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Grupo de Neurologia Cognitiva e do

Comportamento
Departamento de Neurologia da FMUSP
Doenças Priônicas

Ricardo Nitrini
NEUROSUR 2004
Doenças Priônicas: Encefalopatias
Espongiformes Transmissíveis
• Grupo de doenças caracterizadas por
progressiva vacuolização do córtex cerebral,
morte neuronal e proliferação glial

• Presença no SNC de uma proteína anormal


resistente a proteases denominada prion
DOENÇAS PRIÔNICAS
• Acometem animais e seres humanos

• Transmissíveis

• Material transmissor não é inativado por processos que

inativam ácidos nucleicos

• Podem ser hereditárias

– (e, simultaneamente, transmissíveis)


DOENÇAS PRIÔNICAS
HUMANAS

• Kuru

• Doença de Creutzfeldt-Jakob

• Doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker

• Insônia Fatal Familial


MARCOS HISTÓRICOS

• Kuru: Gajdusek & Zigas, 1957


• Semelhança com scrapie (Hadlow,
1959)
MARCOS HISTÓRICOS

• Transmissão do kuru: Gajdusek et al., 1966

• Transmissão da DCJ: Gibbs et al., 1968

• Transmissão da GSS. Masters et al., 1981


D. Carleton Gajdusek (1923- )
Prêmio Nobel 1976
MARCOS HISTÓRICOS

• Proteinaceous infectious agent: Prusiner, 1982


Stanley B. Prusiner (1942- )
Prêmio Nobel 1997
não infectado infectado

Exposição à
proteinase K

Prusiner SB, 1998


PrPC Proteína normal (celular)

Gene localizado no braço curto do cromossomo 20

Éxon com 759 nucleotídeos

H1 H2 H3 H4

Peptídeo S-S
sinalizador GPI
Propriedades físico-químicas de PrPSc :

Insolúvel; forma agregados

Inativada em autoclave a 134o C

ou em NaOH 2M

Resistente à proteinase K (PrP 27-30)


DOENÇAS PRIÔNICAS
A principal hipótese patogênica baseia-se na transfor-

mação de uma proteína normal (PrPCC) em uma isoforma

Sc), parcialmente resistente


estruturalmente anormal (PrPSc

a proteases. A PrPSc
Sc atua como uma fôrma (template),

transformando mais unidades de PrPCC em PrPSc


Sc, que se

acumulam no interior da célula, destruindo-a.


MARCOS HISTÓRICOS

• Mutação no PRNP: Hsiao et al., 1989

• nova variante da DCJ: Will et al., 1996


Polimorfismo no codon 129

Pop. Caucasiana: 38% M/M


51% M/V
11% V/V
DCJ esporádico
Predominância de homozigose
DCJ iatrogênico

Está relacionado com a variabilidade do quadro clínico,


da evolução e dos achados anatomopatológicos.
Classificação das Doenças
Priônicas Humanas

• Esporádicas

• Hereditárias

• Adquiridas
Doenças Priônicas Humanas
Esporádicas

Esporádicas:

Doença de Creutzfeldt-Jakob

(Insônia Fatal - Forma esporádica)


Doença de Creutzfeldt-Jakob
Esporádica
85 -90% casos
Igual prevalência entre os sexos
Incidência 1 : 1.000.000 hab./ ano
Idade média de início: 60 anos
Duração média: 8 meses
Doença de Creutzfeldt-Jakob Esporádica
Quadro Clínico

Pródromos Astenia
Insônia
Anorexia

Alt. Comp. Ataxia Diplopia


Disartria e memória Alucinações
Nistagmo
Dist. do
Movimento
Demência Sd de
Hiperreflexia Tremor
global Parinaud

Sd. Pseudo Incoordenação Cegueira


Mioclonias Mutismo Cortical
bulbar cerebelar
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE
DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB
• DEFINITIVO: quadro clínico + PrPRES
RES no exame

neuropatológico
• PROVÁVEL: Demência rapidamente progressiva<2anos com
atividade periódica no EEG (ou proteína 14-3-3 no LCR; ou
hipersinal na RM-difusão) e pelo menos 2 abaixo:
– mioclonias;
– sinais cerebelares e/ou visuais;
– sinais piramidais e/ou extrapiramidais
– mutismo acinético.
• POSSÍVEL: semelhante ao provável mas sem exames
complementares sugestivos
Anatomia Patológica: DCJ
Anatomia Patológica: DCJ
DCJ:

Imunohistoquímica com

anticorpos anti-PrP (3F4)


