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2° SEMINÁRIO DE PESQUISA E EXTENSÃO

5 a 8 de novembro de 2019

POR QUE NÃO GOSTAMOS DE FALAR SOBRE O RACISMO?

Maria Antonieta Teixeira1


Daiane Oliveira da Cruz 2
Elisama Pereira da Silva3
Kethelen Emanuelle de Jesus Azevedo4

INTRODUÇÃO
A permanência de pensamentos e (re)ações preconceituosas na escola, nem sempre
veladas, ainda impacta face à obrigatoriedade da educação das relações étnico-raciais
estabelecida pela Lei 10.639, em 2003. Debater a questão do racismo (ainda) é necessária! E
“[...] mapear o trato que já é dado à diversidade pode ser um ponto de partida para novos
equacionamentos da relação entre diversidade [...]” e ação pedagógica (GOMES, 2004, p. 11).
Desde 2017, a temática das relações étnico-raciais causa (pre)ocupação, seja em sala
de aula, seja nas relações naturalizadas e preconceituosas observadas na comunidade
acadêmica. Neste sentido, o presente artigo apresenta a discussão teórica que fundamenta a
pesquisa Por que não gostamos de falar em racismo?, realizada na UEMG Cláudio, que busca
identificar representações que as(os) estudantes do curso de Pedagogia têm sobre o racismo,
bem como analisar as práticas escolares em relação às situações de racismo.
Acredita-se que as relações étnico-raciais no âmbito escolar ainda permanecem
impregnadas de uma história única, que desconhece a própria formação cultural que
(de)forma as identidades pessoal e coletiva. A concepção de educação permanece referenciada
na pedagogia moderna, que desconhece que professoras(es) e estudantes são sujeitos de
direitos e, dessa forma, não reconhece e valoriza a diversidade nos processos pedagógicos.,
ignorando que “[...] a chamada questão racial, no brasil, não pertence aos negros: pertence a
todos os brasileiros” (VALENTIM, 2010, s/n).

FORMAÇÃO DE PROFESSORAS(ES): IDENTIDADE PROFISSIONAL E


1 Professora de Sociologia na UEMG Cláudio. maria.teixeira@uemg.br
2 Graduanda do curso de Pedagogia da UEMG Cláudio. PAEx 2019. day.ane17hv@gmail.com
3 Graduanda do curso de Pedagogia da UEMG Cláudio. PAEx 2019. elisama-pereira@bol.com.br
4 Graduanda do curso de Pedagogia da UEMG Cláudio. Voluntária. manuazevedo1@hotmail.com
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5 a 8 de novembro de 2019

OS SABERES DA DOCÊNCIA
Os estudos sobre formação de professoras(es) têm mostrado que o trabalho docente,
além do conhecimento do conteúdo disciplinar e pedagógico, agrega suas vivências pessoais,
que são recuperadas em situações de ensino. O escopo aqui proposto considera a formação
inicial de professoras(es) fundamentada na análise das práticas pedagógicas, pois o trabalho
do docente expressa os saberes que ele traz consigo e, dessa forma, pode impossibilitá-lo de
articular os novos saberes e de traduzí-lo em novas práticas (PIMENTA, 1999; NÓVOA,
2007).
Refletir sobre as práticas sugere novas formas de se pensar a formação docente, na
medida em que evidencia os saberes que configuram a identidade profissional do professor.
“Logo, é a partir dos saberes práticos ou experienciais que os professores expressam seus
próprios valores, juízos e sua concepção de ensino, realizam julgamentos, interpretam,
compreendem e projetam suas próprias ações em sala de aula [...]” (TARDIF, 2002 apud
SILVA, 2009, p. 26).
Na fase aluno sendo professor o habitus discente expressa os processos socializadores
vividos por ele, revelando como a experiência e o sentido o afetaram. “A experiência é o que
nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”, como coloca o professor José Larrosa Bondía
(2002, p. 21). A identidade profissional do professor reflete a singularidade de sua história. No
entanto, a identidade constitui um processo de construção do sujeito. Identidades são, pois,
identificações em curso [...]” (SANTOS, 1997, p.135).
Segundo Nascimento (2003, p. 31), a identidade constitui-se na “encruzilhada
existencial entre indivíduo e sociedade em que ambos vão se constituindo mutuamente […] é
uma categoria complexa, pois trata-se de um processo que ocorre no âmago da do indivíduo
quanto no núcleo central da sua cultura coletiva”. A pessoa realiza esse movimento
continuamente, pois a identidade é sempre incompleta. “Tanto a identidade pessoal, como a
identidade social são formadas em diálogo aberto. Estas dependem de maneira vital das
relações dialógicas uns com os outros” (GOMES, 2007, p. 22).
Nesta perspectiva, o processo de formação inicial de professoras(es) é tratado de
forma articulada à temática das relações étnico-raciais. A diversidade cultural brasileira
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representa um campo desigual de forças baseado no mito da democracia racial, que mascara
relações preconceituosas e discriminatórias. Além disso, a cordialidade como traço cultural
adensa a suposta harmonia racial no país.
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes
escolares/realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que
os(as) educadores(as) compreendam que o processo educacional
também é formado por dimensões como a ética, as diferentes
identidades, a diversidade, a sexualidade, a cultura, as relações raciais,
entre outras (GOMES, 2005, p. 147).

