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Caro leitor,
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Prefácio
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depender de ninguém para acompanhar. Não estava tentando superar nenhum
trauma ou querendo emagrecer, apenas ser feliz, moderadamente. Sempre
gostei de me relacionar com pessoas, frequentava diariamente a academia de
ginastica, praticando variações de aulas aeróbicas coreografadas. Ainda não
sabia que a corrida seria o esporte com que faria muitos amigos, nas pistas e
fora delas.
Completei minha primeira maratona com quase meio século de vida.
Na fase da vida na qual estava começando a me interessar por percursos mais
longos, sem tanta pressa para terminar.
O que é ser maratonista? Tecnicamente, correr uma prova de corrida de 42
quilômetros, ininterruptamente. Talvez pertencer a um grupo de pessoas que
une as mais diversas histórias em um único tema central, a superação. Ela nos
move e nos transforma. É o processo de autoconhecimento e de aprendizado
que não se dá através da razão, mas nas descobertas espontâneas, que nos
surpreendem, como nos sonhos que às vezes lembramos com nitidez, pare-
cendo reais.
Não me considero propriamente uma ultramaratonista, apesar de ter
completado uma distância maior que 42 km. Escolhi correr a Ultramarato-
na “ 2 Oceans” por ser considerada a prova mais bonita do mundo, com 56
quilômetros banhados pelo Oceano Indico e Atlântico. Dois Oceanos que se
encontram no Cabo da Boa Esperança, como um brinde à imensidão do Plan-
eta Terra. O desejo de correr a 2 Oceans nasce da ideia de celebrar a infinitude
das possibilidades, ao completar 56 anos de vida.
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Quilômetro 0
Durante muitos anos passei as férias de verão nessa casa da praia dos
meus avós paternos. Itanhaém era uma pequena cidade litorânea, que recebia
muitos paulistas de famílias tradicionais da capital durante o verão. Adorava
a ideia de conhecer outras pessoas, sem aquela mesmice da minha cidade do
interior. A nossa casa ficava na praia do Centro, a apenas dois quarteirões de
um cinema de rua. Foi lá que assisti ao meu primeiro filme, projetado em
tela grande, numa sala escura. Romeu e Julieta, censura 14 anos. Ainda não
tinha idade suficiente, mas nas férias eles faziam vista grossa para os turistas,
acredito que careciam de público. No final da sessão, ao sair na calçada, meus
olhos vermelhos e tímidos tentavam se esconder dos meninos que andavam
em grupos, rindo e fazendo graça.
Naquela época os garotos me irritavam, acho que gostava e até es-
timulava aquelas brincadeiras idiotas dos meus vizinhos, em que nós meni-
nas gritávamos, soltando risinhos em coro, sempre unidas em nossas insegu-
ranças e enfrentamentos. Um dia faziam as varas de pesca uivarem até abater
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um ou dois morcegos, ameaçando jogar aquelas criaturas horrendas sobre
nós. No outro pulavam o muro do quintal e a janela do quarto para besuntar
nossos pijamas e calcinhas com pasta de dente.
Quando chegamos na idade de frequentar os bailes noturnos do Iate
Clube, os sapos foram se transformando em príncipes, os tubos de pasta de
dente em tubos de lança perfume. O mundo começou a girar em ritmo frenéti-
co, embalado pelos sorrisos inocentes e corações eufóricos.
Naquela época eu tinha um sonho recorrente, que não sei ao certo quando
ele me abandonou. Sonhava com ondas gigantes, a maré subia lentamente,
avançando sobre o pequeno morro de areia, arrebentando a cerca do jardim,
até inundar a casa da praia. Acordava antes de me afogar. Os medos que trago
de lá, das marolas e dos morcegos, são ainda incontroláveis.
Daquelas férias de verão também carrego a lembrança do primeiro
beijo, meio na boca, meio na orelha, ao som da marchinha de carnaval: ai ai ai
está chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem e eu tenho que ir embora.
Subia a serra na quarta feira de cinzas, com a esperança de assistir ao mesmo
filme romântico no ano seguinte. O desejo era de voltar no tempo ou saltar
para o futuro.
Mais um ano escolar na cidade de interior, sem a liberdade de fre-
quentar os bailes noturnos, até o sol raiar. É verdade que tinha a matinê do
Tênis Clube aos sábados, a missa de domingo na Igreja de Santa Rita e a
saída do Colégio, onde os meninos mais velhos iam buscar suas primeiras
namoradas, de carro emprestado dos pais. Na minha cidade nós jovens di-
rigíamos antes dos 15 anos. Meu primeiro carro ganhei aos 16 anos, um fusca
branco, presente da minha madrinha.
A ansiedade era tanta para o final do ano chegar que torcia para acabar
logo o Natal, sem me importar com presentes ou com a festa familiar. De-
pois de comer a leitoa pururuca no dia 25 de Dezembro, estava liberada para
partir. Descia a estrada velha da Serra do Mar, percorrendo aqueles longos
quilômetros entediantes, Praia Grande, Suarão, Mongaguá, deitada no colo
da Tonica, minha amada mãe preta, a babá que criou minha mãe e todos nós,
os cinco irmãos. O coce-coce que ela fazia nas minhas costas, ininterrupto,
com suas unhas afiadas e macias, me fazia esquecer do tempo, lento, sempre
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atrás de algum caminhão.
Na casa da praia o tempo era outro. Dava início a temporada de
paqueras, fofocas e entre brigas e confissões, muito Hipoglós e caladril. A
vida parecia se resumir do réveillon ao carnaval. O resto era apenas a espera
e as cartas de amor, escritas na tentativa de deixar o tempo em suspenso até o
próximo verão.
Situações constrangedoras se transformavam nas memórias mais di-
vertidas, como a bochecha queimando de vergonha, no dia em que percebi
que minha perna era mais peluda que a do garoto bonito que me pedia em
namoro, numa tarde de domingo, na Praia do Sonho. Ou a marca feia de
queimadura no peito do pé, na tentativa frustrada de matar o maldi-
to bicho geográfico, que desenhava um mapa diferente a cada ano.
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Quanto mais significados atribuímos aos nossos objetivos, maior
nossa capacidade de realização, isso aprendi com a corrida.
Foram seis meses de preparação. Seis meses em que me priorizei, me
coloquei no mundo sem ressalvas nem concessões, que fui egoísta, atendendo
aos meus próprios desejos. Não sei se foi fácil ou prazeroso conviver comi-
go durante esse período. Para mim foi necessário, intenso e fundamental.