EEG típico de DCJ:
Atividade
periódica curta
ENCEFALOPATIAS SUBAGUDAS COM
ATIVIDADE PERIÓDICA NO EEG
• P.E.S.A. • Glioblastoma
• Alzheimer • Metástases
• M-E herpética • Abscessos
• Enc. Hepática • Neurossífilis
• Enc. Anóxica • Men. Criptocócica
• Enc. de Hashimoto • Hematoma
• Enc. Límbica intracraniano
• D. Estriatonigral • Hiperparatiroidismo,
• Gliose Subcortical Pr. hipercalcemia
• Li, tricíclicos, Bi
14-3-3 protein in the CSF of patients with
rapidly progressive dementia
N. Huang, S.K. Marie, J.A. Livramento, R. Chammas,
R. Nitrini. Neurology 2003.
14-3-3 em 46 casos de demência
rapidamente progressiva
• DCJ definida/provável N=17 (14 com 14-3-3
positiva)
• DCJ possível N= 7 (3 com 14-3-3 positiva)
• Outras demências 22 (3 com 14-3-3 positiva)
– (hipercalcemia, doença de Alzheimer, múltiplas
hemorragias)
Proteína tau no líquido cefalorraquidiano
na DCJ (comprovada A/P)
• Provável N=77 [proteína tau>1300pg/ml] 74/77

• Possível N=26 ” ” 23/26

• Outras N= 6 ” ” 6/6
(14-3-3 positiva em 4)
Otto et al., Neurology, 2002.
CONCLUSÕES
• O diagnóstico de DCJ deve ser baseado no
conjunto de dados clínicos e de ex.
complementares
• Apesar de o diagnóstico definitivo somente
ser possível com exame neuropatológico
(presença de PrPSc), biópsia cerebral só
deve ser indicada para excluir outro
diagnóstico
Doenças Priônicas Humanas Hereditárias

• D. de Creutzfeldt-Jakob familial

• Doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker

• Insônia Fatal Familial

• Atípicas
Doença de Creutzfeldt-Jakob
Familiar

10 - 15% casos

Autossômica dominante

• Início mais precoce

• Duração mais longa


Doença de Creutzfeldt-Jakob
Familial
R.Nitrini

Codon 183
Início 44 anos

Duração de 4 anos

Alteração precoce da personalidade

Demência fronto-temporal
Anatomia Patológica:
DCJ (mutação T183A)
Doença de
Gerstmann-Sträussler- Scheinker

Autossômica Dominante

Incidência 10 : 100.000.000

Apresenta-se entre 30 a 70 anos

Degeneração espino-cerebelar e córtico-espinhal

Morte em 2 a 10 anos - média de 5 anos


Doença de
GSS
Insônia Fatal Familial
P.Gambetti, E.Elugaresi, 1996

Autossômica dominante

Mutação codon 178

Idade de início 35 a 61 anos

Curso da doença 7 - 25 meses


Insônia Fatal Familial
P.Gambetti, E.Lugaresi, 1996

Distúrbio do sono
• Insônia progressiva e intratável
• Alucinações complexas
• Estupor e coma

Alterações autonômicas
• Hiperhidrose, Pirexia, Hipertensão,
• Altos níveis de cortisol
• Alteração do ritmo circadiano
Insônia Fatal Familial
P.Gambetti, E.Elugaresi, 1996

Sinais Motores
• Ataxia, Mioclonia, Disartria, Sinais piramidais

Mioclonias

Distúrbio Cognitivo
• Distúrbio precoce da Atenção

• Dificuldade na ordem temporal dos eventos

• Alterna alerta com “status onírico”


Doenças Priônicas Humanas
Adquiridas

Adquiridas
Kuru

Doença de Creutzfeldt-Jakob
- forma iatrogênica
Nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob
Kuru:
Imunohistoquímica com anticorpos anti-PrP (3F4)
Doença de Creutzfeldt-Jakob
Iatrogênica
Transplante de córnea

Hormônio de crescimento de cadáveres

Aloenxertos de dura-máter

Eletrodos intracorticais
NOVA VARIANTE DA
DOENÇA DE
CREUTZFELDT - JAKOB
Nova Variante da DCJ
• 1986 - primeiros casos de BSE

• 1988 - proibido uso de ração com proteína animal;


notificação compulsória de BSE

• 1990 - Centro de controle de unificado para


doenças priônicas humanas na GB

• 1995 - Casos de DCJ atípicos (nvDCJ)

• 1997 - Demonstrado vínculo nvDCJ-BSE


DIAGNÓSTICO da nvDCJ
• I

• a) doença neuropsiquiátrica progressiva

• b) duração dos sintomas > 6 meses

• c) investigação não sugere outro diagnóstico

• d) sem exposição iatrogênica a prions


DIAGNÓSTICO da nvDCJ
• II
• a) sintomas psiquiátricos inaugurais
b) dores/disestesias dolorosas persistentes
c) ataxia
d) mioclonia ou coréia ou distonia
e) demência
• III
• a) EEG sem atividade periódica
• b) hipersinal bilateral no pulvinar (RM)
• IV a) biópsia de tonsila positiva
Confirmado (definido): quadro clínico + neuropatologia
Nova Variante da DCJ na Grã-
Bretanha (até 30 de julho de
2004)
1995 3
1996 10
1997 10
1998 18
1999 15
2000 28
2001 20
2002 17
2003 18
2004 3
TRATAMENTO
• Não há tratamento recomendado para as
doenças priônicas. Para as adquiridas,
prevenção é essencial
TRATAMENTO
• Maleato de Flupirtine
– Analgésico não-opióide
– Efeito citoprotetor in vitro e in vivo sobre
neurônios que foram induzidos à apoptose.

