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Introdução à Escrita de

Sinais
Prof.ª Ma. Mariana Correia

2019
1 Edição
a
Copyright © UNIASSELVI 2019

Elaboração:
Prof.ª Ma. Mariana Correia

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

C824i

Correia, Mariana

Introdução à escrita de sinais. / Mariana Correia. – Indaial:


UNIASSELVI, 2019.

215 p.; il.

ISBN 978-85-515-0315-7

1. Escrita de sinais. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da


Vinci.

CDD 372.4

Impresso por:
Apresentação
Prezado acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático de Introdução
à Escrita de Sinais. Você alguma vez já se deu conta de como a escrita está
na base das relações sociais que estabelecemos? Quando queremos comprar
algo, seja pequeno como uma meia ou grande como uma casa, utilizamos
a escrita como modo de validar aquilo que havíamos combinado através
da fala, desse jeito, mesmo através de uma simples nota fiscal ou de um
complexo contrato de financiamento imobiliário, é por meio da escrita que
nossas relações se constituem. Também a nossa identidade é dada através de
um documento escrito como o RG, nossa formação acadêmica é comprovada
por certificados, diplomas e históricos, todos eles não passam de simples
papéis nos quais as informações foram escritas e certificadas através de
assinaturas, também escritas.

Assim sendo, além da ideia do senso comum de que a escrita é a forma


gráfica que os fonemas recebem, ou seja, o modo de escrever o que está sendo
dito, também a escrita tem aprofundamentos, valores sociais e conceitos bem
mais importantes do que o de simples registro. Com base nos usos dentro da
sociedade em que vivemos, a nossa interação não seria possível sem o uso da
escrita como meio e do papel (físico ou digital) como suporte. Este livro tem
como objetivo discutir estas e outras questões vinculadas ao desenvolvimento
da escrita, sua importância social como representação das relações sociais e
qual a relevância da escrita na aquisição da linguagem e garantia de direitos
das comunidades surdas.

Portanto, neste livro didático, estudaremos questões importantes para


a compreensão do desenvolvimento da escrita das línguas de sinais dentro
do caminho teórico e metodológico feito a partir dos estudos linguísticos
sobre a história da leitura e da escrita; o processo de aquisição da leitura e
escrita de sinais; os estudos da linguagem e letramento no contexto da surdez
e a estrutura do dicionário em escrita de sinais e em português.

Na Unidade 1 discutiremos qual a perspectiva linguística sobre a


escrita e a leitura, a relação entre a leitura e a fala, as questões referentes à
história do registro escrito das línguas orais, as formas como o registro das
línguas de sinais se desenvolveram ao longo do tempo e, por fim, veremos
como se deu o desenvolvimento da escrita de sinais, quais os sistemas de
escrita de sinais existentes no Brasil. Desse modo, a primeira unidade tem
como objetivo principal a compreensão do lugar da escrita nos estudos
linguísticos, o conhecimento da história da escrita e sua relação com a fala
e a leitura, e o conhecimento das especificidades do desenvolvimento dos
sistemas de escrita das línguas de sinais.

III
Na Unidade 2 veremos as questões específicas em relação à
linguagem e à surdez, iniciaremos com um tópico para discussões sobre
alfabetização e letramento, abordando tanto em uma visão mais geral quanto
em relação às características específicas dos surdos. Depois, estudaremos os
aspectos específicos sobre a relação dos surdos com a escrita, tais como o
histórico da educação de surdos, a relação entre a aprendizagem da escrita
de língua portuguesa como L2 e de língua de sinais como L1. Ao final desta
unidade trataremos dos aspectos sociais do uso de uma língua escrita para a
comunidade surda. Para encerrarmos esta unidade, estudaremos os aspectos
ligados à escrita, surdez e cidadania, com as discussões sobre direitos,
representação e educação linguística.

Para encerrar as discussões introdutórias sobre o estudo da escrita da


língua de sinais, na Unidade 3, estudaremos tópicos referentes aos processos
de aquisição e desenvolvimento de linguagem. Por isso, nesta unidade
veremos os assuntos referentes aos períodos de aquisição da linguagem, a
construção do sistema simbólico de representação, a relação entre cognição e
linguagem e a aquisição de linguagem das crianças surdas. Ainda na última
unidade, abordaremos quais são as áreas da linguística ou níveis de análise
que aparecem na escrita da língua de sinais. Ao final, abordaremos aspectos
gerais sobre a leitura e a escrita das línguas de sinais, tais como a etimologia
das línguas de sinais, o registro do dicionário e do registro em escrita de
sinais, a relação entre a escrita de sinais e o desenvolvimento de linguagem
para as crianças surdas, a estruturação dos elementos linguísticos na escrita
de sinais e as bases para a leitura dos textos em SignWriting.

Desse jeito, o livro didático que temos em mãos tratará das bases para
o estudo da escrita de sinais de modo a fazer discussões que relacionem o
conhecimento linguístico sobre a escrita em um geral ao contexto de estudos
sobre a surdez e da escrita das línguas de sinais, passando pelos processos
de aquisição e registro de linguagem, bem como pelo estudo das questões
referentes à alfabetização e letramento em língua de sinais.

Ao longo de todas as unidades aparecem sugestões de diferentes


materiais para exemplificação ou aprofundamento das discussões e estudos
realizados. Assim como notas explicativas e diferentes observações que têm
como objetivo explicar, ampliar e desenvolver as discussões apresentadas a
seguir.

Desejamos que você vivencie momentos de bons estudos e tenha uma


ótima leitura! Ah, lembrando que a escrita se realiza como instrumento de
registro através da leitura, ou seja, são faces de uma mesma moeda de trocas
linguísticas.

IV
NOTA

Para já iniciarmos o nosso contato com as palavras em escrita de sinais, ao


longo deste livro aparecerão algumas delas ao lado da escrita em português ou do desenho
do sinal correspondente, podemos encontrá-las/criá-las através do site: <http://www.
signbank.org/signpuddle/>. Acesso em: 9 maio 2019.

Prof.ª Ma. Mariana Correia.

Sinal da autora

Apresentação

V
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

VI
VII
VIII
Sumário
UNIDADE 1 – HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS....................................... 1

TÓPICO 1 – A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA..................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 LINGUAGEM, LÍNGUA E ESCRITA................................................................................................ 3
3 LINGUAGEM E LÍNGUA.................................................................................................................... 6
4 A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA, ESCRITA E FALA........................................................................ 9
5 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A ESCRITA E LEITURA........................................................ 11
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 16

TÓPICO 2 – DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS.............................. 17


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 17
2 A CATEGORIZAÇÃO DO MUNDO PELA LINGUAGEM.......................................................... 17
3 DO PICTÓRICO AO SIMBÓLICO.................................................................................................... 20
3.1 SÍMBOLOS GRÁFICOS MENEMÔNICOS................................................................................... 22
3.2 ESCRITA FONÉTICA....................................................................................................................... 29
4 SISTEMAS DE ESCRITA..................................................................................................................... 32
5 ESTRUTURAÇÃO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS.......................................................... 36
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 38
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 41

TÓPICO 3 – REGISTRO PARA AS LÍNGUAS DE SINAIS............................................................. 43


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 43
2 DESCRIÇÃO........................................................................................................................................... 45
3 DESENHOS/FOTOS............................................................................................................................. 47
4 REGISTROS EM VÍDEOS................................................................................................................... 49
5 GLOSAS/ÍNDICES................................................................................................................................ 50
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 51
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 52

TÓPICO 4 – ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS......................................................................... 53


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 53
2 HISTÓRIA DOS SISTEMAS DE NOTAÇÕES DAS LÍNGUAS DE SINAIS........................... 54
3 DESENVOLVIMENTO DA SINGWRITING.................................................................................... 59
3.1 VALERIE SUTTON E A SW............................................................................................................ 63
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 68
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 71
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 73

UNIDADE 2 – SURDEZ E LINGUAGEM........................................................................................... 75

TÓPICO 1 – O SURDO E A ESCRITA.................................................................................................. 77


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 77

IX
2 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS SURDOS................................................. 78
2.1 ORALISMO........................................................................................................................................ 82
2.2 BIMODALISMO/COMUNICAÇÃO TOTAL............................................................................... 86
2.3 BILINGUISMO.................................................................................................................................. 89
3 A RELAÇÃO HIERÁRQUICA ENTRE A LIBRAS (L1) E O PORTUGUÊS (L2) PARA OS
SURDOS.................................................................................................................................................. 95
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 100
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 102

TÓPICO 2 – ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA


DE SINAIS.......................................................................................................................... 103
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 103
2 ALFABETIZAÇÃO: CONCEITUAÇÃO............................................................................................ 106
2.1 MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO................................................................................................ 110
2.2 ALFABETIZAÇÃO, BILINGUISMO E ESCRITA DE SINAIS.................................................... 112
2.3 NÍVEIS DE ALFABETIZAÇÃO, ANALFABETISMO E ANALFABETISMO FUNCIONAL...... 116
3 LETRAMENTO: CONCEITUAÇÃO.................................................................................................. 119
3.1 EVENTOS E PRÁTICAS DE LETRAMENTO.............................................................................. 122
3.2 LETRAMENTOS............................................................................................................................... 123
4 ATIVIDADES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO PARA ESTUDANTES SURDOS...... 123
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 129
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 131

TÓPICO 3 – ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA............................................................................ 133


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 133
2 DIREITOS LINGUÍSTICOS................................................................................................................ 134
3 REPRESENTATIVIDADE LINGUÍSTICA....................................................................................... 136
4 EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA.............................................................................................................. 139
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 140
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 144
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 145

UNIDADE 3 – AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS.................................... 147

TÓPICO 1 – AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM..................................... 149


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 149
2 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM......................................................................................................... 149
3 PERÍODOS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM........................................................................... 153
4 CARACTERÍSTICAS DE AQUISIÇÃO DAS CRIANÇAS SURDAS......................................... 156
5 A IDADE CRÍTICA DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM............................................................ 163
6 AQUISIÇÃO DE L2............................................................................................................................... 165
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 168
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 170

TÓPICO 2 – AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS DE


SINAIS................................................................................................................................. 171
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 171
2 FONÉTICA/FONOLOGIA................................................................................................................... 172
3 MORFOLOGIA...................................................................................................................................... 179
4 SINTAXE.................................................................................................................................................. 186
5 SEMÂNTICA.......................................................................................................................................... 187
6 PRAGMÁTICA...................................................................................................................................... 188

X
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 190
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 191

TÓPICO 3 – LEITURA E ESCRITA DE SINAIS................................................................................. 193


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 193
2 A CRIANÇA SURDA E A ESCRITA DE SINAIS............................................................................ 193
3 OS DICIONÁRIOS E O REGISTRO DA LÍNGUA DE SINAIS.................................................. 195
4 BASES PARA A LEITURA EM ESCRITA DE SINAIS................................................................... 199
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 203
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 206
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 208
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................... 209

XI
XII
UNIDADE 1

HISTÓRIA DO REGISTRO
ESCRITO DAS LÍNGUAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender qual a definição e o papel da escrita na perspectiva dos es-


tudos da linguagem;
• estabelecer parâmetros acerca da relação existente entre fala e escrita, e
escrita e leitura;
• conceituar a escrita completa;
• relatar o desenvolvimento da escrita das línguas orais ao longo da história;
• delimitar as características do sistema silábico de escrita;
• perceber a estruturação da escrita das línguas orais;
• enumerar as diferentes formas de registro da cultura surda em relação às
línguas de sinais;
• conhecer a história do desenvolvimento de sistemas de escrita para as
línguas de sinais;
• observar os diferentes sistemas de escrita de sinais;
• delimitar a história e algumas das características estruturais do SignWriting;
• entender porque o SignWriting tornou-se o sistema “adotado” por comu-
nidades surdas de diferentes países;
• entender a evolução da escrita das línguas orais e como estes estudos são
importantes para a compreensão do desenvolvimento da escrita das lín-
guas de sinais.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA


LÍNGUA

TÓPICO 2 – DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

TÓPICO 3 – FORMAS DE REGISTRO DA CULTURA SURDA

TÓPICO 4 – ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

A ESCRITA COMO FORMA DE


REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

1 INTRODUÇÃO
Você sabia que existem várias línguas com apenas o registro da memória
oral? Claro que menos do que já existiu, mas ainda persistem comunidades nas
quais a escrita não tem o mesmo valor, o mesmo peso e a mesma importância
que a nossa sociedade dá para ela. Ou seja, o desenvolvimento da escrita não é
obrigatoriamente atrelado à fala ou à sinalização das diferentes comunidades.
Inclusive, até pouco tempo, as línguas de sinais se desenvolveram plenamente,
mesmo sem um sistema de escrita que conseguisse abarcar suas peculiaridades
e tivesse o mesmo desempenho social dos sistemas fonéticos e ideográficos das
línguas orais.

Entretanto, o papel social da escrita é importante não apenas para a


comunicação das ideias, mas como modo de afirmação dos direitos sociais aos
quais as comunidades inseridas nas sociedades letradas têm direito.

Para compreender o papel social da escrita dentro de uma perspectiva


linguística, iniciaremos nosso estudo introdutório sobre a escrita das línguas com
o tópico que tratará do estudo da escrita como forma de representação da língua,
para isso, veremos como as discussões linguísticas delimitam e diferenciam a
linguagem da língua e a escrita em relação à fala.

2 LINGUAGEM, LÍNGUA E ESCRITA


A Linguística é a ciência que estuda os fenômenos referentes à linguagem,
embora desde a antiguidade houvessem estudos sobre a história das línguas,
estudos sobre a origem das línguas e obras que procuravam descrever e fixar a
gramática das diferentes línguas. Apenas com o estabelecimento da Linguística,
uma ciência que tem como objeto de estudos os fenômenos referentes ao ponto
de vista estrutural da língua, é que se pode estabelecer o estudo da linguagem
humana de modo organizado e cientificamente constituído. Assim sendo, é partir
dos estudos de Saussure e da publicação do Curso de Linguística Geral, em 1916,
livro produzido a partir das anotações que dois alunos fizeram a partir das aulas
dadas por Saussure na Universidade de Genebra, que o estudo da linguagem
ganha contornos de ciência.

3
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Saussure coloca que a matéria e a tarefa da ciência linguística é de:

A matéria de Linguística é constituída inicialmente por todas as


manifestações da linguagem humana, quer ser [sic] trate de povos
selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássicas ou
de decadência considerando-se em cada período não só a linguagem
correta e a ‘bela linguagem’, mas todas as formas de expressão. Isso
não é tudo: como a linguagem escapa as mais vezes à observação, o
linguista deverá ter em conta os textos escritos, pois somente eles lhe
farão conhecer os idiomas passados e distantes (SAUSSURE, 2012, p.
37, grifo nosso).

Assim sendo, Saussure aborda que a matéria, ou seja, aquilo que a


Linguística estuda, é a linguagem, sendo que ela é formada pelas manifestações
da linguagem humana em todos os povos, civilizações, destacando que não
apenas aquilo que é relacionado às manifestações da linguagem humana. Ou
seja, Saussure deixa claro que a Linguística se dedica ao estudo de todas as
formas de uso da linguagem humana, não apenas aquelas reconhecidas como
certas, corretas ou de prestígio social. Assim sendo, a matéria da linguística é a
linguagem humana tal qual ela acontece, na observação do fenômeno linguístico
sem priorizar o julgamento de valor quanto à correção gramatical.

Ainda sobre o assunto que a Linguística aborda, Saussure menciona que


o texto escrito pode ser o lugar de observação da linguagem humana, porque
a escrita guarda em si as características da linguagem dos idiomas antigos ou
distantes do local em que o linguista está realizando a análise. Desse modo,
temos uma das características da escrita/texto escrito no contexto dos estudos
linguísticos, permitir a observação dos fenômenos referentes à linguagem humana
num tempo e espaço diferentes daquele em que o linguista está localizado.

Dito de outro modo, a escrita tem como propriedade ser um meio de


acesso à linguagem distante no tempo, por exemplo, a Pedra de Roseta é um
pedaço de rocha encontrado em 1799 e datado de 192 a.C., nela está escrito o
mesmo texto em três línguas diferentes e, por isso, permitiu a decifração
do código escrito dos hieróglifos egípcios por Champollion em 1822 e, por
consequência, a compreensão de todo um mundo escrito até então escondido na
língua escrita (SUPERINTERESSANTE, 2018). Assim, a língua escrita permitiu
que os historiadores tivessem acesso às informações de quase 2000 anos antes,
exemplificando a característica da escrita como forma de permitir acesso à
linguagem humana em um período distante do tempo do estudioso.

4
TÓPICO 1 | A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

FIGURA 1 – DESENHO DE COMO SERIA A PEDRA DE ROSETA COMPLETA COM A DIVISÃO DOS
IDIOMAS ESCRITOS NELA

FONTE: <http://4.bp.blogspot.com/-iNB8KJVZius/VaXHopMH5oI/AAAAAAAACjo/E_
vNU9875QQ/s640/rosetta.jpg>. Acesso em: 17 jan. 2019.

Em relação à escrita proporcionar o acesso à linguagem em diferentes


espaços físicos, podemos utilizar como exemplo o estudo que estamos fazendo
através do livro didático, que pode ser utilizado em diferentes lugares daquele
em que foi escrito. Neste caso, você, como um futuro professor de línguas (um
linguista por natureza da profissão) poderia analisar o modo como a linguagem
é utilizada neste tipo de material de estudos mesmo que esteja em um espaço
físico diferente da pessoa que escreveu o texto. Assim sendo, através da escrita, o
estudo da linguagem humana se torna possível a partir dos registros escrito que
ultrapassam as fronteiras do tempo e do espaço que a língua falada tem.

TURO S
ESTUDOS FU

Ainda neste tópico veremos as questões referentes às diferenças entre a fala e


a escrita.

Depois de definir a matéria sobre a qual a Linguística trata, Saussure


delimita que a tarefa da ciência linguística deverá ser de:

a) fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger,


o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstruir,
na medida do possível, as línguas-mães de cada família;
b) procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e
universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se
possam referir todos os fenômenos peculiares da história;
c) delimitar-se e definir-se a si própria (SAUSSURE, 2012, p. 37, grifo
nosso).

5
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Assim sendo, na visão de Saussure, a Linguística tem três tarefas. A


primeira delas é a descrição da história das línguas, com o objetivo de perceber
qual a história das línguas que são derivadas de uma mesma língua, ou seja, da
mesma família linguística, por exemplo, é o caso da Língua Portuguesa, que está
incluída na família das línguas neolatinas, tendo em vista que se originou a partir
do latim, sendo tarefa da Linguística descobrir quais outras línguas fazem parte
desta família e como as línguas se relacionam.

Em segundo lugar, o autor coloca que uma das tarefas da Linguística


como ciência é localizar as forças, ou seja, os agentes que se relacionam em todas
as línguas de forma constante e que englobam a todas elas com o objetivo de
deduzir, pela observação, aquilo que aparece durante o uso das línguas para
entender o que aconteceu ao longo da história que justifique as características
específicas das línguas. Um exemplo disso é a observação do modo como as
línguas marcam o sujeito das sentenças, por exemplo, no inglês não são utilizadas
estruturas sem sujeito, por exemplo, a sentença (1) não é gramatical em inglês
(por isso está marcada com um asterisco indicativo de agramaticalidade), sendo
necessário colocar o pronome It para tornar a sentença gramatical, como escrito
em (2). Já em português a sentença (3) é gramatical mesmo sem o sujeito expresso
na frase:

(1) *Rains.
(2) It rains.
(3) Chove.

Por fim, Saussure coloca que a última tarefa da Linguística é delimitar


e definir o seu próprio campo de estudos, dessa maneira, a própria ciência
linguística tem como incumbência estudar a si mesma de modo a delimitar o que
faz parte da sua área de estudos.

3 LINGUAGEM E LÍNGUA
Antes de continuarmos com as discussões específicas sobre a escrita, é
importante termos em mente que ao relacionarmos aquilo que Saussure coloca
como matéria da Linguística e suas tarefas, podemos perceber que o autor utiliza as
expressões linguagem e língua. Desse modo, as duas palavras estão relacionadas à
Linguística e têm conceitos diferentes, sendo importante vermos brevemente quais
as características destas expressões e a que cada uma delas está relacionada.

Sobre a linguagem, Saussure coloca que:

Tomada em seu todo, a linguagem [humana] é multiforme e heteróclita


[eclética]; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física,
fisiológica e psíquica; ela pertence além disso ao domínio individual
e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria
de fatos humanos, pois não se sabe inferir sua unidade (SAUSSURE,
2012, p. 41, grifo nosso).

6
TÓPICO 1 | A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

Ao definir a linguagem desse modo, o autor destaca a característica não


previsível, muito variada e que está relacionada a diferentes instâncias, por isso,
a linguagem seria impossível de ser o objeto de estudo da linguística, porque
tem uma infinidade de manifestações e implicações que podem ser vistas de
diferentes modos, não podendo ser relacionada apenas a um tipo de fenômeno.
Dito de outro modo, a linguagem humana é abrangente e múltipla.

De acordo com Petter (2010, p. 17): “uma pintura, uma dança, um gesto
podem expressar, mesmo que sob formas diversas, um mesmo conteúdo básico,
mas só a linguagem verbal é capaz de traduzir com maior eficiência qualquer
um destes sistemas semióticos [de sentido, de significado]”. Em outras palavras,
a compreensão e o sentido que atribuímos às diferentes linguagens necessita da
língua para ser traduzida de forma a explicar como compreendemos aquilo que
a linguagem, que temos contato, expressa, ou seja, é através da linguagem verbal
que damos sentido às demais linguagens.

Desse modo, o entendimento que temos das diferentes linguagens


expressivas, como a dança, o teatro, a música, a tatuagem, a pintura, a escultura,
a mímica, entre outras, passa pela linguagem verbal para que seja atribuído um
sentido da experiência que estamos vivenciando ao sermos expostos a estas
linguagens. Por isso, não existem interpretações estanques sobre as diferentes
linguagens, pois toda a compreensão semiótica passa pelo filtro da linguagem
verbal para ser entendida, ou seja, a interpretação das diferentes linguagens é
mediada pela linguagem verbal, assim, a língua é uma parte fundamental da
linguagem.

Ao vincular as tarefas da ciência da linguagem à língua, Saussure (2012)


coloca a língua como o objeto concreto de estudo da Linguística e a define do
seguinte modo:

Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É,
ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade [da linguagem] nos indivíduos
(SAUSSURE, 2012, p. 41, grifo nosso).

Assim, a língua faz parte do conjunto que a linguagem engloba, sendo


que a língua é essencial para a faculdade da linguagem porque nos permite
compreender as diferentes linguagens a que temos acesso. Pois, “a língua, ao
contrário [da linguagem] é um todo por si e um princípio de classificação. Desde
que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma
ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação”
(SAUSSURE, 2012, p. 41).

Ao mesmo tempo que faz parte do conjunto das linguagens, “a língua


existe na e para a coletividade” (DUBOIS et al., 1973, p. 261), sendo, por isso,
um conjunto de convenções, ou seja, de combinações. Segundo Saussure

7
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

(2012, p. 51): “a língua existe na coletividade sob forma de uma soma de sinais
[regras] depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos
exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos”.

Dito de outro modo, a língua é aquilo que aprendemos na convivência


social com as pessoas que a utilizam, por exemplo, as crianças surdas expostas à
Libras como língua materna aprendem através do contato linguístico com outros
surdos que também utilizam Libras. Dubois et al. (1973) bordam que, de acordo
com Saussure, a língua não pode ser mudada pela vontade dos indivíduos, pois
por ser socialmente construídas, as mudanças no interior da língua acontecem
também socialmente.

Talvez você já tenha escutado alguém falar que sabe usar, mas não sabe
qual a regra da gramática que se encaixa, por exemplo, a pontuação na língua
portuguesa funciona assim, algumas pessoas sabem utilizar, mas raras vezes
pensam na regra específica para tal situação. Esse é um exemplo de como a
língua é socialmente aprendida, porque as normas de uso não são a mesma coisa
que as regras da gramática. Quando falamos em língua, estamos nos referindo
àquilo que aprendemos através do contato com a língua de uma determinada
comunidade. Por isso, é socialmente constituída.

No caso da Libras, provável que você tenha escutado alguém referir-


se incorretamente a ela como “linguagem de sinais”. Mas, porque está errado?
Pois a Libras é uma parte da linguagem que tem regras próprias construídas
socialmente e permite que estruturemos a nossa compreensão sobre as demais
linguagens, logo, é uma língua.

NOTA

Sobre a Faculdade da Linguagem, Coelho, Monguihott e Martins (2009, p. 5,


grifo nosso) colocam que:

Embora outros animais de uma forma ou de outra se comuniquem, o


homem é a única espécie que combina um certo número de elementos
de acordo com determinados princípios para formar sentenças. Essa
capacidade que nasce conosco [seres humanos] e tem a ver com o tipo
específico de estrutura e organização da mente humana é denominada
Faculdade da Linguagem.

8
TÓPICO 1 | A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

DICAS

Como forma de memorizar a diferença entre esses dois conceitos, é


interessante utilizar as características dos sinais em Libras para LINGUAGEM e LÍNGUA,
porque, a nosso ver, eles agregam algumas das características que vimos anteriormente.
Primeiro, observemos o sinal para “linguagem” na figura a seguir.

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1685)

Neste sinal o movimento parece trazer algo que parte da boca em direção à mente
do sinalizador, ou seja, algo que foi enunciado e compreendido pela pessoa através da
interpretação feita na sua mente.

Na figura a seguir, temos a sinalização da palavra “língua”, que, de acordo com Capovilla
et al. (2017, p. 1683, grifo do original): “trata-se de um sinal formado pelo morfema Fala –
Comunicação Oral codificado pelo local de sinalização na região da boca [...]”. É um
movimento realizado para fora, lembra a característica de comunicação social que a língua
tem.

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1683)

4 A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA, ESCRITA E FALA


Ao apresentar a oposição feita por Saussure entre língua e fala, Dubois et
al. (1973), mencionam os seguintes pontos:

1 – A língua é coletiva, a fala, individual.


2 – A língua é aprendida de forma passiva, a fala é uma ação livre e de criação.
3 – A língua não é criada nem modifica na individualidade, a fala é um lugar da
liberdade do indivíduo.

9
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

A partir disso, Dubois et al. (1973, p. 262, grifo do autor) concluem que,
para Saussure:

A língua mostra-se, pois como um conjunto de meios de expressão,


como um código comum ao conjunto de indivíduos pertencentes a
uma mesma comunidade linguística; a fala, ao contrário, é a maneira
pessoal de utilizar o código; ela é, diz F. DE SAUSSURE, “a parte
individual da linguagem”, o domínio da liberdade, da fantasia, da
diversidade.

Desse modo, para Saussure (2012, p. 51) a língua e a fala estão “[...]
estreitamente ligados[as] e se implicam mutuamente; a língua é necessária para
que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta [fala] é necessária
para que a língua se estabeleça [...]”. Isso porque a língua está depositada no
cérebro do usuário da língua, e será através da realização da fala/sinalização que
estas regras da língua são utilizadas de modo a produzir sentido e estabelecer a
comunicação.

Por exemplo, o sinal referente a “casa” faz parte da Libras, ou seja, da


Língua Brasileira de Sinais, e está depositado no cérebro das pessoas que utilizam
essa língua. Para que possamos observar de que modo esse sinal funciona dentro
dessa língua, precisamos observar como acontece a fala/sinalização dele em
diferentes contextos. Isso porque a materialização da língua acontece no momento
da fala. Desse modo, é através das regras da língua que o sinal da palavra “casa”
ganha significado, mas só temos acesso à Libras através da sua materialidade que
é a fala/sinalização.

Você pode se perguntar: “onde a escrita entra nessa relação?”. Para Saussure
(2012), o objeto do estudo da Linguística é a língua e o objeto linguístico de estudo
é a fala. Ainda, segundo ele, a escrita tem como única razão a representação que
ela faz da língua, também coloca que a escrita é a imagem da fala. Ao tentarmos
observar a escrita é como se fizéssemos a observação de uma fotografia do rosto
de alguém e não o próprio rosto da pessoa.

Contudo, como já vimos anteriormente, Saussure também reconhece que


o suporte da escrita permite o estudo ao longo do tempo e do espaço, bem como o
registro das línguas antes da invenção das tecnologias que permitissem o registro
direto da fala. É interessante compreendermos que, no momento histórico em que
ocorram os pensamentos de Saussure, a escrita tinha grande relevância para os
estudos feitos sobre a língua até então, principalmente, em um contexto normativo
de manutenção das regras gramaticais. Por isso, ao colocar a fala no centro das
discussões da Linguística, o linguista apresenta uma perspectiva completamente
diferente daquela que os estudos sobre a língua vinham apresentando.

Assim sendo, a escrita e a fala estão intimamente relacionadas entre si e


ambas apresentam um papel em relação à língua, a fala é o lugar de realização da
língua, já a escrita é o modo de representação da língua. Como não é possível ter

10
TÓPICO 1 | A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

acesso direto à língua depositada no cérebro do indivíduo, não é possível para


a escrita representar diretamente a língua, logo, a escrita se organiza a partir da
fala para poder exercer o seu papel como representação da língua.

5 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A ESCRITA E LEITURA


A leitura e a escrita estão relacionadas de modo interdependente porque
não é possível a realização de uma sem a existência da outra. Lembrando do
exemplo da Pedra de Roseta, mencionado anteriormente, a tradução da escrita
dos hieróglifos egípcios só foi possível porque o texto estava escrito em grego e
ainda existiam pessoas capazes de ler o grego escrito. Logo, caso não existissem
mais pessoas que soubessem ler em grego, a escrita da Pedra de Roseta não seria
traduzida e não teríamos acesso ao conhecimento dos hieróglifos egípcios.

Deste modo, a escrita só faz sentido se existirem pessoas capazes de fazer


a leitura daquele texto escrito. Porém, fazer a leitura é muito mais do que apenas
juntar as letras (no caso das línguas orais) ou sinais (no caso das línguas de sinais),
porque a língua que a escrita representa também é mais do que uma simples
junção de vocabulário.

De acordo com Leffa (1999 apud COSSON, 2016, p. 40-41, grifo nosso), a
leitura é realizada em três etapas:

A primeira etapa, que vamos chamar de antecipação, consiste em várias


operações que o leitor realiza antes de penetrar no texto propriamente
dito. Nesse caso são relevantes tanto os objetivos da leitura [...] quanto
os elementos que compõem a materialidade do texto. [...] A segunda
etapa é a decifração. Entramos no texto através das letras e das palavras.
Quanto maior é a nossa familiaridade e o domínio delas, mais fácil
a decifração [...]. Denominamos a terceira etapa como interpretação.
Embora a interpretação seja com frequência tomada como sinônimo de
leitura, aqui queremos restringir seu sentido às relações estabelecidas
pelo leitor quando processa o texto. [...] A interpretação depende,
assim, do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das convenções
que regulam a leitura em uma determinada sociedade. Interpretar é
dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de
mão dupla: tanto é aquele dado pelo texto quanto dado pelo leitor; um
e outro precisam convergir para que a leitura adquira sentido.

Assim sendo, a leitura envolve três etapas, uma que avalia onde aquele
texto está inserido, se num jornal, num livro de receitas, num texto acadêmico
ou se é um bilhete familiar, porque cada uma dessas materialidades do texto
influencia no modo como a interpretação é feita. Depois, é a etapa da decifração,
ou seja, a parte em que analisamos os itens gráficos que compõem o texto, vemos
quais as palavras que formam o texto escrito e como elas se relacionam. Por fim,
a interpretação é o momento em que aquela pessoa que lê o texto estabelece as
relações entre o texto e o contexto, uma mesma palavra ou expressão pode ter

11
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

sentidos diferentes de acordo com o tipo de texto (materialidade), quem foi o


autor dele, onde foi encontrado. Um exemplo bem simples: um bilhete colado
numa folha do seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) tem a expressão fonte
diferente de um bilhete deixado pelo cara que consertou o seu computador.

Em uma leitura mais vinculada aos processos internos do texto, ler é


compreender todos os seis níveis linguísticos que, segundo Barreto e Barreto
(2015, p. 47), estão envolvidos nos processos de: “[...] aprender utilizar ou ensinar
a Escrita de Sinais [...]” ou qualquer outra língua escrita, são eles: (1) fonético, (2)
fonológico, (3) morfológico, (4) sintático, (5) semântico e (6) pragmático. Mais
adiante, neste Livro Didático, estudaremos com mais detalhes estes aspectos.
Neste momento, é importante ficar claro que a escrita apresenta mais aspectos
do que o morfológico (vocabular), desse modo, a leitura também necessita da
compreensão dos demais aspectos envolvidos além do fonético/fonológico (sons/
partes que constituem os morfemas).

Além desses níveis, ou partes da escrita, é importante termos em mente


que a leitura possui uma dimensão que:

[...] podemos compreender a leitura como um ato, ou seja, a noção de


que ela é uma forma de agir sobre e a partir daquilo que está escrito.
Através deste sentido, podemos relacionar uma visão dialógica da
leitura, em que autor, obra e leitor se encontram através do texto,
sendo a escrita o meio de encontro histórico e social. Sendo que a
leitura ao mesmo tempo em que modifica o leitor é modificada por
ele no momento do contato entre leitor e obra num dado momento
histórico (CORREIA, 2018, p. 28).

Pode-se afirmar que, a leitura é a forma como dois sujeitos históricos


entram em contato a partir da escrita, logo, ampliando a dimensão colocada no
início deste tópico, que destacava o texto escrito como forma de observação dos
fenômenos linguísticos em diferentes tempos e espaços.

E
IMPORTANT

Vamos encerrar esta seção com um exemplo concreto envolvendo uma receita
de família para clarear um pouco mais essas distinções entre: língua, fala, escrita e leitura.
A famosa receita de pudim de ovos e leite faz parte de muitas famílias, vem passando de
gerações para gerações. E, justamente por este fato, muitas vezes os nossos avós não têm a
receita escrita e nem a quantidade certinha de cada ingrediente, apenas meio aproximada e
sem muitas medidas, tudo meio “no olho”. Alguns acham isso estranho, mas, mesmo assim
eles conseguem passar as medidas aproximadas e, desde então, os netos passam a fazer
pudim também, com isso, passam a perceber que as quantidades são no “olho” mesmo, pois
dependem da qualidade dos ingredientes, da força da chama do fogão, da nossa “mão” na
hora e etc. Neste momento, você, caro acadêmico, deve estar querendo saber como essa
história do pudim se relaciona com o nosso conteúdo, pois bem, o pudim (ou qualquer outra

12
TÓPICO 1 | A ESCRITA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA

receita passada de geração em geração) é um ótimo exemplo concreto para entendermos


os conceitos e a relação entre língua, fala e escrita. Olhem só:

• Receita de pudim na cabeça dos nossos avós é como se fosse a língua na nossa cabeça,
pois, sabemos usar, sabemos como funciona, mas não sabemos direito como explicar
as regras, normas e construções que estruturam ela. Além disso, o único jeito de tirar a
receita da nossa cabeça é explicar ela para alguém ou fazê-la, fora isso, a receita segue
guardadinha na cabeça da gente, sem se materializar no mundo concreto. Neste exemplo,
a língua é um pudim guardado apenas na cabeça de nossos avós.

• Ao ser feito o pudim é semelhante à fala: é a realização ou materialização da língua


(receita na cabeça) e apresenta variáveis dentro das regras estabelecidas por ela, ou seja,
nós até inventamos umas coisas, mas não colocamos primeiro para assar os ingredientes
separados, porque a fala (o pudim sendo feito) precisa seguir as regras básicas da língua
(receita na cabeça dos nossos avós), neste caso, misturar as coisas antes de colocar para
assar.

• Uma foto do pudim (como a imagem a seguir, postada no Instagram): pode ser comparada
à escrita, porque apresenta a língua (receita na cabeça dos nossos avós), mas precisa da
fala (realização concreta do pudim) para ter a materialidade, ou seja, não teria como tirar
uma foto de um pudim que estivesse apenas na cabeça de alguém. Assim sendo, o pudim
só pode ser registrado (escrita) porque existiu fala e só existiu porque a receita estava na
cabeça de alguém (língua).

FONTE: <https://www.instagram.com/p/Br0WWlOBo0JahYGbVpx-f0ZBE9lNUKMkTSls4Y0/>.
Acesso em: 28 jan. 2019.

No momento em que você olhou a foto do pudim (escrita) você foi capaz de fazer a leitura
dela, ou seja, ao olhar percebeu, pelas suas experiências anteriores, que isso é um pudim
e, através da foto (escrita) pode ter acesso à materialidade (fala) daquela receita de pudim
da cabeça dos nossos avós (língua), ou seja, houve interação, mesmo que estivermos em
tempo-espaço diferentes.

13
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A matéria da Linguística é a linguagem humana.

• As tarefas da ciência da linguagem são descrever as famílias linguísticas,


localizar as forças em ação que explicam as características particulares das
línguas ao longo da história.

• O texto escrito permite a observação dos fenômenos referentes à linguagem


humana em um tempo e espaço diferentes daquele em que o linguista está
localizado.

• Linguagem e língua são expressões que possuem conceitos diferentes.

• A linguagem humana é tudo aquilo a que podemos atribuir sentido, por isso,
ela tem inúmeras facetas e manifestações, é uma faculdade, uma habilidade
humana, que só pode ser vista nas realizações concretas que a compõe, a língua
faz parte dela.

• A língua é a parte essencial da linguagem humana, também é um produto


social observável, por isso, a Linguística tem suas tarefas relacionadas à língua
e não à linguagem humana.

• A língua tem um caráter coletivo social, a fala tem um caráter individual, pois
é o modo como o indivíduo usa a língua de modo particular.

• A língua faz com que a fala possa ser entendida e a fala faz com que a língua
se estabeleça no mundo concreto.

• Para Saussure, a escrita é uma representação da língua, uma fotografia estática


de um rosto, enquanto a fala é o olhar para o rosto ao vivo.

• Não é possível ter acesso direto à língua depositada no cérebro do indivíduo,


então não é possível para a escrita representar diretamente a língua, logo,
a escrita se organiza a partir da fala para poder exercer o seu papel como
representação da língua.

• A fala é o lugar de realização da língua, já a escrita é o modo de representação


da língua.

14
• A escrita e a leitura são intimamente ligadas, pois a realização da escrita
só se concretiza no momento da leitura, que, mais do que decodificação é a
compreensão da língua escrita utilizada em todas as suas características e um
diálogo entre os sujeitos históricos envolvidos por meio dela.

• A leitura envolve três etapas: antecipação, decifração e interpretação.

15
AUTOATIVIDADE

1 Leia as seguintes afirmações:

I- A língua faz parte do conjunto de linguagens humanas.


II- A língua é representada pela fala.
III- A língua é socialmente constituída.
IV- A língua se realiza através da fala.
V- A língua está relacionada, de modos diferentes, com a fala e a escrita.

Marque a alternativa que apresenta apenas as afirmações corretas:


a) ( ) I, II, III, IV.
b) ( ) II, III, IV, V.
c) ( ) I, III, IV, V.
d) ( ) II, IV, V.
e) ( ) I, IV, V.

2 A partir do que você estudou neste tópico, em sua opinião, por que a
sinalização das línguas de sinais pode ser equiparada ao conceito de fala
utilizado por Saussure para as línguas orais?

3 Após refletir sobre a famosa receita de pudim, qual outro exemplo você
poderia pensar que funcionasse também como uma forma concreta de
exemplificar os conceitos de língua, fala, escrita e leitura e as relações entre
eles?

16
UNIDADE 1
TÓPICO 2
DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

1 INTRODUÇÃO
No último tópico, vimos as características da escrita na visão da linguística
de Saussure, a partir disso, estudamos a base teórica da ciência da linguagem e
vimos a relação entre os conceitos de linguagem, língua e escrita. Neste segundo
tópico, estudaremos alguns aspectos referentes à história e ao desenvolvimento
da escrita das línguas orais.

É interessante conhecermos como desenvolveu-se a escrita para as línguas


orais antes de estudarmos a escrita de sinais, porque a sistematização da escrita das
línguas de sinais se deu a partir de um contexto histórico e social, em que a escrita
das línguas orais está organizada naquilo que Fischer (2009) chama de escrita
completa. Ou seja, embora a escrita das línguas de sinais tenha se estruturado a
partir de um contexto específico, ela se inscreve dentro da história da escrita das
línguas humanas, por isso, é necessário que conheçamos como ocorreu o avanço
da estruturação da escrita ao longo da história antes de tratarmos especificamente
da escrita da língua de sinais.

Iniciaremos o Tópico 2 abordando a importância da escrita para o


desenvolvimento da humanidade, retomando algumas reflexões sobre a
conceituação da escrita e discutindo a escrita completa (FISCHER, 2009). Após,
estudaremos como desenvolveu-se a escrita do pictograma ao símbolo, veremos
quais os sistemas de escrita e suas características. Por fim, discutiremos alguns
aspectos sobre a estrutura da escrita das línguas orais.

2 A CATEGORIZAÇÃO DO MUNDO PELA LINGUAGEM


Muitos estudiosos tentaram definir a escrita, porém, Fischer (2009) aponta
que uma definição específica que abranja o passado, o presente e as possibilidades
futuras da escrita seria complicada de se fazer. Como vimos acima, mesmo
Saussure (2012) define a escrita a partir de sua relação com os demais aspectos da
linguagem humana não delimitando ela de modo individual e a colocando em
uma relação de representação da língua apenas a partir da fala. Ou seja, não faz
uma definição da escrita por si mesma.

Fischer (2009), para fugir disso que chama de “[...] ‘armadilha’ de uma
definição inteiramente formal, porque a escrita tem sido, e é inúmeras coisas
distintas para inúmeros povos distintos em incontáveis épocas diferentes”

17
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

(FISCHER, 2009, p. 14), e, tendo em vista o objetivo que se propõe ao escrever


sobre a história escrita, prefere delimitar as três características que, segundo ele,
definem a escrita completa:

• A escrita completa deve ter como objetivo a comunicação.


• A escrita completa deve consistir de marcações gráficas artificiais
feitas numa superfície durável ou eletrônica.
• A escrita completa deve usar marcas que se relacionem
convencionalmente para articular a fala (o arranjo sistemático de sons
vocais significativos) (FISCHER, 2009, p. 14, grifo nosso).

Para que a escrita seja completa, na visão de Fischer (2009) é necessário que
tenha como meta a comunicação, ou seja, um indivíduo que use a comunicação
para passar informação, comunicar algo para outra pessoa ou grupo de pessoas.
Também é necessário que o suporte dessas marcas artificiais, quer dizer, feitas
pelo homem, seja durável como argila, pedra, papel ou por meio eletrônico. Por
fim, o autor coloca que essas marcas precisam relacionar-se convencionalmente
com a finalidade de articular a fala, neste caso, a palavra convencionalmente faz
referência às regras ou convenções sociais a que a escrita obedece enquanto forma
de registro da fala, por isso, do arranjo sistemático, ou seja, dentro de sons vocais
significativos.

Esses três critérios de escrita completa combinam com aquilo que


havíamos discutido até então sobre a escrita e abordam a comunicação, o suporte
e a característica de ser uma convenção socialmente estabelecida que havíamos
discutido anteriormente. Exatamente por sua característica social é que “a escrita
muda à medida que a humanidade se transforma. É uma dimensão da condição
humana” (FISCHER, 2009, p. 10).

À vista disso, a escrita acompanha e se modifica na mesma proporção


da sociedade em que está inserida, visto que ela representa uma das facetas
da linguagem humana. Servido como forma pela qual a linguagem humana
(por consequência a língua, a fala e a escrita) classifica, categoriza e organiza o
mundo.

Para exemplificar como a linguagem categoriza o mundo, Fiorin (2010)


apresenta a seguinte situação: inicialmente, podemos imaginar uma região onde
existem os seguintes animais representados a seguir: “[...] oito animais, quatro
grandes e quatro pequenos, quatro com cabeça quadrada e quatro com a cabeça
redonda, quatro com a cauda reta e quatro com a cauda enrolada” (FIORIN, 2010,
p. 57).

18
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO DE OITO ANIMAIS DE UMA REGIÃO

FONTE: Fiorin (2010, p. 57)

Vamos imaginar que na região em que estes animais vivem existem três
povos diferentes que até um dado momento não haviam percebido a existência
destes oito animais, ou seja, era como se estes animais não existissem para as
pessoas que fazem parte das três comunidades. Porém, um dia, durante um
momento de colheita povos percebem a existência destes bichos, assim sendo, os
animais passam a existir para as pessoas dos três povos.

O Povo 1 nota que os animais que têm o corpo menor comem cereais
e os grandes não comem. Após perceber isso o povo 1, ignorando as demais
características que diferenciam os bichos, dão o nome de gogos para os animais
A, B, C e D, já os animais E, F, G e H ganham o nome de gigis. Desse modo, “Faz-
se, então, abstração das demais diferenças entre eles [os animais] e produz-se
uma categorização [classificação] dessa realidade” (FIORIN, 2010, p.57).

O Povo 2 nota outra característica dos bichos e nota que os de cabeça


redonda não mordem e os de cabeça quadrada fazem isso, logo, classificam de
modo diferente a realidade dos mesmos animais observados pelo Povo 1. Na
categorização do Povo 2, os animais que mordem (B, D, F e H) recebem o nome
de dabas e os que não mordem (A, C, E e G) são chamados de dobos.

Por fim, o Povo 3 tem uma experiência diferente com os animais, pois
percebe que os animais de cauda enrolada caçam serpentes e os de cauda reta
não fazem isso. Desse modo, organizam a realidade encontrada de um modo
completamente diferente daquele feito pelos Povos 1 e 2, logo, dão o nome de
busas para os animais A, B, E e F e busadas para os animais C, O, G e H.

Refletindo sobre este exemplo percebemos que os animais, ou seja, a


realidade encontrada pelos Povos 1, 2 e 3 foi categorizada a partir das experiências
que cada um dos povos teve através da observação dos animais. Logo, a linguagem
humana serviu como forma de organizar a realidade a partir do contato que os
povos tiveram com aquilo que se apresentou a eles. De acordo com Fiorin (2010,
p. 57):

19
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

A mesma realidade, a partir de experiências culturais diversas, é


categorizada diferentemente. Nenhum ser no mundo pertence a uma
determinada categoria, os homens é que criam categorias e põem nelas
os seres. Isso não acontece apenas com os seres concretos. Imaginemos
que uma pessoa mata outra. Essa ação pode ser categorizada como
assassinato, como acidente, como cumprimento do dever, como ato
de heroísmo, como perda temporária da razão. Essa categorização
determina nossas atitudes: prendemos o assassino, perdoamos
quem foi vítima das circunstâncias; elogiamos o policial que matou o
sequestrador que mantinha pessoas como reféns, porque cumpriu seu
dever; damos uma medalha ao herói que, na guerra, matou o inimigo.
Como dissemos, a língua não é uma nomenclatura aplicada a uma
realidade cuja categorização preexiste à significação.

Dessa maneira a realidade se classifica através da linguagem humana e,


por continuidade, da língua. Língua essa que ganha existência material pela fala
e é representada pela escrita. Ou seja, a nossa percepção da existência não apenas
é perpassada pela língua, mas ela se estrutura a partir da língua.

Nesta perspectiva, a importância da escrita ganha força por sua


característica de permanência, de acordo com Pereira e Fronza (2006, p. 1 apud
BARRETO; BARRETO, 2015, p. 54):

Colocar o que pensamos e entendemos em um material perene e


estático proporciona a chance de refletirmos sobre a própria linguagem
e sobre os nossos pensamentos, permite que revisitemos formas
antigas de expressão e possibilita reflexão sobre a forma como nos
expressamos e sobre a adequação da nossa linguagem em expressar
nossos sentimentos.

Logo, a escrita não apenas tem sua importância em nossa sociedade como
modo de organização da realidade, mas como registro dos diferentes modos de
percepção da realidade ao longo do tempo. Por isso, Fischer (2009, p. 13) coloca
que “As raízes desse sistema se encontram na necessidade fundamental dos seres
humanos de armazenar informação para comunicar, a si mesmos ou a outros,
distantes no tempo e no espaço”.

3 DO PICTÓRICO AO SIMBÓLICO
A história da escrita confunde-se com o desenvolvimento dos modos
através dos quais a humanidade se utilizou para registrar aquilo que era
importante para a vida cotidiana. Na compreensão apresentada por Barreto e
Barreto (2015, p. 54) a história da humanidade foi drasticamente afetada a partir
do desenvolvimento da escrita:

A história [da humanidade] pode ser dividida em antes e depois da


escrita. Segundo Higounet (2003), até hoje, sua origem é um mistério.
Diferentes civilizações utilizaram diversas formas e artifícios para
escrever suas mensagens. Seu desenvolvimento se deu ao longo
de muitos séculos até chegar à imprensa. E desde então tem se
desenvolvido cada vez mais.
20
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

Continuando nesta perspectiva, os autores explicam que a importância


da escrita para a história da humanidade se deve à capacidade dela de dar
continuidade às descobertas, invenções e ao conhecimento acumulado pela
humanidade ao longo de sua história. Além disso, os autores também colocam
que:

Se a humanidade caminhou a passos tão largos nos últimos séculos


e agora parece correr, é porque, tal como reconheceu Isaac Newton,
estamos ‘de pé sobre ombros de gigantes’ e, em grande medida, isto
se deve à escrita. É imensurável o desenvolvimento social, neurológico
e linguístico, dentre tantos outros aspectos, que a escrita traz ao ser
humano (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 54).

Ou seja, a escrita, na visão destes autores, através do registro do


conhecimento acumulado ao longo do tempo, permite a continuidade dos
estudos, pesquisas, obras literárias e conhecimento histórico, científico e literário.
Isso porque, ao ter um ponto de referência, os indivíduos podem desenvolver
seu pensamento em relação a esses conhecimentos, concordando, refutando,
contrapondo ou extrapolando aquilo que foi desenvolvido anteriormente.