Dizem que a maior dificuldade não é a prova, mas superar o treino,
duro e exaustivo, até chegar, ileso, ao Grande Dia. Não para quem tem ami-
gos que compartilham seus sonhos. Tenho saudades de todos os momentos
que construíram o meu percurso até cruzar a linha de chegada. São as sur-
presas que produzem adrenalina e muitos outros hormônios conhecidos como
drogas do prazer.
O primeiro “ longão” rumo à 2 Oceans foi na véspera do Natal. Naque-
le dia acordei antes de o sol nascer, muito antes de o despertador tocar. Na
hora marcada encontrei meus amigos Cris Noba, Alfredo, Suzana, Clarinha,
Fê, Alê Hadade e nosso grande treinador Caco.
Todos precisamos de mestres para seguir ou nos inspirar, alguém que
nós identificamos como aquele que nos conduzirá por caminhos de aprendiza-
do e superação. Primeiro fui apresentada a uma assessoria esportiva, a Run&-
Fun. Praticamente um Clube de Corrida, e como o nome já diz, tinha aula de
corrida, mas também muita diversão. Muitos amigos de pistas foram con-
quistados, além de quilômetros entre diversas provas pelo mundo. Mas como
em qualquer grupo, desenvolvemos relações que extrapolam as fronteiras ge-
ográficas. Foi assim com meu primeiro coach, o Marcinho, que virou monge
e partiu para longe. Um amigo verdadeiro, que me deixou um substituto, seu
parceiro e amigo de todas as horas, o Caco. Como conhecia sua generosidade
e cumplicidade, sabia que não iria me decepcionar.
Aos poucos outras pessoas foram ficando mais próximas. Na primei-
ra Maratona, em Chicago, o Alfredo já estava presente, um cara reservado
porém parceiro fiel, sempre alerta, aparecendo naqueles momentos cruciais
para oferecer um gel ou copo de água. É físico nuclear, sabe falar japonês mas
nunca foi ao Japão. Quero ainda fazer a maratona de Tóquio com ele e com
Cris Noba. Descendente de japonês, ela não fala nenhuma palavra da
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língua paterna, mas segue a religião budista. No canto do seu quarto tem um
oratório, discreto, mas definitivo. Quando começamos a correr juntas, ela
ainda era dentista, especialista em tratamento de canal. Eu mesma cheguei
a fazer várias consultas. Um tanto solitária essa profissão. Com o tempo ela
mudou, radicalmente, e virou “boleira” (abriu uma loja de bolos), para es-
panto de todos os amigos. Eu diria que ela virou uma empreendedora de mão
cheia, depois de sua primeira maratona.
Eu conheci Suzana alguns anos mais tarde, quando ela foi fazer a sua
primeira maratona em Boston. Era a minha quinta prova de longa distância
e dividi o quarto com minha amiga Magu, que naquela época ainda corria.
Na 2 Oceans ela foi um apoio fundamental, junto com nosso treinador e meu
marido. Suzana começou a correr nas montanhas, depois de conhecer o Caco
(eu desisti desta modalidade já na primeira aventura que escolhi, na Serra da
Mantiqueira). Animada e intensa, ela alimenta sua curiosidade correndo com
várias pessoas, variando os perfis para maior diversidade de assunto. Tem um
fôlego que impressiona, força nas pernas e na cabeça, estabelecendo muitas
metas e fazendo cálculos.
Clarinha é a mais nova da turma, começou a correr e logo desenvolveu
um apetite por longas distâncias, coisa rara para garotas com menos de trinta
anos. Difícil administrar as baladas, amigos e pistas nas madrugadas. Treina
no ritmo da Fê, que trabalha como personal trainer, estuda veterinária e ama
cachorros, o que a torna a mulher perfeita para o Caco. Fiel companheira e
muito compenetrada, Fernanda sempre nos ajuda com muitos detalhes, como
as orientações de postura para enfrentar as subidas e dicas valiosas para lidar
com o nosso treinador.
Caco fez exército e tem muito orgulho dos aprendizados adquiridos
nessa época. Por certo aprimoraram seus talentos como profissional. Os es-
tímulos que nos contagiam vêm de sua seriedade, cálculos e estratégias mi-
nuciosamente estudadas e paixão pelo que faz. Está sempre ao nosso lado
quando estabelecemos grandes desafios.
Ele nos apresentou Hadade, companheiro das corridas de aventura,
um estilo de prova bem cascuda, que dura muitas vezes cinco ou seis dias,
sem dormir, navegando por regiões de natureza inóspita. Apesar da sua pai-
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xão do momento ser o tênis de quadra, resolveu entrar nesta aventura da 2
Oceans com a gente. Sorte nossa, porque ele é uma pessoa acostumada às
adversidades enfrentadas em treinos longos como aqueles. Chegamos a fazer
duas maratonas em uma única semana.
Em nosso primeiro treino em grupo, nos reunimos na frente da minha
casa, excitados, tagarelando em voz alta e tirando o sossego do pacato bairro
da Vila Beatriz. Ainda escuro, saímos correndo pelas ruas esburacadas e ín-
gremes em direção à imponente Avenida Paulista. Estava tão feliz que nem
me importava com a falta de calçadas e a feiúra da minha cidade. Nessa época
do ano os enfeites de Natal iluminam os vários estabelecimentos comerci-
ais, lembrando que nós paulistanos também temos coração. Ver os primeiros
raios de sol iluminar o viaduto do Minhocão, vazio, me motivou a correr mais
forte, na tentativa de dominar a elevação de concreto; a trilha sonora era um
remix do som da balada do Baixo Augusta, dando seus últimos suspiros, com
o ranger das portas da Igreja Universal se abrindo para os fiéis de domingo.
Nas ruas do centro da minha cidade tive a consciência da nossa diversidade
humana e me iludi com a possibilidade do convívio pacífico entre tribos tão
distintas.
Ao terminar os vinte e quatro quilômetros , eu só conseguia sentir uma
dor no dedão do pé direito, intermitente. Deve ter sido a novidade da descida,
longa e íngreme, da Rua Brigadeiro Luiz Antonio até chegar ao Monumento
às Bandeiras, no Parque Ibirapuera. Pressenti o problema mas pensei aliviada
que ainda restavam cento e vinte e cinco dias para recuperar a unha perdida.
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cima da poltrona, as roupas estão separadas, na ordem de vesti-las. A bermu-
da com bolsos laterais para carregar sete sachês de gel e o celular. As meias,
já testadas, com reforço para não causar bolhas inconvenientes. Para finalizar,
a calcinha e o top, peças fundamentais em uma prova como esta, de tecido
firme e macio, sem costuras. Depois de algumas horas correndo, qualquer
detalhe incomoda. Preciso me besuntar de vaselina, principalmente na curva
dos seios, virilhas e pés. Calço o par de tênis com as palmilhas sob medida.
