças, praias e clubes (onde aconteciam os bailes).
Em relação ao teatro, só existem registros da participação dos idosos
do grupo nos relatórios da Oficina de Teatro e Memória, coordenada pela
professora Beatriz Venancio. Durante a realização de uma oficina, na qual a
professora buscava as referências teatrais dos idosos do grupo, apareceram
como opções de entretenimento as radionovelas, o cinema e o teatro. Vale
a pena registrar outros detalhes relacionados ao tema, que são revelados
neste momento.

O cinema é citado inúmeras vezes como o passeio de domingo. “As


domingueiras tinham três etapas: faroeste, jornal e o filme mesmo.
Tinha baleiro, tringuilim, lanterninha, uma bagunça total [...]”. Os
mais citados foram os americanos Suplício de uma saudade e O vento
levou. E, naturalmente, as chanchadas brasileiras. (VENANCIO, 2004,
p. 127-128).

Em relação ao teatro, as lembranças giram em torno do teatro de


revista:

A frase “Teatro para mim foram as revistas da praça Tiradentes”, dita


por uma senhora de 79 anos, no meio de um caloroso debate sobre as
peças a que haviam assistido, aponta com propriedade a herança teatral
do grupo. As que foram ao teatro uma única vez na juventude, foram
para assistir a uma revista de Walter Pinto. (VENANCIO, 2004, p. 128).

A autora destaca ainda que

[...] a revista a que o grupo se referia era a espetacular, um estilo que


surgiu a partir dos anos 40 e que já havia abandonado a idéia de passar
em revista os fatos de determinado ano, tornando-se mais luxuosa.
(VENANCIO, 2004, p. 129).

Outra questão também mencionada pelos participantes desse grupo,


conforme descreve Venancio (2004), é que havia um ritual para as idas ao
teatro. Do vestuário ao transporte, tudo era especial:

Tinha que combinar as luvas com os sapatos. Como eu sou muito


pequena, ele [o marido] mandava fazer para mim sob encomenda.
Cada vez de uma cor. Agora é cinza, agora é branco, agora é bege.
[...] sempre morei em Niterói. [...] Pegávamos a barca para atravessar
a baía. Era uma delícia aquela barca. Íamos conversando, trocando
ideias. (VENANCIO, 2002, p. 204).

Percebemos, desse modo, que a memória, dentro do contexto cultu-


ral, permite que cenários sejam visualizados e que transpareçam hábitos,
costumes, valores e questões socioeconômicas das épocas trabalhadas.

Referências

ABREU, Regina. Chicletes eu misturo com bananas? Acerca da relação en-


tre teoria e pesquisa em memória social. In: GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera
(Org.). O que é memória social? Rio de Janeiro: Contra Capa / Programa de
Pós Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, 2005. p. 27-43.

DODEBEI, Vera. Memória, circunstância e movimento. In: GONDAR, Jô;


DODEBEI, Vera (Org.). O que é memória social? Rio de Janeiro: Contra Capa
/ Programa de Pós Graduação em Memória Social da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, 2005. p. 43-55.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da


língua portuguesa. 11. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 1969.

JESUS, Andréia Maria de. Relato sobre a oficina de memória com o tema
moda, do dia 20/05/2005, extraído do Diário de Campo, 2005.

ROUÇAS, Denise dos Santos. Relato sobre a oficina de memória com o tema
moda, do dia 20/5/2005, extraído do Diário de Campo, 2005.

VENANCIO, Beatriz Pinto. Lembranças de um vestido de noiva. O Percevejo,


Rio de Janeiro, v. 9/10, n.10/11, p. 201-209, 2001-2002.

_______. Teatro de lembranças: registro cênico-dramatúrgico da memória.


2004. Tese (Doutorado em Teatro)-Programa de Pós-Graduação em Teatro.
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. p.
127-130.
II PARTE: Casa, família e objetos

Memórias da casa

Beatriz Pinto Venancio

José Saramago (2006) confessou o poder reconstrutor da memória


capaz de levantar as paredes de sua casa de infância e redesenhar a paisa-
gem ao seu redor. O tema da primeira casa, ou da casa de infância, é caro
às autobiografias e foi ele que levamos para uma experiência diferente em
uma das oficinas. A proposta consistiria, desta vez, na revelação da memória
por intermédio da escrita. Não a fala solta e livre, a narração espontânea
e indisciplinada. Queríamos trabalhar a memória organizada pela escrita,
declaradamente rearranjada pelo processo inerente ao ato de escrever. Uma
memória que não brotasse do impulso da fala, provocada pelo discurso do
outro. Desta vez seria uma memória rascunhada e reescrita, rica em detalhes
e possível de ser colorida com o pincel do tempo. Esta é uma das possibi-
lidades de trabalhar na oficina de memória quando o grupo é pequeno e o
grau de escolaridade permite. É possível, então, com base nos fragmentos
de memória escritos, brincar com a construção de textos coletivos, unir os
pedaços que surgiram desgarrados, desconstruir e construir histórias, fazer
surgir um relato de vida escrito que é de todos e de ninguém.
Iniciamos a oficina provocando as lembranças com a varinha mágica
da boa literatura. Trabalhamos com leituras de crônicas de Clarice Lispector
(1994) e trechos do livro Minha vida de menina, de Helena Morley (1998).
Lispector nos ajudou a pensar na escrita como descoberta: “ao escrever, eu
me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas
vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não
sabia que sabia.” Já Morley preparou o terreno da imaginação e da entrada
em um lugar até então inabordável para aquele grupo, o território da escrita
do passado.
A intenção era pedir licença para adentrar suas casas de infância,
conhecer quintais e quartos, cantos e objetos. Portanto, não era a rígi-
da descrição das casas que nos interessava, mas a imagem que havia
ficado em suas lembranças, o encontro da concha inicial. “Evocando
as lembranças da casa, adicionamos valores de sonho. Nunca somos ver-
dadeiros historiadores; somos sempre um pouco poetas, e nossa emoção
talvez não expresse mais que a poesia perdida.” (BACHELARD, 2000, p. 26).
Com base nestas leituras e nas discussões posteriores, surgiram as
produções que mostrarei a seguir, algumas assinadas, com letra redonda e
data, outras anônimas, quase sem pontuação, como se a oralidade perma-
necesse ali.1 Lendo e relendo o material produzido pelo grupo, podemos
perceber que, quando aqueles sujeitos se colocam diante desta substância
informe que é a memória, é como se rasgassem a sua camada protetora,2
fazendo surgir uma matéria bruta. Um mosaico construído por imagens de
fatos cotidianos acontecidos em território de intimidades e afetos. Com o
cuidado de quem lida com pequenos estilhaços de vida e procurando cons-
truir uma comunidade de discurso, fomos visitando estas casas, abrindo
portas e janelas de um tempo bem distinto do atual.

A casa que eu nasci era modesta, com três quartos, sala, banheiro
e uma cozinha muito grande. Tinha uma mesa comprida, com dois
bancos. Um de cada lado. As nossas refeições eram feitas nesta mesa,
tinha uma varanda que dava para o quintal com árvores e flores. O pé
de eucalipto era tão alto que quando ventava ele se dobrava cumpri-
mentando a todos. Tinha uma goiabeira, onde meu pai fez um balanço,
que eu adorava o vai e vem e a parreira de uvas pretas tão gostosas.
À tarde sentávamos à sombra desta parreira. Mamãe fazendo crochê
ou flores de papel crepom. Lembro que ela falava: quando chegar
perto do natal já estará tudo pronto. Vovó gostava de desfiar saco de
padaria para trabalhar as franjas, com pequenos nozinhos. Eu gostava
de ajudar a desfiar, às vezes eu pulava corda ou brincava com a minha
boneca e assim passávamos a tarde.

As belas imagens construídas nestas lembranças carregam também


valores de ordenamento do mundo, a mesa comprida que abrigava a família
extensa, e têm um efeito de paralisar o tempo criando fotogramas como o ba-
lanço na goiabeira, a avó desfiando e trabalhando os fios do saco de padaria.

Aos seis anos, as crianças, naquela época, ainda não podiam ir para a
escola. Então, nossa vida era brincar no grande quintal, colher todas
as frutas que podíamos (e subir em seus galhos e num deles cada um
fazia a sua “casinha”, com o nome gravado no tronco. Lá para cima
levávamos (as meninas, é claro) as bonecas de pano feitas pelas

1
Não fiz correções. As únicas alterações são para efeito de melhor compreensão.
2
Metáfora utilizada por Renato Mello (1999) na análise que faz da obra Infância, de Nathalie
Sarraute.
mamães, roupinhas, panelinhas etc. e os meninos levavam apitos,
revólveres de madeira, bolas de meia. E nos comunicávamos, de uma
árvore à outra, pelos telefones improvisados, feitos de latas com um
furo onde passava o fio.