Dessa maneira, Barreto e Barreto (2015) colocam a escrita na dimensão


de sua importância não apenas como registro, mas como intertexto em que
os diferentes textos se entrecruzam em referências de leitura, de registro e de
escrita. Por exemplo, quando um detetive literário como Sherlock Holmes chega
até os dias atuais através dos livros de Sir Arthur Conan Doyle e influencia Jô
Soares na escrita de seu livro O Xangô da Backer Street, no qual o detetive vive
uma aventura no Brasil e acaba passando por situações muito diferentes. Assim,
Jô pode redimensionar a personagem Sherlock Holmes porque o registro escrito
permitiu que ele tivesse acesso às histórias do famoso detetive e, por isso, pode
imaginar uma nova aventura para ele.

Atualmente, através do desenvolvimento das tecnologias que nos


permitem acesso remoto a um mundo de possibilidades com o uso de diferentes
suportes virtuais, estamos em um contexto no qual as conexões são estabelecidas
em hipertextos, de acordo com Correia (2018, p. 133):

O conceito de hipertexto deriva da intertextualidade, mas a amplia a


uma rede infinita de possibilidades, o que combina com as vivências
da atualidade através do uso das TICs [tecnologias de informação e
comunicação] e serve de base para a elaboração de uma proposta de
leitura em que os elementos responsivos dos enunciados se misturam
e interligam de diferentes maneiras, suportes e mídias permitindo
diferentes caminhos para a exploração da obra literária [ou qualquer
outro conhecimento].

Se pensarmos nos modos como nos relacionamos em nossa sociedade


atualmente, veremos que, cada vez mais, a escrita permeia as nossas relações
sociais, de estudo e de trabalho. Para uso das redes sociais não basta termos um
telefone inteligente com acesso à internet, também precisamos compreender as
orientações escritas de uso para que nossa experiência seja efetiva; para estudar,

21
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

você precisa ter acesso ao conhecimento acumulado até então dentro da sua área
e isso pode ser feito de vários modos, mas todos eles serão mediados, de algum
modo pela escrita, seja via Livro Didático, objetos de aprendizagem, questões para
estudos ou, até mesmo, dos vídeos dos professores que também são permeados
pelo conhecimento acumulado através da escrita.

DICAS

Você conhece a história do livro O diário de Anne Frank? É o registro que a


menina Anne fez enquanto esteve em um esconderijo durante a Segunda Guerra Mundial.
Nele, a menina documenta não apenas os seus conflitos, mas também a tensão e perigo da
época. A partir da sua publicação tivemos acesso a um relato em primeira pessoa sobre um
dos piores períodos da humanidade, marcado pelo holocausto dos judeus. Existem várias
adaptações em quadrinhos e filmes deste registro feito em formado de diário, assim, a escrita
da adolescente judia, morta em um campo de concentração aos 15 anos, chega até nós mais
de 70 anos depois, devido ao registro permitido pela escrita.

Entretanto, a escrita não foi um sistema que nasceu pronto, ela se


desenvolveu até chegar à escrita completa (FISCHER, 2009), aquela que, como
vimos anteriormente, tem como objetivo a comunicação, um conjunto de
marcações gráficas artificiais em um suporte durável e se relaciona por convenção
para articular a fala. De acordo com o autor:

Antes da escrita completa, a humanidade usou uma riqueza de


símbolos gráficos e mnemônicos (ferramentas de memória) de vários
tipos para acumular informações. A arte na pedra sempre possuiu
um repertório de símbolos universais: antropomorfos (imagens
humanizadas), flora, fauna, o sol, estrelas, cometas e muito mais,
incluindo incontáveis desenhos geométricos. Na maior parte, eram
reproduções gráficas do mundo físico. Ao mesmo tempo, elementos
eram usados em contextos linguísticos também, como registros em
nós, pictográficos, ossos ou paus entalhados, bastões ou tabuas com
mensagens, jogos de cordas para cantos, seixos coloridos etc. ligando
objetos físicos com a fala. Por milhares de anos, a arte gráfica e esses
elementos mnemônicos se desenvolveram em certos contextos sociais
(FISCHER, 2009, p. 15).

3.1 SÍMBOLOS GRÁFICOS MENEMÔNICOS


Fischer (2009) afirma que os elementos gráficos desenvolvidos nos mais
diferentes contextos sociais se fundiram em símbolos gráficos mnemônicos, e
destaca alguns conjuntos de símbolos. A seguir, veremos algumas das formas de
registros desses símbolos gráficos citados pelo autor:

22
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

• Registros com nós: muitos povos utilizam como modo de registro um sistema
de nós mais ou menos complexos que podiam ser simples e em uma corda
única ou complexos e coloridos com o uso de cordas que se ligavam. Dentre
os diferentes povos que utilizaram este modo de registro foi o Quipu inca que
chegou até nós com um grupo significativo de exemplos. O Quipu ou Guipu
era um complexo modo de contabilidade que representava não apenas as
quantidades numéricas, mas também, supõe-se, diversas mercadorias através
de cores diferentes.

Ainda de acordo com Fischer (2009, p. 16): “os incas do Peru antigo
usavam elementos mnemônicos quase exclusivamente para alcançar o que a
escrita alcançou em contextos iguais ou semelhantes em outras sociedades”.
Contudo, mesmo que os nós tenham como objetivo a comunicação, os fios não
preenchem os demais requisitos para serem classificados como escrita completa,
pois não são marcas gráficas artificiais feitas em suporte durável, nem têm uma
relação convencional com a articulação da fala.

FIGURA 3 – EXEMPLO DE REGISTRO DE NÓS QUIPU

A – NÓS SEM SOMATÓRIO B – NÓS COM SOMATÓRIO

FONTE: A <https://bit.ly/2VyIBnH>. Acesso em: 23 jan. 2019. B <https://bit.ly/2YmPwNC>.


Acesso em: 10 maio 2019.

Observe que, na figura A, aparece o registro de números individualmente,


e, na figura B, foi inserido um fio amarrado ao último número simples da direita
para registrar o somatório dos números anteriores.

Segundo Fischer (2009, p. 17): “registros com nós são um elemento


mnemônico muito mais versátil do que simples varetas com talhos e bastões
entalhados. Ao permitir maior variedade e complexidade de categorias, podem
facilmente ser ‘apagados’ ou ‘reescritos’ com novos laços”. Essa característica que
permite certa reorganização das informações é uma qualidade muito interessante
para pensarmos o desenvolvimento da escrita como forma de lembrete ou registro
de informações referentes à contabilidade e informação e referente à quantidade
de objetivos, assim, a escrita se desenvolve através de sua principal característica:

23
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

a comunicação de informações. Logo, o início de seu desenvolvimento está


vinculado ao registro das quantidades de animais, objetos, mercadorias e
demais coisas contáveis que apresentassem uma necessidade de registro desta
informação.

• Entalhes: existem registros de marcações, entalhes ou símbolos gráficos


feitos de modo intencional há milhares de anos. Fischer (2009) destaca que,
mesmo que os entalhes sejam claramente marcas feitas com algum propósito
específico, este propósito se perdeu ao longo dos anos e não é claramente
possível de se compreender para saber, com certeza, qual seria. Além disso,
o autor também afirma que alguns dos artefatos descobertos datam de 100
mil anos atrás. Como exemplo, ele destaca os ossos de Ishango do Zaire, que,
ao serem contados, chegam a uma quantidade que possivelmente indica os
ciclos lunares. No que se refere a nossa discussão sobre escrita, os entalhes são
importantes porque evidenciam uma forma de guardar informações, porém
ainda não são considerados escrita completa porque não são passíveis de serem
lidos de modo articulado.

Conforme Fisher (2009, p. 18) aborda: “O que é importante é que


dezenas de milhares de anos atrás, as marcas gráficas, ainda que primitivas,
provavelmente registravam algum tipo de percepção humana, por alguma razão.
Isso era armazenagem de informação”.

FIGURA 4 – OSSO DE ISHANGO DO ZAIRE (FORMA DE NOTAÇÃO NUMÉRICA OU


CALENDÁRIO)

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-HuAUHI9UfU8/V3BE4Jt46AI/AAAAAAAAJZQ/
KNYp2l7GWjA-6IMKzdfQGfOulCGm_f9cACKgB/s1600/Osso%2Bde%2BIshango.PNG>. Acesso
em: 25 jan. 2019.

• Pictografia: embora entalhes e nós possam fazer referência a lembretes, números


ou categorias, as imagens podem transmitir um maior grau de detalhamento
das características de um objeto (FISCHER, 2009). “A necessidade de transmitir
uma variedade maior de informação pontual, além das citadas [categorias,
números e lembretes], registrando com um ou mais símbolos pictóricos – isso
é pictografia. A pictografia é um casamento fortuito entre marcas e elementos
mnemônicos” (FISCHER, 2009, p. 19).

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TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

Isto posto, a pictografia é, de acordo com o autor citado, uma junção entre
o uso de marcas artificiais feitas para a comunicação e de elementos que servem
para registro ou memória dos acontecimentos. Ainda segundo Fischer (2009),
algumas pinturas rupestres aparentam ter como objetivo a comunicação através
de pictogramas, ou seja, desenhos que não evidenciam apenas uma forma de
registro de imagem, mas que aparentam ter como meta relatar algo através de
registro.

Na figura a seguir temos a reprodução de um desenho que Fischer (2009)


coloca em seu livro. Nesta imagem aparece o desenho de um cavalo rodeado
daquilo que, para nós, seriam letras “P”. Este desenho está localizado na caverna
Les Trois Frères, no sul da França, e seu significado não é conhecido por nós.
Mesmo assim, a possibilidade de que estes símbolos entalhados em torno do
animal tenham como objetivo comunicar algo, talvez o som do bicho ou parte de
uma história envolvendo o cavalo, parece ser bastante concreta.

FIGURA 5 – ARTE RUPRESTRE: CAVALO ENTRALHADO NA CAVERNA LES TROIS FRÈRES

FONTE: Fischer (2009, p. 19)

Ainda mais completa é esta “carta” da tribo Cheyenne, em que a Tartaruga-


seguindo-sua-fêmea manda a seguinte mensagem para o Pequeno-homem, que
é seu filho: “eu lhe envio $53 e peço que venha para casa” (FISCHER, 2009, p.
19). Assim, a mensagem é transmitida através dos desenhos, que permitem sua
compreensão. Apresenta quase todas as características de uma escrita completa,
contudo, suas marcas são icônicas e não convencionalmente atribuídas, ou seja,
apenas as pessoas que conhecem exatamente os referentes poderiam compreender
a mensagem colocada.

25
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

FIGURA 6 – MENSAGEM PICTOGRÁFICA CHEYENNE

FONTE: Fischer (2009, p. 19)

• Símbolos gráficos: conforme Fischer (2009), os símbolos gráficos se


desenvolveram a partir da necessidade social de ampliar o repertório de
registro, a partir da expansão da sociedade suméria e da contabilidade
da mercadoria. Imaginemos o seguinte: até certo tempo eram pequenas
comunidades que precisavam apenas registrar e controlar um número
pequeno de coisas. Um exemplo prático, quando éramos crianças, nossa
“comunidade” era pequena e nossos “recursos” eram poucos, apenas
precisávamos registrar pequenos fatos ou histórias, ou seja, até uma certa
idade os desenhos ou entralhes que fazíamos nas paredes de casa bastavam.
Porém, quando entramos na escola, nossa “comunidade” se expande e são
necessários outros modos de registro das coisas.

FIGURA 7 – SÍMBOLOS ENTALHADOS EM CERÂMICA (5300-4300 a.C.)

FONTE: Fischer (2009, p. 23)

Com a expansão comercial foi necessário que formas mais rápidas e


eficientes de registro fossem criadas, por isso, criou-se um sistema de códigos
em símbolos. É necessário distinguir símbolo de signo, pois, neste momento da
história ainda estávamos desenvolvendo símbolos e não signos linguísticos: “um
‘símbolo’ é uma marca gráfica que significa outra coisa, enquanto um ‘signo’ é
um componente convencional de um sistema de escrita” (FISCHER, 2009, p. 23).

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TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

Dito de outro modo, um símbolo retoma outra coisa a qual ele faz
referência, por exemplo, uma pomba branca é o símbolo da paz, ou seja, a pomba
significa “paz” para as pessoas que sabem a relação entre o animal e o sentimento.
Já um signo é algo que por convenção, ou seja, combinação social faz parte de um
sistema de escrita, e tem várias características específicas, por exemplo, o sinal
equivalente à “laranja” em Libras, quando feito na testa, tem o significado de
“aprender”, ou seja, por convenção da língua, quando realizado na testa, esse
sinal significa “aprender”, por isso, esse sinal é um signo da língua de sinais
brasileiros.

FIGURA 8 – SINAL DA FRUTA/COR LARANJA

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1543 e 244)

FIGURA 9 – SINAL DO VERBO APRENDER

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1543 e 244)

Dentro dos estudos linguísticos propostos por Saussure podemos observar


a diferença de “símbolo” e “signo”, assim como as características dos signos
linguísticos. Dubois et al. (1973), sobre o pensamento linguístico de Saussure
coloca que “o símbolo, ao contrário do signo, tem por característica jamais ser
arbitrário, isto é, existe um laço natural rudimentar entre significante (o símbolo)
e significado (o sentido dele)”.

Dubois et al. (1973) apresentam as características dos signos linguísticos


segundo Saussure:

1) Unem um conceito a uma imagem acústica som.


2) São arbitrários, ou seja, não têm relação direta com o referente externo.
3) São linearmente organizados, quer dizer, precisam estar numa certa ordem
para fazer sentido, como ogat não faz sentido, mas gato sim.
4) Não podem ser mudados livremente porque são uma convenção socialmente
instituída.

27
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

5) Mudam ao longo do tempo através do uso que é feito e dos novos acordos
sociais, por exemplo, a mudança ocorrida ao longo do tempo com a expressão
Vossa Mercê>Vosmecê>você.

E
IMPORTANT

Não confunda a noção de sinal icônico com símbolo, pois os sinais fazem parte
de uma língua, logo, não são símbolos. E, os signos apresentam certa semelhança com seu
referente concreto, sendo característicos nas línguas de sinais.

• Fichas de argila: o sistema de fichas de argila era utilizado para contabilidade,


de modo que uma ficha era igual a um produto e cada produto tinha um
formato específico de ficha. A partir de 4000 a.C. as fichas começaram a ser
utilizadas de maneira diferente, pois a quantidade de itens começou a ficar
muito grande para contar todas as fichas sempre. Por isso, elas começaram a
ser colocadas em “pequenos ‘envelopes’ de argila chamados de bullae [que]
continham essas fichas e eram marcados e impressos por fora, evitando ter de
abri-los e quebrá-los para saber quantas fichas e qual mercadoria encerravam”
(FISCHER, 2009, p. 25).

FIGURA 10 – ALGUNS MODELOS DE FICHAS DE ARGILA JÁ ENCONTRADOS

FONTE: Fischer (2009, p. 25)

Dessa maneira, os pequenos envelopes de argila (bullae) armazenavam as


fichas e não precisavam ser abertos para saber a quantidade de fichas que tinham
dentro, porque possuíam marcas que indicavam o tipo e a quantidade das fichas
existentes em seu interior. Com o tempo, os símbolos usados nos envelopes fizeram
com que as fichas fossem dispensadas, dando início ao processo de uso de símbolos
indiretos. De acordo com Fischer (2009), para a teoria das fichas, a escrita completa
começa a desenvolver-se a partir do momento em que foi possível ler através do
uso de símbolos indiretos, o tipo e a quantidade de cada bullae.

28
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

Nessa perspectiva, o sistema de fichas contribuiu para a emergência da


escrita completa. O autor coloca a seguinte comparação para demonstrar que as
fichas deram origem ao pictograma e ao signo cuneiforme referente à ovelha.

FIGURA 11 – PROCESSO DE FICHA PARA SIGNO

FONTE: Fischer (2009, p. 27)

• Tabuletas: existiram no mesmo momento que as bullae e tinham uma função


semelhante, a de contabilizar as mercadorias. Para Fischer (2009), elas
representam certa complexidade superior às bullae, tinham marcas referentes
às quantidades e às mercadorias, utilizando de marcas feitas com a ponta de
um bambu para representar as quantidades.

FIGURA 12 – MARCAS PADRONIZADAS NA ARGILA UTILIZADAS PARA CONTAGEM

FONTE: Fischer (2009, p. 28)

3.2 ESCRITA FONÉTICA


Segundo Fischer (2009), a fonetização acontece quando um símbolo gráfico
se transforma, a partir da leitura em um som articulado, ou seja, é a transição de
um símbolo gráfico para um símbolo referente ao som da palavra (fonético).

No entanto, a fonetização não garante a existência da escrita completa,


pois mesmo as fichas e os pictogramas estão vinculados à leitura da palavra que
fazemos, ao vermos uma ficha que tem o significado de ovelha (como na Figura
16) transformamos esta imagem em sua representação acústica em nossa cabeça.

Quando analisamos a carta pictográfica enviada por Tartaruga-seguindo-


sua-fêmea (Mensagem Pictográfica Cheyenne), também conseguimos identificar
alguns elementos e fazer a leitura. As três etapas de antecipação, decifração e
interpretação estão presentes mesmo nos símbolos gráficos mnemônicos que
ainda não são sistemas de escrita completa.
29
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Sobre a Figura 12, Fischer (2009, p. 28) coloca que: “embora isso [fichas
de argila e pictogramas] não seja ainda escrita completa, uma vez que deixa de
usar marcas que se relacionem convencionalmente à fala, é, no entanto, uma
transmissão bem-sucedida de ideias complexas pela arte gráfica”.

FIGURA 13 – TABULETA PICTOGRÁFICA DE KISH (CERCA DE 3300 a.C.)

FONTE: Fischer (2009, p. 29)

O autor também destaca que para a leitura atual, essa tabuleta não
é possível de se ler com clareza, pois mesmo que os pictogramas tenham se
tornado abstratos, padronizados e com seu valor fonético mantido, eles passam
a se tornar símbolos quando perdem a correspondência direta com o objeto que
representava.

Na tabuleta representada na Figura 13 podemos claramente reconhecer


o símbolo de um pé, logo, a referência e o valor fonético para a leitura estão
presentes, porém não conseguimos decifrar a mensagem, pois mesmo mantendo
o valor fonético e a referência do objeto, esse símbolo não está convencionalmente
associado à fala e pode tanto significar “pé”, quanto “andar”, “caminhar” ou “ir”.

Isso acontece porque, de acordo com Fischer (2009, p. 29): “os escribas
podiam facilmente ‘lê-los’ [aos símbolos] dentro de um sistema limitado.
No entanto, os símbolos ainda não conseguiam transmitir ‘qualquer ou todo
pensamento’ porque estavam ligados ao referente externo”. Dito de outro modo,
os símbolos ainda estavam ligados àquilo que faziam referência na realidade
concreta, como o pé desenhado na tabuleta da Figura 13, que tinha seus
significados ainda vinculados às possibilidades que este símbolo permitia.

O sistema pictográfico era feito através de símbolos com referencial


externo, ou seja, um referencial que precisava ser buscado fora da língua para
se concretizar. Na figura a seguir, Fischer (2009) apresenta uma representação
triangular do símbolo em que a relação de referência entre ele e o som é permeada
pela relação direta com o objeto referenciado.

30
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

FIGURA 14 – SISTEMA NUMÉRICO DE SÍMBOLOS COM REFERENCIAL EXTERNO

FONTE: Fischer (2009, p. 30)

Porém, Fischer (2009) coloca que era necessária a elaboração de um


novo sistema em que fossem diminuídas as ambiguidades e transmitida mais
informações. A solução encontrada foi a adoção do foneticismo sistêmico,
ou seja, um sistema baseado na fonética e não no objeto concreto: um sistema
padronizado com um número limitado de signos em que haja coordenação entre
sons e símbolos para criar os signos de um sistema de escrita:

Símbolos gráficos se tornaram sinais de um sistema de escrita só


quando o valor fonético de um símbolo começou a superar o seu valor
semântico em um sistema de valores limitados e semelhantes. Foi
cortada a ligação com o referente externo e priorizado o potencial do
sistema para expressar quase tudo de um discurso articulado. Não se
percebia mais no símbolo gráfico (ou pictograma) apenas um objeto
externo ou abstrato (‘céu’), começava-se a ler um som (o an sumério)
por seu valor independente (FISCHER, 2009, p. 30, grifo do autor).

Assim sendo, o símbolo vira signo quando o som assume a prioridade no


sistema e se distancia da referência ao objeto dentro de um sistema interno em
que a leitura do signo está vinculada ao valor sonoro do signo, ou seja, dentro
da própria língua. Desse modo, na figura a seguir, podemos ver que a relação
se tornou direta, eliminando o formato triangular de representação e passando
a uma relação estabelecida entre o signo e o som organizado a partir da escrita e
da leitura.

FIGURA 15 – FONETICISMO SISTÊMICO

FONTE: Fischer (2009, p. 32)

31
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Na língua suméria, ainda de acordo com Fischer (2009), o princípio de


rébus foi aquele que permitiu que a imagem de algo represente uma sílaba na
língua falada. Nele, utilizava-se o som das palavras monossilábicas (palavras
com uma única sílaba) para escrever as sentenças, como o exemplo demonstrado
na figura a seguir com palavras em inglês, em que os sons dos pictogramas
desenhados referem-se aos sons na língua inglesa: eye (olho) tem a mesma
pronúncia de I (eu); saw (serrote) tem o som semelhante ao passado do verbo
to see (ver) – saw; por fim, bill (bico) tem um som semelhante ao nome próprio
“Bill”.

FIGURA 16 – SENTENÇA “I SAW BILL” OU “EU VI O BILL”

FONTE: Fischer (2009, p. 31)

Assim, é possível escrever e preencher os requisitos de uma escrita


completa, que são: objetivo de comunicar; marcas gráficas em um suporte durável
e marcas que são convencionalmente utilizadas para articular a fala de modo a
realizar a comunicação (FISCHER, 2009, p. 31).

Para esta seção foi necessário organizar e mostrar o processo de


desenvolvimento da escrita de modo sintético e aparentemente organizado.
Contudo, Fischer (2009) coloca que este foi um longo processo de elaboração
que existiu em diferentes estágios ao mesmo tempo e não se alterou de forma
automática, mas de modo caótico que fez com que a escrita completa emergisse
apenas uma vez na história da humanidade. Por isso, é a partir daí que todos os
sistemas de escrita se desenvolveram e são derivados do foneticismo sistêmico
que apareceu na Mesopotâmia, influenciando o desenvolvimento da escrita para
os demais povos.

4 SISTEMAS DE ESCRITA
A partir do momento em que a fonetização sistêmica dos sumérios se
expandiu e espalhou-se pelo Nilo, o planalto iraniano e o Vale do Indo, cada
um dos povos adaptou esse sistema as duas necessidades locais, em um sistema
misto que usava logomarcas, fonogramas e sinais que identificavam os signos
(FISCHER, 2009). É importante destacar que todas as escritas ou sistemas de escrita
são formados por empréstimos, por exemplo, a ideia da escrita, a orientação, o
sistema, a própria escrita, parte do sistema para enriquecer outro sistema e partes
dos caracteres.

32
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

FIGURA 17 – RELAÇÃO ENTRE OS PRIMEIROS SISTEMAS DE ESCRITA

SUMÉRIA
Rébus
(logografia/fonografia)

EGITO VALE DO RIO INDO


Hieróglifos/ escrita cuneiforme/ logografia/
Logoconsonantismo logossilabismo logossilabismo

FONTE: Fischer (2009, p. 34)

• Egito: aproveitaram o sistema de escrita, a logografia, a fonografia e a


linearidade como modo de estruturar a escrita. Na escrita egípcia, um hieróglifo
era utilizado para representar a consoante inicial da palavra e não sílabas
inteiras como os sumérios. Isso fez com que os egípcios fossem os primeiros a
representar as consoantes individualmente através de um único sinal.

Certamente foi uma solução econômica e flexível, porque diminuiu o


número de sinais e ampliou a quantidade de combinações. “O uso frequente de
cerca de 26 signos uni-consonantais – cada um transmitindo uma consoante – foi,
sem dúvida, a inovação mais marcante dos escribas do Egito antigo” (FISCHER,
2009, p. 36). Além desses 26 signos, os escribas também usavam outras marcas
que complementavam a informação fonética das consoantes ou determinavam a
identificação de ações. Contudo, o som ainda não havia se tornado completamente
desvinculado do icônico pictográfico.

De acordo com Fischer (2009), a leitura da escrita egípicia era feita no


sentido que os hieróglifos estivessem colocados e poderia acontecer em qualquer
direção. Na figura a seguir, temos um cartucho real, era uma forma de escrever o
nome dos faraós fechado em uma forma específica, no caso está escrito o nome de
Ramsés II. Observe que as figuras estão escritas na horizontal e direcionadas para
a esquerda, logo, essa é a direção da leitura desses signos.

33
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

FIGURA 18 – CARTUCHO RAMSÉS II NO TEMPLO DE LUXOR

FONTE: <https://i.pinimg.com/474x/09/97/56/099756659d7a9cf2ac234f9cb25b391b--luxor-
temple-luxor-egypt.jpg>. Acesso em: 30 jan. 2019.

• Na escrita cuneiforme a iconicidade é completamente deixada de lado e


o sistema se organiza através da representação do som das sílabas para a
formação de palavras individuais, por isso, logossilábico. A escrita era feita
com um estilete de junco (chamado de buril) sobre placas de argila e era um
sistema simples e muito eficiente, sendo possível transmitir toda e qualquer
ideia através dele (FISCHER, 2009). Nesta forma de escrita, “palavras inteiras
interdependentes são representadas por logomarcas, ou por um signo ou por
signos agrupados” (FISCHER, 2009, p. 51).

FIGURA 19 – PLACA DE ARGILA COM AMOSTRA DE ESCRITA CUNEIFORME

FONTE: <https://editoras.com/b/wp-content/uploads/2015/02/tablet-cuneiform.jpg>. Acesso


em: 30 jan. 2019.

Vale do Rio Indo: a escrita mais proeminente ainda não decifrada no


mundo parece ter sido um sistema logossilábico. De acordo com Fischer (2009), a
escrita logoconsontal egípcia se espalhou por vários lugares do mundo e chegou
a diferentes povos, inclusive aos fenícios que eram navegadores experientes e
faziam negócios com várias partes do mundo antigo. Em um destes contatos, os
gregos tiveram conhecimento do sistema de escrita consonantal e deram a sua
contribuição ao colocarem as vogais e mapearem os sons existentes, desse modo:
34
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

[...] eles conferiram a cada vogal grega um sinal como se fossem


consoantes, e depois escreveram esses sinais sozinhos ou acompanhados
de uma consoante. Usando consoantes e vogais juntos, dessa forma
reproduziram a fala muito mais fielmente do que qualquer sistema
inventado antes ou depois. Assim, os gregos alcançaram o primeiro
‘mapeamento’ dos sons relevantes de uma língua. E, embora eles
quisessem só transmitir seu dialeto particular do grego, usando uma
nova escrita fenícia, os escribas de Chipre apresentaram uma inovação
a qual, sofrendo em geral pequenas adaptações, podia transmitir
qualquer língua do mundo (FISCHER, 2009, p. 112).

Então, nessa altura dos acontecimentos as consoantes e as vogais estavam


definidas. Todavia, ainda faltavam as contribuições dos romanos, quando o
alfabeto grego chegou à Roma pelas mãos dos Etruscos, ele ganhou a letra G e a
ordem canônica alfabética foi estabelecida. O alfabeto latino se espalhou por mais
línguas devido ao cristianismo, à colonização e à globalização. Isso porque estes
três fatores fizeram com que o alfabeto se espalhasse e firmasse em diferentes
lugares, pois a religião, a colonização de diferentes países e a atual globalização
ampliaram a difusão do alfabeto latino pelo mundo ocidental (FISCHER, 2009).

Assim, chegamos à escrita alfabética que utilizamos até hoje, inclusive


neste exato momento é através dela que podemos nos comunicar por via deste
Livro Didático. Uma última observação a ser feita sobre essa evolução é que
mesmo que o alfabeto latino seja bastante diferente dos desenhos dos hieróglifos
egípcios, segundo Fischer (2009), podemos encontrá-los de maneira transformada
no alfabeto utilizado por nós. Na figura a seguir, é possível observar a evolução
imagética de algumas letras.

FIGURA 20 – EVOLUÇÃO IMAGÉTICA DO ALFABETO

FONTE: Fischer (2009, p. 46)

35
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

5 ESTRUTURAÇÃO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS


Todos os sistemas completos de escrita compreendem uma combinação de
sinais de sentido (semânticos) e sons (fonéticos). Isso porque a simples colocação
de sons em ordem linear não será útil se não estiver relacionada a um sentido,
por exemplo, a palavra agto não tem sentido semântico, embora é possível ler
foneticamente, agora, a palavra gato não apenas tem uma realização fonética
possível como tem sentido dentro do sistema de escrita completa que estamos
utilizando nesse momento.

Assim sendo, o sentido da palavra está também vinculado ao processo de


ordenação linear das letras, mas também vinculado ao sentido e ao som.

Quanto ao modo como a escrita completa se estrutura, é bastante variado


e envolve os seguintes aspectos hierarquicamente organizados:

ESCRITA COMPLETA

SISTEMA DE ESCRITA: logográfico, silábico, alfabético, [ideográfico]


etc.
ESCRITA: cuneiforme, cursiva, itálica etc.
CARACTERES: sinais compostos: chineses, maias, ilha da Páscoa etc.
SINAIS: sinais principais, numerais, letras etc.
ELEMENTOS: afixos derivacionais, diacríticos, pontuação etc.
TIPOS: Times New roman, Courier, Gótico etc.
DIREÇÃO: da direita para a esquerda, de cima para baixo, em colunas
etc.
MATERIAL[SUPORTE]: argila, papiro, bambu, papel, tela do
computador etc. (adaptado de FISCHER, 2009, p. 61).

Atualmente, as diferentes escritas das línguas orais existentes no mundo


se organizam de inúmeras maneira, contudo, podemos observar os aspectos
referentes às características das línguas específicas.

Por exemplo, a escrita da língua portuguesa é um sistema de escrita


alfabética, neste caso do Livro Didático, em escrita script (de forma oposta à
cursiva), composto de letras, elementos de afixos, sufixos, derivações e pontuações.
Está na fonte Arial, tem a leitura feita sempre da esquerda para a direita e de cima
para baixo. Seu material/suporte é a tela do computador durante a produção
(escrita) e, depois de impresso o suporte é o papel.

Esses aspectos referentes às línguas serão interessantes para as nossas


discussões sobre a estrutura da escrita de sinais, pois a maneira como ela fica
estruturada no suporte é imprescindível para a leitura. Ou seja, para a efetivação
do processo de escrita.

36
TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS ORAIS

DICAS

Este tópico foi baseado, principalmente, no livro História da Escrita de Steven


Roger Fischer, de 2009, da Editora UNESP. Caso você se interesse por este assunto, recomendo
bastante a leitura, porque é um apanhado bastante completo sobre o assunto.

NOTA

Você conhece o alfabeto linguístico fonológico?


É um alfabeto que apresenta símbolos específicos para cada uma das pronúncias dos sons,
ele é utilizado por linguístas que se dedicaram ao estudo das diferenças de pronúncia entre
regiões, comunidades ou grupos linguísticos distintos.
Por exemplo, a palavra “desenhar” ficaria com a seguinte representação fonética: [deze’na],
em que os símbolos utilizados procuram reproduzir o som específico das marcações gráficas
artificiais.

37
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A escrita completa é aquela que tem como objetivo a comunicação, é um


conjunto de marcações gráficas artificiais em um suporte durável e se relaciona
por convenção para articular a fala.

• A realidade se categoriza através da linguagem humana e, por continuidade,


da língua.

• A nossa percepção da existência não apenas é perpassada pela língua, mas ela
se estrutura a partir da língua.

• A escrita permite que os indivíduos tenham um ponto de referência para


poderem desenvolver seu pensamento em relação a esses conhecimentos,
concordando, refutando, contrapondo ou extrapolando aquilo que foi
desenvolvido anteriormente.

• O intertexto é o que permite o desenvolvimento do conhecimento humano a


partir das relações que se estabelecem entre os diferentes textos.

• Hipertexto é o modo como diferentes formas de registro escrito, visual, musical


etc. se organizam em uma rede de conhecimento compartilhado.

• Antes do desenvolvimento da escrita completa, a humanidade passou por


vários sistemas e formas de registro gráficos de memória.

• Os símbolos gráficos mnemônicos que merecem destaque são: quipus/guipus,


entalhes, pictogramas e fichas de argila.

• Os guipus/quipus incas eram sistemas de contagens com nós.

• A escrita se desenvolveu a partir da necessidade de registro das informações


contábeis sobre animais, mercadorias etc.

• Os entalhes são registro de informação com marcas gráficas intencionais, por


isso, representam armazenagem de informações.

• Os pictogramas são a junção de marcas com elementos mnemônicos e trazem


maior quantidade de informações sobre as qualidades e características dos
elementos envolvidos.

38
• Os pictogramas não fazem parte das escritas completas porque suas marcas
são icônicas e não convencionais.

• Os símbolos gráficos se desenvolveram para registros contábeis mais eficientes.

• O símbolo é uma marca gráfica que significa outra coisa, um signo é um


componente convencional de um sistema de escrita.

• Os signos linguísticos, para Saussure, são caracterizados como: unem um


conceito a uma imagem acústica, arbitrários, lineares, convencionais e mudam
ao longo do tempo.

• As fichas de argila são o início de um sistema de escrita completa.

• Os pequenos envelopes de argila (bullae) armazenavam as fichas e não


precisavam ser abertos para saber a quantidade de fichas que tinham dentro
porque eram colocadas marcas que indicavam o tipo e a quantidade das fichas
existentes em seu interior.

• Os símbolos usados nos envelopes fizeram com que as fichas fossem


dispensadas, dando início ao processo de uso de símbolos indiretos.

• Para a teoria das fichas, a escrita completa começa a se desenvolver a partir do


momento em que foi possível ler através do uso de símbolos indiretos, o tipo e
a quantidade de cada bullae.

• As tabuletas coexistiram com as bullae e tinham a mesma função: dizer


quantas unidades de cada mercadoria.

• A fonetização é a transição de um símbolo gráfico para um símbolo referente


ao som da palavra (fonético).

• Os pictogramas se tornaram abstratos e padronizados, mas mantiveram seu


valor fonético.

• O pictograma se torna símbolo quando perde a correspondência direta com


o objeto por ele representado, mas mantém o valor fonético e a referência ao
objeto.

• O símbolo vira signo quando o som assume a prioridade no sistema e se


distancia da referência ao objeto.

• O princípio de rébus permite que a imagem de algo exprima uma sílaba na


língua falada.

• Foneticismo sistêmico: um sistema padronizado com um número limitado de


signos em que há coordenação entre sons e símbolos para criar os signos de um
sistema de escrita.
39
• A escrita suméria influenciou o desenvolvimento da escrita para os demais
povos.

• A escrita completa emergiu apenas uma vez na história da humanidade.

• Logoconsonatismo: escrita egípcia, imagens representando só o som da


consoante inicial.

• Logosilabismo: escrita cuneiforme, formação de palavras individuais com


representação em sílabas.

• Todas as escritas ou sistemas de escrita são formados por empréstimos de, por
exemplo, a ideia da escrita, a orientação, o sistema, a própria escrita, parte do
sistema para enriquecer outro sistema e partes dos caracteres.

• Todos os sistemas completos de escrita compreendem uma combinação de


sinais de sentido (semânticos) e sons (fonéticos).

• Os egípcios foram os primeiros a representar consoantes individuais com


apenas um sinal correspondente.

• A representação de um sinal para um som foi uma solução econômica e flexível,


porque diminuiu o número de sinais e ampliou a quantidade de combinações.

• Os gregos foram os responsáveis por inserirem as vogais no alfabeto fenício e


mapearem os sons existentes.

• Através dos etruscos, o alfabeto grego chegou aos romanos.

• O alfabeto latino se espalhou por mais línguas devido ao cristianismo, à


colonização e à globalização.

40
AUTOATIVIDADE

1 Neste tópico vimos os sinais de “laranja” e “aprender”, quando estudamos


os signos e vimos que, ao mudar o local de sinalização, o signo também
muda e passa a ter outro significado. Agora, qual outro par de sinais tem
um funcionamento semelhante a esses citados?

2 Por que a linguagem humana serve como modo de categorizar a realidade?

3 Leia as seguintes afirmações:

I- A linguagem humana é uma forma de categorizar a realidade encontrada


pelos homens.
II- Os símbolos são ligados diretamente com o referente externo que
representam.
III- Os gregos contribuíram com a inserção de sons vocálicos no alfabeto
fenício.
IV- Os egípcios tinham uma língua que se organizava em sons silábicos, ou
seja, cada desenho representava um par de sons.
V- Um sistema de rébus organizava a escrita suméria.

Marque a alternativa que apresenta apenas as afirmações corretas.


a) ( ) I – II – III – IV.
b) ( ) II – III – IV – IV.
c) ( ) I – III – IV – V.
d) ( ) I – II – III – V.
e) ( ) I – II – IV – V.

41
42
UNIDADE 1
TÓPICO 3

REGISTRO PARA AS LÍNGUAS DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Nos tópicos anteriores nos dedicamos ao estudo dos conceitos
linguísticos que estão envolvidos quando falamos sobre escrita. Vimos também
como ocorreu a evolução da escrita das línguas orais, estudos necessários para
entendermos em que tradição de estudos linguísticos e de histórico de evolução
da escrita que a escrita das línguas de sinais se insere.

Neste Tópico 3, trataremos das formas de registro das línguas de sinais


que foram utilizadas para o estudo delas, pois, antes do desenvolvimento de uma
escrita de sinais, várias outras formas de registro foram utilizadas como meio de
memorização e estudo da Libras. Ainda não trataremos dos diferentes dicionários
e suas organizações, este é um conteúdo que será abordado na Unidade 3 deste
Livro Didático.

Vale lembrar que os registros são aqueles que utilizam das línguas orais,
desenhos, vídeos e índices para a descrição dos sinais. Ou seja, aqueles anteriores
a uma escrita de sinais propriamente dita, os modos como se estudavam ou
registravam os sinais antes de ter uma escrita completa específica das línguas de
sinais, que fosse amplamente difundida como a SignWriting é na atualidade.

DICAS

No site a seguir podemos observar uma linha do tempo interativa sobre a história
dos surdos e da Língua Brasileira de Sinais. Disponível em: <https://conteudos.surdoparasurdo.
com.br/historia-surdos-libras-lingua-de-sinais-brasil>. Acesso em: 31 jan. 2019.

O objetivo deste tópico é fazer um apanhado dos modos de registros da


Libras antes de uma escrita de sinais. Para que possamos, no próximo tópico,
estudar a escrita de sinais propriamente dita. Este intermédio é necessário para
que tenhamos em mente, de um modo mais claro, quais as opções existentes antes
e ao mesmo tempo que uma escrita de sinais. Dessa forma, é mais fácil refletir
sobre a sua importância ao longo de nossos próximos estudos.

43
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Antes de continuarmos, apresentamos o sinal da conteudista Mariana


Correia, em três modos:

1 – Mão na configuração da letra “M”, com os dedos virados para cima, apoiados
no início da linha do sorriso, as pontas dos dedos deslizam pela covinha do
sorriso até o queixo.

2 – Foto alterada digitalmente para demonstrar o movimento do sinal:

FIGURA 21 – SINAL DA CONTEUDISTA COM SETA DIRECIONAL DE MOVIMENTO

FONTE: A autora

3 – Escrita de sinais usando o sistema SignWriting de escrita:

Sinal da conteudista em escrita de sinais

O maior desafio em registrar as línguas de sinais é que, diferentemente das


línguas orais-auditivas, as línguas de sinais se organizam de modo visuoespacial.
Portanto, realiza-se no espaço visual das pessoas que se comunicam através dela,
é uma língua que acontece em três dimensões, em um espaço de articulação
bastante amplo. Em contrapartida, as línguas orais-auditivas se realizam através
da audição da fala articulada, pois podem ser representadas nas duas dimensões
dos suportes físicos, por exemplo, o papel.

Além disso, os sinais das línguas de sinais são compostos não apenas por
altura, largura e profundidade, mas possuem ainda a necessidade do movimento
e/ou combinações de movimentos para acontecer. Logo, são extremamente

44
TÓPICO 3 | REGISTRO PARA AS LÍNGUAS DE SINAIS

complexos na transposição para um suporte físico como o papel. Lembrando que


estamos falando do registro das línguas de sinais em relação à sinalização, ainda
sem um sistema de escrita.

É exatamente nessa possibilidade de representação de suporte físico, como


o papel, que as coisas ficam mais complexas quando pensamos no registro das
línguas de sinais, porque o suporte não apresenta a possibilidade de profundidade
ou movimentação. Ao longo dos estudos das línguas de sinais, algumas
estratégias foram utilizadas para a divulgação e registro das línguas de sinais.
Então, neste tópico, observaremos exemplos dos registros em suportes físicos de
duas dimensões, como o papel (altura e largura). E, veremos também algumas
contribuições que o uso das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação)
trouxeram para o registro das línguas de sinais.

Estes registros que serão estudados são pautados nos estudos de Libras
ao longo dos últimos quatorze anos em relação à dificuldade que os estudantes
de Libras encontravam (e ainda encontram) para conseguir memorizar e realizar
registros destes estudos. Pois, o registro seja ele descritivo, pictórico (desenhos),
em vídeos ou em glosas, tem como objetivo a comunicação, ao longo de um
período maior de tempo, daquilo que desejamos guardar para memorização,
consulta posterior ou envio de informações.

Vale lembrar também que a evolução das possibilidades de registro da


língua de sinais acompanhou e se aproveitou do desenvolvimento das TICs e
da Internet. Se, há poucos anos, não tínhamos sequer telefones celulares, hoje,
contamos com o auxílio de aplicativos como o Pro-Deaf e o HandTalk.

2 DESCRIÇÃO
A descrição como tipologia de escrita é um texto que tem como maior
objetivo o registro por escrito de uma “fotografia” da imagem, objeto, lugar,
pessoa, ou no caso da Libras, de um sinal. Esse registro não pretende que o mais
importante seja o que está escrito, mas como detalha de modo mais rico.

Uma das formas de registro utilizadas era a descrição do sinal em Língua


Portuguesa, mas funcionava até certo ponto, pois era demorado de realizar durante
as aulas. O professor seguia com a aula e os alunos continuavam anotando o sinal
de modo particular, cada aluno fazendo a descrição do seu jeito.

Por exemplo, o sinal da palavra “ilha”, ao ser aprendido, podemos anotar


algo mais ou menos assim: mão E fechada na altura do peito, mão D em i, circula
a mão E. Ou seja, estamos transpondo a imagem que vemos o professor fazer,
através da utilização da Língua Portuguesa e, como qualquer descrição, esta não
abarca todos os detalhes do que estamos vendo. Combinando com aquilo que
Barreto e Barreto (2015) colocam sobre as anotações descritivas durante as aulas
de Libras:

45
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

Por vezes, nem mesmo quem fez esse tipo de anotação consegue
lembrar depois como o sinal era feito. Sem contar no tempo que isso
demora e nas informações que são perdidas num ambiente de curso
de Libras, por exemplo. O professor geralmente apresenta uma
sequência de sinais e, por iniciativa própria, os alunos vão fazendo
anotações descritivas que os afastam da essência da Libras, que é
visoespacial, fadando-os ao esquecimento dos sinais por se apoiarem
pura e simplesmente na escrita da Língua Portuguesa (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 59-60).

Esse componente descritivo é utilizado como uma das formas para


demonstrar o sinal também no dicionário Capovilla et al. (2017) e em vários
materiais para o ensino de Libras. Embora este modo de registrar os elementos
que fazem parte da sinalização seja bastante útil, principalmente para os ouvintes
usuários de LP que aprendem a Libras, a descrição tem o problema de ser longa
e pouco prática, precisando de muito tempo para leitura e compreensão do sinal
que está sendo demonstrado.

FIGURA 22 – VERBETE DO SINAL “ILHA”

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1493)

Outro aspecto relevante para o entendimento do uso de descrições é que


elas são uma forma de “tradução” do sinal para LP. E, como toda a tradução, é
problemática porque nos exige pensar em duas línguas ao mesmo tempo. Quando
pensamos isso na forma de aprendizagem da Libras, é bastante complexo,
porque se torna mais difícil a memorização dos sinais. Além disso, inviabiliza,
por exemplo, a anotação de uma história completa em Libras, pois é inviável
descrever sinal por sinal e todos os elementos manuais e não manuais envolvidos
para a elaboração de uma narrativa.

46
TÓPICO 3 | REGISTRO PARA AS LÍNGUAS DE SINAIS

NOTA

Os elementos não manuais são aqueles realizados com a cabeça, o tronco,


o corpo e o olhos, ou seja, todos aqueles que não envolvem as mãos da pessoa que está
sinalizando. Estes elementos não manuais podem ou não ter valor gramatical na sentença,
dependendo se são exigidos ou não pelo uso que está sendo feito. Por exemplo, sentenças
interrogativas exigem o uso de uma expressão facial interrogativa, ou seja, uma marca não
manual gramatical.

3 DESENHOS/FOTOS
Outros modos de registro bastante utilizados são as fotos alteradas
digitalmente e os desenhos dos sinais. Estes registros em imagens visavam
facilitar a compreensão e a memorização dos sinais, tendo em vista que uma
imagem, mesmo que em duas dimensões, pode captar melhor um sinal realizado
no espaço.

Entretanto, para que os desenhos realmente passem a imagem correta


dos sinais, é necessário ou que o desenhista saiba a língua de sinais ou que seja
assessorado por pessoas que a conheçam. Desse modo, a realização de desenhos
realmente bons acabou por ser feita apenas para alguns materiais e estes foram
utilizados e reutilizados inúmeras vezes e por vários cursos diferentes, devido à
impossibilidade de investir o valor necessário para a recriação de desenhos novos.

Como exemplo, apresentamos, nas figuras a seguir, a imagem de duas


páginas do material que foi utilizado em um curso de Libras de 2006, ano em
que a última turma utilizou esse material reconstituído no SENAI. Nos anos
posteriores foi produzida uma apostila específica da instituição com fotos e toda
organizada pelo instrutor responsável pelo curso. Procuramos deixar as imagens
de forma mais fiel possível para que ficassem em evidência o aproveitamento de
materiais e a reestruturação feita para as cópias.

NOTA

É importante lembrar que o primeiro curso de Letras Libras foi lançado


pela UFSC em 2006, sendo que apenas após a criação dele, dos estudos acadêmicos e
das normatizações que uma universidade promove, que tivemos o início de uma maior
organização em relação ao ensino de Libras em todos os níveis.

47
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

FIGURA 23 – REPRODUÇÃO DE PÁGINAS DE APOSTILAS PARA O ESTUDO DA LIBRAS

FONTE: SENAI (s.d., p. 33-35)

Na figura anterior, reproduzimos as páginas 33 e 35 de um mesmo


material. Podemos observar que foram reaproveitadas imagens de materiais
diferentes que, aparentemente, já tinha utilizado desenhos de outras fontes.
Como podemos ver pelos diferentes “bonecos” sinalizadores que aparecem nas
páginas. Mesmo assim, o uso de desenhos com os sinais facilitou bastante a
aprendizagem, pois era um jeito mais rápido de ter acesso aos sinais, também é
interessante notar o uso de pontilhados, como em “amar” e “passear”.

Com o desenvolvimento de tecnologias mais acessíveis e mais baratas para


a feitura, edição e reprodução de imagens, o registro das línguas de sinais pode
ser feito através de fotos alteradas digitalmente para demonstrar o movimento
dos sinais.

Na figura a seguir veremos os sinais referentes à “abelha” e “admirar”


segundo o minidicionário da FADERGS (Fundação de Articulação e
Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e Altas
Habilidades no Rio Grande do Sul).

48
TÓPICO 3 | REGISTRO PARA AS LÍNGUAS DE SINAIS

FIGURA 24 – FOTOS DOS SINAIS “ABELHA” E “ADMIRAR”

FONTE: FADERGS (2010, p. 7-8)

No sinal da palavra “abelha” podemos ver a seta em movimento ondulante


que apresenta a movimentação do sinal, foram necessárias duas fotos para isso,
pois o sinal tem um ponto inicial e um ponto final de realização. Já no sinal da
palavra “admirar” podemos ver a expressão facial que acompanha o sinal e que
enfatiza o seu significado, tendo em vista que o sentido do verbo “admirar”
pressupõe uma “entonação” que denote admiração. Desse modo, podemos ver
que as fotos alteradas digitalmente apresentam um grau de detalhamento ainda
mais eficiente dos sinais.

4 REGISTROS EM VÍDEOS
Os registros em vídeo também são resultantes do desenvolvimento.
As TICs permitiram que o registro dos sinais tivesse mais detalhes, bem como
permitiu o registro das narrativas e histórias em Libras, além da elaboração e
distribuição de materiais didáticos acompanhados de CDs e DVDs contendo os
vídeos em Libras. Desse modo, temos um detalhamento ainda maior dos sinais
e dos movimentos, bem como a possibilidade de repetição quantas vezes for
necessário.

Com a ampliação do acesso à internet a disponibilidade de vídeos em


Libras ficou ainda mais ampla, existindo inúmeros canais para acesso aos mais
diferentes materiais em vídeo que utilizam a Libras. Além disso, as animações em
Libras e os aplicativos para consulta de sinais existem em um número crescente e
podem ser acessados por celulares inteligentes em qualquer lugar. Desse modo, o
uso das diferentes tecnologias de elaboração, captação e reprodução de imagens
auxiliou para que o registro e divulgação da Libras ganhasse destaque.