Pego minha garrafa de 500 ml com um preparado de maltodextrina e saio
em silêncio do quarto para não acordar meu marido. Apresso meus amigos a
partir na van reservada para nos levar ao local da largada da prova. Prefiro
esperar horas, sempre fico vulnerável em compromissos com hora marcada,
imprevistos podem ocorrer. Se furar o pneu, tenho tempo de pegar um taxi.
Se tiver dor de barriga, tenho tempo de ir ao banheiro. O caminho está escuro
e não consigo me concentrar na paisagem. Aumento o volume do rádio e ten-
to me distrair conversando sobre a previsão do tempo, checo quantos sachês
de gel tem nos bolsos da bermuda, coloco mais um por precaução.
Surpreendo-me com uma larga avenida salpicada de milhares pon-
tinhos prateados. A visão criava um misto de deslumbramento e choque de
realidade, com tantos corredores vestindo as capas metálicas oficiais da pro-
va, que brilhavam na luz artificial, tentando enganar o frio daquela hora da
madrugada. Por baixo a maioria vestia camiseta regata, pois o clima pode ser
bem traiçoeiro nessa época do ano, esquentando além da conta.
Misturamo-nos à multidão com aparente naturalidade. Tento dis-
farçar o tremor dos lábios, me entregando sem nenhuma resistência. Vamos
avançando pelos vãos criados por acidente, ansiosos, à procura de um lugar
confortável e seguro para o momento da largada. Já estava me acostumando
ao som de muitas línguas faladas ao meu redor quando ouço os primeiros
acordes daquela música africana sair das caixas de som, instaladas ao longo
da avenida. As conversas foram diminuindo até que todos começaram a can-
tar uma canção, repetindo a uma mesma palavra estranha, que eu desconhecia
a definição, Shosholoza.
Shosholoza, “seguindo adiante”, muitos sabiam a letra de cor, impreg-
nada de significados potentes. Soube mais tarde que ela se tornou o hino da
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África do Sul, celebrada nas mais diversas ocasiões, por negros e brancos,
como símbolo da união e identidade do povo africano.
Por segundos o silêncio foi absoluto. Ouço o tiro de largada; perten-
cia agora àquele cardume de peixes, em movimento contínuo, formando um
redemoinho em direção à luz do sol.
O céu começa a clarear, aumento o volume da trilha sonora, fiel com-
panheira de tantos treinos, sem ignorar os barulhos, que me conectam com
aquele lugar. Distraída e empolgada, aumento as passadas para acompanhar
meus amigos Alfredo e Cris.
O primeiro erro foi cometido, logo na primeira parte da prova.
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A égua era castanha claro, não era bela como a égua Marilia, do meu
irmão, era mais robusta, porém muito mansa. O nome dela era Baia. O medo
que sentia dos bichos era nítido, desconfiava de todos eles, cachorro, inseto,
vaca. Não me cansava de observar o comportamento dos cavalos, livres, cor-
rendo pelos pastos da fazenda. Subir nele era o meu problema. Tinha pena de
usar as esporas que os meninos calcavam sem dó. Quando conseguia dominar
o pânico, flutuava feliz, com os cabelos longos dando nós ao vento, no galope
macio e sensual. Mas assim que o cavalo pegava embalo e a velocidade au-
mentava, o frio congelante na barriga estragava tudo. O medo era maior, frea-
va o máximo que podia aquelas rédeas, até quase cortar a palma das mãos.
Eu era sempre a última a chegar na cocheira, trotando devagar, em ritmo
constante e controlável, sem perder a pose e a altivez da menina que tinha o
mundo sob controle.
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braços e pernas, cada curva inclinada para a esquerda, depois à direita, como
se fosse sua sombra. Por um período funciona como uma recarga de energia,
como casa de vó, casa feita de doce de brigadeiro.
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Quando era criança preferia dividir a cama de casal com minha vó.
No quarto dela tinha também uma cama de ferro, alta, com uma manivela
esquisita, onde dormia meu avô. Eu coçava sua cabeça coberta de gesso com
a ponta do pente da minha avó. Nas noites de sono profundo ouvia minha avó
chorar. Não ficava triste, era tão gostoso dormir ali, sonhava colorido. Um
dia acordei e meu avô não estava mais do nosso lado e nem aquela cama en-
graçada. Os adultos não falaram nenhuma palavra sobre aquele mistério. Pas-
saram-se alguns anos até eu entender que as pessoas morriam. Não era muito
curiosa, ou pelo menos não gostava de fazer perguntas. Procurava sempre
descobrir tudo a meu modo, fazendo minhas próprias conexões e deduções.
Concluo que esses cabelos brancos à minha frente têm anos de práti-
ca, realizando a sua décima 2 Oceans; por isso conquistou uma cor especial
em seu número de peito. Seus filhos e netos, talvez estejam esperando por ela
na linha de chegada, com bandeiras e faixas escritas grandma we love you .
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gala, o baile anual de debutantes do Tênis Clube de Campinas. Ainda chupa-
va o dedo, escondido dos adultos, é claro. Era difícil me conter quando tocava
em algum tecido macio e dormia com o polegar esquerdo na boca, segurando
a barra do lençol entre os dedos da mão direita. Naquela noite cheguei às
quatro hs da madrugada, de vestido longo e salto alto, com a maquiagem um
pouco derretida e os cabelos soltos até a cintura, todo marcado de grampos.
Não consegui dormir, minha cama de espaldar dourado girava num ritmo
frenético, de repente só tive tempo de abrir a janela e colocar para fora um
liquido nojento, sujando o telhado do terraço da minha avó. Tentei não fazer
barulho para não preocupá-la. Na manhã seguinte despertei com a luz do sol
batendo no meu rosto. Estava sem coragem para abrir os olhos. Devagari-
nho, me aproximei da janela aberta, para confirmar o estrago e me surpreendi
com o telhado limpo, sem nenhum vestígio da noite anterior. Minha avó era
cúmplice dos meus segredos, ela ficava feliz e eu me sentia segura por isso.
Aos quinze anos viajei mais uma vez para a casa da praia, e subi a
serra na quarta feira de cinzas. Mas naquele ano foi diferente. Quando voltei
minha avó estava ausente, deitada numa cama de hospital, cheia de aparelhos
que não sabia para que serviam. O nó preso na garganta, o medo de chorar
e não parar, a ideia de não mais abraçar a pessoa mais amada, para sempre.