A vivência da casa da infância e seu entorno, as relações que ali se


estabelecem, o jogo de forças ou de cumplicidade, tudo isto colabora na
formação do sujeito e contém os primeiros atributos da identidade. Afinal,
para além do traço de lugares, cheiros, pessoas e ambientes que guardamos
em nossa memória, uma visão de mundo também é revelada nos relatos.

Lembro que não havia pressa, antigamente o tempo parece que corria
devagar. As pessoas eram mais risonhas. Não havia tantos problemas
como hoje. As pessoas só choravam quando perdiam algum parente
ou se alguém ficasse doente. As festas eram simples, havia um bolo,
docinhos e refrigerantes. Diferente de hoje que toda festa tem um es-
toque de bebidas alcoólicas, e excesso de comida. Hoje as coisas são
muito extravagantes e corridas. A vida peca pelo excesso.

Um lugar não existe sem seu cheiro (MUXEL, 1996, p. 105). São os
odores e sabores guardados na memória que permitem desenhar a movi-
mentação dos membros da família no interior da casa, os cantos preferidos
e os afetos que permearam as relações.

A casa era antiga com uma fachada linda. O terreno era muito grande, e
havia muitas árvores e flores, no quintal e no jardim. Havia uma planta
chamada dama-da-noite. Era uma florzinha branca que perfumava o
ar da noite, que entrava pelas janelas e perfumava a casa toda. Eu era
muito criança, mas nunca me esqueci desse cheiro maravilhoso. Às
vezes, quando passo em algum lugar e sinto esse cheiro, me transfor-
mo por minutos naquela criança e viajo para o passado por alguns
minutos sonhando. E me lembro dos dois bancos grandes no jardim,
onde todos se reuniam para conversar, sobre os filhos, o colégio, o
dia a dia da vida, sobre uma notícia ou outra que vinha pelo correio,
de parentes distantes.

Mas não posso deixar de falar do pé de jasmim que era bem perto da
varanda e o seu perfume exalava por toda a casa.
Era uma casa simples, mas era bonita. No quintal desta casa tinha
um pé de jamelão bem grande e dava muitas frutas. Era a nossa fruta
preferida, porque minha vó com quem eu morava, era muito pobre,
não podia comprar outras frutas. Com toda nossa pobreza, o tempo
mais feliz de minha infância foi nesta casa.

[...] eu vou falar de um costume que a minha vó tinha, ela não comprava
café moído, só comprava café em grão. Em casa ela torrava e socava no
pilão, até ficar bem fininho, depois coava o café em um coador de pano,
ficava uma delícia. Eu adorava sentir aquele cheirinho tão delicioso,
daquele café que era tão gostoso, depois que ela morreu, nunca mais
eu tomei café daquele jeitinho que ela fazia. Até hoje eu me lembro
com saudade daquele cheirinho tão gostoso.

O impacto ao ver um prédio no lugar daquela casa de infância pro-


vocou, em algumas destas pessoas, o sentimento de não permanência dos
espaços de pertencimento e de construção de identidades. No entanto, como
afirmou Bosi, podem destruir as casas e mudar o curso das ruas, mas “à
resistência muda das coisas, à teimosia das pedras, une-se a rebeldia da
memória que as repõe em seu lugar antigo.” (BOSI, 1994, p. 452).

[...] Hoje, no lugar daquela casa ergueram um prédio enorme, ali


sepultaram os sonhos, as flores, o jardim e as árvores. Onde foi
parar aquele mundo mágico e maravilhoso? Não sei, se perdeu no
tempo como um sonho, que teimou em ficar no coração e mente.
Essa casa foi um dos meus preciosos espaços da minha vida, da
minha infância irresponsável que o tempo se encarrega de afastar
para tão longe.

A casa ficava rente a calçada, com duas grandes janelas dando para
a rua. O número da casa era 60. A varanda ficava ao lado da casa e
era comprida. Na mesma rua adiante ficava o colégio onde mais tarde
estudei, e que até hoje é o mesmo e tem o mesmo nome. A casa não
existe mais, foi tombada para passar uma rua transversal justamente
em cima dela.

Peter Brook, dramaturgo inglês, quando escreveu um livro autobio-


gráfico, afirmou que poderia chamá-lo de Falsas Memórias. Não havia de sua
parte uma intenção de mentir, mas sim a crença de que “o cérebro parece
manter uma reserva de sinais fragmentados que não possuem cor, som ou
gosto, e que aguardam o poder da imaginação para dar-lhes vida. Em certo
sentido, isso é uma bênção.” (BROOK, 2000, p. 11).

Nossa casa era grande [...] e havia um cantinho que eu gostava muito,
era no quarto da minha mãe. Tinha um grande oratório em que eu
ficava admirando os santos e me transportava para as imagens que eu
ficava maravilhada em vê-las. Sentia que eu fazia parte daquele quadro.

A experiência desta oficina nos permitiu um sobrevoo pela cidade


constituída, naquele período, por grandes casas e chácaras, muitas das
quais abrigavam a família extensa. Para além da nostalgia, presente em al-
guns escritos, a infância é marcada por brincadeiras ingênuas e convivência
com os familiares.

Até os meus seis anos de idade, morei num casarão que ficava numa
chácara maravilhosa, aqui mesmo em Niterói. Morávamos eu, meus
pais e duas irmãs, meus tios, tias e cinco primos. Um verdadeiro clã,
governado, com autoridade e doçura ao mesmo tempo, pela minha
avó, a matriarca D. Augusta.

[...] Era uma casa amarela muito simples, de quarto, sala, cozinha
e uma varanda e banheiro do lado de fora, nos fundos, os cômodos
grandes. Na frente um jardim grande e nos fundos um grande quin-
tal com fruteira e um balanço feito por meu pai. Lembro que minha
mãe dizia que era o enxoval do meu pai. O orgulho da casa própria,
que ele tanto falava, construída por ele e seus irmãos. [...] Esta casa
ficava próximo a casa de minha tia madrinha e dos meus tios, o que
era ótimo. Eles me davam muito carinho, contava histórias, me dava
doces, como eu fugia para lá. Quando meu pai vendeu esta casa,
senti muito a falta dos meus amigos de infância, das brincadeiras,
principalmente as de roda.

Voltar no tempo, lembrar da minha infância, dos meus pais, irmãos,


minha avó materna – matriarca – a conselheira carinhosa, que me ensi-
nou a rezar. Do meu tio Antônio, que comprava bonecas e as colocava
no pombal só para dizer: “Olha o que as pombinhas trouxeram para
você!” E eu acreditava.
Enfim, nesta oficina em que trabalhamos as lembranças escritas, per-
cebemos como foi possível para estas pessoas elaborarem um inventário
de sua infância povoada de sonhos, cicatrizes e pequenas alegrias. Fugindo,
neste dia, dos relatos orais, lugar da desordem no ato de lembrar, elabora-
mos com o grupo um retalho de sua trajetória pessoal e coletiva, criando,
no momento da leitura dos textos, um diálogo íntimo entre eles. Afinal, “a
individualidade de um texto é sempre parcial e relativa: todo discurso ao
criar a sua realidade mantém um jogo de relações (de identidade e de dife-
renças) com os outros discursos.” (SANTOS, 1989, p. 89).
Escrevendo sobre seu canto de mundo cravado no tempo, cada um
destes sujeitos pôde, por alguns instantes, interromper o ritmo frenético
da sociedade atual e mergulhar em si mesmo. Com o grupo, foi possível
partilhar um texto infinitamente precioso para cada um. Expressão de sua
própria pessoa e história, revelação de sua identidade, estes textos, aos seus
olhos, abrigaram, sem sombra de dúvidas, todas as explicações (MILLION-
LAJOINIE, 1999, p. 145).

Referências

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7-12, 1985.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BERTAUX-WIAME, Isabelle. Des formes et des usages: histoires de famille.


L’Homme et la Societé, Paris, v. 90, n. 4, p. 25-35, 1988.

_______. Mémoire et récits de vie. Penélope, Paris, n.12, p. 47-54, 1985.

BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Com-


panhia da Letras, 1994.

BROOK, Peter. Fios do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

COENEN-HUTHER, Josette. La mémoire familiale. Paris: L’Harmattan, 1994.

DEVREUX, Anne-Marie. La mémoire n’a pas de sexe. Penélope, Paris, n. 12,


p. 55-68, 1985.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1999.


GINZBURG, Natalia. Todas as nossas lembranças. São Paulo: Círculo do livro,
1986.

GOLDANI, Ana Maria. As famílias no Brasil contemporâneo e o mito da de-


sestruturação. Cadernos Pagú, Campinas, n. 1, p. 67-110, 1993.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco


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MELLO, Renato. A memória tropismal de Nathalie Sarraute. Gragoatá. Niterói,


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MILLION-LAJOINIE, Marie-Madeleine. Reconstruire son identité par le récit


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MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras,
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MUXEL, Anne. Individu et mémoire familiale. Paris: Nathan: VUEF, 2002.

