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Coleção

THEOTONIO NEGRÃO
Coordenação José Roberto F. Couvêa
DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES
Mestre e Doutor em Processo Civil pela USP.
Professor de Processo Civil na UNIP, no Curso Praetorium RJ/BH, no
DIEX/SP e na Fundação Escola Superior do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios. Advogado em São Paulo.

AÇÕES PROBATÓRIAS
AUTÔNOMAS

2008

Editora
Saraiva
IS B N 978-85-02-05274-1 (obra completa)
IS B N 978-85-02-06995-4
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Neves, Daniel Amorim Assumpção


Ações probatórias autônomas / Daniel Amorim
Assumpção Neves. — São Paulo : Saraiva, 2008.
- (Coleção Theotonio Negrão)

Bibliografia.
1. Ação declaratória - Brasil 2. Medidas cautelares
- Brasil 3. Processo cautelar - Brasil 4. Processo civil
- Brasil 5. Prova (Direito) - Brasil Título. II. Série.

08-00564 CDU-347.941 (81)

índice para catálogo sistemático:


1. Brasil : Ação probatória autônoma : Direito
processual civil 347.941(81)

Data de fechamento da edição: 15-2-2008.

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Para Aline, a mais linda.
Obrigado por tudo, em especial
por.me ensinar o que é o amor.
SUMÁRIO

A figura admirável de Theotonio Negrão ..................... XIII

Capítulo 1— Introdução .......................................... 1

Capítulo II — Natureza jurídica das chamadas "cautela-


res probatórias"................................................ 9
1. Natureza jurisdicional......................................... 9
2. Natureza cautelar — nova visão do periculum in
mora nas medidas probatórias cautelares.............. 22
2.1. Instrumentalidade do processo cautelar e das
cautelares probatórias.................................. 22
2.2. A exigência do periculum in mora para a conces­
são da medida cautelar probatória................. 26
2.3. As medidas cautelares probatórias na pendên­
cia do processo principal.............................. 46
2.3.1. Natureza cautelar............................... 46
2.3.2. Autonomia da tutela cautelar............... 59
2.3.3. Antecipação da tutela e autonomia do
processo cautelar............................... 65
2.3.4. O art. 273, § 7a, do CPC — fungibilida-
de das tutelas de urgência.................... 69
2.3.5. A manutenção do processo cautelar autô­
nomo incidental e sua dispensa no caso
de produção antecipada de prova......... 76

Capítulo III — Cautelares probatórias e prova empres­


tada ................................ ................................ 82
1. Conceito de prova emprestada............................. 82

VII
2. Prova emprestada e princípio da oralidade............. 86
3. Razões justificadoras da existência da prova empres­
tada ................................................................. 91
4. Exigências para a utilização da prova emprestada.... 98
4.1. Contraditório.............................................. 99
4.2. Identidade do juiz do processo em que a prova
é emprestada e daquele em que é recebida.... 110
5. Atipicidade da prova emprestada......................... 114
6. Valoração da prova emprestada e da prova produzi­
da antecipadamente........................................... 129
7. Prova emprestada e produção antecipada de provas.. 132

Capítulo IV — Produção antecipada de provas............ 134


1. Produção e asseguração da prova — indevidas críti­
cas ao nome legal.............................................. 134
2. Natureza jurídica............................................... 141
3. Legitimidade..................................................... 146
3.1. Legitimidade ativa........................................ 146
3.2. Legitimidade passiva.................................... 152
4. Intervenção de terceiros...................................... 155
5. Competência..................................................... 163
5.1. Inaplicabilidade da regra estabelecida pelo art.
800 do CPC................................................ 163
5.2. Prevenção do juízo da produção antecipada
de provas................................................... 173
6. Objeto da antecipação de prova.......................... 178
6.1. Prova oral................................................... 178
6.2. Prova pericial.............................................. 186
6.3. Outros meios de prova......... ........................ 188
7. Procedimento..................................................... 192
7.1. Petição inicial............................................. 193
7.1.1. Mérito da produção antecipada de provas 197
7.1.1.1.Fumus boni iuris....................... 198

' VIII
7A .1.2. Periculum in mora................... 205
7.2. Liminar...................................................... 209
7.3. Respostas do requerido................................ 214
7.3.1. Exceções rituais................................. 215
7.3.2. Reconvenção..................................... 217
7.3.3. Contestação....................................... 219
7.3.4. Preparação e realização da prova......... 223
7.3.4.1 Prova oral.............................. 223
7.3.4.2. Prova pericial.......................... 229
7.3.5. Repetição no processo principal da prova
produzida antecipadamente................. 231
7.3.6. Sentença........................................... 234
7.3.7. Ônus de sucumbência ........................ 237

Capítulo V — Exibição de coisa ou documento............ 239


1. Conceito de exibição.......................................... 239
2. As diferentes espécies de exibição de coisa ou de do­
cumento............................................................ 240
2.1. Exibição como meio de prova durante a fase ins-
trutória....................................................... 241
2.2. Exibição preparatória para conhecimento de
dados a instruir a ação principal.................... 247
2.3. Exibição fundada em direito material sobre a
coisa ou sobre o documento......................... 254
2.4. Exibição.cautelar de coisa ou de documento.... 262
3. Conclusão a respeito das diferentes espécies de exi­
bição de coisa ou de documento......................... 272
4. Procedimento da ação autônoma exibitória........... 275
4.1. Competência.............................................. 276
4.2. Legitimidade............................................... 279
4.3. Petição inicial e liminar............................... 282

IX
4.4. Respostas do demandado............................. 285
4.5. Ausência de exibição................................... 287
4.6. Sentença..................................................... 290

Capítulo VI — justificação ........................................ 292


1. Introdução........................................................ 292
2. Natureza jurídica não-cautelar............................. 294
3. Jurisdição voluntária........................................... 299
4. A espécie de prova produzida.............................. 303
5. Interesse na produção da provatestemunhai........... 309
6. Competência...................................................... 317
7. Procedimento..................................................... 320
7.1. Petição inicial............................................. 321
7.2. Citação dos interessados............................... 327
7.3. Participação do MinistérioPúblico.................. 333
7.4. Não admissão de defesa................... ........... 335
7.5. Produção da prova testemunhai..................... 339
7.6. Irrecorribilidade........................................... 342
7.7. Sentença..................................................... 346

Capítulo VII — Ação autônoma probatória no direito


brasileiro ......................................................... 351
1. Situação atual.................................................... 351
1.1. Prova oral................................................... 351
1.2. Prova pericial.............................................. 355
1.3. Prova documental........................................ 357

Capítulo VIII — Benefícios advindos da admissilidade de


uma ação probatória autônomageral................. 359
1. Introdução........................................ ................ 359

X
2. O procedimento sumário documental do mandado
de segurança...................................................... 359
3. Coisa julgada secundum eventum probationis nas
ações coletivas................................................... 373
4. Princípio da eventualidade e dacongruência.......... 387
5. Litisconsórcio alternativo..................................... 409
6. Conciliação e mediação extrajudicial................... 424
7. O pedido genérico do art. 286, II,do CPC............ 439

Capítulo IX — Ação meramentedeclaratória de fatos ... 447


1. Introdução....................................................... 447
2. Objeto da ação meramente declaratória.............. 447
3. Ação meramente declaratória de fato — autenticida­
de ou falsidade de documento............................. 454
i 4. Ação meramente declaratória genérica de meros fatos . 465
5. Os pseudo-obstáculos à admissão da ação meramen­
te declaratória de mero fato................................. 470
6. Imutabilidade e indiscutibilidade da justiça da deci­
são — art. 55 do CPC.......................................... 484
7. Benefícios da adoção da ação meramente declarató­
ria de fato ....................................................... 486
8. Ação probatória autônoma simples e ação meramen­
te declaratória de fato......................................... 490

Conclusões .............................................................. 493

Bibliografia .............................................................. 531

XI
A FIGURA ADMIRÁVEL DE
TH EO TO N IO NEGRÃO

SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA


Ministro do Superior Tribunal de Justiça

Theotonio Negrão insere-se no seleto rol de notáveis que


permanecem na memória eterna dos estudiosos e profissionais
do Direito. O "Código do Theotonio" tornou-se expressão comum
no meio forense e obra de consulta obrigatória para o Juiz, o
Advogado, o Promotor, o serventuário e os auxiliares da Justiça,
ávidos pela informação segura e atual trazida pelas sucessivas
edições dos Códigos por mais de três décadas.
A grandeza do ser humano Theotonio Negrão foi ressaltada
País afora por ocasião de sua morte. Nos tribunais, na Ordem
dos Advogados, nos jornais, todos reverenciaram o autor e enal­
teceram sua obra, que, todos sabemos, permanecerá vida. Com
estas palavras, homenageei o Professor Theotonio na sessão da
Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, uma semana após
sua partida:
"No dia 20 deste mês, pela manhã, ainda bem cedo, um
telefonema de São Paulo, dado por uma das prestimosas auxili­
ares do seu escritório, e a anteceder outros de amigos comuns,
dava-me a notícia da morte do Prof. Theotonio Negrão, ocorrida
naquela noite.
Após o impacto da surpreendente e triste comunicação,
foram chegando, trazidas pela memória, tangidas também —
quem sabe? — pelo vento que entrava pela janela, e certamente
por uma súbita e dolorosa saudade, as imagens da figura ad­
mirável daquele jurista e ser humano de tantas virtudes.
Paralelamente a esses sentimentos, a certeza de que o Raís
acabara de perder um dos expoentes das nossas letras jurídicas.
Nascido na cidade paulista de Piraju, em 1917, trabalhador
incansável, exerceu a advocacia por aproximadamente sessenta

XIII
«
anos, tendo presidido, e com absoluto sucesso, a prestigiosa
Associação dos Advogados do seu Estado, entidade que sempre
lhe devotou especial carinho, a exemplo do não menos con­
ceituado Instituto dos Advogados, do qual era sócio benemérito
e de quem recebeu o honroso prêmio 'Barão de Ramalho'.
Membro do Tribunal Regional Eleitoral, enriqueceu o judi­
ciário naquele período com sua habitual lucidez e reconhecida
correção, sendo portador de substancioso curricufum, onde
pontilham manifestações culturais e estudos jurídicos de elevada
qualidade, além de grande número de meritórias distinções.
Resistente ao exercício do magistério (comenta que por
timidez e excessiva modéstia), foi, no entanto, professor de
todos nós.
Pesquisador seguro, minucioso e confiável, fonte indispen­
sável de consulta e orientação, por meio de suas obras jurídicas
passou a freqüentar os nossos gabinetes, a Universidade, as bi­
bliotecas, os escritórios e até as nossas casas, sendo insuperável
no estilo que adotou, de anotar as legislações civil e processual
civil, colacionando as mais variadas manifestações da jurispru­
dência, assim como as vertentes da doutrina, suas divergências
e inclinações. Ético e idealista, foi inigualável naquilo a que
corajosamente se propôs na seara jurídica: ser útil.
Todos nós, nos mais diversos pontos do território nacional,
somos seus leitores, consultamos seus magníficos códigos, de
inestimável utilidade, que, como se proclama orgulhosamente
em São Raulo, transformaram o seu Autor em substantivo, na
medida em que os consumidores, nas livrarias, ao adquiri-los,
acostumaram-se a pedir 'um Theotonio'.
Não obstante seu majestoso perfil cultural, o que mais se
admira em Theotonio Negrão é a sua biografia como ser hu­
mano.
Despido de vaidades, culto e excepcionalmente simples, a
todos encantava já ao primeiro contato, o que mais se acentua­
va à medida que dele mais nos aproximávamos. Era afável,
educado, lhano de trato, de conversa agradável e espirituosa,
elegante nos gestos e cordial no afeto.

XIV
Um jurista qualificado pela grandeza, um ser humano de
dimensão ainda maior.
Ao finalizar, Senhor Presidente, desejo assinalar a profunda
admiração que Sua Excelência tinha por este Tribunal, por sua
operosidade, pelo conteúdo de seus julgamentos e pela sua
postura moral, reiteradas vezes manifestada. Daí a razão pela
qual, a par do registro já feito na Quarta Turma, renovo a home­
nagem neste Órgão maior, como preito de saudade, mas também
de justificada admiração, rogando a Vossa Excelência e aos em.
Pares o seu lançamento na ata dos nossos trabalhos, com comu­
nicação à sua família e aos Órgãos representativos da nossa
comunidade jurídica, especialmente de São Paulo".

XV
Com o tftulo /\ções probatórias autônomas, pretendeu-se
apontar, desde o início e de forma consideravelmente direta, o
objetivo do presente trabalho, qual seja, uma análise do que já
existe no ordenamento processual pátrio em termos de ações judi­
ciais que tenham como objeto a produção de uma prova. Além da
análise daquilo que já se encontra positivado em nosso ordenamen­
to, o estudo também se presta à propositura de algumas idéias
novas, por vezes até mesmo de lege ferenda, com o claro propósi­
to de aumentar o âmbito de abrangência dessa espécie de ação.
A justificativa da escolha do tema pode ser encontrada
durante todo o trabalho, em especial nos capítulos 8 e 9, em que
se procede a uma exposição detalhada de alguns benefícios ao
sistema processual que seriam gerados a partir da adoção de
uma ação cautelar probatória autônoma genérica. O tema da
prova é, por si só, um dos mais importantes do processo civil,
por definir o destino de diversos processos e, conseqüentemen­
te, o destino de seus litigantes, já que determina a sua vitória ou
derrota. Excelentes trabalhos já foram desenvolvidos sobre o
tema da prova, mas, aparentemente, a doutrina nacional pouco
se preocupou em tratar especificamente das ações autônomas
que tenham como objeto a produção probatória; esse é o prin­
cipal enfoque do presente estudo.
Atualmente as ações probatórias autônomas estão quase
exclusivamente previstas pelo Livro III do Código de Processo
Civil, que tem como objeto o processo cautelar. Nesse livro do
estatuto processual, destaca-se a previsão da: (i) produção ante­
cipada de provas; (ii) exibição de coisa ou documento; e (iii)
justificação, processos analisados de maneira pormenorizada
em capítulos específicos. Conscientemente, preferiu-se não
tratar dos processos de protestos, notificações e interpelações,
ainda que se possa afirmar que nesses processos há uma carga
probatória, pois, por meio deles, prova-se o fato de o autor ter

1
ingressado com a demanda e feito chegar à parte contrária al­
guma espécie de informação.
A partir do pressuposto de que as ações probatórias autôno­
mas encontram-se positivadas quase exclusivamente nas três es­
pécies de ação cautelar anteriormente mencionadas, fez-se ne­
cessária a elaboração introdutória de um capítulo a tratar, de
forma genérica, dessas demandas. No capítulo 2, portanto, ana­
lisa-se a efetiva natureza cautelar da produção antecipada de
prova, a exibição de coisa e de documento e a justificação, a
partir de premissa unânime na doutrina nacional, de que, sem o
perigo de a prova não poder ser produzida posteriormente, não
existirá ação cautelar de natureza probatória. Com um novo con­
ceito de periculum in mora, mais voltado ao resultado do proces­
so e não tanto à garantia da produção da prova, sugere-se uma
abrangência maior para essas espécies de ações probatórias.
Nesse capítulo também se aponta a inadequação de enten­
dimento arraigado na doutrina nacional de que só existirá cau-
telaridade nas provas produzidas antecipadamente por meio de
uma ação autônoma, de modo que não existe prova antecipada
durante o trâmite do processo. Demonstra-se o equívoco da
doutrina, que parte da premissa falsa de que, na produção an­
tecipada, a prova não é produzida, mas meramente assegurada
com o auxílio de doutrina estrangeira, em especial a argentina
e a portuguesa. Também se fazem algumas considerações a
respeito da autonomia do processo cautelar e se conclui por sua
manutenção, ainda que flexibilizada pelo art. 273, § 7Q, doCPC,
mas cuja dispensa se justifica quando se tratar de prova produ­
zida antecipadamente durante o processo de conhecimento.
Ao realizar-se a introdução a respeito da efetiva natureza
cautelar das ações probatórias atualmente positivadas em nosso
ordenamento jurídico, passa-se, no capítulo seguinte, à demons­
tração de que a prova produzida antecipadamente é uma espé­
cie de prova'emprestada quando for utilizada no processo
principal. Rara chegar a tal conclusão, faz-se uma análise das
principais características da prova emprestada, a qual se com­
para com as princ4pais características da prova produzida ante­

2
cipadamente, de modo a perceber que a única diferença entre
as duas é que, no primeiro caso, a prova é produzida em um
processo para convencer o juiz que originariamente a produziu
e, eventualmente, outros que a recebem de forma emprestada,
enquanto, no segundo caso, a prova já é produzida originaria­
mente para ser emprestada, não sendo valorada pelo juiz res­
ponsável por sua produção.
A caracterização da prova produzida antecipadamente como
espécie de prova emprestada é de suma importância para afastar
um dos maiores equívocos da doutrina nacional a respeito do
tema, a qual, de maneira praticamente uníssona, afirma que, na
produção antecipada de prova, não ocorre efetiva produção, mas
mera asseguração. O direito brasileiro, na realidade, desconhece,
ao menos de maneira positivada, ações de mera asseguração da
prova, como as existentes no direito espanhol. No Brasil, todas
as ações probatórias previstas pelo ordenamento processual ge­
ram, efetivamente, a produção da prova, ainda que a valoração
da prova não seja do juiz do processo probatório, mas daquele
que o receberá sob a forma de prova emprestada.
A prova produzida antecipadamente é utilizada como pro­
va emprestada no processo principal, de forma que é produzida
originariamente no processo cautelar sob a forma oral ou pericial,
restando documentada por meio da ata de audiência ou laudo
pericial. Essa prova documentada ingressa no processo principal
sob a forma de documento e com conteúdo de prova oral ou
pericial, sendo produzida novamente nesse processo, não mais,
evidentemente, sob a forma oral ou pericial, porque essa produ­
ção já ocorreu, mas sob a forma documental.
Nos capítulos seguintes — 4, 5 e 6 —, analisam-se os pro­
cessos cautelares de produção de prova, sua nomenclatura, sua
natureza jurídica, as questões referentes à competência, à legiti­
midade, à intervenção de terceiros, à coisa julgada, e os principais
aspectos procedimentais. A análise é necessária porque, em ter­
mos positivados, o autor somente pode socorrer-se dessas espécies
de ações quando pretender tão-somente produzir prova por meio
de ação autônoma probatória. Dessa forma, é de extrema impor­

3
tância ao tema do presente estudo uma análise exaustiva dos
aspectos processuais dessas ações cautelares probatórias, que foi
exatamente o que se tentou nos capítulos 4, 5 e 6.
Após a devida atenção dispensada às três espécies de ações
consideradas como probatórias autônomas, procura-se traçar,
no curto capítulo 7, um panorama atual da abrangência dessas
ações na praxe forense, a demonstrar, com esteio nas conclusões
obtidas nos três capítulos antecedentes, que o âmbito de atuação
dessas demandas probatórias, com ou sem natureza cautelar,
levando em conta o conceito clássico de periculum in mora nas
cautelares probatórias, é bastante amplo. Essa conclusão é de
suma importância para demonstrar que o direito brasileiro, em­
bora não seja perfeito no tratamento do tema, apresenta espécies
de ação que podem, com uma interpretação mais liberal, atingir
todas as pretensões de, exclusivamente, produzir provas. Em
alguns casos, como ocorre com a justificação, a prova ora! nem
mesmo demandará qualquer perigo, de modo que sua pouca
utilização prática somente se explica pelo desconhecimento do
instituto pelos praxistas.
De qualquer forma, mesmo que aparentemente se possa
defender a tese de que as ações probatórias autônomas, com
aquilo que já se encontra previsto no ordenamento processual,
são aptas a permitir a produção de uma prova de forma autôno­
ma, independentemente da existência do perigo de essa prova
não poder ser produzida mais tarde, eventuais restrições inter-
pretativas poderão colocar-se como obstáculos a essa aceitação
ampla e genérica sugerida. Diante de eventuais dificuldades
advindas de interpretações mais restritivas, sugere-se, de lege
ferenda, a adoção de uma ação probatória autônoma cujo úni­
co e exclusivo propósito seria a produção de uma prova cujo
objetivo é a maior definição da situação fática.
Com vistas a demonstrar a utilidade prática das ações pro­
batórias autônomas, o capítulo 8 é integralmente destinàdo a
apresentar, objetivamente, alguns benefícios de uma permissi-
bilidade ampla e irrestrita da existência de demandas que tenham
como objetivo exclusivo a produção de uma prova.

4
A primeira utilidade de uma produção prévia da prova é
obter uma prova documentada, que se diferencia da prova do­
cumental, para instruir a petição inicial de mandado de segu­
rança, que, em razão de sua sumariedade instrumental, não
admite dilação probatória, por exigir do impetrante a prova de
seu direito líquido e certo já com a petição inicial. Apesar de a
doutrina majoritária defender que a única prova possível no
mandado de segurança seja de natureza documental, procurar-
se-á demonstrar o equívoco desse entendimento ao apontar para
a possibilidade de a prova ter outra natureza, mas estar devida­
mente documentada, justamente em meio material que será
anexado pelo impetrante com a petição inicial do mandamus.
A segunda utilidade lembrada para a prova produzida de
forma autônoma e anteriormente à demanda diz respeito à coi­
sa julgada secundum eventum probationis, presente nas deman­
das coletivas que tenham por objeto direitos difusos ou coletivos.
Após a análise de alguns pontos polêmicos a respeito do insti­
tuto, aponta-se para a utilidade da produção da prova de forma
autônoma como maneira de evitar a repetição de processos
coletivos em que não exista a prova nova, condição sine qua
non para afastar a coisa julgada da primeira sentença transitada
em julgado. Em vez de desenvolver todo o processo coletivo,
geralmente custoso e demorado, para somente em seu final
descobrir que a imprescindível prova nova não existe, extinguin-
do-se o processo sem o julgamento do mérito, o legitimado a
propor a demanda coletiva ingressaria com uma ação probatória
autônoma para obter a prova nova, que utilizará de forma do­
cumentada ao propor a ação coletiva.
Em terceiro lugar, apontaram-se alguns problemas referen­
tes à adoção pelo direito brasileiro do princípio da eventualida­
de, que não admite a modificação dos fatos que compõem a
causa de pedir após o saneamento do processo. Dessa maneira,
são diversos os casos em que o autor narra causa de pedir de­
feituosa em virtude de dúvidas a respeito dos fatos, e, com isso,
vê-se derrotado no processo após a produção da prova. Por não
se admitir a modificação dos fatos jurídicos que compõem a
causa de pedir, ao perceber que a narração da causa de pedir

5
«
no aspecto fático foi realizada de forma inadequada pelo autor,
este assistirá passivamente a sua derrota, somente podendo in­
gressar com nova demanda, agora com os fatos já precisados a
compor sua causa de pedir. Em vez de dois processos de conhe­
cimento, muito mais racional seria admitir a ação probatória
autônoma e o ingresso do processo de conhecimento com nar­
rativa fática perfeita da causa de pedir.
A questão do litisconsórcio alternativo diz respeito à quar­
ta utilidade prática da ação autônoma probatória genérica. Esse
instituto não se encontra positivado no direito brasileiro, mas
vem sendo admitido na prática forense, não obstante a pouca
atenção que tem despertado na doutrina pátria, O litisconsórcio
alternativo ocorre sempre que exista dúvida fundada a respeito
de quais sujeitos devem compor os pólos — ativo e passivo — da
demanda; nessa situação, admite-se que se forme um litiscon­
sórcio mesmo sabendo que um dos sujeitos que o compõem não
é parte legítima na demanda, o que somente se poderá apontar
com exatidão após a produção da prova. Nesse sentido, melhor
seria admitir uma ação probatória autônoma para definir a ques­
tão da legitimidade, de modo a preparar, com exatidão, os ele­
mentos subjetivos do processo por vir, como ocorre nas diligen­
cias preliminares previstas no ordenamento espanhol, argentino,
uruguaio, chileno e boliviano.
A quinta utilidade da produção autônoma de prova diz
respeito à otimização dos meios alternativos de solução de con­
flitos, em especial a conciliação e a mediação. O objetivo seria
proporcionar às partes maior definição da situação fática para
que as propostas tendentes à realização do acordo se encontrem
mais próximas do efetivo direito existente entre as partes. Eviden­
temente, nessa utilidade a prova pericial teria posição de desta­
que, devido às dificuldades de precisar a situação fática sem ela,
o que, inclusive, motivou o legislador italiano a recentíssima
alteração do CPC, que inclui dispositivo que admite a prova
técnica autônoma e prévia com o fim de melhorar a posição das
partes para a celebração de eventual acordo. No direito norte-
americano também se encontra técnica de solução alternativa de

6
conflitos, consistente na realização de prova técnica por espe­
cialista, alcunhada sugestivamente de expertfactifinding.
Por fim, a sexta utilidade prática diz respeito à necessidade
que o autor tem de elaborar pedido certo e determinado, o que
nem sempre se mostra fácil no momento da propositura da de­
manda. Mais uma vez, mostra-se com freqüência na prática
forense a necessidade de produção de prova técnica para aferir
a quantificação do pedido, o que leva os tribunais a ampliarem
a interpretação do art. 286, inc. II, do CPC, uma das hipóteses
permissivas do pedido genérico. A utilidade da produção autô­
noma de prova serviria ao autor para, judicialmente e em con­
traditório, produzir uma prova técnica suficiente a quantificar
seu pedido e, conseqüentemente, a respeitar a regra de que o
pedido deve ser certo e determinado.
O último capítulo destina-se à análise da ação meramente
declaratória. Primeiramente, procede-se a uma análise não
exaustiva da amplitude interpretativa que se dá ao art. 4Q, inc. I,
do CPC, quando se refere à declaração de existência ou inexis­
tência de relação jurídica. Depois, passa-se a analisar a ação
meramente declaratória de fatos, exclusivamente positivada no
tocante à declaração de autenticidade ou de falsidade documen­
tal {art. 4C, inc. II, CPC).
Rassa-se, então, a defender que a limitação legal não é deri­
vada da impossibilidade jurídica de uma ação meramente decla­
ratória de fatos genérica; trata-se, exclusivamente, de opção legis­
lativa. Indicam-se lições de doutrinadores nacionais e estrangeiros
que, apesar de excepcionalmente tratarem do tema, demonstram
que a ação meramente declaratória de fatos genérica não é algo
tão distante da realidade acadêmica e mesmo forense.
Ainda no capítulo 9, aponta-se para as principais críticas
feitas pela doutrina a respeito da adoção de uma ação meramen­
te declaratória de fatos de maneira genérica, não somente ex­
cepcional, de modo a demonstrar que tais críticas não se sus­
tentam. Demonstra-se a possibilidade de existir interesse de agir
do autor nessa espécie de açãoAapós breve análise dessa con­
dição da ação à luz das ações meramente decIaratórias, e se

7
conclui que o interesse de agir deve ser analisado casuistica-
mente, não se podendo defender que sempre faltaria interesse
de agir ao autor na propositura dessa espécie de ação.
Por fim, demonstra-se a utilidade de adotar uma ação me­
ramente declaratória de fatos, de modo a finalizar a análise com
a demonstração da possibilidade de sobrevivência conjunta das
ações probatórias autônomas e da ação meramente declaratória
de fatos.
O presente trabalho tem como principal pretensão suscitar
a discussão da doutrina a respeito desse importante assunto,
mesmo por meio da adoção de propostas de lege ferenda. As
sugestões feitas certamente encontrarão diversas críticas, que,
feitas de forma construtiva, auxiliarão a trazer maior clareza a
tema de inegável importância na praxe forense.