Desta vez a tristeza foi mais profunda, os amigos se tornaram mais impor-
tantes, e a vida seguiu de outra maneira. Aprendi a viver sem ela, sem as
saudades dela, mas nunca me esqueci da data do seu falecimento, 9 de março.
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Perco-me dos cabelos brancos que não eram da minha avó, pertenci-
am a outra mulher admirável, que provavelmente sabia onde queria chegar.
Retorno à minha trilha, embalada pelo meu próprio destino. Posso parar, pos-
so seguir, posso chegar até a encruzilhada e simplesmente desistir. Sempre
temos uma rota de fuga, ainda que possa parecer trágica, ela é apenas uma
alternativa, para outros caminhos.
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Quilômetro 15
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Aos doze anos me rebelei: - “ Não irei mais para a fazenda nos finais
de semana”. Declarei aos meus pais, com toda a petulância de uma típica
pré-adolescente, e do signo de Áries. Vivia sempre numa idade futura.
A fazenda me entediava, nada de novo acontecia. Dominava todos os
meus medos, e as aventuras da infância perderam seu colorido. Ainda não
tinha pêlos debaixo dos braços quando briguei com minha tia para comprar
meu primeiro sutiã. Depois de triunfar nessa batalha, fui aceita no grupo das
primas mais velhas e finalmente pude frequentar as matinês aos sábados no
Clube. A menina que queria tanto crescer, se perdeu em muitas trilhas, por fal-
ta de experiência. Dei sorte, fui salva por diversas ajudas externas e também
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por não reter rancor ou tristeza por muito tempo.
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Quilômetro 20
A primeira vez em que resolvi testar um trote leve foi longe de casa.
Viajava sozinha pela primeira vez. Não sabia como entrar em um restaurante
e pedir mesa para um, ler um livro inteiro sem comentar sobre o personagem.
Tudo era novo para mim e resolvi tornar isso uma vantagem.
Cheguei na pequena Cannes, no sul da França, ávida por explorar a ci-
dade. Nesse pequeno balneário, os turistas costumam acordar tarde e desfilar
até altas horas pela famosa Croisette, num ir e vir como nos antigos footings,
que minha mãe descrevia tão bem.
Acordei no dia seguinte com os primeiros raios de sol refletidos na
janela, ouvindo os sons das gaivotas que rodeavam os barcos do velho porto.
Peguei meu tênis seminovo, prendi um rabo de cavalo, e saí caminhando pela
orla, ao som do meu ipod, com playlist desconhecido. As calçadas estavam
sendo lavadas pelo caminhão-pipa da prefeitura e os hotéis começavam a
preparar as luxuosas espreguiçadeiras, estendidas sobre o deck de madeira,
na praia. Aos poucos fui me empolgando com cada “Bonjour” dos falsos
marinheiros, já suados de carregar equipamentos de som, colchonetes e toal-
has listradas de azul e branco. Os inúmeros iates, de todos os tamanhos, at-
racados na marina, aguardavam as garrafas de champagne para partir em um
breve passeio pelas águas verde esmeralda do mar Mediterrâneo.
Naquele dia, permaneci na repetição do movimento. Meus olhos pas-
seavam em diversas alturas e direções, olhava para o chão, fincando minhas
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raízes ao mesmo tempo em que mirava os pássaros e flutuava, desafiando as
leis da física. Nessa primeira tentativa como corredora não podia estar mais
presente no meu paraíso.
Senti prazer até mesmo com o vento mistral, típico da região, que
soprava violento, provocando desequilíbrio nas suaves passadas ao longo da
elegante avenida à beira-mar.
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cago, Boston, Berlim e Londres).
Em cada uma delas, tive muitos medos. Desde os primeiros treinos
até os momentos que antecederam a largada da prova. Medo de me machucar,
de me frustrar, de passar mal da barriga no dia do evento, de não conseguir
cumprir todas as planilhas de treino, de me sentir só.
Alfredo sofre de artrite reumatoide e corre maratonas. O tratamento
para controlar a doença autoimune é tomar doses de corticoides e baixar a
imunidade. O que contraria a orientação adequada à fase de treinos de uma
prova de longa distância. Tomamos muitos suplementos para aumentar a re-
sistência: Glutamina, aminoácidos, Omega 3, Arginina, e tantos outros dis-
poníveis. Para mim ele é um guerreiro, ao lidar com essa incompatibilidade.
Seu maior desafio não é bater seu recorde pessoal. Tem medo de sua batalha
interior.
Suzana tem muito medo de falhar. Questiona o tempo todo se aquilo
que está fazendo vale mesmo à pena. Para ela, cada treino precisa ter sua val-
ia. Não admite fraquejar. Escolheu provas de montanha, de longas distâncias.
Não basta correr, tem que ter muita estratégia. Seu maior desafio não é com-
pletar uma prova, mas dar o seu máximo, ser melhor do que esperam dela.
A Cristina tem medo de se apaixonar demais. Flerta o tempo todo com
outras atividades. Cross training; bares e cigarros com amigos; viagem com
as filhas. Seu maior desafio é comprometer-se com uma prova que a empol-
gue de verdade.
Nunca descobri os medos do meu treinador, Caco. Muito habilidoso
com os mapas e também em camuflagem. Seus sentimentos são preservados
no íntimo do seu ser. Nessa viagem à Cidade do Cabo ele se revelou extrema-
mente generoso. Sofreu e torceu por cada um de nós, ajudou muitos corre-
dores anônimos e fez o melhor purê de batatas da vida.
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a prova no ano anterior, onde um forte vento, vindo do Oceano Atlântico, de-
struiu o sonho de muitos corredores, que não conseguiram cumprir o trecho
no tempo limite. Correr contra o vento pode ser fatal, física e mentalmente.
A minha respiração sinaliza um descompasso. À frente só vejo o chão, duro
e impiedoso. Cometo mais um erro, desnecessário. Sofrer por antecipação ou
por algo que só existe como possibilidade.
Nossa mente é capaz de produzir muitas sombras, que causam angús-
tia e impotência. Romper com o fluxo dos pensamentos é a mágica da corrida.
Por alguns minutos me deixo trair, para, em seguida, assumir o controle das
minhas passadas, coordenando braços e pernas, distribuindo o peso do corpo
igualmente sobre meus pés. Sinto cada ponto nevrálgico dos pés, a dor como
possibilidade concreta de ser superada.