PRADO, Adélia. Manuscritos de Felipa. São Paulo: Siciliano, 1999.

SANTOS, Roberto C. dos. Para uma teoria da interpretação. Rio do Janeiro:


Forense Universitária, 1989.

SARRAUTE, Nathalie. Infância. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


Memória familiar

Sue Ellen Vargas Lopes e Renata Amaral de Sá

Uma significativa consideração a respeito da memória familiar é ex-


pressa por Muxel.1 Para ela, a memória familiar ultrapassa a simples ligação
entre passado e presente, é como um baú que guarda lembranças de infância,
interesses, omissões, esquecimentos, saudades e pesares de hoje. Portanto,
a lembrança da história familiar não é descrita como uma única forma de
pertencimento ou de rejeição, podendo, assim, a família ser o espaço tanto
de felicidade quanto de grandes conflitos e tristezas. Deste modo, podemos
afirmar que a identidade social de cada indivíduo é formada por meio do
trabalho da memória que enuncia tanto o pertencimento quanto a necessi-
dade de diferenciação.
A visão retrospectiva da vida familiar depende da posição atual dos
indivíduos na família, e a representação desta não é constante, nem tempo-
ral nem espacialmente, havendo, assim, uma variação do modelo familiar,
que depende da trajetória de vida e do espaço de ação como portadores de
papéis sociais familiares (BARROS, 1989, p. 75). Neste contexto, a família é,
ao mesmo tempo, objeto das recordações dos indivíduos e espaço em que
estas recordações podem ser avivadas.
Ao nos referirmos à memória familiar, no presente texto, não podemos
deixar de fazer uma ligação com o processo de envelhecimento e privilegiar
as estratégias de afirmação nos espaços sociais do ser velho e na construção
de sua identidade. Segundo Ferreira, é no mundo vivido que as identidades
se constroem e se afirmam, e é do passado que os velhos se nutrem (FER-
REIRA, 1998, p. 211).
A família é lembrada nas narrativas biográficas, além de aparecer
de maneira simbólica nas várias imagens do idoso. As vivências fami-
liares permeiam, a todo momento, as lembranças e falas dos velhos.
Nos seus relatos de lembranças de família, transmitem bens simbóli-
cos perpetuados por meio das gerações futuras, passando aos mais
jovens aprendizados de uma vida inteira. Neste sentido, reafirmam
a família como sendo uma instância fundamental na sociedade para a cons-
trução da identidade do sujeito. Neste contexto, é importante perceber a

1
Tradução realizada por Beatriz Pinto Venancio, para utilização em aula ministrada no curso
de Mestrado em Política Social do Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social,
UFF, baseada no livro MUXEL, Anne. Individu et memoire familiale. Paris: Nathan/VUEF, 2002.
relevância destes idosos na posição de testemunhas vivas das transforma-
ções que vêm ocorrendo no seio familiar, reveladas em seus depoimentos
e reflexões.
Ao trabalhar a memória familiar em algumas oficinas, pudemos perce-
ber que é muito comum os participantes concordarem com certos aspectos
presentes na família de antigamente, tais como a criação dada pelos pais,
a relação dos jovens na época do namoro e o posicionamento da família
diante disto. Outro aspecto se refere à questão de gênero, da submissão da
mulher que há muito vem direcionando a criação de meninos e meninas de
uma forma diferenciada, sendo os primeiros preparados para o trabalho,
enquanto elas, para o lar. Tais questões estão ligadas à cultura e aos hábitos
da época em que estas pessoas viveram e que, em alguns aspectos, ainda
prevalecem não só nas suas lembranças, mas em comportamentos e modos
de pensar atuais.
Para elucidar melhor esta reflexão, faremos uma análise de três
oficinas realizadas sobre a temática “família”, abordando questões sobre
educação, namoro e casamento.
Na oficina realizada em agosto de 2005, cujo tema foi educação dos
pais de antigamente, pudemos notar que, em sua grande maioria, os partici-
pantes expuseram lembranças ligadas ao modo rígido e severo como foram
educados. Eles próprios fizeram uma comparação entre a criação que tiveram
e o modo como as crianças são educadas atualmente. Os filhos de ontem
se tornaram os pais e avós de hoje. O que mudou e o que se manteve com
relação a valores, hábitos e modos de educar os filhos? A diferença quanto à
criação que era dada aos filhos no passado e a que é dada hoje é uma questão
que aparece constantemente, e, neste contexto, o que se pode notar é que
boa parte dos valores relacionados à criação vem sendo deixada de lado.
Nesta oficina, por exemplo, quando falamos sobre a rigidez e o conser-
vadorismo daqueles tempos, os idosos recordaram-se da época, referindo-se
a ela com um certo ar de crítica, como se atualmente, por conta de uma cria-
ção mais liberal, a educação fosse melhor. Entretanto, em outros momentos,
o posicionamento foi diferente. Ao falarem sobre certos comportamentos da
família de antigamente, como a hora das refeições, momento de encontro
ao redor da mesa, quando contavam suas atividades, discutiam e jogavam
conversa fora, lamentaram que este hábito tenha se perdido, frisando que
nem tudo que é novo é mais adequado.
Na oficina sobre namoro, em junho de 2006, a discussão aproximou-
se muito da ocorrida na oficina anterior. O namoro tinha de ser em casa, o
rapaz interessado precisava, antes de tudo, pedir a autorização do pai da
moça para namorá-la, o que reflete um pouco da educação “repressora” e
“conservadora” comentada pelos idosos na oficina sobre educação dos pais
de antigamente.
Apesar das críticas à educação “conservadora” da época, um comen-
tário comum entre boa parte das idosas participantes do programa é o fato
de os namoros atuais estarem muito “avançados”. Elas costumam dizer que
os jovens não seguem mais todas as etapas formais nos relacionamentos,
como namoro, noivado, casamento e lua de mel. Para elas, perdeu-se o res-
peito e os encantos antes existentes.
Uma idosa contou sobre seu namorado que acabou se tornando seu
marido. Ela o conheceu em frente a sua casa, pois ele era motorista de um
caminhão de cerveja e todo dia parava na sua rua, e ela levava água para
ele. Um dia, seu pai viu os dois juntos, e o rapaz teve de ir até a casa dela
conversar com ele para pedi-la em namoro. Assim que chegou, seu pai jogou
uma cadeira do lado de fora da casa para o rapaz sentar e conversar dali
mesmo. A partir de então, os dois começaram a namorar em casa, com os
pais dela acompanhando, e mais tarde se casaram. Contudo, ela nos revelou
não ter sido feliz no casamento e agora que é viúva não quer mais saber de
casar ou namorar. A idosa mostrou armazenar em sua memória momentos
muito divertidos de quando começou a namorar aquele que viria a ser seu
marido. No entanto, o mesmo tema fez com que também lembrasse momentos
tristes referentes à época em que estava casada.
Outra idosa nos contou que aos 14 anos de idade seu pai arranjou dois
rapazes, um para ela e outro para sua irmã. Mas ela “não se agradou” do
moço e disse ao pai que não queria se casar. Furioso, ele falou que “ou ela
se casava ou poderia ir embora de casa”. Sendo assim, no dia seguinte, bem
cedinho, ela arrumou suas roupas, deixou um bilhete e foi embora. Começou
a vida trabalhando como babá na casa de uma senhora que uma amiga dela
conhecia. Só foi reencontrar o pai muitos anos mais tarde, quando já estava
casada e com seis filhos homens. Podemos observar que o tema proposto
provocou nesta idosa a lembrança de uma história de luta que começou
ainda na adolescência, transformando toda sua vida, devido à autoridade
do seu pai e aos costumes da época.
A maioria das lembranças apresentadas pelos participantes nesta
oficina nos leva, novamente, a pensar nas diferenças na forma de educar e
no enfrentamento de questões como o namoro, quando se compara aquela
época aos nossos dias. As moças eram educadas para obedecer, serem sub-
missas aos pais e, posteriormente, aos maridos. Na oficina descrita adiante,
veremos uma discussão mais detalhada a este respeito.
Com relação às mudanças referentes ao namoro e ao casamento,
observa-se que ocorreram transformações tanto no interior da família como
na sociedade, provocando uma reformulação das relações afetivas. Por meio
das narrativas dos idosos é possível perceber diferenças, tanto no que diz
respeito ao namoro quanto ao casamento que, segundo eles, antes era tido
como eterno, e hoje em dia é desfeito rapidamente.
De acordo com Berquó (1998), nos últimos anos, aumentaram as
separações e os divórcios, os jovens passaram a se casar mais tarde, em
comparação a duas décadas atrás, diminuiu também significativamente o
número de casamentos e aumentou o número de famílias reconstruídas,
as uniões de fato, as famílias monoparentais e as chefiadas por mulheres.
A independência econômica dos cônjuges também é um fator a ser
levado em conta, pois pode facilitar a ruptura do vínculo familiar, quando a
convivência não é mais fonte de satisfação e prazer.
Em maio de 2007, foi realizada a oficina sobre casamento. Fotos e re-
vistas com imagens de noivos, festas, bolos, enxoval, objetos de casa foram
utilizados pela coordenadora como provocadores da memória. A grande
maioria das mulheres escolheu imagens de vestidos de noiva, outras optaram
pelo bolo de casamento, e uma delas preferiu falar sobre o enxoval. Esta
senhora nos contou que preparou o enxoval por cinco anos, e um incêndio
destruiu tudo. Isto provocou nela, na época, uma grande tristeza, mas refez
o enxoval e um tempo depois se casou.
Por meio de imagens é possível provocar nos participantes memórias
de acontecimentos marcantes, como foi o caso desta lembrança. De modo
geral, o casamento representa para as mulheres uma data repleta de emo-
ções, devido a toda a tradição que o acompanha até os dias de hoje. Para
os homens, no entanto, a situação é diferente, como veremos mais adiante.
Uma participante relatou que o padrasto quis fazer sua festa de casa-
mento no quintal. Quando os noivos estavam chegando, começou a chover,
e as crianças, em algazarra, acabaram estragando o bolo e os doces, en-
quanto aguardavam a chuva passar. Com isso, não houve a festa conforme
o planejado. Ela demonstrou certa mágoa, principalmente das crianças que
estragaram sua festa. A partir daí, outras idosas recordaram imprevistos
ocorridos em seu casamento. Uma senhora, por exemplo, falou que havia
uma festa junina perto da sua casa. Ela acha que os convidados que estavam
na igreja foram parar lá, pois não foi quase ninguém à comemoração de seu
casamento. Outra senhora relatou que se casou na Paraíba e, como o único
carro que havia na região quebrou, a família, que morava na roça, não pôde
ir. Contou também que casou só no cartório e de vestido curto. Aliás, a
imagem de noiva escolhida por ela, usava blazer e saia bege, com detalhes
em renda, que, segundo ela, lembrava muito a sua roupa.
Em relação aos homens, três deles disseram não ter nada interessan-
te para falar sobre o dia do casamento, um dia normal, com tudo o que as
mulheres haviam contado, a respeito da igreja e festa na casa da noiva. Um
participante nos contou que um parente era gerente do hotel Copacabana
Palace, e a festa de seu casamento foi lá. Ganhou também a lua de mel com
tudo pago, o que foi maravilhoso. No entanto, durante a festa, um amigo fez
uma piada de mau gosto. Colocou duas empadas em seu bolso e fez uma
brincadeira de modo que elas fossem espremidas lá dentro, sujando-lhe o
terno novo. Isto o deixou tão furioso, que ele agrediu fisicamente o tal amigo.
Depois de um tempo, recordou-se, os dois voltaram a se dar bem.
É interessante notar a forma sintetizada com que os homens descreve-
ram o dia do seu casamento, muito diferente das mulheres que lembraram
os mínimos detalhes como roupas, doces e até as músicas tocadas. O que
preocupava os homens na hora de se casar não era a festa ou a roupa, mas
sim as questões financeiras, como a compra da casa, da mobília e o sustento
da família.
Em determinado momento da oficina, uma senhora falou que estava
casada havia 47 anos, e outra lhe perguntou se era feliz. Ela disse que ninguém
é feliz o tempo todo, que isto não existe. O grupo concordou, com exceção
do senhor que contou a história do Copacabana Palace. Ele disse ter sido
completamente feliz e que adorava a esposa, já falecida. Afirmou então que
outra senhora ali presente era testemunha disso. Esta senhora, no entanto,
falou que a felicidade fundava-se na submissão da esposa dele, que só fazia o
que ele queria. Em tom de brincadeira, outra senhora interveio dizendo que
teríamos de perguntar à falecida. Neste momento, o senhor, que já frequen-
ta a oficina há muitos anos, reagiu dizendo que já estava cansado daquela
história de ver o sexo masculino ser massacrado em todas as reuniões em
que o relacionamento homem e mulher aparece. No entanto, naquele dia,
confessou estar satisfeito de ver que todo mundo critica, mas que todas
correram atrás do casamento. Segundo ele, não era mau marido, sempre
ajudou a esposa em casa e com os filhos.
O tema da igualdade entre homens e mulheres no cotidiano da
convivência familiar vem sendo discutido amplamente no decorrer dos
últimos anos. Estas experiências dão origem a formas mais democráticas e
igualitárias de partilhar tarefas e responsabilidades entre marido e mulher.
Nas relações familiares, as mulheres vêm deixando de ser submissas aos
maridos, tornando-se mais independentes, passando a ter maior liberdade
de escolha. Além disso, a família não é mais um assunto de pertencimento
exclusivo da esfera feminina (PETRINI, 2005).
Finalmente, é interessante observar que nas três oficinas, levando-se
em consideração o tempo presente, a forma como estes idosos narram suas
experiências revela uma série de mudanças em que eles ocupam o papel
de mediadores entre as gerações e transmissores do valor social atribuído
à família.

