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A Formação de Professores para a Educação Infantil Bilíngue

MEGALE, A. H. . Bilinguismo e Formação Docente. Pátio Educação Infantil, p. 12


- 15, 01 abr. 2014.

O Brasil é um país marcadamente pluricultural e plurilíngue, e a formação de nosso


povo está entrelaçada às sucessivas ondas de imigrações que ocorreram a partir de 1500.
De acordo com Ribeiro (1995), aos 5 milhões de índios que habitavam o Brasil em 1500,
somaram-se outros 5 milhões de europeus. Além disso, vieram da África cerca de 6
milhões de pessoas forçadas a trabalhar como escravas. Ao imigrarem para o Brasil, todos
esses povos trouxeram para nosso país sua língua e sua cultura.
Frente a essa realidade, há uma vasta gama de contextos em que se utilizam mais de
uma língua em nosso país. Porém, os estudos sobre contextos bi/multilíngues ainda são
incipientes no Brasil. Isso parece ocorrer porque, como Cavalcanti (1999) argumenta, o
mito do monolinguismo é fortemente enraizado em nosso país. Esse mito foi
historicamente construído devido a interesses diversos e tem como objetivo central o
apagamento das minorias: dos índios, dos imigrantes, e, consequentemente das maiorias
sempre tratadas em nosso país como minoria. Dessa forma, há também um apagamento do
fato de que no Brasil há “cerca de 203 línguas, a saber: pelo menos 170 línguas indígenas,
30 línguas de imigrantes, 2 línguas de sinais (Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – e a
língua dos Urubu-Kaapor) e evidentemente, a língua portuguesa” (MAHER, 1997, p.22).
Outro fator que colocou as línguas estrangeiras, principalmente o inglês, em
evidência no Brasil foi a ascensão econômica da classe C, o que representa mais de 90
milhões de brasileiros com acesso à educação e ao mundo de trabalho. Essa parcela da
população entendeu as vantagens de se falar uma língua estrangeira e iniciou a procura por
escolas de idiomas para aprender línguas geralmente faladas em países pertencentes ao
primeiro mundo, principalmente o inglês.
Segundo Le Breton (2005, p.17), “não há nenhuma categoria humana que não seja
afetada pela universalidade da difusão da língua inglesa”. No Brasil, o uso do inglês é um
dos meios mais rápidos de inclusão e ascensão social. O pesquisador Rajagopalan (2005,
p.149) afirma que “há setores na sociedade em que o recurso do inglês se tornou uma
necessidade, ou seja, quem se recusa a adquirir um conhecimento mínimo da língua inglesa
corre o risco de perder o bonde da história”. Com isso, aumentou o número de brasileiros
que têm a possibilidade e interesse em estudar no exterior ou que opta por colégios
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internacionais ou bilíngues.
Nesse contexto, é evidente o crescimento das escolas bilíngues no Brasil. Marcelino
(2009) aponta para o fato de que anteriormente os pais escolhiam as escolas para seus
filhos com base na proposta de ensino e a necessidade de se aprender outra língua era
suprida por meio dos institutos de idiomas. Com o tempo, as escolas regulares passaram
terceirizar o ensino de idiomas a fim de melhorar o ensino de inglês que era considerado
ineficiente por várias razões, como falta de fluência dos professores, número de aulas
insuficiente e muitos alunos em sala de aula. Nesse momento, surgem as escolas bilíngues,
escolas com a função pelo menos inicial de integração do papel dos institutos de idiomas e
das escolas regulares. Esse novo modelo de educação teve grande adesão das famílias
brasileiras que percebem as escolas bilíngues como uma oportunidade cômoda para
conseguir duas funções tão importantes e necessárias na educação de seus filhos: uma
educação de qualidade e o ensino de um idioma (MARCELINO, 2009, p.2).
Apesar desse crescimento significativo das escolas de educação bilíngue, não há
nenhuma lei nacional que embase este tipo de educação. Essa falta de regulamentação
nacional faz com que a própria definição do que é uma escola bilíngue se torne um tema
bastante controverso e repleto de mal-entendidos. As divergências ocorrem uma vez que a
educação bilíngue formal pressupõe conceitos distintos em função de questões étnicas, de
fatores sóciopolíticos, dos legisladores e dos próprios professores. Na mesma vertente,
Mello (2009) salienta que a própria expressão ‘educação bilíngue’ é utilizada de maneira
abrangente para caracterizar diferentes formas de ensino nas quais os alunos recebem
instrução ou parte dela em uma língua diferente da que utilizam em casa. Segundo a
autora, os modelos e tipos de educação bilíngue são variados e diferem quanto aos
objetivos, às características dos alunos participantes, à distribuição do tempo de instrução
nas línguas envolvidas, às abordagens e práticas pedagógicas, entre outros aspectos do uso
das línguas e do contexto em que estão inseridos.
Não há nem ao menos regulamentação para o ensino de línguas estrangeiras na
educação infantil e no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Os documentos destinados a
estes níveis de ensino tratam somente do ensino da língua materna, assumida como o
português. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental só tratam do
ensino de língua estrangeira a partir do Ensino Fundamental 2, isto é, a partir do 6o ano.
A demanda de parâmetros legais que regulem e norteiem as escolas de educação
bilíngue torna-se cada vez mais premente face ao aumento do número dessas escolas e,
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consequente, da necessidade de formação de professores que atuem nessas instituições. Em


relação à formação de professores para lecionar em escolas bilíngues, tema central deste
artigo, é essencial que recorramos à Lei 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), de 20 dezembro de 1996, que afirma que:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (Brasil,
1996).