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que aparecia por entre as folhas rasteiras, como uma brincadeira de es-
conde-esconde. Aguçar os sentidos na infância é um caminho sem volta, nos
tornando mais curiosos e complexos.
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O sol sobre a cabeça sinaliza que nada será fácil. O calor aumenta
com o passar das horas. Nada é preto e branco. Percebo as cores fortes dessa
terra, presentes não só no artesanato, roupas e acessórios, mas no espírito do
povo africano. Estou no meio de uma manada de humanos e me deixo con-ta-
giar pela energia coletiva. Encontramo-nos no estado mais primitivo, pois
correr é natural do homem, seja para sobrevivência ou por vontade própria.
Sinto o cheiro de mata virgem, dos animais selvagens e das flores
silvestres. Finalmente o cheiro de maresia invade todo o meu ser. Prenuncio
a chegada do momento mais importante da prova. Aquele que se tornará uma
memória, produzida pelo coração. Não esquecerei suas cores; não menos-
prezarei cada detalhe dessa cena triunfal, que em breve fará parte das lem-
branças que compõem o amálgama da minha vida.
O que nos move a correr 56 quilômetros senão a alegria genuína?
Como pode sentir prazer o monge que jejua por dias seguidos? O que torna
essas experiências positivas? São questões muito pessoais. Nunca jejuei, mas
como na corrida, acredito que as motivações pertencem exclusivamente a
quem as vivencia e a tentativa de externá-las em palavras sempre irá diluir o
seu significado.
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no prédio onde morava. Uma paisagem sem horizonte, sem encantamento.
Ativei minha técnica da meditação, projetando botões de flores de lótus sob
meus pés. A cada pisada uma flor se abria, formando um rio de pétalas rosas
e brancas, seguindo o seu curso natural ao encontro do mar. Nadei até as
profundezas do oceano, grávida de trigêmeos. Saltei de um oceano a outro,
carregando comigo o essencial.
Nessa época, às vésperas de completar cinquenta e um anos, essa im-
agem nasceu potente. A ideia de correr 56 quilômetros com 56 anos; percor-
rer 56 quilômetros divididos em dois oceanos, cada um com sua imensidão
peculiar; superar cada quilômetro como um ato de fé, no que sou e naquilo
que não posso dominar e está em constante transformação.
Ao longo de cinco anos fui compartilhando meu sonho com outras
pessoas. Não imaginava que seria possível convencer mais do que um ou
dois amigos a encarar o desafio. Ao completar cinquenta e cinco anos, re-
cebi de braços abertos o melhor presente de todos. Formamos um grupo de
sete corredores que se tornariam em breve ultramaratonistas, com a ajuda do
melhor treinador do mundo. Os primeiros a aderir foram Alfredo, Cris e Su-
zana. Caco, empolgado com a possibilidade de surfar nas ondas da África do
Sul, convenceu Fernanda, sua mulher, que convenceu Clarinha e por último,
conhecemos Alê Hadade. Magu, nossa fiel companheira em diversas provas
anteriores, queria participar da viagem, e escolheu o possível para aquele
ano, beber bons vinhos e correr a distância da meia-maratona. Quem acha
que a corrida é solitária, se engana. Ela socializa, aproxima e aprofunda os
relacionamentos.
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realidade pode ser alterada pelo mais ínfimo detalhe, como uma costura da
bermuda que nunca se fez presente. A sensibilidade aumenta em proporções
inimagináveis e algumas vezes se torna um fator de pressão que não con-
seguimos suportar. Passo por eles mirando o horizonte à minha frente, minha
mão esquerda acena discretamente, disfarçando o cansaço e os batimentos
acelerados. O inevitável e temível confronto de olhares me conforta, aumento
o ritmo espontaneamente, a escolha é natural.
Ainda me encontro em algum lugar entre os dois oceanos. Olho para
o horizonte e vejo as copas das árvores se movimentando num balé ensaiado.
Na ausência do azul, surge à minha frente uma abundância de tons de verde,
com pinceladas de rosa choque, amarelo, vermelho. O vento toca suave,
suave, resfriando o topo da cabeça. Checo o relógio. Deixo-me impregnar de
otimismo com a ajuda da endorfina, leptina, serotonina, adrenalina... todas
elas resolveram aparecer em bando, para animar a festa.
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Apesar de ter nascido sob o signo de fogo, tenho a lua em libra, suavi-
zando as cores do meu mapa astrológico. Talvez por isso permito alguns tons
pastéis no meu armário, além do preto predominante. Às sextas-feiras só vis-
to branco, hábito que adquiri quando passei o primeiro final de semana ao
lado de Mãe Cleusa, a doce ialorixá (mãe-de-santo) filha de Mãe Menininha
do Gantois, da Bahia. Não sigo a religião do Candomblé, mas tenho muito
respeito e admiração por ela. Frequentei por alguns meses o ninho acolhedor
da sua casa; participei da festa de Oxum, Orixá das águas, na intimidade do
terreiro do Gantois. Nunca entendi porque ela não jogou os búzios para mim.
Também não saberia explicar porque nunca perguntei a ela de qual orixá sou
filha.
Um dia ela me telefonou, pedindo para comprar uma muda de planta
que ela tanto adorava e não conseguia encontrar em Salvador. Não sabia o
nome do arbusto, apenas me descreveu que tinha pequenas bolinhas vermel-
has nas pontas de seus galhos. Por alguma razão eu sabia qual era. Estabele-
ceu-se a troca, com a mágica da vida.
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Quilômetro 30
Quando alguém pergunta: qual foi a sua melhor idade? Fico sem re-
sposta. Mas se alguém me questiona: se pudesse voltar ao passado, qual a
idade gostaria de ter? A resposta é imediata, não gostaria de voltar ao meu
passado. O presente é enigmático, por mais complexo e problemático ele
possa ser.
Corro essa prova antes de completar 56 anos. No meu mapa da 2
Oceans, o último quilômetro representa a força contida na ideia de futuro, e
cruzar o pórtico de chegada, uma passagem para o início da próxima jornada,
como uma permissão divina para continuar criando a minha realidade.
Estou na segunda metade da prova, venci muitos obstáculos inesper-
ados, e apesar das visíveis fragilidades, não pareço duvidar do meu destino.
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os atletas de elite e alguns amadores apenas. Nosso polimento foi até a
véspera do dia da prova, quando percorremos a Chapman’s Peak de carro,
para reconhecer nosso maior desafio. Como um técnico, que estuda detal-
hadamente os jogos anteriores do time adversário, parecíamos mais íntimos
agora e isso me deixava ligeiramente confortável. O Caco me alertava, pela
última vez, que nesse trecho devo caminhar em passos rápidos, mantendo
o corpo ligeiramente inclinado para frente, abdômen contraído e o olhar na
altura do horizonte do mar.