Referências
ALVARENGA, Maria Carmen V. B. H. Relatório da oficina de memória sobre
casamento. Niterói. Arquivo pessoal. 2007.

BARROS, Myriam M. Lins de. Autoridade e afeto. Rio de Janeiro, J. Zahar. 1987.

BERQUÓ, E. Arranjos familiares no Brasil: uma visão demográfica. In:


SCHWARCZ, L. M. (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1998. p. 411-38, v. 4.

DAMASCENO, Tatiana Sylvestre. Relato sobre a oficina de memória com o


tema Criação dos Pais, extraído do Diário de Campo, 2005.

_______. Relato sobre a oficina de memória com o tema Namoro, extraído


do Diário de Campo, 2006.

_______. Relato sobre a oficina de memória com o tema Casamento, extraído


do Diário de Campo, 2006.

FERREIRA, Maria Letícia Mazzucchi. Memória e velhice: do lugar da lem-


brança. In: BARROS, Myriam (Org.). Velhice ou terceira idade. Rio de Janeiro:
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HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Laís Teles Benoir. São


Paulo: Centauro, 2004.

JESUS, Andréia Maria de. Relato sobre a oficina de memória com o tema
Criação dos Pais, extraído do Diário de Campo, 2005.

MOTTA, Brito da. Sociabilidades possíveis: idosos e tempo geracional. In:


PEIXOTO, Clarice. Família e envelhecimento. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
MUXEL, Anne. Individu et mémoire familiale. Paris: Nathan/VUEF, 2002.
Tradução realizada por Beatriz Pinto Venancio, para fins didáticos, utilizada
em aula ministrada para o curso de Mestrado em Política Social, DSSN, UFF.

OLIVEIRA, José F. P. de. Marcas do tempo – envelhecimento. A família e sua


trajetória entre valores e gerações, 2003. Disponível em: <http://www.sbggrj.
org.br/artigos/marcas.htm>. Acesso em: 3 out. 2007.

PETRINI, J. C. Mudanças sociais e familiares na atualidade: reflexões à luz


da história social e da sociologia. Memorandum, 8, p. 20-27. Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos08/petrini01.htm>. Acesso
em: 3 out. 2007.

ROUÇAS, Denise dos Santos. Relato sobre a oficina de memória com o tema
Criação dos Pais, extraído do Diário de Campo, 2005.

SÁ, Renata Amaral de. Relato sobre a oficina de memória com o tema Namoro,
extraído do Diário de Campo, 2006.

SIMIONATO, Marlene A. W. & OLIVEIRA, Raquel G. Funções e transformações


da família ao longo da história. Disponível em: <http://www.abpp.com.br/
abppprnorte/pdf/a07Simionato03.pdf>. Acesso em: 3 out. 2007.
Objetos biográficos

Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

Ao utilizarmos o método de história oral como fonte, seja para entre-


vista ou em grupo para uma oficina, há uma interação entre os narradores e
entrevistadores/coordenadores de oficinas. Ao prepararmos a oficina, desde a
escolha do tema, das dinâmicas e materiais a serem utilizados, estamos sendo
influenciados pelos textos lidos, experiências anteriores, nossas questões e
preferências pessoais, enfim todo o conhecimento acumulado sobre o que
estamos escolhendo realizar.
Há algum tempo, ao estudarmos a questão da memória, um tema des-
pertou nosso interesse – os objetos biográficos e de valor afetivo. Almeida
os define assim:

Os objetos biográficos são construções do mundo material que incor-


poram experiências de vida de seu possuidor. Como fonte de descober-
tas, o objeto biográfico ancora memórias que estimulam performances
narrativas do colaborador. O significado biográfico dado ao objeto é
efetivado na presença constante deste elemento material na vida de
seus proprietários. (ALMEIDA, 2000, p. 1).