8
1. NATUREZA IU R ISD IC IO N A L
Tema dos mais polêmicos no processo civil é a classificação
da tutela cautelar, em especial quando se considera que cada
doutrinador, nacional e estrangeiro, adota diferentes critérios, o
que leva a diversas espécies de classificações oriundas, inclusi­
ve, do mesmo autor. Entre os objetivos traçados por este trabalho
não está fixar uma originária classificação das tutelas cautelares
ou ainda adotar plenamente uma das classificações já feitas. O
tema, que não será abordado com profundidade, entretanto,
mostra alguma importância no que tange à discussão do assun­
to que será objeto de nosso estudo.
A classificação da tutela cautelar importa nos limites da
determinação da natureza cautelar ou não das ações probatórias
previstas pelo Livro III do Código de Processo Civil. Pâra tanto,
será necessário descobrir qual a relação que a tutela probatória
autônoma guarda com a tutela cautelar, o que ensejará uma
análise do instituto que é o objeto central deste estudo à luz das
regras gerais dos processos cautelares, sempre levando em con­
ta, naturalmente, as especificidades procedimentais.
Antes, propriamente, de ingressar no tema da cautelaridade
ou não dos processos probatórios previstos pelo ordenamento
processual como cautelares nominadas — ou típicas —, o que
será feito em tópico específico, é importante afirmar que esses
processos probatórios são espécies de processos jurisdicionais,
sendo inadmissível crer em uma natureza administrativa ou
qualquer outra que não a jurisdicional1. Esse entendimento

1 Fala em ação cautelar administrativa Galeno Lacerda, Comentários ao Có­


digo de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002/ v. III, t. I, •*

*
9
parece o mais correto até mesmo em situações em que as ações
cautelares probatórias são destituídas de qualquer espécie de
conflito de interesses, de modo a funcionar como homologação
judicial dos interesses dos sujeitos que buscam o Poder Judiciá­
rio, ou ainda quando se produz uma prova sem que exista resis­
tência do demandado.
Nada impede que, em situações excepcionais, a tutela cuja
natureza é prevista pelo Código de Processo Civil como cautelar
se manifeste por meio de procedimento de jurisdição voluntária,
o que não significa dizer que a atividade exercida pelo juiz
deixe de ser jurisdicional2. Aliás, existem alguns procedimentos

p. 20-21: "As voluntárias não pressupõem, necessariamente, a existência de


lide, ou, se existente esta, não reclamam do juiz ato jurisdicional, porque
se apresentam desacompanhadas de questão. É o que acontece, por exem­
plo, na produção antecipada da prova, na justificação, nos protestos, noti­
ficações e interpelações, na homologação do penhor legal, na posse em
nome do nascituro etc. Não se pode falar, aqui, em ação cautelar nem,
muito menos, em sentença jurisdicional". Especificamente sobre a produção
antecipada de provas, modificando entendimento anterior, Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, v. III, t. II, p. 234-235, já teve a oportunidade de se
manifestar por sua natureza cautelar jurisdicional, e ainda contenciosa,
considerando que também nessas ações, a exemplo das outras de natureza
cautelar, "o órgão judicial cuida de atuar o direito objetivo, nela não se
verificando a satisfação de um interesse público direto e primário, como
ocorre na jurisdição voluntária". Cario Calvosa, Novíssimo Digesto Italiano.
Torino: VnioneTipografico/EditriceTorinese, v. IX, p. 312, faz interessante
análise histórica da discussão sobre a natureza jurídica do processo de
"istruzione preventiva" e afirma que, à luz do CPC de 1865, alguma dúvida
poderia ainda existir, sendo inegável, após o CPC de 1940, a opção por
atribuir a esse processo a natureza jurisdicional.
2 A reconhecer a possibilidade de cautelares de jurisdição voluntária, as lições
de José Maria Rosa Tesheiner, Jurisdição voluntária. Rio de Janeiro: Aide,
1992, p. 30; Ernani Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil.
9. ed. São Raulo: Saraiva, 2003, v. II, p. 337; e Leonardo Greco, Jurisdição
voluntária moderna. São Raulo: Dialética, 2003, p. 52: "Aliás, há procedi­
mentos de jurisdição voluntária que possuem nítida natureza cautelar,
sendo regulados no livro reservado a esta modalidade de tutela jurisdicional
no Código brasileiro, como as justificações, as notificações e a posse em

10
probatórios em que se discute, com bastante ênfase, sua própria
natureza cautelar, sendo bem mais pacífica sua natureza juris-
dicional, ainda que se trate de jurisdição voluntária, como no
caso da justificação autônoma.
Embora não seja especificamente objeto do tema central
do presente trabalho, é importante frisar ser absolutamente in­
viável o entendimento pela natureza não jurisdicional desses
processos cautelares — ou simplesmente previstos como tais
pelo Código de Processo Civil —, mesmo que se desenvolvam
por meio de jurisdição voluntária. Esse posicionamento decorre
do entendimento, partilhado por grande parte da doutrina, mas
distante da unanimidade, de que a jurisdição voluntária compõe,
ao lado da jurisdição contenciosa, o instituto da jurisdição. É
antigo o debate em torno da natureza da jurisdição voluntária,
havendo aqueles que a entendem administrativa e outros que a
vêem jurisdicional. Ao defender a natureza jurisdicional de toda
e qualquer ação prevista como cautelar pelo nosso ordenamen­
to processual, torna-se necessário, ainda que não de forma
exaustiva, traçar algumas ponderações a respeito da natureza
jurídica da jurisdição voluntária.
Giuseppe Chiovenda3, um dos expoentes da corrente ad-
ministrativista entre os estudiosos do processo, afirma que os

nome de nasdturo". O mesmo ocorre no direito espanhol, conforme lições


de Andrés de Ia Oliva Santos, Derechoprocesal. Introducción. 2. ed. Madrid:
Centro de Estúdios Ramón Areces, 2002, p. 45: "Este concepto es plena­
mente válido para Ias medidas cautelares en los órdenes jurisdiccionales
civil, contencioso-administrativo y laborai o social".
3 Cf. Instituições de direito processual civii. Trad. J. Guimarães Menegale. São
Paulo: Saraiva, 1969, v. II, p. 16. No mesmo sentido no direito italiano,
Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile. 14. ed.Torino: C. Giappicbelli,
2002, v. I, p. 29: "Si tratta, in conclusione, di un' attívità strutturalmente e
funzionalmente amministrativa, che, in quanto svolta dagli organi giurisdi-
zionali e destinata ad incidere su situazioni sostanziali piü sfumate rispetto
ai diritti, partecipa in maniera alquanto attenuata di quelle che possono
considerarsi le fondamentali e basilari garanzie che stanno alia base di
ciascuno dei diversi tipí di attívità giurisdizionale e sulle quali ci intratter-
remo piü avanti".

11
atos praticados na jurisdição voluntária são atos de simples ad­
ministração, "tratando-se, porém, de atos que exigem especial
disposição e especiais garantias de autoridade nos órgãos a que
competem, é natural que o Estado utilize para corresponder a
essas exigências a mesma hierarquia judiciária comum". Para
EnricoTulio Liebman4, a jurisdição voluntária seria substancial­
mente administrativa e formalmente jurisdicional, e, para José
Frederico Marques5, materialmente administrativa e subjetiva­
mente judiciária. Também são partidários da corrente que en­
tende pela natureza administrativa da jurisdição voluntária,
entre outros, no direito pátrio, Arruda Alvim6; no direito italiano,
Calamandrei7e Proto Pisani8; no direito espanhol, Jaime Guasp9;
no direito argentino, Lino Enrique Palacio10; e, no direito portu­
guês, josé Lebre de Freitas11.

4 Manuale di diritto processuale civile, principí. 5. ed. Milano: Giuffrè, 1992,


p. 29: "La qualificazione sistemática delia giurisdizione volontaria è mofto
controversa, ma sembra nel vero chi ía considera nella sostanza un' attivi-
tà amministrativa, anche se affidata ai giudici e svolta com forme giudizia-
li". Nesse sentido as lições de Luigi Paolo Comogüo, Corrado Ferri e Mi-
cheleTaruffo, Lezioni sul processo civile. 2. ed. Bologna: II Mulino, 1998,
p. 492.
5 Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 2000, v. 1, p.
304-309.
6 Manual de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, v. I, p. 251-257.
7 Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1970, v. IV, p. 84: "In sostanza dunque
Ia contrapposizione tra giurisdizione volontaria e giurisdizione contenziosa
è giurisdizione, mentre Ia giurisdizione cosidetta volontaria non è giurisdi­
zione, ma è amministrazione esercitata da organi giudiziari".
8 Lezioni di diritto processuale civile. 4. ed. Napoli: Jovene, 2002, p. 48.
9 Derecho procesal civil. 5. ed. Madrid: Civitas, 2002, v. I, p. 94. No mesmo
sentido, Víctor Moreno Catena, Introducción al derecho procesal. 4. ed.
Madrid: Colex, 2003, p. 76.
10 Esse parece ser o entendimento majoritário no direito argentino. Manual de
derecho procesal civil. 17. ed. Buenos Aires: Abe ledo-Perrot, 2003, p. 88.
11 O mesmo no direito português. Introdução ao processo civil — conceito e
princípios gerais. Coimbra: Ed. Coimbra* 1996, p. 50-53.

12
Corrente doutrinária contrária à anteriormente exposta
defende a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, tese
sustentada por Francesco Carnelutti12, para quem o nome juris­
dição voluntária "faz alusão mais à falta de um conflito de von­
tades, do que a do conflito de interesses e, por isso, na realida­
de, à falta dos elementos formais do litígio". A corrente que
aponta a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária é repre­
sentada, entre outros, no direito italiano, por Salvatore Satta e
Carmine Punzi13, Vittorio Denti14, e, no direito pátrio, por Pontes
de Miranda15, Leonardo Greco16, José Maria Rosa Tesheiner17e
Cândido Rangel Dinamarco18.
A atribuição de natureza administrativa ou jurisdicional à
jurisdição voluntária passa, necessariamente, pelo conceito de
jurisdição, matéria que também é objeto de controvérsia entre
os doutrinadores que tratam do tema. Tradicionalmente, a dou­
trina — tanto nacional como estrangeira — indica alguns prin­
cipais elementos para classificar a jurisdição: substituição,
inércia, coisa julgada, lide e imparcialidade. É interessante
verificar que, seguindo as características tradicionais da juris­
dição, dificilmente seria possível incluir nesse instituto a juris­
dição voluntária. Como já afirmado, parece correta a tese de
natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, e por essa razão

12 Cf. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. São
Raulo: ClassicBook, 2000, v. I, p. 362.
13 Dirittoprocessuale civile. 12. ed. Padova: Cedam, 1996, p. 985.
14 "La giurisdizione volontaria revisitata". Rivista Trimestrale di Diritto e Pro-
cedura Civile. Milano: Giuffrè, 1987, p. 325.
15 Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, t.
XVI, p. 3 e ss.
16 Jurisdição voluntária moderna, cit., p. 15-21.
17 Jurisdição voluntária, cit., p. 40-54.
18 "Procedimentos especiais de jurisdição voluntária". In:______. Fundamen-
■ tos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, t. I, p.
380-386.

13
será preciso justificar um distanciamento dos tradicionais ele­
mentos lembrados para classicamente definir o conceito de
jurisdição.
Segundo corrente doutrinária antiga, a jurisdição tem como
principal característica o caráter substitutivo, em que o Estado-
juiz, com uma atividade sua, substitui as atividades daqueles
sujeitos que estão envolvidos no conflito de interesses trazidos
à apreciação do Poder Judiciário19. Nesse ponto, haveria um
distanciamento da jurisdição voluntária, a considerar que nesta
não há, propriamente, substituição de atividades, mas a mera
integração judicial para que o acordo de vontades celebrado
entre os sujeitos possa gerar efeitos jurídicos.
Apesar de ser majoritária na doutrina a percepção de que
o efeito substitutivo é característica imprescindível da jurisdição,
não parece que para haver jurisdição seja necessária a obser­
vância de tal requisito. Basta lembrar da chamada execução
indireta, em que não há propriamente substituição da vontade
do executado, mas sim o emprego de meios de pressão psico­
lógica para que o próprio demandado cumpra sua obrigação
(art. 461, CPC). Não se duvida de que tais medidas tenham na­
tureza jurisdicional, apesar de não serem substitutivas da von­
tade do sujeito processual20.
Decretada a prisão civil de um devedor de alimentos ou
de um depositário infiel — para aqueles que entendem possível
a prisão do último após o Pacto de São José da Costa Rica e da

,9 É praticamente unânime essa concepção doutrinária. Entre todos, Antonio


Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dina-
marco, Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
132-133; e Athos Gusmão Carneiro, jurisdição e competência. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2000, p. 9.
20 A atribuir natureza jurisdicional à chamada execução indireta, com rica
indicação bibliográfica de doutrina italiana, as lições de Marcelo Lima
Guerra, Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civií. São
Pàulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 36-40.

14
Emenda Constitucional n. 45 — em um processo executivo,
não se duvida de que o cumprimento da obrigação não será
realizado em razão da efetivação dessa medida, de modo que
serve a prisão somente como meio de coerção psicológica para
que o devedor cumpra sua obrigação. É evidente que, nesse
caso, o Estado-juiz não substitui a vontade do devedor, mas
atua sobre ela para que o direito do credor seja satisfeito. O
mesmo ocorre sempre que, nas obrigações de fazer, não fazer
e entrega de coisa, o juiz aplica a multa (astreinte) prevista
genericamente para processos com esse objeto no caso de
descumprimento da prestação (art. 461, § 4Q, CPC). Tanto em
um caso como em outro, não seria adequado falar em substi­
tuição de vontade, mas nem por isso os processos de execução
em que tais medidas foram adotadas deixaram de ter natureza
jurisdicional.
Quanto à idéia de definitividade, ao afirmar que a coisa
julgada seria característica da jurisdição, é preciso lembrar que,
para a doutrina amplamente majoritária, não será possível falar
em coisa julgada no processo cautelar21, não obstante seja ine­
gável sua natureza jurisdicional. Há ainda as sentenças termi­
nativas (art. 267, CPC), que não fazem coisa julgada material,

21 Registre-se não ser essa nossa opinião pessoal, conforme já tivemos opor­
tunidade de defender em Preclusões para o juiz — precíusão pro iudicato
e precíusão judicial no processo civil, São Raulo: Método, 2004, p. 300-308;
não se pode deixar de admitir, entretanto, ser minoritária a tese que enten­
de haver coisa julgada material no processo cautelar. No sentido do texto,
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil. 5. ed. São Paulo: Re­
vista dos Tribunais, 2000, v. I, p. 46. No direito espanhol, Manuel Ortelis
Ramos, Derecho procesal — introducción, cit., p. 157, a comentar os de­
feitos da coisa julgada como característica distintiva da jurisdição: "Por una
parte, resulta excesiva porque hay supuestos en que Ia actuación del De­
recho mediante Ia potestad jurisdicional no produce cosa juzgada o Ia
produce con importantes singularidades respecto del concepto general de
esta-institución. Es el caso de los procesos sumários y de Ia tutela judicial
cautelar".

15
não se tornando, portanto, imutáveis ou indiscutíveis. Soma-se
a tudo isso a polêmica proposta de relativização da coisa julga­
da, que, aliás, encontra-se parcialmente positivada (art. 741,
parágrafo único, e art. 475-L, § 1o, ambos do CPC), a fim de
visualizar condições suficientes para afastar o conceito de juris­
dição do fenômeno da coisa julgada material.
Segundo lição de José Maria Rosa Tesheiner22, "a coisa
julgada pode, sim, funcionar como indicativo da natureza juris­
dicional de um ato", o que significa dizer que, se o ato produzir
coisa julgada material, tornando-se imutável e indiscutível, po­
derá afirmar-se com certeza que se trata de ato jurisdicional. A
ausência de tal efeito, entretanto, não será suficiente para afirmar
a natureza não jurisdicional desse ato, que, assim, poderá ou
não ter natureza jurisdicional. A coisa julgada material, nessa
visão, não é condição sine qua non da jurisdição, já que pode
haver jurisdição sem coisa julgada material, mas não há coisa
julgada material fora da jurisdição.
O entendimento exposto anteriormente deve ser interpre­
tado com a devida atenção, em especial em razão da arbitragem,
mais especificamente da sentença arbitrai23, e da decisão profe­
rida pelo Conselho de Contribuintes contrária ao Fisco, que, para

22 Cf. Jurisdição voluntária, cit., p. 18.


23 Evidentemente, a exceção somente fará sentido para aqueles que não en­
tendem ter a arbitragem natureza jurídica jurisdicional. A atribuir a nature­
za jurisdicional à arbitragem, Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e pro­
cesso, cit., p. 43-44; Joel Dias Figueira Jr., Arbitragem,jurisdição e execução.
2. ed. São Fbulo': Revista dos Tribunais, 1999, p. 151-158, a defender a
existência de uma "verdadeira jurisdição de caráter privado", lembrando,
entretanto, que, "diferentemente do juiz togado, falta ao árbitro jurisdição
ancorada em imperium, ou seja, aquela representada pelo poder de dizer,
ordenar e fazer exercer compulsoriamente o direito afirmado". Em sentido
contrário, Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem — Lei 9.307/96, cit., p.
11-15; Athos Gusmão Carneiro, jurisdição e competência, cit., p. 44; Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhe­
cimento, cit., p. 32-33.

16
alguns doutrinadores, não pode ser revista judicialmente. A Lei
n. 9.307/96, que trata da arbitragem em nosso país, abre impor­
tante exceção ao pensamento do processual ista gaúcho, consi-
derando-se em especial o art. 31 de referida lei, ao disciplinar:
"A sentença arbitrai produz, entre as partes e seus sucessores, os
mesmo efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Ju­
diciário e, sendo condenatória, constitui título executivo". Inte­
ressa ao presente debate a primeira parte do dispositivo legal,
que assemelha no tocante aos efeitos a sentença arbitrai à sen­
tença judicial.
Segundo parcela majoritária da doutrina nacional, o dis­
posto no art. 31 da Lei n. 9.307/96, apesar de se referir a efeitos
da sentença, permite a interpretação da possibilidade de veri­
ficação da coisa julgada material na arbitragem. É sabido que
os efeitos da sentença não se confundem com a coisa julgada
material, o que se passou a admitir de forma incontestável a
partir das lições de Enrico Tulio Liebman a respeito do tema.
Uma interpretação literal do artigo legal, portanto, levaria o
operador a entender que, como na sentença judicial, também
na sentença arbitrai seria possível a geração de efeitos — eficá­
cia — condenatórios, constitutivos e meramente declarató-
rios24 —, incluindo-se ainda os efeitos mandamentais e execu­
tivos lato sensu para os defensores da teoria quinária da classi­
ficação das sentenças.
Esse entendimento, entretanto, não aparenta ser a melhor
solução para o problema enfrentado. Apesar de ser inconfundí­
vel a eficácia da sentença da autoridade da coisa julgada mate­
rial, não se pode negar que a imutabilidade e a indiscutibilidade,
próprias da coisa julgada material, também devam ser geradas
na arbitragem, sob pena de tornar-se tal meio alternativo de
solução de controvérsias em um simples passatempo antes do
ingresso de processo perante o Poder Judiciário. Assim, com as

24 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem — Lei 9.307/96/ 3.


ed., Rio de Janeiro: Lumen juris, 2002, p. 130.

17
exceções legais (art. 32 da Lei n. 9.307/96)25, a sentença arbitrai
fará coisa julgada material26.
Já o art. 1.111 do CPC deve ser interpretado com os devidos
cuidados, sendo incorreta a afirmação peremptória de que a
sentença proferida em sede de jurisdição voluntária não faça
coisa julgada material. A afirmação é muito simplista e deve ser
objeto de análise mais apurada. Ainda que seja possível afirmar
que a coisa julgada típica da jurisdição contenciosa não se for­
ma na jurisdição voluntária27, não se pode entender que as de­
cisões proferidas em sede de jurisdição voluntária sejam abso­
lutamente instáveis, revogáveis e modificáveis a qualquer mo­
mento e sob qualquer circunstância. Cumpre afirmar que a
previsão do dispositivo anteriormente mencionado, a exigir que
a modificação da decisão esteja limitada a "circunstâncias su­
pervenientes", coaduna-se com o disposto no art. 471 do CPC,
que trata da coisa julgada nas sentenças determinativas, espécie

25 Conforme bem exposto por Flávio Luiz Yarshell, Ação rescisória — juízos
rescindente e rescisório/ São Pâulo, Malheiros, 2006, p. 204-207, não cabe
ação rescisória para a desconstituição da sentença arbitrai.
26 Na defesa da ocorrência de coisa julgada material na arbitragem, Carlos
Alberto Carmona, Arbitragem e processo/ cit, p. 314: "A equiparação entre
a sentença estatal e a arbitrai faz com que a segunda produza os mesmos
efeitos da primeira. Por conseqüência, além da extinção da relação jurídica
processual e da decisão da causa (declaração, condenação ou constituição),
a decisão de mérito faz coisa julgada às partes entre as quais é dada (e não
beneficiará ou prejudicará terceiros)"; joel Dias Figueira Jr., Arbitragem,
jurisdição e execução, cit., p. 259-262, ressaltando os limites objetivos e
subjetivos da coisa julgada; José Cretella Neto, Comentários à lei de arbitra­
gem. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 169-172, com indicação de legisla­
ção comparada. Contra a posição referida anteriormente, Alexandre Rreitas
Câmara, Arbitragem — Lei 9.307/96/ cit, p. 135-137.
27 Rara Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de direito processual civil/ cit, p. 44-50,
não se verifica coisa julgada material nos processos de jurisdição voluntária
em razão de não haver, nessa jurisdição, declaração de direitos, de modo a
sobrepor-se a eficácia constitutiva. Rara o processualista gaúcho, na jurisdição
voluntária o juiz nada declara, com eficácia suficientemente relevante para a
produção da coisa julgada, em situação análoga à do processo cautelar. No
mesmo sentido, José Maria Rosa Tesheiner, jurisdição voluntária/ cit, p. 52.