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uma placa na parede, com a frase: idade máxima 25 anos. O anúncio era
do Club Med, oferecendo vagas para G.O. (gentil organizador). Paralisada
diante de algo imponderável, tive a sensação estranha de não pertencimento.
Não desejava aquele emprego, porém a advertência, idade máxima, me choc-
ou. Foi a primeira e talvez a única situação em que a idade pesou. Não era
mais a menina precoce, que queria tanto crescer.
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Como lidar com a imprevisibilidade da vida, e com a nossa reação
diante de fatores externos inesperados? Aprendi com a corrida a aceitar aqui-
lo que não podemos dominar. Dar o próximo passo sou eu quem decide, e é
justamente nesta escolha que me concentro, colocando toda a minha energia
para agir da forma mais positiva.4545
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Quilômetro 33
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estava estabelecida como inquestionável até aquele fim de tarde de 11 de
Setembro. Tudo aconteceu como um tsunami, com seu poder diabólico de
destruição. O dia seguinte foi muito mais difícil. A estúpida ideia de não mais
pegar em sua mão. Ao abrir a porta do quarto, encarei minha mãe e seu abraço
sofrido, perturbador. Chorei pela primeira vez aquela dor que não conhecia.
Aguardava o encontro com minhas filhas, Joana e Carol, com a ansiedade,
pelo tempo que não chegava e a angústia, pelo tempo que não ia embora.
O desejo de transpor o presente, saltar para o futuro na esperança de
não mais sentir a imensidão desse mar de tristeza. Elas tinham nove e seis
anos, viajavam com as amigas inseparáveis, que moravam na casa ao lado,
e não presenciaram nada. Alguém decidiu, talvez eu mesma, não avisá-las
a tempo do enterro. O peso insuportável da espera, do silencio forçado, da
ausência de palavras adequadas. Não me lembro onde encontrei o pequeno
“ Livro dos Anjos”. Intuitivamente, caminhamos até o jardim e sentamos no
gira-gira do parquinho. Pedi que cada uma olhasse para o céu e abrisse o livro
em uma página aleatória, pensando no pai. Li as mensagens para elas. A partir
desse dia, fizemos um combinado, daríamos as mãos sempre que sentíssemos
medo ou tristeza, e conversaríamos com ele através dos anjos. O meu peque-
no Chico, de três anos, permanecia sentado no sofá. Assistia imóvel ao filme
“Robin Hood: o Príncipe dos Ladrões”, com duração de 143 minutos, e como
se estivesse em looping, o VHS rodou pela segunda vez.
Com o tempo meu colo se expandiu, conseguindo carregá-los pelo
mundo, nas mais adoráveis aventuras. Na nossa casa tinha banho de espuma,
roupas de balé e toucas de natação, fantasia de palhaço. Adoravam brincar de
pirata com o avô; e como o caçula não sabia decorar texto, sempre interpre-
tava o cachorro, nas peças de teatro produzidas por suas irmãs.
Sempre confiei no destino, ainda adolescente já consultava o livro de
adivinhações “I Ching” e tirava a sorte no tarô. Mais tarde conheci uma as-
tróloga genial e adquiri o habito de fazer a revolução solar. Naquele ano não
me lembro de nenhum trânsito de Saturno, ou qualquer outra configuração
astrológica, alertando para tamanha mudança brusca. Ou será que esqueci de
consultar minha astróloga em 1992?
Tudo ficou diferente, nada ficou no mesmo lugar. Exploramos outros
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jeitos de viver, outros encantamentos. O tempo preservou o afeto daquela
relação em uma redoma de cristal. Na compreensão da própria existência
veio a consciência do que é felicidade, na dor ela se torna ainda mais potente.
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Não estou sozinha. Divido minha história com os demais corredores,
padeço da mesma dor e compartilho com eles os mesmos obstáculos.
Sinto a presença do Alfredo, amigo fiel, que divide o pão na chapa depois dos
treinos, todas as manhãs de sábado. Não precisamos falar nada, cada um sabe
o que o outro está passando e a torcida é verdadeira. Ele resolve tirar uma
foto, registrando o que é impossível revelar.
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Quilômetro 36
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Os medos vão mudando com a idade. Quando adultos, eles são mais
concretos. O sofrimento é o maior de todos, os fantasmas não são mais de
outros mundos. Sigo em frente, desta vez a descida é impiedosa e íngreme,
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me forçando a apressar o passo, na esperança de encontrar uma nascente
de água refrescante na beira do caminho. Checo mais uma vez o relógio. O
cansaço é temporário, ele ataca em ciclos, sempre tentando dar o golpe de-
finitivo de nocaute. Os monstros começam a se alimentar do medo, minando
a minha autoconfiança. Cada um de nós tem uma reserva de energia, muito
bem guardada pela natureza, que se torna disponível quando estamos em sit-
uações limite.
O maior erro de principiante é pensar que a subida é o grande desafio,
pois o problema mesmo está na descida. As articulações sofrem mais com o
impacto; os quadris começam a travar e o desgaste físico é muitas vezes fatal.
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Campos de Jordão foi o local que Caco escolheu para realizar o último
grande desafio do longo período de cinco meses de treino para a 2 Oceans.
Estávamos ansiosos e apreensivos, excitados e confiantes. O maratonista é
muito incoerente e contraditório. Do mesmo jeito que é corajoso o suficiente
para correr mais de quatro horas ininterruptas, se fragiliza por pequenas boba-
gens.
Nesse dia o percurso não foi revelado. Começamos a correr dentro
do perímetro urbano, pela avenida de asfalto, margeando o trilho do trem.
Percorremos quase vinte quilômetros em terreno plano, com ar fresco e ritmo
mais acelerado. Para quem não conhece Caco, esses fatores poderiam signifi-
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car a recompensa, como um presente que ele reservou para todos nós, uma es-
pécie de prêmio por ter chegado até ali, com a missão quase completa. Quem
sabe do seu passado, de seus orgulhosos relatos em tempos de exército, cujo
grito de guerra é Selva, não se deixa enganar. Surpresas virão. Quase é uma
palavra apagada no seu dicionário.