Bosi (2003) cita o relógio da família, o álbum de fotografias, a meda-


lha do esportista, a máscara do etnólogo, o mapa-múndi do viajante, como
exemplos desses objetos. Ficamos, então, interessados em pesquisar como
isso apareceria nas oficinas. Quais seriam os objetos ancoradores de me-
mórias? Haveria similaridades entre eles por serem pessoas de uma mesma
geração? Como os idosos participantes se relacionavam com os objetos?
Resolvemos, então, a partir do nosso próprio interesse na questão, levar o
tema para as oficinas.
Em várias oportunidades, desenvolvemos as oficinas em torno dos
objetos biográficos, mas para este texto selecionamos duas. O critério de
escolha foi a qualidade das informações contidas nos diários de campo.
Na primeira, as oito participantes eram mulheres, levaram objetos,
e na segunda, de quinze participantes entre homens e mulheres, somente
duas mulheres levaram objetos.
Em 2000, solicitamos ao grupo que levasse para nosso encontro na
oficina pequenos objetos de valor afetivo, que fizessem parte de sua história
ou tivessem pertencido a alguém especial em suas vidas. Foram levados
os seguintes objetos: um cartão de amor do primeiro namorado de uma
das participantes; uma caixinha contendo uma rosa seca que uma senhora
ganhou num show do cantor Roberto Carlos (o artista beijava as rosas e
jogava algumas para a plateia); um porta-retratos com a foto do casal, uma
carteira de identidade, que representava um troféu – a conquista, depois da
repressão sofrida por uma idosa, cujo marido não queria que ela trabalhasse
ou tivesse documentos; um anel do marido falecido que era para a esposa
uma lembrança muito forte; mais um botão de rosa seco (vermelho) que uma
senhora ganhou, quando era jovem, de um rapaz por quem foi apaixonada;
uma chupeta do sobrinho-neto de uma senhora solteira e sem filhos, que
era chamado por ela de “sol da minha vida”, para quem havia até feito uma
poesia expressando seu amor; um livro com a imagem de S. Francisco de
Assis que outra participante narrou ter operado um milagre em sua família.
Em 2007, pedimos também que nos trouxessem, do mesmo modo,
objetos pequenos por serem fáceis de transportar. Na primeira tentativa,
somente uma senhora levou um chaveiro antigo com as chaves penduradas.
Este chaveiro havia sido de um cunhado que a ajudou muito durante toda
a sua vida.
Na oficina seguinte, como somente duas senhoras haviam levado os
objetos, resolvemos mudar de tática e pedir que as pessoas falassem sobre
esses objetos.
Logo no início, se estabeleceu a memória-diálogo, a partir do relato
dessa senhora que levou novamente o chaveiro. Algumas pessoas começa-
ram a falar de objetos que haviam pertencido a pessoas queridas. Uma se-
nhora lembrou que também carregava sempre com ela as chaves e o chaveiro
do marido falecido – o pingente de couro, original, havia se desgastado, e ela
o substituíra por uma correntinha com contas e miçangas. Tirou-o, então,
da bolsa e nos mostrou o chaveiro. Relatou-nos que algumas das chaves ela
não sabia de onde eram, mostrou também um pequeno abridor de garrafas
pendurado no chaveiro, que o marido usava diariamente no bar onde tra-
balhava e do qual era proprietário. Repetiu com emoção o gesto de abrir a
garrafa no ar, como se o visse fazer. Seu rosto estampava um sorriso e um
olhar melancólico e meio distante.
Outra senhora nos contou sobre uma boneca que havia pertencido a
sua irmã, também falecida, que era deficiente física e costureira. Ela usava a
boneca como manequim para fazer as roupas, pois tinha dificuldades para
sair de casa. A mulher confessou-nos que tratava a boneca como se fosse
uma criança, comprando-lhe roupas e vestindo-a. Inclusive em uma loja,
onde usualmente compra essas roupinhas, as vendedoras pensam que são
realmente para uma criança e perguntam como vai sua filha. Sem dizer a
verdade, ela fala que um dia vai levar a menina lá para elas conhecerem.
Essa história foi contada de forma divertida, as pessoas quiseram
saber o nome da boneca, e ela disse que a chamava de minha filha, apenas.
Então, como em um mergulho na infância, várias mulheres sugeriram que ela
trouxesse a boneca em outra ocasião e fizessem seu batizado – brincadeira
usual nas gerações passadas. Recomendaram, ainda, que ela fosse pensando
em um nome. Outras idosas relataram também ter bonecas guardadas. “Ao
possibilitar a criação de valores e práticas vivenciados, o objeto biográfico
revela-se fundamental para as performances narrativas dos colaboradores.”
(ALMEIDA, 2000, p. 2).
Percebemos, deste modo, que a boneca – lembrança de uma relação
familiar afetuosa, da existência de alguém importante na vida da nossa narra-
dora – mistura a ideia de vida e morte, finitude e possibilidade de eternização,
realidade e imaginação. A boneca chamada de filha, para a narradora, é, de
certa forma, a perpetuação da presença e da vida da irmã morta. Para as
vendedoras da loja, e talvez na imaginação da idosa, representa uma criança
real, que está viva e segue o curso da vida, embora seja, na realidade, um
objeto inanimado e sem vida.
A história da boneca também provocou solidariedade unânime do
grupo quando a senhora contou que o neto, adolescente e evangélico, cismou
com a boneca e queria jogá-la fora e, por isso, ela teve de escondê-la. O grupo
reagiu indignado e sugeriu que ela mandasse o neto escolher – deixar a bone-
ca em paz ou ir embora da casa da avó. Pareceu-nos que os participantes se
indignaram com a possibilidade de um jovem querer anular as lembranças de
um velho. Além disso, provocou o desejo de “reviver”, de certa forma, a brin-
cadeira da infância – o batizado da boneca, conferindo-lhe nome e identidade.
Esta proposta não se concretizou. Apesar da cobrança de algumas, a
senhora não levou a boneca; justificou dizendo que, normalmente, vem para
a oficina direto de outros compromissos, e a boneca tem um grande volume,
o que dificulta seu transporte.
A outra senhora que havia levado algo trouxe uma caixinha de escova
de dente que pertencia a um sobrinho muito querido, que morreu de modo
trágico. Ela nos relatou de forma emocionada o acontecimento. Percebemos
que todas se emocionaram e sensibilizaram o grupo ao falar das pessoas a
quem pertenciam os objetos.
Nesse momento, uma outra participante interveio, contando uma his-
tória de um animalzinho que teve quando criança, uma história engraçada
sobre uma galinha. Parecia querer voltar o rumo da oficina para algo mais
ameno. Novamente esta memória desencadeou outras – várias pessoas con-
taram histórias meio engraçadas ou curiosas sobre animais de estimação
(galo, cachorro, gato), delas ou de filhos.
Houve um silêncio e alguns comentários do tipo: “eu não tenho nada,
nenhum objeto especial”. Então, começamos a provocar as pessoas, pergun-
tando se havia coisas que guardavam, como caixinhas, joias ou bijuterias,
santinhos, cartões etc. e imediatamente as pessoas, quase todas e ao mesmo
tempo, começaram a falar sobre coisas que guardavam e os seus significa-
dos. Após pedirmos a colaboração para que todos pudessem falar e serem
ouvidos, as histórias foram sendo relatadas.
O cartão com um coração, que saltava ao ser aberto, dado por um pre-
tendente, foi descrito minuciosamente, inclusive com as cores. Os santinhos,
lembranças de primeira comunhão, foram quase unanimidade, a maioria
relatou que ainda os tinha. Uma senhora contou que até hoje guarda o véu
da primeira comunhão. Uma outra, que dissera não ter nenhum objeto, aca-
bou falando sobre três (uma nota de dinheiro antigo que a irmã lhe mandou
como cartão de aniversário, pois ela fazia coleção de cédulas, um revólver
de prata com cano dobrável do falecido marido e o santinho da primeira
comunhão) e se mostrou muito satisfeita por lembrar-se dos objetos, tanto
que na reunião seguinte ela levou a cédula para mostrar ao grupo.
Os quatro homens presentes não se pronunciaram. Perguntamo-lhes
se possuíam ou guardavam algo especial. Inicialmente, apenas um senhor
falou que possuía o terço que tinha pertencido à avó, contou-nos que havia
pedido o terço a ela, ainda criança, e que em 1964, ao falecer, deixou-o para
ele. Como teve um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou com alguma
perda de memória, hoje é a irmã quem guarda este terço para ele. Sua irmã,
de certa forma, se tornou guardiã de uma memória que é importante para
ele. Guardar para não esquecer e perder, como nos relata o personagem
Jonathan em uma cena do filme Uma vida iluminada.1
Os outros homens disseram não ter nada, mas, ao mencionarmos ob-
jetos de uso exclusivamente masculino, além dos objetos que já haviam sido
citados anteriormente, alguns relatos surgiram: um senhor falou que guardou
uma arma do pai por um tempo, mas depois vendeu para um “ferro velho”;
outro falou que ainda tinha o relógio de bolso que foi do pai; um outro con-
tinuou afirmando, categoricamente, que não havia guardado objeto algum.