18
de decisão que tem por objeto obrigações de trato continuado.
Nestas, também se passou durante algum tempo a falsa idéia de
que não haveria coisa julgada material, já tendo a melhor dou­
trina demonstrado o desacerto de tal afirmação28.
Finalmente, a idéia de condicionar a jurisdição à existência
de lide — conforme clássica definição de Francesco Carnelutti,
do conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida
— não explica a existência das ações constitutivas necessárias,
nas quais, independentemente da existência do conflito de in­
teresses, existirá o processo e, por conseqüência lógica, a juris­
dição. A anulação de casamento é exemplo típico de ação
constitutiva negativa necessária, na qual a lide somente poderá
ser considerada abstratamente, em uma espécie de presunção
absoluta de lide, independente de efetiva resistência do réu29. E
não se duvida de que a ação de anulação de casamento faça
parte da jurisdição contenciosa e não voluntária, o que ocorre
também, por exemplo, com o divórcio.
O mesmo poderá ser dito a respeito da ação inibitória, que
tem como objeto impedir a prática, continuação ou repetição
de ato ilícito, sem que, na hipótese de impedir um ato que ain­
da não se verificou, seja exigida da parte a demonstração da lide

28 Nesse sentido, Leonardo Greco, jurisdição voluntária moderna, cit., p. 38.


Rara José Roberto dos Santos Bedaque, Código de Processo Civil interpreta­
do. Coord. Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2.604, a
forma de desconstituição das decisões proferidas seria facilitada se compa­
rada com aquelas proferidas na jurisdição contenciosa {ação anulatória — art.
486, CPC), mas, "enquanto não anulada, são imutáveis os efeitos da sen­
tença, salvo se circunstâncias supervenientes importarem modificação da
situação jurídico-substancial, o que também se verifica nos processos con­
tenciosos, em que a coisa julgada material não impede a constituição de
situações novas". Rara verificação da coisa julgada nas hipóteses do art. 471,
CPC, em especial na ação de alimentos, Ad roa Ido Furtado Fabrício, "A
coisa julgada nas ações de alimentos". In :______. Ensaios de direito pro­
cessual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 295-322.
29 Essa crítica é feita por José Maria Rosa Tesheiner, Jurisdição voluntária, cit.,
p. 21-22. A indicar o grande número de casos, mas não em caráter absoluto,
da existência de lide, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grino-
ver e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, cit., p. 134.

19
na acepção clássica do termo. Na realidade, a mera perspectiva
da prática de um ato ilícito já será suficiente para a parte encon­
trar tutela jurisdicional.
Como se percebe dessa brevíssima incursão ao tema da
jurisdição, as características tradicionais de tal instituto jurídico
encontram-se fortemente abaladas como suficientes para sua
conceituação, de modo que se faz necessária uma revisita a tal
instituto, tarefa já desenvolvida por parcela da doutrina. A nova
visão a respeito dos elementos essenciais da jurisdição demons­
trará, de forma bastante convincente, que também a jurisdição
voluntária tem natureza jurisdicional
Como é corretamente sustentado por Giovanni Verde30,
mostram-se insuficientes todos os conceitos de jurisdição que
levam em conta para a conceituação do instituto seu conteúdo,
sua teologia ou sua estrutura, sendo possível, como feito ante­
riormente, encontrar falhas em todos eles. Acertadamente, o
jurista italiano abandona tais características, chegando à con­
clusão de que a única forma suficientemente adequada para a
conceituação de jurisdição passa por uma definição que leve
em conta seu aspecto subjetivo. Assim, deve ser considerada
jurisdição toda atividade exercida pelos juízes, que são sujeitos
imparciais e independentes, os quais agem somente quando
provocados e, quando isso ocorre, decidem de maneira funda­
mentada após a observância do devido contraditório.
É importante lembrar, nas precisas palavras de Leonardo
Greco31, que esse entendimento

30 Profili del processo civile. 4. ed. Napoli: Jovene, 1994, v. I, p. 51-56. No


mesmo sentido, na doutrina italiana, ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, II
modelo costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli,
1990, p. 11. Na doutrina nacional, Leonardo Greco, jurisdição voluntária
moderna, cit., p. 19-21. A reconhecer a existência de um processo volun­
tário, com todas as garantias e regras do processo contencioso, as lições de
Lino Enrique Palacio, Manual de derecho procesal civil, cit., p. 87, e de
Franceso P. Luiso, Diritto processuale civile. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2000, v.
IV, p. 252, que se refere à "struttura del processo contenzioso sostanziali".

’M Cf. jurisdição vokintária moderna, cit., p. 20, amparado nas lições de Gio­
vanni Verde, ítalo Andolina, Giuseppe Vignera e Franco de Stefano.

-20
"não transforma em jurisdicionais todos os atos dos juizes,
mas apenas aqueles que são praticados no curso de um
processo (giudizio), como procedimento no curso do qual
são exercitadas funções jurisdicionais decisórias, inseridas
num sistema jurídico de princípios, garantias, direitos sub­
jetivos e regras de controle. E aí a jurisdição voluntária é
essencialmente jurisdicional".

Conclui-se, neste momento, sempre com respeito a enten­


dimento em sentido contrário, que todos os processos instaura­
dos perante o Poder Judiciário, sejam eles da chamada "jurisdi­
ção contenciosa", sejam da chamada "jurisdição voluntária",
têm natureza jurídica de jurisdição, já que se desenvolvem pe­
rante um juiz com todas as garantias processuais às partes.
Dessa forma, todos os processos probatórios previstos pelo Livro
III do CPC, sob o título "Das medidas cautelares", têm natureza
jurisdicional, sejam aqueles de natureza indiscutivelmente con­
tenciosa — produção antecipada de prova e exibição — sejam
aqueles entendidos como de jurisdição voluntária — justificação,
protestos, notificações e interpelações.
Observe-se que o entendimento, ora exposto, de que todas
as cautelares probatórias previstas pelo Código de Processo
Civil tenham natureza jurisdicional não obriga, de antemão, que
todas as provas a ser produzidas antecipadamente sigam, neces­
sariamente, o caminho jurisdicional. Em tema que foge comple­
tamente do foco do presente estudo, e bem por isso deixará de
ser analisado, parece plenamente possível, dentro do respeito a
algumas garantias fundamentais, a produção de provas de forma
atípica fora do processo, como ocorre no inquérito civil, ata
notarial, procedimentos administrativos de órgãos de classe e
arbitragem. O tema, pouco explorado pela doutrina nacional,
dependeria de uma análise exaustiva, o que, infelizmente, des­
virtuaria o tema principal agora enfrentado, valendo a observa­
ção apenas como incentivo a uma discussão mais profunda por
parte dos processualistas pátrios.
Uma vez fixada a natureza jurisdicional de todos os pro­
cessos narrados, outra polêmica deve ser enfrentada: saber se

21
todos eles têm, efetivamente, natureza cautelar, ou se a opção
do legislador de reunir todos eles no Livro III do Código de Pro­
cesso Civil, responsável pela previsão dos processos cautelares,
mostra-se equivocada.

2. NATUREZA CAUTELAR — NOVA VISÃO D O PERI-


CULUM ÍN MORA NAS M EDIDAS PROBATÓRIAS
CAUTELARES
2.1. Instrumentalidade do processo cautelar e das caute­
lares probatórias
Dentre as principais características do processo cautelar,
destaca-se o princípio da instrumentalidade. Por tal princípio, o
processo cautelar terá sua função ligada a outro processo, cha­
mado de principal, cuja utilidade prática do resultado procura­
rá resguardar. O processo cautelar, assim, seria um instrumento
processual para que o resultado de outro processo seja útil e
eficaz. Se o processo principal é o instrumento para a composi­
ção da lide ou para a satisfação do direito, o processo cautelar
seria o instrumento para que essa composição seja praticamen­
te viável no mundo dos fatos32. Essa característica já fez a tutela
cautelar merecer o comentário de que seria o "instrumento do
instrumento", ou o "instrumento ao quadrado".

32 Por todos, Piero Calamandrei, Introducción al estúdio sistemático de Ias


providencias cautelares. Buenos Aires: El Foro, 1996, p. 45: "Hay, pues, en
Ias providencias cautelares, más que Ia finalidad de actuar el derecho, Ia
finalidad inmediata de asegurar ta eficacia práctica de Ia providencia defi­
nitiva que servirá a su vez para actuar el derecho. La tutela cautelar es, en
relación al derecho sustancial, una tutela mediata: más que a hacer justicia
contribuye a garantizar el eficaz funcionamento de Ia justicia". Também a
mencionar o eficaz funcionamento da justiça, na doutrina espanhola, Er­
nesto Pedraz Pena Iva, ias medidas cautelares y los recursos — Escuela Ju­
dicial Consejo General del Poder Judicial. Madrid: Consejo General del
Poder Judicial, 2000, p. 55, e María Angeles Jové, Medidas cautelates inno-
minadas en el proceso civil. Barcelona: Bosch, 1995, p. 142.

22
Não se nega que a instrumentalidade seja característica de
todo e qualquer processo, considerando-se que este serve de
instrumento para a parte obter o bem da vida desejado, ampa­
rado no direito material. A idéia do processo como mero instru­
mento na busca do direito material está amplamente consagrada
pela doutrina processual contemporânea. A característica espe­
cial de instrumentalidade no processo cautelar deve-se justa­
mente ao fato de que ele não serve de instrumento para a ob­
tenção do bem da vida, mas sim para tornar possível tal obtenção.
Dessa forma, surge a nomenclatura "instrumento do instrumen­
to" ou "instrumentalidade ao quadrado", que aponta para a
característica peculiar do processo cautelar de servir de instru­
mento para o processo principal — que também é instrumento
— para que a parte obtenha o bem da vida pretendido.
A instrumentalidade da tutela cautelar faz com que tal es­
pécie de tutela sirva como instrumento apto a garantir que o
resultado finai do processo seja eficaz, significando que tal re­
sultado tenha condições materiais para gerar os efeitos práticos
normalmente esperados. O próprio nome do instituto — caute­
lar — expressa de maneira clara a idéia exata de que essa espé­
cie de tutela presta-se a garantir, acautelar, assegurar alguma
coisa, que é, como visto, justamente o resultado final do proces­
so principal A característica analisada da tutela cautelar refere-
se, essencialmente, à função de proteger o resultado final do
processo principal, seja esse de conhecimento, seja de execução.
Nesse ponto de vista, qualquer processo que não gere o conhe­
cimento ou satisfação do direito material, mas somente prepare
o caminho para tais realizações, poderá ser considerado como
processo cautelar. Ao garantir a eficácia e a utilidade do resul­
tado final, de modo a acautelar uma situação fática para que,
no momento da concessão definitiva, possa gerar seus efeitos, o
processo cautelar teria a característica da instrumentalidade.
No tocante a essa característica, é importante notar que a
instrumentalidade é hipotética, pois é impossível prever se uma
tutela cautelar será, efetivamente, apta a garantir um resultado
eficaz do processo final, inclusive por não ser possível saber, por
ocasião do acautelamento, se o interessado é realmente o titular

23
do direito material que se busca preservar. A tutela cautelar é
concedida pelo magistrado com fundamento em um juízo de
mera probabilidade — fumus boni iuris —, sendo plenamente
possível imaginar que na futura ação principal se mostre sem
qualquer direito o sujeito protegido pela tutela cautelar. Quando
o vencedor da tutela cautelar é derrotado no processo principal,
fica claro que a instrumentalidade é meramente hipotética33.
Essa qualidade de instrumentalidade hipotética manifesta-se
também de outras formas, além da referida situação de derrota
no processo principal do beneficiado pela tutela cautelar. No
caso de o processo principal não vir a se instaurar em razão de
o beneficiado pela tutela cautelar obter, voluntariamente, o re­
conhecimento ou a satisfação de seu direito, a tutela cautelar
também não terá servido a emprestar eficácia ao resultado do
processo principal, que simplesmente não existirá, por pura
falta de necessidade. Assim, se for efetivado um arresto cautelar
na hipótese de obrigação ainda não inadimplida e, no momen­
to da efetiva satisfação do direito, o devedor cumprir sua obri­
gação, o resultado que poderia ser obtido pelo processo princi­
pal já terá sido alcançado sem a necessidade de sua instauração,
o que retirará da tutela cautelar sua característica de instrumen­
talidade.
O que se pretende demonstrar é que nem sempre existirá
o processo principal, sendo possível imaginar que, diante da
concessão da tutela cautelar, o derrotado nesse processo sim­
plesmente cumpra sua obrigação, de modo a satisfazer comple­

33 Nesse sentido as lições de José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao


novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Liber luris, 1974, p. 237, e
Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil. 5. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003, v. III, p. 22. Cândido Rangel Dinamarco, Inter­
venção de terceiros. São Pàulo: Malheiros, 1997, p. 168, também fala de
"instrumentalidade hipotética do cautelar ao principal". Ignacio Diez-Pica-
20 Giménez, Derecho procesal civil — ejecución forzosa — procesos espe-
ciales. 2. ed. Madrid: Centro de Estúdios Ramón Areces, 2002, p. 384: "La
medida cautelar es instrumental respecto del proceso principal, cuyo posi-
ble resultado favorable al demandante pretende asegurar".

24
tamente o direito da parte que foi contemplado pela tutela de
garantia. A conclusão é obtida mediante uma análise técnica,
sem importar a freqüência com que isso possa ocorrer na prática,
embora, nas cautelares probatórias, tal situação ocorra até com
maior freqüência que nas demais. Parece inegável, entretanto,
que, em todas as hipóteses de acautelamento, o direito pode ser
satisfeito voluntariamente, o que demonstra, de maneira absolu­
tamente clara, ser a instrumentalidade sempre hipotética.
Esse entendimento será de extrema valia na fundamentação
da conclusão a que se pretende chegar no presente capftulo, qual
seja, de que todas as medidas probatórias previstas como caute­
lares pelo Código de Processo Civil têm, efetivamente, natureza
cautelar, ainda que o conceito do periculum in mora tenha de
ser compreendido de maneira diversa da tradicionalmente feita
pela doutrina nacional em algumas situações específicas.
A parafrasear o grande processualista Giuseppe Chiovenda,
o processo será considerado perfeito quando entregar ao vence­
dor exatamente aquilo que receberia se o devedor tivesse cum­
prido voluntariamente sua obrigação. Significa dizer que o re­
sultado mais eficaz e útil que um processo pode atingir é justa­
mente aquele que cria um resultado prático idêntico ao cumpri­
mento voluntário da obrigação.
Diante dessa constatação, é plenamente possível defender
a tese de que, ao ser obtida uma tutela cautelar e ao ser cumpri­
da a obrigação voluntariamente, dispensando-se o processo
principal, de alguma forma a tutela cautelar terá auxiliado, não
para que o resultado do processo seja útil e eficaz, já que esse
processo nem mesmo existirá, mas para que, no plano prático,
tenha-se gerado situação idêntica àquela que se busca classica-
mente com a tutela cautelar, qual seja, a preservação efetiva do
direito material De maneira indireta, portanto, sempre que uma
tutela dita cautelar — tendente a preservar a eficácia e utilidade
do resultado do processo final — auxilia de alguma forma uma
solução extrajudicial, terá também, apesar da ausência do pro­
cesso principal, servido para garantir a preservação e plena
efetividade do direito material da parte. Não terá sido o instru­

25
mento do instrumento, mas pode servir, de maneira indireta, para
levar o sujeito à satisfação de seu direito material.
Tal situação se verifica com maior clareza nas cautelares
probatórias, porque, nessa espécie de demanda judicial, a ob­
tenção da prova de determinados fatos — em tese favoráveis ao
requerente, titular do direito material — poderá levar o requeri­
do a adotar determinada postura que não adotaria diante da
incerteza fática anterior. Não é absurda a hipótese de, ao ser
demonstrado determinado fato, restar claro o direito do reque­
rente, o que forçará o requerido a celebrar uma transação extra­
judicial ou até mesmo a satisfação do direito para evitar uma
demanda judicial na qual já sabe que sairá derrotado. Nesses
casos, a cautelar probatória terá contribuído, de forma suigene-
ris, para uma tutela jurisdicional efetiva sem nem ao menos
existir o processo principal.

2.2. A exigência do periculum in mora para a concessão


da medida cautelar probatória
A finalidade de garantir a eficácia do resultado final de
outro processo é algo que poucos contestam ao tratar do pro­
cesso cautelar, sendo interessante notar que o motivo que a
doutrina majoritária aponta para o perigo de inutilidade do re­
sultado final é o transcurso do tempo, do que decorre a neces­
sidade de que, para a concessão da tutela cautelar, o interessado
comprove estar configurado, no caso concreto, o periculum in
mora. O pensamento não é complexo; pelo contrário. Por ser
necessário o transcurso de tempo até que o resultado final de
acertamento ou de satisfação do direito seja obtido, e sendo
óbvio que o mundo não pára à espera de tal resultado, em algu­
mas situações o lapso temporal de duração do processo poderá
contaminar a efetividade e utilidade de seu resultado final, apli­
cando-se, nessas circunstâncias, a tutela cautelar.
A ineficácia do resultado do processo, que geraria, portan­
to, sua inutilidade prática, seria derivada do tempo necessário
para que tal processo chegue ao seu final. Essa é a concepção
clássica de periculum in mora, requisito essencial da tutela cau-

26
telar, inclusive para as chamadas cautelares probatórias, que são
aquelas que mais interessam a este estudo. Pàra a doutrina na­
cional — e também grande parte da estrangeira —, a ausência
do periculum in mora em sua acepção clássica retira do proces­
so qualquer natureza cautelar. Com base nesse pensamento,
excluir-se-iam do âmbito cautelar os processos probatórios sem­
pre que não existir perigo de que a prova não pudesse ser pro­
duzida em seu momento adequado.
Em uma análise comparativa de legislações estrangeiras,
percebe-se com freqüência a mesma tônica quando se trata de
produção antecipada de prova: a necessidade de que haja perigo
de a prova não poder ser produzida em seu momento adequado.
Salvo algumas exceções, como as encontradas no direito francês,
alemão e inglês, que serão comentadas no momento adequado,
bem como as diligencias preliminares previstas no ordenamento
processual do Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia e Espanha — que
também serão analisadas em momento oportuno —, as legislações
exigem, para a concessão de tutela de prova produzida de forma
autônoma, o perigo de que essa prova não possa ser produzida
no momento adequado previsto em lei. É interessante porque
alguns ordenamentos prevêem a produção antecipada de provas
como cautelar, enquanto outros a tratam no próprio capítulo re­
ferente às provas, mas a sua maioria traz consigo tal exigência.
No Cod/ce di Procedura Civile italiano, o perigo de a prova
não poder ser produzida em seu exato momento encontra-se
expressamente previsto em dois dispositivos legais, o art. 692
— prova testemunhai — e o art. 696 — prova pericial e inspeção
judicial34. Na Ley de Enjuiciamiento Civi'/espanhol, a exigência
de temor fundado de impossibilidade de produção da prova em

34 A doutrina também exige o preenchimento do periculum in mora. Por todos,


Cario Calvosa, "Instruzione preventiva" In: Novissimo Digesto Italiano, cit.,
p. 312: "... è innegabileche 1'interesse spedfico, chegiustifica Temanazione
di un provvedimento ammissivo di um procedimento di istruzione preven­
tiva, sia che si tratti di assumere testimoni a futura memória, sia che si tratti
di eseguire, in via preventiva, urrfispezione giudiziale, sia ^jicora che si

27
seu momento processual regularmente previsto encontra-se no
art. 29335. Em Portugal, o art. 520 do Código de Processo Civil
indica a impossibilidade ou a dificuldade extrema de produzir
a prova no momento adequado36. A mesma exigência é encon­
trada no direito austríaco, positivada nos arts. 384-389, ZPO37.
O Código Federal de Procedimientos Civiles mexicano
contém tal exigência em seu art. 92. No direito argentino, a
previsão encontra-se no art. 326 do Código Procesal Civil y Co­
mercial de la N a c ió n O Código General del Proceso uruguaio

voglia ottenere, sempre in via preventiva, uma descrizione di luoghi o del Io


stato e delia condizione di determinate cose, nasce del timore que, se il
prowedimento istruttorio tardasse, i suoi risultati potrebbero diventare meno
efficaci e la prova, con 1'andar del tempo, potrebbe diventare impossibiíe o
quanto meno assai piü difficile da raccogliere".
35 Andrés de la Oliva Santos, Derecho procesal civil, cit., p. 309: "Cuando exista
serio peligro de que una prueba no pueda praticarse si se sujeta a Ias ordinarias
disposiciones temporales, Ias legislaciones más perfectas prevén el assegura-
miento o el adelantamiento de la prueba, esto es, la adopción de medidas que
permitan practicar la prueba en su momento o incluso su proposición y prác-
tica antes del momento procesal en principio previsto, e incluso antes del inicio
del proceso mismo". Pâra José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramírez,
La prueba civil. Valença:Tirant Io Blanch, 2004, p. 229-230, são "medidas que,
de un modo u otro, están encaminhadas a evitar que, precisamente por la
obligada necesidad de tener que consumir un periodo de tiempo más o menos
dilatado para tramitar el pleito, desde sus inicios y hasta el momento procedi­
mental en que toca ejecutar la prueba, ésta pueda quedar frustrada como
consecuencia de eventos acaecidos durante ese periodo de tiempo".
36 José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado. Coimbra: Ed. Coim­
bra, 2001, v. II, p. 414-415: "Tal como os procedimentos cautelares, a
produção antecipada de prova tem como requisito o periculum in mora,
consistente no risco de desaparecer ou se tornar muito difícil a produção
de certa prova, antes do momento normal em que ela seria produzida".
37 Bernhard Kõnig, "La giustizia civile. In :______. La giustizia civile nei paesi
comunitari. A cura di Elio Fazalari. F^dova: Cedam, 1992, v. II, p. 17.
38 Jorge L. Kielmanovich, Teoria de la prueba y medios probatorios. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1996, p. 366, lembra que a antecipação durante o
processo principal poderá ser realizada mesmo sem qualquer perigo em
razão dos poderes conciliatórios do juiz (art. 36.2 do Código Procesal Civil
y Comerciai de la Nación Argentina).