Aos vinte e dois quilômetros, o terreno começou a inclinar. A cada
curva, a beleza daquele vale se expandia para além das minhas expectati-
vas. Aumentei o som do meu ipod e subi, em passos cadenciados, sem olhar
para o chão. Os horizontes sempre me encantaram, com suas linhas distantes,
intocáveis. Depois de muitos minutos, ao atingir o topo da montanha, fui
tomada por um ânimo incontrolável, como se tivesse ingerido uma droga alu-
cinógena. Dançava, corria, cantava, dançava, até perder o fôlego. O refrão da
canção que tocava naquele momento fazia todo o sentido – When everything
is wrong we make it right . Foi tão genuíno que não fui recriminada pelo nos-
so treinador e ninguém ousou me tirar daquele torpor.
Voltei para a dura realidade que veio a seguir, uma descida íngreme,
que logo depois percebi que também era longa . A cada curva, a esperança
do fim do martírio. A paisagem se fechou por entre arvores imensas, porém
nada conseguia amenizar as dores que começavam a surgir. Diminuí o ritmo
para não me machucar, ainda anestesiada e empolgada com a ideia de missão
cumprida. Desprevenida, percebi que outros golpes estavam programados,
certeiros e necessários.
Esse treino foi desenhado para preparar nossas mentes, especialmente
no tre cho da estrada de terra do Caminho da Fé. Havia mais um aprendiza-
do fundamental para assimilar. Naquele dia amaldiçoei meu treinador, que,
estrategicamente, não apareceu nos quilômetros finais. Sem saída, tive que
seguir caminhando até o último metro dos quarenta e seis quilômetros, sob o
sol quente do meio dia, comendo poeira e sem vontade alguma de rezar.
Nesse dia, concluí minha trilha sonora da 2 Oceans. Salvei o playlist,
consciente da minha transgressão. Fones de ouvido são proibidos em todas
as grandes provas de corrida, por medidas de segurança. No meu filme da 2
Oceans, a trilha sonora é parte da narrativa, correrei o risco e serei discreta
ao esconder os fios debaixo do boné.
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Sigo em frente sem me render aos novos sabores, não por falta de
vontade mas por puro bom senso. Não é fácil restabelecer o ritmo da corrida
quando o corpo se acomoda e a mente está prestes a te trair.
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A mágica se dá nas novas descobertas, onde a paixão surge mais potente. O
desejo de seguir é latente. Vou ao encontro do meu destino, que se revela aos
poucos, moldando meus sentimentos. O amor sublime.
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Quilômetro 42
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Acordei naquele dia em paz com meus irmãos. Não me recordo da
motivação que me fez acompanhá-los pelo pasto, naquele fim de tarde na
fazenda. Os trovões estavam cada vez mais ensurdecedores, e não demorou
para uma chuva forte começar a cair, com pingos grossos seguidos de pe-
quenas pedras de gelo. Os quatro meninos começaram a correr, resolvendo
encurtar o caminho e pular a cerca do vizinho. Não tive outra alternativa, o
arame farpado era apavorante para mim, mas eles não prestavam a mínima
atenção aos temores femininos. Me enchi de coragem e ao saltar para o out-
rolado, fiquei cara a cara com um touro. Acho que foi ali que aprendi a correr
de verdade. Nem a asma teve tempo de atacar. Cheguei até a próxima cerca,
sem folego, sem coragem, sem acreditar. Estava a salvo, ensopada e com a
roupa rasgada. Todos riam enquanto se sujavam ainda mais nas corredeiras
de lama que se formavam na beira da estrada. Eu me juntei a eles, feliz por
transgredir as regras, sem me importar com a bronca que iria levar dos meus
pais, ao chegar em casa.
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sorrir sem pudor, num pequeno barco de alumínio, navegando nas Ilhas re-
motas do Pacifico, no atol de Bikini. O azul intenso do seu olhar era capaz
de hipnotizar até os tubarões, donos daquelas águas, abundantes. Eu e ele,
destemidos, entorpecidos, num mar distante de outras vidas, de nossas vidas.
Nesse oceano fizemos nosso autorretrato, que permanece pendurado na pare-
de do quarto, até hoje, em preto e branco.
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Quilômetro 48
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néctar dos deuses. Na sacada da janela lateral da sala, pendia uma planta de
aparência delicada, chamada flor-de-coral. Não resistia ao ímpeto de explodir
todos os seus botões, com aparência de pequenas cápsulas vermelhas, que
nasciam em profusão nos meses de outono.
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Quilômetro 55
Por três vezes ouvi o choro mais desejado da vida. Por três vezes a
emoção foi única, e o desejo de voltar ao início da gestação, verdadeiro.
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Quilômetro 56
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O Dia Seguinte
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Epílogo
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A sala de jantar da minha avó ficava fechada a semana inteira, à es
pera do almoço familiar de domingo. Ficava hipnotizada pelas pinturas de
natureza morta, com suas maçãs e pêssegos suculentos, emolduradas em ma-
deira dourada, impondo a hierarquia familiar. Aquelas frutas me provocavam
sensações indefinidas, um doce prazer aos olhos e o desejo de devorá-las. A
atração por este gênero de pintura permanece até hoje, uma memoria afetiva,
como o colo da minha avó, aconchegante e incondicionalmente disponível.
Quando jovem gostava de imaginar outros mundos de onde vieram
meus bisavós e tataravós. Desejava extrapolar as fronteiras, expandir meus
horizontes, habitar outros territórios, distantes.
Na parede lateral havia uma cristaleira de madeira escura, repleta de
belas taças de cristal que só eram usadas no dia de Natal. As mesmas que her-
dei e por anos guardei em armários de compensado, a espera de uma ocasião
especial.
Agora a avó sou eu. Resolvi colocá-las em uso e brindar a vida diaria-
mente, com uma pequena taça de vinho. Talvez a próxima geração não herde
o jogo completo, mas certamente farão bom uso do que restar.
Meu médico do esporte, homeopata e ultramaratonista, me disse uma
vez que a qualidade de vida longeva depende de bons hábitos como exercício
físico, alimentação saudável e um bom vinho para acompanhar.
Sou uma eterna aprendiz.
2017 foi o ano em que corri a mais bela de todas as maratonas, a Big
Sur Marathon. O percurso segue pela cênica Highway One, estrada costeira
da California, começando na esotérica cidade de Big Sur e finalizando na
encantadora Carmel. A partir da experiência da 2 Oceans, minhas escolhas
têm sido pautadas pela beleza da natureza, coincidentemente sempre contem-
plando os oceanos. Admiro as montanhas, e sei que chegará o tempo delas na
minha vida. Por enquanto resisto aos seus desafios.
Prefiro a sensação de pisar no chão, dominando o ritmo das passadas, fluidas
e constantes. Não pensar, não refletir, não racionalizar. Soltar os pensamentos
ao vento, e respirar livremente.