1
A partir da leitura do texto da professora Leila Ribeiro, “Configurações de uma memória
identidade: coleções em narrativa fílmicas” (2006), busquei o filme como material de apoio.
Os dois homens, que falaram sobre os objetos, se limitaram a dizer
que os possuíam, relataram não ter nenhuma recordação específica sobre
eles, não se alongaram, não descreveram o objeto e não falaram sobre o
significado que poderiam ter para eles.
Perguntamos também ao grupo acerca de móveis de família. Entre
os 15 participantes da oficina, somente três relataram ter móveis: o senhor
que possui o terço da avó dorme na cama que pertenceu a ela. O senhor que
guarda o relógio do pai disse que a máquina de costura Singer que foi da mãe
é utilizada pela esposa. Uma senhora relatou ter uma arca com o oratório da
mãe e um relógio de parede da sogra. Uma outra senhora se lembrou que
possui o relógio de mesa que pertenceu a seus pais.
Guangiroli discute o significado das marcas desses objetos, deixadas
na memória:

Eu assimilo a marca como um elemento que deixa vestígio do seu passo.


Uma impressão, uma pegada, uma ferida, algo para lembrar. Podemos
então relacionar a algo tangível como uma pegada, uma impressão,
como uma ferida, ou algo abstrato como uma lembrança, uma sensação
relacionado-a com a memória. (GUANGIROLI, 2005, p. 44).

Marca, pensada assim, pode explicar, pelo menos em parte, o valor


da rosa seca dada pelo primeiro namorado, guardada por mais de 40 anos,
modificada, meio esfarelada, sem perfume. Ou da carteira de identidade,
vitória de emancipação em relação aos desejos do marido. Ou de objetos de
pessoas queridas que já se foram e, ainda, de tantos outros objetos comuns
que se tornaram modos de reter fragmentos do passado e de sensações e
emoções que são asseguradas pela existência deles. Entretanto, a partir dos
relatos, podemos perceber a diferença entre os gêneros ao reterem essas
marcas/fragmentos e falarem sobre elas.
De modo geral, as mulheres participam mais, guardam pequenos
objetos que marcam momentos de suas vidas, apreciam falar sobre eles e
as lembranças que trazem (mesmo que dolorosas), e descrevem detalhes
dos objetos.
Os homens, ao contrário, parecem não gostar de expor emoções e
também mostram que não dão muita importância aos objetos, já que guar-
dam um número muito pequeno deles, além de se desfazerem com mais
facilidade, como o senhor que vendeu a arma do pai para um “ferro velho”.
Os objetos trazidos ou relacionados pelas mulheres estão ligados ao
amor, romance, família, religião, infância. Os homens falaram de objetos
ligados a ascendentes da família, algo que foi deixado como herança. O
relógio de bolso ou a arma, por exemplo, estão muito mais ligados ao per-
tencimento do que a um momento determinado ou a um sentimento, como
os chaveiros, a chupeta ou a caixinha de escova de dente, que carregavam
o afeto das mulheres pelos proprietários dos objetos. Somente o terço da
avó pareceu ter uma conotação mais afetiva entre os relatos dos homens.
Em relação aos tipos de objetos, notamos também uma semelhança
sobre o que é guardado pelas mulheres: são cartões de amor, flores secas,
pequenos objetos pessoais como joias, chaveiros, entre outros, de uso diário
de pessoas falecidas. O número de pessoas que têm peças maiores como
móveis é pequeno.
Isso talvez possa ser explicado pelas próprias mudanças de modos
de viver que se refletiram nas organizações espaciais e arquitetônicas que
ocorreram nas cidades e que não permitem que o mobiliário de casas es-
paçosas seja preservado em pequenos apartamentos. As grandes mesas,
onde várias gerações das famílias do passado se reuniam e que estão pre-
sentes nas memórias de tantas pessoas,2 já não fazem parte da realidade
das famílias de hoje.
Vale destacar que o grupo, de forma generalizada, deu importância à
questão de preservação da memória dos participantes, não só pelo fato de
frequentarem um espaço com essa proposta, mas também por guardarem
esses objetos, por se mostrarem felizes ao descobrirem que os possuíam,
se solidarizarem com as histórias de perdas trazidas por alguns e se mos-
trarem indignados com a possibilidade de apagamento de memórias como
aconteceu no relato do neto que queria se desfazer da boneca que guardava
as lembranças de uma relação afetiva importante da avó.
As memórias que os objetos carregam atuam como uma espécie de
apólice de seguro, garantem que momentos significativos ou que a presença
de pessoas importantes em suas histórias de vida sejam mantidos pulsan-
tes, podendo ser acionados quando precisarem reelaborar sentidos para
acontecimentos ou significados para suas existências.
Para finalizar, gostaria de destacar, ainda, algumas diferenças relevan-
tes no desenvolvimento das oficinas nos anos de 2000 e 2007. Ao programá-la
em 2000, nossas expectativas em relação aos objetos foram contempladas.
Apesar de termos a limitação do tamanho do objeto, o que de certa forma
já reduz as possibilidades, os participantes selecionaram e levaram os ob-
jetos livremente, não precisamos citar tipos de objetos biográficos como
possibilidades. Todos falaram sobre o significado e a história de cada objeto.
2
Ver também Guajiroli (2005) e Venancio (2004).
Em 2007, na segunda tentativa, por questões de data, tivemos de adaptar
a oficina, já que a maioria dos participantes novamente não havia levado
objetos, apesar dos lembretes e avisos.
A primeira questão que surgiu foi o porquê dessa situação. A partir
da análise posterior do desenvolvimento da oficina, percebemos que eles
não haviam compreendido a proposta. Quando solicitamos objetos que
tivessem um significado especial e afetivo em suas vidas, (nos parece) que
elas imaginaram que teria de ser algo que parecesse grandioso. Pequenos
objetos que remetessem a lembranças de acontecimentos significativos da
vida comum como cartões, presentes de aniversários e outros objetos não
foram pensados nem selecionados.
Essa adaptação nos levou a uma segunda dificuldade, pois, ao estimu-
larmos o grupo nomeando tipos de objetos, a seleção foi ainda mais indu-
zida. Antes o limite era somente de tamanho, mas as escolhas eram deles.
Agora, eles selecionavam entre objetos citados. Embora o desenvolvimento
da oficina tenha sido rico para a análise de processos da memória, a nossa
expectativa de trabalhar com os objetos biográficos foi, de certa forma,
frustrada e, a partir do que as pessoas foram trazendo de informações, a
oficina foi tomando um rumo diferente do planejado.
Essa experiência permitiu, como em muitas outras já ocorridas com
diferentes temas, a constatação de que trabalhar nessa perspectiva é estar
aberto ao inesperado. Por mais bem programada, por melhores que sejam
os materiais e as propostas, há momentos em que as coisas não acontecem
como planejadas. O grupo não reage da forma esperada, às vezes resiste ou
muda de tema, mostra desinteresse. Ou ainda, são os coordenadores que
têm maior dificuldade em desenvolver a oficina ou lidar com determinadas
emoções que são desencadeadas no processo (próprias ou dos outros),
não conseguem fazer com que o grupo entenda a proposta, têm dificulda-
des em controlar a agitação do grupo. Essas situações influenciam tanto
coordenadores como participantes. A interação que acontece no momento
da realização da oficina leva-nos a reações que, muitas vezes, reduzem a
possibilidade de desenvolver questões que mereceriam ser aprofundadas
ou que assim gostaríamos que fosse. Então, é necessário parar, analisar,
repensar, desconstruir paradigmas e continuar. O aprendizado é contínuo
para quem quer trabalhar com os processos de memória social.
Referências
ALMEIDA, Juniele Rabelo; AMORIM, Maria Aparecida B. V.; BARBOSA, Xênia
C. Objeto biográfico e performance narrativa: questões para história oral de
vida. Oralidades, [S. l.], v. 2, jul/dez. 2000. Disponível em: <http://www.ffich.
br/dh/pdfs/juniele.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2007.

ALVARENGA, Maria Carmen V. B. H. Relatório da oficina de memória. Niterói.


Arquivo pessoal. Set. 2007.

CARNEIRO, Iolanda. Relatório da oficina de memória. Niterói. Programa de


Extensão UFF Espaço Avançado. Maio 2000.