• Quinacrina + Clorpromazina n DCJ


Estudo duplo-cego com maleato de
flupirtine na DCJ
• 13 casos com flupirtina 100 mg 3 a 4x/dia foram
acompanhados por cerca de 3,5 meses e
comparados com casos que receberam placebo;
• Pacientes tratados com flupirtina pioraram menos
no Adas-Cog (+8,4±15,3) que os com placebo
(+20,6 ±15,1) p=0,02
• A sobrevida não foi diferente entre os dois grupos
Otto et al., Neurology 2004
PREVENÇÃO
1. Autópsia
• Evitar ferimentos cortantes ou penetrantes usando
luvas adequadas (teflon ou metálicas), proteção
ocular e oral
• Usar proteção de plástico descartável sobre a
mesa
• Remoção do cérebro: a cabeça deve ser colocada
sobre uma espessa placa de celulose e aberto com
uma serra manual
• Descartar plástico, celulose, restos de tecido
(incineração junto com outros materiais do hospital)
• Consensus Report. Brain Pathology 1995
PREVENÇÃO
2. Descontaminação

• Autoclave (Vapor) 1340 C por uma hora


• Outros materiais: NaOH 2N (80g/litro) por 1 hora
(não usar para materiais de alumínio)
• ou hipoclorito de sódio (NaOCl) 5% por 2 horas
• (corrosivo para aço)

• Consensus Report. Brain Pathology 1995


CONCLUSÕES
• Doenças priônicas humanas são encefalopatias
transmissíveis, geralmente espongiformes
• Podem ser esporádicas, adquiridas e hereditárias
• São raras; a mais freqüente é a DCJ
• Outras doenças são: Kuru
Kuru,, GSS e IFF.
• A nova variante merece cuidados especiais de
acompanhamento epidemiológico
• Ainda não existe tratamento específico
• Outras doenças podem ter etiopatogenia similar
Doenças Priônicas Humanas
• Ricardo Nitrini • Mayana Zatz
• Sergio Rosemberg • Maria Rita Passos-Bueno
• Luís Sidônio T. da Silva • Paula Iughetti
• Nancy Huang
• Paulo Caramelli • Suely K. Marie

• Ricardo R. Brentani
• Vilma R Martins
• Rosa M. S. Castro
• Michelle Landemberger • Andrea LeBlanc
FIM
Placa “Florida” na nova variante DCJ
Imunohistoquímica anti-PRP na nova variante da DCJ (cerebelo)
Curvas de sobrevida de
camundongos infectados
Com tecido cerebral

Bruce et al., Nature, 1997


Diagnóstico
• Investigation of variant CJD and other human prion
diseases with tonsil biopsy samples
Hill AF et al. Lancet 1999

• Imaging of new variant CJD: the pulvinar sign


Sellar RJ et al. Neuroradiology 1999

• Prion protein in urine


Shaked GM et al. B Med J, 2001
Diagnóstico

Ann Neurol 2000; 47:575-82


Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico
Diagnóstico
Descriptive Patient Characteristics

ALL MM1 MM2 MV1 MV2 VV1 VV2


DEMOGRAPHICS
(n=108) (n=70) (n=3) (n=8) (n=10) (n=2) (n=15)

AGE AT 64.1 66.5 64.6 61.8 61.4 27.0 60.9


ONSET (9.4) (7.8) (3.8) (7.5) (7.0) (5.7) (10.5)

SEX M/F (ratio) 1:1.5 1:1.6 1:1.5 1:1 1:1 2:0 1:2.7

8.8 7.4 16.9 4.0 17.6 7.9


DURATION -
(7.3) (6.9) (6.7) (2.7) (5.7) (3.3)

Zerr et al., Ann Neurol 2000


Sensitivity of Technical Investigations by Prion Protein
Type and Codon 129 Genotype in CJD

PrP type and EEG (PSWCs) 14-3-3 MRI (T2)


N=108
129 genotype (%) (%) (%)
MM1 70 80 96 68

MM2 3 33 100 0

MV1 8 75 100 2

MV2 10 0 30 8

VV1 2 0 100 0

VV2 15 0 100 70

Zerr et al., Ann Neurol 2000

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