Em outras palavras, a LDB determina que a formação mínima para que se possa
atuar na educação infantil e no ensino fundamental 1 é a graduação em nível superior em
educação, isto é, em pedagogia.
É indiscutível que o professor que atua na educação infantil bilíngue deve possuir a
capacidade integral para trabalhar e ensinar crianças pequenas. Desse modo, entende-se
que a formação superior em pedagogia se faz imprescindível. Porém, a um profissional
graduado em pedagogia falta a formação referente a aspectos teóricos relacionados ao
bilinguismo e a educação bilíngue, sem mencionar o conhecimento linguístico-discursivo
para atuar neste segmento.
Salgado e seus colaboradores (2009) argumentam que o professor que atua neste
segmento deve ser preparado para atender aos diversos propósitos das diferentes escolas
bilíngues no Brasil. Segundo esses pesquisadores, as dimensões continentais do Brasil
contribuem para configurar ambientes sociais diversificados que exigem e favorecem a
presença de uma escola bilíngue. Há escolas localizadas nas comunidades de fronteira,
escolas localizadas em comunidades descendentes de imigrantes, escolas localizadas em
comunidades indígenas, escolas localizadas em grandes centros urbanos que têm um
público de alto poder aquisitivo e procura oferecer aos seus filhos a educação bilíngue não
tanto como uma necessidade familiar ou social, mas como mais uma opção de
escolarização. Há também aquelas escolas que são criadas para atender uma população
migrante atual por questões de industrialização ou outras atividades econômicas
(SALGADO, et al, 2009).
Apesar desse contexto amplo e diversificado, podemos elencar algumas das
competências que seriam imprescindíveis ao professor que atua na escola bilíngue: saberes
sobre o bilinguismo e sobre o processo de se tornar bilíngue; conhecimento sobre os
processos e fatores envolvidos no biletramento; conhecimento linguístico e semântico das
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línguas ensinadas no contexto educacional bilíngue; conhecimento acerca das teorias de


aquisição de primeira e segunda língua; valorização da pluralidade cultural; compreensão
da organização de currículos e de planejamentos que envolvem o ensino por meio de duas
ou mais línguas e têm a interculturalidade como eixo central; conhecimento de teorias e
modelos educacionais bilíngues; domínio das diversas áreas de conhecimento, como
matemática, ciências e artes, entre outros tantos aspectos importantes que envolvem a
educação bilíngue.
É importante ressaltar que a educação bilíngue não se trata de apenas adicionar uma
segunda língua ao repertório do aluno. Esse tipo de educação deveria ter como questão
central o desenvolvimento de práticas linguísticas complexas que abrangem múltiplos e,
muitas vezes, contextos sociais diversificados. Desse modo, o professor deve estar apto a
lidar com um sistema dinâmico em que duas ou mais línguas participam em níveis quase
sempre bem variados projetando diversos graus de proficiência linguística nas muitas
práticas das línguas e com experiências de muitas culturas (SALGADO, et al, 2009).
Para suprir essa lacuna existente na formação de professores para contextos de
educação bilíngue surgem, embora a passos lentos, cursos de extensão e de pós-graduação
no Brasil que assumem a função de formar esses profissionais, uma vez que os cursos de
graduação parecem ignorar a crescente demanda por professores capacitados para atuar em
escolas bilíngues.
É claro que pensar a formação de professores nunca se resume a encontrar respostas
fáceis e prontas no que diz respeito às questões pedagógicas. Ao contrário, é tecer um
trabalho de constante articulação com as demandas práticas do contexto analisado e dos
saberes teóricos essenciais, que permitem a atuação de profissionais competentes para lidar
com as questões que emergem no segmento que atuam.

Bibliografia
BRASIL. Lei no 9.394, de 20/12/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília DF: MEC, 1996.

CAVALCANTI, M. Estudos sobre educação bilingüe e escolarização em contextos de


minorias lingüísticas no Brasil. D.E.L.T.A.,15, 1999, p. 385 – 417.

LE BRETON, J. M. Reflexões anglófilas sobre a geopolítica do inglês. In : LACOSTE,Y.


& K. RAJAGOPALAN (orgs). A Geopolítica do Inglês . São Paulo: Parábola, 2005, p. 12-
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MAHER, T. O dizer do sujeito bilíngüe: aportes da sociolingüística. Anais do Seminário


Desafios e Possibilidades na Educação Bilíngüe para Surdos. Rio de Janeiro: INES &
Editora Líttera Maciel, 1997.

MARCELINO, M. Bilinguismo no Brasil: significado e expectativas. Revista Intercâmbio,


volume XIX: 1-22. 2009. São Paulo: LAEL/PUC-SP.

MELLO, H. Educação bilíngue: uma breve discussão. 118. Horizontes de Linguística


Aplicada, v. 9, n.1, p. 118-140, 2010.

RAJAGOPALAN, K. A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil: por uma


política prudente e propositiva. In : LACOSTE,Y. & RAJAGOPALAN, K. (orgs). A
Geopolítica do Inglês. Parábola, 2005, p. 135-159.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia


das Letras, 1995.

SALGADO, A, et al. Formação de Professores para a Educação Bilíngue: Desafios e


Perspectivas. IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE III Encontro Sul
Brasileiro de Psicopedagogia. 26 a 29 de outubro de 2009 – PUCPR.

Antonieta Megale
Mestre em Linguística Aplicada pela PUC/SP. Doutoranda em Linguística Aplicada pela
UNICAMP. Coordenadora de Língua Inglesa da Escola Antonietta e Leon Feffer.
Professora do curso de extensão Bilinguismo: Teoria e Análise de dados da
COGEAE/PUC. Coordenadora do curso de pós graduação Didática para Educação
Bilíngue do Instituto Singularidades.

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