GUAJIROLI, Solana M. L. Memórias da mesa: a construção de uma história


através de objetos do cotidiano. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes
Visuais)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2005.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra, Memória e cultura material: documentos pes-


soais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 21, 1998.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revistas/arq/238.pdf>. Acesso em:
4 nov. 2007.

RIBEIRO, Leila Beatriz. Configurações de uma memória-identidade: coleções


em narrativas fílmicas. In: SEMINÁRIO MEMÓRIA CIÊNCIA E ARTE: RAZÃO
SENSIBILIDADE NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO, 5., 2007, Campinas.
Anais... Campinas: UNICAMP, Faculdade de Educação, 2007.

UMA VIDA Iluminada (Everything is Illuminated). Direção: Liev Schreiber.

[S. l.]: Warner Independent Picture, 2005. (105 min), son., color.

VENANCIO, Beatriz Pinto. Teatro de lembranças: registro cênico-dramatúrgico


da memória. 2004. Tese (Doutorado em Teatro)-Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
III PARTE: Roteiro de temas para as oficinas

Roteiro de temas para as oficinas

Maria Carmen Vilas-Bôas Hacker Alvarenga

I - SOBRE AS FASES DA VIDA

PRIMEIRO ENCONTRO
• Apresentação dos participantes e da proposta da oficina.
• Cadeiras em círculo (esta é a forma usual nas oficinas).
• Metodologia: O coordenador deve explicar a proposta geral da oficina,
falar sobre o processo de lembrar e a importância da memória social,
assim como estabelecer as regras, horários e pactos para o bom an-
damento dos encontros.
• Apresentação dos participantes. Explicar a dinâmica a ser utilizada.
Separar os participantes em duplas escolhidas aleatoriamente. Cada
participante terá de apresentar o par. Para facilitar, pode-se escolher
algumas perguntas como nome, bairro onde mora, como conheceu o
grupo ou, há quanto tempo frequenta o grupo, entre outras. Dar 10 a
15 minutos para que conversem fora do círculo. Retornar ao círculo e
proceder às apresentações. Encerramento do encontro.

SEGUNDO ENCONTRO
Tema: Infância
Cadeiras em círculo e mesas ao centro (se não atrapalhar a visão dos par-
ticipantes) ou fora dele, para permitir que os idosos se movimentem e se
inter-relacionem (caso se vá trabalhar com figuras ou desenhos).

Proposta A
Solicitar que cada um conte sobre o brinquedo ou as brincadeiras preferidas
na sua infância.

Proposta B
Material utilizado: papel, caneta hidrocor, lápis de cor ou giz de cera.
As pessoas devem se lembrar do (s) brinquedo (s) preferido (s) e
desenhá-lo (s), sem se preocupar com exatidão da forma, mas se
possível, utilizando as cores e os detalhes desses brinquedos. Depois, cada
um deve falar sobre eles.

Proposta C
Material utilizado: figuras de brinquedos antigos (décadas de 1930, 1940,
1950, 1960), retiradas da internet.
Distribuir várias figuras para os participantes, para que eles observem e
digam se alguma delas lembra algum brinquedo da infância.
Obs.: Nestas três propostas, pode-se estimular os participantes com pergun-
tas: se eles lembram quando ou de quem ganharam o brinquedo; que cores
ele tinha; se brincavam sozinhos ou acompanhados e, neste caso, com quem
brincavam; como eram as brincadeiras; onde passaram a infância etc. As
perguntas variam de acordo com os depoimentos do grupo. Pode-se ainda
comparar com a infância dos filhos, netos ou com a infância atual.

Proposta D
Material utilizado: cantigas de roda (letras, cds, gravações).
Tocar cds, cantar ou solicitar a quem conheça a música que cante. A partir
das músicas, perguntar que lembranças trazem da infância e trabalhar o
tema.

Proposta E
Subtema: Escola
Motivar o diálogo sobre o tempo da escola: perguntar quem estudou ou não,
e por quê; questionar onde estudaram, se tinham amigos, como eram as pro-
fessoras, se algo em particular os marcou e por quê; como era a relação com
os professores, a disciplina na escola, se os pais estimulavam o estudo etc.

TERCEIRO ENCONTRO
Tema: Juventude

Proposta A
Pedir que relatem o que faziam para se divertir: como eram as festas e bai-
les, se frequentavam cinema e teatro, quais as suas outras formas de lazer.

Proposta B
Narrar os flertes e namoros na juventude, o comportamento de homens e
mulheres, a atitude dos pais e parentes.
Obs.: Nessas duas propostas, podem ser utilizados cartazes com frases,
fotos, figuras e revistas antigas que tragam imagens do tema, para provocar
a memória.

QUARTO ENCONTRO
Tema: Idade adulta

Proposta A
Subtema: Casamento
Material utilizado: fotos ou revistas de noivas.
Cada participante escolhe uma imagem que lembre seu casamento (se houver
pessoas solteiras, consultar se desejariam participar. Em caso afirmativo,
pode-se fornecer alternativas como relatar algum casamento de parentes,
pessoas comuns ou famosas que lhe marcou a memória e por quê). Estimular
relatos sobre como foi o dia do casamento: se houve festa, como era o bolo,
se aconteceu algum fato curioso ou engraçado.
Obs.: Este tema costuma levar a comentários sobre noite de núpcias, quando
aparece muitas vezes a desinformação e os tabus a respeito da sexualidade.
Logo, é preciso estar preparado para lidar com o tema, caso ele surja.

Proposta B
Subtema: Família / Nascimento de filhos
B1) Material a ser utilizado: figuras e fotos de diversos tipos de família, car-
tolina ou qualquer outro papel disponível, cola, canetas ou pilots.
Solicitar que escolham algumas imagens e façam cartazes, podendo também
utilizar palavras para expressar seus sentimentos em relação à família. Cada
um deve explicar ao grupo a sua produção e, a partir disso, se desenvolve
o tema.
B2) Sem utilização de qualquer material
Falar sobre o nascimento e educação dos filhos. Pode-se solicitar que relatem
o que repetiram ou o que modificaram na educação que deram aos filhos em
relação àquela que receberam dos pais. Motivar o diálogo sobre as trans-
formações que ocorreram no modelo de família e nas relações familiares.

Proposta C
Subtema: Profissão e Trabalho
Material utilizado: figuras de pessoas trabalhando em diversas áreas, reti-
radas de revistas.
Deixar o material sobre a mesa para que os participantes escolham as figuras
que melhor retratem sua profissão e trabalho.
Estimulá-los para que contem suas histórias de trabalho, se gostavam do
que faziam etc.
Obs.: Lembrar às donas de casa que o serviço doméstico também é trabalho.
Pode-se discutir a sua invisibilidade e não reconhecimento pela sociedade
em geral.

QUINTO ENCONTRO
Tema: Envelhecer
Discutir se houve e quais foram os marcos que fizeram cada um perceber
que estava envelhecendo (aposentadoria, nascimento de netos, menopausa
ou algum outro). Trabalhar os aspectos positivos e negativos do envelheci-
mento, estimulando que cada um expresse seu ponto de vista. Quais seriam
as boas e as más lembranças da velhice?

II - VIDA SOCIAL E CULTURAL


Tema: Moda

Proposta A
Material utilizado: filme ou documentário que retrate questões relacionadas
à moda.
Usar o conteúdo do material para discutir o que a moda revela (comporta-
mentos, valores, diferenças ou semelhanças culturais e sociais).

Proposta B
Material utilizado: figuras ou revistas de moda de diferentes épocas.
Cada participante escolhe o estilo ou a roupa que lhe traz alguma lembran-
ça, ou o tipo de roupa de que mais gostou ao longo das décadas vividas. A
partir dos depoimentos, trabalhar o tema.

Tema: Conquistas do progresso


Relatar quais foram os avanços que mais lhes chamaram a atenção nas
diversas áreas (social, tecnológica, política, cultural) e expor quais as prin-
cipais conquistas e perdas que aconteceram com o progresso do ponto de
vista dos idosos.
Tema: A vida sem eletrodomésticoS
Proposta A
Motivar os participantes a recordar como era a vida sem geladeira, batedeira,
liquidificador, ferro de passar elétrico etc. Comparar com a atualidade: que
aspectos ficaram melhores ou piores.

Proposta B
Trazer figuras e fotos de eletrodomésticos antigos para que as pessoas se
lembrem deles e relatem como era o serviço doméstico e outras atividades,
sem esses aparelhos.
Obs.: Pode-se, nas duas propostas, trazer informações sobre quando, como
e por que foram sendo desenvolvidos tais aparelhos.

Tema: Transportes
Solicitar que cada um relate qual o primeiro meio de transporte que se lem-
bra de ter utilizado (como, quando, para que atividades). Também se pode
abordar a evolução dos meios de transporte.

