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Editora
Léa Carvalho
Capa
Design: MaLu Santos | Ilustração: freepik
Projeto gráfico
MaLu Santos
ISBN 978-65-86137-12-5
loja.metanoiaeditora.com
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Impresso no Brasil
A todos aqueles que ainda não encont¢aram a própria voz.
Ela está dent¢o de vocês, e é mais for¥e do que imaginam.
AGRADECIMENTOS
Todos nós temos alguém que nos incentiva a colocar cor em uma página
monocromática. Obrigado Beta pelos primeiros tons, depois completados
por meus amigos Sanhos: Monique, Bruna, Raíssa, Aline e Michel. E alguns
outros que passaram e deixaram muito de si em mim.
Agradeço sempre às minhas primeiras leitoras, amigas e parceiras: Emily,
Erika, Cris e Débora. E ao Faer, um leitor intenso em seus sentimentos.
Agradeço também à primeira pessoa com quem falei sobre o livro,
Gabriel, que muitas vezes compreendeu a minha quietude, eu estava com
vários diálogos dentro de mim.
Ao universo, por tudo o que me trouxe até aqui. Sigo colocando novas
cores nessa obra chamada vida.
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PROLOGO
A penas sete anos de idade e havia cometido um crime. Foi assim que ele
se sentiu naquele momento: um criminoso, o maior deles. E sabia que
precisava sair dali o mais rápido possível. Deveria ir embora da casa de Deus,
não merecia estar naquele lugar. Um crime cometido na igreja haveria de ser
ainda pior, e tinha certeza de que receberia um castigo severo. Já se via em
chamas, em enormes labaredas, observado pela mais cruel das criaturas: o
chifrudo, o coisa-ruim, aquele cujo nome sua mãe preferia nunca pronunciar.
Lembrava-se perfeitamente das palavras do padre: “dependendo do pecado,
perdemos o direito aos céus, vamos sem escalas para o inferno!”.
Não deveria ter feito aquilo, não deveria, era o que repetia para si, como
um mantra enraizado em sua cabeça. Não deveria, apesar de ter sido bom,
apesar do frio na barriga que sentiu, da sensação estranha que o invadiu.
Uma sensação que havia começado na garganta, como um nó se desatando,
e desceu, passando pelo coração, que pulsou em sobressalto por alguns
segundos, até chegar na barriga, numa explosão que a fazia parecer habitada
por dezenas de aves voando para lá e para cá.
Quando chegou apressado na porta da igreja, estava trôpego, precisou se
apoiar no batente e tomar um pouco de ar. Olhou para todas aquelas pessoas
que passavam por ali, sentindo-se muito distante delas. Era agora o maior
pecador da cidade e tinha receio de que todos já soubessem disso apenas ao
olhar para ele, como se a sua grande perversidade estivesse estampada na
testa. Precisava se esconder, ir para longe, o mais distante possível.
Estava com vergonha e medo, além de uma vontade imensa de desaparecer.
Por um instante, desejou ser um mágico, como o que viu no último circo
que passou pela cidade, e, assim, poderia fazer seu erro sumir, talvez voltar
no tempo e apagar o acontecido. Não, isso não! Sua vontade era de fazer
novamente e de ser invadido por aquele frescor que o contagiou como um
sopro de alegria.
Achou que estava a pecar mais uma vez apenas por relembrar o instante
de seu crime, e resolveu sair correndo. Atravessou a rua e cruzou a praça, e se
sentiu observado por todos, como uma aberração, como algo que não fazia
parte daquele lugar. Enquanto corria, tentava olhar para os próprios braços,
depois passou os olhos pelas pernas, queria ver se algo denunciava o seu feito,
se agora estava marcado de alguma forma por seu erro. Viu um carro preto
parado na rua perto da sorveteria, precisava se olhar, e foi até ele. Embora
estivesse com pressa para se ver longe dali, ansiava, antes de tudo, saber se
ainda reconheceria o próprio reflexo.
Avançou devagar, sentia pavor de enxergar seu pecado em si. Aproximou-
se do vidro da porta do carro e, aos poucos, sua cabeça surgiu refletida: o
cabelo castanho, que, de tão liso, parecia escovado, com uma franja que lhe
conferia uma aparência ainda mais infantil; os olhos grandes e assustados, da
mesmíssima cor de seu cabelo; o nariz arrebitado da mãe; a boca pequenina
do pai.
Sentiu um alívio tão grande ao se ver como sempre, com tudo em seu
devido lugar, que achou que fosse desfalecer, mas não teve tempo para
isso. Naquele mesmo instante, notou que era observado por alguém, e viu,
também refletido no vidro do carro, o padre. Ele lhe pareceu maior e o olhava
com estranhamento e, naquele instante, teve certeza de que o religioso sabia
de tudo. A verdade é que o padre acenou simpático, contudo o menino só
enxergou um olhar de desprezo e fúria, e seu coração começou a bater forte.
O religioso deu meio passo em sua direção, e o garoto não esperou nem mais
um segundo, correu sem olhar para trás, atravessando três ou quatro ruas que
desembocavam na mata que circundava a cidade.
Correu por entre as árvores, tentando localizar a direção do rio. Precisava se
limpar, era isso! Tinha que se lavar, tirar aquele pecado de seu corpo. Sua mãe
sempre lhe dizia que um banho de rio lava a alma, e quem sabe, assim, voltaria
a ser normal como todos os outros. Escutou o barulho da água, estava perto, a
brisa gelada também denunciava isso, e correu na direção das evidências.
Ao enxergar o rio, não diminuiu o passo ou parou para analisar em qual
ponto iria se atirar. Conhecia aquelas águas mais do que a si próprio, e se
jogou nelas sem hesitar, faminto por sua redenção. Deixou-se afundar, sentiu
que o fazia em câmera lenta, e foi às profundezes do rio até que seus pés
tocaram o chão. Sentiu paz naquela imersão, gostou quando abriu os olhos
e não viu nada. Assim, ninguém o veria também. No momento em que não
aguentou mais ficar sem respirar, emergiu e boiou por alguns instantes, os
olhos no céu e a cabeça a questionar se Deus estaria mesmo bravo com ele.
Essa era sua maior preocupação.
Sempre foi um bom menino, pensou, obediente aos pais, estudioso, não
era justo ser considerado um criminoso por um pequeno deslize. Não teve a
intenção e jamais achou que aconteceria. Não havia matado ninguém, nem
agredido pessoa alguma. Um beijo era esse o seu crime, um gesto simples que
tornava sua vida tão complicada.
Quando, naquela manhã, aceitou brincar de pique esconde com os amigos
de turma da Eucaristia, não imaginou que os dois teriam a mesma ideia, fazendo
do confessionário um esconderijo, e nem que ficariam tão perto um do outro,
a ponto de suas respirações se misturarem. Não cogitou que se olhariam nos
olhos e que, por alguns segundos, ficariam hesitantes. Não tinha ideia de que
suas bocas se encostariam com rapidez, mas com delicadeza, selando um crime
pelo qual poderia ser condenado para todo o sempre.
Deitado na margem do rio levou a mão à boca, relembrando a cena.
Pensou que seria normal se sua boca não tivesse encostado-se à de Fabrício,
sendo ele Pedro. Seu corpo era sua arma, e sentir algo bom por outro menino
havia sido seu grande crime aos sete anos de idade.
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10 | HUGO BESSA
TODAS AS CORES DA VIDA | 11