49
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

DICAS

Quando algo começa a ser motivo de piada é sinal de que está entrando
definitivamente para as discussões e vivências regulares da sociedade. Afinal de contas, só
podemos fazer piada daquilo que conhecemos e entendemos. No programa A Gente Riu
Assim, exibido em 28/12/2018 os humoristas fizeram aquilo que seria uma novela em Libras,
na qual a intérprete ocupa a tela toda e os atores aparecem no retângulo normalmente
reservado para a profissional. A novela é chamada de Sinais de uma Paixão. É muito
interessante observar os detalhes de interpretação e a abertura que aparece no final do
vídeo.
Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/7248559/>. Acesso em: 31 jan. 2019.

5 GLOSAS/ÍNDICES
As glosas são usadas em materiais referentes ao registro de pesquisas
acadêmicas que queiram detalhar ao máximo o modo de sinalização das sentenças.
Segundo Barreto e Barreto (2015), glosa e índice são modos diferentes de registro,
porém em pesquisas de línguas de sinais, o temo “glosas” abarca tanto a escrita
termo a termo, quando os modos de indexar as referências gramaticais, mesmo
assim, apresentam dificuldade em detalhar verdadeiramente as relações entre os
sinais.

As glosas são usadas [em pesquisas sobre línguas de sinais] como


registro primário numa tentativa de representar os sinais numa forma
escrita. Como em: INDEXa INDEXb aENTREGARb. Onde INDEX
sinaliza a direção e a locação no espaço. Mas ENTREGAR não está
mostrando o deslocamento no espaço nem como este sinal é feito,
afinal, existem diversos léxicos na Libras que expressam este sentido
evidenciando, inclusive, o que e como está sendo entregue (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 58).

Assim sendo, as glosas ou índice são formas de expressar as relações


sintáticas, ou seja, as relações estabelecidas entre as palavras de uma sentença
de modo a deixar em evidência as relações estabelecidas entre elas. No exemplo
reproduzido de Barreto e Barreto (2015) na citação acima, os índices [a] e [b] estão
demonstrando que o verbo ENTREGAR é um verbo direcional em que o seu
sujeito e o seu objeto são marcados no espaço de sinalização, a movimentação
do ponto [a] em direção ao ponto [b] demonstra que no ponto [a] está marcado o
sujeito e no ponto [b] o objeto.

50
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Por ser uma língua visuoespacial, a Libras apresenta certa complexidade em


ser colocada em um suporte como o papel.

• A evolução das possibilidades de registro da língua de sinais acompanhou e se


aproveitou do desenvolvimento das TICs e da internet.

• A descrição é uma forma de registro que pretende fazer uma fotografia por
escrito de algo, colocando em palavras a imagem de um sinal.

• A descrição, como registro de sinais da Libras, torna complicado o registro e a


leitura do sinal.

• O registro em imagens teve grande evolução devido ao desenvolvimento de


formas mais práticas, acessíveis e eficientes para registro e divulgação dos
sinais.

• Os registros em vídeo permitiram um maior detalhamento dos sinais e a


divulgação de histórias e narrativas em Libras.

• O uso das diferentes tecnologias de elaboração, captação e reprodução de


imagens contribuiu para que o registro e divulgação da Libras ganhasse
destaque.

• As glosas/índices são utilizadas em pesquisas acadêmicas com o objetivo de


descrever detalhadamente as relações sintáticas entre os sinais a partir do uso
de índices que marcam as relações sintáticas entre os sinais.

51
AUTOATIVIDADE

1 Em sua opinião, porque o uso das Tecnologias de Informação e


Comunicação, bem como o advento da internet foram importantes para o
registro das línguas de sinais?

2 Em sua opinião, a quantidade crescente de canais do YouTube que divulgam


materiais em Libras é um ponto positivo ou negativo para a divulgação da
Língua, tendo em vista o pouco controle da qualidade destes materiais?

3 Quais as vantagens e desvantagens de cada uma destas formas de registro


colocadas acima, em sua opinião?

52
UNIDADE 1
TÓPICO 4

ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
O estudo da história da evolução da escrita das línguas de sinais se
insere na história da escrita das línguas orais, pois parte como escrita de uma
língua, de todo o arcabouço teórico, metodológico e estrutural delas, inclusive a
possibilidade datilológica de delimitação é um traço da escrita das línguas orais.
Ou seja, a escrita da língua de sinais se inscreve a partir da história de como as
línguas orais desenvolveram a sua escrita. Isso porque tudo que está em uso no
momento da elaboração de algo, seja uma ponte, uma forma de artesanato ou
a escrita de uma língua, apresenta marcas dos contatos com aquilo que existia
antes.

Além disso, como vimos no tópico anterior, os registros das línguas de


sinais utilizados para o ensino e aprendizagem apresentam a necessidade de
transposição para a escrita de uma língua oral através de descrições e glosas/
índices; ou pressupunham o uso de TICs, que embora auxiliam na captação,
divulgação, edição e uso de imagens, fotos e vídeos não são práticos, rápidos e
duráveis como o papel, tendo em vista que necessitam de um aparato tecnológico
para serem utilizados.

Para destacar a importância do desenvolvimento de uma escrita da


língua de sinais, Raquel Barreto é surda desde muito pequena e relata sobre sua
experiência com a escrita:

Algumas vezes tirei nota Zero em atividades e provas. Tudo era em


Português (minha segunda Língua). Não conseguia conectar aquelas
palavras ao meu pensamento, ao que havia aprendido em minha
Primeira Língua (L1) [LIBRAS]. Isso machucava lá dentro de mim.
Mas na época eu não entendia porque isso acontecia (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 44, grifo nosso).

Neste pequeno trecho de sua experiência com a escrita, vemos um relato


de como a constante movimentação entre as duas línguas impactava diretamente
em seu desempenho acadêmico e emocional. O relato nos mostra que, para
uma pessoa surda, a transição entre duas línguas é ainda mais difícil, por isso, a
necessidade de uma forma para registrar diretamente a língua de sinais através de
uma escrita que leve em conta as características específicas dessa língua natural.

53
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

TURO S
ESTUDOS FU

Nas próximas unidades estudaremos os conceitos de L1 e L2, por hora, diremos


que L1 é a primeira língua aprendida por um indivíduo e L2 é a segunda língua aprendida por ele.

Sobre a relação entre escrita e poder, o seguinte texto aborda como a


escrita de língua de sinais é necessária para o registro da cultura surda:

A escrita, o poder e a tecnologia são parceiros nas narrativas ocidentais


da origem da civilização. A Cultura Surda está minimamente
registrada, porque as situações que os surdos vivem, não conseguem
escrever em sua própria língua. [...] Com esses enfoques [bilíngues e
biculturais], o desenvolvimento intelectual e cultural das comunidades
surdas tem evoluído e o caminho natural dessa evolução passa pela
aquisição de uma escrita própria que pode proporcionar o acesso a
um novo patamar em suas expressões culturais e comunicativas. Com
a aprendizagem da escrita de língua de sinais, os surdos vão ter a
oportunidade de desenvolver uma nova cultura, que é a cultura surda
escrita, um pouco diferente da cultura surda sinalizada (UFSC, s.d.,
grifo nosso).

Desse modo, a escrita de sinais é imprescindível para o desenvolvimento


da comunidade surda socialmente. Neste tópico, veremos quais os sistemas de
anotações desenvolvidos para as línguas de sinais e estudaremos as características
que fizeram com que o SignWriting tenha se tornado o sistema de escrita de
línguas de sinais mais amplamente utilizado.

2 HISTÓRIA DOS SISTEMAS DE NOTAÇÕES DAS LÍNGUAS


DE SINAIS
De acordo com Aguiar e Chaibui (2015), assim como a escrita das línguas
orais, a escrita das línguas de sinais passou por um processo de evolução dos
modos de escrita destas últimas:

A escrita das Línguas Orais (LO) surgiu há muitos anos na história da


humanidade, desde então ela evoluiu muito. Porém, já a [sic.] algum
tempo, pesquisadores voltaram sua atenção para outra modalidade
de língua, as Línguas de Sinais. A evolução de antigos povos, de
suas culturas e das Línguas Orais acarretou na criação de sistemas de
escritas que remetessem a estas línguas, sistemas estes que passaram
por muitas modificações até chegarmos ao nosso alfabeto latino oficial,
tomando-se como referência o Brasil. Com as Línguas de Sinais esse
processo também ocorreu, a evolução de sua cultura, emancipação e
evolução de seus falantes [sinalizantes] e das línguas usadas por eles,
culminou na criação de várias propostas de sistemas de escritas que
representam tais línguas (AGUIAR; CHAIBUI, 2015, p. 2, grifo nosso).

54
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Anteriormente, vimos que a escrita das línguas orais foi se desenvolvendo


de acordo com a necessidade que os povos da antiguidade sentiam devido às
expansões comerciais, ao número de mercadorias envolvidas e à necessidade
de tornar o sistema mais prático e eficiente. De acordo com Fischer (2009), o
surgimento da ideia da escrita completa surgiu apenas uma vez na história da
humanidade, modificando-se a partir de empréstimos e alterações de acordo com
a necessidade de cada povo.

Assim sendo, a escrita das línguas de sinais se desenvolveu de modo


que evoluiu a partir da criação de propostas para sistemas de escrita, ou seja,
propostas que partiam da compreensão do que é um sistema de escrita e quais os
aspectos envolvidos. De acordo com Barreto e Barreto (2015):

Historicamente, não houve o desenvolvimento natural de qualquer


tipo de escrita para as Línguas de Sinais, pelo menos não noticiado.
Por uma ou outra razão, as comunidades surdas estiveram satisfeitas
apenas com sua comunicação face a face. A cultura surda, por
consequência, permaneceu essencialmente apenas em sua via
expressiva, isto é, sinalizada, o que seria equivalente às demais línguas
em sua modalidade oral.

Por esta razão, não temos registro escrito em Língua de Sinais do


testemunho de pessoas surdas, seus diários, relatórios, literatura (contos, poesia,
piadas etc.) ou qualquer outra forma de esforço em documentar, via escrita, a
experiência de vida surda do ponto de vista de um surdo em sua própria língua.
Com o avanço das tecnologias, essa comunicação face a face migrou-se também
para a Internet e telefonia móvel através das mais variadas formas (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 56).

Assim sendo, o desenvolvimento de sistemas de escrita, ou notação, das


línguas de sinais não se desenvolveram de modo natural, mas foram criados a
partir da necessidade de se desenvolver uma escrita. Os principais sistemas de
notação e escrita de sinais são, de acordo com Barreto e Barreto (2015) e Aguiar e
Chaiube (2015), os seguintes:

a) Notação Mimographie ou sistema de Bébian: publicado em 1822, é um livro


que apresenta o modo de transcrição fonética criada pelo pedagogo francês
Roch Ambroise Auguste Bébian (1789-1839). Apresentava um total de “[190
símbolos, todos escritos em uma determinada ordem, escritos da esquerda
para a direita, a maioria deles icônicos para que fossem facilmente recordados
e baseados em quatro componentes principais das LS: Forma e Orientação da
Mão, Movimento, Lugar e Expressão Facial”. A escrita do sistema era sempre
na seguinte ordem:

55
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

FIGURA 25 – ORDEM DE ESCRITA DA MIMOGRAPHIE DE BÉBIAN

FONTE: Aguiar e Chaiube (2015, p. 5)

FIGURA 26 – GRAFEMAS UTILIZADOS NO MIMOGRAPHIE DE BÉRBIAN

FONTE: Bébian (1825, p. 16 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 63)

b) Notação de Stokoe: linguista norte-americano que desenvolveu seu


sistema de notação fonética para as línguas de sinais com dois objetivos principais:
“[...] trazer a Língua de Sinais usada por centenas de milhares de americanos
para a atenção dos linguistas que a ignoravam ou desconheciam, e servir como
instrumento de análise ao transcrever os sinais desta língua” (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 64).

Segundo Stumpff (2008, p. 24 apud AGUIAR; CHAIUBE, 2015, p. 12): “o


sistema criado por Stokoe não tinha o objetivo de servir para o uso comum dos
surdos, mas sim de atender a uma necessidade particular dele, que era estudar
as línguas de sinais, nesse aspecto seus estudos são referenciais para alguns
pesquisadores das línguas de sinais”.

De acordo com Aguiar e Chaiube (2015), o sistema de Stokoe partia


de cinco elementos para notação: “[...] (i) lugar de realização do sinal, com 12
elementos; (ii) as Configurações de Mãos, com 10 elementos; (iii) os movimentos
indicando ação, com 22 símbolos; (iv) a orientação, com quatro elementos e (v)
sinais diacríticos com duas possibilidades” (p. 12).

56
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

FIGURA 27 – CONFIGURAÇÕES DE MÃO NO SISTEMA STOKOE

FONTE: Stumpf (2008, p. 25 apud AGUIAR; CHAIUBE, 2015, p. 12)

c) Hamburg Notation System (HamNoSys): é um sistema baseado em Stokoe,


não foi pensado para uso diário, mas para ser um sistema de notação fonética
para uso de linguistas, é um programa de computador que permite a escrita dos
sinais (BARRETO; BARRETO, 2015). De acordo com Aguiar e Chaiube (2015),
apresenta um total de 200 símbolos e permanece em constante atualização, está
em sua quarta versão atualmente.

FIGURA 28 – CONFIGURAÇÕES DE MÃO EM HAMNOSYS

FONTE: Hanke (2004, p. 1 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 65)

FIGURA 29 – SINAL DA BALL (NOLA) NA LS ALEMÃ ESCRITO EM HAMNOSYS

FONTE: Hanke (2009, slide 59 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 65)

57
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

d) Sistema D’Sign: o criador deste sistema, Paul Jouison (1948-1991), faleceu


antes de mostrar seu trabalho, estudos posteriores afirmam que é um sistema
elaborado capaz de fazer a transcrição de frases completas da LS francesa
(BARRETO; BARRETO, 2015).

FIGURA 30 – TEXTO ESCRITO EM D’SIGN

FONTE: Stumpf (2005, p. 51 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 65)

e) Notação de François Neve: sistema de notação desenvolvido na Bélgica,


parte também do que Stokoe havia criado e “sua escrita, que também foi
informatizada, é feita em colunas verticais de cima para baixo, sendo em uma
só coluna quando a mão dominante sinaliza e em duas, quando as duas mãos
sinalizam” (STUMPF, 2005, apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 66).

FIGURA 31 – NOTAÇÃO DE FRANÇOIS NEVE

FONTE: Stumpf (2005, p. 49 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 66)

f) Sistema de Escrita das Línguas de Sinais (ELiS): criado pela pesquisadora


brasileira professora Dra. Mariângela Estelita Barros em 1997 e aprofundado em
2008 “[...] é um sistema de escrita das LS de base alfabética, linear e representa
os parâmetros dos sinais propostos por William Stokoe em 1965” (AGUIAR;
CHAIUBE, 2015, p. 21).

58
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Segundo Aguiar e Chaiube (2015): este sistema é ensinado na Universidade


Federal de Goiás, ainda não teve sua inserção na escola de educação básica, mas
já foram ofertados alguns cursos à comunidade surda da região.

FIGURA 32 – TEXTO ESCRITO COM O SISTEMA ELIS E TRADUÇÃO PARA LP

FONTE: Barros (2008, p. 19 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 66)

Para Aguiar e Chaiube (2015), no Brasil ainda não temos uma escrita
oficial da Libras, porque, a ELIS e a SignWriting despontam em diferentes
contextos. Contudo, para Barreto e Barreto (2015), nenhum dos modelos acima é
tão completo e fácil de se utilizar como a SignWriting, pois:

A maioria destes sistemas exige muito treino e não são adequados


para o uso diário por não serem intuitivos em sua codificação. Muitos
são utilizados somente por pesquisadores ou, até mesmo, somente por
aqueles que os criaram. Alguns foram objeto de estudo ou referência
por pesquisadores de alguns países, como a Notação de Bébian e a de
Stokoe (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 67).

Desse modo, os autores colocam que os sistemas de notação e escrita de


sinais citados nesta seção são de uso diário limitado e pouco prático, acreditando
que a SignWriting é um sistema mais adequado para ser adotado para a escrita
da Libras.

3 DESENVOLVIMENTO DA SINGWRITING
Os sistemas de notação e escrita vistos até aqui partem também das noções
que caracterizam a escrita completa e foram criados a partir desse arcabouço já
delimitado historicamente na evolução das línguas orais. Desse modo, temos
um curioso desenvolvimento para as línguas de sinais, pois os pesquisadores

59
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

estão buscando modos de registros escritos adequados a partir de uma língua já


inserida em um contexto social escrito, mas ainda sem representatividade escrita
específica.

É importante termos em vista que o sistema de escrita que permaneceu


para as línguas orais no ocidente foi aquele que teve maior difusão, ou seja, um
maior número de usuários e de material escrito sendo difundido, seja através da
Bíblia, das grandes navegações ou da globalização. O alfabeto latino tomou conta
de todo o ocidente.

Levando isso em conta, fica mais claro compreender porque o sistema


SignWriting está ganhando projeção como sistema de escrita para as línguas de
sinais: “[...] percebe-se que o sistema SignWriting, no Brasil e no mundo, é o que
mais tem sido utilizado para o uso diário das comunidades surdas, seus familiares
e dos profissionais que trabalham com surdos, além de ser utilizado em pesquisas
e também como objeto de estudos acadêmicos” (BARRETO; BARRETO, 2015, p.
68).

DICAS

A comunidade de estudos em SignWriting possui um site que junta materiais


nesta escrita de sinais de todos os lugares do mundo. Possui biblioteca, fórum, dicionário
com busca por palavras ou por configurações, softwares, material de estudo, local on-line
para escrita dos sinais, vídeos, literatura, livraria, lições em escrita de sinais, comparativos com
os demais sistemas de notação e transcrição e muito mais. Inclusive apresenta a história da
SignWriting pela ótica de sua criadora Valerie Sutton, com a contribuição de Ronice Muller
de Quadros, uma das maiores pesquisadoras brasileiras sobre o assunto. Recomendamos
que você acesse o site e se divirta também! Disponível em: <http://www.signwriting.org/>.
Acesso em: 8 maio 2019.

Não encontramos dados atuais quanto aos países que utilizam o


SignWriting (SW), mas em 2010, o mapa dos países que o utilizavam é este
reproduzido na Figura a seguir. Como podemos ver, mais de 30 países já o
utilizavam. No site que passamos anteriormente mostra que existem 83 países
com dicionários registrados. Ou seja, é um sistema que realmente está sendo
bastante utilizado no mundo.

60
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

FIGURA 33 – MAPA DOS PAÍSES QUE USAM SIGNWRITING

FONTE: <https://escritadesinais.files.wordpress.com/2010/08/mapa-de-paises.gif?w=640>.
Acesso em: 1 fev. 2019.

DICAS

A TV do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) produziu um


pequeno documentário sobre a SW no Brasil, intitulado A vida em Libras – SignWriting –
Escrita de Sinais, de 2017. Segundo esse programa, já são mais de 50 países que usam a SW
como sistema de escrita de suas línguas de sinais.
Disponível em: <http://tvines.org.br/?p=16704>. Acesso em: 1 fev. 2019.

Quadros (1999) relembra que até pouco tempo os linguistas e os surdos


afirmavam que a língua de sinais era ágrafa, ou seja, não tinha uma escrita, porém:

SignWriting é um sistema de escrita para escrever línguas de sinais.


Lembro-me quando os linguistas, professores e os próprios surdos
diziam que a língua de sinais era ágrafa. Hoje, esse capítulo da
caminhada da comunidade surda já faz parte da história. Assim como
há duas décadas começamos a discutir sobre as línguas de sinais,
agora começamos a descobrir a riqueza dessas línguas através de uma
escrita própria. SignWriting expressa os movimentos, as formas das
mãos, as marcas não manuais e os pontos de articulação. Até então,
a única forma de registro das línguas de sinais era o registro em
vídeocassetes, registro que continua sendo uma forma valiosa para a
comunidade surda. Acrescenta-se a essa forma, a escrita das línguas
de sinais. Um sistema rico e fascinante que mostra a forma das línguas
de sinais (QUADROS, 1999, grifo nosso).

Para Barreto e Barreto (2015), a SW se diferencia dos demais sistemas de


escrita porque:

61
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

[...] faz uso de relações espaciais de seus grafemas em uma “caixa”


bidimensional para representar cada sinal. São registrados com
precisão todos os articuladores dos sinais, inclusive as expressões
não manuais, quando necessárias ao entendimento. Então, os sinais
são escritos em colunas verticais de cima para baixo representando
a sinalização. Assim, os grafemas são organizados de acordo com
a estrutura do corpo humano (SUTTON, 1998; ROALD, 2006;
THIESSEN, 2011). A Coerência e Coesão Visual das LS ficam muito
mais nítidas também (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 67).

Desse jeito, a SW apresenta as mesmas características que fizeram com que


o sistema alfabético acabasse por se sobrepor aos demais. É um sistema simples,
fácil, flexível, prático e econômico, que mantém as características dos signos
linguísticos das línguas de sinais, pois ao mesmo tempo que permite a escrita dos
mais variados sinais, também é composto por marcações convencionais.

FIGURA 34 – TEXTO EM SW SOBRE UM GATO E UM ESPELHO + VERSÃO DELE EM LP

Um lindo gato, ao caminhar


se depara com um espelho,
o gato ficou intrigado
com aquilo. O que será
que é? Aproximou-se, se
movimentava de um lado
para o outro. Elevava a
cabeça, desconfiado com
daquela imagem que
copiava tudo o que ele
fazia, para cima e para
baixo. Passava a pata mais
próximo, sem querer,
bateu a cabeça no espelho,
levou um susto, novamente
bateu a cabeça, agora com
mais intensidade, ficou
tonto com a batida e saiu
atordoado.

FONTE: Ampessan; Luchi; Stumpff (2012, p. 4 e 5)

62
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

TURO S
ESTUDOS FU

Neste momento estudaremos as características gerais da SW. Mais adiante, no


conteúdo e na disciplina de Escrita de Sinais, veremos com mais detalhes como escrever
neste sistema.

3.1 VALERIE SUTTON E A SW


Que tal agora vermos como este sistema foi criado e evoluiu até se
espalhar pelo mundo? Uma das primeiras coisas que chamam a atenção é que,
diferente dos demais sistemas de notação e escrita, a SW começou com um outro
nome e outro objetivo. Foi criado como sistema de anotações de coreografias
por uma bailarina. O que, pode ser considerado algo mais natural do que uma
escrita com a pretensão de ser a escrita de uma língua desde o princípio. Tendo
em vista que tudo na língua evolui, é feito por empréstimos e acontece de modo
mais orgânico, opinião daqueles que acreditam que a língua tenha um processo
natural de evolução.

Contaremos um pouco sobre a história do SW: A bailarina americana,


Valerie Sutton, que estava em treinamento profissional de balé, e, desde os 15 anos
(em 1966) tentava criar um jeito prático e fácil de registrar os passos de um modo
que fosse possível registrar e estudar os movimentos após os ensaios. Ela criou
também o DanceWriting, um sistema de escrita da dança, com isso, foi convidada
por professores dinamarqueses para desenvolver uma escrita para a língua de
sinais dinamarquesa, sistema capaz de ser utilizado por todas as línguas de sinais.
Assim, sem querer e sem fazer ideia de como funcionavam as línguas de sinais,
Valerie tornou-se a criadora do SignWriting e até agora, essa adorada senhora de
quase 70 anos, participa ativamente do desenvolvimento e dos desdobramentos
que a SW permitiu. Escreve livros, histórias infantis e participa de eventos. Ah,
agora o grupo de pesquisadores e pessoas envolvidas cresceu enormemente e
cada vez mais a SW é discutida, utilizada e pesquisada.

63
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

FIGURA 35 – VALERIE SUTTON (IMAGEM E SINAL ESCRITO EM SW)

FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/71OjIAuZdNL._UX250_.jpg>.
Acesso em: 1 fev. 2019.

DICAS

Caso você entenda inglês ou ASL, recomendamos assistir ao vídeo em que


a própria Valerie Sutton conta a sua história. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=xzYW8_Br2MM>. Acesso em: 1 fev. 2019.

Agora, que tal uma cronologia para organizar as coisas de um modo


mais formal? Este é um resumo feito a partir do material intitulado História do
SignWriting:

• Cronologia SW:
1966: Início do desenvolvimento da DanceWriting.
1970-1972: mudança para Copenhague, melhorias no sistema da DanceWriting
para preservação dos passos de “as Escolas de Bournonville”.
Dez 1973: publicação do livro Taquigrafia de Movimento Sutton, A Chave do Balé
Clássico, Key One, em um ano estava desatualizado devido às modificações feitas
no sistema.
1974: Ensinou o DanceWriting ao balé real da Dinamarca.

64
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

FIGURA 36 – PARTITURA COM A ESCRITA EM DANCEWRITING

FONTE: Sutton (1973 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 70)

1974: um artigo de jornal fez com que pesquisadores de línguas de sinais da


Universidade de Copenhague pedissem o auxílio de Sutton para o registro dos
sinais e gestos que estavam gravados em videoteipe.
1976: início da escrita em SW da língua de sinais dinamarquesa.

FIGURA 37 – SW DETALHADO (1974-1976)

FONTE: Sutton (1998 apud BARRETO; BARRETO, 2015, p. 71, tradução do original)

1975 a 1980: anos de transição em que o foco foi da DanceWriting para a SW,
várias publicações, trabalhos no conservatório de música de Boston e, depois,
no Instituto Nacional de Surdos em Rochester, primeiros grupos de surdos a
aprender a SW, muitas oficinas e workshops.

65
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

1981 a 1984: publicação trimestral do jornal em SW, todo escrito à mão por
jornalistas surdos, serviu como catalisador das discussões sobre alfabetização em
SW e influenciou historicamente o modo de escrita da SW até hoje.
1986: com a criação do programa de computador SignWriter por Richard Gleaves,
a SW poderia ser digitada.
1989: retomada da publicação do Boletim SignWriter (desde 1996, a Newsletter da
SignWriter é publicada e está disponível on-line).
1981 a 1989: série de publicações de livros para estudo e livro de literatura em SW
nos EUA.
1990 a 1997: primeira edição do livro Lições em SignWriting, inúmeras publicações
de dicionários e livros literários.
1994: a escrita passou a se organizar verticalmente.
1997: “Antonio Carlos da Rocha Costa foi o primeiro a publicar o SignWriting
escrito verticalmente no prefácio da história infantil brasileira Uma Menina
Chamada Kauana, de Karin Strobel, publicada em janeiro de 1997” (SUTTON, s.d.,
capítulo 7).

NOTA

Indicamos acessar o livro Uma menina chamada Kauana, disponível em:


<http://www.signwriting.org/library/children/uma/uma.html>. Acesso em: 1 fev. 2019.

1998 até atualmente: as discussões sobre a SW estão, de acordo com Quadros


(1999) seguindo no sentido de padronização e divulgação.

SW no Brasil: Em 1996, o professor da PUC-RS, Dr. Antônio Carlos da


Rocha Costa, descobriu a SW e formou um grupo de estudos com as professoras
Marianne Stumpff e Márcia Borba. A partir de então a SW vem ganhando espaço
nas discussões acadêmicas, cada vez mais o estudo dela tem se desenvolvido a
partir de pesquisas acadêmicas e com a publicação de livros.

Desse modo, a SW é um sistema de escrita que se desenvolveu a partir da


DanceWriting e foi ganhando destaque acadêmico e social através de publicações
e estudos. Como qualquer sistema de escrita, ele evoluiu e está em constante
evolução dentro dos parâmetros linguísticos que, ao mesmo tempo que o
normatizam o seu uso social, também permitem a sua evolução como sistema de
escrita. E como sistema de escrita ela permite a alfabetização e o letramento das
pessoas surdas, ou seja, o poder da escrita como modo de inserção social.

66
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Nas palavras da própria Valerie Sutton, colocadas no Prefácio da 2ª


edição do livro Escrita de Sinais sem Mistérios de Madson e Raquel Barreto (2015,
p. 33): “alfabetização em todas as línguas, orais ou sinalizadas, abre as portas da
comunicação e do conhecimento para todos, todas as línguas podem ser escritas
e publicadas, e as línguas de sinais não são exceção”.

TURO S
ESTUDOS FU

Na próxima unidade trataremos das questões sobre Alfabetização e Letramento!

NOTA

Às vezes a literatura nos proporciona descrições muito interessantes sobre


assuntos complexos. Na Leitura Complementar, veremos um trecho do livro infanto-juvenil
Artemis Fowl: o menino prodígio do crime, de Eion Colfer, no qual somos apresentados ao
processo de tradução que a personagem principal realiza após ter obtido o livro das fadas,
totalmente escrito em Gnomês. Na figura a seguir, vemos parte do cartaz do filme que dá
destaque à escrita em Gnomês e ao modo como a língua das fadas é escrita.

FONTE: <https://kanto.legiaodosherois.com.br/w750-h393-gnw-cfill-q80/wp-content/
uploads/2018/11/legiao_TfUa0rKBIMAn9J4d8V7Ds1mbOq2ucp5EvwY3NxtPGi.jpg.jpeg>.
Acesso em: 18 jan. 2019.

67
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

LEITURA COMPLEMENTAR

Trecho do livro “Artemis Fowl: o menino prodígio do crime”

Eion Colfer

Capítulo 2: A tradução

Agora você já deve ter adivinhado até onde Artemis Fowl estava decidido
a ir para alcançar seu objetivo. Mas qual era exatamente esse objetivo?

Que esquema estranho implicaria a chantagem de um duende viciado em


álcool?

A resposta era: ouro. A busca de Artemis tinha começado há dois anos,


quando começou seu interesse por navegar na internet. Rapidamente ele
encontrou os sites mais estranhos: abdução por alienígenas, avistamento de
OVNI e episódios sobrenaturais.

Mais especificamente, porém, a existência do Povo.

Percorrendo gigabytes de dados, encontrou centenas de referências a


fadas em quase todos os países do mundo. Cada civilização tem uma palavra
para descrever o Povo, mas sem dúvida eram todos membros da mesma família
oculta. Várias histórias mencionavam um livro carregado por cada criatura do
reino das fadas. Era a sua Bíblia, contendo, supostamente, a história de sua raça e
os mandamentos que governavam suas longas vidas. Claro, esse Livro era escrito
em gnomês, o texto das fadas, e não seria de utilidade para os humanos.

Artemis acreditava que, com a tecnologia atual, o Livro poderia ser


traduzido. E com essa tradução ele poderia começar a explorar todo um novo
grupo de criaturas.

Conheça o inimigo, era o lema de Artemis, por isso mergulhou nas histórias
sobre o Povo até compilar um gigantesco banco de dados sobre as características
dele. Mas não bastava.

Por esse motivo colocou um anúncio na internet: Empresário irlandês


pagará grande quantia em dólares americanos para conhecer um duende, fada,
leprechaum, gnomo.

Na maioria as respostas eram fraudulentas, mas a cidade de Ho Chi Minh


tinha dado resultado.

68
TÓPICO 4 | ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Talvez Artemis fosse a única pessoa viva que poderia tirar plena vantagem
de sua recente aquisição. Ainda mantinha uma crença infantil na magia,
temperada por uma determinação adulta para explorá-la. Se houvesse alguém
capaz de conseguir um pouco do ouro mágico das fadas, era Artemis Fowl II.

[...]
O Livro estava se mostrando mais teimoso do que Artemis tinha previsto.
Era quase como se resistisse por vontade própria. Com qualquer programa que
usasse, o computador continuava sem solução.

Artemis imprimiu cada uma das páginas e colou nas paredes de seu
escritório. Algumas vezes era útil ter as coisas no papel. A escrita não se parecia
com nada que ele tivesse visto antes, mas ao mesmo tempo era estranhamente
familiar.

Sendo obviamente uma linguagem baseada na mistura de símbolos


e caracteres, o texto serpenteava pela página sem ordem aparente. O que o
programa precisava era de alguma estrutura de referência, algum ponto central
do qual partir. Ele separou todos os caracteres e fez comparações com textos em
inglês, chinês, grego, árabe e cirílico, até com ogham. Nada.

Mal-humorado por tanta frustração, Artemis fez Juliet sair em disparada


quando ela o interrompeu trazendo sanduíches, e passou para os símbolos. O
pictograma mais frequente era uma pequena figura masculina. Presumia que
fosse masculina, mas com o limitado conhecimento da anatomia das fadas ele
achava que poderia ser feminina. Um pensamento lhe ocorreu. Artemis abriu o
arquivo de línguas antigas de seu tradutor eletrônico e escolheu egípcio.

Finalmente. Uma chance. O símbolo masculino era incrivelmente


semelhante à representação do deus Anúbis nos hieróglifos da câmara interna de
Tutancamon.

Isso era coerente com outras descobertas. As primeiras histórias humanas


falavam de fadas, sugerindo que a civilização delas era anterior à do homem.

Pode ser que os egípcios tenham simplesmente adaptado uma escrita


existente para atender as suas necessidades. Havia outras semelhanças. Mas os
caracteres eram diferentes o bastante para não serem apanhados pela rede do
computador. Isso teria de ser feito manualmente. Cada figura em gnomês teria de
ser ampliada, impressa e depois comparada com os hieróglifos.

Artemis sentiu a empolgação do sucesso martelar em suas costelas. Quase


todos os pictogramas ou letras das fadas tinham uma contrapartida egípcia.
A maioria era universal, como o sol ou os pássaros. Mas algumas pareciam
exclusivamente sobrenaturais e tinham de ser alteradas para se encaixar. A figura
de Anúbis, por exemplo, não faria sentido como um deus cão, por isso Artemis o
alterou para ler rei das fadas.

69
UNIDADE 1 | HISTÓRIA DO REGISTRO ESCRITO DAS LÍNGUAS

À meia-noite Artemis tinha posto suas descobertas no Machintosh. Tudo


que precisava fazer agora era digitar “Decodificar”. Fez isso. O que surgiu foi
uma tira comprida, intrincada, de algaravias sem sentido.

Uma criança normal teria abandonado a tarefa há muito tempo. Um adulto


mediano provavelmente acabaria esmurrando o teclado. Mas não Artemis. Esse
livro o estava testando, e ele não permitiria que o livro vencesse.

As letras estavam corretas, tinha certeza. Apenas a ordem estava errada.


Esfregando o sono para fora dos olhos, Artemis olhou de novo para as páginas.

Cada segmento era cercado por uma linha contínua. Isso poderia representar
parágrafos ou capítulos. Mas não se destinavam a ser lidos no sentido comum, da
esquerda para a direita, de cima para baixo. Experimentou. Tentou o modo árabe, da
direita para a esquerda, e em colunas, à maneira chinesa. Nada funcionou.

Depois percebeu que cada página tinha um aspecto em comum — uma


seção central. Os outros pictogramas eram arrumados em volta dessa área. Então
o ponto de partida talvez fosse o centro. Mas aonde ir depois? Artemis examinou
as páginas em busca de algum outro fator comum. Depois de vários minutos
encontrou. Em cada página havia uma ponta de lança minúscula no canto de
uma seção. Seria uma seta? Uma indicação? Vá nesse sentido? Então a ideia seria
começar pelo meio e seguir a seta, lendo em espirais.

O programa de computador não fora feito para lidar com uma coisa assim,
por isso Artemis teve de improvisar. Com um estilete e uma régua, dissecou a
primeira página do Livro e montou de novo na ordem das línguas tradicionais do
Ocidente — Da esquerda para a direita, de cima para baixo — Depois escaneou a
página outra vez e passou pelo tradutor de egípcio modificado.

O computador zumbia e ronronava, convertendo tudo em informações binárias.


Por várias vezes parou para pedir a confirmação de um caractere ou de um símbolo.

Isso foi acontecendo cada vez menos enquanto a máquina aprendia a


nova língua. Por fim, duas palavras piscaram na tela: Arquivo convertido. Com
os dedos trêmulos de exaustão e empolgação, Artemis clicou “Imprimir”. Uma
única página rolou da impressora a laser. Agora estava em seu idioma.

Sim, havia erros, era necessário um ajuste mais fino, mas estava
perfeitamente legível e, mais importante, perfeitamente compreensível.

Com total consciência de que ele era provavelmente o primeiro humano


em vários milhares de anos a decodificar as palavras mágicas, acendeu a luz sobre
a escrivaninha e começou a ler.

FONTE: COLFER, E. Artemis Fowl: o menino prodígio do crime. São Paulo: Galera Record, 2001.
Disponível em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-o-menino-prodigio-do-crime-artemis-fow-
vol-1-eoin-colfer-em-pdf-mobi-e-epub/. Acesso em: 18 jan. 2019.

70
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A escrita de língua de sinais se insere e parte da história da escrita das línguas


orais.

• A transição entre duas línguas dificulta a aprendizagem dos surdos.

• A evolução das comunidades surdas passa pela aquisição da própria escrita.

• O processo de evolução das línguas de sinais passou pela criação de sistemas


de notação e escrita de sinais.

• O sistema de Bébian, a Mimographie, tinha como principais componentes a


forma e orientação da mão, movimento, lugar e expressão facial.

• O sistema de Stokoe partia de cinco elementos: (i) lugar de realização do


sinal; (ii) as Configurações de Mãos; (iii) os movimentos indicando ação; (iv) a
orientação e (v) sinais diacríticos.

• O sistema de notação de Stokoe influenciou vários outros sistemas de pesquisa


e era um sistema criado para pesquisa.

• O HamNoSys é um sistema de notação fonética para uso de linguistas, um


programa de computador que permite a escrita dos sinais e está em sua 4ª
edição.

• O Sistema D’Sign é um sistema capaz de transcrever frases da LS.

• O Sistema EliS foi criado por uma pesquisadora brasileira e é um sistema de


escrita das LS de base alfabética, linear e representa os parâmetros dos sinais
propostos por William Stokoe em 1965.

• Até pouco tempo as línguas de sinais eram percebidas como línguas agrafas
pelos linguistas e pelos surdos.

• A SW se desenvolveu a partir da DanceWriting criada por Valerie Sutton.

• A SW apresenta aquelas mesmas características que fizeram com que o


sistema alfabético acabasse por se sobrepor aos demais. E um sistema simples,
fácil, flexível, prático e econômico, que mantém as características dos signos
linguísticos das línguas de sinais, pois ao mesmo tempo que permite a escrita
dos mais variados sinais também é composto por marcações convencionais.

71
• A SW se desenvolve desde 1973, a partir do convite de pesquisadores da
Universidade de Copenhague para que Valerie Sutton auxiliasse nas pesquisas
sobre a LS dinamarquesa.

• A SW veio para o Brasil a partir de 1996, através do professor Dr. Antônio


Carlos da Rocha Costa da PUC-RS.

• Como sistema de escrita a SW permite a alfabetização e o letramento das


pessoas surdas, ou seja, o poder da escrita como modo de inserção social.

72
AUTOATIVIDADE

1 A partir do que você estudou neste tópico, em sua opinião, como é possível
localizar a escrita de sinais dentro da perspectiva linguística de empréstimos
da escrita das línguas orais?

2 Ainda não estudamos as formas de representação em SW das diferentes


configurações de mão, porém ser um linguista, ou seja, um observador das
línguas às quais estamos expostos, também pressupõe criar hipóteses a partir
da observação. Desse modo, gostaríamos que você observasse os desenhos
e a escrita em SW da Libras do verbete GATO do dicionário Capovilla et al.
(2017, p. 1382) e fizesse observações quanto ao modo que a SW faz a escrita
dos sinais desenhados. Por exemplo: no sinal 1, o sinal em SW tem dois
sinais quadrados pintados apenas pela metade.

1 2

3 4

3 Marque a alternativa correta sobre o conteúdo estudado neste tópico com


relação à criação e desenvolvimento da SW:

a) ( ) Foi criada especialmente para o público surdo.


b) ( ) É um sistema de escrita para línguas auditivas.
c) ( ) Foi desenvolvida exclusivamente por Valerie Sutton.
d) ( ) Foi desenvolvida a partir da DanceWriting.
e) ( ) É uma língua independente.

73
74
UNIDADE 2

SURDEZ E LINGUAGEM

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• analisar as implicações linguística do oralismo, bimodalismo/comunica-


ção total e bilinguismo para o ensino de surdos;
• perceber o conceito de língua materna (L1) em relação à comunidade surda;
• examinar as questões sobre o uso da modalidade escrita da língua portu-
guesa como L2 no contexto da surdez;
• comparar como as diferenças entre a modalidade oral-auditiva e visuo-
espacial na relação entre a língua materna (L1) e L2 para a comunidade
surda;
• debater linguisticamente as questões relativas ao aspecto da escrita em LP
e em SignWriting no contexto da surdez;
• coordenar os conceitos de alfabetização e letramento dentro dos estudos
linguísticos em geral e na área dos estudos em surdez;
• assinalar e reconhecer experiências de alfabetização e letramento na edu-
cação de surdos;
• discutir as noções de eventos e práticas de letramento;
• demonstrar as características de uma educação linguística voltada ao pú-
blico surdo;
• debater as questões referentes a direitos, representação e educação lin-
guística;
• relacionar as discussões sobre a escrita e os aspectos linguísticos das polí-
ticas educacionais adotadas em relação aos surdos na visão de uma edu-
cação linguística.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O SURDO E A ESCRITA

TÓPICO 2 – ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA


ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

TÓPICO 3 – ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

75
76
UNIDADE 2
TÓPICO 1

O SURDO E A ESCRITA

1 INTRODUÇÃO

Introdução

Na unidade anterior discutimos a conceituação e a compreensão


linguística dos termos linguagem, língua, fala e escrita. Em seguida, estudamos
a evolução da escrita das línguas orais até o desenvolvimento do alfabeto latino
utilizado no Ocidente. Também vimos as formas de registro dos sinais em Libras
utilizadas para ensino e aprendizagem dos sinais da língua. Ao final da Unidade
1 estudamos como se deu a elaboração de diferentes sistemas de notação e escrita
das línguas de sinais e estudamos as questões sobre a história da criação da
SignWriting (SW) e como ela se desenvolveu a partir da DanceWriting de Valerie
Sutton.

Para iniciar as discussões que abrem a Unidade 2, no Tópico 1, estudaremos


o histórico da educação linguística dos surdos, bem como as discussões referentes
ao oralismo, bimodalismo e bilinguismo. Ainda neste tópico, serão abordados
os conceitos de língua materna (L1) e veremos as questões específicas quanto
ao LP como L2 para a comunidade surda. Ao final do tópico, refletiremos sobre
os aspectos sociais envolvidos para o ensino e aprendizagem da escrita pelas
comunidades surdas a partir das perspectivas educacionais estudadas e das
discussões sobre língua materna e o uso de LP como L2 nos contextos educacionais
e sociais.

Assim sendo, caro acadêmico, a ideia central deste tópico é pensar quais
as fases que a educação linguística dos surdos teve no Brasil, isso porque, é
muito importante entendermos de onde viemos e para onde vamos, como já
dito anteriormente, tudo que foi vivenciado socialmente acaba influenciando o
modo como observamos, vivenciamos e, assim, participamos da evolução dos
fenômenos linguísticos.

77
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

2 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS SURDOS


Começaremos este tópico com um apanhado histórico sobre a educação
linguística dos surdos, isto é, quais as etapas que o ensino das pessoas surdas
passou ao longo da história. Este estudo é interessante para compreendermos
o porquê de uma escrita da língua de sinais ser parte do processo de garantia
dos direitos linguísticos das comunidades surdas e fazer parte das discussões
necessárias para que estes sejam respeitados.

Ao longo da história, as dificuldades ou a impossibilidade dos surdos de


utilizarem plenamente a linguagem oral auditiva acabaram por definir a relação
com que a sociedade, majoritariamente comporta por ouvintes, compreendeu a
surdez. Desse modo, a história da educação linguística dos surdos está ligada ao
modo como a expressão linguística dos surdos foi vista socialmente. Por muito
tempo a surdez foi interpretada socialmente de diferentes maneiras, alguns
afirmam que no Egito os surdos eram vistos como pessoas que tinham um contato
direto com os deuses e faziam a mediação entre os deuses e os faraós, por isso,
eram especiais (INES, 2018).

Entretanto, esta compreensão especial sobre a surdez também trazia um


caráter de exclusão, pois eram tão especiais que ficavam com os deuses e não
com os homens, ou seja, é provável que não convivessem socialmente do mesmo
modo que os demais. Assim sendo, era também uma forma de colocar os surdos à
parte na sociedade, ao colocá-los com os deuses eram deixados longe das demais
pessoas.

E
IMPORTANT

É importante destacar que, nesses tempos, a escrita era algo que não fazia
parte da vida cotidiana das pessoas, sendo vinculada apenas aos templos e aos escribas que
detinham o poder do registro escrito.

Em outros lugares, o tratamento para com os surdos era bem mais duro, na
China e em outros lugares do mundo antigo, os deficientes eram sacrificados por
serem entendidos como seres incompletos. Segundo o INES (2018, s.p.): “o filósofo
Aristóteles acreditava que a linguagem era a função que nos tornava humanos
e, como, para ele, os surdos não tinham uma linguagem, então não poderiam
ser considerados humanos”. Desse modo, para o filósofo grego, os surdos eram
incapazes de realizar a organização da realidade através da linguagem, não
podiam participar da educação que era feita através das discussões e debates.

78
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

De acordo com Strobel (2009), na Idade Média os surdos eram proibidos


de receberem heranças, participar de votações, casar ou ter quaisquer dos direitos
sociais que fazem parte de uma vida cidadã, além disso, não poderiam comungar
porque não conseguiam confessar seus pecados. Apenas na Idade Moderna (1453
– 1789) é que se começou, a partir das ideias de Girolamo Cardano, a repensar a
surdez de modo a reconhecer a capacidade de aprendizagem destas pessoas.

A partir de então, ainda segundo Strobel (2009, p. 20), é fundada a primeira


escola para surdos, na França, pelo monge beneditino Ponce de Leon:

Ponce de Leon usava como metodologia a dactilologia, escrita e


oralização. Mais tarde ele criou escola para professores de surdos.
Porém, ele não publicou nada em sua vida e depois de sua morte o
seu método caiu no esquecimento porque a tradição na época era de
guardar segredos sobre os métodos de educação de surdos.

Desse modo, a visão de educação dos surdos ainda era voltada à possível
comunicação oral através da língua utilizada majoritariamente pela sociedade da
época, por isso, apenas os surdos que fossem capazes de falar recebiam heranças.

Ainda neste período histórico, temos um importante passo para o


reconhecimento das línguas de sinais, a partir dos estudos de L’Épée:

Uma pessoa muito conhecida na história de educação dos surdos,


o abade Charles Michel de L’Epée (1712-1789) conheceu duas
irmãs gêmeas surdas que se comunicavam através de gestos,
iniciou e manteve contato com os surdos carentes e humildes que
perambulavam pela cidade de Paris, procurando aprender seu meio
de comunicação e levar a efeito os primeiros estudos sérios sobre a
língua de sinais. Procurou instruir os surdos em sua própria casa, com
as combinações de língua de sinais e gramática francesa sinalizada
denominado de “Sinais metódicos”. L’Epée recebeu muita crítica pelo
seu trabalho, principalmente dos educadores oralistas, entre eles, o
Samuel Heinicke (STROBEL, 2009, p. 22).

Desse modo, começa um período em que se desenvolvem estudos em


relação às línguas de sinais e à abertura de diferentes escolas para surdos em
vários países, como o “Asilo de Connecticut para Educação e Ensino de pessoas
Surdas e Mudas”, nos Estados Unidos, fundado por Gallaudet em 1814 e o
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) fundado no Brasil em 1857, na
época com o nome de Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, entre muitos outros.
Além disso, também são publicados livros para estudos, dicionários de sinais e
publicações sobre as línguas de sinais, como o publicado por um ex-aluno do
INES, Flausino José da Gama, aos 18 anos: “Iconografia dos Signaes dos Surdos-
Mudos”, o primeiro dicionário de língua de sinais no Brasil.

Entretanto, em 1880, com a realização do Congresso de Milão, a língua


de sinais passa a ser oficialmente proibida e representa um grande retrocesso em
relação ao crescimento que a representatividade linguística das línguas de sinais
vinham tendo. Segundo Strobel (2009, p. 26):

79
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Realizou-se Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em Milão –


Itália, onde o método oral foi votado o mais adequado a ser adotado
pelas escolas de surdos e a língua de sinais foi proibida oficialmente
alegando que a mesma destruía a capacidade da fala dos surdos,
argumentando que os surdos são “preguiçosos” para falar, preferindo
a usar a língua de sinais. O Alexander Graham Bell teve grande
influência neste congresso. Este congresso foi organizado, patrocinado
e conduzido por muitos especialistas ouvintes na área de surdez, todos
defensores do oralismo puro (a maioria já havia empenhado muito
antes de congresso em fazer prevalecer o método oral puro no ensino
dos surdos). Na ocasião de votação na assembleia geral realizada no
congresso todos os professores surdos foram negados o direito de
votar e excluídos, dos 164 representantes presentes ouvintes, apenas 5
dos Estados Unidos votaram contra o oralismo puro.

Depois disso, inicia-se um período em que a sinalização passa a ser


proibida, por isso, o desenvolvimento linguístico que vinha acontecendo em
direção às línguas de sinais é freado e a comunicação feita pelos sinais passa
a ser realizada de modo clandestino. Interessante notar que a votação sobre a
oralização plena foi feita apenas pelos representantes ouvintes. Assim, mais uma
vez, temos uma visão que incapacita os surdos e, mais uma vez, não permite que
assumam o protagonismo sobre os processos referentes ao povo surdo.

NOTA

De acordo com Strobel (2009, p. 6, grifo nosso):

O povo surdo é grupo de sujeitos surdos que tem costumes, história,


tradições em comuns e pertencentes às mesmas peculiaridades, ou
seja, constrói sua concepção de mundo através da visão.
A comunidade surda, na verdade não é só de surdos, já que tem sujeitos
ouvintes junto, que são família, intérpretes, professores, amigos e outros
que participam e compartilham os mesmos interesses em comuns em
um[a] determinado [sic] localização que podem ser as associações de
surdos, federações de surdos, igrejas e outros.