A educação escolar é estratégica, considerando seu potencial formador e socializador,


no enfrentamento do racismo como um dos graves problemas de nossa sociedade, como nos
alerta Munanga (2005). Neste sentido, as DCNs da Educação das Relações Étnico-raciais
(2004) afirmam a necessidade de professoras(es) qualificadas(os) e sensíveis para
compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial e lidar
positivamente com elas.

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E A

OBRIGATORIEDADE DA LEI nº 10.639/2003


As relações étnico-raciais correspondem às interações entre diferentes grupos étnico-
raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus ou povos indígenas, dentre
outros. Assim sendo, especialmente no Brasil, as relações étnico-raciais impõem
aprendizagens entre brancos e negros, considerando a histórica prática do racismo.
O racismo é uma ideologia presente nas relações entre pessoas e grupos, no desenho e
desenvolvimento das políticas públicas, nas estruturas de governo e nas formas de
organização dos Estados. Segundo a ONU (2016, p. 11), o racismo “[...] se manifesta em
normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os
quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas,
falta de atenção e ignorância”.
A partir dessa perspectiva, compreende-se o racismo institucional ou racismo
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sistêmico que constitui um mecanismo estrutural que garante a exclusão seletiva dos grupos
racialmente subordinados – no caso, os negros. Trata-se da forma estratégica como “o racismo
opera de forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas
instituições e políticas públicas – atuando também nas instituições privadas, produzindo e
reproduzindo a hierarquia racial“ (ONU, 2016, p. 17).
Neste contexto, a implementação da lei 10.639/03 não foi apenas uma alteração na
LDBNE, mas uma ação política, social e significativa para a educação e para o seu efetivo
cumprimento é preciso conhecer a gênese de sua construção, compreendendo que advém do
reconhecimento da importância do Movimento Negro (MEIRA, SILVA; MELGAÇO, 2017;
BRASIL, 2003).
Acreditamos que todas as dimensões da realidade estão articuladas e
permeadas de saberes e, em nossa sociedade, a grande maioria dos saberes
das culturas que constituem nosso jeito de viver tem origens no legado das
civilizações africanas reelaboradas na dinâmica do dia-a-dia de nossas vidas,
embora haja profundo desconhecimento e ausência da história e da saga
africana no Brasil na educação de nível básico e nos níveis superiores de
graduação e pós-graduação (SANTOS; MACHADO, 2008, p. 96).

Os movimentos militantes de grupos afrodescendentes ou do próprio movimento negro


brasileiro, através de lutas, contribuíram para a criação da Lei n° 10.639/2003, que trata da
obrigatoriedade da História e Cultura Afro-brasileira, através dos parágrafos, do Art. 26-A da
LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o


estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil;

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão


ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

A criação da lei n° 10.639/2003 constituí marco histórico na educação e na construção


de uma sociedade mais justa e igualitária, que vai além de uma data comemorativa, não
somente aos que estejam ligados a causa, mas a todos, visto que trata da identidade do
mesmo. A lei n° 10.639/03 busca oferecer políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de
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reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade (BRASIL,


2003).
A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e
afirmação de direitos implica em implementar ações de valorização da diversidade, de
questionamento das relações étnico-raciais depreciativas baseadas em preconceitos e
valorização e divulgação dos processos históricos de resistência.
A escola é um dos espaços que interfere e muito no complexo processo de
construção das identidades. O tempo de escola ocupa um lugar privilegiado
na vida de uma grande parcela da sociedade brasileira. Esse tempo registra
lembranças, produz experiências e deixa marcas profundas naqueles que
conseguem ter acesso à educação escolar. Tais fatores interferem nas
relações estabelecidas entre os sujeitos e na maneira como esses vêem a si
mesmos e ao outro no cotidiano da escola (GOMES, 2005, p. 68).

A lei n° 10.639/2003 incita a revisão de conteúdos e práticas de forma


qualitativamente diferente, pois implica numa revisão epistemológica e ética que enfatiza a
diversidade como pressuposto para as relações sociais. É o direito à educação desafiado a
contribuir com a formação baseada no respeito. A educação para a diversidade desvela a
complexidade social e suas variáveis, cujas intersecções avolumam as desigualdades sociais.

METODOLOGIA
A pesquisa utiliza o método hermenêutico-dialético que se apresenta como um
caminho do pensamento para realizar a interpretação qualitativa dos achados da pesquisa. A
ciência é produzida na relação dinâmica entre a razão daqueles que a praticam e a experiência
que surge na realidade concreta. A hermenêutica e a dialética apresentam-se como momentos
necessários na produção da racionalidade. Essa complementaridade mostra que ambas
concordam que toda manifestação simbólica se dá sob condições históricas determinadas e
que não há pesquisador imparcial (MINAYO, 2004).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Foram realizadas entrevistas estruturadas com as(os) estudantes do curso de


Pedagogia, da UEMG Cláudio, de 2019, alcançando 90% do universo. Os resultados parciais
da pesquisa indicaram a naturalização das relações sociais e a falta de conhecimento sobre as
questões raciais no curso de Pedagogia.

CONCLUSÂO
A educação que tem a diversidade cultural como um desafio, deve enfrentar as
questões alteritárias a partir de um debate qualificado em bases epistemológicas e políticas
que desnaturalizem as relações sociais desiguais. Os processos de formação de professores(as)
dveme assumir a educação antirracista. .

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira",
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