28
contém previsão semelhante em seu art. 306.2. Na Colômbia,
a previsão que exige o periculum in mora para as chamadas
ações de asseguração de prova encontra-se no art. 803 do Có­
digo judicial3,9.
Mesmo no direito norte-americano, cujo sistema processu­
al é bastante diferente daquele existente nos países da tradição
da civil law, a doutrina aponta, como um dos objetivos da d/s-
covery, a preservação de uma prova que não poderá ser produ­
zida no momento do julgamento, de modo a admitir a colheita
de prova antes do início do processo. As hipóteses mais lembra­
das em que se permite a produção da prova antes do início do
processo em virtude do perigo de ela se perder no tempo não
divergem dos motivos previstos pela lei brasileira para a oitiva
de testemunha de forma antecipada, apontando a doutrina nor­
te-americana para a doença ou idade avançada da testemunha,
bem como a possibilidade de ausentar-se do país antes do trial
— julgamento40.
Distanciando-se dos ordenamentos analisados encontra-se
o direito francês, no qual há disposição positivada no estatuto
processual, que trata do tema da prova produzida antecipada­
mente por meio de processo autônomo, não se exigindo — ao
menos não necessariamente — que a prova corra perigo de não
poder ser produzida novamente. Segundo o art. 145 do CPC
francês, existindo motivo legítimo para conservar ou estabelecer

39 Jorge Fabrega, Teoria general de Ia prueba. 2. ed. Bogotá: Ed. Jurídicas Gus­
tavo Ibánez, 2000, p. 293: "Mediante el asseguramiento de Ia prueba — fun­
dado en el derecho a Ia prueba — se obtiene una prueba para el caso de
extravio o deterioro del medio probatorio, o de precaverse de Ias dificulta-
des que pudiera surgir en su oportuna obtención".
40 Jack H. Friedenthal, Mary Kay Kane, Arthur R. Miller, Civilprocedure. 3. ed.
Saint Raul: West Group, 2004, p. 386-387: "Modem discovery has three
major purposes. First is the preservation of relevant information that might
not be available at trial. The earliest discovery procedures in the federal
courts were designed basicaly for this purpose. If a witness is ill or infirm,
or will be out of the country at the time of trial, thetestimony of that witness
can be taken and preserved, and ultimately used at trial".

29
antes do processo a prova de fatos dos quais poderá depender a
solução de uma controvérsia, será permitido à parte, por requete
ou refere, produzir a prova por meio de processo probatório
autônomo. Será justamente a definição de quais sejam esses
motivos legítimos que demonstrará que o periculum in mora é
dispensável, embora evidentemente a existência do perigo de a
prova não poder ser produzida posteriormente deva ser entendi­
da como motivo legítimo para sua produção antecipada.
Depois de certa indefinição nos Tribunais, a Corte de Cas­
sação francesa firmou o entendimento de que a prova produzi­
da antecipadamente não exige a presença do periculum in mora,
até mesmo porque o texto do art. 145 do CPC francês menciona
a conservação e a fixação de fatos; somente a primeira circuns­
tância estaria ligada à idéia de cautelaridade41. A exigência
feita pela jurisprudência francesa a respeito do "motivo legítimo"
diz respeito exclusivamente à relação que o fato deve guardar
com a exigida indispensabilidade à solução de uma controvérsia,
exigência também positivada no art. 145 do CPC francês. Enten­
de-se que o fato deve ser relevante, o que significa dizer que
deve ser suficiente para que o juiz conheça o objeto do futuro
e eventual processo de conhecimento. Além da relevância, exi­
ge-se do autor a demonstração de que a demanda gerará me­
lhora de sua situação do ponto de vista probatório42.

41 Chiara Besso, La prova prima del processo/ Torino: G. Giappichelli, 2004,


p. 87-88.
42 Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 91: "La legittimità del
motivo si apprezza pure in relazione ali'interesse probatorio che la misura
istrutoria può presentare. 1fatti di cui si tratta di stabilire o conservare la
prova devono di influenzare la soluzione delia controvérsia, dall'altro lato
la misura istruttoria richiesta deve essere suscettibile di migiiorare la situa-
zione del ricorrente dal punto di vista probatorio". Consultar Gerárd Cou-
chez, Procédure civile. Paris: Dalloz, 1998, p. 324-325. Jacques Normand,
"Dirrito giudiziario privato francese". In: Bernhard Kõnig, La giustizia civife
nei paesi comunitari. A cura di Elio Fazzalari. Radova: Cedam, 1992, v. I, p.
66, diverge da jurisprudência e da .doutrina dominantes e aponta a exigên­
cia da urgência para a produção antecipada de prova.

30
No direito alemão, o § 485 do ZPO estabelece cinco hipó­
teses de cabimento do processo probatório autônomo. No inc.
I há duas previsões: primeiro está a característica do periculum
in mora, a apontar para a circunstância de o meio probatório
poder perder-se ou ter seu uso dificultado. A previsão apontada
indica a natureza cautelar tradicionalmente prevista em tantos
outros ordenamentos processuais43. Em segundo lugar, já distan­
te da natureza cautelar, a única exigência que o dispositivo legal
faz é que ocorra um acordo de vontade entre as partes. Tanto em
um caso como em outro, a demanda autônoma probatória po­
derá ter lugar tanto antes como durante a demanda judicial na
qual a prova funcionará para o convencimento do juiz.
Nas demais previsões permissivas da ação probatória autô­
noma, exclusivamente anterior ao processo, não há qualquer
previsão de perigo de a prova não poder ser produzida poste­
riormente, ao divorciar-se totalmente da natureza cautelar. Estão
reunidas no inc. II do dispositivo legal ora comentado: (i) para
determinar o estado de uma pessoa, o estado ou valor de uma
coisa; (ii) causas de dano pessoal, dano em coisa ou vício da
coisa; e (iii) o custo de um dano pessoal, dano na coisa ou vício
na coisa, desde que exista interesse jurídico se essa determinação
poder servir para evitar um litígio.
O direito alemão, entretanto, não é tão amplo como o fran­
cês no que toca à produção da prova autônoma sem que ocorra
perigo de a prova ser produzida posteriormente. O limite lembra­
do pela melhor doutrina diz respeito, em especial, ao meio de
prova possível de produzir-se antecipadamente, o que não ocor­
re no direito francês. No direito alemão, somente a prova pericial
poderá ser objeto de produção antecipada sem periculum in mora;
exige-se também um objeto pré-determinado e útil ao acertamen-
to dos fatos com a finalidade de evitar o processo principal44.

43 James Coldshmidt, Direito processual civil. Trad. Lisa Rary Scarpa. Campinas:
Bookseller, 2003, p. 307; Othmar Jauering, Direito processual civil. 25. ed.
Trad. F. Silveira Ramos. Lisboa: Almedina, 2002, p. 282.
44 Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 107-108.

31
A Inglaterra, embora seja país da tradição da commom law,
recentemente passou por modificação substancial em seu siste­
ma processual, ao adotar em 1998 um Código de Processo Civil
— Civil Procedure Rules 1998. No art. 31.16, instituíram-se os
pre-actíon protocols, que permitem à parte requerer a exibição
de um documento em poder de sujeito que figurará no pólo
passivo da futura e eventual demanda. Permite-se uma discovery
limitada a instituto processual muito similar à exibição de coisa
ou de documento existente no direito brasileiro, a dispensar
qualquer perigo de que a prova não possa ser produzida duran­
te o processo, que seria seu momento adequado.
As três hipóteses previstas pelo dispositivo legal mencio­
nado permitem a produção da prova prévia, desde que: (i) a
exibição permita uma determinação mais completa dos elemen­
tos probatórios em razão dos princípios da boa-fé e da lealdade
processual, de modo a possibilitar a propositura de uma ação
devidamente fundamentada; (ii) auxilie as partes a resolver seu
conflito sem a necessidade da instauração do processo, por
meio de uma transação; e (iii) economize custos45. Há doutrina
a entender que, além da exibição de documento, também será
possível, pelas mesmas razões, a oitiva prévia de prova teste­
munhai46.
A legislação pátria sobre o assunto não discrepa muito das
legislações estrangeiras indicadas — à exceção da francesa,

45 Victoria Williams, Civil procedure handbook. Oxford: University Press, 2004,


p. 281; Stuart Sime, A praticai approach to civil procedure. 7. ed. Oxford:
University Press, 2004, p. 304-305.
46 Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 117-118-Terence Ingman,
The English legalprocess. 9. ed. Oxford: University Press, 2002, p. 41: "In
preparing for trial, there should be a move away from plea and directions
hearings and other forms of pre-trial hearings to co-operation between the
parties according to standart timetables in the Crown and District Divisions
(and, where necessary, in the Magistrates' Division), there should then be a
written or elevtronic "pre-trial assessment" by the court of the parties'
readiness for trial". .•

32
italiana (prova pericial), alemã e inglesa (estas duas últimas de
forma restrita); há também a expressa menção em dispositivos
do Código de Processo Civil brasileiro de que é exigido o perigo
de a prova não poder mais ser produzida no futuro como con­
dição essencial para a produção antecipada de uma prova. Assim,
o art. 847 do CPC exige a ausência iminente, idade avançada
ou moléstia grave da testemunha para antecipar seu depoimen­
to, ou ainda o art. 849 do CPC, que expressamente exige receio
de que venha a tornar-se a prova pericial impossível ou muito
difícil de ser produzida.
No processo de produção antecipada de provas (arts. 846
a 851, CPC), as previsões legais anteriormente referidas levam
parcela da doutrina a apontar a existência de processos proba­
tórios satisfativos, em que ausente estaria a característica de
cautelaridade. Nesse sentido está o entendimento de Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira47, deGraciela lurk Marins48e de Vic-
tor A. A. Bomfim Marins49, para quem "nem sempre será caute­
lar a produção antecipada de prova, seja ela qual for, interroga­
tório da parte, inquirição de testemunhas, exame pericial, ou
mesmo exibição, por não apresentar algum dos elementos cons­
titutivos dessa modalidade de atuação jurisdicional", e Sérgio
Sahione Fadei50, que defende o indeferimento do pedido quan­
do estiver ausente o periculum in mora.
Mesmo nas cautelares previstas pelo ordenamento que não
trazem tal exigência expressamente na lei, a doutrina exige a
presença do requisito do periculum in mora, como no caso da
exibição de coisa ou de documento, sob pena de não se atribuir
a tais demandas a natureza cautelar.

47 Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 235-237.


48 Produção antecipada de prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
159-161.
49 Cf. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribu­
nais, 2000, v. XII, p. 277.
50 Código de Processo Civil comentado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p. 1034.

33
Especificamente no tocante à ação de exibição (arts. 844 a
845, CPC), Ovídio A. Baptista da Silva51é peremptório ao afirmar
que "nem toda a pretensão a que se exiba coisa ou documento
é pretensão cautelar". No mesmo sentido, o entendimento de
HumbertoTheodoroJr.52, a defender que, em algumas Fiipóteses,
a "pretensão nada tem de preparatória. Satisfaz apenas a um
direito material da parte". Também nesse sentido são as lições
de Cândido Rangel Dinamarco53, que deixa transparecer a idéia
de que nenhuma ação de exibição seria cautelar, e de Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira54, que indica quatro espécies de exi­
bição, sendo somente uma delas cautelar. O tema será aprofun­
dado em capítulo específico a respeito do tema.
Não é diferente o entendimento no que diz respeito ao
processo — ou, para alguns, mero procedimento — de justifica­
ção (arts. 861 a 866, CPC), em que, além da dispensa do peri-
cuíum in mora, também seria dispensado o requisito do fumus
boni iuriss5. Diante de tais dispensas, a doutrina, de forma ma­
joritária, entende não ter tal processo natureza cautelar. Também
se afirma não serem cautelares os protestos, notificações e in­
terpelações (arts. 867 a 873, CPC), considerados procedimentos
de jurisdição voluntária e por isso excludentes do caráter de
cautelaridade, com o que não se concorda, conforme anterior­
mente exposto, sendo possível que, no âmbito da jurisdição
voluntária, existam formas de tutela cautelar.

51 Cf. Do processo cautelar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 335. O


autor afirma ainda: "Pode haver direito, pretensão e ação de exibição, como
logo veremos, decorrente de uma relação de direito material, imediatamen­
te satisfeita e não apenas assegurada através da demanda exibitória".
52 Cf. Processo càutelar. 18. ed. São Plaulo: Leud, 1999, p. 277.
53 "Ação de exibição de documentos". In:______. Fundamentos do processo
civil moderno. 3. ed. São Plaulo: Malheiros, 2000, v. II, p. 1419-1424.
54 Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 206-207.
55 Nesse sentido a doutrina, de forma uníssona: Carlos Alberto Alvaro de Oli­
veira, Comentários ao Código de Processo Civil, citv p. 311; Humberto
Theodoro jr., Processo cautelar, cit., p. 322; Ovídio A. Baptista da Silva, Do
processo cautelar, cit., p. 438.

34
Em síntese conclusiva parcial a respeito de todas as chamadas
cautelares probatórias, vale a transcrição das lições de Luiz Fux56,
que bem espelham a posição doutrinária atual sobre o tema:

"Destarte, onde não houver perigo de desaparecimento da


utilidade da prova para o processo principal não haverá
lugar para categorizar-se a medida como cautelar. Assim,
v. g., se a parte pretende a exibição do documento para
avaliar se proporá ou não uma ação futura, a medida reves-
tir-se-á de caráter autônomo, com nítido cunho preventivo
de litígios, sendo certo que a 'preventividade por si só não
é uma característica exclusiva das ações cautelares' e,
por isso, não é servil a categorizar as medidas desta na­
tureza".

Apesar das abalizadas vozes já referidas, não parece que a


doutrina nacional tenha a melhor visão a respeito da matéria ora
tratada. Qualquer processo que tenha como objeto a produção
— ou asseguração, como prefere erroneamente a maior parte da
doutrina nacional — da prova tem de certa forma natureza cau­
telar, ainda que para chegar a tal conclusão seja necessário se
afastar em grande medida da definição clássica de periculum in
mora referente às cautelares probatórias. A tarefa será afastar-se
do elemento de perigo na produção da prova e aproximar-se do
perigo de o juiz não ter condições de julgar de forma correta
pela sua ausência.
Deve-se, primeiro, distinguir o periculum in mora referente
ao resultado do processo e ao da produção da prova, já que se
trata de fenômenos distintos. Justamente em virtude da indevida

56 Cf. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 1.630. O ministro do STJ ainda complementa seu pensamento: "Em
conseqüência, a exibição de documento ou coisa urgente, a justificação
mediata, a oitiva imperiosa das partes ou de testemunhas, que se realizam
sob pena de frustrar-se o processo principal, enquadram-se na categoria
cautelar. Entretanto, as mesmas medidas podem ser apenas preventivas, caso
não se sustentem em alegação de periculum in mora".
confusão entre eles, conclui-se, equivocadamente, que nem todo
processo cujo objeto é a produção de prova em processo autô­
nomo tem, efetivamente, natureza cautelar.
Ao falar em periculum in mora nas cautelares probatórias,
a doutrina, de forma uníssona, refere-se à impossibilidade de
produzir a prova em seu momento adequado, qual seja, a fase
instrutória do processo de conhecimento. Assim, o perigo de
demora estaria ligado diretamente à própria produção da prova,
que, se não for objeto de tutela cautelar, não mais reunirá con­
dições de ser produzida no momento adequado57. Não é, por­
tanto, o direito material da parte que se busca preservar com a
produção antecipada da prova, mas sim o direito processual à
produção probatória. A preservação do resultado útil e eficaz do
processo não é o objeto imediato da cautelar probatória, de
modo que é absolutamente plausível a circunstância de a prova
ser produzida de forma antecipada sem que com isso se garan­
ta a eficácia de resultado favorável, e vice-versa.
Basta imaginar um processo de produção antecipada de
prova no qual o requerente busque configurar a existência de
dano estético em razão de acidente automobilístico. Ao ser re­
alizada a perícia, por meio da qual é demonstrada a desconfi-
guração facial, o autor ingressa com a ação principal, mas, du­
rante esta, o réu dilapida todo o seu patrimônio, sem que o
autor se tivesse utilizado de outra medida cautelar para assegu­
rar o resultado final. A sentença desse processo, fundada na
prova produzida antecipadamente, será favorável ao autor, mas
nem por isso será eficaz ou útil, a considerar que o réu não terá
patrimônio para garantir sua plena satisfação. Garantiu-se, com
a produção antecipada da prova, sua produção e, por conse­
qüência, o resultado favorável ao autor do processo, mas não

57 Por todos, Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile/ cit., p. 398:


'Tistruzione preventiva consiste in una misura cautelare in funzione delia
efficienza delia cogzione e, piu precisamente, dellistruzione probatoria";
Cario Calvosa, "Istruzione preventiva". In: Novissimo Digesto Italiano, cit.,
' p. 312-313.

36
sua eficácia. O mesmo ocorrerá se desde sempre o réu não tinha
patrimônio apto a gerar a satisfação do direto do autor. Nem por
isso se deixará de considerar cautelar a demanda em que a pro­
va foi produzida, com a lembrança de ser a instrumentalidade
da cautelar tão-somente hipotética.
Nesse ponto, parece que a doutrina se distancia do concei­
to de periculum in mora tradicional do processo cautelar, que
diz respeito não à preservação da prática de algum ato proces­
sual — como a produção de uma prova —, mas sim à garantia
de um resultado útil e eficaz do processo, que, como visto, por
si só, não estará preservado com a produção antecipada da
prova58. Sob esse ponto de vista, nenhuma das cautelares pro­
batórias poderia ser considerada classicamente uma cautelar,
porque somente garantiria a utilização de uma prova no con­
vencimento do juiz e não automaticamente a eficácia e a utili­
dade do resultado final do processo. A eficácia e a utilidade,
portanto, ficam restritas à produção da prova em si, e de forma
hipotética e conseqüencial ao resultado do processo.
Na doutrina argentina, há importante corrente que defende
não ter nunca natureza cautelar a produção antecipada de pro­
va, justamente pelo motivo referido. Por prender-se à concepção

58 Nesse sentido, as lições de Francesco P. Luiso, Dirittoprocessuale civile, cit.,


p. 212-213: "Gli effetti di questo prowedimento cautelare (a differenza
degli effetti degli altri prowedimenti cautelari) non incidono sulla realtà
sostanziale, non sono effetti extraprocessuali, perché com il prowedimento
ci si limita a raccoglieri uma prova che avrà effeto solo all'interno del pro­
cesso di merito". Também se referindo a tutela exclusivamente processual,
Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 625. No
mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil,
cit., p. 181 *182: "Isto porque através da medida de asseguração de prova o
que se faz é garantir que a parte do processo principal (pouco importando
se ali tal parte ocupa a posição de demandante ou de demandado) tenha
condições de fazer valor a seu direito à produção de prova que seja rele­
vante para a formação do convencimento judicial, sendo certo que em alguns
casos tal direito não poderia ser exercido por ter perecido a fonte da prova
(como, por exemplo, no caso em que tivesse falecido a testemunha antes
do momento adequado para sua oitiva), ou por razão análoga".

*57
tradicional de periculum in mora como o perigo de ineficácia
do processo, essa corrente doutrinária defende que o mero pe­
rigo de a prova não ser produzida no momento adequado não
preenche tal requisito, de modo a afastar-se a natureza cautelar
de tal demanda judicial. Afirma-se que a prova antecipada mira
a prolação da sentença, não sua eficácia, que não estará garan­
tida com a produção de prova antes do momento adequado,
ainda que a justificativa para tal produção seja a impossibilida­
de de esperar tal momento processual59.
A doutrina tradicional, de forma praticamente uníssona,
entende que a única justificativa plausível para que as provas
sejam produzidas antes do momento adequado e por meio de
ação autônoma de natureza cautelar é divorciar-se efetivamente
da eficácia ou da utilidade do resultado final, de modo a centrar-
se não nos efeitos da decisão final, mas sim no seu conteúdo,
que é o objeto de análise quanto ao que se estará garantindo.
Isso significa dizer que a prova, se não fosse produzida anterior­
mente e não pudesse sê-lo no momento adequado, impediria o
juiz de tomar conhecimento dos fatos, bem como, por conse­
qüência, impedi-lo-ia de julgar favoravelmente à parte que tem
razão, de forma que o resultado positivo — no que tange ao seu
objeto, e não a seu efeito — é garantido por tal produção ante­
cipada. A vitória judicial — eficaz ou não — só foi possível em
razão da produção antecipada da prova.
É evidente que, de forma reflexa, a cautelar probatória po­
derá também levar ao preenchimento do periculum in mora no

59 Nesse sentido são as lições de Luis Luciano Gardella, La prueba anticipada.


San Jerónimo: Ed. Jurídica Ranamericana, 1997, p. 20-23: "Las medidas
probatorias (incluso las anticipadas que estamos estudiando), apuntan por
lo contrario a otro objetivo: su mira es la sentencia misma, es decir, el pos­
terior pronunciamiento del juez acerca del derecho que asiste a quien la
solicite, para lo cual el interesado pretende asegurarse una prueba que, por
razones de urgência o de la actividad de la contraria, podría verse frustrada".
Alfredo Jorge di lorio, Prueba anticipada. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
T970, p. 16-24; Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal. Buenos
Aires: Astrea, 2005, v. I, p. 226.

38
sentido tradicional, de modo a preservar o resultado eficaz e útil
do processo, mesmo porque um resultado somente poderá ser
útil e eficaz se for positivo, considerando-se que o resultado
negativo não gera qualquer efeito pretendido pelo autor (senten­
ça de improcedência). Sempre que a prova for imprescindível
para a obtenção de tal resultado poder-se-á dizer que a cautelar
probatória terá servido para garantir a eficácia e resultado útil
do processo, de forma a conceder ao juiz elementos necessários
para decidir favoravelmente ao pedido do autor. O que deve
ficar bem claro é que, antes de falar em eficácia, é preciso cen­
trar a atenção no conteúdo do resultado final, que, se não for
positivo ao autor, jamais lhe poderá ser efetivo ou útil. Garante-
se o resultado positivo, e somente após esse momento se consi­
dera que, por meio da obtenção de tal resultado, garanta-se, no
plano fático, a plena satisfação do direito do autor60.
A garantia do resultado favorável seria, portanto, os resultados
finais da tutela, passando pela preservação da prova, que, uma
vez produzida, permitiria tal resultado, condição imprescindível
para que haja efetividade e utilidade. Matematicamente, poderia
ser assim explicado o pensamento por meio de uma fórmula:
cautelar probatória = produção da prova =conhecimento do juiz
da verdade dos fatos e provável resultado positivo = possibilidade
de efetividade do resultado final. É justamente por esse entendi­
mento que a cautelar probatória terá uma instrumentalidade ao
cubo, porque essa ação garante a prova, que é instrumento de
convencimento do juiz, que garante o resultado positivo do pro­
cesso e que, por fim, torna possível a efetividade e a eficácia
desse resultado. A cautelar garante a prova, esta garante o resul­
tado favorável, o qual garante a obtenção do direito material pelo
autor, tudo isso, evidentemente, pensado de forma hipotética.

60 Nesse sentido são os ensinamentos de Piero Calamandrei, fntroducción al


estúdio sistemático de Ias providencias cautelares/ cit., p. 55, para quem as
cautelares probatórias "contribuyen al mejor exito práctico de ésta, en
cuanto el exacto y completo conocimiento de los hechos de la causa es uno
de los coeficientes que sirven para lograr un buen juicio".