Quase um século se passou até que, em 1960, William Stokoe publicou o


livro Linguage structure: na outline of the visual communication system of the american
deaf “afirmando que ASL [Língua de Sinais Americana] é uma língua com todas
as características da língua oral. Esta publicação foi uma semente de todas as
pesquisas que floresceram nos Estados Unidos e na Europa” (STROBEL, 2009, p.
27). A partir dessa publicação os estudos recomeçaram e, aos poucos, as línguas
de sinais ganham status de línguas naturais, são reconhecidas como línguas
oficiais em seus respectivos países e acontece o aumento dos cursos de formação,
pesquisa, ensino e aprendizagem das línguas de sinais.

80
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

Segundo Strobel (2009, p. 12, grifo nosso), a história recente dos surdos é
dividida em três grandes fases:

1. Revelação cultural: Nesta fase os povos surdos não tinham


problemas com a educação. A maioria dos sujeitos surdos dominava
a arte da escrita e há evidência de que antes do congresso do Milão
havia muitos escritores surdos, artistas surdos, professores surdos e
outros sujeitos surdos bem-sucedidos.
2. Isolamento cultural: ocorre uma fase de isolamento da comunidade
surda em consequência do congresso de Milão de 1880 que proíbe
o acesso da língua de sinais na educação dos surdos, nesta fase as
comunidades surdas resistem à imposição da língua oral.
3. O despertar cultural: a partir dos anos 60 inicia uma nova fase para
o renascimento na aceitação da língua de sinais e cultura surda após
muitos anos de opressão ouvintista para com os povos surdos.

A linguagem é o fator que permeia e organiza todos os outros elementos


da experiência humana, por isso, essas três fases da história dos surdos nos
apresentam os modos como a percepção surda da realidade pode ser vivenciada
pelos surdos através do modo como as línguas de sinais foram aceitas ou
rechaçadas pela sociedade ouvinte em que os surdos estavam inseridos.

É importante compreendermos que “mesmo considerando que o aspecto


linguístico não é o único nem o principal na construção da(s) identidade(s)
dos surdos, friso que a identidade de um indivíduo se constrói por meio da
linguagem” (SÁ, 2006, p. 130). Porque, é através da linguagem que a realidade é
categorizada e compreendida pelos seres humanos.

Ou seja, a forma como esta parcela da população pode vivenciar a sua


experiência linguística com a realidade é importante para que compreendamos
a necessidade de uma língua de sinais que se manifeste tanto na sua forma
sinalizada/falada quanto em sua forma escrita.

Segundo Quadros (1997), a educação de surdos no Brasil teve duas fases


bem delimitadas (a oralista e a bimodalista) e, atualmente, estaria numa etapa de
transição em direção à compreensão linguística bilíngue. Nas próximas sessões,
veremos como as vertentes oralista, bimodalista e bilinguista influenciaram na
educação linguística dos surdos, pois antes de discutirmos sobre alfabetização
e letramento de surdos é necessário que delimitemos qual fase da educação de
surdos que estamos atualmente no Brasil.

81
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

NOTA

Os termos “deficiente auditivo (DA)” e “surdo”, mais do que uma classificação


quanto aos níveis audiométricos de perda auditiva, também delimitam uma posição pessoal
de pertencimento àquilo que Strobel (2009) chama de “povo surdo”. Sabemos que, para
algumas comunidades surda, os termos “surdo” e “DA” delimitam o pertencimento àquela
comunidade, sendo utilizados para diferenciar as pessoas que se percebiam como surdas
e parte de uma cultura surda, daquelas que se enxergavam como deficientes e procuravam
uma forma de sanar a deficiência. Desse modo, esses termos carregam também uma marca
de identidade cultural e pertencimento que extrapola os dados dos exames audiométricos.

DICAS

Algumas informações utilizadas como base neste tópico estão disponíveis no


vídeo da coleção Vida em Libras do Canal do Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES), intitulado A História do Surdo que traz uma síntese bem interessante sobre o assunto.

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ARnqw9U1TDc>. Acesso em: 14 fev.


2019.

2.1 ORALISMO

Oralismo

O oralismo é um viés linguístico que valoriza a língua oral da comunidade


em que o surdo está inserido e percebe o desenvolvimento da fala oralizada como
forma de inserção social. Desse modo, coloca de lado a língua de sinais e prioriza
uma visão linguística em que a língua majoritária do lugar é vista como a única
maneira de garantia de inserção social.

A abordagem oralista tem como objetivos a aquisição da linguagem


oral e a “facilitação” da integração social do surdo (SANTANA, 2007, p. 121).
Por exemplo, a permissão para recebimento de herança apenas aos surdos que
fossem capazes de fazer algum tipo de expressão oral, demonstra a percepção de
que apenas os surdos que soubessem se expressar oralmente poderiam garantir
seus direitos como cidadãos.

82
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

Nesta visão está subjacente a noção de que a surdez é uma deficiência


a ser diminuída, ou seja, deixa de lado todo e qualquer entendimento de
cultura ou comunidade surda, pois pretende aproximar, mesmo que de modo
pouco satisfatório ou eficiente, as pessoas surdas da comunidade ouvinte. Ao
se posicionar assim, a perspectiva oralista apresenta uma compreensão de
surdez como exclusão e pretende “incluir” através de técnicas que descartam
completamente o uso da língua de sinais para a comunicação. Segundo Goldfeld
(1997) apud Loureiro (2004, p. 34):

O oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser


minimizada através da estimulação auditiva. Esta estimulação
possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança
surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma
personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do oralismo
é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade, à
não-surdez (grifo nosso).

Ou seja, a perspectiva oralista entende a inclusão dos surdos como a


tentativa de fazer com que eles se integrem à comunidade ouvinte, percebendo que
a reabilitação deve ser o principal investimento linguístico a ser feito pelo sistema
educacional. Assim, temos uma visão de surdez como uma incapacidade a ser
escondida, um problema a ser solucionado ou uma diferença a ser minimizada.

NOTA

Essas compreensões, muitas vezes, forçam o surdo a se encaixar em situações


educacionais não adequadas. Isso recorda um outro momento que ocorreu num curso de
Libras, no qual a instrutora surda explicou a diferença na realização do sinal de INCLUSÃO,
quando este fazia referência a uma forma de inclusão que não era inclusiva de fato (Figura
1) e quando significava um processo verdadeiramente inclusivo (Figura 2). Num caráter
linguístico é interessante como a forma de realização do sinal apresentou um significado
diferente ao vocábulo.

FIGURA 1 – SINAL DE INCLUSÃO COM SOBREPOSIÇÃO DAS MÃOS

FONTE: O autor

83
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

FIGURA 2 – SINAL DE INCLUSÃO COM ENTRELAÇAMENTO DOS DEDOS

FONTE: O autor

O que está por trás da abordagem oralista é a ideia de que a língua oral da
maioria das pessoas é aquela que é legítima e as línguas de sinais seriam apenas
gestos que diferenciam negativamente os surdos da comunidade ouvinte e isso
deveria ser evitado. Nesta perspectiva, Santana (2007, p. 121) destaca que:

Os fonoaudiólogos que trabalham visando à aquisição da linguagem


oral pelo surdo, e não a da língua de sinais, têm sido chamados de
oralistas. Esses profissionais baseiam seu trabalho em uma abordagem
que privilegia a fala em detrimento de outros sistemas de significação
(grifo nosso).

Dessa forma, as demais maneira de expressão da linguagem pelos surdos,


na abordagem oralista, acabam excluídas, segundo Quadros (1997, p. 22):

Os profissionais que trabalham com surdos não duvidam que o


processo de aquisição da língua falada pelo surdo jamais ocorre da
mesma forma que acontece com a criança que ouve, porque esse
processo exige um trabalho sistemático e formal. O próprio Chomsky
(1995, p. 434), um linguísta que supõe o inatismo, menciona as línguas
de sinais como possível expressão da capacidade natural para a
linguagem. O oralismo, contudo, é uma proposta educacional que
contraria tais suposições: não permite que a língua de sinais seja usada
nem em sala de aula nem no ambiente familiar, mesmo sendo esse
formado por pessoas surdas usuárias da língua de sinais.

A teoria inatista gerativista pressupõe que todos os seres humanos nascem


com a capacidade natural de desenvolver as diferentes línguas a que são expostos
dentro de suas comunidades. A partir disso, o destaque que Quadros (1997) dá
sobre as línguas de sinais, reforça a compreensão de que as línguas de sinais são
naturais da comunidade surda, diferentemente das línguas orais.

Dito de outro modo, a teoria inatista apresenta a ideia de que o contato com
usuários proficiente da língua será responsável por fazer com que a língua seja
adquirida de modo natural, espontâneo e não sistemático a partir da capacidade
inata de aquisição dos seres humanos e do contato com as sentenças utilizadas
pelos usuários proficientes da língua.

84
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

Assim sendo, ao ser necessário que a língua falada seja apresentada aos
surdos de modo sistemático e formal, ou seja, não natural, ela não seria uma língua
natural para eles. Isso quer dizer, se tem que ser ensinado por profissionais e
depende de estudo sistemática, não é uma língua natural para o grupo de pessoas,
como Quadros (1997) chama atenção no final da citação reproduzida acima, o
oralismo proíbe exatamente o contato com as pessoas proficientes em línguas
de sinais mesmo num ambiente em que ela é a língua utilizada naturalmente na
família.

TURO S
ESTUDOS FU

Ainda nesse tópico, discutiremos as questões referentes à língua materna ou


L1, ou seja, aquela primeira língua a que o indivíduo foi exposto.

Quadros (1997) apresenta o resultado de vários estudos que apontaram


problemas graves para a aquisição da língua oral para os surdos e como eles
impactaram negativamente na formação linguística dos surdos. A autora traz
exemplos sobre a compressão oral insuficiente a partir da leitura labial e ainda
comenta que a ideia de proporcionar maior inserção dos surdos na sociedade
que utiliza a língua oral-auditiva não funcionou a contento, pois o resultado
educacional foi que “o oralismo e a supressão do sinal resultaram numa
deterioração dramática das conquistas educacionais das crianças surdas e no
grau de instrução do surdo em geral” (SACKS, 1990, p. 45 apud QUADROS,
1997, p. 22). Por isso, a autora destaca que a proposta oralista foi substituída pela
proposta bimodalista.

Embora deixada de lado como uma proposta majoritária para a educação


de surdos, a manutenção desta compreensão oralista se mantém ainda devido
ao entendimento social de minimização das diferenças. Sendo os investimentos
em implantes cocleares, terapias fonoaudiológicas e a negação da surdez por
parte dos médicos e das famílias (ouvintes) que, ao descobrirem que uma criança
apresenta problemas auditivos, procuram, muitas vezes, uma forma de tentar
sanar essa deficiência auditiva.

85
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

UNI

Acadêmico, para encerrar esta seção, compartilhamos um estudo de caso


que demonstra a compreensão oralista ou normativista da surdez: certa vez, um homem
precisava buscar seu remédio num posto de saúde de Porto Alegre, e, enquanto esperava ser
atendido, sentaram-se ao lado dele uma senhora e uma menina de mais ou menos 6 anos. O
homem, ao perceber que a menina o olhava, abaixou-se e falou “bom dia”. Neste momento,
a mãe da menina disse que ela era surda e não poderia entender o que o homem falava.
Prontamente, ele respondeu que isso não seria problema e sinalizou com “bom dia” em
Libras. Foi aí que a situação ficou estranha, pois a mãe (em choque) puxou a menina para trás
de suas pernas, colocou-se em uma posição fisicamente defensiva e, em voz estrangulada,
disse: “O médico disse que ela vai ouvir!”. Neste instante, em choque e sem saber o que fazer,
o homem se afastou e continuou esperando ser atendido.

Certamente, este é um assunto complexo que envolve mais do que as


discussões linguísticas que estamos realizando nesse momento, mas é interessante
ficarmos com o seguinte questionamento proposto por Quadros (1997, p. 22,
grifo nosso): “é possível o surdo ainda adquirir de forma natural a língua falada,
como acontece com a criança que ouve?” E poderíamos acrescentar a seguinte
pergunta: até que ponto as intervenções médicas reforçam a exclusão e dificultam
a inclusão das pessoas surdas e a aceitação social da língua de sinais?

DICAS

O livro intitulado Surdez e linguagem: aspectos e implicações


neurolinguísticas de Ana Paula Santana, editora Plexus (2007), apresenta um apanhado
interessante de discussões, relatos e reflexões de pessoas surdas e de profissionais
da fonoaudiologia sobre implantes cocleares, terapia fonoaudiológica e faz algumas
ponderações sobre os desejos dos pais de crianças deficientes auditivas e surdas.
Recomendamos a leitura.

2.2 BIMODALISMO/COMUNICAÇÃO TOTAL

Comunicação total
86
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

De acordo com Quadros (1997), é uma proposta de ensino que utiliza a


língua oral e permite o uso da língua de sinais e tem como objetivo desenvolver
a aprendizagem da língua oral. Ou seja, é um recurso que ainda tem como mais
importante a aprendizagem da língua oral e apenas permite o uso dos sinais como
um tipo de recurso para aprendizagem, utilizando ao mesmo tempo os sinais e
a fala. “O bimodalismo consiste no uso simultâneo da Libras e do Português.
A comunicação não é fluente, pois essa prática rompe a estrutura de ambas as
línguas restando apenas fragmentos que na maioria das vezes são desconexos”
(BARRETO; BARRETO, 2015, p. 44).

O problema dessa abordagem é que, ao romper com as estruturas


sintáticas das duas línguas, remete-se ao que Saks (1990, p. 47 apud QUADROS,
1997, p. 24) chama de “língua intermediária”, ou seja, uma língua que não é nem
Português e nem Libra, um sistema não natural, pois desenvolve-se na interação
artificial entre duas línguas dando origem a uma forma de português sinalizado
(QUADRO, 1997).

Para as discussões sobre bimodalismo, Quadros (1997, p. 24-25) refere-se


ao que Duffy (1987) aborda “[...] muitas vezes os sistemas de sinais artificiais,
como tentativas de ajustamento da língua oral-auditiva em uma modalidade
espaço-visual, são usados para negar à criança surda a oportunidade de criar e
experimentar uma língua natural”.

Quadro (1997, p. 25) ainda menciona que “Ferreira Brito (1993) critica
o uso do português sinalizado, pois observa a impossibilidade de preservar
as estruturas das duas línguas ao mesmo tempo”, sendo improvável realizar
plenamente as falas em LP e a sinalização em Libras.

E
IMPORTANT

Caro acadêmico, você já tentou sinalizar e falar ao mesmo tempo? Quando


tentamos fazer isso fica claramente demonstrado que, ou acabamos nos atrapalhando, pois,
a maneira como as duas línguas se organizam é muito diferente e não somos capazes nem
de falar e nem de sinalizar “direito”. É mais ou menos como pensar em português e escrever
em outra língua (francês, por exemplo), acabamos por transpor os modos de usar de uma
língua para a outra, sendo um processo ineficiente e demorado.

Dentro desta compreensão bimodalista do ensino de línguas para surdos,


também está o processo de Comunicação Total, sobre ele, Berdusco (2012, s.p.,
grifo nosso) coloca que:

87
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Devido ao descontentamento referente ao uso do oralismo na educação


dos surdos, mais tarde, surgiu a Comunicação Total, que consiste na
utilização dos sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital no
ensino da língua materna [majoritária da comunidade ouvinte]. Sendo
assim, nesta corrente comunicativa o surdo tem livre arbítrio para
escolher qual manifestação de linguagem lhe é mais adequada para
comunicar-se socialmente. Visto que esta foi uma corrente que abriu
espaço para o que conhecemos hoje como língua de sinais, assim como
a autonomia e independência do surdo e sua inserção na sociedade,
contudo não foi completamente efetiva devido à superficialidade no
ensino de uma ou outra forma de comunicação. Isto é, como o surdo
poderia utilizar o mecanismo que mais se identificava ou mesclar
duas ou três formas de comunicação, não conseguia se especializar
e aprender de maneira profunda sobre alguma forma de linguagem
[língua] específica.

Assim, é reforçada a noção da superficialidade do tratamento dado às


formas de comunicação envolvidas no processo, ou seja, nem a língua oral nem a
língua de sinais se desenvolvia do modo pleno, mesclando-se no que, no caso do
Brasil, dá origem ao português sinalizado.

Em uma explicação pautada na teoria de Chomsky dos princípios e


parâmetros, Quadros (1997) destaca que cada língua mobilizará os parâmetros
específicos dentro de sua realização linguística. “Pode-se supor que haja
parâmetros comuns entre Libras e Português, mas, sem dúvida, há parâmetros
diferentes, caso contrário, seriam a mesma língua” (QUADROS, 1997, p. 26), não
sendo possível o acesso linguístico mental a duas línguas com dois parâmetros
diferentes ao mesmo tempo.

Sobre o estudo dos parâmetros na teoria da gramática gerativa de


Chomsky, podemos sintetizar que eles são situações que podem acontecer ou não
em uma língua, por exemplo, em Libras, o parâmetro pro-drop pode acontecer (é
positivo). Neste parâmetro o sujeito e o objeto de uma sentença são apagados, ou
seja, não sinalizados e substituídos pelo movimento de início e fim do sinal, como
nos verbos direcionais, por exemplo o verbo “dar”. Já em português, as sentenças,
para serem gramaticais, não podem sofrer apagamento do sujeito e do objeto.

Nas sentenças a seguir (Figura 3), podemos ver que o deslocamento


no espaço indica o sujeito e o objeto através do deslocamento no espaço,
demonstrando a possibilidade do parâmetro pro-drop positivo em Libras, na
comparação entre as Sentenças 1 e 2, escritas em LP, vemos que a Sentença 2 é
agramatical (marcada pelo símbolo *), porque faltam as informações que o sujeito
e os objetos delimitam: quem deu? O que deu? Para quem? Ou seja, o português
é uma língua em que o parâmetro pro-drop é negativo, não acontece.

88
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

FIGURA 3 – ELE DAR ALGO ELA

(1) Ele dá algo para ela.


(2)* Dá.

FONTE: COPERVE (2014, s.p.)

Dessa maneira, a abordagem que o bimodalismo, a comunicação total e


o uso do português sinalizado, mesmo que tenham o mérito de reinserir o uso
dos sinais, abordam, em parte, o direito dos surdos de escolherem o modo de se
comunicar; apresentam, linguisticamente, os problemas sérios para a concepção
de uma educação adequada às características linguísticas do público surdo.

A seguir, podemos observar como se sentia Raquel Barreto (surda desde


os três anos devido a uma doença) durante sua permanência na escola. Ela toca
nas questões educacionais, as quais abordamos neste livro:

Como mudávamos muito de casa, passei por várias escolas. Em muitas


delas os professores eram bimodalistas. Somente a partir do 6º ano do
Ensino Fundamental (antiga 5ª série) é que tive intérprete em sala.
Algumas vezes tirei nota Zero em atividades ou provas. Tudo era em
Português (minha Segunda Língua). Não conseguia conectar aquelas
palavras ao meu pensamento, ao que havia aprendido em minha
Primeira Língua (L1) [língua de sinais]. Isso machucava lá dentro de
mim. Mas na época eu não entendia porque isto acontecia (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 44).

Desse modo, ao refletir sobre a sua experiência pessoal, ela nos apresenta
a mesma visão explicitada por Quadros (1997) e muitos outros pesquisadores, de
que, a abordagem bimodalista ainda não contemplava as necessidades linguísticas
dela, pois aquilo que era aprendido em Libras não se fazia claramente conectado
ao que estava posto em português nas avaliações.

2.3 BILINGUISMO

Bilinguismo

89
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Como visto acima, as propostas educacionais oralista e bimodalista ainda


não contemplaram as necessidades linguísticas do povo surdo, pois continuam
apresentando uma visão que “apesar de muitos terem consciência de que se
trata [o Brasil] de um país multilíngue, o senso comum ainda crê não só em um
monolinguismo da língua portuguesa no Brasil, como também nas vantagens
deste” (SPINASSÉ, 2011, p. 423).

Dessa maneira, o que Spinassé (2011) coloca como monolinguismo é aquilo


que está por subjacente às ideias propostas pelo oralismo e pelo bimodalismo,
ou seja, a noção de que apenas uma língua das que estão em contato num
determinado lugar tem validação social e política.

Por isso, sendo necessárias políticas linguísticas que protejam as línguas


minoritárias, aquelas com menor número de usuários, como a Libras, as línguas
indígenas e as línguas derivadas da imigração, e que promovam a desconstrução
da percepção monolinguista do Brasil, ou seja, são necessárias políticas linguísticas
e educacionais que valorizem e fomentem a compreensão de que o Brasil é um
país que tem várias línguas, quer dizer, plurilíngue (ALTENHOFEN; MORELLO,
2013).

Ainda com ênfase na visão monolíngue, Marcos Bagno (1999) caracteriza


como um preconceito sobre a língua tão entranhado no pensamento coletivo
que chega a ser classificado como “mito linguístico n° 1”: aquele que alardeia a
unidade do português brasileiro, quer dizer, a ideia errônea de que o Brasil é um
país continental que tem apenas uma língua. Dessa forma, o autor enfatiza que,
por ser mito, esta é uma visão que não está embasada na realidade linguística do
Brasil.

Na busca de respeitar os direitos de uso de sua língua, a compreensão do


Brasil como um país plurilíngue embasa a necessidade de uma compreensão em
que os indivíduos que utilizam as línguas minoritárias possam ser percebidos
como pessoas bilíngues. Quer dizer, pessoas que utilizam de forma proficiente
mais de uma língua em seu dia a dia. Com base nisso, Fernandes (2009) aponta
que:

Bilinguismo não é um método de educação. Define-se pelo fato


de um indivíduo ser usuário de duas [ou mais] línguas. Educação
com bilinguismo, não é, portanto, em essência, uma nova proposta
educacional em si mesma, mas uma proposta de educação onde o
bilinguismo atua como uma possibilidade de integração do indivíduo
ao meio sociocultural a que naturalmente pertence, ou seja, às
comunidades de surdos e de ouvintes.

Assim, a compreensão bilíngue da realidade é perpassada pelo


entendimento do uso efetivo das línguas que estão em contato no meio
sociocultural do indivíduo, de modo que seja uma forma de desenvolvimento
de ambas as línguas em contato, mas sem a mistura ou primazia de uma sobre
a outra. No caso dos surdos, eles fazem parte tanto da comunidade surda

90
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

como têm contato com a comunidade ouvinte. Sendo assim, para a educação,
o bilinguismo é uma visão que procura respeitar as vivências linguísticas
do indivíduo e fazer com que as línguas em contato sirvam como forma de
integração e não de exclusão do indivíduo. Por isso, a autora também destaca
que:

Educar com bilinguismo é “cuidar” para que, através do acesso a


duas línguas, se torne possível garantir que os processos naturais
de desenvolvimento do indivíduo, nos quais a língua se mostre
instrumento indispensável, sejam preservados. Isto ocorre através
da aquisição de um sistema linguístico o mais cedo e o mais breve
possível, considerando a Língua de Sinais como primeira língua [...].
Educação com bilinguismo não é, pois, uma nova forma de educação. É
um modo de garantir uma melhor possibilidade de acesso à educação
(FERNANDES, 2009, p.1).

De tal modo, Fernandes (2009) destaca que o bilinguismo em relação à


educação de surdos refere-se ao acesso prioritário e igualitário à língua de sinais,
na compreensão de que esta é a primeira língua, ou seja, aquela que o surdo
teve o primeiro acesso. É importante lembrar que nem sempre as pessoas surdas
têm acesso inicial em sua vivência à língua de sinais, contudo, no contexto destes
estudos, entende-se que a língua de sinais é aquela mais adequada para a expressão
linguística “o povo surdo” (STROBEL, 2009). Também é importante ressaltar que,
para a autora, educar com uma visão bilíngue está vinculado à garantia de acesso
à educação de modo que o desenvolvimento educacional se dê de forma natural,
ou seja, exatamente o contrário da artificialidade a que nos referimos quando
falamos das visões oralista e bimodalista da educação de surdos.

Berdusco (2012) enfatiza que o ensino através da perspectiva bilinguista


tem como vantagem o uso da língua de sinais de modo natural desde cedo e
compara com a aprendizagem da língua oral-auditiva pela criança ouvinte desde
o nascimento através do contato com os falantes proficientes ao colocar que: “a
proposta de ensino bilíngue traz como benefício a integridade da manifestação
visual e gestual expondo a criança surda desde cedo à língua de sinais, aprendendo
a sinalizar tão cedo quanto uma criança ouvinte aprende a falar” (BERDUSCO,
s.p., 2012).

Dessa maneira, a autora também destaca a possibilidade de aprendizagem


inicial da língua de sinais e compara esta exposição precoce ao desenvolvimento
proporcionado às crianças ouvintes em relação a sua língua quando aprendem a
falar. Dito de outro modo, Berdusco (2012) reconhece que as línguas de sinais estão
para os surdos assim como as línguas orais estão para os ouvintes, reconhecendo
o caráter de língua primeira ou língua materna que as línguas de sinais têm para
as pessoas surdas.

Para a compreensão daquilo que está implicado na educação bilíngue


para surdos, Quadros (2005 apud PIRES, 2009a, página 9) destaca sete aspectos
que devem ser levados em conta para a discussão do ensino bilíngue de surdos
com relação à Língua Portuguesa e Libras:

91
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

• a modalidade das línguas é diferente: uma é visual-espacial enquanto


a outra é oral-auditiva;
• surdos filhos de pais ouvintes: os pais desconhecem a LIBRAS;
• o contexto de aquisição da LS: atípico, uma vez que ela é adquirida
tardiamente, ainda [que] com status de L1;
• a LP representa ameaça para os surdos;
• a idealização institucional do status bilíngue para os surdos: as
políticas públicas determinam que os surdos “devem” aprender
português;
• os surdos querem aprender “na” LS;
• revisão do status do português pelos próprios surdos: reconstrução
de um significado social a partir dos próprios surdos. Estes aspectos
abordam importantes aspectos a serem pensados.

Cada um destes elementos elencados por Quadros (2005 apud PIRES,


2009a, p. 9) abre espaço para discussões importantes no contexto da educação de
surdos, pois evidenciam características indispensáveis para a compreensão do
contexto em que a perspectiva bilíngue é utilizada:

• Ao destacar a modalidade das línguas envolvidas no processo de educação


bilíngue entre LP e LIBRAS, a autora chama a atenção para as diferenças de
organização para input (entrada de informações), output (saída de informações)
que está vinculada a cada uma delas. De um lado, a LP que se realiza através
do uso do som produzido pelo aparelho fonador e recebido pela audição de
modo que suas relações semânticas (de sentido) e sintáticas (de estrutura)
são produzidas e recebidas de modo linear, ou seja, um som após o outro. De
outro lado, a Libras é uma língua visuo-espacial em que os sinais e as relações
sintáticas são realizados através de gestos que podem ser feitos não apenas
com as mãos, mas que envolvem o corpo todo, desse modo, a organização
da língua se dá de modo não-linear, porque a sinalização pode ser feita por
diferentes partes do corpo ao mesmo tempo, sendo a recepção feita através da
visão. “Assim, a produção e organização discursiva está[sic] ligada ao uso da
língua por meio de sua modalidade” (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 173).

• Os filhos surdos de pais ouvintes não são expostos desde o nascimento a uma
língua que atenda às características expressivas vinculadas à surdez, ou seja,
uma língua de sinais a partir da qual possam se comunicar. Desse modo, uma
educação bilíngue também precisa levar em conta que a inserção precoce de
surdos em contextos que utilizem a língua de sinais é necessária, bem como, o
estudo e a aquisição da língua de sinais se dará no contexto escolar.

• No caso de surdos não inseridos em um ambiente linguístico em que a Libras


seja utilizada para a comunicação familiar, a aquisição da língua de sinais
acontecerá de modo tardio em relação à forma como se dá a aquisição da
linguagem quando a criança já está inserida desde o nascimento em um contexto
em que tem contato com indivíduos proficientes na língua a ser adquirida, isso
faz com que a aquisição ocorra mais tarde e esse é um importante aspecto dentro
das compreensões sobre aquisição da linguagem que apontam a existência de
um período de idade que o cérebro estaria predisposto com mais facilidade
para a aprendizagem de línguas.
92
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

TURO S
ESTUDOS FU

Na Unidade 3 estudaremos algumas das teorias sobre aquisição da linguagem.


Neste momento, cabe destacar que algumas das compreensões apontam para a existência
de um período etário importante para que essa aquisição se dê de forma efetiva.

• Possivelmente a noção de ameaça está ligada à pressão que as minorias


linguísticas são expostas para que utilizem a língua dominante, seja ela feita
de modo sútil, como não existir alguém capaz de atender a um surdo em uma
sapataria, ou mais violento como a perda do direto à herança quando o surdo
não era oralizado, na Idade Média, ou mais cruel, quando a matrícula na escola
é garantida para a rede pública, mas não é dado suporte algum ao estudante
surdo por parte da mantenedora da escola.

• Esta idealização não apenas está ligada à obrigatoriedade do aprendizado


de LP para os surdos e à idealização de que esta seria a meta máxima para
a educação deles, como à própria noção de bilinguismo ideal ou verdadeiro,
em que o usuário das línguas em questão deveria as dominar completamente
em todas as habilidades linguísticas (fala, compreensão, leitura e escrita) das
línguas em foco (MARCELINO, 2009).

• A autora também destaca a necessidade de levar em conta o desejo de aprender


a Língua de Sinais, a vontade que os demais conteúdos sejam aprendidos
através da LIBRAS e não da LP.

• A reconstrução de como a LP poderá, ou não, representar um status social


para os surdos, ou seja, é importante pensar como as línguas orais-auditivas,
como a LP, foram utilizadas como instrumento de existência social e, por isso,
o aprendizado delas exerceu grande pressão e influência na comunidade surda
a partir da compreensão que os ouvintes tinham sobre a necessidade social do
aprendizado da LP. Desse modo, a autora destaca que é necessário repensar na
visão do povo surdo qual a relevância social da LP.

Ainda dentro das discussões sobre elementos que devem ser levados em
consideração na construção de uma proposta de educação bilíngue para os surdos,
Pires (2009b, p. 2-3) chama a atenção para os elementos culturais envolvidos:

Reconhecendo a importância da LS na educação dos surdos,


ministrando os conteúdos em LS, a abordagem bilíngue não se preocupa
apenas com o ensino de duas línguas, mas entende que trabalhá-las
em um contexto que abarque também suas culturas é fundamental.
Segundo esta abordagem, a escola bilíngue para surdos é aquela
onde profissionais surdos participam de seu quadro de funcionários,
principalmente docentes e instrutores, visto a importância do convívio

93
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

de crianças surdas com adultos surdos. Também é aquela que possui


currículo adaptado para o surdo e a língua oral-auditiva é ensinada
como L2 [segunda língua], na modalidade escrita (a oralização será
opção do estudante surdo).

Assim, a autora destaca a importância de aspectos que vão além do uso


da língua de sinais para o estudo dos conteúdos, evidenciando a necessidade
de inserção cultural em toda a organização escolar. Na abordagem destacada
por Pires (2009b), é interessante observarmos a inserção também do convívio
com adultos proficientes em língua de sinais em todo o quadro de pessoal da
escola. Além disso, destaca também que um currículo que seja adaptado para
o surdo deve manter a oralização da língua oral-auditiva como uma opção do
estudante, colocando como necessário apenas o contato e estudo da língua escrita
da modalidade oral-auditiva como parte do processo de ensino na abordagem
bilíngue.

Acerca das discussões sobre bilinguismo no Brasil, Marcelino (2009, p. 5)


coloca que:

O bilíngue formado em escolas bilíngues brasileiras terá algum nível


de proficiência nas quatro habilidades [linguísticas: fala, compreensão
oral, leitura e escrita] necessariamente, podendo se sobressair mais
ou menos em uma habilidade dependendo de aptidão, interesse e
identificação, entre outros fatores.

Ou seja, o autor destaca que indivíduos bilíngues não terão,


necessariamente, um mesmo domínio sobre as quatro habilidades linguísticas
elencadas por ele, mas que poderão ter níveis diferentes de proficiência de acordo
com diferentes fatores. Logo, essa compressão reforça aquilo que Pires (2009b)
coloca sobre o ensino bilíngue de surdos não ser obrigatoriamente vinculado
ao desenvolvimento da língua oral. Esta forma de compreender o bilinguismo
é importante para que entendamos a educação bilíngue de surdos de modo
que o peso do aprendizado da fala da língua oral-auditiva é minimizado, pois
a noção de bilinguismo apresentada comporta diferentes níveis de competência
nas habilidades linguísticas em cada uma das línguas envolvidas no processo de
aprendizagem bilíngue.

Para encerrarmos esta seção sobre bilinguismo, é necessário destacar que


até bem pouco tempo a relação entre as línguas orais-auditivas e as línguas de
sinais não era feita de modo equilibrado, pois não era difundido um sistema
de notação e escrita de sinais que fosse amplamente utilizado pela comunidade
surda. Então, a relação se estabelecia de modo desequilibrado como demonstrado
no Quadro 1:

94
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

QUADRO 1 – RELAÇÃO ENTRE AS MODALIDADES DE EXPRESSÃO

Língua Portuguesa Língua Brasileira de Sinais


Fala Sinalização
Escrita alfabética
FONTE: O autor

Assim sendo, a relação entre a língua oral-auditiva (LP) e a língua de sinais


(Libras) se encontrava em desequilíbrio, pois não era possível fazer as anotações
e o registro dos sinais e sentenças num suporte durável, rápido e eficiente como
o papel. Além disso, Barreto e Barreto (2015) também chamam a atenção para o
fato de que a inexistência de uma forma de registro escrito em Libras fazia com
que a necessidade de tradução para a língua portuguesa fosse constante, o que
atrapalhava bastante a aprendizagem. Para tentarmos estabelecer um paralelo,
imagine você tendo aulas em português, mas sendo obrigado sempre a fazer as
anotações em inglês. Isso seria muito complicado, demorado e pouco eficiente.

Com a divulgação e desenvolvimento de um sistema de escrita para as


línguas de sinais através do uso da SignWriting (SW) esta relação pode ficar mais
equilibrada e, atualmente, as propostas de educação bilíngue para os surdos já
podem levar em consideração a existência de uma relação equânime entre a LP e
a Libras, o que acarreta vantagens do ponto de vista da aprendizagem da língua
de sinais para surdos e ouvintes (BARRETO; BARRETO, 2009).

Desse modo, o Quadro 2 mostra a relação entre as expressões:

QUADRO 2 – RELAÇÃO ENTRE AS MODALIDADES DE EXPRESSÃO

Língua Portuguesa Língua Brasileira de Sinais


Fala Sinalização
Escrita alfabética Escrita de sinais (SW)
FONTE: O autor

3 A RELAÇÃO HIERÁRQUICA ENTRE A LIBRAS (L1) E O


PORTUGUÊS (L2) PARA OS SURDOS

Primeira língua Segunda língua

95
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Dentro dos estudos linguísticos existem inúmeros modos de definir o


conceito de Língua Materna ou L1, Skutnabb-Kangas (1988) utiliza quatro critérios
para delimitar este conceito e os apresenta estruturados como no Quadro 3.

QUADRO 3 – DEFINIÇÕES SOBRE A LÍNGUA MATERNA

Critério Definição

Origem A(s) língua(s) aprendida(s) primeiro.


Competência A(s) língua(s) que conhece melhor.
Função A(s) língua(s) que usa mais.
Identificação
a. Interna A(s) língua(s) com a(s) quais se identifica.
b. Externa A(s) língua(s) na(s) qual(quais) é
identificado como falante nativo por outros
[políticas públicas].
FONTE: Skutnabb-Kangas (1988, p. 16)

No contexto da surdez, estes critérios podem se sobrepor ou mesclar


de acordo com a experiência linguística individual de cada pessoa. Porque, se
pensarmos apenas em relação a um dos critérios, perceberemos que, por exemplo,
o critério de origem destaca a noção de qual língua foi aprendida primeiro merece
destaque que, para nosso contexto da educação de surdos no Brasil, nem sempre a
língua de sinais é a primeira a que eles são expostos. Pois, muitas vezes a primeira
forma de expressão com que o surdo tem contato é uma mistura de oralização
e sinais caseiros, ou seja, uma mistura decorrente do contexto multilíngue em
que ele está inserido e que se torna a sua língua materna, ou “instrumento de
estruturação simbólica” a partir do qual o sujeito estruturará o seu pensamento
linguístico (SERRANI, 1995 apud SILVA, 2008).

Com essa perspectiva em mente é interessante observamos como


Skutnabb-Kangas (1988) delimita três teses sobre a língua materna a partir dos
quatro critérios elencados no Quadro 3:

1. Uma mesma pessoa pode ter diferentes línguas maternas,


dependendo de qual a definição [critério] utilizada.
2. A língua materna de uma pessoa pode mudar durante a vida, até
mesmo um grande número vezes, de acordo com todas as definições,
a exceção da definição que utiliza o critério de origem.
3. As definições de língua materna podem ser organizadas
hierarquicamente de acordo com o grau de consciência dos direitos
linguísticos de uma sociedade (SKUTNABB-KANGAS, 1988, p. 16-17).

Deste modo, a autora evidencia uma compreensão que permite


compreendermos a Libras como uma das línguas a que os surdos são expostos e
que pode ser ou não a língua materna de cada indivíduo. A fim de compreendermos
essas teses no contexto da surdez, pensaremos acerca do seguinte caso, elaborado
a partir da história de vida contada por um instrutor de Libras:
96
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

Carlos nasceu surdo numa família de ouvintes e começou seu contato


com a Libras apenas ao voltar para a escola aos trinta e nove anos, antes disso,
utilizava-se da oralização, sinais caseiros e rudimentos da escrita em LP para
comunicação com as pessoas a sua volta, mas, na maioria das vezes, precisava
sair acompanhado por um de seus familiares para conseguir se movimentar
socialmente. Quando ele era mais jovem, a educação priorizava o oralismo e
Carlos acabou desistindo de estudar, pois não conseguia se comunicar direito,
achava muito difícil acompanhar as aulas e pouco entendia do que era falado
através da leitura labial. Ele voltou a estudar quando o oralismo foi deixado
de lado e a Libras começou a ser utilizada nas escolas especiais. Desse modo,
Carlos se beneficiou das novas políticas linguísticas de inclusão que tornaram
possível, em 2002, a oficialização da Libras como língua oficial do país. Quando
me contou sua história, Carlos enfatizou que a Libras proporcionou a ele a
independência em relação aos familiares (a história de como tirou a carteira de
motorista também é bem interessante) e fez com que ele pudesse se comunicar
de modo claro com as pessoas, além de ter proporcionado um estudo que o
tornaria instrutor de Libras, entendesse melhor a escrita da língua portuguesa,
terminasse a educação básica, fizesse a graduação em pedagogia e, no momento
em que contava esta história, estivesse fazendo o mestrado em Educação.

Podemos observar que, na Tese 1 defendida por Skutnabb-Kangas (1988),


a autora menciona que uma mesma pessoa pode ter diferentes línguas maternas
dependendo do critério utilizado. Carlos, pelo critério de origem, tem a língua
portuguesa oralizada e os sinais caseiros como língua materna. Já pelos critérios
de competência e função, é possível perceber que sua língua materna seria a
Libras, pois é aquela que conhece melhor (a ponto de dar aulas) e que usa mais
nas interações de seu dia a dia. Por fim, no critério de identificação interna, ele
demonstra identificar-se mais com a Libras do que a LP, e quanto à identificação
externa, desde que as políticas linguísticas reconheceram a Libras como uma
língua oficial vinculada aos surdos, tornam o Carlos um falante nativo de Libras.
Assim sendo, cada critério levou em consideração as diferentes definições para
a compreensão da língua materna de Carlos e mudou ao longo de sua vida e
experiências, o que exemplifica a Tese 2 de Skutnabb-Kangas (1988).

Além disso, quando as políticas públicas reconhecem a Libras como uma


das línguas oficiais do Brasil e demonstram compreender que ela está relacionada
a uma minoria linguística, temos a delimitação hierárquica de que ela é a L1, ou
seja, a língua materna ou primeira língua, dos indivíduos surdos. Desse modo,
a Língua Portuguesa, língua oral-auditiva oficial e majoritária no país, ganha o
status de L2, ou seja, a segunda língua para este grupo de pessoas. Dessa maneira,
ilustrando a Tese 3 e delimitando a relação hierárquica existente entre a Libras e
a LP em relação aos surdos.

Desse modo, podemos entender que, mesmo com as diferentes histórias de


vida de cada indivíduo surdo no contexto social de inserção, o entendimento em
relação à hierarquia entre as Libras como L1 e a Língua Portuguesa como L2 está
baseada no reconhecimento dos direitos linguísticos sociais em relação aos surdos.

97
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Essa percepção da Libras como L1 e da LP como L2 apresenta relação


direta com as discussões acerca da educação bilíngue realizadas na seção anterior,
segundo o que Pires (2009b, p. 3) coloca:

O que a abordagem bilíngue propõe é que os profissionais ouvintes


olhem para a educação dos surdos e entendam que:
(1) a limitação auditiva não os impede de se comunicar, sendo,
portanto [sic] uma diferença e não uma deficiência, e
(2) a língua “falada” deve ser concebida como L2 e assim ensinada,
com métodos semelhantes aos do ensino de L2 para ouvintes, pois só
assim a visão sobre as “dificuldades” e “problemas” dos surdos na
leitura e escrita serão mudadas.

Nesse trecho, a autora evidencia o caráter de L2 para a língua oral-auditiva


do país, destacando o entendimento de que as limitações auditivas não impedem
a comunicação, por isso, são uma diferença e não uma deficiência. Também
ressalta que os métodos de ensino deverão levar em consideração a perspectiva
de que a LP é uma segunda língua para os surdos, logo, tem que ser percebida
dentro deste contexto. Ou seja, quando estamos [usuários de LP] aprendendo
uma língua estrangeira como o francês, por exemplo, nem nós e nem nossos
professores têm a expectativa de que nossa leitura e escrita se desenvolverão de
modo natural e rápido, mas sabemos todos que será necessário investimento em
técnicas de aquisição, estudo de materiais diversos e uma metodologia que leve
em conta os diferentes níveis de proficiência linguística envolvidos, quer dizer,
uma metodologia de ensino de uma língua que é diferente de nossa L1 e, por isso,
precisa de metodologias especificamente desenvolvidas para o ensino dela.

Como exposto acima, até bem pouco tempo, quando se referiam à escrita
na educação bilíngue, os autores faziam alusão à escrita da língua oral. Assim
sendo, quando Pires (2009b) destaca a importância do intermédio da língua de
sinais para a aprendizagem e acesso à escrita, ela está referindo-se ao uso da
escrita da Língua Portuguesa na educação de surdos.

É preciso um entendimento de que o contexto social no ensino de


LP/S [língua portuguesa/língua de sinais] é essencial, sendo que “se os
aspectos socioculturais em jogo e as diversas leituras e compreensões
de mundo envolvidos forem desconsiderados ou negligenciados, não
haverá ensino-aprendizagem de língua” (LODI, 2005, p. 421). Para a
autora, somente pelo intermédio da LS, os surdos podem ter acesso
à escrita por meio de práticas sociais nas quais a escrita é usada na
sua dimensão discursiva, e por meio dela, os surdos podem dialogar
com a escrita, fazer suas próprias leituras e construir seus sentidos, “e
tornam-se interlocutores a partir de suas próprias histórias” (op. cit.)
(adaptado de PIRES, 2009b, p. 3).

Dessa maneira, reverbera a compreensão social de que a escrita da língua


oral-auditiva era necessária para a interlocução nos contextos escritos, construção
de sentido e um diálogo eficiente com e através da escrita. Isso porque um
sistema de escrita de sinais não havia sido difundido, logo, a importância da
escrita precisava se sustentar, mesmo na educação de surdos, através do sistema

98
TÓPICO 1 | O SURDO E A ESCRITA

alfabético de escrita. Por isso, a divulgação e promoção de estudos e pesquisas,


bem como a difusão de um sistema de escrita para as línguas de sinais são de
grande importância para que as línguas de sinais ganhem relevância como meio
de expressão e possam ter a leitura, a literatura e o registro validados e valorizados
social e paralelamente ao registro escrito alfabético.

99
RESUMO DO TÓPICO 1

Resumo

Neste tópico, você aprendeu que:

• A surdez foi vista de várias maneiras ao longo da história da humanidade.

• Ao longo da história, as dificuldades ou a impossibilidade dos surdos para


utilizarem plenamente a linguagem oral auditiva acabaram por definir a relação
como a sociedade, majoritariamente composta por ouvintes, compreendeu a
surdez.

• O Congresso de Milão, realiado em 1888, impôs o oralismo como forma de


comunicação e ensino para os surdos.

• A partir do Congresso de Milão, o desenvolvimento linguístico que vinha


acontecendo em direção às línguas de sinais foi freado, pois a comunicação
através dos sinais passou a ser proibida.

• Em 1960, William Stokoe publicou o livro Linguage structure: an outline of the


visual communication system of the american deaf e a partir dessa publicação os
estudos recomeçaram.

• Aos poucos, as línguas de sinais ganham status de línguas naturais, são


reconhecidas como línguas oficiais em seus respectivos países e existe um
aumento dos cursos de formação, pesquisa, ensino e aprendizagem das línguas
de sinais.

• Segundo Strobel (2009), a história recente dos surdos é dividida em três grandes
fases: Revelação Cultural, Isolamento Cultural e o Despertar Cultural.

• A linguagem é o fator que permeia e organiza todos os outros elementos da


experiência humana.

• O modo como os surdos puderam vivenciar a sua experiência linguística com a


realidade é importante para que compreendamos a necessidade de uma língua
de sinais que se manifeste tanto na sua forma sinalizada/falada, quanto em sua
forma escrita.

• O pensamento educacional em relação aos surdos apresenta, principalmente,


três vertentes: oralismo, bimodalismo e bilinguismo:
100
ᵒ O oralismo é a vertente que prioriza a aprendizagem da língua através da
perspectiva que a surdez é uma deficiência que necessita de reabilitação para
inserção social e não permite a utilização da língua de sinais nas interações.

ᵒ O bimodalismo é um recurso que tem como mais importante a aprendizagem,


utilizando ao mesmo tempo os sinais e a fala. O uso, na educação, acaba por
criar uma língua intermediária que não corresponde nem à Libras nem à
Língua Portuguesa, pois mistura as duas.

ᵒ O bilinguismo define-se como o uso de mais de uma língua no contexto do


cotidiano, por isso, não é exatamente uma proposta de educação, mas um
entendimento sobre a situação das pessoas que vivem essa situação. Quando
aplicado à educação, o bilinguismo é uma visão que procura respeitar as
vivências linguísticas do indivíduo e faz com que as línguas em contato
sirvam como forma de integração e não de exclusão do indivíduo.

• Quadros (2005) destaca sete aspectos que devem ser considerados para
a educação bilíngue de surdos: modalidades diferentes, surdos filhos de
pais ouvintes, contexto de aquisição da língua de sinais, LP como ameaça,
idealização do status bilíngue, a vontade dos surdos de aprender na LS e a
revisão do status da LP para os surdos.

• O uso da SW como sistema de escrita para as línguas de sinais permitiu que


fosse colocada em equilíbrio a relação entre elas e as línguas orais-auditivas,
sendo possível relacionar a fala com a sinalização e a escrita alfabética com a
escrita de sinais.

• Podemos elencar cinco critérios para a compreensão do conceito de língua materna


ou L1: origem, competência, função, identificação interna e identificação externa.

• Cada um dos critérios terá definições específicas que impactarão em


compreensões diferentes sobre o conceito de língua materna.

• De acordo com três teses propostas por Skutnabb-Kangas (1988): uma mesma
pessoa pode ter diferentes língua maternas. A língua materna de uma pessoa pode
mudar durante a vida e as definições podem ser organizadas hierarquicamente de
acordo com o grau de consciência dos direitos linguísticos de uma sociedade.

• O reconhecimento linguístico político e social das línguas de sinais como


línguas maternas para as pessoas surdas coloca Libras como L1 e Português
como L2 no contexto linguístico do Brasil.

• A educação que visa à proposta bilíngue deverá levar em consideração a LP


como L2 para os surdos, isso quer dizer que são necessárias pesquisas, técnicas
e estudos específicos que levem em conta a aquisição de uma segunda língua.

• A escrita da língua de sinais é uma forma prática, rápida e eficiente para


realização das anotações diretamente em Libras.
101
AUTOATIVIDADE

1 Leia a história a seguir:

Maria nasceu em uma família de surdos e teve contato com a língua de sinais
de seu país desde o nascimento, porém, na época que ela nasceu, as políticas
públicas não reconheciam a língua de sinais como uma das línguas oficiais
do país. Ela frequentou uma escola cuja educação era voltada ao oralismo e
não aprendeu os conteúdos a partir da língua de sinais. Maria não conseguiu
aprender de modo pleno a língua oral-auditiva e se expressa melhor em língua
de sinais, preferindo que as suas interações sejam, quando possível, através
dela. Contudo, em seu dia a dia, Maria acaba utilizando mais vezes táticas de
oralização e escrita da língua oral-auditiva, porque seus colegas de trabalho
não sabem a língua de sinais.

A partir da história de Maria, mencionada acima, e de acordo com o que


estudamos sobre língua materna na visão de Skutnabb-Kangas (1988), leia as
afirmações sobre a língua materna de Maria de acordo os critérios citados pela
autora:

I- Origem: a língua materna de Maria é a língua de sinais.


II- Competência: a língua materna de Maria é a língua de sinais.
III- Função: a língua materna de Maria é a língua de sinais.
IV- Identificação Interna: as línguas maternas de Maria são a língua de sinais
e oral-auditiva.
V- Identificação externa: a língua materna de Maria é a língua oral-auditiva
do país.