Tema: A vida na cidade de Niterói


Proposta A
Material utilizado: imagens de localidades de Niterói em diferentes décadas.
Cada participante escolhe uma foto que lhe traga alguma lembrança e partilha
esta recordação com o grupo. Estimulá-los a falar como era a vida em Niterói,
contar onde moravam, como eram os bairros, escolas, ruas, transportes,
diversão, principais acontecimentos etc.

Proposta B
Sem o uso de imagens, levar o participante a falar de suas recordações em
relação a Niterói.

Tema: Atividades culturais


Os participantes devem falar sobre a primeira vez que foram ao cinema,
teatro, auditório de programa de rádio (contar qual foi o filme, peça, show
a que assistiram; qual a localização do cinema, teatro, auditório; que idade
tinham; com quem foram; quem estrelou o espetáculo; qual era a sua história
etc.). Ou ainda, narrar alguma lembrança especial sobre o tema, mesmo que
não se refira a uma primeira vez.
Subtema: A era do rádio
Proposta A
Material utilizado: revistas e fotos de cantores e cantoras que fizeram sucesso
no rádio como Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira, Francisco Alves,
Orlando Silva e outros. Os participantes deverão escolher os cantores e
cantoras de que mais gostavam ou gostam e dizer o que se lembram e sabem
sobre eles (músicas, histórias, parceiros, programas de rádio).

Proposta B
Material utilizado: cds de músicas que fizeram sucesso nas rádios nas dé-
cadas de 1930, 1940 e 1950. Tocar as músicas e perguntar se sabem quem é
o cantor ou cantora que as interpreta, quem as compôs, os programas de
rádio preferidos, se participaram dos programas de auditório etc.

Proposta C
Solicitar que os idosos descrevam como e onde ouviam rádio, programas
preferidos, cantores etc.
Obs.: Esse material pode ser retirado da internet em sites como: www.radio-
claret.com.br ; www.eradoradio.com.br

Subtema: Histórias de bailes


Motivar relatos orais de suas lembranças dos bailes (se iam ou não, com
quem, roupas usadas, onde aconteciam, em que datas e épocas, histórias
interessantes, namoros e flertes, horários).

Tema: Férias
Material utilizado: cartazes com frases como: “As melhores férias da minha
vida foram...” “Não me esqueço das férias que passei em...” “Diverti-me muito
nas férias de...” “Gosto de passar férias em...” e outras do gênero. Solicitar que
completem as frases, contando por que determinadas férias foram marcantes.

III - DATAS COMEMORATIVAS


Esclarecemos que as datas comemorativas foram inseridas como tema pela
necessidade de reinventar, a cada ano, as mesmas oficinas. Assim, elas são
alternativas para trabalhar família, profissão, costumes, folclore e outros
temas relacionados à cultura. Permitem também visualizar e perceber as
transformações socioculturais que vêm ocorrendo ao longo da história.
Tema: Páscoa
Relatar como eram as comemorações da Páscoa na infância. Estimular com
perguntas sobre as comidas, festas e hábitos durante o período, se havia
o costume de presentear com ovos de Páscoa etc. (os relatos variam de
acordo com a região do país onde a pessoa vivenciou a infância). A equipe
pode também trazer a história de elementos relacionados à Páscoa, como
surgiram os símbolos do coelho e dos ovos, por exemplo, já que os parti-
cipantes costumam fazer perguntas sobre isso. Pode-se também trabalhar
alguns aspectos religiosos que surgem (já que a comemoração está ligada
ao cristianismo) como expressão cultural de uma determinada época, sem
fazer apologia a nenhuma religião em especial.

Tema: Dia Internacional da Mulher


Proposta A
Material utilizado: cartazes com figuras de mulheres em diversas profissões.
Examinar as imagens e falar sobre aspectos positivos e negativos do trabalho
feminino, as principais conquistas das mulheres etc.

Proposta B
A equipe pode preparar um histórico sobre a data e sobre as conquistas no
mercado de trabalho já alcançadas e fazer um levantamento sobre as que ainda
estão sendo reivindicadas para serem apreciadas e discutidas com o grupo.

Tema: Dia das Mães


Proposta A
Material utilizado: preparar cartaz com a frase: “O meu melhor Dia das
Mães foi...”
Solicitar que os participantes deem continuidade à frase para trabalhar as
lembranças que surgirem.

Proposta B
Cada participante deve fazer uma descrição de si (ou de sua mãe) e sua
relação com a maternidade. Falar sobre o papel das mães de antigamente.
Obs.: Esta proposta não é muito utilizada, pois muitas vezes os idosos se
emocionam bastante ao se lembrarem das mães falecidas.

Tema: Festa junina


Proposta A
Material utilizado: cd com músicas antigas.
Tocar uma música de cada vez e perguntar quem se lembra dela. Parar a
música no meio e pedir aos que a conhecem e se lembram da letra, que a
cantem. Se mais de um lembrar, podem cantar juntos. Estimular também
a que se lembrem de outras músicas juninas e as cantem, antes de tocar o
cd. Depois, solicitar que falem das lembranças das festas de antigamente.

Proposta B
Relatos de como eram as brincadeiras e simpatias feitas nesse período de fes-
tas (o que faziam quando eram crianças e/ou jovens e como eram as festas).

Proposta C
Estimulá-los a falar sobre as lembranças de festas juninas do passado, festas
que marcaram, situações engraçadas, comidas e bebidas típicas, festas de
rua, brincadeiras, simpatias, músicas etc.

Tema: Dia dos Pais


Proposta A
Material utilizado: figuras de homens com crianças em diferentes atitudes
e atividades, cola, canetas hidrocor coloridas e cartolina ou papel pardo.
Os participantes escolhem as imagens que melhor retratem a relação que
tinham com os pais. Cada um fala sobre sua escolha e depois todos são
convidados a montar um cartaz coletivo com as principais características
dos pais de antigamente.

Proposta B
Semelhante à proposta A do Dia das Mães e a de Férias, trazer cartazes com
frases como: “O melhor Dia dos Pais foi...” “Meu pai era...” “Meu pai foi um
homem de...”, entre outras.

Tema: Natal
Solicitar que o grupo relate como eram as comemorações de Natal no
passado: costumes, comidas típicas, presentes, histórias engraçadas ou
interessantes que aconteceram no Natal etc.

Temas referentes a outras datas comemorativas


Podem-se escolher outras datas comemorativas de profissões ou fatos his-
tóricos para trabalhar diversos temas, como o dia das secretárias ou dos
professores, por exemplo, e trabalhar as memórias de trabalho ou da fase
escolar e outras questões como as de gênero. Abre-se um leque de possi-
bilidades a serem recriadas de acordo com a criatividade e disponibilidade
de materiais.
VI - FATOS POLÍTICOS E HISTÓRICOS
Tema: Segunda Guerra Mundial
O grupo deve relatar quais são as lembranças que guarda do período da
guerra. Estimular os participantes com perguntas: que idade tinham; como
a guerra foi sentida onde moravam; como acompanhavam as notícias da
guerra (rádio, jornal, documentários no cinema); viram filmes sobre a guerra,
que tipo de filmes etc.

Tema: Governos que marcaram


Proposta A
Material utilizado: fotos dos diversos presidentes do Brasil
A1) Cada pessoa escolhe a foto de quem considera o melhor e o pior presi-
dente e explica a escolha.
A2) Estimular o grupo a tentar se lembrar dos nomes e de fatos que marca-
ram o governo dos presidentes.

Proposta B
Os participantes contam como eram suas vidas nos governos dos diversos
presidentes.
Obs.: A equipe deve fazer uma pesquisa histórica e um resumo dos governos
para estimular os relatos, além de perceber e esclarecer confusões de datas
e fatos que são comuns no processo de lembrar.

Tema: História do Brasil


Perguntar ao grupo quais foram os acontecimentos na história do Brasil em
qualquer área (política, econômica, social ou cultural) que mais marcaram
suas histórias pessoais e por quê.

Tema: Ditadura Militar


Proposta A
Material utilizado: filme O que é isso companheiro?
Após a exibição do filme, as pessoas devem relatar o que se lembram da
época, como era a vida, se tinham medo e de que etc.

Proposta B
Requisitar que o grupo relate suas memórias do período (o que mudou, fatos
que marcaram, como viviam, o que faziam, onde moravam, como sentiram
a ditadura no cotidiano, etc.)
PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL

Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br)


após a implementação de um Programa Socioambiental
com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes
à neutralização das emissões dos GEE’s – Gases do Efeito Estufa.

Este livro foi composto na fonte ITC Cheltenhan, corpo 10.


impresso na Globalprint Editora,
em papel Off-set 75g (miolo) e cartão supremo 250g (capa)
produzidos em harmonia com o meio ambiente.
Esta edição foi impressa em fevereiro de 2011.

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