39
Neste ponto, volta-se a ressaltar um aspecto já levantado
nesse capítulo, que é a especial instrumentalidade hipotética da
tutela cautelar probatória, que poderá, simplesmente, não pre­
servar a efetividade de qualquer resultado, tanto nas hipóteses
em que o resultado é negativo quanto naquelas em que, apesar
de conteúdo positivo, não se consegue efetivar no plano fático
a decisão. Além disso, é lícito crer que a satisfação voluntária
do direito sem a necessidade do processo principal possa também
ser hipótese em que não haverá qualquer instrumentalidade da
tutela cautelar probatória. O simples fato de possivelmente gerar-
se esse resultado positivo e, como conseqüência, a efetividade
e a utilidade de tal resultado já deve ser o suficiente para carac­
terizar-se a cautelaridade da prova produzida por ação autôno­
ma antes do momento adequado.
Na análise feita, afastou-se do conceito de periculum in
mora existente para as cautelares probatórias, aplicando-se,
também para elas, o conceito de periculum in mora existente na
teoria geral da cautelar. Dessa forma, mira-se o resultado final,
e não somente o resultado intermediário de tornar possível a
produção da prova. Vale relembrar algo que já foi, repetidamen­
te, afirmado: a função da tutela cautelar é garantir que o resul­
tado final do processo seja útil e eficaz, entregando ao vencedor
da demanda exatamente aquilo que ele tem direito a receber,
ou, mais precisamente, nas palavras de Chiovenda, entregar ao
vencedor exatamente aquilo que ele teria recebido se o devedor
tivesse cumprido, voluntariamente, sua obrigação. Justamente
nesse ponto é possível afirmar que todas as ações preventivas
probatórias têm, efetivamente, natureza cautelar.
Ao deixar de aplicar a exigência do perigo de a prova não
poder ser produzida no momento adequado e ao pensar no
resultado final favorável e hipoteticamente eficaz e útil do pro­
cesso, sempre que uma prova é produzida antecipadamente,
ainda que não se anteveja o ingresso de uma ação principal, não
há dúvida de que é possível vislumbrar uma proteção a algum
direito material. Ao aparelhar-se melhor com relação à prova de
um fato, a parte simplesmente se coloca em-posição privilegia­
da em termos probatórios, o que poderá inclusive evitar o pro­

40
cesso principal, resolvendo-se o conflito de interesses extrajudi-
cialmente. Sob esse ponto de vista, estar-se-ia obtendo uma
satisfação sem a necessidade do processo principal, exatamen­
te o resultado prático que seria gerado por um resultado útil e
eficaz. Em termos de efeitos, como já visto, o resultado útil e
eficaz eqüivale ao cumprimento voluntário da obrigação.
O que se pretende demonstrar é que, independentemente
do periculum in mora, como tradicionalmente pensado para a
produção da prova de forma antecipada, estar-se-á diante da
instrumentalidade hipotética típica da tutela cautelar, de modo
a garantir o eventual resultado positivo e eficaz do processo
principal Se a prova produzida for de tamanha robustez que
leve a parte contrária ao reconhecimento jurídico do pedido
extrajudicialmente (submissão), com o conseqüente cumprimen­
to da obrigação, mesmo sem o processo principal, a parte terá
seu direito material satisfeito, de forma ampla e irrestrita, de
maneira que se atinge justamente o objetivo perseguido pela
tutela cautelar.
Sob esse ponto de vista, discorda-se da doutrina brasileira
para classificar todas as ações probatórias autônomas previstas
como cautelares — de jurisdição contenciosa ou voluntária —
como realmente cautelares, ao considerar que, sempre que a
parte, antes da existência de um processo principal produzir uma
prova, o processo no qual esta é obtida tem natureza cautelar.
A efetiva existência do processo principal não preocupa tanto,
diante da instrumentalidade meramente hipotética do processo
cautelar, no qual mais interessa a garantia de um resultado prá­
tico efetivo e útil, que poderá tanto ser obtido pela efetivação de
um resultado positivo no processo principal, comopelo cum­
primento voluntário da obrigação pela parte.
Essa característica, aliás, emprestaria às tutelas cautelares
probatórias, afastadas do conceito de periculum in mora defen­
dido pela doutrina, uma função preventiva de extrema impor­
tância no cenário processual atual. Ao reconhecer que a obten­
ção de uma prova é apta a evitar o processo judicial, proporcio­
nando o cumprimento da obrigação com a conseqüente satisfa­

41
ção daquele que tem o direito material, estar-se-á atribuindo a
tais cautelares uma função correlata à de preservar a efetividade
e a utilidade de um resultado positivo, buscando no mundo
prático tal satisfação, ainda que não seja necessário qualquer
processo principal.
A proposta é bastante simples: deixar de exigir para a con­
cessão de uma produção autônoma de prova a comprovação —
ainda que de forma sumária — do perigo de que, se não for
produzida em momento antecedente, não mais será possível sua
produção ou esta se tornará muito difícil É possível, sem retirar a
natureza cautelar dessas ações, somente modificando o ângulo
de visão a respeito do periculum in mora, admitir a qualquer in­
teressado a provocação do Poder Judiciário para a produção de
uma prova, ainda que seja plenamente possível produzi-la poste­
riormente, durante a fase instrutória de eventual processo princi­
pal. Parece que, mesmo com nossa atual legislação, ao aplicarem-
se princípios da teoria geral da cautelar, seria possível chegar a tal
conclusão. De qualquer forma, e essa é a proposta principal do
presente trabalho, ainda que preso à definição clássica de pericu­
lum in mora para as cautelares probatórias, seria interessante ao
ordenamento uma mudança de lege ferenda, para que se criasse,
em nosso ordenamento, uma ação autônoma de produção de
prova, independente de perigo ou não para sua produção, o que
se verá com mais detalhes em capítulo próprio.
Registre-se que a possibilidade de ação autônoma proba­
tória — chamada de cautelar probatória —, sem a necessidade
de periculum in mora em seu conceito tradicionalmente defen­
dido pela doutrina nacional para essa espécie de demanda, já
foi aventada por Piero Calamandrei61, que, em tradicional obra

61 Cf. Introducción al estúdio sistemático de las providencias cautelares, cit.,


p. 54-55. No mesmo sentido, Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas
preventivas. 2, ed. São Paulo: Bernardo Álvares, 1958, p. 125, embora
lembre os caracteres próprios, em especial a dispensa do periculum in mora.
O tema referente à declaração de mero fato será abordado em capítulo
específico a respeito do tema.

42
sobre a tutela cautelar, aponta para a ação declaratória de falsi­
dade documental como espécie de tutela cautelar, na qual a
parte teria certeza sobre a falsidade ou autenticidade de um
documento, o que lhe poderia ser útil no processo principal.
Afirma, categoricamente, que não se discute, nesse tocante, o
perigo de tal prova ser produzida no momento adequado, ao
afirmar que,

"si Ias propone en via preventiva, Io hace para poderse


presentar en el proceso de cognición en una condición de
ventaja probatória ya adquirida, y para evitar así el dano
que sufriría si el proceso sobre el mérito pudiera compli-
carse y disminuir su velocidad a causa de Ia cuestión inci-
dental concerniente a la valoración del documento".

Não é só nessa situação específica citada pelo doutrinador


italiano que se vislumbra a possibilidade de uma cautelar de
produção antecipada de prova, ainda que ausente o perigo da
prova não mais poder ser produzida. A doutrina nacional atribui
legitimidade ativa no processo cautelar probatório ao réu da
ação principal, afirmando que também este poderá ter interes­
se na produção da prova, como forma de preparar-se para a
acusação que eventualmente lhe será feita. Além de ser eviden­
te a característica da instrumentalidade hipotética, consideran­
do que a existência da ação principal nem mesmo dependerá
do autor da ação cautelar, nessa hipótese a doutrina permite até
mesmo que se afaste o periculum in mora para permitir a pro­
dução da prova.
A justificativa, concentrada na interpretação do art. 847
do CPC, que exige — ainda que de forma exemplificativa,
como será visto em capítulo próprio ao tema — a comprova­
ção de motivo de ausência, de idade ou de moléstia grave da
testemunha para sua inquirição adperpetuam memoriam, é a
de que o réu da eventual e futura ação principal não tem como
programar ou saber o momento da propositura da ação prin-
.. cipal, que dependerá, exclusivamente, da vontade daquele

43
que tem alguma pretensão em sede principal. Ovídio Baptista
A. da Silva62, que faia, expressamente, em dispensa do pres­
suposto, afirma que,

"como o futuro demandado não poderá determinar o tem­


po em que será acionado, será conveniente dar-se-lhe
oportunidade de promover a preservação da prova mesmo
nos casos em que a idade avançada ou algum outro motivo
não seriam indicativos de perda iminente da prova".

Essa hipótese, inclusive, já era prevista expressamente nas


Ordenações Filipinas (Livro 3Q, Título 55, § 8Q):

"E se por parte do réu for feito semelhante requerimento,


ainda que as testemunhas não sejam velhas nem enfermas,
nem esperem ser ausentes, serão perguntadas, em todo caso,
sendo a parte citada em sua pessoa, ou em sua casa, para
ver como juram, e as inquirições cerradas, assim como dito
é no requerimento, feito por parte do autor: porque o réu
não sabe quando lhe será feita a demanda, nem está em
seu poder de lhe ser feita tarde ou cedo; e se assim não
forem perguntadas as testemunhas em todo o tempo por ele
requerido, poderão falecer ao tempo da demanda feita e
perecer seu direito".

O que torna, neste estudo, mais interessantes as hipóteses


anteriormente analisadas é que a doutrina em nenhum momen­
to retira a natureza cautelar de tais produções de prova anteci­
pada, embora, expressamente, dispense nesse caso o periculum
in mora em seu conceito clássico a respeito das cautelares pro­
batórias. Há nítida incongruência nesse sentido, já que os mes­
mos doutrinadores que não fazem qualquer reparo à natureza
jurídica da ação probatória nessas hipóteses afirmam, peremp-
toriamente, que sem os pressupostos básicos da tutela cautelar

f’2 Cf. Do processo cautelar/ cit., p. 367. No mesmo sentido, Carlos Alberto
Al varo de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 246.

44
— periculum in mora e fumus boili iuris — não se pode admitir
a ação preventiva de produção de prova63.
A jurisprudência também tem grande influência ao permitir
que sejam produzidas provas de forma antecipada ainda que o
periculum in mora não esteja totalmente demonstrado. Assim,
existem diversas decisões judiciais, corroboradas pela doutrina,
em que o pressuposto do periculum in mora não precisa estar
claramente preenchido para que o juiz produza as provas pedi­
das em sede de cautelar probatória, afirmando-se que, em caso
de dúvida, será melhor produzir a prova, ainda que seja ques­
tionável o perigo de não ser possfvel produzi-la posteriormente
na fase de instrução do processo de conhecimento. Há nftida
tendência a flexibilizar o preenchimento desse requisito64.
Por outro lado é corrente, na prática judicial, a permissivi-
dade jurisdicional no que tange às ações chamadas de produção
antecipada de prova, embora não exista efetivamente nenhum
perigo em sua produção posterior. Conforme se verá em capítu­
lo destinado ao estudo específico da ação cautelar de produção
antecipada de prova, no caso de pedido autônomo e anteceden­
te de perícia com vistas a preparar a ação reivindicatória, a
doutrina majoritária entende não existir natureza cautelar — onde
estaria o perigo em sua posterior produção? —, mas, ainda assim,

63 Nesse sentido, por exemplo, Ovfdio A. Baptista da Silva, Do processo cau­


telar, cit., p. 368: "Uma coisa é certa: os dois requisitos universais inerentes
à tutela cautelar hão de estar presentes na demanda assegurativa de provas:
o requerente terá de demonstrar o risco de perda ou grave dificuldade na
futura produção da prova, se ela não for desde logo colhida (periculum in
mora) e deverá também convencer o juiz de seu presumível direito à prova
futura (fumus boni iuris)".
64 STJ, REsp31219/SP, 3aTurma, rel. min. Castro Filho, D J03.06.2002, p. 200;
STJ, REsp 193592/SP, 4a Turma, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, D}
14.06.1999. Em sentido contrário as lições de Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 251: "O receio
de dano, além disso, há de ser fundado, não autorizando a providência
cautelar, como é evidente, simples desconfiança de que eventual lesão
(incerta e futura) possa vir a ocorrer". #

45
permite o ingresso e exige o julgamento do processo, com a
produção da prova. Verificam-se, portanto, situações em que,
independentemente do perigo de impossibilidade de produção
posterior, admite-se a produção antecipada, e por meio de pro­
cesso autônomo, da prova.
Na exposição das cautelares probatórias em espécie, de-
monstrar-se-á a aplicação da tese ora defendida, que, apesar de
aparentemente ter importância exclusivamente acadêmica, per­
mite que todas as cautelares probatórias sejam tratadas de forma
uníssona, de modo a dispensar o rigor do periculum in mora,
atualmente exigido pela doutrina para sua classificação como
cautelar. A conseqüência natural desse abrandamento é o au­
mento significativo de hipóteses em que o jurisdicionado pode­
rá valer-se de uma das ações cautelares probatórias para a pro­
dução autônoma da prova, conforme será analisado em seu
devido momento.

2.3. As medidas cautelares probatórias na pendência do


processo principal
2.3.1. Natureza cautelar
Sempre a exigir o preenchimento dos requisitos clássicos
para a concessão da tutela cautelar probatória, com especial
ênfase no periculum in mora, a doutrina nacional, deforma unâ­
nime, critica duramente o legislador por ter previsto, no capítulo
referente à produção antecipada de provas, a possibilidade de tal
forma de produção ocorrer durante o processo principal, mas
antes do momento adequado previsto em lei. Para essa doutrina,
não se estaria, nessa hipótese, diante de verdadeira tutela caute­
lar, decorrendo desse aspecto a impropriedade legislativa de
tratar os dois fenômenos por meio de regra única.
A crítica é feita à literalidade do art. 847, caput, do CPC
("Far-se-á o interrogatório ou a inquirição das testemunhas antes
da propositura da ação, ou na pendência desta, mas antes da
audiência da instrução") e do art. 849 do CPC ("Havendo receio
de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação

46
de certos fatos na pendência da ação é admissível o exame pe­
ricial")65. Este último dispositivo, aliás, prevê exclusivamente a
possibilidade de produção de prova antecipada pericial quando
já estiver pendente o processo principal, limitação já totalmen­
te superada pela doutrina e pela jurisprudência, que aceitam,
tranqüilamente, o processo cautelar antecedente de produção
de prova pericial.
Vale a transcrição da crítica de Ovídio A. Baptista da Si Iva66,
que bem representa o entendimento da doutrina nacional, ao
tratar do art. 847 do CPC, afirmando que

"o Código, neste artigo, continua a tratar promiscuamente


das ações cautelares de asseguração de depoimentos e da
produção antecipada de prova testemunhai, como se fosse
tudo a mesma coisa. A distinção, porém, é essencial e ina-
pagável. Não basta, para confundi-la, que o legislador assim
o deseje. O juiz que preside a instrução preventiva, propos­
ta antes do ajuizamento da causa, sob forma de ação cau­
telar, certamente ainda não recebe a prova como seu des­
tinatário natural, pois só o juiz da causa onde ela deva ser
afina! produzida averiguará sua legitimidade e pertinência
e a receberá como prova; coisa essencialmente diversa
ocorre quando o próprio juiz da causa, que, às vezes, já
admitiu o depoimento no momento adequado, defere a sua
produção antecipada, por ocorrer algum dos pressupostos
aceitos pela lei como índice de perigo de perda ou grave
dificultação da produção da prova no momento próprio".

65 Grifos nossos.
66 Cf. Do processo cautelar, cit., p. 365. A compartilhar da mesma opinião,
Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janei­
ro: Forense, 1976, t. XII, p. 258; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comen­
tários ao Código de Processo Civil, cit., p. 235; Humberto Theodoro jr.,
Processo cautelar, cit., p. 295. F^rece também ter esse entendimento Piero
Calamandrei, Introduccion al estúdio sistemático de Ias providencias cau­
telares, cit., p. 53-54.

47
Registre-se que não é só a legislação processual pátria que
trata, no mesmo momento, da prova produzida antecipadamen­
te por meio de processo autônomo anterior ao processo principal
daquela produzida de forma incidental a esse processo, ou seja,
durante seu próprio trâmite, mas antes do momento adequado
previsto em lei. Também a legislação italiana (art. 699, Codice di
Procedura Civile), espanhola (art. 293, Ley de Enjuiciamiento
Civil), mexicana (art. 92, Código Federal de Procedimientos Civi-
les), alemã (ZPO, § 485) e argentina (art. 326, Codigo Procesal
Civil y Comercial). No direito português, aliás, parece ser a pro­
dução incidental a regra, e a produção antecedente a exceção,
como se depreende do teor do art. 520 do Código de Processo
Civil, o qual indica que a prova pode ser produzida de forma
antecipada "até antes de ser proposta a acção".
Na Argentina, a doutrina que tratou do tema vê com natu­
ralidade a existência da produção antecipada de prova inciden­
tal, e não se nota qualquer crítica a esse respeito quanto à pre­
visão legal. O único fator levado acertadamente em consideração
pela doutrina processual daquele país é o de que a prova pro­
duzida antes de seu momento ideal, que seria a fase de instrução
do processo de conhecimento, corra risco de não poder mais
ser produzida nesse momento processual. Assim, pouco impor­
ta à natureza do instituto a sua característica autônoma e prece­
dente ou incidental; para que seja considerada produção ante­
cipada da prova, basta ser produzida antes do momento proces­
sual adequado para tanto em razão da urgência67.
Novamente, não se mostra correta a crítica feita pela dou­
trina nacional O legislador, ao prever, conjuntamente, tanto a
produção antecipada de prova antecedente como a incidental
ao processo principal, agiu de forma absolutamente correta, em
razão da evidente natureza cautelar de ambas as situações. Fica
ainda mais claro o acerto ao exigir o requisito do periculum in

67Alfredo Jorge di lorio, Prueba anticipada/ cit., p. 36-41; Luis Luciano Gardella,
La prueba anticipada, cit., p. 15-16; Jaime A. Velert Frau, Diligencias preli­
minares y prueba anticipada. Mendoza: Ed. Jurídicas Cuyo, 2002', p. 40.

„ 48
mora em sua conceituação tradicional para as cautelares proba­
tórias, porque, nesse caso, não há como defender que a produção
antecipada de prova incidental não tem natureza cautelar, já que
ela também servirá para evitar a perda da prova68. Ao exigir para
a antecipação, nas duas circunstâncias, o preenchimento do
mesmo requisito ligado ao perigo de esperar o momento adequa­
do para a produção da prova, sob pena de perecimento, resta
indubitávei a identidade de naturezas jurídicas entre elas.
Basta imaginar um processo de conhecimento em trâmite,
em fase postuiatória — portanto, ainda iniciai —, em que surja
a notícia de que uma testemunha planeja iminente mudança
para o exterior e a parte interessada sabe que não poderá aguar­
dar a audiência de instrução e julgamento para ouvi-la. Nesse
caso, ao ser requerida a produção antecipada de prova, mostra-
se suficientemente claro que a oitiva de tal testemunha em
momento anterior ao adequado presta-se, de forma inequívoca,
a garantir a eficácia da prova, ou seja, exatamente a mesma
função exercida pela prova produzida antecipadamente de for­
ma autônoma69. Já que uma tem natureza cautelar, não há como
defender que a outra tem natureza jurídica diversa.
A confusão é gerada, mais uma vez, em virtude de premis­
sa absolutamente equivocada: a de que, no processo autônomo

68 Embora aceite a tradicional diferença entre asseguração e produção da


prova, Victor A. A. Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo
Civil/ cit., p. 284-285, também defende a natureza cautelar da prova pro­
duzida de forma antecipada incidentalmente no processo principal: "Não
podemos concordar com a doutrina que considera cautelar somente o pe­
dido antecedente de segurança de prova e não o incidental. Sabidamente,
a cautelar pode ser também incidental. Se a antecipação de prova, como
trata o Código, é requerida ou determinada ex officio no curso do processo
principal, mas fora do momento processual adequado, atendendo aos re­
quisitos da cautelaridade, cautelar é". Parece também esse o entendimento
de Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial. 4. ed. São
Raulo: Max Limonad, 1970, p. 291-293, embora as trate como tutelas pre­
ventivas, e não propriamente cautelares.
69 Na doutrina portuguesa, parece não ser pacífico tal entendimento, como se
percebe em Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado. Coimbra:

49
e antecedente de produção antecipada de provas, a prova não
seria efetivamente produzida, mas somente assegurada, enquan­
to, na produção antecipada incidente, a prova seria efetivamen­
te produzida, embora em momento anterior àquele previsto pela
legislação. Nesse tocante, inclusive, parece ainda mais inade­
quado o entendimento defendido pela doutrina nacional, base­
ado na ilusória diferenciação entre asseguração de prova — ins­
tituto desconhecido no direito processual pátrio — e a produção
antecipada.
O processo autônomo e antecedente de produção anteci­
pada de provas não se presta a meramente assegurar a prova que
será produzida no processo principal, como entende a majori­
tária doutrina nacional. O que ficará restrito ao processo prin­
cipal é a valoração da prova, momento no qual se saberá se a
prova gerou efetivamente os seus efeitos ou não. Essa fase do
procedimento probatório, entretanto, não se confunde com a
fase de produção da prova, de forma que é absolutamente cor­
reto falar em efetiva produção autônoma de prova, conforme se
demonstrará, de forma clara, no capítulo específico sobre o tema.
Ao ouvir uma testemunha ou realizar uma perícia, que diferen­
ça material existe se tal ato processual foi realizado de forma
autônoma ou inctdental?
A doutrina nacional majoritária procura distinguir as duas
situações baseada justamente em uma suposta diferença nos seus

Ed. Coimbra, 1950, v, líl, p. 333: "A acção já foi proposta; está na fase dos
articulados, sobrevêm qualquer ocorrência que torna urgente a produção
de certa prova antes de o processo chegar à fase da instrução: uma futura
testemunha adoece gravemente, surge um evento que convém verificar por
inspecção ocular cujos vestígios são de molde a apagar-se, etc. Qualquer
das partes pode requerer a produção imediata da respectiva prova". Também
no direito argentino: Lino Enrique Pàlacio, Manual de derecho procesat
civil, cit., p. 347: "Las medidas a que se refiere el art. 326 CPN solo tienen
lugar antes de trabada Ia litis y, después de esa etapa, cuando mediasen las
razones de urgência indicadas en Ia misma norma, o cuando el juez Io
dispusiere, en uso de las facultades instructorias que le acuerda el art. 36,
inc. 2o (CPN, art. 328)".

50
procedimentos probatórios. Segundo lições da unanimidade dos
doutrinadores que trataram do tema, na prova produzida de for­
ma autônoma, por meio de processo cautelar exclusivamente
com esse objetivo, as fases de propositura e de admissibilidade
somente ocorrerão no processo principal, naturalmente após a
asseguração da prova verificada no processo cautelar — a dou­
trina nega-se a afirmar que, nesse caso, teria ocorrido efetivamen­
te a produção, já no caso de prova produzida antecipadamente
de forma incidental, a propositura e a admissibilidade da prova
precederiam à sua efetiva produção. Essa diferença, entretanto,
despreza, de forma evidente, a forma material que a prova pro­
duzida antecipadamente de forma autônoma adquire.
Como será visto de forma exaustiva em capftulo próprio, a
prova produzida por meio de um processo autônomo cautelar
utilizada em outro processo é espécie de prova emprestada, a
considerar suas principais características. Remete-se o leitor ao
capítulo específico sobre o tema para melhor compreensão do
entendimento ora defendido, mas já é possível adiantar as con­
clusões nesse tocante; sendo prova efetivamente produzida em
um processo a gerar efeitos em outro, trata-se, inegavelmente,
de espécie de prova emprestada. Dessa forma, apesar de conti­
nuar a ter natureza oral ou pericial, formar-se-á um documento
para representar materialmente a existência dessa prova, como
a ata de audiência ou o laudo pericial Será esse documento,
que atesta a produção da prova oral ou pericial, que será junta­
do ao processo principal, para neste gerar seu regular efeito, qual
seja, formar o convencimento do juiz70.

70 Apesar de compartilhar do entendimento doutrinário majoritário de que o


processo cautelar somente assegura a prova, Cássio Scarpinella Bueno, "As­
pectos polêmicos da produção antecipada de provas". Revista de Processo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 91, 1998, p. 329, reconhece a forma
material de documento que a prova produzida antecipadamente em proces­
so autônomo adquire: "É dizer: uma vez assegurada a viabilidade (= assegu-
ramento) da produção da prova em momento processual futuro, faz-se mister
que a mesma seja, efetivamente, produzida (como qualquer outro documen­
to) naquele processo que motivou a colheita antecipada das provas".