Dentre estas afirmações, quais estão corretas?


a) ( ) Apenas I, II e III.
b) ( ) Apenas I, II e V.
c) ( ) Apenas II, III e IV.
d) ( ) Apenas III, IV e V.
e) ( ) Apenas I, IV e V.

2 Dê sua opinião: quais são os aspectos positivos da percepção bilinguista


para a educação linguística de surdos?

3 Como você entende o ensino de Libras nas escolas regulares para alunos
surdos e ouvintes dentro da perspectiva de educação bilíngue e respeito
linguístico às minorias linguísticas do país?

102
UNIDADE 2 TÓPICO 2
ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA
ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, até esse ponto da discussão já vimos uma breve história
das compreensões sobre a surdez e as línguas de sinais, também estudamos
alguns dos aspectos relevantes para a educação de surdos com o entendimento
de como o oralismo, o bimodalismo e o bilinguismo percebem e organizam a
relação entre as línguas de sinais e as línguas orais-auditivas. Além disso, vimos
quais os critérios e definições para delimitação das teses sobre língua materna e
como elas estruturam a relação hierárquica entre a Libras e a Língua Portuguesa
na perspectiva apresentada por Skutnabb-Kangas (1988), logo, em relação aos
estudos surdos como reconhecidos atualmente, a Libras é a primeira língua (L1)
e a Língua Portuguesa é a segunda língua (L2) e isso impacta diretamente no
modo como serão estudadas, pesquisadas e elaboradas metodologias de ensino
da Língua Portuguesa como L2.

A fim de darmos continuidade no estudo sobre os aspectos linguísticos


da educação de surdos, veremos agora as discussões sobre alfabetização e
letramento.

Os dois conceitos são ligados às discussões sobre aquisição de língua


escrita. Até meados da década de 1980, o termo “alfabetização” estava ligado
tanto à aprendizagem das letras e da leitura das palavras e textos, quanto ao
acesso cultural e social, que o mundo letrado permitia. Segundo Benvenuti (2011,
p. 106):

O termo letramento é uma tradução de literacy e foi usado pela


primeira vez no Brasil por Mary Kato na obra No mundo da escrita:
uma perspectiva psicolinguística, publicado em 1986, segundo Soares
(1998) e Kleiman (1995). Antes do surgimento desse termo, a palavra
alfabetização dava conta de duas significações: a primeira referia-
se à aquisição da tecnologia da escrita e a segunda, à inserção do
indivíduo no mundo da escrita.

Desse modo, os conceitos de alfabetização e letramento estão relacionados


à escrita e à leitura das línguas e se organizam de modo mesclado e contínuo.
Cada um desses termos refere-se a uma parte do processo de aprendizagem
inicial da escrita, das habilidades de escrita e do uso delas para o acesso aos bens
culturais, serviços públicos, educação e demais elementos que fazem parte da
inserção social e das prerrogativas de cidadania.

103
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

NOTA

Segundo a autora Magda Soares, a alfabetização e o letramento são processos


distintos, com bases cognitivas e linguísticas específicas, mas na aprendizagem inicial da
língua escrita, eles devem ser contemporâneos: a criança se alfabetiza num contexto de
letramento, e se letra ao mesmo tempo se alfabetizando.

Indicamos assistir ao vídeo “Alfabetização e Letramento”, disponível no link: <https://www.


youtube.com/watch?v=k5NFXwghLQ8> nos trechos 5min35s a 6min01s.

A seguir, na Figura 4, está colocado um esquema que demonstra os


principais pontos sobre alfabetização e letramento, a relação entre eles e cita
alguns dos dispositivos didáticos possíveis de serem utilizados nos projetos de
aprendizagem das habilidades de leitura e escrita.

104
FIGURA 4 – ESQUEMA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: APRENDIZAGEM INICIAL DA ESCRITA

105
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

FONTE: <http://alfaletrar.org.br/uploads/general/apresentacao/mapa_desktop.png>. Acesso em: 28 fev. 2019.


UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

DICAS

Magda Soares é uma das maiores estudiosas sobre alfabetização e letramento,


no vídeo intitulado Alfabetização e Letramento ela menciona o modo como a criança
aprende e vivencia o processo do sistema de representação do alfabeto. Nesse vídeo, ela
refere-se à alfabetização e letramento pelo viés de uma educadora que se dedicou ao
ensino de crianças ouvintes, ou seja, não é especificamente detalhado para a alfabetização
e letramento de surdos. Entretanto, o vídeo traz uma ótima síntese sobre os conceitos, os
usos e a formação de professores dispostos para perceber e preparar esses processos para os
diferentes públicos, assim, coloca também a necessidade de o “processo de aprendizagem
inicial da escrita” ser pensado de acordo com cada um dos integrantes dele. Ao final, ela
destaca que é necessário ter a fundamentação teórica sobre esse processo, para saber como
traduzir a teoria numa prática adequada ao contexto de ensino e aprendizagem. Dito de
outro modo, ela evidencia que o método de ensino deverá ser pensado diretamente para as
pessoas que estão sendo ensinadas.

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=k5NFXwghLQ8>. Acesso em: 28 fev. 2019.

Na educação de surdos, os conceitos e práticas de alfabetização e letramento


estão relacionados às discussões sobre aquisição de Língua Portuguesa como L2
em sua modalidade escrita e às percepções sociais que a escrita da língua oral-
auditiva do país apresenta para a delimitação das metodologias, pesquisas e dos
métodos de aprendizagem.

Inicialmente, estudaremos alguns aspectos específicos sobre o conceito


de alfabetização e métodos utilizados, em seguida, discutiremos a relação entre
alfabetização e bilinguismo, bem como pensaremos sobre as condições associadas
às discussões sobre os níveis de alfabetização, o analfabetismo e o analfabetismo
funcional.

Depois, estudaremos questões específicas quanto ao letramento e


letramentos existentes, os eventos e práticas de letramento e, ao final deste tópico,
apresentaremos algumas atividades de alfabetização e letramento no contexto da
surdez.

2 ALFABETIZAÇÃO: CONCEITUAÇÃO
Como vimos brevemente na introdução, o conceito de alfabetização
envolve a assimilação das tecnologias vinculadas à escrita, não apenas o sistema
alfabético de escrita e de decodificação das letras em sons, mas também às
ferramentas utilizadas para feitura das marcações escritas, tais como a maneira
de segurar o instrumento utilizado (lápis, caneta etc.), pressão a ser exercida,
estrutura de escrita e leitura, em LP escrevemos e lemos da esquerda para

106
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

a direita e de cima para baixo. Sendo que essa assimilação tem como objetivo
atribuir significado às palavras, frases e aos textos de modo que a criança possa
se comunicar plenamente através da palavra escrita.

Também está envolvido no processo de alfabetização o desenvolvimento


da consciência fonológica, Soares (2016) destaca que, inicialmente, a criança não
tem a noção do uso simbólico da escrita, então, ao solicitarmos para que uma
criança pequena escreva casa, ela fará o desenho de uma casa, pois ainda não
construiu a noção de que os sons se transformarão em marcas escritas (que não
deixam de ser um desenho, de certo modo) e que a estas marcas escritas serão
associados sons que, ao serem combinados, se transformarão em palavras, frases
e textos.

Além disso, a alfabetização também envolve o entendimento dos limites de


início e fim das palavras, bem como das demais situações que são necessárias para
que a palavra escrita seja grafada de modo a ser lida e compreendida. Guardadas
as devidas proporções, é como se cada criança refizesse aqueles passos dados
ao longo da história da escrita que estudamos, em que a humanidade partiu
dos desenhos e se desenvolveu até os sistemas de escrita simples, econômicos e
flexíveis que são capazes de simbolizar os fonemas de uma língua, assim como o
sistema alfabético que utilizamos no ocidente.

TURO S
ESTUDOS FU

Ainda neste tópico estudaremos os níveis de alfabetização e, mais adiante,


neste livro didático, veremos com mais detalhes o processo de aquisição da linguagem.

Ainda faz parte da alfabetização a percepção do modo como os diferentes


tipos de sons são transpostos para a escrita, pois a realização dos sons é
extremamente ampla, e o registro escrito exigirá uma mistura entre consciência
fonológica, memorização e assimilação de parâmetros que nortearão, por
exemplo, a leitura de uma palavra desconhecida.

NOTA

A consciência fonológica é a habilidade de manipulação, compreensão e


raciocínio lógico envolvendo os sons da fala (SEBRA; DIAS, 2011).

107
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Desse modo, a alfabetização mostra-se um processo que está bastante


ligado, inicialmente, a uma transposição da linguagem oral, que a criança já
domina devido ao contato com adultos usuários da língua. Para refletir sobre
o processo de alfabetização para as crianças ouvintes, Barreto e Barreto (2015)
destacam que a estrutura da língua oral está relacionada de modo contínuo com
a organização da língua escrita:

Neste processo, é ensinado à criança ouvinte fazer codificação e


decodificação fonológica, isto é, associar os grafemas com os fonemas
de sua Língua oral, e vice-versa. Durante esta etapa, é muito comum
a criança escrever como ela fala. Este aprendizado permite à criança
ouvinte desenvolver seu pensamento estruturado em palavras. Dessa
forma, existe uma continuidade entre o que a criança ouvinte pensa,
fala e escreve, tudo em sua própria língua. Este é um processamento
intuitivo que faz uso das propriedades fonológicas de sua fala
interna em auxílio à leitura e à escrita (CAPOVILLA et al., 2006 apud
BARRETO; BARRETO, 2015, p. 61, grifo do autor).

Na compreensão apresentada pelos autores, o processo entre o


pensamento, a fala e a escrita dá-se, também, de modo intuitivo, proporcionando
uma apropriação das características fonológicas que ecoam na escrita e se
estruturam na construção do pensamento. Assim, a organização do pensamento
dos ouvintes está vinculada, como é esperado, ao sistema de escrita da língua oral
à que as crianças ouvintes são expostas desde o nascimento.

A proposta dos autores é apresentar o porquê de a escrita das línguas orais


ser mais adequada para os alunos ouvintes, mas pouco eficiente quando utilizada
como única forma de acesso a um sistema de escrita estruturado e justificar a
necessidade do uso de um sistema de escrita específico para o registro da língua
de sinais. Também destacam, através do trecho retirado de Capovilla et al. (2006),
que:

Do mesmo modo que a criança ouvinte pode beneficiar-se do uso de


uma escrita alfabética para mapear os fonemas de sua língua falada, a
Surda poderia beneficiar-se sobremaneira de uma escrita visual capaz
de mapear os quiremas [os fonemas das Línguas de Sinais] de sua
Língua de Sinais (CAPOVILLA et al., 2006, p. 1494 apud BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 62).

Por isso, defendem que a escrita, em um sistema que contemple as


peculiaridades de sua língua materna, é uma vantagem em relação ao processo
de alfabetização e relacionam os quiremas ou fonemas das línguas de sinais aos
fonemas das línguas orais.

108
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

NOTA

Quirema é uma palavra formada a partir de “quiro” (origem grega mão, gesto)
mais “ema” (unidade mínima) usada por alguns pesquisadores das línguas de sinais para fazer
referência às unidades mínimas de uma língua, em LP, os fonemas são os “sons” das letras,
em Libras, são unidades mínimas de significado. De acordo com Quadros e Karnopp (2004)
são configurações de mão, locação de mão e movimento de mão. Na Unidade 3 veremos
com mais detalhes esse assunto.

Por exemplo, ao solicitar a escrita da palavra “casa” para uma criança


ouvinte em processo de alfabetização, ela tem acesso à imagem acústica que esta
palavra evoca e, após compreender que a escrita é algo diferente do desenho de
uma casa e a correspondência fonética, ela irá, muito provavelmente, escrever:

FIGURA 5 – ESCRITA DA PALAVRA CASA

KAZA
FONTE: O autor

Isso porque recorrerá ao seu acervo fonológico e reproduzirá as letras que


mais se aproximam do som memorizado, ou seja, da imagem acústica da palavra:

FIGURA 6 – ESQUEMA DE REPRESENTAÇÃO FONOLÓGICA – OUVINTE

MEMÓRIA ACÚSTICA REPRESENTAÇÃO ESCRITA


DO SOM ATRAVÉS DA
ESCRITA ALFABÉTICA (BASE
ACÚSTICA)

FONTE: O autor

Já uma criança surda, em processo de alfabetização da modalidade escrita


de LP como L2, de acordo com Barreto e Barreto (2015), teria que fazer um processo
muito mais complexo, pois a escrita da palavra precisaria ser intermediada pela
memorização da equivalência escrita ao sinal. Numa comparação simplista, seria o
equivalente a pedir que a criança ouvinte escrevesse a palavra casa apenas a partir
do desenho de uma casa, sem a memória acústica envolvida no processo. Uma
representação em esquema ficaria do seguinte modo:

109
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

FIGURA 7 – ESQUEMA DE REPRESENTAÇÃO FONOLÓGICA – SURDO

MEMÓRIA VISUAL REPRESENTAÇÃO ESCRITA


EQUIVALÊNCIA ESCRITA
IMAGÉTICA ALFABÉTICA
MEMORIZAÇÃO
BASE SINALIZADA BASE ACÚSTICA

FONTE: O autor

Além de ser mais complexo esse modo de escrita, ele também não faria
com que as crianças pudessem realizar o raciocínio linguístico envolvido na
feitura dos quiremas/fonemas das línguas de sinais, os quais, na visão de Barreto
e Barreto (2015) permitiram o desenvolvimento de um raciocínio linguístico que
impactaria na aprendizagem da modalidade escrita da L1 e da L2, Libras e LP, no
caso do Brasil. Desse modo, auxiliando na alfabetização tanto na língua de sinais
quanto na língua oral-auditiva relacionada a ela.

2.1 MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO


A fim de realizar o processo de alfabetização, ou seja, aprendizagem
das tecnologias e ferramentas que envolvem o uso da língua escrita, foram
desenvolvidos diferentes métodos de acordo com a perspectiva adotada, de
acordo com Sebra e Dias (2011). Estes métodos estão ligados a três elementos:
ponto de partida e encaminhamento, unidade mínima de análise na relação entre
a fala e a escrita e a estimulação sensorial envolvida. Segundo as autoras cada um
destes critérios apresenta elementos específicos que podem ser mesclados para a
escolha metodológica a ser utilizada.

FIGURA 8 – ASPECTOS FUNDAMENTAIS DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

FONTE: Adaptado de Sebra e Dias (2011, p. 306)

110
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

A partir dessa síntese, os autores explicam brevemente como cada critério


organiza o método de alfabetização, de acordo com Sebra e Dias (2011):

• O critério de “ponto de partida” refere-se a qual elemento da língua a ser


aprendida é apresentado primeiro ao aprendiz. Caso sejam apresentadas
inicialmente as unidades maiores (palavras, frases ou textos) e, depois, as
unidades menores (letras, sons das letras e sílabas) o método de ensino será
analítico, pois levará a uma análise das palavras para a compreensão das
letras, pois “[...] as unidades apresentadas inicialmente são unidades de
significado, sejam elas palavras, frases ou textos” (SEBRA; DIAS, 2011, p. 307).
Caso o método faça o caminho inverso, ou seja, parta do estudo das letras, sons
das letras e sílabas para a aprendizagem das palavras, frases ou textos, “[...]
as unidades ensinadas são menores que as unidades de significado da língua
em questão” (SEBRA; DIAS, 2011, p. 307), será um método sintético, porque
“após a introdução das unidades mínimas, ensina-se a sua síntese em unidades
maiores, formando sílabas, palavras, frases e, finalmente, textos” (SEBRA;
DIAS, 2011, p. 307).

• O critério de unidade de análise na relação entre fala e escrita refere-se “à


unidade mínima de análise na relação entre fala e escrita e refere-se à menor
unidade cuja relação com a fala é explicitamente apresentada. Ou seja, refere-se
a qual segmento da fala é ‘oralizado’ ou ‘verbalizado’ pelo professor” (SEBRA;
DIAS, 2011, p. 307). Desse modo, neste critério podem ser apresentados
inicialmente os fonemas, as sílabas ou as palavras de forma individual. Por
exemplo, ao ler a palavra “sapo”, escrita no quadro, o professor pode ler
primeiro a palavra como um todo, ler ela segmentada em sílabas, “sa-po”, ou
ler cada um dos fonemas separadamente, “s-a-p-o”.

• O critério de modalidades sensoriais envolvidas está ligado a qual “modalidade


sensorial” estará envolvida no aprendizado das letras, ele está dividido em duas
abordagens. O tradicional se apoia principalmente na visão e na audição, o
aluno vê a palavra escrita e ouve o som correspondente a ela. Em oposição:

No método multissensorial, há um engajamento muito maior e mais


explícito de outras modalidades sensoriais, como a tátil (o aluno
sente uma letra desenhada com um material de textura específica,
por exemplo), a cinestésica (o aluno movimenta-se sobre uma letra
desenhada no chão, por exemplo), e a fonoarticulatória (o aluno, de
forma intencional, atenta aos movimentos e posições de lábios e língua
necessários para pronunciar determinado som). Assim, o método
multissensorial tenta, intencionalmente, apresentar a linguagem
escrita, tendo como input outras modalidades não usadas no método
tradicional, como o tato e a cinestesia (SEBRA; DIAS, 2011, p. 307 e
308, grifo nosso).

As autoras colocam que, a partir da combinação desses critérios é que


foram estruturados diferentes métodos para a alfabetização, sendo os mais
comuns no Brasil: o método fônico e o método global ou ideovisual.

111
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

No método fônico, a estimulação é feita por meio de exercícios e


atividades em que o som é associado à escrita, ou seja, prioriza o som das letras.
Dessa forma, “[...] abordagens fônicas usualmente propõem o ensino explícito e
sistemático, com grau crescente de dificuldade, das habilidades de decodificação
grafofonêmica e de codificação fonografêmica, paralelamente ao trabalho para
desenvolvimento da consciência fonológica (SEBRA; DIAS, 2011, p. 7).

Em relação ao método global ou ideovisual, a aprendizagem é realizada


através da identificação visual das palavras, nele “[...] o conhecimento das
correspondências letra-som seria adquirido naturalmente pelas crianças, após
o reconhecimento total da palavra estar bem estabelecido (SEBRA; DIAS, 2011,
p. 7). A alfabetização será feita a partir de unidades maiores como palavras,
frases e textos que sejam significativas para as crianças e incentiva que seja feita a
associação das palavras aos significados diretamente.

2.2 ALFABETIZAÇÃO, BILINGUISMO E ESCRITA DE SINAIS


De acordo com Quadros (1997), as propostas bilíngues de alfabetização
para alunos surdos compreendem que a língua de sinais é a língua materna dos
surdos, pois estes poderão fazer a aquisição dela de modo espontâneo a partir
do contato com usuários proficientes da língua de sinais, e a língua oral em sua
modalidade escrita precisa ser ensinada de modo sistematizado.

Desse modo, o ensino bilíngue capta o direito de as pessoas surdas serem


ensinadas através da língua de sinais, ou seja, a alfabetização dos surdos será
realizada de modo sistemático partindo da língua de sinais e com o uso desta
como base para a aprendizagem da modalidade escrita da língua oral. Por isso
existe também “a preocupação com o domínio da primeira língua, a de sinais,
pelo surdo, sugere que se torna inviável a criança ser alfabetizada em uma
segunda língua, sem ter domínio de uma primeira” (GUARINELLO, 2007 apud
NASCIMENTO, 2015, p. 32, grifo nosso).

Dessa forma, a alfabetização de alunos surdos estará relacionada a dois


aspectos: o domínio da língua de sinais, sem a qual não será possível a alfabetização
na modalidade escrita da língua oral (L2); e a sistematização específica para a
aprendizagem de L2 que considere as particularidades do ensino entre duas
modalidades distintas de acesso sensorial principal: língua de sinais – visão e
língua oral – audição.

Sobre as implicações da surdez para o ensino da escrita alfabética,


Nascimento (2015), baseando-se em Fernandes (2006), afirma que:

112
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

Fernandes (2006) explica que a unidade mínima da palavra (fonema)


não faz sentido para o indivíduo surdo. O ouvinte, por exemplo,
associa o som do fonema /s/ com a escrita da palavra “sapo”, devido
ao som inicial da palavra escrita. Contudo, para o surdo, a escrita da
palavra “sapo” nada tem a ver com a configuração de mão (forma
da mão em LIBRAS) utilizada na composição desse sinal. Esse é um
exemplo de como o aprendizado da Língua Portuguesa escrita pode se
tornar difícil para o sujeito surdo, uma vez que as pistas fonológicas,
utilizadas pelo aprendiz ouvinte ao escrever, não servem para o aluno
surdo (NASCIMENTO, 2015, p. 33, grifo nosso).

Ou seja, a relação direta entre fonema e grafema (representação gráfica


do fonema) não ocorre na correspondência sinal/grafema da língua oral, pois é
uma realização de línguas que utilizam modalidades diferentes de compreensão
expressão. Desse modo, o acesso fonético não está disponível ao aprendiz
surdo do mesmo modo como está disponível ao aprendiz ouvinte. Além disso,
o modo de estruturação linear das línguas orais é completamente diferente do
modo não-linear das línguas de sinais, por exemplo, a palavra sapo é lida da
esquerda par a direita e pode ser decomposta em blocos de sons (as chamadas
sílabas) ou unidades de sons (letras), já o sinal de sapo é dividido em “blocos”
de configuração de mão, localização e movimento realizados ao mesmo tempo,
como podemos ver na Figura 9.

FIGURA 9 – SINAL DA PALAVRA “SAPO”

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 2536)

Além disso, Nascimento (2015) destaca a necessidade de atividades que


envolvam procedimentos e estratégias que permitam o estabelecimento da relação
entre grafema/fonema de modo diferente daquele baseado no método fônico,
pois aos aprendizes surdos esta relação feita por via do som não faz sentido.
Assim, é preciso que seja envolvido o conhecimento da língua de sinais para a
compreensão da língua portuguesa escrita e seus usos. Como táticas de ensino,
a autora destaca estratégias pautadas no uso de imagens, figuras com palavras
escritas, vídeos, objetos e outros modos não vinculados ao reconhecimento sonoro
para a aprendizagem da escrita alfabética pelos aprendizes surdos, sempre
tomando por base a língua de sinais.

Nesse contexto a autora coloca que:

113
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

O bilinguismo sugere, ainda, propostas de atividades e metodologias


apropriadas ao aluno com surdez, como o uso de ilustrações nos textos,
fazendo com que a leitura se torne mais produtiva, além de agradável,
pois desta forma o aluno surdo pode visualizar não só o texto, mas
também as figuras que representarão o que todas aquelas palavras
querem dizer, facilitando o entendimento do assunto, mediado pela
língua de sinais (NASCIMENTO, 2015, p. 29).

Assim, a aprendizagem da escrita alfabética está vinculada ao respeito


às características específicas de input (entrada de informações) que o aprendiz
surdo apresenta, utilizando-se da leitura de imagens relacionada à leitura das
palavras. Além disso, as imagens não apenas correspondem diretamente ao
que está representado na escrita, mas traz a interpretação daquilo que está na
história, ou seja, a imagem não está apenas ilustrando, por exemplo, um sapo,
mas desenhando aquilo que o sapo está fazendo na história, possibilitando a
leitura da situação e não apenas das palavras em separado.

Nesse contexto, é interessante vermos as sugestões que o uso de métodos


de alfabetização multissensoriais pode agregar aos processos de alfabetização de
aprendizes surdos, pois eles pressupõem o uso de formas não apenas auditivas
de acesso à escrita:

Método multissensorial
Visão: ênfase na forma visual de letras e palavras, podendo usar cores
e tamanhos diferentes.
Cinestesia – traçado: ênfase no traçado da letra/palavra, por exemplo
usando letras com setas desenhadas que indicam a direção do
movimento correto para a grafia.
Tátil: ênfase na memória tátil da forma das letras/palavras, por
exemplo usando texturas diferentes.
Articulação: ênfase na memória articulatória das letras/palavras, de
forma consciente e intencional (SEBRA; DIAS, 2011, p. 10, grifo nosso).

Assim sendo, podem ser realizadas atividades que evidenciem modos não
auditivos ou orais de alfabetização, tais como os visuais (já citados anteriormente),
o tátil e o cinestésico. Logo, os métodos de alfabetização multissensoriais podem
ser de grande auxílio para a elaboração de atividades de alfabetização para
aprendizes surdos, porque permitem um uso mais amplo dos sentidos para a
aprendizagem da escrita, logo, permitem que o aprendiz surdo tenha acesso à
escrita da língua oral através de seus outros sentidos e, por isso, podem facilitar
a aprendizagem, pois não valorizam apenas o conhecimento fonético, inviável
para ele.

Ainda, com relação à alfabetização de aprendizes surdos em processos


de educação bilíngue, Barreto e Barreto (2015) colocam a necessidade de a
alfabetização em escrita de sinais ser realizada de modo anterior àquela feita na
escrita da língua oral, pois:

114
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

A escrita da Língua de Sinais capta as relações que a criança estabelece


com a Língua de Sinais. Se as crianças (surdas) tivessem acesso a essa
forma de escrita para construir suas hipóteses a respeito da escrita, a
alfabetização [na escrita da língua oral] seria uma consequência do
processo. A partir disso, poder-se-ia garantir o letramento do aluno ao
longo do processo educacional (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 61).

Desse modo, os autores reforçam que o conhecimento, não apenas da


língua de sinais como língua materna, mas da escrita de sinais como primeira
escrita, são importantes para que o aprendiz possa compreender o modo
de raciocínio que está inerente ao registro das línguas, por exemplo: ao ser
alfabetizada em SignWriting, uma pessoa aprenderá que o registro dos sinais em
Libras acontece em colunas lidas da direita para a esquerda e de cima para baixo,
ou seja, a estrutura da língua de sinais organiza-se de modo a ser registrada no
papel.

Ao aprender a estrutura da língua portuguesa para a escrita no papel, o


aprendiz poderá comparar que a direção de escrita é igual da Libras em relação
ao sentido de leitura (da esquerda para a direita), mas diferente na orientação,
porque será feita em linhas. Desse modo, o aprendiz surdo parte de uma base
linguística conhecida para estabelecer parâmetros de semelhanças e diferenças
que auxiliam na compreensão da LP como L2.

Além disso, Stumpf (2009) também destaca que a alfabetização em escrita


de sinais relaciona-se, aparentemente, com as etapas da alfabetização das crianças
ouvintes e apresenta dois componentes que, habitualmente, não aparecem
quando a alfabetização é feita apenas na língua oral:

1 – O aspecto afetivo – A criança surda quando se depara com a


aprendizagem do SignWriting sente-se gratificada, sente-se feliz. O
reconhecimento de que sua língua de sinais também é importante,
também pode ser escrita, a relação que se estabelece entre os colegas
para cooperar e trocar conhecimentos, as produções animadas, o poder
contar em casa que são possuidores de um conhecimento reconhecido
pela escola, são fatores entre outros, de apropriação de um sentimento
de autoestima, do qual elas muitas vezes carecem, e de empenho em
aprender.
2 – O aspecto de evolução na aprendizagem – A rapidez com que elas
conseguem adquirir o sistema, começam a ampliar seu sinalário e a
construir mensagens faz com que se sintam estimuladas a avançar.
As dificuldades que encontram são dificuldades possíveis de serem
superadas, ao contrário das encontradas na escrita da língua oral, que
ensinada aos surdos, com os mesmos métodos que aos ouvintes, não
respeita o raciocínio nem a identidade da criança surda (STUMPF,
2009, p. 28).

115
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

2.3 NÍVEIS DE ALFABETIZAÇÃO, ANALFABETISMO E


ANALFABETISMO FUNCIONAL
A alfabetização é um processo de aprendizagem da modalidade escrita
de uma língua e, por isso, pode ser compreendido em níveis ou escalas de acordo
com o desenvolvimento apresentado pelo aprendiz. Dentro dos estudos em
alfabetização são delimitados níveis ou estágios dessa evolução escrita que se dá
a partir da alfabetização, segundo Ferreiro (2001 apud Caminho do Saber, 2017):

• Nível pré-silábico: o estudante começa a perceber que a escrita representa os


sons da fala e começa a testar possibilidades de escrita ainda sem relacionar
sons às letras ou diferenciar números das letras. Como podemos ver no exemplo
mostrado na Figura 10, as letras utilizadas para a escria das palavras “cavalo” e
“formiga” não têm relação direta com o som das palavras.

FIGURA 10 – EXEMPLO DE ESCRITA PRÉ-SILÁBICA

FONTE: <http://www.redecaminhodosaber.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/04/
pr%C3%A9-sil%C3%A1bico-ok.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2019.

• Silábico: o aluno começa a relacionar o som e a letra fazendo uma correpondência


particular e colocando uma letra para cada sílaba na escrita das palavras. No
exemplo colocado na Figura 11, vemos que a palavra “cavalo” é representada
por três letras que correponderiam ao entendimento das três sílabas que
compõem essa palavra.

FIGURA 11 – EXEMPLO DE ESCRITA SILÁBICA

FONTE: <http://www.redecaminhodosaber.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/04/silabico-
ok.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2019.
116
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

• Silábico-alfabético: é quando o aluno começa a compreender que as sílabas têm


mais de uma letra, ao escrever, às vezes, usa apenas uma letra para as sílabas,
às vezes, coloca mais de uma letra, ou seja, é um nível intermediário entre a
fase silábica e a fase alfabética. Na Figura 12 temos uma mistura entre sílabas
completas e sílabas representadas apenas por uma letra.

FIGURA 12 – EXEMPLO DE ESCRITA SILÁBICO-ALFABÉTICA

FONTE: <http://www.redecaminhodosaber.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/04/silabico-
alfabetico-ok.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2019.

• Alfabético: a criança demontra compreender os fonemas das palavras e realizar


hipóteses para a representação escrita a partir do conhecimento entre os sons e
as letras correspondentes.

FIGURA 13 – EXEMPLO DE ESCRITA ALFABÉTICA

FONTE: <http://www.redecaminhodosaber.com.br/blog/wp-content/uploads/2017/04/
alfabetico-ok.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2019.

Desse modo, os níveis de alfabetização estão relacionados às percepções


do aprendiz sobre a relação entre os sons da fala e a representação escrita
correspondente. Dito de outro modo, os estágios de alfabetização classificam o
modo de escrita que acontece a partir do entendimento do modo como as palavras
são formadas, partindo da noção inicial de que a escrita apresenta símbolos que
combinarão para formar as palavras.

Com isso em vista, podemos depreender que uma pessoa alfabetizada
é aquela que domina os processos e tecnologias vinculados à escrita para
expressão através da escrita com a codificação e decodificação das letras. Assim,
as pessoas alfabetizadas são aquelas que têm a habilidade de realizar a escrita
e, consequentemente, a leitura nos diferentes contextos de comunicação. Já as

117
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

analfabetas seriam aquelas que não aprenderam a ler ou escrever, por isso, não
adquiriram o domínio sobre a tecnologia da escrita para codificação e decodificação
de palavras, textos e frases. E, as pessoas analfabetas ou não alfabetizadas são
aquelas não possuem essas habilidades em relação à escrita.

Alguns autores entendem que o analfabetismo completo não acontece


numa sociedade letrada como a nossa, na qual a maioria das interações é feita a
partir de contextos escritos, mesmo uma pessoa que não sabe ler ou escrever acaba
fazendo a leitura das palavras a partir de uma memorização delas como símbolo.
Por exemplo, uma criança ainda não alfabetizada que consegue abrir o aplicativo
do YouTube porque memorizou que a sequência de símbolos corresponde àquilo
que ela procura. Porém, essa leitura é apenas imagética e, por isso, não corresponde
ao que convencionalmente entende-se como ser alfabetizado, ou seja, capaz de
escrever e ler em diferentes contextos de modo que, mesmo as palavras que a
combinação de letras não seja conhecida ainda podem ser decodificadas.

Ainda dentro das discussões sobre alfabetização e analfabetismo estão


inseridas as questões que discutem aquilo que foi classificado como analfabetismo
funcional, observemos a charge a seguir.

FIGURA 14 – ANALFABETISMO FUNCIONAL

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-y8cT4SBpGdQ/UvvlpF8cV-I/AAAAAAAAJrM/RLxUp1TKuAw/
s400/313066_473361359355177_1594481690_n%5B1%5D.jpg>. Acesso em: 2 mar. 2019.

O analfabetismo funcional refere-se exatamente à situação retratada na


charge, a pessoa sabe “juntar” as letras, ou seja, decodificar basicamente o que
está no texto, mas não é capaz de compreender aquilo que está escrito e nem
utilizar a escrita como forma de acesso pleno ao mundo letrado. Desse modo, o
analfabetismo funcional está relacionado a um estágio intermediário em que a
escrita e a leitura são realizadas sem profundidade e não tem sentido pleno no
exercício da cidadania. Está relacionado ao uso não proficiente da língua escrita
como forma de acesso social, por isso, conecta-se às discussões sobre letramento
que realizaremos a seguir.
118
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

3 LETRAMENTO: CONCEITUAÇÃO
O termo “letramento” refere-se aos usos sociais que a alfabetização tem,
como vimos anteriormente, até meados de 1980, ele não era utilizado no Brasil,
pois o papel social da alfabetização estava colocado junto com a codificação e
decodificação da escrita. De acordo com Rocha (2010, p. 13):

A tradução da palavra letramento se faz na busca de expandir o


conceito de alfabetização, assim chamando a atenção não apenas
para o domínio do ato de codificar e decodificar (ler e escrever), mas
também para os usos dessas habilidades em práticas sociais em que
escrever e ler é necessário. Na tradução implícita dessa palavra está a
ideia de que o domínio e o uso da escrita trazem consequências sociais,
culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o
grupo que está inserido, quer para a pessoa que aprende a usá-la.

A partir disso, o conceito de letramento é:

[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender o codificar e


decodificar, bem como resultado da ação de usar essas habilidades
em práticas na sociedade, é o estado ou condição que adquire um
grupo social ou uma pessoa como consequência de ter-se apropriado
do ato de escrever e de ter-se inserido em um mundo organizado
diferentemente: a cultura escrita (ROCHA, 2010, p. 14)

Dessa maneira, os conceitos de alfabetização e letramento são ligados de


modo indissociável, ou seja, não é possível fazer a separação deles durante as
práticas sociais em que a escrita esteja envolvida. Sobre isso, Soares (2003 apud
ROCHA, 2010, p. 15) coloca que:

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro


das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de
leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto)
no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos:
pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização
– e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita – o letramento.

Assim sendo, o estudo separado dos termos serve apenas para


compreensão teórica destas duas partes que o processo de aprendizagem e uso
da língua escrita aglutinam. Como colocado na citação anterior, não é possível
realizar apenas uma parte do processo, porque eles ocorrem ao mesmo tempo,
pois a aprendizagem dissociada do uso social da escrita perde seu sentido na
educação de crianças e, ainda com mais ênfase, na educação de adultos. Isso quer
dizer que palavras, frases e textos soltos sem um contexto de inserção, ou seja,
utilizados apenas como pretexto para a aprendizagem, o que seria uma atividade
apenas de alfabetização, a grosso modo, não fazem sentido nas concepções atuais
de ensino e aprendizagem, isso porque alfabetização e letramento:

119
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Não são processos independentes, mas interdependentes, e


indissociáveis: a alfabetização desenvolvesse no contexto de e por meio
de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades
de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto
da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é,
em dependência da alfabetização (SOARES, 2003, p. 14 apud ROCHA,
2010, p. 15).

Essa situação que a autora destaca está no relato da atividade colocado


na Leitura Complementar, no último tópico deste livro didático. Trata-se de
um relato de uma atividade realizada na Educação de Jovens e Adultos sobre a
experiência de ir a uma lanchonete, ler o cardápio e realizar o pedido por escrito.
Desse modo, tanto a relação entre fonema-grafema, que permitiu a escrita e a
leitura do cardápio, quanto a situação social em que essa leitura está inserida
foram utilizadas na atividade. Assim, a compreensão atual de aprendizagem da
escrita é aquela que as aprendizagens acontecem por meio de seus usos, que só
podem ser realizados quando a codificação e a decodificação escrita acontecem,
ou seja, o letramento e a alfabetização em uma relação de interdependência.

Por existirem diferentes contextos de inserção social, também existem


diversos níveis de letramento, de acordo com Stumpf (2005, p. 36):

O nível de letramento que permite um bom funcionamento social varia


de uma cultura para a outra e também dentro de uma mesma cultura.
Assim os níveis de letramento necessários ao funcionamento social
podem variar. É importante, porém, que exista uma interação entre
as exigências sociais e a competência individual. Para que isso ocorra,
a escola precisa proporcionar ao indivíduo a condição de leitor ativo
suficientemente apto para que, a partir de suas próprias necessidades,
consiga gerar, receber e atribuir interpretações independentes às
mensagens (grifo nosso).

Logo, a tarefa da escola, ou seja, da educação como um todo, tanto para


surdos como para ouvintes, é fazer com que o funcionamento social do indivíduo,
através da escrita, aconteça de modo que ele possa conviver na sociedade na qual
está inserido, para assim, desenvolver plenamente as atividades que demandem
escrita. Como Stumpf (2005) aborda na citação anterior, em cada cultura e dentro
de cada cultura, existem diferentes níveis de exigência desse letramento.

Um exemplo simples é que crianças estudantes do Ensino Fundamental


não precisam compreender como se faz um Pré-Projeto de Dissertação, mas
candidatos à seleção de Mestrado, precisam. Ou seja, o nível de letramento, neste
caso vinculado ao conhecimento de uma tipologia textual e seu uso social para
ingresso em um processo de seleção e pós-graduação, está ligado diretamente ao
funcionamento social esperado dentro deste contexto específico.

120
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

Dessa forma, os níveis de letramento exigidos serão vinculados,


obviamente, às experiências sociais a que o indivíduo será exposto. É interessante
destacar que, o papel da escola, na visão exposta por Stumpf (2005), é proporcionar
ao indivíduo a condição de se movimentar socialmente a partir da escrita, de
uma forma que seja capaz de dar conta das exigências sociais a partir de sua
competência individual.

Porém, é importante entendermos que isso não significa que a escola


precisa preparar o indivíduo para toda e qualquer situação social em que a escrita
esteja envolvida, isso seria impossível, mas aquilo que for ensinado precisa fazer
com que ele seja capaz de buscar, gerar, relacionar e compreender o que cada
situação espera dele e como obter as referências para as situações.

Para exemplificar, utilizaremos um estudo de caso: uma professora,


assim que começou a dar aulas de Língua Portuguesa, julgava não ter um bom
domínio dos conhecimentos gramaticais que achava que deveria ter. No entanto,
sua formação acadêmica proporcionou que soubesse onde encontrar materiais e
perceber qual a vertente teórica de cada um deles a ponto de conseguir selecionar
o material que fosse de acordo com o que precisava ensinar. Ou ainda, pensando
no exemplo da experiência de pedir comida a partir de um cardápio, mencionado
anteriormente, é a partir destas vivências que os aprendizes poderão utilizar seus
conhecimentos da escrita em diferentes situações que utilizem uma lista para
escolher alguma coisa, seja num restaurante, numa loja ou num cartório.

FIGURA 15 – CARTAZ DO FILME “A FAMÍLIA BÉLIER”

FONTE: <http://porquegostamosdecinema.blogspot.com/2015/08/critica-familia-belier-la-
famille.html> Acesso em: 28 fev. 2019.

121
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

UNI

A Família Bélier é um filme francês lançado em dezembro de 2014, ele poderia


ser apenas um filme sobre o momento em que uma pessoa ganha a sua independência em
relação à família, como muitos por aí. Porém, o fato de que a família de pequenos fazendeiros,
da qual Paula (Louane Emera) faz parte, é composta por pai, mãe e irmão surdos, faz com que
a história ganhe um contorno mais complexo quando a jovem descobre seu talento para o
canto e ganha a oportunidade de estudar em um importante conservatório em Paris. Assim,
ela precisa decidir o que fazer, mas como abandonar os pais e o irmão, se é ela a responsável
por mediar as interações entre sua família, os vizinhos e fornecedores? Fazendo não apenas
a tradução entre as línguas, mas também dos contextos culturais entre surdos e ouvintes.
Ou seja, ela é a responsável pela intermediação social entre sua família e o mundo ouvinte,
seja na tradução de conversar ou para o acesso aos documentos necessários para a vida em
sociedade. O final é emocionante!

FONTE: ALEXANDRE, CÁTIA. Crítica: A Família Bélier (La Famille Bélier). 2014. Disponível em:
<http://porquegostamosdecinema.blogspot.com/2015/08/critica-familia-belier-la-famille.
html> Acesso em: 28 fev. 2019.

3.1 EVENTOS E PRÁTICAS DE LETRAMENTO


Ao longo dos estudos sobre letramento foram definidos os conceitos de
eventos e práticas. O primeiro, derivado de um estudo realizado por Shirley
Brice Heath (1982), ao longo de dez anos, em comunidades, para observar como
a escrita estava presente naqueles contextos sociais. E, o segundo, delimitado
por Street (a partir dos estudos de Heath) e estudado a partir de uma pesquisa
feita no Irã, onde o autor observou os significados dos eventos de letramento das
comunidades, em 1984 (BENVENUTTI, 2011).

As definições desses conceitos são as seguintes:

Shirley Brice Heath caracterizou como evento de letramento qualquer


ocasião em que algo escrito é constitutivo da interação e dos processos
interpretativos dos participantes, ou seja, é o que podemos observar
que as pessoas estão fazendo quando estão usando a escrita e a leitura.
Essa noção oferece ao pesquisador (ou ao professor que analisa o
cotidiano de sua sala de aula) um modelo analítico para descrever
e caracterizar  quando, onde  e  como  as pessoas leem ou escrevem,
conversam sobre um texto escrito ou interagem por meio da escrita.
[...] Street criou a expressão práticas de letramento – conceito que
possibilita ampliar e detalhar a análise e a interpretação tanto das
práticas sociais que envolvem a linguagem escrita quanto das
concepções de escrita e leitura predominantes num grupo social. Com
isso, torna-se possível um aprofundamento no exame dos significados
associados aos eventos de letramento (STREET; CASTANHEIRA,
ANO, s.p.).

122
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

A partir desses conceitos, a compreensão do letramento desenrola-se em


eventos, ou seja, no momento em que ele acontece e pode ser observado, como
o exemplo da sala de aula e em situações vinculadas, ou seja, qual o papel que a
escrita tem dentro de determinados grupos sociais. Desse modo, os eventos de
letramento observam as situações em que a escrita e a leitura são utilizadas e as
práticas de letramento analisam quais as concepções de leitura e escrita associadas
a esses eventos.

Quando pensamos nas situações sobre a escrita para a comunidade surda


estudadas anteriormente, podemos ver que os eventos de letramento seriam,
por exemplo, as atividades a serem feitas nas salas de aula. E, as práticas de
letramento são as formas como a comunidade surda percebe a língua escrita e
a leitura. Será que, como forma de opressão? Como forma de inserção social?
Como necessidade? Ou como obrigação?

3.2 LETRAMENTOS
Além do uso da expressão “letramento” para os usos sociais da escrita,
ao serem agregadas características específicas aos letramentos possíveis de serem
delimitados, criam-se expressões que fazem referência aos usos sociais das mais
diversas aprendizagens. Por exemplo, o letramento matemático, que se refere
ao uso da matemática nas situações sociais, tipo calcular o troco do mercado; o
letramento literário, quando a literatura tem um papel de modificação da relação
social através da leitura, como um jovem que sai de sua comunidade pela primeira
vez para comprar um livro desejado; e, o letramento digital, que faz referência
ao uso em sociedade da tecnologia disponível de forma proficiente, como saber
utilizar o caixa eletrônico para o pagamento de contas.

Dessa forma, houve uma ampliação do uso do termo “letramento”, para


que esse abrangesse todo e qualquer uso de um conhecimento adquirido de modo
a interagir na sociedade da qual faz parte.

4 ATIVIDADES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO


PARA ESTUDANTES SURDOS
Quanto às atividades de alfabetização e letramento para estudante surdos,
Fernandes (2006) faz um quadro comparativo das estratégias normalmente
utilizadas na alfabetização de alunos ouvintes e a consequência da utilização
delas para a alfabetização de surdos.

Desse modo, a autora procura destacar que elas não são adequadas para a
alfabetização de estudantes surdos, pois acredita que “seja partindo de textos, de
palavras, de famílias silábicas ou de letras isoladas, o processo de alfabetização
baseia-se em relações entre fonemas e grafemas. Assim, não é possível ensinar os
surdos a ler e a escrever alfabetizando-os” (FERNANDES, 2006, p. 8).
123
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

QUADRO 4 – IMPLICAÇÕES DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO PARA ALUNOS SURDOS

Procedimentos adotados na Implicações para a aprendizagem de


alfabetização alunos surdos
Parte-se do conhecimento prévio da Não há conhecimento prévio
criança sobre a língua portuguesa, internalizado; a criança não estrutura
explorando-se a oralidade: narrativas, narrativas orais e desconhece o
piadas, parlendas, trava-línguas, rimas universo “folclórico” da oralidade.
etc.
O alfabeto é introduzido Impossibilidade de estabelecer
relacionando-se letras a palavras do relações letra x som; a criança
universo da criança: nomes, objetos desconhece o léxico (vocabulário) da
da sala de aula, brinquedos, frutas etc. língua portuguesa, já que no ambiente
Ex.: A da abelha, B da bola, O do ovo... familiar sua comunicação restringe-
se a gestos naturais ou caseiros (na
ausência da língua de sinais).

As sílabas iniciais ou finais das A percepção de sílabas não ocorre já


palavras são destacadas para a que a palavra é percebida por suas
constituição da consciência fonológica propriedades visuais (ortográficas) e
e percepção de que a palavra tem uma não auditivas.
reorganização interna (letras e sílabas).
A leitura se processa de forma linear A leitura se processa de forma
e sintética (da parte para o todo); simultânea e analítica (do todo para
ao pronunciar sequências silábicas, o todo); a palavra é vista como uma
a criança busca a relação entre as unidade compacta; na ausência
imagens acústicas internalizadas e as de imagens acústicas que lhes
unidades de significado (palavras). confiram significado, as palavras são
memorizadas mecanicamente sem
sentido.
FONTE: Fernandes (2006, p. 7 e 8, grifo nosso)

Neste quadro, podemos observar que, a autora coloca que o ensino


oralizado e o ensino bimodalista não dão conta da alfabetização de alunos surdos.
As atividades sempre se relacionam ao contexto de letramento verdadeiramente
inseridos socialmente e delimita as seguintes estratégias:

• A leitura inicial envolve apenas palavras ou expressões que o


aluno já conheça, independentemente da ordem em que apareçam
no texto (na sequência [sic] ou em trechos distintos).
• O estímulo à ampliação do “zoom” do olhar do aluno da palavra
isolada para unidades de significado mais amplas (ex.: “colher de
pau” em vez de “colher”; abrir a janela, a porta, a “conta” em vez de
“abrir”; e assim por diante).

124
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

• A eliminação da apresentação de textos no quadro de giz. Todo


texto proposto para leitura deve ser apresentado tal como ele é,
ou como ele circula socialmente. Fim ao ritual de passar o texto
no quadro com letra cursiva (que ninguém usa na sociedade, a
não ser a escola), desprovido da riqueza de suas cores e imagens,
da diversidade de tipos de letras em que é formatado (sempre de
forma) e do veículo que lhe deu origem (publicação, embalagem
folheto etc.). Apenas utilizar textos em seu formato original (em
transparência, multimídia, xerox ou originais) (FERNANDES, 2006,
p. 12, grifo nosso).

Essas estratégias, embora simples, segundo a autora, trazem benefícios


para a alfabetização de alunos surdos a partir da perspectiva que o texto precisa
estar dentro de um contexto social verdadeiro, ou seja, uma publicação que
tenha real materialidade social. Dito de outro modo, distancia-se dos textos
artificialmente construídos e coloca o foco em atividades que espelham o uso real
da língua.

Para a organização do trabalho em si, Fernandes (2006, p. 19 a 23, grifo


nosso) menciona alguns passos que servem para a estruturação de atividades de
alfabetização/letramento para alunos surdos:

1. Contextualização visual do texto: em um primeiro momento é necessário que


o aluno visualize o texto como um conjunto composto de linguagem verbal e
não-verbal e realize associações entre ambas as linguagens para a constituição
de seus sentidos.
2. Exploração do conhecimento prévio e de elementos intertextuais: é necessário
que o aluno “leia” sem compromisso com a “decodificação” das palavras. É
importante explorar toda a sorte de informações que fazem parte do cotidiano
dos alunos sobre o tema proposto, por meio da mediação do professor com
perguntas pertinentes que conduzam as relações sobre o real conteúdo do
texto.
3. Identificação de elementos textuais e paratextuais: esses são os elementos
mais importantes na leitura, pois oferecem os suportes necessários para a real
compreensão do texto. É o momento do “refinamento” das informações visuais
que chegam sob a forma de hipóteses e adivinhações sobre o conteúdo do
texto. São três os aspectos a serem focados: os elementos lexicais, gramaticais e
paratextuais.
4. Leitura individual e discussão das hipóteses de leitura no grupo: até esse
momento a leitura propriamente dita ainda não havia sido feita, mas todo
o “terreno” foi preparado para que os estudantes pudessem realizar esta
atividade partido dos elementos necessários à compreensão. Depois de
realizadas as tentativas individuais dos alunos [de leitura], há inúmeras formas
de confrontar se as hipóteses de leitura se aproximam do conteúdo veiculado
pelo texto: fazendo perguntas diretas, retomando o roteiro de leitura registrado
inicialmente no quadro e questionando a que parte do texto se refere, solicitando
aos alunos a leitura de trechos para a turma, inventando absurdos sobre o

125
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

texto e solicitando argumentação, entre mais possibilidades. As perguntas e


indagações sobre o conteúdo lido são fundamentais à valorização do trabalho
de leitura individual realizado.
5. (Re)elaboração escrita com vistas à sistematização: esse último aspecto envolve
um princípio de fundamental importância na proposta de encaminhamento
que defendemos: leitura e escrita são processos indissociáveis. Não haverá
nenhuma proposta de produção de texto cujo tema não tenha sido objeto de
exploração em atividades de leitura anteriores. Como já deve ter ficado claro,
nossa premissa básica é que ler ou escrever sobre algo implica conhecimento
prévio e conhecimento da realidade social em que o tema se insere.