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2 Oceans por outros olhares e corações
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Ale Hadade
A primeira vez que ouvi falar da Denise foi em 2003 por meio do
Marcio Campos, hoje o monge Ishwarananda. Eu fazia corridas de aventura
pela equipe Selva, junto com o Marcio e o Caco. O Marcio falava muito da
Denise e de suas filhas, sempre elogiando-as. Dez anos depois, em 2013, o
Caco me chamou para conversar e falou que a Denise iria fazer 56 anos e que
para comemorar, ele iria treiná-la para fazer uma Ultramaratona na Africa
de Sul de 56km. Me convidou para fazer e eu topei na hora. Um convite do
meu mestre e amigo é uma missão dada. E missão dada tem que ser missão
cumprida.
Com a equipe Selva eu já tinha feito várias provas de montanha muito longas,
de mais de 500km, mas nunca tinha feito uma Maratona de rua. Realizei uma
das experiências mais incríveis da minha vida. Não só os 56km percorridos
em abril de 2014 em Cape Town, a maravilhosa sensação de completar, de
cruzar a linha de chegada, mas a jornada de seis meses de treinos e viagens
com a Denise, o Caco, a Fê, que foi minha personal neste período, a Susana,
a Cris e o Alfredo. Viramos uma família e vivemos estes meses intensamente
para nos prepararmos para esta aventura. Tenho lembranças que estão cra-
vadas na minha alma e que guardo com muito amor e carinho. Momentos in-
esquecíveis celebrando os 56 anos da Denise, celebrando a vida, celebrando
o esporte, a amizade e a natureza. Gratidão enorme a Denise e a toda turma
por ter feito parte desta linda celebração.
Alfredo
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texto de um determinado estado emocional, assim como por meio de uma
determinada experiência vivida. Deixando de lado a parte técnica da neuro-
ciência ou neurofisiologia do processo de formação da memória, assim como
no romance de Marcel Proust, gostaria que um biscoito chamado madeleine
pudesse me transportar em uma dimensão da memória para poder trazer a
emoção original, verdadeira e natural. No entanto, sem os tais biscoitos ma-
deleine, tentei reavivar e buscar a emoção original observando as várias fotos
que foram tiradas nas diversas situações da época. As fotos dos treinos em
diversos locais, os locais que visitamos na véspera, algumas durante e depois
da prova. Talvez com um pouco de sucesso nesse resgate da memória, lembro
hoje da mistura de emoções, como a ansiedade, insegurança, as lembranças
dos treinos para a preparação da prova. A maior e a mais marcante emoção
desta prova foi o sentimento da minha capacidade de realização, a auto-su-
ficiência, a felicidade indescritível e a imensa gratidão de compartilhar este
momento único com um grupo de pessoas muito especial.
Clara
Se eu tivesse vivido essa prova sem eles, ela não teria tido a mesma
graça e não seria o que é para mim hoje! Correr a Two Oceans me fez sim
uma mulher mais forte e me deu os melhores sentimentos que tenho guardado
no peito. Respeito, amor, amizade, cumplicidade, leveza e muita saúde para
seguir correndo milhares de quilômetros ao lado de todos eles!!
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Cris
Fernanda
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Suzana
Professor Caco
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O grupo era divertido e com diferentes ritmos. Logo percebi que al-
guns não estavam prontos para completar a prova dentro do corte. Mas para
que serve o treinamento? Vamos treinar!!
Além de precisar aumentar a velocidade no ritmo de todos, tive que
usar uma estratégia de treinos psicológicos. Programei treinos longos, com
muito desnível, para dar a confiança necessária para encarar a prova. O ponto
culminante foi um treino em Campos do Jordão, com uma altimetria quatro
vezes maior do que na prova. Ali fiquei mais tranquilo, e constatei que todos
teriam a chance de realmente completar a prova dentro do tempo permitido.
Depois de três semanas, chegou a data da grande viagem, sem-
pre chega !!!! A prova é realmente grandiosa e em um lugar maravilhoso.
Logo percebi que Two Oceans é uma religião, muitos corredores com várias
edições realizadas. Dois dias antes da largada, fizemos um reconhecimento
providencial do percurso para tranquilizar o grupo sobre as assustadoras e
comentadas subidas. Finalmente a largada, e minha função, junto com Willy
e Magu, era apoiar durante todo o desafio de 56 km. Fomos para o km 10 e
todos passaram bem. O próximo encontro foi no km 25, todos bem, e fomos
para o último encontro do percurso, no final da última subida, no km 45, onde
tinha um “corte de tempo”. Ale foi o primeiro a passar, joguei spray ice nas
suas pernas que estavam com dor e corri um pouco com ele. Falei um frase
que falo nas provas de aventura: “quando o corpo não aguenta, só a moral que
sustenta, selva!!! Logo na sequência, passaram Fê e Clara, tranquilas para
terminar a prova. Depois vieram Cris e Suzana, e mais spray nas pernas.
Muitos participantes corriam desesperados em minha direção, pedindo para
eu jogar spray em suas pernas. Logo depois passaram Alfredo e Denise, já
com o tempo mais apertado, mas estavam bem. A pior parte da prova tinha
acabado e todos seguiam para finalizar a prova.
100% de aproveitamento, todos felizes de completar o desafio e o
mais importante, todos bem e com saúde, missão cumprida!!!!
Prof. Caco Fonseca
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“Gosto de sonhos e muito...
Falam que sonhar com vários peixes a nadar, é presságio de
algo sagrado, fortuna e saúde.
E olha que meu sonho foi tão, tão real que eu diria que
precisou de 33 segundos para me hipnotizar.
Aliás, esse foi o tempo que a vida lhe marcou para que ela
dividisse, com tamanha sabedoria, o seu olhar sobre esse
Todo que a envolve.
Naquele dia tive a certeza que ela ía muito além, bastava
que a olhasse “através de”, pelos olhos da alma.
Tão fortaleza na dor e no amor. Bagagem que transcendia
qualquer tempo, qualquer ensinamento.
Por dentro, confesso, corri uma maratona inteira só pra não
perder nenhum detalhe da história dela que, entre canções,
murakamis e seu próprio mantra, transcendeu as palavras e
transbordou às entrelinhas escondidas num oceano imenso,
onde certamente ela se reencontra... Imersa no infinito e
envolta por um lindo cardume, afinal, ela certamente tem o
sagrado dentro de si”.
Tati Cavalcante
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Brilha brilha estrelinha,
Quero ver você brilhar
Baila linda
Bailarina
Ilumina este céu...
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