51
Justamente em razão da natureza material de prova docu­
mental da qual a prova emprestada se reveste, é absolutamente
compreensível a diferença procedimental entre a prova produzi­
da antecipadamente de forma autônoma e de forma incidental,
sem que com isso se possa afirmar que, no segundo caso, esse
fenômeno processual não teria natureza cautelar. Ao ser produzi­
da antecipadamente por meio de um processo cautelar autônomo
e antecedente, a prova, apesar de ter natureza jurídica oral ou
pericial — dependendo do caso — será representada material­
mente por um documento, que seguirá, no processo principal, o
procedimento probatório adequado para tal espécie de prova. A
parte interessada juntará aos autos a ata de audiência que contém
a oitiva da parte contrária ou de testemunha ou ainda o laudo
pericial, e a partir desse momento o juiz do processo principal
fará o juízo de admissibilidade, aceitando ou não a prova e reser­
vando sua valoração ao momento da prolação da sentença.
Evidentemente, no caso de produção antecipada de prova
de forma incidental — em momento procedimental anterior ao
previsto em lei —, tanto a propositura como a admissibilidade
serão fases verificadas antes mesmo da produção da prova, o que,
entretanto, não retira de tal medida seu caráter cautelar. Caso a
prova tenha sido produzida antes do momento adequado por
motivos de urgência — entenda-se com a doutrina tradicional o
perigo de a prova não poder mais ser produzida se for necessário
aguardar o momento adequado —, se sua conseqüência for a
preservação da prova, terá nitidamente natureza cautelar.
Para a doutrina tradicional, essa diferença procedimental
seria suficiente não só para defender a tese da "asseguração
da prova", como também para descartar a natureza caute­
lar da prova antecipada produzida incidentalmente71. A

71 Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar/ cit., p. 374: "O juiz da


causa, porém, decidirá desde logo, como destinatário da prova, sua admis­
sibilidade na causa e a receberá como prova, assim que produzida anteci­
padamente. O juiz da causa, porém, decidirá desde logo, como destinatário
da prova, sobre sua admissibilidade na causa e receberá como prova, assim

52
mera possibilidade de o juiz do processo principal não admitir
a prova objeto do processo autônomo estimula a doutrina a
afirmar que tal prova não teria sido produzida no processo cau­
telar, sendo somente assegurada sua produção, o que não ocor­
reria com a prova antecipada incidental. A tese, entretanto, não
pode prosperar, bastando, para tanto, perceber que a prova
produzida em processo autônomo é espécie de prova empres­
tada, de forma que eventual utilização ou não no processo
principal nada tem que ver com sua produção, que efetivamen­
te já ocorreu. O juiz simplesmente admitirá uma prova já pro­
duzida e deixará para valorar seus efeitos no momento do jul­
gamento.
Nunca é demais lembrar que, no juízo de admissibilidade
da prova, o juiz, de alguma forma, já estará exercendo uma
atividade valorativa, se não de seu conteúdo, ao menos de sua
relevância para a formação do seu convencimento. É evidente
que, ao fazer um juízo de admissibilidade da prova a ser cons­
tituída nos autos — oral e pericial —, o juiz não tem conheci­
mento de seu conteúdo, simplesmente verificando a aptidão
eventual de tal prova para auxiliá-lo na busca da verdade. O
conteúdo da prova é absolutamente desconhecido ao juiz, que
fará uma análise meramente hipotética das condições da produ­
ção de determinada prova ser apta a gerar efeitos em seu con­
vencimento.
Por ser uma análise meramente hipotética, já que é desco­
nhecido o conteúdo da prova, uma vez produzida a prova o juiz
poderá frustrar o objetivo daquela, ao entender que a prova em

que produzida antecipadamente. Provavelmente até já existe nos autos


alguma decisão anterior do próprio juiz, ou do tribunal do recurso, admi­
tindo a prova como legítima e relevante naquela causa, de modo que a
segunda decisão apenas antecipe no tempo a prova que já foi deferida. Tal
resultado, como se sabe, é absolutamente impossível na ação de assegu-
ração de prova. O juiz da cautelar, ou seja, da demanda proposta para
assegurar-se ad perpetuam rei memoriam a prova, jamais poderá decidir
sobre a admissibilidade da prova na causa principal, quanto mais recebê-
la desde logo como prova".

53
nada contribuiu à formação de seu convencimento. Assim, do
ponto de vista da função da prova, que é convencer o juiz de
um fato, uma prova considerada inadmissível e uma prova ad­
mitida, mas que não convença o juiz, frustram, da mesma forma,
esse objetivo final, de maneira que podem até mesmo ser equi­
paradas em sua ineficácia. Essas características, entretanto, não
se aplicam, em sua inteireza, à fase de admissibilidade da prova
produzida antecipadamente em processo autônomo.
O juiz do processo principal, ao fazer o juízo de admissibi­
lidade da prova produzida antecipadamente em outro processo
de natureza cautelar, já saberá, de antemão, o conteúdo dessa
prova, e, ao analisar se admite ou não a prova, no processo prin­
cipal, naturalmente estará verificando se, pelo conteúdo da
prova, tem sentido incluí-la no conjunto probatório que levará à
formação de seu convencimento. Ao analisar a relevância da
prova pré-constituída — como é o caso de toda prova empresta­
da em geral, e das produzidas por processos cautelares autônomos
em específico —, evidentemente analisa seu conteúdo à luz do
objeto do processo principal/ sendo possível concluir que, ao
afirmar inadmissível tal prova, o juiz poderá implicitamente de­
clarar que seu conteúdo em nada tem a colaborar com seu con­
vencimento, o que seria o mesmo que admitir a prova e não
utilizá-la na fundamentação fática de sua decisão72.

72 Nesse sentido a opinião de Roberto Soares Armei in, Da asseguração de


prova no processo civil. 1995. Tese (Doutorado em Direito Processual Civil)
— Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
fòulo, p. 150. Apud Cássio Scarpinella Bueno, "Aspectos polêmicos da
produção antecipada de provas", cit., p. 328, nota de rodapé 16: "(...) será,
outrossim, submetida ao crivo da admissão pelo juiz da causa, momento
em que o magistrado apreciará a relevância da prova anteriormente asse­
gurada para o desate da lide pendente, sendo certo que, até mesmo, pode­
rá ser inadmitida a prova assegurada por não contribuir utilmente à solução
do litígio". O autor defende essa tese para afirmar que, no processo cautelar
autônomo de produção de provas, há somente asseguração da prova, com
o que, evidentemente, não concordamos. Essa valoração, ademais, também
é feita quando ocorre o pedido antecipado de prova incidente, conforme
bem lembrado por Francesco P. Luiso, Diritto processuale civile, cit., p. 216:

54
Nesse caso, portanto, fica claro que a inversão da ordem
das fases de propositura e admissibilidade — antes ou depois da
produção da prova — é absolutamente irrelevante, já que im­
porta tão-somente o grau de convencimento que as provas geram
ao juiz do processo principal. Dessa forma, a prova produzida
por processo autônomo será sempre admitida quando puder
colaborar no convencimento do juiz, o que nem sempre ocor­
rerá com prova produzida durante o próprio processo principal,
antecipadamente ou no momento adequado. Ademais, a produ­
ção antecipada de prova ocorre em momento embrionário do
procedimento, não se podendo exigir do juiz uma análise tão
robusta de sua admissibilidade, considerando que não estará na
posse de todas as informações a permitir uma decisão mais se­
gura, fundada em cognição exauriente a esse respeito. Basta
imaginar uma petição inicial em que já se requer a produção
antecipada da prova, momento procedimental em que o juiz
terá exclusivamente conhecimento das alegações do autor, o
que certamente não lhe fornecerá todos os elementos necessários
para uma análise completa da admissibilidade da prova reque­
rida antecipadamente.
Tentou-se demonstrar que, apesar de singelas diferenças no
tocante às duas fases do procedimento probatório — propositu­
ra e admissibilidade —, a característica principal de preservação
da prova em razão do perigo do tempo para sua produção en-
contra-se presente tanto na produção antecipada autônoma de
prova como na produção antecipada incidental73. Em ambos os

"II giudice deve valutare non solo I presupposti dell'urgenza, ma anche la


rilevanza delia prova richíesta con riferimento a! dirrito rispetto aí quale la
prova deve essere utilizzaía. Tale valutazione compensa ía mancanza del
fumus. II fumus consiste qui nella valutazione delia rilevanza delia prova
che si vuole raccogliere preventivamente".
73 No direito espanhol, a doutrina aponta outras diferenças procedimentais,
exclusivamente no tocante à forma de pedido da produção da prova. Con­
forme lições de José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramírez, La
prueba civil, cit., p. 234, todas as exigências serão dispensadas no pedido
de produção de prova antecipada incidental, com apenas uma exceção: "En

55
casos, tem-se a efetiva produção da prova, não mera asseguração,
figura desconhecida pelo direito pátrio — prevista, por exemplo,
na legislação processual espanhola —, restando claro que a
ordem em que se verificam as fases de propositura e de admis­
sibilidade não acarreta qualquer alteração na natureza cautelar
da prova produzida já durante o processo principal, mas antes
do momento adequado para tanto.
Já foi defendida, neste capítulo, uma nova visão do concei­
to do requisito do periculum in mora nas cautelares probatórias
em geral, pela qual a amplitude de cabimento de tais medidas
estaria diretamente ligada à garantia de um resultado favorável
no processo principal, não à ameaça de não mais ser possível
ou de tornar-se excessivamente difícil a produção probatória se
a parte tiver de aguardar o momento adequado previsto em lei.
Em capítulo próprio será feita a defesa, ainda que de /ege feren-
da, da desvinculação total e absoluta do periculum in mora, com
a possibilidade de uma ação autônoma de produção de prova
independente da existência de perigo na espera para o momen­
to legalmente previsto para a produção probatória. Em virtude
de tal proposta e principalmente pela forma de encarar a ampli­
tude de cabimento das ações cautelares probatórias, cresce o
interesse sobre a análise da produção de prova antecipada re­
querida incidentalmente no processo principal.
Como será visto no momento próprio, a proposta de ação
autônoma de produção de provas independente da existência
de perigo quanto à possibilidade de sua posterior produção
assenta-se, entre outras finalidades, na função preventiva de
conhecimento dos fatos, que poderá prestar-se a evitar litígios,

consecuencia, los únicos contenidos verdaderamente imprescindibles que


habrá de contener Ia solicitud de Ia prueba anticipada serán, por una parte,
Ia justificación motivada de las razones por las cuales teme fundadamente
de que, por causa de las personas o por el estado de las cosas, los actos de
prueba que piensa utilizar no podrán realizarse en el momento procesal
oportuno general mente previsto, y por otra, Ia justificación acerca de Ia
pertinencia y utilidad de las pruèbas propostas".

56
favorecendo eventual composição entre as partes. Seria, dessa
forma, uma maneira de evitar o processo, ao levar as partes a
acordos extrajudiciais, conotando tal ação autônoma de preven­
tiva de processos. A tentativa de aplacar tal pensamento é um
dos objetivos principais deste trabalho, mas a própria justifica­
tiva da existência de tal ação autônoma de produção antecipada
de prova mostra que o mesmo tratamento não se poderia dar às
situações em que a parte requer, no próprio processo principal,
a produção de prova anteriormente ao momento previsto em lei
para isso.
Por ser a proposta ampliativa de cabimento do processo
autônomo de produção de provas fundada na possibilidade de
evitar a instauração do processo, entre outras utilidades ligadas
a eventual propositura da ação principal, não fará sentido admi­
tir tal amplitude quando o processo já tiver sido instaurado,
somente se justificando a antecipação incidental de produção
de provas se algum motivo sério assim ensejar, até mesmo porque
a inversão na ordem da prática de atos processuais pode gerar
indesejável confusão procedimental. Nesse caso específico, o
único motivo plausível para permitir uma inversão na ordem da
prática dos atos processuais, com a produção de prova fora do
momento adequado para tanto, é justamente o perigo de esperar
tal momento, o que poderá levar à impossibilidade ou à extrema
dificuldade em sua produção. Incidentalmente, portanto, exigir-
se-ia o periculum in mora, conforme a conceituação feita tradi­
cionalmente pela doutrina nacional
Em síntese conclusiva, a possibilidade de produção de
prova antecipada de forma incidental demonstra, de forma ain­
da mais clara, sua natureza cautelar, a considerar que a única
justificativa plausível para sua ocorrência é justamente o perigo
que a espera do momento adequado poderia gerar em sua efi­
cácia. Por mais ampliativa que seja a proposta sugerida no
presente trabalho para o cabimento do processo autônomo de
produção antecipada de provas — tanto a proposta feita com
base na atual legislação como aquela feita de lege ferenda —,
a produção antecipada incidental reservar-se-ia às hipóteses em
que efetivamente, durante o processo, o aguardo do momento

57
adequado à produção da prova pudesse sacrificá-la. Isso signi­
fica dizer que tal tutela seria mais restrita, que seria somente
admitida quando ficasse configurado o periculum in mora, con­
forme é tradicionalmente conceituado pela doutrina nacional
para as cautelares probatórias.
Por mais paradoxal que possa parecer, a única tutela efeti­
va e exclusivamente cautelar à luz do conceito defendido pela
doutrina nacional de periculum in mora é justamente aquela
concedida de forma incidental no processo principal. Por tratar-
se de ação autônoma de produção de prova, conforme é defen­
dido no presente capítulo, o perigo de a prova não poder ser
produzida durante a fase de instrução do processo de conheci­
mento poderá até mesmo se verificar no caso concreto, mas é
dispensável. Na produção antecipada de prova incidental, ao
contrário, tal perigo é indispensável.
A doutrina tradicional, que afasta a natureza cautelar da
prova produzida antecipadamente de forma incidental no pro­
cesso principal, utiliza-se de tal entendimento para justificar a
desnecessidade de um processo autônomo para a produção
antecipada de tal prova. Pelo entendimento de que não tem
natureza cautelar e de que se trata somente de inversão na ordem
dos atos processuais, a prova se produziria no próprio processo
principal, sem necessidade de instauração de um processo cau­
telar incidental de produção antecipada de provas. A premissa
é incorreta, mas a conclusão de dispensa do processo cautelar
incidental, nessa hipótese, é absolutamente correta.
Poderá parecer, à luz do princípio da autonomia da tutela
cautelar, que, em virtude do entendimento aqui defendido de
que a prova antecipada produzida incidentalmente tem nature­
za cautelar, faça-se necessária a instauração de um processo
cautelar incidental. Como forma de justificar o equívoco dessa
conclusão, já que o processo cautelar incidental não será neces­
sário nessa hipótese, passa-se a uma breve análise da caracte­
rística da autonomia da cautelar e sua relação com as cautelares
probatórias.

58
2.3.2. Autonomia da tutela cautelar
Existe antiga e conhecida polêmica na doutrina nacional
— e também na doutrina estrangeira, em especial na italia­
na — a respeito da existência ou não de um direito substancial
de cautela. Apesar de ser essa uma discussão tangencial aos
objetivos traçados pelo presente trabalho, far-se-á uma breve
exposição das opiniões doutrinárias a respeito do tema, consi­
derando que o posicionamento a respeito da existência ou não
de um direito substancial de cautela gera, de alguma forma,
reflexos no entendimento a respeito da autonomia do processo
cautelar.
Na doutrina italiana, há autores que, apesar de apresentarem
em suas lições algumas diferenças pontuais, convergem para a
conclusão de que realmente existe um direito substancial de
cautela, o que, evidentemente, indica a plena autonomia do
processo cautelar, tanto sob o aspecto procedimental — com a
necessidade de instauração de processo autônomo, independen­
te do processo de conhecimento e executivo — como sob o
aspecto material — ao não se entender o processo cautelar como
instrumental de outro processo. Como neste trabalho se busca
tão-somente demonstrar a autonomia instrumental do processo
cautelar, para os "substancialistas" essa autonomia não só é
evidente como necessária.
Giuseppe Chiovenda, a partir de seu entendimento parti­
cular sobre o conceito de ação — entendida como direito
potestativo —, que não se confundiria com o conceito mera­
mente processual de ação, como o direito de exigir uma res­
posta do Poder Judiciário, mas sim correspondente à relação
jurídica deduzida em juízo, enxerga um verdadeiro direito
substancial de cautela, exercido por meio de uma ação caute­
lar. Ao considerar que a ação corresponderia à pretensão inse­
rida no objeto litigioso, tendo por fundamento a afirmação de
direito subjetivo que não foi possível satisfazer pela via da
prestação, a ação cautelar deveria ser considerada genuína
ação, por não haver outro modo que não o processo para a

59
obtenção do efeito material de segurança urgente74. Também
merecem destaque nesse tocante as lições de Cario Calvosa75
e Ugo Rocco76.
No direito brasileiro, é possível apontar quatro principais
doutrinadores que entendem pela existência do direito substan­
cial de cautela: Pontes de Miranda77, josé Ignácio Botelho de
Mesquita78, Kazuo Watanabe79 e Ovídio A. Baptista da Silva80.

74 Ciuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. 3. ed. Trad. 1.


Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, v. I, p. 20-36, a respeito da
teoria da ação, e p. 273, especialmente a respeito da ação cautelar: "O
poder jurídico de obter uma dessas medidas é, por si só próprio, uma forma
de ação (ação assecuratória); e é mera ação, que não se pode considerar
como acessório do direito acautelado, porque existe como poder atual
quando ainda não se sabe se o direito acautelado existe".
75 La tutela cautelare.Tonno: UnioneTipográfico EditriceTorinese, 1963, p. 141,
223-228. Apesar de negar a existência de um direito substancial de cautela,
afirma que o direito que atua em via cautelar é o mesmo direito material que
será objeto do processo principal, inserido, porém, em uma relação jurídica
provisória, gerada pela urgência, que apenas temporalmente protege a parte
que comprove o fumus boni iuris. Reconhece, portanto, uma situação caute-
landa, que seria o objeto da tutela cautelar, a qual surge por meio de um
pedido para a proteção autônoma a interesses materiais de cautela.
76 Segundo lições de Alcides Munhoz da Cunha, Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. XI, p. 224, o autor
italiano, embora tenha, peremptória mente, negado a existência de um direi­
to subjetivo de cautela, "admitiu que o direito objetivo dá sustentação à
pretensão cautelar para a proteção provisória de interesses materiais plausíveis
juridicamente, quando há risco contra a integridade desses interesses".
77 Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 499: "As ações cautelares
são ações, por si sós; não fazem parte das ações principais, ainda quando
tenham função preparatória. Há direito, pretensão e ação cautelar".
78 Da ação civil. São Paulo, 1973, p. 112-113.
79 Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 104-
107. F^ra o processualista paulista, "a existência de uma pretensão material à
segurança, fundada no direito de cautela, que se constitui no objeto autônomo
da função cautelar e que permite vislumbrar uma constante satisfatividade no
provimento cautelar, pelo menos no que diz com a satisfação da pretensão de
segurança, quando se concedem as medidas conservativas e antecipatórias".
80 Do processo cautelar. 2. ed. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 61 -68.

60
Este último faz questão de ressaltar que a existência de um di­
reito substancial de cautela não guarda absolutamente nenhuma
ligação com as teorias civilista, concretista ou ainda com a teo­
ria do direito abstrato de ação. Faz, inclusive, crítica à maioria
da doutrina por confundir a existência desse direito substancial
de cautela com essas teorias a respeito do conceito de ação.
Como se pode perceber, apesar de respeitáveis vozes, a
teoria que defende a existência de um direito substancial de
cautela é minoritária tanto na doutrina nacional como na estran­
geira. A doutrina majoritária prefere entender que não existe um
direito material que seja objeto do processo cautelar, que servi­
ria, exclusivamente, para permitir que esse direito material venha
a ser resolvido de forma útil e eficaz no processo principal. De
qualquer forma, ao menos para os estreitos fins buscados neste
capítulo, a divisão doutrinária não será tão significativa. É certo
que, no caso daqueles que defendem a existência do direito
substancial de cautela, é inegável a autonomia procedimental
pela qual será exercido tal direito. Por ser titular de um direito
material, o jurisdicionado deverá buscar sua proteção por meio
de processo próprio, e em nada se confunde o processo cautelar
com o de conhecimento ou o de execução.
O ponto essencial para os objetivos colimados pelo presen­
te trabalho é que mesmo aqueles que não concordam com a
existência de um direito substancial de cautela, ao afirmar que
a tutela cautelar é sempre instrumental de um processo principal,
em que será discutida a efetiva existência de um direito material,
ou se buscará sua satisfação, concordam que a função cautelar
é diferente da exercida no processo de conhecimento e no pro­
cesso de execução; dessa forma, pode-se concluir que a não-
existência de direito material a ser discutido no processo caute­
lar não retira deste sua autonomia procedimental. A autonomia,
assim, não estaria ligada à existência ou não de discussão acer­
ca de direito material, mas sim às diferentes funções exercidas
pelos processos.
Segundo lições de EnricoTulio Liebman, "o processo acau-
telatório tem, de fato, como organismo processual; uma indivi­

61
dualidade própria: uma demanda, uma relação processual, um
provimento final, um objeto próprio, que é a ação acautelató-
ria"81. No mesmo sentido são os ensinamentos de Sérgio Shimu-
ra82, para quem atualmente

"o processo cautelar encontra-se no mesmo patamar que o


de cognição e de execução. Cada um persegue um tipo de
tutela. Cada processo possui um determinado fim, com
princípios e regras peculiares a cada um. É nisso que reside
a autonomia do processo cautelar. O processo de conheci­
mento que antecede o processo de execução é tão autôno­
mo quanto o cautelar que precede ou incide em relação ao
principal".

A conclusão parcial é que tanto para os substancialistas


— para essa corrente ainda com maior razão — como para os
funcionalistas a tutela cautelar deverá desenvolver-se por meio
de um processo autônomo, que não se confunde nem com o
processo de conhecimento nem com o de execução. As medidas
cautelares concedidas sem a necessidade da instauração de um
processo cautelar específico para tanto são raridade no ordena­
mento processual, bem por isso consideradas excepcionais. A
necessidade de processo autônomo não dependerá da existência
ou não do processo principal, por isso há a divisão classificató-
ria em processo cautelar preparatório — melhor seria chamá-lo
antecedente — e processo cautelar incidental. Antecedente ou
incidental, como regra, será processo autônomo.

81 Cf. Alfredo Buzaid, "A influência de Liebman no direito processual civil brasilei­
ro". Revista de Processo/ São Fbulo, Revista dos Tribunais/ n. 27/ 1982, p. 19.
82 Cf. Arresto cautelar. 2. ed. São Píaulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 37. A
doutrina é praticamente uníssona no que tange à autonomia do processo
cautelar: Victor A. A. Bomfim Marins, Tutela cautelar. 2. ed. Curitiba: juruá,
2003, p. 104-107; HumbertoTheodoro jr., Processo cautelar/ cit., p. 69-68;
Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 2-4; Er-
nane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, v. II, p. 305; Luiz Orione Neto, Processo cautelar. São Pàulo:
Saraiva, 2004, p. 65-67.

62
A referida autonomia do processo cautelar inclusive foi
saudada pelos doutrinadores como indicativo de avanço cientí­
fico do Código de Processo Civil de 1973, a considerar a con­
fusão gerada entre os processos pela legislação anterior83. Desde
o Regulamento n. 737, de 1850 (Parte I, Título VII), passando
pelos Códigos Estaduais e chegando ao Código de Processo
Civil de 1939, a legislação brasileira sempre tratou as cautelares
como medidas preventivas, sob a epígrafe no último diploma
legal citado de processos acessórios (art. 675 e ss.). Durante
longo lapso temporal, portanto, no conceito dessas medidas
encontrava-se, de forma preponderante, a acessoriedade do
processo preparatório, preventivo ou incidente, colocado em
confronto com o processo principal, o que, segundo parcela da
doutrina, estaria ainda preso ao conceito civilístico da ação, o
que servia para retardar as novas idéias que reconheciam a au­
tonomia do processo cautelar84.
O atual Código de Processo Civil, de 1973, deixa bem
clara a opção pela autonomia do processo cautelar, inclusive ao
destinar um livro (III) específico para esse processo, ao lado de
outros dois livros destinados a regular processos, um para o
processo de conhecimento e outro para o processo de execução.
Tal opção também resta bastante clara na Exposição de Motivos
do Código de Processo Civil, que, ao justificar a utilização da
expressão "processo cautelar", afirma que

"na tradição de nosso direito processual era a função cau­


telar distribuída por três espécies de processos, designados
por preparatórios, preventivos e incidentes. O projeto, reco­

83 Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 4, elogia


a nova disposição do CPC ao afirmar que a colocação do processo cautelar
no mesmo nível do processo de conhecimento e de execução segue os
ensinamentos na mais moderna — à época — doutrina italiana, encabeça­
da por Francesco Carnelutti.
84 Nesse sentido, Alfredo Buzaid, "A influência de Liebman no direito proces­
sual civil brasileiro", cit., p. 19.

63
nhecendo-lhes caráter autônomo, reuniu os vários procedi­
mentos preparatórios, preventivos e incidentes sob a fórmu­
la geral, não tendo encontrado melhor vocábulo que o ad­
jetivo cautelar para designar a função que exercem".

A justificativa de tal autonomia encontra-se justamente na


circunstância de que os fins perseguidos pelo processo cautelar
não dependem dos fins perseguidos pelo processo principal,
tanto assim que a parte pode, perfeitamente, sagrar-se vitoriosa
no processo cautelar e, mais tarde, ser derrotada no processo
principal, sendo também possível a ocorrência de situação in­
versa85. Por se destinar à obtenção de resultados diferentes, o
processo cautelar não pode ser confundido com o processo de
conhecimento ou de execução, justificando-se a autonomia
desses processos justamente em razão da ausência de identida­
de dos fins de um e dos outros.
Além disso, como precisamente lembrado por José Carlos
Barbosa Moreira86,

"o processo cautelar não deixa de ser distinto do processo


principal (de conhecimento ou de execução); os atos que
o compõem, a despeito das recíprocas e naturais interfe­
rências, desenvolvem-se em seqüência própria, inconfun­
dível com a seqüência dos atos que integram o processo
principal".