A autora destaca que “a sequência [sic] proposta é apenas uma possibilidade


de encaminhamento que vem dando certo com as turmas nas quais trabalhamos.
Entretanto, poderão ser enriquecidas a partir da experiência e realidade de cada
professor” (FERNANDES, 2006, p. 19). Assim, a estrutura proposta não é molde
a ser seguido, mas uma sugestão norteadora das atividades.

Para ilustrar a proposta de estruturação acima, Fernandes (2006) dá


como exemplo um texto que fala sobre o meio ambiente. E, coloca sugestões de
perguntas norteadoras para a contextualização inicial (1) do texto:

Assim, ao realizar perguntas como “o que vocês estão vendo? De que
será que o texto trata? Há alguma palavra que você já conhece? O que
significa essa palavra? “Por que essa letra está escrita maior do que
esta? Para que serve esse sinal aqui no início da linha?”, entre outras,
conduzem a atenção do aluno para o foco das questões que você já
levantou anteriormente e a reflexão mais efetiva sobre o conteúdo
escrito” (FERNANDES, 2006, p. 21).

Na etapa de exploração do conhecimento prévio (2), os estudantes


trouxeram informações pertinentes ou não sobre o tema e cabe ao professor ter
o “jogo de cintura” para lidar com as respostas que não atendem diretamente à
proposta de modo a não desmotivar os estudantes (FERNANDES, 2006).

No momento da identificação de elementos textuais e paratextuais


significativos (3), a autora sugere a elaboração de um roteiro conjunto para leitura,
lembrando que esse não é cópia do texto, mas a antecipação de enunciados, pois
“[...] quando sinalizam sobre o tema em questão, as ideias devem ser aproveitadas
e registradas no quadro com a(s) palavra(s) equivalente(s) em português,
debatendo seus possíveis sentidos” (FERNANDES, 2006, p. 22).

126
TÓPICO 2 | ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E O LUGAR DA ESCRITA DA LÍNGUA DE SINAIS

QUADRO 5 – ROTEIRO DE LEITURA

FONTE: Fernandes (2006, p. 22)

Para a etapa (4), leitura individual e discussão das hipóteses em grupo,


neste momento, é que efetivamente é feita a leitura do texto, após toda preparação
que teve por objetivo preparar a leitura de modo que ficasse mais fácil de realizar,
sendo de extrema importância para a efetivação da etapa de leitura. Ademais, as
discussões sobre o texto são feitas sem a realização da tradução sinal a sinal, mas
em relação ao todo do texto (FERNANDES, 2006).

Por fim, na última parte (5), é feita a (re)laboração escrita com vista à
sistematização, pois nenhuma proposta de escrita textual acontece sem estar
dentro de uma proposta de leitura, visto que ambas são interdependentes e a
autora sugere que:

A atividade de re(elaboração) escrita pode estar direcionada a muitos


aspectos:
• Atividades (jogos, exercícios, questionários, paráfrases) que
possibilitem avaliar se houve apropriação dos conhecimentos
sistematizados (saber social, gramatical, lexical) nas atividades de
leitura.
• Atividades de produção escrita que permitam utilizar o conhecimento
sistematizado (dissertação, descrição, narrativa, entrevista, slogan etc.).
• Proposição da leitura de novos textos relacionados tematicamente.
• Criação de textos nos gêneros propostos.
• Apresentação de seminários a outros grupos sobre o tema debatido
(FERNANDES, 2006, p. 26).

DICAS

Recomendamos a leitura da dissertação Análise de atividades de alfabetização


de estudantes surdos de Raquel Oliveira Nascimento, na íntegra, pois a autora apresenta
as bases de análise para trinta atividades de alfabetização para alunos surdos de modo
bastante completo e baseado em autores e teorias relevantes para a área, divididas na sala
de aula comum, sala de recursos e sala de alfabetização de surdos. Sendo um importante
instrumento de conhecimento das atividades utilizadas para o ensino de surdos, bem como
para os aspectos a serem levados em conta na elaboração de atividades para este público.
Disponível em: <http://www.univas.edu.br/me/docs/dissertacoes2/21.pdf>. Acesso em: 4
mar. 2019.

127
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

NOTA

Ao final desta unidade encontramos o relato de uma atividade de alfabetização


e letramento de alunos surdos da Educação de Jovens e Adultos como forma de observar o
relato direto de uma das professoras/pesquisadoras participantes.

128
RESUMO DO TÓPICO 2

Resumo

Neste tópico, você aprendeu que:

• Até meados de 1980 o termo alfabetização era utilizado tanto para a


aprendizagem das tecnologias vinculadas à escrita e à leitura quanto aos usos
sociais delas.

• O processo de aprendizagem inicial da escrita, das habilidades de escrita e


leitura é dividido em duas partes distintas e complementares: a alfabetização e
o letramento.

• A alfabetização envolve a aprendizagem das tecnologias da escrita como a


correspondência entre sons e letras, codificação e decodificação da escrita,
limites das palavras, formação de sílabas e compreensão do sentido da escrita
para comunicação.

• Os métodos de alfabetização são classificados a partir de três critérios: ponto


de partida, unidade de análise e modalidade de sensibilização sensorial. No
critério de ponto de partida, os métodos de alfabetização podem ser analíticos
ou sintéticos. No critério unidade de análise, os métodos de alfabetização
podem começar por fonema, sílaba ou palavra. E, no critério de modalidade de
sensibilização sensorial, os métodos podem ser fônicos ou multissensoriais.

• Os métodos de alfabetização podem misturar os diferentes critérios para a sua


elaboração metodológica. Os mais difundidos são: o método fônico e o método
global ou ideovisual. No método fônico, a estimulação é feita por meio de
exercícios e atividades em que o som é associado à escrita; no método global, a
alfabetização é feita a partir de unidades maiores, como palavras, frases e textos
que sejam significativas para as crianças e incentiva que seja feita a associação
das palavras aos significados diretamente.

• É necessário que o aprendiz surdo tenha o domínio sobre sua língua materna
para a alfabetização da escrita da língua oral.

• Os fonemas não fazem sentido para a criança surda, por isso, a relação fonema-
grafema é esvaziada.

• Para a alfabetização de crianças surdas, é necessário o uso de diferentes


materiais que contenham figuras, imagens, vídeos e diversos modos de apoio
não fônicos.
129
• Os métodos multissensoriais apresentam atividades que utilizam a visão, o
movimento, o tato e articulação intencional de fonemas para a alfabetização,
por isso, são métodos interessantes para o ensino de aprendizes surdos.

• O uso da escrita de sinais, antes da alfabetização em escrita da língua oral,


facilita a aprendizagem desta última porque permite a comparação entre os
aspectos semelhantes e diferentes de cada uma delas.

• A alfabetização em escrita de sinais para crianças surdas apresenta os aspectos


de aprendizagem afetiva e evolução na aprendizagem.

• A alfabetização em SW apresenta os mesmos níveis de alfabetização das crianças


ouvintes. Que são: pré-silábico; silábico, silábico-alfabético e alfabético; e cada
um deles evidencia uma evolução da representação escrita da língua.

• A pessoa que domina habilmente os processos e tecnologias vinculadas à escrita


para expressão através da escrita com a codificação e decodificação das letras é
considerada alfabetizada. Não-alfabetizada ou analfabeta é a pessoa que não
teve acesso ao processo que permite a codificação e decodificação da língua
escrita. Analfabetismo funcional está relacionado ao estágio intermediário em
que a escrita e a leitura são realizadas sem profundidade e não têm sentido
pleno para o uso pleno da cidadania.

• O letramento está indissociavelmente relacionado à alfabetização.

• Em cada cultura e dentro de cada cultura existem diferentes níveis de exigência


deste letramento.

• A tarefa da escola é fazer com que o funcionamento social do indivíduo através da


escrita aconteça de modo que ele possa conviver na sociedade em que está inserido
e que possa desenvolver plenamente as atividades que demandem escrita.

• Eventos de letramento são os momentos em que podemos observar o que as


pessoas estão realizando através da escrita.

• Práticas de letramento são a análise e a intepretação das práticas que envolvem


a linguagem e as concepções de leitura e escrita que circulam nas comunidades.

• O conceito de letramento foi ampliando em letramentos que são delimitados


pela especificação colocada e significam o uso de certa habilidade em contextos
sociais.

• A estrutura proposta por Fernandes (2006) para elaboração de atividades de


alfabetização/letramento é formada pelas etapas de: (1) Contextualização visual
do texto; (2) Exploração do conhecimento prévio e de elementos intertextuais;
(3) Identificação de elementos textuais e paratextuais; (4) Leitura individual;
(5) (Re)elaboração escrita com vistas à sistematização.

130
AUTOATIVIDADE

1 Em sua opinião, porque os métodos multissensoriais podem ser utilizados


na alfabetização de surdos com mais sucesso do que os métodos fônicos?

2 A partir dos exemplos abordados neste tópico, das suas experiências e


criatividade docente, elabore uma atividade alfabetização/letramento
para surdos que parta da seguinte situação: A sua turma de alunos surdos
(jovens em processo de alfabetização em LP como L2, usuários de Libras) foi
convidada para assistir ao espetáculo a seguir. Escolha uma das atividades
possíveis para transformar essa experiência em uma nova atividade de
alfabetização/letramento e descreva-a de acordo com o que se pede.

(1) Contextualização visual do texto.


(2) Exploração do conhecimento prévio e de elementos intertextuais.
(3) Identificação de elementos textuais e paratextuais.
(4) Leitura individual.
(5) (Re)elaboração escrita com vistas à sistematização.

FONTE: <http://arb.org.br/site/wp-content/uploads/2016/10/alice_no_pais_das_maravilhas_
signatores_outubro_2016.jpg>. Acesso em: 4 mar. 2019.

3 Leias as seguintes afirmações:

I- O termo alfabetização faz referência à aprendizagem das tecnologias


associadas à escrita.
II- O termo letramento faz referência aos usos sociais da escrita.
III- Os analfabetos funcionais sabem ler apenas no nível mais básico de
decodificação escrita.
IV- O método fônico tradicional atende às peculiaridades dos estudantes
surdos.
V- A alfabetização e o letramento são processos completamente separados da
aprendizagem da escrita.

131
Quais das afirmações estão corretas?
a) ( ) Apenas I, II, II, V.
b) ( ) Apenas I, II e III.
c) ( ) Apenas I, III e V.
d) ( ) Apenas III, IV e V.
e) ( ) Apenas II, IV e V.

132
UNIDADE 2 TÓPICO 3
ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

1 INTRODUÇÃO
A língua representa poder de inserção social para os indivíduos, tendo
em vista que a sociedade em que estamos inseridos no Brasil estrutura-se a partir
e pela escrita. Os contratos sociais são realizados mediante instrumentos de
registro escrito, por exemplo, uma pessoa passa a “existir” no sentido de poder
participar das diferentes instâncias sociais apenas no momento em que o Registro
de Nascimento é realizado e é emitida a Certidão de Nascimento, antes disso,
ela pode ter existência física, mas não tem presença ou existência cidadã. Uma
pessoa que não tenha documentos de identificação como Certidão de Nascimento,
Documento de Identidade (RG) e Cadastro de Pessoa Física não pode realizar
nenhuma das atividades que estão relacionadas à existência social mais básica,
como estudar, trabalhar, votar, receber valores de modo oficial, aposentar-se ou
sequer ter uma conta bancário ou de telefonia fixa ou móvel.

Nesta perspectiva, a alfabetização/letramento ganha contornos de


necessidade premente para todos os cidadãos, ou seja, um direito que não pode
ser negado a todas as pessoas que nascem no país. Contudo, sabemos que nem
tudo funciona assim, muitas pessoas até fazem seus documentos básicos, mas não
conseguem acesso à escolarização ou não têm acesso às instituições e propostas
educacionais que realmente lhes proporcionem ascensão aos direitos vinculados
à existência numa sociedade letrada como a nossa. Isso que ainda nem estamos
falando especificamente do caso dos surdos, mas de todas as pessoas que por
inúmeros fatores não têm acesso ao pleno exercício de sua cidadania. Pois, como
vimos anteriormente, muitas pessoas são consideradas analfabetas funcionais e
compreendem apenas o nível mais básico de significado.

Para exemplificar o quanto o domínio da língua escrita está vinculado


ao pleno exercício da cidadania, pensemos no seguinte caso: uma pessoa não
alfabetizada ou que seja analfabeta funcional precisa ser acompanhada por outra
que consiga compreender, por exemplo, um contrato de empréstimo bancário,
pois não terá como mensurar as implicações envolvidas na assinatura de um
contrato bancário. Ou, como os inúmeros atletas e artistas que perdem grande
parte de seus rendimentos ao assinarem um contrato que entrega a maior parte
dos valores aos seus agentes. Ou ainda um surdo que não domina a modalidade
escrita da língua portuguesa necessitará de acompanhamento de alguém para
fazer, por exemplo, a abertura de uma conta corrente, pois a maioria dos bancos
não tem um intérprete à disposição para tirar as dúvidas necessárias.

133
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

Quanto à comunidade surda, em específico, os direitos linguísticos das


pessoas surdas são transversais a outras discussões como a presença de intérpretes,
a existências de escolas inclusivas e o uso da Libras em diferentes contextos de
inserção social. Contudo, não podemos esquecer que as comunidades usuárias
de línguas minoritárias (surdos e comunidades de imigrantes), estão inseridas
em um ambiente linguístico que prioriza a língua majoritária do país. Dessa
maneira, é importante lembrarmos da necessidade de inserção dos aprendizes
surdos nos dois mundos em que convivem. O primeiro, ligado diretamente as
suas características, e que é permeado pelo conhecimento de sua língua materna,
dos sinais e das experiências referentes à cultura surda. E o segundo, o mundo
ouvinte em que as diferentes situações sociais, cidadãs e educacionais também
acontecem e que é vivenciado através da língua majoritária do país. Dito de
outro modo, a comunidade surda está inserida na comunidade ouvinte e ambas
precisam fazer movimentos de aproximação para a inserção cidadã.

Neste tópico, estudaremos os aspectos que se referem às questões que


tratam sobre os direitos linguísticos dos indivíduos surdos dentro dos estudos
de respeito às minorias linguísticas, desse modo, os aspectos de representação
linguística e educação linguística também serão abordados.

2 DIREITOS LINGUÍSTICOS
Os direitos linguísticos estão relacionados com as bases para o
desenvolvimento das reflexões referentes à educação e à representação linguística
em uma perspectiva de ensino dos surdos. Em relação às crianças usuárias de
línguas minoritárias Skutnabb-Kangas (1988, p. 19) coloca que:

• Cada criança deve ter direito a identificar-se positivamente com a(s)


língua(s) materna(s) e ter sua identificação aceita e respeitada pelos
outros.
• Cada criança deve ter o direito de aprender a(s) língua(s) materna(s)
totalmente.
• Cada criança deve ter o direito de escolher quando usar a(s) língua(s)
materna(s) em todas as situações oficiais.

Nessa perspectiva, a língua materna é aquela que norteia também a visão


sobre os direitos linguísticos dos surdos, bem como deve ser aquela que orienta
a manutenção da identificação, aprendizagem e escolha da língua para interação
social. Desse modo, os direitos linguísticos estão vinculados aos elementos, ao
respeito, à língua materna e ao seu uso em diferentes situações, pois é o respeito
à língua materna que faz parte da manutenção e respeito ao acesso e às vivências
das pessoas surdas.

Nesta mesma visão, Matos (1984) propôs 17 Direitos Linguísticos para as


pessoas surdas, partindo do princípio de respeito às características específicas de
aprendizagem e aquisição da língua materna. Os direitos linguísticos propostos
por ele tratam inclusive do direito dos pais e professores de surdos e chama a

134
TÓPICO 3 | ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

atenção para os surdos bilíngues e para a comunicação entre surdos, bem como
destacam a possibilidade de realização de palestras e conferência em língua de
sinais.

Assim, os Direitos Linguísticos propostos por Matos (1984 apud CRISTINA,


2011, s. p.) são bastante abrangentes. Contudo, acrescentamos o direito de
aprender a escrita da língua de sinais e de ter acesso às metodologias específicas
para a aprendizagem de LP como L2. Isso porque acreditamos ser importante
incluirmos a escrita em língua de sinais pelos motivos já colocados em outras
seções deste livro didático, como a facilitação do acesso à modalidade escrita da
língua oral a partir do desenvolvimento de raciocínio linguístico relacionado
à representação escrita. Destacaria especificamente o desenvolvimento de
metodologias específicas para o ensino de LP como L2 na educação de surdos.

Direitos Linguísticos dos Surdos, propostos por Gomes de Matos em 1984

1. Direito à igualdade linguística. O surdo tem direito a ser tratado


linguisticamente com respeito e em condições de igualdade.
2. Direito à aquisição da linguagem. O surdo tem direito a adquirir sua língua
materna, a língua de sinais, mesmo que essa [a primeira língua a que foi
exposto] não seja a língua de sinais.
3. Direito de aprendizagem da língua materna. Todo surdo tem direito a ser
alfabetizado em tempo hábil e de se desenvolver linguisticamente, segundo
preconizado pela educação permanente.
4. Direito ao uso da língua materna. O surdo tem direito de usar sua língua
materna em caráter permanente.
5. Direito a fazer opções linguísticas. O surdo tem o direito de optar por uma
língua oral ou de sinais segundo suas necessidades comunicativas.
6. Direito à preservação e à defesa da língua materna. Como minoria linguística,
os surdos têm o direito de preservar e defender o uso da língua materna.
7. Direito ao enriquecimento e à valorização da língua materna. Todo surdo
tem direito de contribuir com o acervo lexical da língua materna e de valorizá-
la como instrumento de comunicação nos planos local (municipal, estadual,
regional, nacional) e internacional.
8. Direito à aquisição/aprendizagem de uma segunda língua. Todo surdo,
após sua escolarização inicial em língua de sinais, tem o direito de aprender
uma ou mais línguas (além da materna).
9. Direito à compreensão e à produção plena. O surdo tem direito de usar a
língua que mais lhe convier, oral ou de sinais, no intuito de compreender seu
interlocutor e de se fazer entender por ele. No caso do uso da língua oral, o
surdo tem direito de cometer lapsos, de se autocorrigir, de empenhar-se a fim
de ser claro, preciso e relevante. O mesmo deve valer para a língua de sinais.
10. Direito de receber tratamento especializado para distúrbios da
comunicação. Todo surdo tem o direito de reivindicar e de receber tratamento
especializado para a aquisição de uma língua oral (se assim desejar).
11. Direito linguístico da pessoa surda. "Direito de ser compreendida"
pelos pais; direito de receber dos pais dados linguísticos necessários para

135
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

seu desenvolvimento linguístico inicial (no período de aquisição da língua


materna). No caso de os pais serem ouvintes, estes devem dar aos filhos surdos
a possibilidade de mútua compreensão, aprendendo, tão logo descubram a
surdez dos filhos, a língua de sinais.
12. Direito linguístico dos pais de crianças surdas. Direito de aprender e usar
sem opressão a língua de sinais, canal natural de comunicação para o filho
surdo, para que possa comunicar-se com ela na vida diária e no período em
que a interação pais e filhos se faz necessária para a criança.
13. Direito linguístico do surdo aprendiz da língua oral. Direito de "errar"
oralmente ou por escrito sem ser punido, humilhado, por opções linguísticas
inadequadas; direito de ser sensibilizado contra os preconceitos e discriminações
de natureza linguística (ou sociolinguística).
14. Direito do professor surdo e de surdos. Direito de receber formação sobre
a natureza da língua de sinais, sua estrutura e seus usos e de ensinar nessa
língua, meio mais natural de comunicação com e/ ou entre os surdos.
15. Direito linguístico do surdo como indivíduo bilíngue. Direito de mudar
de uma língua para outra de acordo com a situação que se lhe apresente, desde
que assegure a compreensão da mensagem pelo ouvinte.
16. Direito linguístico do surdo como conferencista. Direito de proferir
palestras na língua de sinais, fazendo-se compreender e contando, para isso,
com intérpretes ouvintes que dominem sua língua de sinais e a língua oral
oficial da situação de um congresso, por exemplo.
17. Direito linguístico do surdo de se comunicar com outros surdos. Direito
de usar a língua de sinais para se integrar com os outros surdos, primeiro passo
para uma integração na sociedade como um todo.

CRISTINA, E. Direitos propostos por Gomes de Matos. Disponível em: http://


educaacaoespecial.blogspot.com/2011/05/direitos-linguisticos-dos-surdos.
html. Acesso em: 4 mar. 2019.

3 REPRESENTATIVIDADE LINGUÍSTICA
“Representatividade significa representar politicamente os interesses de
determinado grupo, classe social ou de um povo” (SIGNIFICADOS, 2014, s.p.). Dessa
maneira, a representatividade linguística é aquela em que o uso, divulgação e o
conhecimento de uma língua faz com que as representações, estereótipos e preconceitos
linguísticos vinculados a ela sejam modificados através de situações que permitem a
representação política de um povo através dela. Assim sendo, mexem com:

Os preconceitos raciais e sociais [linguísticos], por exemplo, jamais


estão manifestamente isolados, eles assentam num fundo de sistemas,
de raciocínio de linguagens, no tocante à natureza biológica e social do
homem, suas relações com o mundo. Esses sistemas são constantemente
interligados, comunicados entre gerações e classes, e os que são objeto
desses preconceitos veem-se mais ou menos coagidos a entrar no
molde preparado e a adotar uma atitude conformista (MOSCOVICI,
1978, p. 49 apud CROCHÍK, 1994, p. 188).

136
TÓPICO 3 | ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

A partir disso, podemos concluir que os preconceitos se assentam em


sistemas de significados que são mais complexos do que o conhecimento da língua,
pois estão vinculados ao raciocínio da linguagem e permeiam as representações
que, ao mesmo tempo, reforçam os preconceitos e reafirmam as representações
preconceituosas, fazendo com que as pessoas que sofrem com esses preconceitos
acabem sendo também representadas por um molde pré-definido socialmente.
Dito de outro modo, ao mesmo tempo que as representações dos “mudinhos” em
manifestações culturais demonstram os preconceitos linguísticos sobre os surdos
elas também criam um formato de surdez que acaba por ser reproduzido pela
sociedade ouvinte e surda, de modo que os surdos se sentem forçados em maior
ou menor grau a aceitar as visões preconceituosas sobre a sua forma de expressão
e a sua língua.

Para que exista uma mudança nesse ciclo em que perpetuam os preconceitos
linguísticos sobre a expressão dos surdos e a língua de sinais, é necessário que
as políticas públicas ampliem a representatividade linguística da Libras como
língua materna dos surdos. Pois, o reconhecimento social está relacionado à
presença da língua de sinais nas discussões sociais da comunidade, bem como
na difusão, divulgação e pesquisa sobre a Língua de Sinais que existem em maior
quantidade.

Os movimentos de inserção acadêmica, com a criação de Letras-Libras


(após a criação, ampliação das linhas de pesquisa, formação de professores e
intérpretes em ambientes acadêmicos, bem como a modificação do estereótipo
do surdo-mudo, que apenas faz mímicas através de diferentes manifestações
culturais que mostram a língua de sinais como forma de expressão do “povo
surdo” (STROBEL, 2009), tornam possível a mudança em relação aos modos de
representação, ao conhecimento e ao reconhecimento dos direitos linguísticos
dos surdos.

No caso do Brasil, desde a legislação que garantiu a Libras como uma das
línguas oficiais do país, bem como as políticas de inclusão que foram colocadas
em prática, cada vez mais existem momentos em que a língua brasileira de sinais
tem ganho destaque na mídia nacional. Alguns exemplos não acadêmicos da
inserção da língua de sinais em expressões e situações culturais:

• Em 2006, Humberto, da Turma da Mônica, que até então fazia apenas o som
de “Hum-hum”, começa a aprender a se comunicar em Libras, o link para a
história completa está disponível no site da imagem a seguir.

137
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

FIGURA 16 – TURMA DA MÔNICA – LIBRAS

FONTE: <https://culturasurda.files.wordpress.com/2016/01/turma-da-mc3b4nica-libras-2.jpg>.
Acesso em: 4 mar. 2019.

• Redação do Enem: em 2017, o tema da redação do Enem era “Desafios para


Formação Educacional de Surdos”. E fez com que muita gente se posicionasse,
opinasse e comentasse sobre.

• Min e as mãozinhas: primeiro desenho totalmente em Libras, apresenta Min


ensinando Libras para seus amigos e traz aspectos da cultura surda como a
campainha luminosa.

• “Um lugar silencioso”: filme de terror lançado em abril de 2018, no qual uma
família precisa manter silêncio absoluto para não ser atacada por uma entidade
que responde a partir do som, por isso, a família utiliza ASL para se comunicar.

• Destaque nas eleições de 2018: por várias vezes os intérpretes chamaram


atenção nas propagandas, debates e pronunciamento dos candidatos.

• Discurso de Michele Bolsonaro: invertendo a lógica de que o intérprete faz


a sinalização, durante a posse de Jair Bolsonaro, a primeira-dama, Michele
Bolsonaro, fez o discurso em Libras que foi traduzido pela intérprete.

138
TÓPICO 3 | ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

NOTA

Caso você não tenha visto a situação específica do discurso, recomendamos


o vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Yaq9BeTU4_Y>. Acesso em: 4
mar. 2019.

Todas essas situações são decorrentes de maior inserção das línguas de


sinais no Brasil e no mundo, esses exemplos de representatividade linguística
acadêmica e cultural fazem com que os indivíduos se reconheçam como
pertencentes a esse grupo linguístico e rompem com estereótipos delimitados
pelas manifestações preconceituosas anteriores.

4 EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA
A educação linguística faz referência “[...] ao conjunto de fatores
socioculturais que, durante toda a existência de um indivíduo, possibilitam-lhe
adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua língua materna, de/
sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os
demais sistemas semióticos (BAGNO; RANGEL, 2012, p. 233).

Assim sendo, a educação linguística tem como principal tarefa, de acordo


com Bagno e Rangel (2012 apud CORREIA, 2018, p. 18-19):

o letramento é a primeira das tarefas que cabem a um projeto de


Educação Linguística como uma concepção que ultrapassa a noção de
alfabetização porque o letramento coloca em jogo não apenas a mera
decodificação, mas também as práticas sociais que envolvem a leitura
e a escrita para a participação efetiva na sociedade letrada. Desta
forma, apresentam a compreensão da Educação Linguística como uma
demanda do contexto social “uma vez que a inserção na sociedade
letrada é requisito indispensável para a construção da cidadania e de
uma sociedade democrática” (BAGNO; RANGEL, 2012, p. 240) e os
processos de letramento como parte importante para uma proposta de
educação dentro da definição apresentada por eles (grifo nosso).

Assim sendo, o letramento é como forma de participação social é a


principal tarefa da educação linguística, porque envolve o desenvolvimento dos
aspectos sociais que envolvem a leitura e a escrita para uma participação cidadã
na sociedade letrada em que os surdos estão inseridos.

139
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

LEITURA COMPLEMENTAR

Letramento: os surdos, a escola e o cotidiano

Márcia de Oliveira Sales

RESUMO

O presente artigo apresenta reflexões sobre o processo de letramento escolar


de alunos surdos nas escolas inclusivas da rede pública estadual do estado
da Bahia. As questões e reflexões levantadas se deram a partir de um projeto
didático tendo como foco o ensino de leitura e escrita da Língua Portuguesa,
executado numa turma inclusiva de Educação de Jovens e Adultos (EJA), durante
o primeiro semestre de 2008. A fim de nortear as reflexões sobre letramento e
educação de surdos, utilizando-nos nos [sic] estudos de Freire (2011), Kleiman
(2008), Street (2010), Soares (2010), Sacks (2010), Sá (2006), entre outros. A
abordagem utilizada durante a execução do projeto didático foi de cunho
etnográfico, uma vez que durante a execução do projeto, observei, participei
como coordenadora pedagógica de todas as etapas e continuo acompanhando
as atividades desenvolvidas na unidade escolar.

Palavras-chave: letramento, inclusão, surdez, educação de surdos, língua materna.

[...]

3 RELATO DE EXPERIÊNCIA

3.1 DIAGNÓSTICANDO O PROBLEMA

O trabalho anunciado na introdução [As questões e reflexões levantadas se


deram a partir de um projeto didático tendo como foco o ensino, a leitura e a escrita
da Língua Portuguesa, executado numa turma inclusiva de Educação de Jovens
e Adultos (EJA) durante o primeiro semestre do ano de 2008 no Colégio Estadual
Ruy Barbosa], envolveu uma parte do corpo docente da escola que trabalhava
com EJA, a coordenação, três especialistas da Sala de Recursos Multifuncional
(SRM), além de pessoal de apoio e funcionários da secretaria escolar.

De início, a escola no turno noturno possuía 14 turmas de EJA, entre o eixo


IV (5ª e 6ª séries) e o eixo VII (3º ano do ensino médio). Em cada uma das turmas
havia uma quantidade de seis a sete alunos surdos incluídos entre os ouvintes.
Não havia intérpretes de Libras nas turmas, o que amenizava o problema era os
três especialistas, que se revezavam interpretando algumas aulas, pois tinham
conhecimento em LIBRAS.

Não havia trabalho de adaptação de material, nem de avaliações. Os


professores regentes desconheciam a LIBRAS e nunca haviam estudado sobre
educação de surdos.
140
TÓPICO 3 | ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

Primeiramente, foi realizada uma reunião com os especialistas da


(SRM) e a coordenação e nesse encontro descobrimos que os três, prof. Frederik
Moreira dos Santos, profa. Marta Gallo e profa. Letícia Damasceno eram novos
na escola, haviam chego há menos de seis meses, assim como a coordenadora,
profa. Márcia Sales. Então, foi feito o levantamento de problemas e possíveis
soluções que fossem viáveis diante da realidade da escola. Nesse momento,
a gestão foi convidada a participar, pois dependeríamos da ação desta para
conseguir realizar as mudanças planejadas. As ações planejadas foram: agrupar
os alunos surdos por série, pois assim reduziríamos a demanda de intérpretes.
Dessa forma, conseguimos diminuir a necessidade de 14 intérpretes em turmas
para apenas quatro intérpretes, sendo que tínhamos somente três especialistas.
Ainda necessitávamos de mais profissionais, mas, já podíamos atender melhor às
demandas dos alunos.

Depois, identificamos os professores que melhor interagiam com os surdos,


tentando alocá-los nessas turmas. Com essa ação, teríamos professores mais
sensíveis e abertos às proposições metodológicas para atender às necessidades
dos sujeitos que constituíam a sala de aula.

3.2 AÇÕES TRANSFORMADORAS INICIAIS

Na Semana Pedagógica, em fevereiro de 2008, começamos a fazer uma


pequena capacitação em Educação de Surdos, com a participação dos professores
e alguns funcionários. Dois dos especialistas, prof. Frederik e profa. Letícia, que
tinham mais conhecimento na área da surdez e educação de surdos, fizeram um
apanhado de práticas, conceitos, teorias e metodologias que colaboravam no
processo ensino-aprendizagem dos surdos.

Ao longo do ano letivo, essas práticas foram reforçadas em Atividades


Complementares. Uma das especialistas da SRM, a profa. Letícia, era também
formada em Letras e tinha conhecimento da metodologia para ensinar aos
surdos, português como segunda língua. A partir dessas ações, o trabalho com
os surdos foi tornando-se viável; o horário, local e material para que a professora
ministrasse o curso aos alunos foram adaptados, de forma que eles não fossem
prejudicados no horário normal de aulas.

3.3 O PROJETO RESTAURANTE

Por fim, nas aulas de LP, uma das professoras regente da unidade escolar,
profa. Laureci Ferreira, juntamente com a especialista da SRM, profa. Letícia,
fizeram um trabalho que priorizava o ensino da leitura e da escrita considerando
as práticas de letramentos, cultura e conhecimentos prévios sobre a língua
portuguesa dos alunos. De início, foram trabalhadas a identidade (nome, local
onde mora, trabalho, o que gosta de fazer, o que gosta de comer). Foi escolhido
então trabalhar com as comidas preferidas, daí foram priorizados os seguintes
gêneros textuais escritos: receitas culinárias das comidas preferidas pelos alunos,
as embalagens dos ingredientes que compunha a receita, cardápios, lista de

141
UNIDADE 2 | SURDEZ E LINGUAGEM

ingredientes, placas, cartazes convites, anotações a fim de ampliar as habilidades


de leitura e escrita. E o produto final se deu no auditório do colégio onde a direção
da época decorou o espaço como um restaurante. O objetivo era que os alunos
vivenciassem uma situação do cotidiano fora da escola, tanto como clientes
quanto como funcionários.

Nessa situação didática do restaurante, os alunos tiveram tarefas como


ler o cardápio, anotar os pedidos dos “clientes” (colegas e professores) e fazer o
pedido a uma funcionária e duas professoras que estavam atuando no momento
como responsáveis pela cozinha e depois servir ao “cliente”.

Todo esse trabalho foi desenvolvido com o acompanhamento do


especialista intérprete e da coordenação pedagógica. Cabe destacar que para
realização das atividades foi necessária a adaptação de material e criação de outros
para haver tanto a informação visual como a escrita. Tudo que foi trabalhado
partiu do visual, para a Libras e depois para a LP escrita.

Dessa forma conseguimos vários avanços. Os alunos conseguiram atribuir


sentido às palavras escritas. Localizavam informações nos textos, por exemplo,
a receita escrita e o ingrediente a ser usado. E, ao final da experiência, eles já
conseguiam escrever textos coerentes.

4 CONCLUSÃO

Desenvolver esse desafiante trabalho fez com que vários caminhos fossem
apontados, assim como também várias outras questões surgiram. A partir dessa
experiência, a SRM e a gestão do Colégio Estadual Ruy Barbosa conseguiram
junto à SEC/BA a contratação de intérpretes para as salas com alunos surdos.
Passamos a oferecer Curso de Libras para toda a comunidade escolar e também
ao público em geral; realizamos um Fórum para discutir a Surdez e a inserção
social, com palestrantes importantes nessa área; contratamos um instrutor surdo
para ministrar cursos de Libras e também para realizar aconselhamento com os
alunos surdos dentro de áreas como saúde, relacionamento, convivência, direitos
etc.

Apesar das conquistas, também há muitos entraves. Ainda não temos


professores bilíngues, mesmo a escola oferecendo cursos. Ainda há resistência
em relação ao uso da LIBRAS, desconfiança em relação ao trabalho do intérprete,
necessidade dos docentes compreenderem que a LP para os alunos surdos é uma
segunda língua, daí a incompreensão da necessidade de adaptação do material
utilizado nas salas de aula que tiver aluno surdo. Enfim, vários obstáculos ainda
a serem transpostos.

142
TÓPICO 3 | ESCRITA, LEITURA E CIDADANIA

Fica ainda o questionamento de como a escola pode colaborar com o


letramento do aluno surdo, uma vez que, apenas uma experiência exitosa não
garante o letramento escolar desses aprendizes. Precisamos de mais estudos, de
maior investigação sobre o letramento escolar de surdos, pois existem muitas
questões sem resposta ainda, como por exemplo: como ele ocorre em outras salas
inclusivas? E também fazer uma ponte com o cotidiano extraescolar dos alunos,
onde eles também convivem com a LP escrita. Saber como eles lidam com ela
nessas situações, de que forma e até que ponto o letramento escolar os ajuda nas
situações diárias de leitura e escrita.

Acreditamos que o papel do educador passa pelo de pesquisador à


medida que tentamos desatar os nós do processo de ensino e aprendizagem
dos nossos alunos. Para isso, além de conhecê-los, saber dos seus problemas
e das suas necessidades, precisamos buscar caminhos para melhor atender as
suas demandas. Porque não basta conhecer o que acontece, é necessário buscar
caminhos para resolver os entraves que dificultam a aprendizagem desses
discentes.

FONTE: <http://www.uel.br/projetos/iccal/pages/arquivos/ANAIS/IDENTIDADE/
LETRAMENTO%20%20OS%20SURDOS%20A%20ESCOLA%20E%20O%20COTIDIANO.pdf>.
Acesso em: 26 fev. 2019.

143
RESUMO DO TÓPICO 3

Resumo

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os direitos linguísticos estão relacionados às bases para o desenvolvimento das


reflexões referentes à educação e à representação linguística numa perspectiva
de ensino dos surdos.

• Os direitos linguísticos estão vinculados aos elementos, ao respeito, à língua


materna e ao seu uso em diferentes situações.

• A representatividade linguística é aquela em que o uso, divulgação e o


conhecimento de uma língua faz com que as representações, estereótipos
e preconceitos linguísticos vinculados a ela sejam modificados através de
situações que permitem a representação política de um povo através dela.

• A representatividade linguística faz com que os indivíduos se reconheçam


como pessoas diferentes dos estereótipos existentes.

• A representatividade linguística faz com que o indivíduo reflita sobre a sua


língua.

• O conjunto de políticas públicas e divulgação proporcionou uma maior


representatividade da Libras no Brasil e das línguas de sinais no mundo.

• A educação linguística é o conjunto de elementos socioculturais que permitem


que uma pessoa possa obter, ampliar e desenvolver o conhecimento de e sobre
a sua língua materna e as demais línguas.

144
AUTOATIVIDADE

1 Como você entende a relação entre língua materna e direitos linguísticos?

2 Em seu entendimento, como o discurso feito em Libras na posse


presidencial realizada em 1 de janeiro de 2019 está relacionado aos aspectos
de representação linguística da comunidade surda?

145
146
UNIDADE 3

AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E
ESCRITA DE SINAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apontar uma visão geral sobre os períodos de desenvolvimento da lin-


guagem em relação à aquisição de linguagem para as crianças surdas;
• identificar as peculiaridades do ensino de língua portuguesa como L2
para os surdos;
• debater a construção dos sistemas simbólicos de representação em rela-
ção ao desenvolvimento da linguagem;
• discutir aspectos de cognição e linguagem no contexto da aquisição de
desenvolvimento da linguagem;
• selecionar características sobre a aquisição e desenvolvimento de lingua-
gem da criança surda;
• relacionar as áreas dos estudos linguísticos ao registro escrito das línguas
de sinais através do sistema SW;
• assinalar questões referentes à etimologia das línguas de sinais;
• examinar exemplos de alfabetização em língua de sinais escrita através
do sistema SW;
• enumerar os principais registros da língua de sinais em dicionários;
• examinar a estrutura dos elementos linguísticos no registro da língua de
sinais pelo sistema SW;
• apresentar as bases estruturais para a leitura e escrita da língua de sinais
em SW.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

TÓPICO 2 – ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO DAS


LÍNGUAS DE SINAIS

TÓPICO 3 – LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

147
148
UNIDADE 3
TÓPICO 1

AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico discutiremos questões relevantes sobre os
aspectos de aquisição e desenvolvimento de linguagem. Esse estudo é importante
para que possamos entender a relevância da exposição precoce à Língua de
Sinais, os períodos e a idade crítica da aquisição da linguagem, as características
da aprendizagem de L1 e L2, em referência ao público surdo, e a relação entre
cognição e linguagem.

Entretanto, antes de iniciarmos essas discussões, é necessário delimitarmos


as principais perspectivas de estudo sobre aquisição de linguagem a fim de
saber qual a escolha teórica que norteará as discussões feitas neste tópico. Isso é
importante porque a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, assim como
todos os fenômenos observados pelos seres humanos, podem ser compreendidos
a partir de diferentes visões, sendo que cada uma dessas visões leva a diferentes
modos de interpretar o fenômeno em estudo. Ou seja, a aquisição da linguagem é
compreendida de diferentes modos e é preciso delimitar com clareza a qual deles
as interpretações que faremos neste tópico estão relacionadas.

2 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM

Aquisição da linguagem

149
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 1 – SINAL “AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM”

FONTE: A autora

Os estudos sobre a aquisição da linguagem estão relacionados ao


modo como as pessoas adquirem as competências ligadas aos processos de
representação e processamento linguístico, seja em língua oral, língua escrita ou
língua de sinais (CAPOVILLA et al., 2017). Dito de outro modo, os estudos sobre
aquisição da linguagem tentam definir de qual modo uma criança se apropria
das formas de interpretação da realidade mediadas pela linguagem, de modo a
entender e ser capaz de se manifestar através das mesmas formas de expressão
da qual é exposta.

De acordo com Quadros (1997), existem principalmente três abordagens


sobre aquisição da linguagem. A seguir, está sintetizado aquilo que a autora
destaca sobre cada uma das abordagens.

QUADRO 1 – ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM


Abordagem Pesquisador Compreensões
principal
Comportamentalista Skinner Valoriza aspectos que possam
(1957) ser observados e medidos do
comportamento.
Observa os estímulos ambientais que
ocorrem ao mesmo tempo ou antes
da resposta (comportamento verbal
específico) aparecer.
Ênfase na performance do falante.
A aquisição da linguagem é igual a de
outros comportamentos humanos.
A aquisição da linguagem acontece
através de: estímulo, reforço,
condicionamento, treino e imitação.
(Não natural - Imitação).

150
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Linguística Chomsky A linguagem tem uma estrutura


(1957) independente (em partes) do uso da
linguagem.
Aquisição da linguagem é um processo
de descoberta das regularidades das
normas da língua conhecidas pelos
usuários da língua.
Linguagem como característica
biológica humana em que o
ambiente tem um papel menor no
desenvolvimento.
Inatismo, existência de um dispositivo
inato que permite à criança acionar os
parâmetros específicos de sua língua
materna a partir dos dados a que está
exposta (Natural – Criatividade a partir
dos parâmetros).
Interacionista Cognitivista Piaget Semelhanças com a abordagem
linguística.
Estrutura interna como determinante
da aquisição da linguagem.
Linguagem: sistema simbólico
governado por regras.
Distinção competência/performance e
estrutura profunda/superficial.
Estuda o que existe de comum e
universal no desenvolvimento.
Considera que linguagem é
consequência do desenvolvimento
cognitivo não-linguístico.
Sociointeracionista Vygotsky Linguagem tem estrutura e regra
diferentes de outros comportamentos.
Ênfase no papel do ambiente na
produção da estrutura da linguagem.
Regras gramaticais desenvolvidas a
partir de associação e memorização no
contexto social.
Valorizam a linguagem dirigida
à criança (com objetivo de tornar
mais fácil o entendimento) como
determinante para a aquisição de
linguagem.
O ambiente linguístico é restringido
por fatores que favorecem a aquisição
da linguagem que dão para as crianças
as experiências linguísticas necessárias.
FONTE: Adaptado de Quadros (1997, grifos nossos)

As três vertentes apresentadas pela autora diferem, principalmente, em


relação ao modo como entendem a forma pela qual a linguagem é desenvolvida
pelos aprendizes, colocando maior ou menor influência do ambiente e do reforço
necessário para a aquisição dos processos que permitem a compreensão e uso da
linguagem para expressão própria.
151
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Nestes aspectos, as abordagens comportamentalista e linguística são


opostas, porque a primeira entende o processo de aquisição como decorrente de
algo externo e não natural, que necessita de reforço, estímulo, condicionamento,
treino e repetição. Já a abordagem linguística destaca o modo natural, regular,
biológico e inatista. Ou seja, a visão comportamentalista coloca o desenvolvimento
da linguagem como um processo não-natural e externamente motivado, já a
abordagem linguística compreende este processo como natural e ligado a uma
faculdade biologicamente vinculada aos seres humanos, ou seja, interna a eles.

A principal diferença entre as visões linguística e interacionista-


cognitivista é que a primeira abordagem coloca que o desenvolvimento da
linguagem está ligado ao desenvolvimento cognitivo de uma área do cérebro
especificamente ligada à linguagem. Já a perspectiva interacionista-cognitivista
coloca que a linguagem é consequência do desenvolvimento cognitivo não
especificamente linguístico. Ou seja, discordam sobre a existência de um processo
cognitivo estritamente responsável pelos processos vinculados à linguagem.

As principais diferenças entre as perspectivas linguística e


sociointeracionista são o entendimento diferente entre o papel do ambiente
linguístico especificamente adaptado para a criança e a ênfase no ambiente de
interação. Isso acontece porque a abordagem linguística não enfatiza a necessidade
de uma adaptação de linguagem específica para a criança e nem coloca o ambiente
em evidência, mas a visão sociointeracionista valoriza o ambiente para a produção
e estrutura da linguagem, bem como destaca o uso de uma linguagem específica
para as crianças em processo de aquisição da linguagem.

Ainda de acordo com Quadros (1997), as diferenças entre as abordagens


comportamentalista e linguística fizeram com que as pesquisas sobre aquisição
de linguagem deixassem de ser descritivas e passassem a tentar explicar como se
dá o processo de aquisição da linguagem, por isso, as perguntas que passaram a
direcionar o olhar dos pesquisadores da linguística foram as seguintes:

a) O que se conhece quando se tem uma língua?


b) Como se adquire esse conhecimento?
c) Como esse conhecimento é usado?
d) Como as propriedades da mente/cérebro ocorrem na mente humana?
e) Como essas propriedades realizam-se neurologicamente?

A primeira questão é central para a linguística. A questão b)


envolve os estudos de aquisição da linguagem. A terceira questão é
estudada pelas teorias da performance. As duas últimas questões são
consideradas mistérios (QUADROS, 1997, p. 69, grifos nossos).

Dessa maneira, a abordagem linguística se concentra em entender qual o


conhecimento envolvido para a apropriação de uma língua por parte do usuário
dela, ou seja, o que significa dizer que uma pessoa que se apropriou de uma
língua a ponto de ser reconhecido por outras pessoas fala português ou sinaliza
em Libras. Em relação à questão da aquisição, a abordagem linguística procura

152
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

entender como se adquire este conhecimento da língua. Dito em outras palavras,


a abordagem linguística procura entender o que significa dizer, por exemplo, que
uma pessoa sabe Libras, Português ou Francês e como este saber foi adquirido e
desenvolvido de modo que ela possa não apenas compreender as manifestações
da língua a que for exposta, mesmo quando estas são novas na forma, mas estão
de acordo com as regras da língua e, por isso, podem ser entendidas. Bem como
as pessoas que conhecem uma língua conseguem produzir novos enunciados a
partir das regras da língua adquiridas.

Neste material, assim como adotado por Quadros (1997), serão utilizadas
como base as compreensões apresentadas pela abordagem linguística, porque este
livro didático parte da premissa de que a aquisição da linguagem é possível para
os seres humanos devido a “[...] uma capacidade linguística mental geneticamente
determinada” (QUADROS, 1997, p. 69). E a compreensão de que a gramática e a
estrutura da linguagem são independentes, em partes, do uso da linguagem. Ou
seja, o ambiente e a interação social não são determinantes sobre os processos
de aquisição das regras e normas da língua, ou seja, das questões sobre as quais
a linguística se debruça ao tentar compreender como se dá o conhecimento da
linguagem.

3 PERÍODOS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM


O processo de aquisição da linguagem se desenvolve desde o nascimento
a partir da interação da criança com as pessoas e estímulos a sua volta. De acordo
do Quadros e Cruz (2011), este processo se dá de modo natural e espontâneo, ou
seja, não necessita de intervenções especificamente construídas com este objetivo,
isso porque:

Ela [a criança] experimenta a linguagem em cada momento de


interação, acionando a sua capacidade para a linguagem mediante
contato com a língua usada no ambiente. Qualquer criança adquire a
linguagem quando dispõe das oportunidades naturais de aquisição. No
caso das crianças surdas filhas de pais surdos, esse processo acontece
naturalmente na língua de sinais (QUADROS; CRUZ, 2011, p. 16)

Dessa maneira, o desenvolvimento da linguagem de crianças surdas


filhas de pais surdos se dá de modo semelhante ao das crianças ouvintes filhas de
pais ouvintes, pois a inserção do ambiente linguístico em que a língua de sinais
está sendo utilizada de modo pleno fará com que o processo de aquisição da
linguagem se desenvolva de modo natural.