Deduz-se do entendimento do prestigiado processualista


que os procedimentos diferenciados das três espécies de proces­
sos também seriam responsáveis pela autonomia do processo

85 Esse o entendimento de Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar, cit., p.


68: "Essa autonomia decorre dos fins próprios perseguidos pelo processo
cautelar que são realizados independentemente da procedência ou não do
processo principal".
fl6Cf. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
p. 305. Também fala em procedimento próprio Sérgio Shtmura, Arresto
cautelar, cit., p. 38.

64
cautelar, a considerar que, no caso da medida cautelar requeri­
da no próprio processo principal, haveria inaceitável e indese­
jável confusão procedimental, por meio de prática de atos com
diferentes objetivos em um mesmo processo.
Em síntese conclusiva parcial, a autonomia do processo
cautelar — seja ele antecedente ou incidental — justifica-se
principalmente por dois fatores: a) a diversidade de fins perse­
guidos pelo processo cautelar quando comparado com os pro­
cessos de conhecimento e executivo; b) a diferença procedimen­
tal entre esses processos, que, uma vez unificados, poderia
acarretar indesejáveis confusões procedimentais.

2.3.3. Antecipação da tutela e autonomia do processo cautelar


Apesar da ampla, firme e tradicional doutrina que defende
a autonomia do processo cautelar, alguns doutrinadores, de
tempos para cá, mais especificamente após o advento do insti­
tuto da tutela antecipada por meio da redação dada ao art. 273
do CPC pela Lei n. 8.952/ de 1994, passaram a defender uma
flexibilização da autonomia do processo cautelar, ao menos com
relação ao processo autônomo cautelar incidental. Para essa
parcela da doutrina, a partir do momento em que se passou a
admitir um pedido de urgência de índole satisfativa fática no
próprio processo principal, dever-se-ia questionar os motivos
que exigiriam da parte a instauração de um processo autônomo
para a obtenção de uma medida de urgência de caráter somen­
te assecuratório.
José Carlos Barbosa Moreira87, atento às transformações na
praxe forense geradas pelo advento da tutela antecipada em

87Cf. "As reformas do Código de Processo Civil: condições de uma avaliação


objetiva". In: . Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 89 (sexta série). No mesmo sentido, a acentuar a verificação da "área
cinzenta", Humberto TheodoroJr., "Tutela de emergência. Antecipação de
tutela e medidas cautelares". In:______ . O processo civit brasileiro no limi­
nar do novo século. Rio de janeiro: Forense, 1999, p. 92: "Haverá, contudo,
sempre situações de fronteira, que ensejarão dificuldades de ordem prática

65,
nosso ordenamento processual, apontou os problemas que po­
deriam surgir no caso de pedido de uma tutela antecipada
quando, na verdade, a tutela adequada fosse de natureza cau­
telar. Advertiu que não seria de estranhar tal ocorrência em razão
das dificuldades, do ponto de vista cientffico e dogmático e, por
conseqüência, natural prático, de traçar uma nítida linha divi­
sória entre a tutela cautelar e a antecipada. Concluiu não haver
"obstáculo irremovível à admissão de um requerimento pelo
outro, determinando-se que o processamento observe a discipli­
na adequada à verdadeira natureza da matéria", desde que com
isso não se altere a substância do pedido.
Percebe-se das lições antes transcritas que a preocupação
do processualista versa, exclusivamente, sobre as situações em
que, ao ser requerida tutela antecipada de nítida natureza cau­
telar, em razão da falta de nitidez na definição dessas duas es­
pécies de tutela, o juiz pudesse conceder a medida cautelar na
busca de salvaguardar o direito da parte. Em nenhum momento
é possível extrair das lições transcritas a defesa do fim da auto­
nomia do processo cautelar incidental ou algo do gênero. A
preocupação restringe-se a uma situação particular, situação
esta, inclusive, que veio a ser tutelada peto art. 273, § 7Q, do
CPC, dispositivo legal que será comentado a seguir.
Outros doutrinadores foram além, deixando de exigir o
equívoco quanto à natureza do pedido e admitindo que a parte,
desde logo, faça um pedido de natureza cautelar incidentalmen-
te ao processo principal sem a necessidade de um processo
autônomo. Araken de Assis88, em texto específico sobre a fungi-

para joeirar com precisão uma e outra espécie de tutela. Ao contrário, de­
verá agir sempre com maior flexibilidade, dando maior atenção à função
máxima do processo a qual se liga à meta da instrumentalidade e da maior
e mais ampla efetividade da tutela jurisdicional. É preferível transigir com a
pureza dos institutos do que sonegar a prestação justa a que o Estado se
obrigou perante todos aqueles que dependem do Poder Judiciário para
defender seus direitos e interesses envolvidos no litígio".
88Cf. "Fungibilidade das medidas inominadas cautelares e satisfativas". Revis­
ta de Processo, São Píaulo, RT, n. 100, 2000, p. 54-55. Também nesse sen-

66
bilidade das tutelas de urgência, após afirmar que, mesmo com
o advento do art. 273,

"as medidas cautelares atípicas preservaram sua autonomia


e ostentam identidade própria, em princípio não se conce­
bendo possam ser requeridas, no mesmo processo, como
simples efeito da tutela cautelar. Almejando medida deste
tipo, toca ao autor pleiteá-la através de ação autônoma,
consoante exige o art. 798".

Em estudo específico a respeito da sustação de protesto,


afirma ser possível tal pedido de forma incidental e afirma que
quem pode o mais — satisfazer — pode também o menos — ga­
rantir —, de modo que não haveria nenhum inconveniente na
obtenção de segurança por via incidental, exceto por indevida
homenagem a lastimável formalismo, o que contrariaria toda a
moderna tendência de efetividade do processo civil.
Apesar da aparente contradição contida nos dois textos, a
considerar que, no primeiro, há a defesa do processo autônomo
incidental, e, no segundo, tal exigência é dispensada, é possível
concluir que Araken de Assis, ao menos no tocante às cautelares
inominadas, entende ser possível seu pedido e sua concessão
no próprio processo principal, sem a necessidade de instauração
de um novo e autônomo processo de natureza cautelar. Outros
doutrinadores seguiram a mesma trilha e deixaram clara a ampla
fungibilidade entre as tutelas de urgência — cautelar e anteci­
pada —, de modo a dispensar definitivamente o processo autô-

tido, Teresa. Arruda Alvim Wambier, "Fungibilidade de 'meios': uma outra


dimensão do princípio da fungibilidade". In: Nelson Nery Jr. eTeresa Arruda
Alvim Wambier (Coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e
de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Raulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 1101: "O natural seria que a medida cautelar — que
seria, por assim dizer, 'menos' que a antecipação de tutela a) porque não
antecipa o resultado final nem parte dele; b) porque nasce de periculum in
mora e de fumus boni iuris/ pura e simplesmente, e não de prova inequívoca
da verossimilhança — pudesse também ser pleiteada no bojo de processo já
em andamento, independentemente da instauração de processo cautelar".

67
nomo cautelar incidental. Chegou-se até mesmo à propositura
de um tratamento conjunto dessas duas espécies de tutela de
urgência.
Nesse sentido, EduardoTalamini, amparado em substancial
doutrina89, defende, de /ege ferenda, um regime jurídico único
para as tutelas de urgência, inclusive com a possibilidade de um
pedido de antecipação de tutela autônoma e um pedido de tu­
tela cautelar incidental ao processo principal, sem a necessida­
de de instauração de um processo autônomo. Há, inclusive,
propostas de alteração legislativa feitas pelo Instituto de Direito
Processual Brasileiro nesse sentido, o que possibilitaria o pedido
de medida cautelar e tutela antecipada tanto de forma autônoma
quando antecedente, como de forma incidental, quanto já exis­
tir o processo principal
Mesmo antes do advento do art. 273, § 7Q, do CPC, o autor
já defendia a possibilidade de fungibilidade, o que seria reser­
vado, entretanto, a situações em que houvesse dúvida séria e
objetivamente exteriorizada a respeito da natureza da medida
de urgência, opinião modificada com o advento do dispositivo
legal mencionado, conforme se verá no próximo capítulo90.
Percebe-se das citações anteriores que, a partir do momen­
to em que nosso ordenamento processual passou a contar com
a antecipação de tutela (art. 273, CPC), se não de forma defini­
tiva e geral, o princípio da autonomia do processo cautelar co­
meçou a enfrentar suas primeiras críticas, ao defenderem alguns
doutrinadores uma fungibilidade não escrita e não prevista ex­
pressamente entre a tutela antecipada e a tutela cautelar. Outros

89 Cândido Rangel Dinamarco, "O regime jurídico das medidas urgentes".


Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, 2001, n. 356; José Roberto dos
Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 1998, p. 149-
151; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo
Civil, cit., p. 22-23.
90 EduardoTalamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. 2. ed.
São F^ulo: Revista dos Tribunais, 2003, p?369.

68
foram além, ao defender a possibilidade de pedido de medida
cautelar incidental ao processo principal, com a conseqüente
dispensa do processo cautelar autônomo. A Lei n. 10.444, de
2002, ao incluir no art. 273 do CPC o § 7Q, adotou, expressa­
mente, o primeiro entendimento, o que para alguns também
consagrou implicitamente o segundo.

2.3.4. O art. 273, § 7Q, do CPC — fungibilidade das tutelas de


urgência
Ao ouvir os reclamos de parcela significativa da doutrina, o
legislador pátrio, por meio da Lei n. 10.444, de 2002, inclui,
expressamente no ordenamento processual a fungibilidade entre
a tutela antecipada e a tutela cautelar. Assim vem redigido o
dispositivo legal que trata do tema (art. 273, § 7Q, CPC): "Se o
autor, a título de antecipação de tutela, requerer providências de
natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos
pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do
processo ajuizado". Da Exposição de Motivos vem a justificativa
da mudança: "a redação proposta para o § 7Qatende ao princípio
da economia processual, com a adoção da fungibilidade do
procedimento, evitando à parte a necessidade de requerer, em
novo processo, medida cautelar adequada ao caso".
Essa modificação legislativa, a par de algumas dúvidas
geradas pela sua redação91, tornou indiscutível a possibilidade
de concessão de medida cautelar no próprio processo de conhe­
cimento sempre que o autor se tenha equivocado a respeito da
natureza da tutela de urgência pretendida e estejam presentes
os requisitos da tutela cautelar — fumus boni iuris e periculum
in mora. O dispositivo legal, portanto, excepciona claramente o
princípio da autonomia do processo cautelar, ao possibilitar que
tutela dessa natureza seja obtida independentemente da instau­
ração de um processo autônomo. Diante dessa incontestável

1)1 P^ra uma análise abrangente sobre as dúvidas geradas pela alteração legis­
lativa, Daniel Amorim Assumpção Neves, Nova reforma processual civil. 2.
ed. São Raulo: Método, 2003, p. 126-131.

69
realidade, cumpre analisar a abrangência desse dispositivo e
suas efetivas conseqüências no tocante à autonomia do proces­
so cautelar.
Certa corrente doutrinária viu no dispositivo bem mais do
que seria possível extrair de sua interpretação literal. Em virtude
do novo dispositivo legal, passou essa parcela da doutrina a
defender a possibilidade de o autor pedir, desde já, a tutela
cautelar de forma incidental no próprio processo de conheci­
mento, de modo a dispensar o processo autônomo cautelar in­
cidental Alguns doutrinadores que já defendiam tal possibilida­
de após o advento da tutela antecipada, ainda com mais razão,
agora supostamente ancorados por norma legal, voltaram a de­
fender a tese de extinção do processo autônomo cautelar inci­
dental92. Outros que não se haviam ainda manifestado sobre o
tema se encorajaram a defender a tese93, enquanto outros foram
ainda mais longe, ao apregoar o fim da autonomia do processo
cautelar como um todo, não somente do processo incidental94.

92 Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier,


Breves comentários à 2à fase da reforma do Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 59-60, em que fundamentam o
entendimento no princípio da inafastabil idade do controle jurisdicional.
93 J. E. Carreira Alvim, Código de Processo Civil reformado. 5. ed. Rio de Ja­
neiro: Forense, 2003, p. 131: "Essa iniciativa abre caminho para que se
admita também que, formulando o autor pedido de medida cautelar, em
lugar de uma tutela antecipada, possa o juiz deferir esta última, quando
desta se tratar, ampliando o raio de alcance do sincretismo processual, de
forma a simplificar ainda mais o processo"; Rita de Cássia Corrêa de Vas­
concelos, "A fungibilidade na tutela de urgência (uma reflexão sobre o art.
273, § 7o, do CPC)". Revista de Processo/ São Raulo, Revista dos Tribunais,
n. 112, 2003, p. 72; Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direi­
to processual civil. São Raulo: Saraiva, 2004, v. II, p. 305-306; Joaquim Fe­
lipe Sapadoni, "Fungibilidade das tutelas de urgência". Revista de Processo/
São Paulo, RT, n. 110, 2003, p. 90-91.
94 Parece ser esse o entendimento de Fredie Didier jr., A nova reforma proces­
sual. 2. ed. São Raulo: Saraiva, 2003, p. 87-88, para quem o pedido caute­
lar já deve vir acompanhado como o pedido principal na própria petição
inicial do processo principal: "Pelo que ora visualizamos, restarão ao pro-

70
Nota-se, na doutrina, uma tendência ao extermínio da au­
tonomia das ações, de modo a alçar a patamar elevadíssimo o
sincretismo processual. Primeiro, percebe-se o afastamento gra­
dual da autonomia do processo de execução — arts. 273, 461
e 461 ~A do CPC e Lei n. 11.232/05); agora parece ser a vez do
processo cautelar. Conforme é bem colocado por Joel Dias Fi­
gueira Jr.95, com o advento do art. 273, § 7U, do CPC,

"presenciaremos a unificação instrumental plena, onde


numa única relação jurídico-processual, poderá o Estado-
juiz conceder satisfação imediata ao autor, por intermédio
das técnicas de antecipação da tutela (execução com efe­
tivação da providência jurisdicional favorável), garantir a
incolumidade do bem da vida objeto do litígio, por inter­
médio de medidas assecurativas (tutela acautelatória) e,
concomitantemente, formar a sua paulatina convicção, por
intermédio do trâmite do processo de conhecimento".

Parcela da doutrina, entretanto, não se mostrou tão expan­


siva na interpretação do dispositivo legal, não enxergando neste

cesso cautelar autônomo duas únicas utilidades: a) como ação cautelar inci­
dental (art. 800 do CPC), tendo em vista a necessária estabilização da deman­
da acautelada (arts. 264 e 294 do CPC), que já fora ajuizada, e também como
forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento; b) nas hipóte­
ses em que a ação cautelar é daquelas que dispensam o ajuizamento da ação
principal, exatamente porque não se trata de medida cautelar (exibição — arts.
844 e 845 do CPC; caução — arts. 826 a 838 do CPC), ou porque não se
trata de medida cautelar constritiva (produção antecipada de provas, arts. 846
a 851 do CPC)". Ainda Juvêndo Vasconcelos Viana, "A antecipação de tutela
de acordo com a Lei 10.444/2002". Revista Dialética de Direito Processual,
São Raulo, Dialética, n. 2, 2003, p. 54: "O parágrafo em comento pratica­
mente acaba com a autonomia da cautelar incidental. Teremos, pois, medida
cautelar incidental sem o instaurar de processo próprio (cautelar). Sem dúvi­
da uma disciplina voltada à economia processual, mas seria esse um 'come­
ço do fim' do processo cautelar? O legislador talvez tenha dado, ali, o pri­
meiro passo nesse sentido, mas isto somente o tempo dirá".
95 Cf. Comentários à novíssima reforma do CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2002,
p. 117-118.

71
a legitimidade para a propositura concomitante de pedido cau­
telar e principal, tampouco a dispensa do processo autônomo
cautelar para pedir uma tutela dessa natureza de forma inciden­
tal. Ainda assim, é possível afirmar que essa corrente doutrinária,
de alguma forma, dentro da interpretação literal do art. 273, §
7C, do CPC, também pode retirar do objetivo legal mais do que
seria possível. Para essa corrente doutrinária, os únicos requisi­
tos exigidos pelo legislador para a concessão da medida caute­
lar são: (i) seu pedido sob a forma de tutela antecipada e (ii) a
presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Dessa
forma, apesar de vislumbrar, no caso, nítida hipótese de fungi­
bilidade entre as tutelas de urgência, não exigem os pressupos­
tos tradicionais desse instituto, como a dúvida fundada e a
inexistência de erro grosseiro96.
Não se pode concordar com esse entendimento, que des­
virtua o fenômeno da fungibilidade, princípio não escrito, o qual
não exige, para sua aplicação, que se contenha expressamente
em norma legal a previsão de preenchimento de seus requisitos
tradicionais. A par da dificuldade de verificação da má-fé no
caso concreto, que poderá até mesmo ser dispensada, para a
aplicação da fungibilidade parece ser essencial a verificação de
dúvida objetiva quanto à natureza da tutela de urgência a ser
requerida e a inexistência de erro grosseiro. Sem esses requisitos
será inviável a aplicação da fungibilidade conforme prevista no
dispositivo legal ora comentado97.

96 Nesse sentido, Eduardo Talamini, "Medidas urgentes ('cautelares' e 'anteci­


pada'): a Lei 10.44412002 e o início de correção de rota para um regime
jurídico único". Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, Dialéti­
ca, n. 2, 2003, p’. 25: "Tal dispositivo não põe como requisito para sua
aplicação a existência de dúvida objetiva quanto à via utilizável, nem qual­
quer outra condição de especial gravidade. Portanto, cabe apenas examinar
se estão presentes os requisitos para a concessão da medida, à luz das cir­
cunstâncias concretas. Vale dizer: os requisitos a aferir são exatamente os
mesmos cuja presença teria de ser verificada se o requerente houvesse se
valido da via 'adequada'. Não há qualquer requisito adicional".
97 Para melhor compreensão dos requisitos da fungibilidade, em lições refe­
rentes aos recursos, mas totalmente aplicável à fungibilidade da tutela ante-

72
Além disso, acolher entendimento que afaste o preenchi­
mento de tais requisitos seria um convite à fraude processual,
abrindo as portas para um cinismo indesejável Sem poder re­
querer, de forma incidental, a tutela cautelar no processo prin­
cipal, mas sabendo que, se o fizer sob forma de tutela antecipa­
da, obterá medida cautelar sem a necessidade de instauração de
processo autônomo, a parte, com certeza, nomeará equivoca-
damente seu pedido. Ao dispensar a dúvida objetiva e a inexis­
tência de erro grosseiro, seria possível até mesmo a desfaçatez
de o autor pedir uma cautelar indiscutivelmente típica, como
um arresto ou seqüestro, sob o nome de tutela antecipada. Seria,
certamente, o fim do processo cautelar autônomo incidental por
vias transversas, o que não se pode admitir.
Já tivemos a oportunidade de nos manifestar sobre o tema,
em lição que agora transcrevemos:

"Temos para nós que a concessão de uma tutela cautelar


quando requerida a antecipação deve seguir as tradições
de nosso direito no que tange ao fenômeno da fungibilida­
de. Significa dizer que somente assim procederá o juiz
quando verificada dúvida fundada e não ocorrer erro gros­
seiro. Em nosso entendimento se o autor faz pedido que é
sem qualquer sombra de dúvidas pertencente ao campo das
cautelares, e tal situação fica muito clara nas cautelares
nominadas, não deve o juiz conceder a tutela cautelar de
forma incidental, negando o pedido de antecipação de
tutela e remetendo o autor para as vias ordinárias. Entendi­
mento em sentido oposto acabaria com o processo cautelar,
já que bastaria ao autor requerer a medida sob a forma de
tutela antecipada que essa seria concedida devido a pre­
tensa fungibilidade, quando na verdade o autor está fugin­
do dos requisitos específicos da cautelar nominada.

cipada com a tutela cautelar, ver Nelson Nery Jr., Teoria geral dos recursos. 6.
ed. São fóulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 144-167, e Flávlo Cheim Jorge,
Teoria geral dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233-236.

73
Apesar do caráter público do processo cautelar, ligado a
preservação de um resultado útil, não nos parece que o le­
gislador pretendeu abrir caminho para desvirtuar o processo
cautelar nominado. Se no caso concreto é em tese cabível o
seqüestro, por exemplo, não nos parece que possa o autor
requer a providência fundando-se no art. 273 (e nem mesmo
no art. 798) se não preenche os requisitos previstos pelo
procedimento nominado. A aceitação de uma tutela ainda
que pedida outra, que ora se analisa, se não for aplicada
levando-se em conta a tradição dos requisitos de aplicação
da fungibilidade, pode significar a expressa permissão legal
para um verdadeiro 'drible' do autor nas hipóteses onde
seria cabível em tese uma ação cautelar nominada.
É importante consignar que estamos tratando das cautelares
nominadas que de fato exercem uma função cautelar, e não
aquelas que estão listadas entre as cautelares somente em
virtude de ausência de norma que permitisse a antecipação
de tutela de forma genérica. Assim a separação de corpos,
medida tida como cautelar, e que tem evidente caráter de
antecipação de um dos efeitos da sentença de procedência
da ação principal. Não se pode, nesse caso, falar-se em erro
grosseiro por parte do autor que ingressa com uma separa­
ção judicial e pede em sede de antecipação a separação de
corpos"98.

9B Cf. Nova reforma processual civil/ cit., p. 128-130. No mesmo sentido os


ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual
do processo de conhecimento, cit., p. 264: "Este novo dispositivo, partindo
da premissa de que dificuldades como as apontadas podem ocorrer, tem
por objetivo permitir que o juiz conceda a necessária tutela urgente no
processo de conhecimento, e assim releve o requerimento realizado, quan­
do for nebulosa a natureza da tutela postulada, vale dizer, quando for fun­
dado e razoável o equívoco do requerente"; )oel Dias Figueira Jr., Comen­
tários à novíssima reforma do CPC/ cit., p. 120-121; Luiz Orione Neto,
Processo cautelar/ cit., p. 67-69; Luiz Fernando C. Pereira, "Fungibilidade
das tutelas de urgência — aplicações do § 7fl, do art. 273, do CPC". Revista
Dialética de Direito Processual. São F*aulo: Dialética, v. XII, 2004, p. 119.

74
Registre-se ser benéfico e acertado um tratamento mais
unificado entre as tutelas de urgência, até mesmo com a possi­
bilidade de concessão de medida cautelar incidental no próprio
processo principal em determinadas circunstâncias, sem a ne­
cessidade de instauração de processo autônomo. O que fica
claro, entretanto, é que tal possibilidade passa obrigatoriamen­
te por uma modificação legislativa, pois não se pode extrair do
art. 273, § 7Q, do CPC a permissão genérica e ampla de dispen­
sa do processo cautelar autônomo incidental ou ainda do pro­
cesso cautelar antecedente. A interpretação muito elástica de tal
dispositivo — que vem sendo feita por substanciosa doutrina
— mostra-se incorreta, embora se reconheça nela a preocupação
dos doutrinadores com a otimização e faciIitação da entrega da
prestação jurisdicional, em respeito aos princípios da economia
processual e efetividade da tutela jurisdicional. O que não se
pode admitir é o desvirtuamento do objetivo de uma norma para
atingir objetivos outros que exijam para sua efetivação uma
modificação de lege ferenda.
Nesse sentido, a opinião de EduardoTalamini", que sugere
interessante modificação legislativa no tocante a um regime
jurídico único no tratamento das tutelas de urgência. No ponto
que mais interesse traz ao presente tema, o processualista para­
naense afirma:

Parece ter também esse entendimento Arruda Alvim, "Notas sobre a disci­
plina da antecipação da tutela na Lei 10.444, de maio de 2002". In: Arruda
Alvim e Eduardo Carreira Alvim (Coords.). Inovações sobre o direito proces­
sual civil: tutelas de urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 8, nota de
rodapé 5.
99 Cf. "Medidas urgentes ('cautelares' e 'antecipadas'): a Lei 10.444/2002 e o
início de correção de rota para um regime jurídico único, cit., p. 27. O
Instituto Brasileiro de Direito Processual — 1BDP, por meio de comissão
formada pelos juristas Ada Pellegrini Grinover, José Roberto dos Santos
Bedaque, Kazuo Watanabe e Luiz Guilherme Marinoni, apresentou esboço
de anteprojeto sobre a estabilização da tutela antecipada que adota parcial­
mente as propostas vistas no texto: "Art. 273-A. A antecipação de tutela
poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do
processo".