A aquisição da linguagem é compreendida a partir de um conjunto de


etapas, tendo em vista o caráter de processo, ou seja, de algo que acontece em partes
possíveis de serem delimitadas e observadas por se tratar de um desenvolvimento
em estágios. Esses estágios do processo de aquisição da linguagem são aplicáveis
tanto para as línguas orais quanto para as Línguas de Sinais e foram sintetizados
por Quadros e Cruz (2011, p. 16) da seguinte maneira:

153
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

QUADRO 2 – PERÍODOS DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM


Idade Aquisição e desenvolvimento
Do 1º ao Emissão de sons guturais. Sorriso social. Choro com intenção
3º mês comunicativa. Emissão de vocalizações. Emissão de sons vocais e
consonantais. Murmúrios. Emissão de produção manual.
Do 4º ao Início do balbucio: escuta e joga com os próprios sons ou gestos e
6º mês trata de imitar os sons ou a produção manual emitidos pelos outros.
Do 7º ao Enriquecimento da linguagem infantil. Aparecimento das primeiras
9º mês sílabas orais ou manuais. Idade dos monossílabos (oral: “bo” pode
significar consistentemente “bola” e a configuração de mão aberta
no rosto pode significar de forma consistente “mãe”).
Do 10º ao Primeiras palavras em forma de sílabas duplas (“mama-papa”) e
12º mês de forma análoga sinais repetidos, compreendendo a entonação/a
expressão associada às frases que acompanha a sinalização.
Do 12º ao Sabe algumas. Compreende o significado de algumas frases habituais
18º mês do seu entorno. Acompanha sua fala com gestos e expressões.
Pode nomear imagens. Compreende e responde instruções. Seu
vocabulário compreende cerca de 50 palavras. Frases holofrásticas
(uma palavra pode representar uma frase completa).
Aos 2 Usa frases com mais de um elemento. Usa substantivos, verbos,
anos adjetivos e pronomes. Primeiras combinações substantivo-verbo e
substantivo-adjetivo. Uso frequente do “não”. Seu vocabulário varia
de 50 a algumas centenas de palavras.
Aos 3 Linguagem compreensível para estranhos. Usa orações. Começa a
anos diferenciar tempos e modos verbais. Idade das “perguntas”. Uso de
artigo e pronome. Inicia singular e plural. Há a chamada “explosão
de vocabulário”, ou seja, a criança incorpora ao seu dicionário mental
uma quantidade grande de palavras.
Aos 4 Melhora a construção gramatical e a conjugação verbal tanto na
anos língua falada como na língua de sinais. Usa elementos de ligação.
Joga com as palavras. Etapa do monólogo individual e coletivo (a
criança conversa com ela mesma usando sinais ou usando a fala).
Aos 5 Processo intelectual que conduz ao raciocínio. Compreende termos
anos que estabelecem comparações. Compreende contrários. É capaz
de estabelecer semelhanças e diferenças, noções espaciais etc.;
construção gramatical equivalente ao padrão do adulto. A partir
desta fase incrementa o léxico e o grau de abstração. Uso social da
linguagem.
Aos 6 Progressiva consolidação das noções corporal, especial e temporal.
anos Lectoescrita [habilidade de ser capaz de ler e escrever]. Aquisição
dos últimos aspetos da linguagem, ou seja, construção de estruturas
complexas de forma progressiva.
FONTE: Quadros e Cruz (2011, p. 16)

154
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

No Quadro 2 estão colocados os períodos de aquisição e quais as


características de cada uma das fases etárias em relação às características de
linguagem de cada uma delas. Nele, as autoras colocam como, aos poucos,
as crianças partem da emissão de sons guturais e a simples gesticulação de
reconhecimento dos espaços e das possibilidades. Dito de outro modo, a primeira
fase corresponde às experimentações de reconhecimento da voz e da realização
de gestos ainda sem relação específica à linguagem. Até a fase dos seis anos em
que as estruturas mais complexas da língua já são construídas pelas crianças.

Desse modo, o processo de aquisição da linguagem engloba desde as


primeiras experimentações até a realização de estruturas sintaticamente mais
complexas que demonstram que todos os níveis linguísticos foram incorporados
ao uso da linguagem como forma de significação e classificação da realidade.

Após este período não estaremos mais falando em aquisição da linguagem,


mas em desenvolvimentos específicos de leitura e escrita. Ou seja, a aquisição da
linguagem, na perspectiva da linguística de Chomsky apresentada por Quadros
e Cruz (2011), é um processo que se dá naturalmente e de modo não anterior ao
desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita.

Ainda sobre os períodos apresentados no Quadro 2, é importante destacar


que ele apresenta os períodos de aquisição da linguagem para as crianças em que
a modalidade de comunicação dos pais e delas é semelhante, quer dizer, crianças
ouvintes filhas de pais ouvintes e crianças surdas filhas de pais surdos. Contudo,
conforme Quadros e Cruz (2011, p. 17): “essas crianças [surdas filhas de pais
surdos] apresentam o privilégio de ter acesso a uma língua de sinais em iguais
condições que as crianças ouvintes têm a uma língua auditiva-oral; no entanto,
representam apenas 5% da população surda”.

Quer dizer, apenas uma pequena parcela da população surda tem acesso
precoce à língua de sinais desde a primeira infância e, por consequência, ao
processo de aquisição da linguagem. Isso ocorre não apenas pelo fato de serem
parte de uma família ouvinte, mas também pelas demais questões transversais de
diagnóstico precoce, saúde pública, aceitação social e luto familiar que permeiam
a descoberta e compreensão da surdez por parte dos pais e da comunidade em
que essa criança está inserida.

Desse modo, o processo de aquisição da linguagem para as crianças surdas


apresenta peculiaridades que, no Brasil, começaram a ser investigadas nos anos
de 1990 (QUADROS; CRUZ, 2011). Na próxima seção, serão discutidas algumas
das características do processo de aquisição da linguagem em relação às línguas
de sinais.

155
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

DICAS

FONTE: <http://shopfacil.vteximg.com.br/arquivos/ids/790759/Livro---Lingua-de-Sinais--
Instrumentos-de-Avaliacao-Com-DVD_0.jpg?v=635466781186600000>. Acesso em: 23
maio 2019.

Ronice Quadros e Carina Cruz (2011) apresentam no livro Língua de Sinais: instrumentos de
avaliação diferentes atividades, exercícios e elementos que, segundo as autoras, procuram
preencher a necessidade de avaliação do desenvolvimento da linguagem (compreensão
expressiva) em Língua Brasileira de Sinais no Brasil. O livro não apenas apresenta as bases
teóricas da discussão, mas inclui na íntegra o Instrumento de Avaliação da Língua de Sinais
(IALS), descreve a pesquisa feita com surdos de diferentes idades e mostra reflexões sobre
os resultados encontrados. Recomendamos a aquisição e leitura deste livro na íntegra, pois
as atividades estão completas e são muito interessantes para os profissionais (professores e
bacharéis) que trabalharão diretamente com o desenvolvimento, aquisição e tradução da
Língua Brasileira de Sinais.

4 CARACTERÍSTICAS DE AQUISIÇÃO DAS CRIANÇAS


SURDAS
Na seção anterior, foram apresentadas as etapas referentes à aquisição da
linguagem para as crianças ouvintes e, paralelamente, para as crianças surdas
filhas de pais surdos com acesso desde cedo ao input linguístico adequado
para o acesso ao desenvolvimento da língua de sinais. Nesta seção, portanto,
serão apresentadas algumas das características específicas das crianças surdas,
principalmente em relação ao desenvolvimento do estabelecimento nominal, do
sistema referência pronominal e da concordância verbal, porque esses são tópicos
fundamentais para o estabelecimento de relações no espaço (QUADROS, 1997).

• Período pré-linguístico (nascimento até mais ou menos 14 meses): neste


estágio, o balbucio ocorre com todos os bebês como resultado da faculdade
da linguagem, essa capacidade se manifesta tanto em relação aos sons quanto
em relação aos sinais. “Nos bebês surdos, foram detectadas duas formas de

156
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

balbucio manual: o balbucio silábico e a gesticulação. O balbucio silábico


apresenta combinações que fazem parte do sistema fonético das línguas
de sinais. Ao contrário, a gesticulação não apresenta organização interna”
(QUADROS, 1997, p. 70).

Ainda segundo a autora, até um certo estágio os bebês surdos e ouvintes


demonstram estes dois tipos de balbucio, porém, após determinado período, os
bebês surdos param com as vocalizações e os bebês ouvintes cessam as produções
manuais, isso ocorre porque “[...] o input favorece o desenvolvimento de um dos
modos de balbuciar” (QUADROS, 1997, p. 71).

Quer dizer, a maior exposição às produções na modalidade oral faz


com que os bebês surdos priorizem este modo de comunicação, já a maior
quantidade de acesso à língua de sinais faz com que os bebês surdos parem com
as vocalizações. Essa correspondência entre a sistemática do desenvolvimento do
balbucio entre bebês surdos e ouvintes sugere a existência de uma capacidade
linguística humana não dependente da modalidade da língua, seja oral-auditiva
ou espacial-visual (QUADROS, 1997).

NOTA

Segundo Quadros e Cruz (2011, p. 18): “Input significa entrada, neste caso, a
língua à qual a criança está tendo acesso, vendo ou ouvindo. Ou seja, o input linguístico
refere-se a todo conjunto de formas de entrada de informações através das quais o indivíduo
é exposto aos usos da linguagem.

• Estágio de um sinal (14 meses a mais ou menos 2 anos): neste estágio, a criança
faz referência às coisas através da apontação e da experimentação através do
toque, além disso, estabelece comunicação com brinquedos, animais e demais
objetos, também usa estratégias não verbais para que suas necessidades
pessoais sejam atendidas e para reagir às situações. Também nessa fase são
utilizados gestos que indicam a vontade de ser pega no colo ou de obter algum
objeto que queira e isso acontece tanto entre as crianças ouvintes quanto surdas
(QUADROS; CRUZ, 2011). Também nessa fase aparecem as primeiras produções
em língua de sinais e, inicialmente, aparece o uso de sinais congelados, ou seja,
sinais que não têm flexão, como o sinal de MÃE em ASL (Língua de Sinais
Americana) e PAI e MÃE em Libras na variante utilizada no Rio Grande do Sul
(QUADROS, 1997).

157
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 2 – MOTHER (MÃE) SINAL ASL

FONTE: A autora

FIGURA 3 – MÃE SINAL LIBRAS RS

FONTE: A autora

FIGURA 4 – PAI SINAL LIBRAS RS

FONTE: A autora

158
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

TURO S
ESTUDOS FU

Observe que as fotos e a escrita de sinais parecem espelhadas, isso acontece


porque a perspectiva da foto e a do sistema de escrita SignWriting é diferente, no último
tópico desta unidade serão discutidos os aspectos de referentes ao modo de registro e
perspectiva para anotação em escrita de sinais.

Assim, as formas congeladas são aquelas que não apresentam mais


configurações de mão para a formação dos sinais, quando a criança tenta utilizar
formas que apresentam flexões no padrão adulto, ela simplifica o sinal e utiliza
apenas parte do sinal como se fosse o sinal todo.

Do mesmo modo que as crianças ouvintes utilizam partes das palavras ou


não fazem a concordância flexional, por exemplo, minha sobrinha ao dizer “meu”
para todos os objetos que ela entendia como pertencentes a ela, seja uma boneca,
uma caneca ou a avó. Desse modo, ela entendia a palavra como uma forma fixa
única não variável.

Gradualmente, a criança surda passa a não utilizar mais a apontação


frequente para indicação em contextos expontâneos de expressão de desejos,
porque, segundo Petitto (1987 apud QUADROS, 1997), neste período ocorre uma
reorganização básica em que a apotação vai gradualmente desaparecendo dos
contextos expontâneos e passa a ser percebida como um elemento linguístico
pronominal, ou seja, como parte do sistema gramatical das línguas de sinais.

• Estágio das primeiras combinações (aproximadamente entre 2 e 3 anos):


de acordo com Quadros (1997), nesta fase as crianças começam a realizar as
primeiras combinações entre sinais e experimentam as combinações já levando
em conta algumas das restrições de combinação dos sinais, a ordem utilizada
neste período é: sujeito-verbo, verbo-objeto ou, no final deste período, sujeito-
verbo-objeto.

A ordem de sinalização das palavras é feita como modo de organizar as


relações gramaticais, porém ainda não são feitas as concordâncias espacialmente
constituídas que indicam a organização sintática das sentenças, isso ocorre
porque a utilização do sistema pronominal ainda se dá de modo inconsistente e
sem regularidade.

159
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

A autora ainda chama a atenção para as pesquisas que indicam um


desenvolvimento do sistema pronominal de modo análogo entre as
crianças surdas e ouvintes com inadequações do uso das pessoas,
como a apontação para o interlocutor ao fazer referência a elas
mesmas, assim, como as crianças ouvintes também cometem este tipo
de inadequação para fazerem referência a elas mesmas utilizando
pronomes de modo equivocado. Desse modo, “as semelhanças na
aquisição do sistema pronominal entre crianças surdas e ouvintes
sugerem um processo universal de aquisição de pronomes, apesar da
diferença radical de modalidade” (QUADROS, 1997, p. 73).

• Estágio de múltiplas combinações (entre os 3 e os 6 anos): neste período a


criança apresenta uma ampliação substancial em seu vocabulário, inclusive com
a diferenciação entre sinais derivados, como CADEIRA e SENTAR, fazendo a
diferença entre nomes e verbos, por volta dos cinco anos, ela já apresenta um
domínio completo das estruturas morfológicas da língua.

Pizzio e Quadros (2011) chamam a atenção para pesquisas que relatam


sobre as generalizações semelhantes às feitas pelas crianças ouvintes em relação
ao sistema verbal, em que o sistema de referência pronominal ainda não está
plenamente assimilado, dando como exemplo as situações nas quais as crianças
ouvintes produzem sentenças em que os verbos formam generalizados a partir de
regularidades da língua como em “fazi”, “gosti” e “sabo”. Em relação às crianças
surdas, essas inconsistências de uso ficam aparentes nas relações pronominais
não claramente delimitadas, a sentença (1) a seguir foi retirada de Quadros (1997,
p. 77):

(1a) CARRO aIRb CASAb


(1b) (Elea) foi de carro para casa.

FIGURA 5 – SINALIZAÇÃO DA SENTENÇA (1A) CARRO aIRb CASAb

FONTE: A autora

160
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

FIGURA 6 – SINALIZAÇÃO DA SENTENÇA (1B) (ELEA) FOI DE CARRO PARA CASA

FONTE: A autora

FIGURA 7 – SENTENÇA (1A) SENTIDO DA LEITURA FIGURA 8 – SENTENÇA (1B)


(ELEa) FOI DE CARRO PARA
CASA (SW)

FONTE: A autora

Quadros (1997) destaca que nessa sentença a criança, nomeada como “L”
pela autora, não identificou o sujeito nulo, ou seja, não estabeleceu a referência
pronominal no espaço, por isso, não é possível saber quem realizou a ação
definida pelo verbo. Através do uso de índices, podemos ver que o verbo “ir”
tem duas posições a serem ocupadas: (a) referente ao sujeito e (b) ao objeto. Na
transcrição da frase em Libras (1a), vê-se que apenas a posição (b) foi ocupada
pelo sinal de “casa”, mas a posição (a) não teve referente aparente, ou seja, não
teve um sujeito sinalizado. Na comparação entre as sentenças escritas em SW
(Figuras 7 e 8) fica evidente a não delimitação do pronome no espaço em (1a) e a
delimitação em (1b).

161
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Para demonstrar como acontece o desenvolvimento da linguagem dentro


do período de múltiplas combinações, Quadros (1997) apresenta, em forma de
quadro, as conclusões sobre indexação e estrutura pronominal feitas por Loew
(1980 apud QUADROS, 1997, p. 76), , delimitadas em quatro períodos que
compreendem um espaço de tempo de anos e meses.

QUADRO 3 – AQUISIÇÃO DA INDEXAÇÃO E DA ESTRUTURA ESPACIAL


Períodos I (3:1 - 3:4) II (3:6 – 3:11) III (4:0 – 4:4) IV (4:6 – 4:9)
Indexação Infrequente. Uso Pouca Uso de múltiplos Uso frequente e
incorreto das consistência no pontos espaciais. consistente. Os
formas de citação. uso de indexação. Há o uso da pontos espaciais
Não há evidência Às vezes, um concordância apresentam
de identidade ponto no espaço verbal, mas identidade,
dos pontos é usado para evidenciam-se embora ainda
espaciais. Uso referência de um inconsistências haja confusões
da concordância único referente com os pontos ao usá-los.
verbal com durante o estabelecidos.
referentes discurso.
presentes.
Estrutura Estabelecimento Estabelecimento Estabelecimento Estabelecimento
espacial de locais não ocasional de de locais mais frequente de
é claro; não há locais; não há frequentes, mas locais. Uso do
evidências de evidências de ainda com função ponto espacial
organização organização contrativa. de forma mais
espacial. A espacial. Os consistente com
indexação não é pontos são a indexação.
usada com pontos estabelecidos
no espaço. para contrastar,
não para
identificar o
referente.
FONTE: Quadros (1997, p. 76)

Desse modo, o desenvolvimento do sistema pronominal de indexação


inicia-se aproximadamente aos três anos de idade, ainda sem identificação dos
pontos espaciais de indexação e se estabelece de modo mais consistente em torno
dos cinco anos de idade.

Tendo isso em vista, Quadros (1997), baseada nos estudos realizados


por Bellugi e Petitto (1988), destaca que, com a análise das descobertas sobre a
aquisição da linguagem, são delimitados os seguintes aspectos sobre aquilo que
o uso do espaço de uso linguístico deve incluir:

(a) a informação quanto às diferenças generalizadas do local de


sinalização;
(b) o estabelecimento explícito dos nominais em pontos espaciais
diferentes;
(c) a identificação do local espacial de forma consistente;
(d) a utilização do local espacial em frases e no discurso de maneira
contrastante (QUADROS, 1997, p. 79).

162
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

A partir destes aspectos, Quadros (1997) destaca que as crianças surdas


que forem expostas ao input linguístico precocemente, desenvolverão a língua
de sinais de modo semelhante às crianças ouvintes, inclusive em relação às
construções pronominais destacadas nesta seção.

5 A IDADE CRÍTICA DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM


As discussões sobre a idade crítica para a aquisição da linguagem estão
relacionadas aos estudos sobre a existência de um período em que o input
linguístico seria melhor assimilado e traria uma habilidade mais apurada no
uso da língua para compreensão e produção de significado. Nas discussões
sobre surdez, as questões sobre aquisição da linguagem e período crítico são
importantes devido às características específicas de aquisição para as crianças
surdas.

Tendo isso em vista, Pizzio e Quadros (2011) colocam que em relação às


línguas de sinais, muitas pesquisas se dedicaram ao estudo da “aquisição” tardia,
ou seja, aquela que inicia após o período proposto por Lennemberg (1967 apud
PIZZIO; QUADROS, 2011) a linguagem é inata, este período se inicia aos dois
anos e termina na puberdade por volta dos 14 anos.

Esse período é chamado de crítico porque seria aquele mais sensível


à aquisição da linguagem. O autor [Lennemberg (1967)] analisa
biologicamente este período concluindo que o cérebro humano
inicialmente tem representação bilateral das funções da linguagem e,
mediante o processo de aquisição, na puberdade apenas um hemisfério
se torna mais dominante em relação às funções da linguagem
completando o período de aquisição da linguagem. Caso a criança não
adquira linguagem nesse período, seu desenvolvimento linguístico
será prejudicado (PIZZIO; QUADROS, 2011, p. 46, grifos nossos).

Assim sendo, as autoras destacam que o período crítico está relacionado


com um momento em que o cérebro está mais “aberto” para a aquisição e
desenvolvimento da linguagem e quando esse período termina a aquisição da
linguagem se torna mais difícil e traz consequências para o uso da língua, não
impossibilitando a aprendizagem, mas dificultando. “Nesse sentido, o período
crítico pode ser entendido como o ‘pico’ do processo de aquisição da linguagem.
Isso não significa que não possa haver aquisição em outros períodos da vida”
(PIZZIO; QUADROS, 2011, p. 46).

As pesquisas feitas nos últimos anos sobre aquisição da língua de sinais


destacam que o aprendizado para as crianças surdas filhas de pais surdos é
equivalente ao desenvolvimento das línguas orais para as crianças ouvintes em
vários sentidos, contudo, as crianças surdas filhas de pais ouvintes nem sempre
recebem o input linguístico adequado para que seu desenvolvimento linguístico
aconteça de maneira que o processo de aquisição possa ser analisado em paralelo
às crianças ouvintes (QUADROS, 1997).

163
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

A partir das possibilidades que os estudos sobre o período crítico trazem


para os estudos de surdez e linguagem, Pizzio e Quadros (2011) comentam que:

Os estudos relacionados com o período crítico possibilitaram uma


análise do impacto do input no desenvolvimento da linguagem nos
sujeitos surdos, filhos de pais ouvintes. Foi observado que os sujeitos
expostos à língua de sinais brasileira mais cedo e com input consistente
e prolongado apresentam um processo de aquisição da linguagem
na língua de sinais normal; por outro lado, os sujeitos expostos
tardiamente, mesmo diante de um input consistente e prolongado,
apresentam alguns desvios na consolidação da linguagem. Isso
favorece a hipótese do período sensível para a aquisição da linguagem,
reforçando que as crianças necessariamente são dotadas de uma
base inata que guia o processo de aquisição da linguagem (PIZZIO;
QUADROS, 2011, p. 61).

Portanto, dentro dos estudos sobre surdez, as análises sobre o período


crítico são importantes para compreender as diferentes configurações e
experiências que a maioria das crianças surdas têm, pois apenas uma pequena
parcela da população surda nasce em famílias surdas. Logo, não são expostas
precocemente ao input linguístico das línguas de sinais. Ou seja, não são expostas
aos processos que proporcionarão a aquisição e o desenvolvimento da linguagem
dentro do período crítico de aprendizagem.

Segundo Santana (2007), as discussões sobre aquisição da linguagem em


relação à surdez são interessantes para os estudos sobre idade crítica, tendo em
vista que a maioria das crianças “[...] surdas é filha de pais ouvintes e adquiriu a
língua de sinais e/ou a fala em idade tardia” (SANTANA, 2007, p. 69). A autora
destaca que muitos autores fazem testes de desempenho que não medem as
reais possibilidades do uso da língua sem utilizarem aspectos pragmáticos e
discursivos na elaboração deles, mas medindo aspectos, formas e metalinguísticas
que não mensuram aspectos de reais usos da língua. O que não é adequado,
pois “aprender uma língua não significa ser ‘eficiente’ em determinadas tarefas
metalinguísticas (soletrar, traduzir, completar enunciados, dentre outros). Não se
pode também fazer uma ligação direta com a idade sem considerar as interações
sociais vivenciadas pelos surdos [...]” (SANTANA, 2007, p. 69).

Dessa maneira, são necessárias testagens que levem em consideração a
necessidade de inserção dos surdos nos contextos linguísticos o mais precocemente
possível, mas que também compreendam as características de aquisição que levam
a maioria dos surdos a uma inserção social ineficiente em relação à aquisição
plena da língua de sinais, pois os pais ouvintes utilizam a língua de sinais como
L2 e as crianças surdas têm a língua de sinais como L1. Além disso, o diagnóstico
de surdez, por vezes, demora para ser dado e aceito pela família ouvinte, o que
acarreta atraso na inserção de um contexto linguístico adequado à possibilidade
de input visual do qual o surdo necessita.

164
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Na abordagem feita por Cruz e Quadros (2011), as autoras destacam ser


necessário que:

“[...] os profissionais envolvidos no diagnóstico e na intervenção


terapêutica com crianças surdas considerem a língua de sinais como
uma possibilidade real para a aquisição normal da linguagem, mesmo
que a língua oral seja indicada (como segunda língua), pois o processo
normal de aquisição da linguagem contribui para que a criança surda
cresça incluída em sua família e para que tenha as oportunidades de
aprendizagem que a criança ouvinte tem (CRUZ; QUADROS, 2011,
p. 35).

Por consequência, as autoras destacam, mais uma vez, a importância da


inserção precoce no contexto linguístico da língua de sinais como forma de incluir
o surdo na família e nas possibilidades de aprendizagem que uma criança ouvinte
tem. Sendo importante a aquisição da L1, no caso, língua de sinais, adequada
com relação às características específicas das pessoas surdas, mas também para
o desenvolvimento do processo de aquisição da linguagem que possibilita a
aprendizagem da tecnologia da escrita e, também ao acesso da LP como L2 para
os surdos. Isso acontece pois, caso o input linguístico não seja fornecido durante
o período crítico de aprendizagem não quer dizer que a pessoa não conseguirá
aprender, mas que ela poderá não desenvolver todas as especificidades da língua.

6 AQUISIÇÃO DE L2
Os estudos sobre a L2, na perspectiva dos estudos sobre surdez, são
importantes devido à inserção da comunidade surda em uma sociedade ouvinte
em que a língua majoritária não é a língua de sinais, mas a língua oral-auditiva
mais utilizada no país. Não apenas os surdos estão neste contexto, também
existem comunidades de imigrantes que vivem situações semelhantes. Contudo,
fora em casos muito específicos e pouco comuns, os surdos sempre necessitarão
aprender mais de uma língua: a língua de sinais como L1 e a língua majoritária
como L2.

Em relação ao desenvolvimento dos estudos sobre aquisição de segunda
língua, Quadros (1997) destaca que eles desenvolveram-se motivados por três
fatores básicos:

(a) os estudos desenvolvidos sobre aquisição da primeira língua;


(b) os conflitos teóricos entre as abordagens sobre a aquisição da
linguagem e
(c) o amadurecimento e desenvolvimento das pesquisas sobre AL2
[Aquisição de Língua 2] (QUADROS, 1997, p. 69).

Dessa maneira, as pesquisas sobre aquisição de L2 foram desenvolvidas a


partir dos estudos sobre a aquisição de L1, a partir da premissa de que se existe
uma L1, aquela primeira a que se foi exposto, então quais as características das
línguas que são aprendidas depois desta e quais as características de aquisição
desta L2 com a qual o indivíduo teve contato?
165
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Ainda de acordo com Quadros (1997), existem, basicamente, três contextos


de aquisição de L2:

a) a aquisição ao mesmo tempo de uma de L1 e L2, como em situações em que em


casa é utilizada uma língua diferente da língua do país;
b) aquisição espontânea de uma L2 sem ser ao mesmo tempo que a L1, como em
casos de imigração em que é necessário passar a utilizar uma língua diferente
daquela do país de origem;
c) aquisição de L2 de modo sistemático, situações em que a criança é exposta a uma
L1 de modo espontâneo e natural e a L2 é apresentada de modo sistemático,
em ambientes artificiais e metodologicamente organizados.

Para a autora, devido à diferença de modalidade entre as línguas de


sinais (L1) e as línguas orais compreendidas como L2 para os indivíduos
surdos, paras as crianças surdas, os dois primeiros contextos de aquisição da L2
são aparentemente inviáveis. Isso acontece porque a diferença de modalidade
e a impossibilidade da aprendizagem auditiva de uma língua oral-auditiva
inviabilizariam a aprendizagem da modalidade escrita da L2 antes do período
de escolarização, ou seja, do período em que a aprendizagem é feita de modo
sistemático e organizado através de uma metodologia específica que leve em
consideração as características do indivíduo surdo.

Ainda de acordo com Quadros (1997), é de extrema importância para a


aprendizagem da L2 a aquisição da L1 ter sido feita dentro do período crítico
de aprendizagem (dos dois aos 14 anos aproximadamente), pois a aquisição dos
parâmetros de uma língua dentro do período de aquisição da linguagem faz com
que a pessoa tenha fixado as formas de acesso ao conhecimento linguístico. De
acordo com Quadros (1997, p. 85):

Scliar-Cabral [1988] observa que a não-exposição a uma língua, no caso


a língua nativa [língua materna, L1], no período natural da aquisição
da linguagem, causa danos irreparáveis e irreversíveis à organização
psicossocial de um indivíduo. O mesmo não ocorre com a aquisição
de uma L2. Uma pessoa que chega a um país em que fale outra língua
não corre o risco de ter danos irreversíveis em relação ao mecanismo
da linguagem. Apenas de não conhecer a língua do país, ela já possui o
domínio da língua que lhe garante o funcionamento desse mecanismo.
Então, no caso da comunidade surda, a L1 é essencial – as crianças
surdas precisam ter acesso a uma língua de sinais para garantir o
desenvolvimento da linguagem e, consequentemente, do pensamento
– e a L2 é necessária – as crianças precisam fazer valer os seus direitos
diante da sociedade ouvinte.

Desta maneira, a aquisição da LP como L2 em sua modalidade escrita


para os indivíduos surdos depende da aquisição da língua de sinais como L1,
preferencialmente, durante o período crítico de aquisição da linguagem. Isso
acontece porque apenas com a aquisição plena dos parâmetros, estrutura,
organização e todas as partes que compõem o conhecimento de uma língua
(fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática) é que a possibilidade
de aprendizagem plena de uma L2 torna-se possível. Dito de outro modo, a
166
TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

aprendizagem da L2 está vinculada aos conhecimentos linguísticos da L1, pois


uma vez que a mente adquiriu e desenvolveu a capacidade inata da linguagem,
esse conhecimento serve como base comparativa para a aprendizagem de outras
línguas.

Isso quer dizer que as comunicações feitas através de modos não
estruturados como uma língua, por exemplo, sinais caseiros, apontação, gestos
e oralização, não significam a aprendizagem da língua de sinais, mas de uma
forma rudimentar de comunicação não baseada nos parâmetros de uma língua.
Desse modo, a aprendizagem da L2 está vinculada à aprendizagem de uma L1
que deve ser feita o mais precocemente possível para a garantia de aquisição da
linguagem e dos parâmetros das línguas.

UNI

Você sabia que existe uma cidade em que a maioria da população utiliza a
língua de sinais local para a comunicação?
Segundo Mark Eveleigh, jornalista da BBC travel, a cidade de Bengkala, um pequeno vilarejo
ao norte de Bali (uma das principais ilhas da Indonésia), teve durante muitos anos uma
taxa extremamente grande de nascimento de pessoas surdas e isso fez com que a maioria
das pessoas da cidade de três mil habitantes, atualmente, precisasse aprender a língua
Kata Kolok nome que significa, literalmente, “conversa de surdo”. Segundo Eveleigh (2019):
“se comparados aos surdos de outros lugares, os koloks de Bengkala são relativamente
privilegiados. Eles são capazes de se comunicar com grande parte das pessoas da vila
de 3 mil pessoas”. O artigo completo traz informações interessantes sobre o cotidiano da
comunidade e alguns aspectos sobre os sinais utilizados. De acordo com o autor e como é
esperado em relação às línguas que se desenvolvem de modo natural, “a kata kolok evoluiu
naturalmente e está constantemente recebendo novos sinais” (EVELEIGH, 2019, s.p.). Na foto
a seguir, é interessante notar os elementos de configuração de mão, expressão facial e ideia
de movimento que caracterizam as línguas de sinais.

Recomendo a leitura na íntegra: A cidade onde a maioria da população usa linguagem de


sinais, de Mark Eveleigh.

FONTE: EVELEIGH, M. A cidade onde a maioria da população usa linguagem de sinais. 2019.
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/revista-47615587. Acesso em: 24 maio
2019.

167
RESUMO DO TÓPICO 1

RESUMO

FIGURA 9 – SINAL DE RESUMO

FONTE: A autora

Neste tópico, você aprendeu que:

• A aquisição e o desenvolvimento da linguagem podem ser compreendidos a


partir de diferentes visões.

• Existem três abordagens sobre a aquisição de linguagem: comportamentalista,


linguística e interacionista (QUADROS,1997).

• As abordagens sobre aquisição de linguagem diferem em relação à forma como


a aquisição da linguagem é desenvolvida pelos aprendizes.

• A abordagem comportamentalista entende o processo de aquisição como


decorrente de algo externo e não natural.

• A abordagem linguística entende o processo de aquisição como algo natural,


vinculado aos seres humanos.

• A abordagem linguística se concentra em entender o conhecimento envolvido


para a apropriação de uma língua.

• O processo de aquisição da linguagem, para a abordagem linguística,


desenvolve-se desde o nascimento, de modo natural e espontâneo.

• Apenas uma pequena parcela da população surda tem acesso precoce à língua
de sinais desde a primeira infância.

168
• Input linguístico refere-se a todo conjunto de formas de entrada de informações
às quais o indivíduo é exposto.

• O período mais sensível para a aquisição da linguagem se dá entre os dois e os


14 anos (LENNEMBERG, 1967 apud PIZZIO; QUADROS, 2011).

• Os estudos sobre L2, na perspectiva dos estudos sobre surdez, são importantes
devido à inserção da comunidade surda em uma sociedade ouvinte em que
a língua majoritária não é a língua de sinais, mas a língua oral-auditiva mais
utilizada no país.

• Existem, basicamente, três contextos de aquisição de L2: a) a aquisição ao


mesmo tempo de uma de L1 e L2; b) aquisição espontânea de uma L2 sem ser ao
mesmo tempo que a L1 e c) aquisição de L2 de modo sistemático (QUADROS,
1997).

• É de extrema importância para a aprendizagem da L2 a aquisição da L1 ter


sido feita dentro do período crítico de aprendizagem (QUADROS, 1997).

• A aquisição dos parâmetros de uma língua dentro do período de aquisição


da linguagem faz com que a pessoa tenha fixado as formas de acesso ao
conhecimento linguístico.

• A aquisição da LP como L2 em sua modalidade escrita para os indivíduos


surdos depende da aquisição da língua de sinais como L1, preferencialmente,
durante o período crítico de aquisição da linguagem.

• Apenas com a aquisição plena dos parâmetros, estrutura, organização e todas


as partes que compõem o conhecimento de uma língua (fonologia, morfologia,
sintaxe, semântica e pragmática) é que a possibilidade de aprendizagem plena
de uma L2 será possível.

169
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com Quadros (1997), existem diferentes abordagens sobre


aquisição de linguagem. Relacione, de forma correta, Coluna I – Tipo de
abordagem, à Coluna II – Nome de seus principais pesquisadores:

COLUNA I COLUNA II
(1) Comportamentalista. ( ) Piaget.
(2) Linguística. ( ) Skinner.
(3) Interacionista. ( ) Vygotsky.
(4) Cognitivista. ( ) Chomsky.
(5) Sociointeracionista. ( ) Piaget e Vygotsky.

Marque a alternativa que apresenta a correta numeração da Coluna II:


a) ( ) 4, 1, 5, 2 e 3.
b) ( ) 3, 2, 5, 1 e 4.
c) ( ) 3, 1, 4, 2 e 5.
d) ( ) 3, 1, 5, 2 e 4.
e) ( ) 4, 1, 5, 3 e 2.

2 Quadros (1997), baseada nos estudos realizados por Bellugi e Petitto (1988),
destaca que com a análise das descobertas sobre a aquisição da linguagem,
são delimitados os seguintes aspectos sobre aquilo que o uso do espaço de
uso linguístico deve incluir:

I- A informação quanto às diferenças generalizadas do local de sinalização.


II- O estabelecimento explícito dos nominais em pontos espaciais diferentes.
III- A identificação do local espacial de forma consistente.
IV- A utilização do local espacial em frases sem discurso de maneira
contrastante.
V- A utilização do local espacial em frases e no discurso de maneira
contrastante.

Dentre estas afirmações, quais estão corretas?


a) ( ) Apenas I, II, III e IV.
b) ( ) Apenas I, II, III e V.
c) ( ) Apenas II, III, IV e V.
d) ( ) Apenas I, III, IV e V.
e) ( ) Apenas I, II, IV e V.

3 Como você compreende o processo de aquisição da linguagem a partir do


que a abordagem linguística se concentra?

4 Tendo em vista que apenas uma pequena parcela da população surda tem
acesso precoce à língua de sinais desde a infânica, explique o que você
entendeu sobre input linguístico e sua relação com a fase mais sensível para
aquisição da linguagem.
170
UNIDADE 3
TÓPICO 2

AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO


DAS LÍNGUAS DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
As pesquisas dentro dos estudos linguísticos são divididas em cinco
áreas básicas de análise do fenômeno da língua, são elas: a fonética/fonologia,
a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática. Cada uma dessas áreas
estuda uma parte do fenômeno linguístico envolvido no uso das línguas, dessa
maneira as questões discutidas são muito importantes também na compreensão
de como as línguas são diferentes e, ao mesmo tempo, tem semelhanças que
estão relacionadas aos aspectos linguísticos e aos “Princípios ou ‘Leis’, que são
constantes usadas em todas as línguas, contendo os Parâmetros ou ‘Leis’ que tem
representações nas línguas em que se encontrem, ocasionando divergências entre
as línguas e a transformação dentro de uma mesma língua” (SOUSA; PAIVA,
2019, p. 1).

Neste tópico são abordadas as características de cada uma das áreas dos
estudos linguísticos e algumas das sistematizações utilizadas pelo SignWriting
para a representação de aspectos relacionados a essas diferentes áreas de estudo
nas quais a linguística é dividida. Desta forma, o objetivo deste tópico é delimitar
conceitualmente cada uma dessas áreas de estudo e exemplificar como o sistema
SignWriting é utilizado para a escrita a partir da visão dessas diferentes áreas.

O estudo das áreas de análise linguística está organizado de modo crescente
com relação a sua contribuição para a construção de sentido e de uso da língua,
por isso, é iniciado com a fonética/fonologia, a menor parte de constituição do
sinal; e termina com a pragmática, o uso da língua de sinais escrita em situações
concretas de uso da língua.

171
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

DICAS

O filme A chegada, de Denis Villeneuve, é um dos longas mais interessantes


sobre o contato entre diferentes linguagens/línguas e como esses modos estão relacionados
a diferentes percepções da realidade. Além disso, as questões discutidas no filme são muito
importantes também na compreensão de como as línguas são diferentes e, ao mesmo
tempo, têm semelhanças relacionadas aos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos,
semânticos e pragmáticos. Segundo Furtado (2019):

Também conhecido como o paraíso dos linguistas, A Chegada, ficção


científica de Denis Villeneuve, parte de uma muito profunda análise
dos idiomas humanos para construir um comentário sobre a própria
humanidade em si. Como as palavras fazem com que nos relacionemos
e, mais, nos distanciemos uns dos outros? Como a linguagem
pode construir realidades diferentes? Estas são apenas algumas das
importantes questões perseguidas pela Dra. Louise Banks (Amy Adams),
chamada às pressas pelos militares dos Estados Unidos para investigar e
tentar estabelecer contato com uma dupla de alienígenas que pousou
na Terra. Falado parcialmente no idioma dos aliens, A Chegada traz
questionamentos importantes sobre a ideia de tempo e de conexão
humana sem nunca perder o entretenimento de vista.

FONTE: <https://images.livrariasaraiva.com.br/imagemnet/imagem.aspx/?pro_
id=9416664&qld=90&l=430&a=-1=1003585593>. Acesso em: 24 maio 2019.

2 FONÉTICA/FONOLOGIA
Segundo Quadros e Karnopp (2004), a fonética é a área da linguística que
estuda os sons em sua dimensão física de articulação com o objetivo de perceber
quais os traços ou os grupos de traçis que compõem a língua. Já a fonologia
dedica-se ao estudo da função dos sons dentro de cada sistema linguístico,
enfatizando: “[...] as diferenças fônicas intencionais, distintivas, que se vinculam
a diferenças de significação e, além disso, estabelecer como se relacionam entre
si os elementos de diferenciação e as condições em que se combinam uns com os
outros para formar morfemas, palavras e frases” (CALLOU; LEITE, 1990 apud
QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 17).
172
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

Dito de outro modo, a fonética estuda como são produzidos os sons pelo
aparelho fonador e a fonologia estuda como os sons se organizam para formarem
os morfemas, as palavras e as frases. Essa característica da fonologia está ligada à
representação mínima de articulação que não tem significação fora do uso em que
é feita, mas que também é composto por um conjunto de características que se
realizam ao mesmo tempo. Para exemplificar o que cada uma destas áreas estuda,
uma pesquisa fonológica se dedica a perceber quais os pontos articulatórios para
a emissão das vogais; na visão da fonologia, a investigação procura saber como
um número finito de sons pode ser combinado para formar um número infinito
de combinações que dão origem a infinitas possibilidades, como a diferença entre
as palavras casa e caça em que os grafemas (representações dentro do sistema
gráfico) [s] e [ç] representam os fonemas /z/ e /s/, respectivamente.

Em relação ao uso do termo “fonologia” para os estudos dos constituintes


mínimos dos sinais que compõem as língua de sinais, Pizzio (2011, p. 38) destaca
que mesmo fazendo referência aos sons das línguas orais e apesar da diferença
de modalidade entre as línguas de sinais e as línguas orais, o termo fonologia
“[...] é também utilizado pelos pesquisadores da linguística das línguas de sinais
para referir-se aos elementos mínimos sem significado que compõem as línguas
sinalizadas”. Pois mesmo autores como Stokoe (1978 apud PIZZIO, 2011), que
propôs a terminologia quirema baseado no radical quiro que significa mãos em
grego, acabaram por utilizar em suas pesquisas os termos fonologia e fonema.

O uso do termo fonologia e fonema, segundo Quadros e Karnopp


(2004, p. 48), é justificado “[...] que as línguas de sinais são línguas naturais que
compartilham princípios linguísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das
diferenças de superfície entre fala e sinal”. Dito de outro modo, as línguas de
sinais são línguas que se desenvolveram naturalmente a partir do uso que foi
feito dela pelos surdos e tem as mesmas características que as línguas orais, sendo
diferentes apenas na modalidade articulatória e não em relação às características
que fazem dela uma língua tão estruturada em todos os níveis de organização
(gramática) e léxico (símbolos convencionais).

Para as línguas de sinais, de acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 47,


grifos nossos):

Fonologia das línguas de sinais é o ramo da linguística que objetiva


identificar a estrutura e a organização dos constituintes fonológicos,
propondo modelos descritivos e explanatórios. A primeira tarefa da
fonologia para línguas de sinais é determinar quais são as unidades
mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais
são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as
variações possíveis no ambiente fonológico.

Assim sendo, os estudos da fonologia em relação às línguas de sinais


procuram identificar as unidades mínimas que são utilizadas para a formação
dos sinais, ou seja, quais as partes que compõem um sinal, quais as normas ou
regras que regem a organização destes elementos que compõem os sinais e quais

173
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

as variações que podem acontecer no ambiente fonológico de articulação, ou seja,


no momento do uso da língua de sinais sejam na articulação sinalizada ou na
escrita destes sinais em textos.

Também é destacada por Quadros e Karnopp (2004) a diferença primordial


entre a organização dos fonemas em relação à estrutura, nas línguas de orais,
linear e nas línguas de sinais, simultânea. Desse modo, os sinais “[...] poderiam ser
vistos como composicionais e não holísticos (inteiros), e que os sinais apresentam
uma estrutura dual, isto é, que podem ser analisados em termos de um conjunto
de propriedades distintas (sem significado) e de regras que manipulam tais
propriedades” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 48). Para demonstrar de modo
esquemático a diferença entre a linearidade e a simultaneidade, Hulst (1993 apud
QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 49) coloca que:

FIGURA 10 – ESQUEMA DE LINEARIDADE X SIMULTANEIDADE

FONTE: Quadros e Karnopp (2004, p. 49)

Neste esquema, destaca-se a realização linear dos morfemas nas línguas


orais e a simultaneidade das línguas de sinais, cada um dos espaços marcados [...]
delimita um fonema ou uma das especificações que forma os morfemas (unidades
mínimas com significado da língua). Por isso, cada sinal pode ser decomposto
nos fonemas que o constituem, sendo que os fonemas das línguas de sinais são
classificados em:

a) Configuração de mão (CM): são as formas como as mãos se estruturam para a


realização do sinal, refere-se ao posicionamento da palma/dorso e dos dedos
do sinalizante para a realização plena do sinal, podendo se manter ou se alterar
durante a realização do sinal. Sobre o número de Configurações de Mão em
Libras, Quadros e Karnopp (2004) apresentam as 46 configurações de mão
agrupadas em 19 grupos. Barreto e Barreto (2015), em relação à Escrita de
Sinais, apontam 111 Configurações de Mão divididas em 10 grupos. É provável
que esta diferença em relação à quantidade ocorre devido ao desenvolvimento
de pesquisa no âmbito da Linguística que possibilitaram a reorganização e
registro das diferentes Configurações de Mão.

174
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

b) Locação de mão (L) ou Ponto de articulação (PA): é o local em que o sinal é


realizado dentro do espaço de sinalização, indica onde acontece a sinalização,
pode ser fixo ou pode ter início e fim em locais diferentes do espaço de
sinalização/articulação.

c) Movimento de mão (M): indica qual ou quais os movimentos são feitos para
a realização plena do sinal, podem ser dos mais variados tipos e envolverem
apenas as mãos ou diferentes partes do corpo dentro do espaço de sinalização/
articulação, por exemplo, tocar, arrasar, balançar, ir para frente/trás/lados etc.

d) Orientação de palma: de acordo com Quadros e Karnopp (2004), as orientações


de palma são fonemas importantes quando seu uso acarreta mudança de
significado e são de seis tipos na Libras: para cima, para baixo, para o corpo,
para a frente, para a direita ou para a esquerda.

e) Expressões não-manuais gramaticais: são aquelas expressões faciais que tem


influência tanto para diferenciar itens lexicais como a marcação de construções
sintáticas específicas como a interrogação.

TURO S
ESTUDOS FU

Acadêmico, o registro das expressões não-manuais gramaticais em Escrita de


Sinais será observado em relação à sintaxe das Línguas de Sinais ainda neste tópico.

Para a escrita destes fonemas constituintes dos sinais, de acordo com Barreto
e Barreto (2015, p. 76, grifo nosso): “O SignWriting é uma escrita visual direta e uma
solução completa para escrever as Línguas de Sinais. Cada grafema dessa escrita
representa diretamente um fonema das Línguas de Sinais e nos mostra como ele
é realizado”. Para observar a comparação entre os morfemas que constituem as
palavras/sinais, a seguir estão inseridas linearmente a escrita da mesma palavra em
língua portuguesa, a separação do sinal em fonemas sequenciais através de fotos e
a escrita da mesma divisão do sinal em escrita de sinais para fins de exemplificação
da diferença entre uma língua oral e uma de sinais e a relação entre o registro da
sinalização através de fotos digitalmente alteradas para demonstrar o movimento de
mão e a escrita de sinais dos mesmos fonemas:

A. Língua Portuguesa:

[A] [´] [G] [U] [A] = ÁGUA

Os grafemas representam os fonemas da língua portuguesa e, ao serem


colocados juntos, formam a palavra água.

175
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

B. Fotos alteradas digitalmente para demonstrar os fonemas que constituem o


sinal de ÁGUA:

FIGURA 11 – CONFIGURAÇÃO DE MÃO EM “L”

L
FONTE: A autora

FIGURA 12 – LOCAÇÃO DE MÃO (LM) / PONTO DE ARTICULAÇÃO (PA)

FONTE: A autora

FIGURA 13 – MOVIMENTO DA MÃO

FONTE: A autora

176
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

Ao demonstrar o movimento do sinal, na Figura 13, ficam visíveis


também a configuração de mão e a locação de mão, formando assim o sinal de
ÁGUA em Libras.

C. Escrita de sinais dos fonemas que constituem o sinal de ÁGUA:

FIGURA 14 – CONFIGURAÇÃO DE MÃO EM L FIGURA 15 – LOCAÇÃO DE MÃO (LM) /


VISTA LATERALMENTE PELO SINALIZANTE PONTO DE ARTICULAÇÃO (PA)

FONTE: A autora FONTE: A autora

FIGURA 16 – MOVIMENTO DE MÃO (M): FIGURA 17 – MOVIMENTO DE MÃO (M):


ENCOSTAR UMA VEZ BALANÇAR/MOVIMENTO DE ABRIR E FECHAR

FONTE: A autora FONTE: A autora

FIGURA 18 – SINAL DE ÁGUA EM SW

FONTE: A autora

Ao compararmos a escrita linear em LP e a sinalização/escrita em Libras fica


em destaque o caráter de linearidade da língua portuguesa (a), pois os grafemas
precisam ser colocados em uma ordem pré-estabelecida para que façam sentido em
relação aos morfemas da língua portuguesa, pois se fossem escritos fora de ordem
(A-A-U-´-G) não fariam sentido. Já na Libras, é necessário que os fonemas sejam
realizados todos ao mesmo tempo para que o sinal de ÁGUA se realize, tanto é que
as fotos separadas da configuração de mão (CM) e do ponto de articulação (PA) não
apresentam sentido e apenas quando colocadas em conjunto com a movimentação
de mão (M) foram o sinal completo. Dessa forma, a relação entre a linearidade da
LP e a simultaneidade da Libras fica exemplificada nesta comparação.

Na observação da relação entre as fotos alteradas digitalmente para


mostrar os fonemas do sinal de ÁGUA e a escrita de sinais em SW do mesmo
sinal, percebe-se que a escrita de sinais em SW demonstra todos os elementos
que constituem o sinal através de elementos mais simples, que ocupam menos
espaço que as fotos, são fáceis de compreender e menos complexos de fazer do
que a inserção de setas que as fotos necessitam. Além disso, vemos que a relação
entre as fotos e os grafemas utilizados para representação dos fonemas em Libras
demonstram todas as partes que constituem o sinal.
177
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Além disso, a fonologia também estuda comparativamente a modificação


dos parâmetros fonológicos em contrate, ou seja, a comparação entre sinais
em que apenas um dos parâmetros muda, para que possa “[...] identificar as
configurações de mão, as locações e os movimentos que têm caráter distintivo”
(QUADROS; KARNOPP, p. 51). Dito de outro modo, como a modificação de um
dos parâmetros fonológicos faz com que o sinal tenha outro significado. Essa
identificação permite a delimitação dos pares mínimos, ou seja, pares de sinais
em que a “mínima” modificação altera o significado do sinal. Os exemplos a
seguir foram adaptados de Quadros e Karnopp (2004, p. 52).

FIGURA 19 – SINAIS QUE SE OPÕEM QUANTO À CONFIGURAÇÃO DE MÃO (CM)

FAMÍLIA REUNIÃO

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

Na Figura 19, pode ser observado que a diferença entre a configuração de


mão e a semelhança entre os demais fonemas dos sinais de FAMÍLIA e REUNIÃO
ficam bastante evidentes na escrita de sinais em que as Configurações de Mão em
F e em R ganham destaque.

FIGURA 20 – SINAIS QUE SE OPÕEM QUANTO À LOCALIZAÇÃO DE MÃO (LM) / PONTO DE


ARTICULAÇÃO (PA)

APRENDER SÁBADO

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

178
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

Na Figura 20, os sinais de APRENDER e SÁBADO são diferenciados pela


localização em que o sinal é realizado, podemos perceber na escrita de sinais a
marcação bastante destacada que demonstra demosntrar claramente o local em
que o sinal é feito.

FIGURA 21 – SINAIS QUE SE OPÕEM QUANTO AO MOVIMENTO DE MÃO (M)

TRABALHAR VIDEOCASSSETE

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

Na Figura 21, há diferença entre o Movimento de Mão (M) e a Orientação


de Palma dos sinais de TRABALHAR e VIDEOCASSETE, pois em TRABALHAR
a palma está para baixo e o dorso fica visível para o sinalizante, por isso, a
escrita da Configuração de Mão está pintada. Já no sinal de VIDEOCASSETE, a
Configuração da Mão é a mesma, mas a palma está virada para o sinalizante, por
isso, a escrita da CM não está pintada. Além disso, podemos ver claramente a
diferença entre os Movimentos de Mão feitos em cada um dos sinais.

Esta seção tratou da fonologia das línguas de sinais e de como são feitos
os registros através da escrita de sinais. É muito importante que os sinais sejam
compreendidos a partir da perspectiva fonológica de que são formados a partir
da junção de diferentes parâmetros fonológicos. Isso porque a escrita de sinais
através do sistema SignWriting depende da compreensão e registro de cada um dos
fonemas que formam o sinal para que este seja escrito de modo correto, pois uma
escrita inadequada pode alterar o sinal a ser feito ou até impossibilitar a leitura.

3 MORFOLOGIA
Os estudos sobre a área da morfologia das línguas de sinais se dedicam
ao estudo dos morfemas da língua, ou seja, é a área da linguística que se dedica
às menores partes da língua que têm significado, e pesquisa como essas partes se
estruturam no interior dos sinais para a formação de novos sinais. Os morfemas
podem existir sozinhos ou apenas em conjunto com outros sinais, por exemplo,
os prefixos e sufixos.
179
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

De acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 87):

Assim como as palavras em todas as línguas humanas, mas


diferentemente dos gestos, os sinais pertencem a categorias lexicais ou
a classes de palavras tais como nomes, verbo, adjetivo, advérbio etc.
As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de criação de novos
sinais em que as unidades mínimas com significado (morfemas) são
combinadas. Entretanto as línguas de sinais diferem das línguas orais
no tipo de processos combinatórios que frequentemente cria palavras
morfologicamente complexas. Para as línguas de sinais, essas formas
resultam frequentemente de processos não concatenativos em que
uma raiz é enriquecida com vários movimentos e contornos no espaço
de sinalização.

Dessa maneira, a morfologia das línguas de sinais estuda as categorias


lexicais às quais os sinais pertencem e como os processos de combinação para a
criação de novos sinais acontecem. Em relação ao registro escrito dessas novas
palavras formadas, a base do sistema de escrita em SW é o registro completo
do modo de sinalização dos sinais, por isso, o modo de escrita utilizará de
diferentes símbolos para a marcação gráfica do modo como os sinais formados
são sinalizados.

Na Figura 22 (a), aparecem duas expressões formadas por substantivo


+ adjetivo, na expressão “cão esperto” temos um sintagma nominal formado
por um substantivo caracterizado por um adjeitvo. Já na Figura 22 (b), temos
um substantivo composto pelos sinais de “cão + alemão” que dá origem ao
substantivo composto “pastor-alemão” acrescido do adjetivo “inteligente” que
caracteriza o cachorro.

FIGURA 22 – ADJETIVAÇÃO
(a) CÃO ESPERTO (b) PASTOR-ALEMÃO INTELIGENTE

FONTE: A autora

180
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

A fim de demonstrar este registro que a escrita de sinais permite, serão


apresentados os processos da Libras destacados por Quadros e Karnopp (2004)
acompanhados das fotos e da escrita de sinais para comparação entre a foto
alterada digitalmente e a forma como a escrita de sinais faz o registro deste sinal
formado.

• Sinais derivados de soletração: são aqueles que envolvem partes da


dactilologia das palavras em LP, por exemplo, os sinais das palavras “azul” e
“nunca”.

FIGURA 23 – AZUL

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

Na realização do sinal de “azul” aparece a derivação da soletração da


palavra em LP. Por conta da evolução da língua de sinais brasileira, o sinal,
atualmente, é feito com a passagem da letra “a” para a “l”, ou seja, foram reduzidas
as Configurações de Mão envolvidas para que o processo se aproximasse mais da
formação natural das línguas de sinais.

FIGURA 24 – NUNCA (EVOLUÇÃO DO SINAL)

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

181
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Na Figura 24, é possível vermos a evolução do sinal derivado da palavra


“nunca” que se desenvolveu a partir da escrita dactilogógica completa da palavra,
foi reduzido a três das letras principais e, por fim, tornou-se um sinal em que uma
das letras da palavra, “U”, manteve um movimento que lembra a soletração, mas
não está mais vinculado a ela.

E
IMPORTANT

Por ser uma língua natural, a língua de sinais brasileira evolui de modo orgânico
e tem diferentes modos de realizar os sinais de acordo com a região do Brasil a que está
vinculado o sinal específico. Sendo este um movimento dialetal normal em que cada região
desenvolve seu modo de registro das palavras/sinais. Inclusive, uma das consequências do
uso de uma escrita de sinais é o estabelecimento de bases lexicais da Libras, pois a escrita
não apenas é uma forma de registro, mas também é um modo de solidificar as palavras/
sinais através da divulgação de material escrito.

• Formação de Classifi cadores: os classificadores são sinais formados através


da mistura de sinais ao misturarem partes dos sinais envolvidos de modo que
não seja mais possível separá-los, do mesmo modo que a palavra “planalto”
em LP que é formada pelas palavras plano mais alto, sendo que na pronúncia
elas estão misturadas de modo a terem um significado único quando juntas
(QUADROS; KARNOPP, 2004).

FIGURA 25 – CLASSIFICADORES

FREADA-BRUSCA-DE-BICICLETA ACIDENTE DE CARRO

FONTE: A autora

No sinal de “freada brusca de bicicleta” junto ao sinal de bicicleta


tensionado (~) é colocado o movimento dos ombros para frente e a expressão
facial que indica o tensionamento de uma batida. Já no sinal de acidente de carro,
enquanto a mão esquerda se mantém na vertical de lado em relação ao sinalizante,
a mão direita muda a configuração de mão ao bater na mão esquerda, desse modo,
o movimento da batida é agregado ao carro e ao movimento de bater.

182
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

• Derivando nomes de verbos: a formação de nomes a partir de verbos (e vice-


versa) é um processo comum das línguas naturais, em LP são colocados sufixos
para formar nome, por exemplo, o substantivo “programador” é feito através
da adição do sufixo -dor ao verbo programar. Em Libras, esta formação pode
ser feita “[...] pela mudança no tipo de movimento. O movimento dos nomes
repete e encurta o movimento dos verbos” (QUADROS; KARNOPP, 2004,
p. 97). Na escrita dos sinais de “sentar” e “cadeira”, pode-se perceber que o
movimento em que a mão direita vem do alto em direção da mão esquerda,
que faz parte do sinal do verbo “sentar”, tornou-se o movimento curto de dois
toques rápidos que faz o sinal de “cadeira”.

FIGURA 26 – DERIVAÇÃO VERBOS PARA NOMES

SENTAR CADEIRA

FONTE: A autora

• Formação de compostos: Quadros e Karnopp (2004) destacam que os sinais


compostos podem ser formados de diferentes modos, através de regras de:
contato (quando uma das CM é mantida); sequência única (movimento interno
ou repetição é eliminado) e antecipação da mão não dominante (mão passiva
antecipa o segundo sinal da relação). Veja os exemplos a seguir.

FIGURA 27 – COMPOSIÇÃO POR CONTATO – ACREDITAR

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

183
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 28 – COMPOSIÇÃO POR SEQUÊNCIA ÚNICA – PAI + MÃE = PAIS

02 →

+ = 01

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

Observe que na escrita do sinal, o movimento de dobra do dedo é


representado pelo sinal de ponta de flexa.

FIGURA 29 – COMPOSIÇÃO POR ANTECIPAÇÃO DA MÃO NÃO DOMINANTE: BOA NOITE

FONTE: Adaptado de Quadros e Karnopp (2004)

Na escrita deste sinal, percebemos que os fonemas que o formam são


bastante complexos, em que são representados a face, as palmas, os movimentos
de toque e semicírculo, bem como a abertura da palma diante do rosto.

• Incorporação do numeral: neste tipo de processo para formação de sinais a


mudança de da configuração de mão agrega ao sinal uma quantidade. No
exemplo a seguir estão escritos os sinais de “ontem” e “anteontem”, podemos
ver que a configuração da mão direita em “ontem” é a de polegar + indicador,
em “anteontem”, são usados os dedos polegar + indicador + médio; sendo que
o significado de maior tempo passado corresponde à configuração de mão com
a quantidade de dedos envolvidos na CM.

184
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

FIGURA 30 – INCORPORAÇÃO DO NUMERAL

ONTEM ANTEONTEM

FONTE: A autora

• Incorporação da negação: para a formação de sinais com significado de


negação incorporados à expressão “não manual” de negação é incorporada
ao sinal, podendo ser acompanhada de modificação no fonema de movimento
para fora ao invés de para dentro.

FIGURA 31 – CONHECER/NÃO CONHECER

FONTE: A autora

Na Figura 31, o movimento do verbo “conhecer” é o mesmo de “não


conhecer”, mas o movimento da cabeça e a expressão “não manual” de negação
transformam o significado do sinal ao incorporarem a negação à sinalização.

FIGURA 32 – TER E NÃO TER

FONTE: A autora

Na Figura 32, pode ser observada a derivação feita a partir do verbo “ter”
feito com a palma para baixo e dois toques no peito de sinalizante; já o sinal de “não
ter” tem acrescido os movimentos de cabeça e antebraços, com o afastamento da
mão em relação ao sinalizante. Então, ao mesmo tempo em que apresenta relação
com o sinal de “ter”, o sinal de “não ter” é formado pelo acréscimo e modificação
do movimento do sinal que dá origem a ele.

185
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

• Flexão: a flexão nas línguas de sinais, segundo Quadros e Karnopp (2004)


está relacionada a oito processos diferentes: pessoa, número, grau, modo,
reciprocidade, foco temporal, aspecto temporal e aspecto distributivo. Como
exemplo, na Figura 33, a flexão do verbo “dizer” está escrita para demostrar
como a escrita de sinais registra as flexões de número/pessoa.

FIGURA 33 – DIZER/DIGO PARA VOCÊ, VOCÊ DIZ PARA MIM – DIZER PARA TODOS

FONTE: A autora

4 SINTAXE
A sintaxe estuda os modos como as palavras/sinais se organizam nas
sentenças para a formação de sentido tanto no interior delas como em relação
aos textos num todo. Dentro dos estudos sintáticos estão as funções de cada uma
das palavras ou sinais que recebem a partir do uso que é feito deles no interior
das sentenças. Além disso, também fazem parte dos estudos sintáticos o estudo
dos tipos de sentenças e como elas são sinalizadas, os modos como o registro das
funções sintáticas são feitos pela direção do olhar e a apontação, bem como as
expressões “não manuais” gramaticais, ou seja, aquelas que têm valor gramatical.

FIGURA 34 – EXPRESSÕES NÃO MANUAIS GRAMATICAIS

O quê?
Qual o seu nome?

Onde você vai?


FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 245)

Na Figura 34, as expressões marcam as sentenças interrogativas, na


escrita de sinais, a marcação é obrigatoriamente feita através da expressão “não
manual” e, no caso das interrogações, pelo uso da marca final de frase formada
por duas linhas horizontais de espessuras diferentes.

186
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

FIGURA 35 – SENTENÇA (2) EM ESCRITA DE SINAIS

ENM - FOCO
DOIS

ANOS - DURAÇÃO

PASSADO

MÃE

COMPRAR

PASTOR ALEMÃO

DAR

AVÔ

FONTE: Adaptado de Barreto e Barreto (2015, p. 159)

Versão da Sentença 2 em LP: há dois anos, minha mãe comprou um


pastor alemão para dar ao meu avô.

Na Figura 35, aparece a marca Não Manual gramatical de foco que


enfatiza a colocação do numeral no início da sentença. A sentença está totalmente
escrita em ES (Escrita de Sinais), nela podemos observar que a ordem básica SVO
(Sujeito-Verbo-Objeto), acontece após a colocação em foco da expressão adverbial
de tempo que indica um deslocamento também aparente na versão em português
através do uso da vírgula.

5 SEMÂNTICA
Os estudos da semântica são aqueles que observam o significado das
palavras tanto dentro das sentenças e textos quanto em contrastes de significado,
dentro das pesquisas desta área estão os sinônimos e antônimos, as noções de
polissemia e de compreensão e entendimento de textos.
187
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Como exemplo, a Figura 36 apresenta a ES dos sinais “sábado/laranja”,


desse modo, esse é um sinal polissêmico, ou seja, que tem mais de um sentido de
acordo com o contexto em que é utilizado.

FIGURA 36 – SÁBADO/LARANJA

FONTE: A autora

6 PRAGMÁTICA
A área de estudos da pragmática envolve, de acordo com Quadros e
Karnopp (2004, p. 22 e 23):

As relações entre a linguagem e o contexto. É uma área que inclui os


estudos da dêixis (utilização de elementos da linguagem através da
demonstração – indicação -, que envolve basicamente os pronomes),
das pressuposições (inferenciais e antecipações com base no que
foi dito, do ato de fala (como se organizam os atos de fala e quais
as condições que observam), das implicaturas (as coisas que estão
subentendidas nas entrelinhas, incluindo o significado que não foi
dito explicitamente) e dos aspectos da estrutura conversacional (a
estrutura das conversas entre duas ou mais pessoas e a organização da
tomada de turnos [da palavra] durante a conversação.

Dessa maneira, a pragmática é a área da linguística que se debruça sobre as


formas como a linguagem é utilizada pelos indivíduos e de como estes entendem
os diferentes acordos sociais feitos através e a partir da linguagem.

Observe a imagem a seguir, retirada de Barreto e Barreto (2015):

188
TÓPICO 2 | AS ÁREAS DA LINGUÍSTICA E O REGISTRO ESCRITO

FIGURA 37 – SENTENÇA 3

OLÁ AQUI SÁVIO S-Á-V-I-O

OLÁ

AQUI

SÁVIO

S-Á-V-I-O

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 159)

Versão Sentença 3 em LP: Olá, aqui é o Sávio!

Na Figura 37, temos o início de um texto em ES, em relação a ela a


pragmática é a parte da Linguística que explica o porquê de o leitor desta frase
poder inferir que provavelmente essa é a sentença inicial de uma carta, que Sávio
é o emissor e que, mesmo sem o sinal que anteciparia a inserção da dactologia
do nome Sávio, faz com que o leitor desta senteça entenda que o sinal anterior às
letras que formam o nome SÁVIO é a ES do sinal pessoal desta pessoa.

DICAS

O Capítulo 2 do Livro Estudos Surdos 4, initulado Mecanismos de coesão


textual visual em uma narrativa sinalizada: Língua de Sinais Brasileira em foco, apresenta
uma interessante pesquisa sobre processos de dêixis a partir das sinalizações diferentes feitas
a partir de uma mesma história em quadrinhos. Vale a pena a leitura!

ANANTER, G. I. P.; PASSOS, G. dos. Mecanismos de coesão textual visual em uma narrativa
sinalizada: Língua de Sinais Brasileira em foco (p. 49-76) In: QUADROS, R. M. de; STUMPF, M.
R. (orgs.). Estudos Surdos IV. Série Pesquisas. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2009. Disponível
em https://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.
pdf. Acesso em: 14 abr. 2019.

189
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• As pesquisas dentro dos estudos linguísticos são divididas em cinco áreas


básicas de análise do fenômeno da língua, são elas: a fonética/fonologia, a
morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática.

• O estudo das áreas de análise linguística está organizado de modo crescente


em relação a sua contribuição para a construção de sentido e de uso da língua.

• A fonética é a área de linguística que estuda como são produzidos os sons pelo
aparelho fonador.

• A fonologia estuda como os sons se organizam para formarem os morfemas, as


palavras e as frases.

• As línguas de sinais são línguas que se desenvolveram naturalmente a partir


do uso que foi feito dela pelos surdos e tem as mesmas características que as
línguas orais.

• Os fonemas das línguas de sinais são classificados em: Configuração de mão


(CM), Locação de mão (L) ou Ponto de Articulação (PA), Movimento de mão
(M), Orientação de palma e Expressões não manuais.

• O SignWriting é uma escrita visual direta e uma solução completa para escrever
as Línguas de Sinais.

• A morfologia é a área da linguística que se dedica às menores partes da língua


que têm significado e pesquisa como essas partes se estruturam no interior dos
sinais para a formação de novos sinais.

• A sintaxe estuda os modos como as palavras/sinais se organizam nas sentenças


para a formação de sentido tanto no interior delas como em relação aos textos
como um todo.

• Os estudos da semântica são aqueles que observam o significado das palavras


tanto dentro das sentenças e textos quanto em contrastes de significado.

• A pragmática é a área da linguística que se debruça sobre as formas como a


linguagem é utilizada pelos indivíduos e de como estes entendem os diferentes
acordos sociais feitos através e a partir da linguagem.
190
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com o livro didático, as pesquisas dentro dos estudos linguísticos


são divididas em cinco áreas básicas de análise dos fenômenos da língua.
Relacione, de forma correta, Coluna I – Área de Estudo, à Coluna II –
Conceito Relacionado a Área de Estudos:

COLUNA I COLUNA II
(1) Morfologia ( ) Estuda as formas como a linguagem é utilizada pelos
(2) Semântica indivíduos e de como esses entendem os diferentes acordos
(3) Pragmática sociais feitos através e a partir da linguagem.
(4) Sintaxe ( ) Estuda as menores partes da língua que têm significado
(5) Fonética e pesquisa como essas partes se estruturam no interior dos
sinais para a formação de novos sinais.
( ) Estuda os modos como as palavras/sinais se organizam
nas sentenças para a formação de sentido tanto no interior
delas como em relação aos textos como um todo.
( ) Estuda os sons em sua dimensão física de articulação
com o objetivo de perceber quais os traços ou grupos de
traços que compõem a língua.
( ) Estuda o significado das palavras tanto dentro das
sentenças e textos quanto em contrastes de significado.

Marque a alternativa que apresenta a correta numeração da Coluna II:


a) 4, 1, 5, 3 e 2.
b) 5, 2, 3, 1 e 4.
c) 3, 1, 4, 5 e 2.
d) 3, 1, 5, 2 e 4.
e) 4, 5, 1, 2 e 3.

2 Leia as afirmações a seguir, levando em consideração aquilo que o livro


didático coloca sobre a classificação dos fonemas nas línguas de sinais:

I- Configuração de mão (CM): são as formas como as mãos se estruturam para


a realização do sinal.
II- Locação de mão (L) ou Ponto de articulação (PA): é o local em que o sinal
é realizado dentro do espaço de sinalização.
III- Movimento de mão (M): indica qual ou quais os movimentos são feitos
para a realização plena do sinal.
IV- Orientação de palma: são fonemas importantes quando seu uso acarreta
mudança de significado.
V- Expressões manuais gramaticais: são aquelas expressões faciais que
têm influência tanto para diferenciar itens lexicais como a marcação de
construções sintáticas específicas como a interrogação.

191
Dentre estas afirmações, quais estão corretas?
a) Apenas I, II, III e IV.
b) Apenas I, II, III e V.
c) Apenas II, III, IV e V.
d) Apenas I, III, IV e V.
e) Apenas I, II, IV e V.

3 Tendo em vista que a escrita a seguir está registrando os sinais referentes


à duração em horas (UMA-HORA, DUAS-HORAS, TRÊS-HORAS), quais
considerações fonológicas e morfológicas podem ser feitas sobre ELES a
partir daquilo que foi estudado neste tópico?

192
UNIDADE 3
TÓPICO 3

LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico serão discutidas, inicialmente, as questões sobre as vantagens
do uso da escrita de sinais para o processo de alfabetização e letramento das
crianças surdas. Para isso, veremos de que modo a possibilidade de escrita em
uma modalidade em que os parâmetros e as características tridimensionais da
Libras, isso porque a ES a partir do sistema SignWriting é um modo de registro
que respeita as peculiaridades fonológicas (Configuração de Mão, Orientação de
Palma, Ponto de Articulação, Movimento de Mão e Expressões Não Manuais),
bem como os parâmetros sintáticos quanto ao uso do espaço de sinalização e
referentes do discurso.

Em seguida, serão estudadas informações relevantes sobre o


desenvolvimento do registro das línguas de sinais ao longo da história das
diferentes maneiras de serem organizados, registrados e guardados os sinais.
Nesta seção serão estudados os manuários, dicionários físicos e virtuais e os
aplicativos que serviram e servem como forma de documentação e transcrição
das línguas de sinais.

Por fim, serão apresentadas algumas das bases estruturais para leitura da
Escrita de Sinais, tais como direção, organização textual e orientação de leitura.
Essas bases já foram introduzidas brevemente ao longo desta unidade. Logo,
esta seção tem por objetivo sistematizar aquilo que foi apresentado ao longo das
seções anteriores e apresentar as bases para a leitura de textos em ES.

2 A CRIANÇA SURDA E A ESCRITA DE SINAIS


De acordo com Barth, Antunes e Santarrosa (2007) e Barreto e Barreto
(2015) um dos desafios que a alfabetização das crianças surdas encontra é
descontinuidade existente entre a sinalização em língua de sinais e o registro dessa
aprendizagem em língua portuguesa. Desse modo, o processo de alfabetização e
letramento das crianças surdas encontra como entrave a utilização de um registro
não adequado para as características linguísticas das línguas de sinais. Segundo
Quadros (1997 apud BARTH; ANTUNES; SANTARROSA, 2007, p. 3), isso ocorre
porque:

193
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

[...] a escrita alfabética da língua portuguesa no Brasil não serve para


representar significação com conceitos elaborados na LIBRAS, uma
língua visual espacial. Um grafema, uma sílaba, uma palavra escrita
no português não apresenta nenhuma analogia com um fonema, uma
sílaba e uma palavra na LIBRAS, mas sim com o português falado. A
língua portuguesa não é uma língua natural da criança surda.

Dessa maneira, ao ser utilizada a língua portuguesa na alfabetização de


alunos surdos estão sendo utilizados grafemas inadequados para a aprendizagem
da Libras, porque “na alfabetização é ensinado ao estudante associar os grafemas
da escrita com os fonemas da língua. Assim o aluno começa a refletir sobre a sua
própria língua consciente ou inconscientemente” (BARRETO; BARRETO, 2015,
p. 87). Assim sendo, a escrita de uma língua não apenas reforça a aprendizagem,
mas possibilita que o aprendiz se desenvolve linguisticamente a partir das
reflexões feitas para e com base ao registro escrito que proporcione a utilização
dos fonemas de sua língua.

Consequentemente, com a utilização do sistema de escrita de uma língua


oral-auditiva, como a escrita alfabética utilizada pela LP, para a alfabetização de
surdos toda a aprendizagem da língua de sinais que decorre da escrita está sendo
negada ao estudante surdo. Além disso, causando “[...] um confronto linguístico
no pensamento da criança” (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 87).

Por isso, a Escrita de Sinais para a alfabetização dos alunos surdos não é
apenas uma forma de registrar corretamente os fonemas que compõem os sinais das
línguas de sinais, mas uma forma de proporcionar um modo de desenvolvimento
linguístico adequado à modalidade da língua utilizada pelo aprendiz. E, a escrita
a partir da ES “[...] permite que as suas funções [da Libras] sejam socialmente
mediadas e constituídas, propiciando o conhecimento das representações sociais
através do reconhecimento das relações pensamento/linguagem/construção de
conhecimento” (BARTH; ANTUNES; SANTARROSA, 2007, p. 2).

Quanto aos usos da Escrita de Sinais pelo sistema SW, Stumpf (s.d., p. 6)
coloca que: “a escrita da língua de sinais torna possível publicações na língua de
sinais: livros, revistas, dicionários e literatura. Pode ser usada para ensinar sinais
e a gramática da língua de sinais para iniciantes na língua de sinais, também
pode ser aplicada ao ensino de modo geral”. Logo, é também uma forma de
proporcionar aos aprendizes da Libras os recursos materiais para o letramento
em língua de sinais, bem como um instrumento de registro para que sejam feitos
estudos e pesquisa não apenas sobre a língua de sinais, mas em línguas de sinais.

A fim de estudar como a ES pode ser utilizada durante o processo de


alfabetização, Stumpf (2009) descreve algumas de suas experiências com crianças
surdas em seu primeiro contato com a ES a partir das aulas ministradas por ela.
A autora relata que iniciou as aulas se apresentando e explicando que não iriam
escrever em LP (como as crianças já estavam aprendendo), mas utilizariam a
SW para a escrita. A autora destaca que as crianças demonstraram compreender
claramente a diferença entre fazer um desenho e fazer a escrita dos sinais, veja o
exemplo a seguir.
194
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 38 – DESENHO E RUDIMENTO DE ESCRITA DO SINAL “CASA”

FONTE: Stumpf (2009, p. 11)

Pode ser observado que na Figura 38 as crianças já demonstram a diferença


entre desenhar uma casa e a tentativa de escrever o sinal de casa sem o auxílio de
letras ou palavras em Língua Portuguesa (STUMPF, 2009).

Além disso, por ser capaz de registrar os fonemas da LS, a ES é a forma de


escrita que permite não apenas a escrita direta em Língua de Sinais, mas a leitura
de textos e materiais em ES sem ser preciso realizar a tradução ou intermediação
através da LP. Sendo por essa capacidade de registro que Stumpf (2009), Barth,
Antunes, Santarrosa (2007) e Barreto e Barreto (2015) defendem o uso da Escrita
de Sinais para os processos de alfabetização e letramento dos aprendizes das
línguas de sinais em quaisquer níveis ou faixa etária.

3 OS DICIONÁRIOS E O REGISTRO DA LÍNGUA DE


SINAIS
Nesta seção, serão estudados os livros e materiais escritos relevantes para
a compreensão de como o desenvolvimento dos manuários e dicionários para
registro da Libras se deu ao longo do tempo no Brasil. Como base para esta seção
foi utilizada a pesquisa de Sofiato e Reily (2014) que está constantemente nas
referências deste livro didático e disponibilizada on-line.

As autoras colocam que a consulta a dicionários é uma prática comum


entre os estudiosos de línguas e é “um dos principais instrumentos de descrição,
prescrição, codificação e legitimação do modelo idealizado de uma língua
correta” (BAGNO, 2011 apud SOFIATO; REILY, 2014, p. 3). Assim como as línguas
orais apresentam este tipo de registro, as línguas de sinais também apresentam
diferentes obras que procuram registrar os sinais utilizados para fins de estudo e
documentação do léxico e das características de sinalização das línguas de sinais.

Sofiato e Reily (2014) apresentam um estudo histórico dos dicionários de


língua de sinais no Brasil contendo seis manuários/dicionários, as análises feitas
pelas autoras foram adaptadas e organizadas no quadro a seguir.

195
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

QUADRO 4 – DICIONÁRIOS DE LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA

Obras Iconographia Linguagem das Livro ilustrado de Dicionário


Dos Signaes Dos mãos língua brasileira de enciclopédico
Surdos-Mudos sinais ilustrado trilíngue
Publicação 1875 1969 2009 2001
Autor Flausino José da Eugênio Oates/ Márcia Honora e Fernando César
Costa Gama Esdras Batista Mary Lopes Esteves Capovilla e
(Fotógrafo) Frizanco, Flaviana Walkíria Duarte
Borges de Silveira Raphael/
Saruta (revisão) Silvana Marques
(ilustradora)
Local Rio de Janeiro Aparecida do São Paulo São Paulo
Norte (SP)
Sinais 382 1258 1247 9500
Indexação Semântica Semântica Semântica Alfabética
Léxico Alfabeto Alfabeto Léxico: Alfabeto Alfabeto manual,
manual dos manual, verbos, manual, números, numerais,
surdos-mudos substantivos, calendário, identidade, verbos, adjetivos,
(datilologia), cores, homem pessoas/família, substantivos
alimentos e e família, documentos, (comuns, abstratos
objetos de mesa, alimentos pronomes, lugares, e concretos),
bebidas e objetos e bebidas, natureza, cores, escola, advérbios,
de mesa, objetos animais, o casa, alimentos, pronomes
para escrever, mundo e a bebidas, vestuário/ (pessoais,
objetos de aula, natureza, objetos pessoais, possessivos e
individualidade religião, o profissões, animais, interrogativos).
e profissões, tempo, regiões corpo humano,
animais, do mundo higiene, saúde, meios
pássaros, (alguns países, de transporte, meios
peixes e insetos, nacionalidade), de comunicação, lazer/
adjetivos, estados esportes, instrumentos
pronomes e brasileiros musicais, verbos,
os três tempos (territórios negativos, adjetivos/
absolutos do federais e advérbios, localidades,
indicativo, capitais), países/continentes.
verbos, vestuário e
advérbios, acessórios,
preposições esportes e jogos
e conjunções, recreativos,
interjeições e antônimos e
interrogações. números.
Representação Desenho linear Fotografia Desenho linear Desenho linear
em litografia

196
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

Figura- Gênero: Gênero: Gênero: Masculino > Gênero:


referência Masculino. Masculino. feminino. Masculino.
Não há figura Não há figura Aspecto: Observamos Aspecto: Figura-
feminina. feminina na que há um padrão. referência é
Aspecto: Não obra. A figura-referência sempre a mesma.
há um padrão, a Aspecto: Há apresenta-se jovial Destaque às
figura referência um padrão. em alguns sinais e expressões faciais:
é mudada. A figura- mais velha em outros Há uma tentativa
Expressões referência é a (homens e mulheres). de evidenciar a
faciais: tentativa mesma para Expressões faciais: Há expressão facial
de representar todos os sinais uma ênfase maior na que acompanha
expressividade Expressões expressão facial das alguns sinais.
nos rostos faciais: Não figuras-referência cujo Recursos gráficos:
correspondendo há tentativa sinal necessita mais da setas, pontilhados,
ao significado aparente de expressão facial. zigue-zagues,
do sinal. representar Recursos gráficos: linhas retas, linhas
Recursos expressividade setas, pontilhados, curvas e grafemas
gráficos: setas, no rosto zigue-zagues, linhas do SignWriting
pontilhados, correspondendo retas e linhas curvas.
zigue-zagues, ao significado
linhas retas e do sinal.
linhas curvas. Recursos
gráficos: setas,
pontilhados,
zigue-zagues,
linhas retas e
linhas curvas
FONTE: Adaptado de Sofiato e Reily (2014)

A partir da análise feita por Sofiato e Reily (2014), ganha destaque a


evolução dos dicionários de Língua de Sinais Brasileira ao longo do tempo, desde
o manuário de 1875 até o Dicionário da Língua de Sinais Brasileira de Capovilla et
al. Também é interessante destacar a modificação ocorrida no modo como a figura
de referência foi se especializando com mais informações sendo colocadas e o
modo de registro semântico ter sido trocado pelo método alfabético, o que torna
o dicionário mais assemelhado aos das línguas orais.

Para que seja observado o modo como o dicionário trilíngue Capovilla,


Raphael e Maurício Maurício (2012 apud BARRETO; BARRETO, 2015) escrevem
seus verbetes, na figura a seguir, está reproduzido o verbete do sinal de “alerta”.

197
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 39 - VERBETE “ALERTA” DICIONÁRIO CAPOVILLA, RAPHAEL E MAURÍCIO (2012)


Desenho, ilustração ESCRITA das Línguas
de Sinais (SignWriting)

alerta (sinal usado em: SP, CE, RS) (inglês: alert): adv. modo. Em atitude de quem vigia.
Vigilantemente. De sobreaviso. Ex.: O guarda-noturno deve percorrer as ruas alerta. adj. m. e f. Atento. Alertado.
Vigilante. Ex.: O vigia alerta soou o alarme, para que todos fossem alertados acerca do perigo. Ex.: Esteja alerta ao
andar à noite pelas ruas. Há muitos perigos por aí. (Fazer este sinal ABRIR OS OLHOS (gíria): Mãos em A,
palmas para frente a cada lado dos olhos. Abri-las em L, arregalando os olhos.)
ESCRITA (Português/ Inglês)
Desenho da Datilologia (Fonte gráfica)
FONTE: Capovilla, Raphael e Maurício (2012, p. 321 Adaptado por BARRETO; BARRETO, 2015, p. 78)

O verbete traz detalhadas as várias formas de registro do sinal: desenho/


ilustração, escrita em SW, datilologia, escrita alfabética em português e inglês.
Dessa maneira, é um registro extremamente completo ao apresentar o máximo
de modos que o suporte em papel permite, atualmente, o Dicionário de Língua
Brasileira de Sinais: a Libras em suas mãos é impresso em três volumes, apresenta
mais de 13.000 verbetes, tem 2934 páginas e pesa aproximadamente 7 quilos.

Ainda como forma de registro e pesquisa, o site do Sig Bank apresenta


uma versão de dicionário on-line em Libras através do Sign Puddle Online 2.0. Este
recurso permite a pesquisa da Escrita de Sinais em SW através de: palavras, sinais,
símbolos, grupos e símbolos de frequência. Desse modo, permite que a partir de
uma CM se busque a forma de escrita do sinal. Contudo, como é um dicionário
informal em que todas as pessoas podem inserir novos sinais escritos, acaba por
exigir certo conhecimento da ES e, às vezes, cruzamento com as informações do
dicionário Capovilla et al. (2017) para conferência e compreensão de qual dos
registros encontrados é mais adequado.

DICAS

O filme O gênio e o louco (2019) conta a história verdadeira sobre a criação


do Dicionário Oxford. “Um deles é o Professor James Murray (Mel Gibson), que tomou a
decisão de iniciar o compilado [de palavras para a elaboração do dicionário], em 1857, e
o outro é Doutor W.C. Minor (Sean Penn), que contribuiu com mais de 10.000 verbetes
para o dicionário estando internado em um hospício para criminosos” (FURTADO, 2019). O
trailer está bastante interessante! Disponível no link: http://www.adorocinema.com/filmes/
filme-249264/trailer-19561263/.

198
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

4 BASES PARA A LEITURA EM ESCRITA DE SINAIS


“O SignWriting é uma escrita visual direta e uma solução completa para
escrever as Línguas de Sinais. Cada grafema desta escrita representa diretamente
um fonema das Línguas de Sinais e nos mostra como ele é realizado” (BARRETO;
BARRETO, 2015, p. 76). A Escrita de Sinais (ES) a partir do sistema SW foi
formalmente estruturado, logo, é uma escrita formada por traços não arbitrários,
ou seja, grafemas que foram estruturados para uso e não evoluíram a partir de
registro como os sistemas alfabéticos. Por isso, é possível registrar uma sinalização
fonética sem o conhecimento direto da língua, o que é inviável nas línguas orais
porque os traços são arbitrários, ou seja, a relação entre grafema e fonema depende
do conhecimento dos diferentes fonemas a que certo grafema faz referência.

Em ES por SW é importante que o leitor conheça as formas como são


registrados os textos e como são feitas as diferentes marcações dos sinais em ES.
Nesta seção, serão apresentadas, brevemente, algumas das normas de escrita em
ES baseadas em Barreto e Barreto (2015).

• A visão de registro é pela perspectiva expressiva, ou seja, os sinais são escritos


na visão de quem sinaliza.

FIGURA 40 – PERSPECTIVA EXPRESSIVA

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 121)

• A CM são representadas com a perspectiva da mão direita como dominante,


com as orientações de palma representadas da maneira representada na figura
a seguir.

199
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 41 – ORIENTAÇÃO DE PALMA VERTICAL

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 123)

FIGURA 42 – ORIENTAÇÃO DE PALMA HORIZONTAL

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 129)

• As linhas na escrita de sinais são divididas em três linhas imaginárias, a posição


média é marcada pela “Posição 0” que marca o centro do corpo; a “Posição 1”
é aquela utilizada quando a cabeça e o corpo ficam no centro e as mãos se
movem para a “Posição 2”.

FIGURA 43 – POSICIONAMENTO DOS SINAIS NAS LINHAS EM ES

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p.174)

200
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

• A escrita da Locação de Mão (LM) ou Ponto de Articulação (PA) só será escrita


se ela for diferente do local de sinalização neutro à frente do sinalizante, caso
contrário, não será desenhada, por exemplo, na figura a seguir.

• Quando o sinal é realizado apenas na “Posição 0”, devemos primeiro observar


o fonema que representa a Configuração de Mão, depois, a Localização do
Sinal ou Ponto de Articulação e, por fim, o Movimento (M).

FIGURA 44 – EXEMPLO DE LEITURA DE SINAL EM SW


2- Traço indicativo de Locação do Sinal no peito.

1- Grafema de CM, mão


com a palma virada para o
sinalizante no plano do chão
(horizontal).
3- Cada grafema indica um contato com
a superfície indicada, neste caso, o peito
do sinalizante.
FONTE: A autora

• A leitura dos sinais é feita de fora para dentro, ou seja, da “Posição 0” em


direção às pontas, na escrita do sinal de MESA, pode ser visto que CM inicial
é das duas mãos com as palmas para baixo que se movem para trás e para fora
ficando de lado.

FIGURA 45 – MESA EM ES

FONTE: A autora

• Desde 2000, a escrita/leitura em língua de sinais se dá da esquerda para a


direita (E → D) e de cima para baixo (C ↓ B), em escritas anteriores a este ano (e
na Alemanha até hoje), eram realizados em linhas horizontais, mas os usuários
notaram que era mais rápida a leitura em colunas. Além disso, os traços largos
representam pausas mais longas, o que seria equivalente aos pontos finais das
sentenças.

201
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

FIGURA 46 – TRECHO DE TEXTO EM ESCRITA DE SINAIS

FONTE: A autora

Tradução do texto: Eu estava com saudades de Lígia e mais cinco amigos


surdos que têm casa aqui (em Goiás). Eu combinei de encontrá-los na sexta-feira,
às 17h, no restaurante em que Lígia trabalha. Reservei uma mesa com seis lugares.
Dois deles tiveram que cancelar porque estarão ocupados trabalhando.

202
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

ANÁLISE SOBRE O FILME NELL: A SELVAGEM E A LINGUAGEM

FICHA TÉCNICA
NELL. Direção: Michael Apted. Produção: Renee Missel e Jodie Foster.
Protagonistas: Jodie Foster, Liam Neeson e Natasha Richardson. FoxVideo, 1995.
115 min.

SINOPSE

Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casa na floresta, onde


vivia com sua mãe eremita, mas o médico (Liam Neeson) que a encontra após a
morte da mãe constata que ela se expressa em um dialeto próprio, evidenciando
que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado
com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da
moça, ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade.

O filme Nell trata da história de uma pessoa que viveu isolada junto com
sua mãe em uma floresta, distante da cidade e do contato com a zona urbana.
Após a morte de sua mãe, a personagem Nell passa a viver sozinha. O enredo do
filme mostra a tentativa de civilizar Nell, nas ações do médico e da psicóloga. Na
sinopse do filme, encontra-se a seguinte questão: será certo civilizar uma pessoa
selvagem, sem que ela deseje realmente isso? Conforme a perspectiva adotada
para conceituar cultura, pode-se afirmar que Nell não tinha cultura. Isso seria
possível, desde que a base fosse etnocêntrica. Em paralelo, observando-se o
conceito de cultura sob o viés relativista, pode-se confirmar a cultura de Nell.

A partir dessas noções, traça-se um curioso embate entre o que é cultura e


o que não é cultura. Todos os personagens do filme, em princípio, consideram Nell
uma selvagem. Nesse sentido, atribuem a ela a não civilização, um comportamento
distinto do deles, uma falta de sociabilidade; enfim, os vários requisitos, para se viver
em sociedade, sob o prisma deles, a personagem não apresentava. Ao se considerar,
por exemplo, os rituais que Nell praticava, como a maneira como sepultou sua mãe
ou a sua ida ao rio à noite para banhar-se ou mesmo o retorno ao local onde sua
irmã tinha sido enterrada, não se pode, em uma perspectiva relativista, considerar
que ela não possui cultura. Ao contrário, ela, mesmo isolada, mantinha a tradição
cultural de seu grupo, qual seja, sua mãe e sua irmã.

Quando os personagens Lovell e Paula pensam em uma classificação


para Nell como deficiente mental, fica patente sua visão de que alguém com
comportamento diferente do que se considera normal, pelo seu grupo social,
necessita ser classificado como anormal. Entretanto, após uma certa convivência
com Nell, tanto o médico quanto a psicóloga percebem que Nell não apresenta
qualquer tipo de deficiência, apenas ela teve um locus diferente. Isso produz nos
dois personagens um início de percepção deslocada da visão etnocêntrica, o que
se traduz, inclusive, em um olhar diferente para a própria vida.
203
UNIDADE 3 | AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM E ESCRITA DE SINAIS

Considerando-se a convivência entre Nell, Lovell e Paula, compreende-


se melhor questões concernentes aos equívocos que muitas sociedades cometem
na tentativa de imposição de sua cultura frente à cultura do outro, ou mesmo,
de não consideração da cultura diferente. O inicial exotismo verificado pelos
personagens deu lugar a um encantamento associado a um desejo de entender
melhor aquele universo bastante peculiar que Nell apresentava.

Também, provocou no médico e na psicóloga uma imersão para eles


mesmo, quando eles passaram a vislumbrar as possibilidades diferentes que eles
próprios poderiam ter em relação a sua própria vida. Isso foi bastante revelador
no filme, já que demonstrou uma possibilidade de, em contato com uma cultura
diferente, as pessoas passarem a ter uma noção mais relativa de sua própria
cultura. A cena do julgamento, ao final do filme, chama à reflexão desses aspectos,
posto que Nell mostra a todos naquela audiência o quanto ela é um ser humano,
ainda que tenha vivido em condições diferentes das de todos ali. Ela demonstra
todo seu carinho, seu medo, sua angústia, sua vontade, enfim, sem nem mesmo
falar a língua que os outros queriam que ela falasse, nesse caso, o inglês.

Nesse aspecto, a personagem prova que a linguagem humana é universal,


que os sentimentos e tudo o que está em torno deles são universalmente produzidos
pelo homem. Isto é, não é pelo fato de Nell ter vivido isolada da pretensa
civilização que ela não teria os mesmos sentimentos que todos os considerados
civilizados. Ao contrário, percebe-se nela uma pureza que normalmente não se
verifica em pessoas ditas civilizadas.

A linguagem apresentada por Nell é especificamente reveladora, já que


ela adquiriu sua primeira língua a partir do contato com sua mãe, que tinha uma
espécie de paralisia facial. Disso decorrem aspectos fonéticos muito interessantes
da personagem, em que ela reproduz as mesmas dificuldades que sua mãe
apresentava para falar, porém Nell não tinha paralisia facial.

Nesse sentido, podem ser confirmadas as teorias linguísticas de base


social cuja fundamentação trata da aquisição da língua pelo contato social. Nell
adquiriu uma língua, sua primeira, a partir de um contato social com uma única
pessoa, sua mãe, que apresentava dificuldades na articulação. Ela reproduziu
tais dificuldades. Quando a personagem passou a manter interações com outras
pessoas, o médico e a psicóloga, por exemplo, inicialmente, apresentaram sérios
problemas de comunicação verbal; entretanto, à medida das interações, ela passa
a acumular conhecimentos linguísticos outros, ampliando seu léxico, restrito até
então em razão de seu contato linguístico ter sido apenas com sua mãe.

Retornando, mais precisamente, à questão: mas será certo civilizar uma


pessoa selvagem, sem que ela deseje realmente isso? Lançamos, a título de
reflexão, alguns aspectos relacionados a isso: Qual seria o conceito de selvagem?
Civilizar é, necessariamente, tornar uma pessoa melhor? Com que direito alguém
pode mensurar o desejo do outro? Assim como as culturas são distintas, as línguas
também são, então Nell teria de fato uma língua? Dessa forma, não se deve pensar

204
TÓPICO 3 | LEITURA E ESCRITA DE SINAIS

Nell como uma selvagem, mas sim, como uma pessoa que vive uma outra cultura,
bastante distinta da nossa, nem por isso melhor ou pior. Além disso, seria bastante
hipotético, a priori, tecer qualquer tipo de consideração acerca dos desejos dela,
tanto que a convivência dos três os fez adaptar seus comportamentos no sentido
de entender melhor uns aos outros. Portanto, pelo menos no filme, constata-
se uma convivência pacífica entre Nell e os outros, mostrada na cena final, em
que as culturas são respeitadas e não há a imposição de uma das culturas. No
entanto, pode-se inferir que Nell sofreu mais adaptações à cultura da cidade que
o contrário.

LEITE, T. Análise sobre o filme Nell: A selvagem e a linguagem. 2009. Disponível em: http://
tecioleite.blogspot.com/2009/06/analise-sobre-o-filme-nell-selvagem-e.html. Acesso em: 27
maio 2019.

205
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A ES a partir do sistema SignWriting é um modo de registro que respeita as


peculiaridades fonológicas (Configuração de Mão, Orientação de Palma, Ponto
de Articulação, Movimento de Mão e Expressões Não Manuais), bem como os
parâmetros sintáticos quanto ao uso do espaço de sinalização e referentes do
discurso.

• De acordo com Barth, Antunes e Santarrosa (2007) e Barreto e Barreto


(2015) um dos desafios que a alfabetização das crianças surdas encontra é
descontinuidade existente entre a sinalização em língua de sinais e o registro
desta aprendizagem em língua portuguesa.

• A escrita de uma língua não apenas reforça a aprendizagem, mas possibilita


que o aprendiz se desenvolva linguisticamente a partir das reflexões feitas para
e a partir do registro escrito que proporcione a utilização dos fonemas de sua
língua.

• A Escrita de Sinais para a alfabetização dos alunos surdos não é apenas uma
forma de registrar corretamente os fonemas que compõem os sinais das línguas
de sinais, mas uma forma de proporcionar um modo de desenvolvimento
linguístico adequado à modalidade da língua utilizada pelo aprendiz.

• A consulta a dicionários é uma prática comum entre os estudiosos de línguas


e são “um dos principais instrumentos de descrição, prescrição, codificação e
legitimação do modelo idealizado de uma língua correta” (BAGNO, 2011 apud
SOFIATO; REILY, 2014, p. 3).

• Assim como as línguas orais, as línguas de sinais também apresentam


diferentes obras que procuram registrar os sinais utilizados para fins de estudo
e documentação do léxico e das características de sinalização das línguas de
sinais.

• “O SignWriting é uma escrita visual direta e uma solução completa para


escrever as Línguas de Sinais” (BARRETO; BARRETO, 2015, p. 76).

• A Escrita de Sinais a partir do sistema SW foi formalmente estruturado, logo,


é uma escrita formada por traços não arbitrários, ou seja, grafemas que foram
estruturados para uso e não evoluíram a partir de registro como os sistemas
alfabéticos.
206
• Em ES por SW é importante que o leitor conheça as formas como são registrados
os textos e como são feitas as diferentes marcações dos sinais em ES.

• Desde 2000, a escrita/leitura em língua de sinais se dá da Esquerda para a


Direita (E → D) e de Cima para Baixo (C ↓ B), em escritas anteriores a este
ano (e na Alemanha até hoje), eram realizados em linhas horizontais, mas os
usuários notaram que era mais rápida a leitura em colunas.

207
AUTOATIVIDADE

1 Em Escrita de Sinais por SignWriting é importante que o leitor conheça


as formas como são registrados os textos e como são feitas as diferentes
marcações dos sinais em ES. Baseadas em Barreto e Barreto (2015):

I- A visão de registro é pela perspectiva expressiva, ou seja, os sinais são


escritos na visão de quem sinaliza.
II- A CM são representadas com a perspectiva da mão esquerda como
dominante, com as orientações de palma representadas com asteriscos.
III- As linhas na escrita de sinais são divididas em três linhas imaginárias, a
posição média é marcada pela “Posição 0” que marca o centro do corpo; a
“Posição 1” é aquela utilizada quando a cabeça e o corpo ficam no centro
e as mãos se movem para a “Posição 2”.
IV- A escrita da Locação de Mão (LM) ou Ponto de Articulação (PA) só será
escrita se ela for diferente do local de sinalização neutro à frente do
sinalizante, caso contrário, não será desenhada.
V- Quando o sinal é realizado apenas na “Posição 0”, devemos primeiro
observar o fonema que representa a Configuração de Mão, após a
Localização do Sinal ou Ponto de Articulação e, por fim, o Movimento
(M).

Dentre estas afirmações, quais estão corretas?


a) Apenas I, II, III e IV.
b) Apenas I, II, III e V.
c) Apenas II, III, IV e V.
d) Apenas I, III, IV e V.
e) Apenas I, II, IV e V.

2 Neste livro didático já foi mostrado o sinal a seguir, ele é a escrita do sinal
pessoal da autora deste material, a professora Mariana Correia. De acordo
com o que foi estudado nesse tópico, como deve ser feita a leitura e a
identificação dos fonemas que compõem este sinal?

208
REFERÊNCIAS

FONTE: Barreto e Barreto (2015, p. 332)

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linguísticas. Campinas: Pontes, 2013, p. 93-116.

AMPESSAN, J. P.; LUCHI, M.; STUMPF, M. R. Tradução de escrita de sinais


para português: recriação do texto?. 3., 2012, Florianópolis. Congresso nacional
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UFSC, 2012. 7 p. Disponível em: http://www.congressotils.com.br/anais/anais/
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BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições


Loyola, 1999.

BAGNO, M.; RANGEL, E. G. Tarefas da educação linguística no Brasil. In:


GUEDES, Paulo Coimbra (org.). Educação linguística e cidadania. 1. ed. Porto
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BARRETO, M.; BARRETO, R. Escrita de sinais sem mistério. Salvador: Libras


Escrita, 2015.

BARTH, C.; ANTUNES, A. S.; SANTARROSA, L. M. C. Aquisição da escrita


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renote/article/view/14384. Acesso em: 18 abr. 2019.

209
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modalidade de educação de jovens e adultos: uma proposta curricular. 2011.
Tese (Doutorado em Letras) – Instituto em Letras, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/
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BERDUSCO. Correntes comunicativas: oralismo, comunicação total e


bilinguismo. 2012. Disponível em: http://observacaonuaecrua.blogspot.
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