75
"a) distinção entre a.1) as tutelas dessa espécie que se vincu­
lam funcional e estruturalmente a um provimento final, e
que, por isso, não tendem à definitividade (o que abrange,
no sistema vigente, a tutela antecipada e a maioria das me­
didas cautelares), e a.2) as que não apresentam necessária
relação instrumental com provimento final (como ocorre com
medidas atualmente previstas no art. 888); b) no âmbito da
tutela de urgência não definitiva (sub 'a.1'), a autorização de
que tanto a providência antecipadora quanto a conservativa
(hoje dita 'cautelar') sejam requeridas b.1) em procedimento
preparatório, quando ainda não for possível a reunião de
todos os elementos para a propositura da demanda principal,
ou b.2) no próprio processo que gerará a tutela principal,
quando este já estiver em curso ou o autor já possuir os sub­
sídios para sua adequada instauração. Na hipótese sub 'b,1',
o procedimento preparatório deixaria de ter curso autônomo,
vinculando-se ao andamento do procedimento principal,
depois que este já estivesse instaurado (o que já ocorre, na
prática, com as cautelares preparatórias)".

Defende-se a manutenção do processo autônomo cautelar,


ainda quando incidental a um processo principal, não sendo
adequada a utilização do art. 273, § 7Q, do CPC, como forma de
justificar a possibilidade de a produção antecipada de prova
incidental ocorrer no próprio processo principal, sem a neces­
sidade de instauração de um processo autônomo. Para os adep­
tos da primeira corrente doutrinária apresentada, seria óbvia sua
aplicação à produção antecipada de prova, mas, por não parecer
que o dispositivo legal ora comentado levou à extinção do pro­
cesso autônomo cautelar incidental, exigir-se-á outra explicação
para defender a dispensa do processo autônomo no caso espe­
cífico da produção antecipada de prova incidental.

2.3.5. A manutenção do processo cautelar autônomo incidental


e sua dispensa no caso de produção antecipada de prova
Como foi exaustivamente analisado no item anterior, apesar
das modificações legislativas atinentes ao regramento da tutela

*
76
antecipada, está mantido o processo cautelar autônomo inci­
dental. Diante desse posicionamento, faz-se necessário justificar
por qual motivo será dispensado o processo autônomo de pro­
dução antecipada incidental de provas. Ao entender pela manu­
tenção da autonomia do processo cautelar no ordenamento
processual e ao acreditar que a prova produzida antecipadamen­
te de forma incidental tem natureza cautelar, por qual motivo
será dispensado, nesse caso, o processo autônomo? Os motivos
encontram-se justamente nas razões pelas quais se exige um
processo autônomo cautelar, ainda que em sede incidental ao
processo principal.
Nas lições já analisadas neste capítulo, verificou-se que a
melhor doutrina entende ser autônoma a tutela cautelar, que se
desenvolve por meio de um processo também autônomo, em
razão da diversidade de seu procedimento e de seus fins100. A
diversidade de procedimentos e de objetivos a serem alcançados,
portanto, exigiria que a tutela cautelar se desenvolvesse de forma
autônoma, até mesmo para não embaralhar o procedimento
principal, com a prática de atos que em nada auxiliariam seu
desenvolvimento, pelo contrário, somente gerariam indesejáveis
confusões procedimentais.
É claramente compreensível que uma cautelar de arresto,
por exemplo, deva ser instaurada por meio de processo cautelar
autônomo, até mesmo porque em torno de tal medida se prati­
carão atos processuais e se suscitarão questões totalmente alheias
ao processo principal, ainda que evidentemente mantenha com
eles pontos de contato, como se poderá notar da análise do fumus
boni iuris. De qualquer forma, nesse caso, avulta a diversidade
procedimental e, principalmente, a diversidade de objetivos
perseguidos pelo processo cautelar de arresto — simplesmente
garantir patrimônio suficiente do pretenso devedor até o mo­
mento em que seja possível a satisfação do pretenso credor — e
pelo processo principal, quer seja ele de conhecimento — que

'“ Assim, especificamente, José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil
brasileiro/ cit., p. 305, e Sérgio Shimura, Arresto cautelar/ cit., p. 38.

77
busca reconhecer o direito do autor e condenar o réu ao paga­
mento — ou de execução — que busca a efetiva satisfação do
exeqüente. Mas será que o mesmo ocorre com as cautelares pro­
batórias? Parece que a resposta deva ser dada negativamente.
A produção antecipada de prova incidental constitui efeti­
va produção da prova, que, entretanto, somente será valorada
num momento processual posterior. O procedimento dessa es­
pécie de cautelar, conforme será analisado em capítulo especi­
fico sobre o tema, é bastante simples, inclusive com limitação
no âmbito objetivo de defesa do requerido, que, apesar de poder
elaborar defesas de mérito e processuais, estará invariavelmente
limitado a rebater as razões de urgência que legitimariam a
antecipação da produção da prova. As matérias processuais são
aquelas que não sofrem os efeitos da preclusão, podendo ser
alegadas tanto num processo autônomo cautelar como no próprio
processo principal.
O principal aspecto do procedimento da produção anteci­
pada da prova é justamente sua preparação e realização, que
envolvem atos processuais como o arrolamento de testemunhas,
a intimação de sujeitos a comparecer à audiência, a efetiva oi-
tiva das testemunhas ou da parte contrária, a indicação de que­
sitos e de assistentes técnicos, a efetiva realização da perícia que
resulta no laudo pericial, a impugnação feita pelas partes por
meio dos pareces de seus assistentes técnicos etc. Após a reali­
zação da prova, o juiz porá fim ao processo por meio de sen­
tença meramente declaratória do encerramento do procedimen­
to, que nem mesmo precisa respeitar os requisitos do art. 458
do CPC.
Com essa breve explicação do procedimento das cautelares
probatórias, pretendeu-se demonstrar que os principais atos de
tais processos são aqueles referentes à preparação e realização
da prova, justamente atos que são naturalmente praticados na
fase probatória de um processo de conhecimento. Significa dizer
que o procedimento das cautelares probatórias não é substan­
cialmente diferente do procedimento do processo principal, em
especial de sua fase instrutória. Há, nesse caso, nítida identida­

78
de entre esses dois procedimentos, até mesmo ao se considerar
os outros atos processuais praticados que não sejam referentes
à preparação e realização da prova. Em vez de petição inicial,
um pedido que explicite as razões da antecipação — os motivos
da urgência; em vez de citação da parte contrária, sua intimação;
em vez de contestação em cinco dias, manifestação no mesmo
prazo impugnando os motivos da urgência, e, finalmente, em
vez de sentença que dá por encerrado o procedimento, a omis­
são do juiz, que deixará suas ponderações sobre a prova para a
sentença.
O que se pretendeu demonstrar é que o procedimento de
um processo cautelar autônomo de produção antecipada de
provas lato sensu não encontra diferenças substanciais com atos
processuais que já são normalmente praticados no processo
principal, de forma que a alegada confusão procedimental na
prática de atos tendentes à análise e à concessão da tutela cau­
telar simplesmente não se verifica no caso das cautelares pro­
batórias. Por esse ângulo de visão, portanto, a autonomia de um
processo cautelar incidental não se justificaria, de modo que
não haveria qualquer significativo prejuízo ao procedimento do
processo principal na cumulação de um procedimento inciden­
tal de produção antecipada de prova.
Ao superarem-se as dificuldades procedimentais, faz-se
necessário o enfrentamento do segundo aspecto que se mostra
como alicerce da autonomia da tutela cautelar. Segundo a melhor
doutrina, uma das justificativas da autonomia do processo cau­
telar reside nos objetivos perseguidos por esse processo, incon­
fundíveis com os objetivos traçados para o processo de conhe­
cimento ou de execução. Nesse ponto, a doutrina analisa, cor­
retamente, as nítidas diferenças da função cautelar, cognitiva e
executiva — embora não se possa mais afirmar que, em cada
um desses processos, somente haverá a função respectiva. Ocor­
re, entretanto, que esse pensamento se mostra inadequado no
tocante às cautelares probatórias.
O objetivo perseguido pelo processo de conhecimento é
verificar a existência òu não do direito material alegado pelo

79
autor e, dependendo do caso, tão-somente assim declarar — pro­
cesso de conhecimento declaratório —, e constituir uma nova
situação jurídica — processo de conhecimento constitutivo —,
ou, ainda, assim declarar e condenar o réu ao cumprimento de
uma prestação — processo de conhecimento condenatório. Seja
como for, todo e qualquer processo de conhecimento buscará,
em um primeiro momento, a declaração a respeito da efetiva
existência do direito material alegado pelo autor em sua petição
inicial, o que somente será possível com a descoberta da verda­
de a respeito dos fatos. Pode-se, então, dizer que, apesar de o
objetivo final do processo de conhecimento ser a declaração da
existência do direito material do autor — e, em algumas hipó­
teses, somado a isso um plus (constituição ou condenação) —,
para que o juiz possa assim fazer deverá primeiramente conhe­
cer a verdade fática que envolve o processo colocado à sua
apreciação.
A descoberta da verdade, portanto, coloca-se como fase
obrigatória ao juiz que pretende decidir com o maior acerto
possível, podendo-se até afirmar que, de maneira indireta ou
prejudicial, a descoberta da verdade é um dos objetivos do pro­
cesso principal, apesar de nunca ser um fim em si mesma. Isso
não significa que a verdade satisfaça independentemente o autor
ou réu desse processo, mas, ao servir como fase obrigatória do
juiz na busca de seu mais completo convencimento, pavimen­
tará o seu caminho para a vitória. A descoberta da verdade, como
se sabe, é obtida pela produção de provas no processo, de forma
que, ao produzi-las, o juiz estará, de alguma forma antecedente
e prejudicial, praticando ato que o auxiliará no julgamento a
respeito da existência ou não do direito alegado pelo autor,
objetivo final do processo de conhecimento.
Na produção antecipada de prova, o objetivo perseguido
é, justamente, a produção da prova, ainda que a justificativa para
tal produção seja uma situação de emergência que poderia tor­
nar impossível ou extremamente difícil sua produção no mo­
mento adequado. O que se pretende demonstrar, portanto, é que
o objetivo perseguido pela produção antecipada de prova não
se distingue do objetivo prejudicial do juiz no processo de co­

80
nhecimento, que é o conhecimento da verdade dos fatos. Nesse
caso, inclusive, existe uma nítida identidade, em que, tanto em
um quanto em outro, busca-se a produção de prova para o con­
vencimento do Juiz, fase sempre restrita ao momento da senten­
ça do processo de conhecimento, quando a prova já produzida
será valorada.
Procurou-se, com as explicações apresentadas, demonstrar
que os motivos os quais legitimam, atualmente, a existência de
um processo autônomo cautelar incidental — diferenças proce­
dimentais e de objetivo —- não se aplicam às cautelares proba­
tórias, o que, por si só, justifica a produção antecipada de provas
incidente no próprio processo principal, independente da ins­
tauração de um processo autônomo para tal fim. Com esse
pensamento é que se justifica a desnecessidade do processo
cautelar autônomo incidental nesse caso, apesar da evidente e
indiscutível natureza cautelar da prova produzida no próprio
processo principal antes do momento previsto em lei.

81
Sb, %"■ : : H * ! *

Cautelares probatórias e prova emprestada

O objetivo primordial do presente capítulo é demonstrar


que a produção de uma prova em processo cautelar anteceden­
te gera as condições propícias para sua utilização no processo
principal na forma de prova emprestada. Para justificar tal en­
tendimento, analisar-se-á esse interessante tema probatório em
seus aspectos principais, o que permitirá fundamentar satisfato­
riamente a conclusão já apontada de que a prova produzida
antecipadamente em processo autônomo será utilizada em ou­
tros processos como prova emprestada.
A característica de prova emprestada da prova produzida
antecipadamente também servirá para justificar o posicionamen­
to, desenvolvido em capítulo próprio, a respeito do acerto da
nomenclatura legal "produção antecipada de prova", em discor­
dância da majoritária doutrina brasileira, que entende não haver
efetiva produção da prova, mas sua mera asseguração.

1. CONCEITO DE PROVA EMPRESTADA


Por prova emprestada deve-se entender aquela que, produ­
zida em determinado processo, é transferida para outro a fim de
que neste sirva ao convencimento do juiz. Trata-se de prova que,
apesar de não ser formada originariamente pelo juízo que a rece­
be deforma emprestada, servirá à formação de seu convencimen­
to quanto aos fatos do processo. Aparentemente, não há maiores
divergências quanto à conceituaçao da prova emprestada, mas se
percebe, na doutrina, um dissenso digno de nota que, apesar de
quase insignificante para os fins de fixação do conceito, é de
extrema valia para o objetivo de configurar-se a prova produzida
antecipadamente como espécie de prova emprestada.
Segundo parcela da doutrina, a prova emprestada é aquela
que também servirá ao convencimento de um juiz que não a
tenha formado; por isso, entende-se que a prova, nesse caso,

82
funcionou duplamente no que tange ao convencimento do juízo:
primeiro, diante do próprio juiz que a formou, e, posteriormen­
te, diante de outro juiz, que a emprestaria do primeiro para
auxiliar a formação de seu convencimento101. Resta evidente
que, ao ser adotado tal entendimento na conceituação da prova
emprestada, não será possível fazer a defesa da tese proposta no
presente capítulo, considerando que a prova produzida em
cautelar antecedente não gera qualquer efeito probatório no
processo em que é produzida, pois se reserva o efeito de con­
vencimento do juiz ao processo principal, justamente aquele
que a receberá de forma emprestada102.
Não se pode concordar, entretanto, com esse entendimen­
to; é mais adequado o pensamento de outra corrente doutrinária,
que dispensa a idéia de geração de efeitos em dois processos,
por entender que basta o empréstimo de prova formada em
determinado processo para outro para que se possa qualificá-la
como emprestada103. Esse entendimento mostra-se superior ao

101Nesse sentido a conceituação de Adalberto José de Camargo Aranha, Da


prova no processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 188, que fala
em gerar efeitos em ambos os processos. No mesmo sentido, Ada Pellegrini
Crinover, "Prova emprestada". In: André Ramos Tavares, Olavo A. V. Alves
Ferreira e Pedro Lenza (Coords.). Constituição Federal — 15 anos, mutação
e evolução. São Paulo: Método, 2003, p. 114.
102Provavelmente se tenha amparado nesse conceito de prova emprestada
Alexandre de Alencar Barroso, Valoração da prova civil. 2002. Tese (Douto­
rado em Direito Processual Civil) — Faculdade de Direito, Universidade de
São Pàulo, São Paulo, p. 142, para quem a prova produzida antecipadamen­
te não seria espécie de prova emprestada por produzida para gerar efeitos
tão-somente no processo principal. Rara Cândido Rangel Dinamarco, insti­
tuições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. Ilf, p. 98:
"Não se consideram emprestadas as provas constituídas em processo caute­
lar de antecipação de prova ou nos incidentes processuais, porque em ambos
os casos já são feitas com o objetivo de provar em relação à causa principal
e as partes são necessariamente as mesmas". Pàrece ter entendimento con­
trário Ada Pellegrini Grinover, "Prova emprestada", cit., p. 109, que cita a
prova antecipada em texto específico sobre a prova emprestada.
103Assim Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, cit., v.
1, p. 307, que se serve da definição clássica de Bentham para afirmar que

83
primeiro apresentado; para chegar a tal conclusão é suficiente
a lembrança de uma situação em que prova produzida num
processo não convença o juiz da veracidade dos fatos alegados
pela parte. Não se exclui a possibilidade de transferir essa prova
a um novo processo, em que o mesmo fato esteja sendo deba­
tido, no qual poderá, perfeitamente, convencer o juiz, diferen­
temente do que ocorreu no processo em que foi a prova origi-
nariamente produzida104.
Como se percebe na situação descrita anteriormente, a pro­
va, apesar de ser produzida em determinado processo, nele não
chegou a gerar os seus efeitos — o de convencer o juiz da vera­
cidade de fatos — , mas nem por isso perde sua qualidade de
prova emprestada se for transferida a outro processo. A única
diferença entre essa situação e a verificada pela produção ante­
cipada de prova é que, no primeiro caso, o resultado da prova foi
anômalo, já que foi produzida com vistas a convencer o juiz, o
que não veio a ocorrer, enquanto no segundo o resultado normal
é justamente não formar qualquer convencimento no juiz que a
produziu. De qualquer forma, apesar dessa diferença quanto ao
resultado programado da prova e a seu resultado efetivo, parece
bastante claro que em ambos os casos a prova poderá ser legiti­
mamente utilizada, desde que preencha os requisitos legais que
serão adiante analisados, como prova emprestada.

prova emprestada é aquela que "já foi feita juridicamente, mas em outra cau­
sa, da qual se extrai para aplicá-la à causa em questão". Com a mesma opinião
Luiz Fux, Curso de direito processual civil/ cit., p. 669; Antônio Carlos de
Araújo Cintra, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Fo­
rense, 2001, v. IV, p. 14; Eduardo Talamini, "Prova emprestada no processo
civil e penal". Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 91, 1998, p. 93: "A prova
emprestada consiste no transporte de produção probatória de um processo
para o outro. É o aproveitamento de atividade probatória anteriormente desen­
volvida, através do traslado dos elementos que a documentaram".
104Com esse entendimento, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direi­
to processual civil/ cit., v. III, p. 99, para quem não "importa se a prova a
ser trasladada teve ou não o poder de convencer o juiz do processo de
origem".

84
Registre-se a existência de diversos doutrinadores pátrios
que, ao definir a prova emprestada, utilizam-se do termo "pro­
duzida". Afirmam que prova emprestada é aquela produzida em
um processo e utilizada em outro105. Conforme será visto no
capftulo destinado ao processo de produção antecipada de pro­
vas, corrente majoritária entende não existir, efetivamente, pro­
dução de provas nesse caso, mas mera asseguração da prova
para que esta possa ser produzida eficazmente no momento
legalmente adequado para tanto. Caso se adotasse o entendi­
mento dessa corrente doutrinária, evidentemente estaria exclu­
ída a prova produzida antecipadamente do âmbito da prova
emprestada.
Tal entendimento, entretanto, não se mostra o mais correto,
como já se teve oportunidade de afirmar reiteradamente. Ao
adotar o melhor entendimento a respeito do tema — de que a
prova é realmente produzida antecipadamente, e não somente
assegurada sua produção —, quando objeto de uma ação cau­
telar de antecipação de provas, a crítica feita pela doutrina
majoritária torna-se superada. A prova produzida antecipada­
mente, portanto, é efetivamente produzida no processo cautelar,
embora reserve a geração de seus efeitos para o processo prin­
cipal em que será, porventura, utilizada.
Nem se fale que esse posicionamento, ao admitir que a
prova emprestada somente gere seus efeitos no processo em que
a recebe, demonstre contrariedade ao próprio nome do instituto,
que, tecnicamente, mostra-se absolutamente inadequado. Ao
falar em empréstimo da prova, pensa-se em prova que vai de um
processo a outro e depois é devolvida a esse processo, o que,

105Com esse entendimento, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,


Manual de processo de conhecimento/ cit., p. 317; João Batista Lopes, A
prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.
57; Nelson Nery Jr., Princípios do processo civil na Constituição Federal. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 151. No direito estrangeiro,
Eduardo J. Couture, Fundamentos do direito processual civil. Trad. Benedic-
to Giaccobini. Campinas: Red Livros, 1999, p. 175, e Roland Arazi, La
prueba en el proceso civil. 2. ed. Buenos Aires: La Rocca, 1998, p. 130.

85
efetivamente, não ocorre. A prova é trasladada de um processo
a outro, e, a partir de então, a relação entre esses dois processos
extingue-se. Melhor seria chamar tal prova de prova trasladada,
como, aliás, acertadamente, prevê o Código-modelo de Proce­
dimiento Civil para lberoamérica, do Instituto lberomaricano de
Derecho Procesal, que utiliza, corretamente, a expressão "prue­
ba trasladada"'06.
A conclusão parcial que se pode obter é a de que, pelo
próprio conceito do fenômeno processual ora analisado, resta
inegável ser a prova produzida em um processo cautelar de
produção antecipada de prova uma espécie de prova empresta­
da, considerando que sua principal característica — formação
em um processo e utilização em outro — encontra-se presente
na prova produzida antecipadamente. Certamente, o nome do
instituto utilizado pela doutrina nacional não auxilia o caminho
trilhado para chegar a essa conclusão, mas, além de tratar-se de
mera nomenclatura, já se demonstrou sua inadequação, prefe­
rindo-se o termo "prova trasladada" em vez de "prova empres­
tada", embora se reconheça a consagração desta última nomen­
clatura diante da doutrina e da jurisprudência nacional.

2. PROVA EMPRESTADA E PRIN CÍPIO DA ORALIDADE


Ao ser conceituada a prova emprestada, mostra-se claro
que tal instituto processual cria uma exceção ao princípio da
oralidade em geral e, em especial, a outros três princípios cor-
relatos ao da oralidade: imediatidade, concentração de atos e

106A doutrina sul-americana, à exceção da brasileira, utiliza tal nomenclatura:


Hernando Devis Echandía, Teoria general de Ia prueba judicial. 5. ed. Bue­
nos Aires: Zavalía, 1981, p. 367 e ss.; Jorge Fabrega, Teoria general de Ia
prueba/ cit., p. 311 e ss. É essa também a nomenclatura utilizada pelo Có­
digo General dei Proceso do Uruguay {art. 145), pelo Código de Procedi-
miento Civil da Colômbia (art. 185) e pelo Código Judicial da Bolívia {art.
784). José Frederido Marques, instituições de direito processual civil, cit., v.
III, p. 352, apesar de indicar o nome tradicionalmente utilizado pela dou­
trina nacional, prefere a utilização do termo "prova trasladada".

86
identidade física do juiz. Tal realidade, entretanto, além de não
ser exclusiva da prova emprestada — está presente inclusive na
produção antecipada de provas —, dela não retira qualquer
validade ou carga probatória, o que se imaginou ocorrer em
tempo passado.
A exceção ao princípio da imediatidade mostra-se evidente,
considerando que esse princípio baseia-se, justamente, na pos­
sibilidade de o juiz participar diretamente na produção da prova,
tendo como característica principal a colheita direta de provas
pelo juiz. Nas palavras de Giuseppe Chiovenda107, tal princípio

"exige do juiz, que vai pronunciar a sentença, que tenha


assistido o desenrolar das provas das quais vai haurir a sua
convicção, tenha entrado em direta ligação com as partes,
testemunhas, peritos e com os objetos do juízo, de modo a
poder avaliar as declarações de tais pessoas e a condição
dos lugares, etc. baseado na imediata impressão recebida,
e não apoiado nos relatórios alheios".

O conceito de prova emprestada é o suficiente para de­


monstrar, com a devida clareza, que tal princípio não é respei­
tado quando o juiz recebe prova já formada em outro juízo.

107Cf. "Procedimento oral". Trad. Osvaldo Magon. Revista Forense/ Rio de Janei­
ro, Forense, n. 74, 1938, p. 187. jefferson Carús Guedes, O princípio da
oralidade. São Raulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 57-58: "A coleta direta
da prova pelo juiz é a essência da oralidade, impondo ao magistrado sua
participação na produção das provas, retirando-o da função inerte de recep­
tador indireto dos elementos probatórios. Por esse princípio o juiz deve ter
contato imediato e franco com a parte e com a produção de provas". Rara Rui
Portanova, Princípios do processo civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo­
gado, 1999, p. 224, "o objetivo do princípio da imediatidade é aproximar o
quanto possível o juiz da prova oraI, para o fim de propiciar ao julgador, com
os dados colhidos tão diretamente, proximidade com a verdade". Esse prin­
cípio vem expresso no diploma legal alemão (§ 355, I, ZPO), embora a dou­
trina aponte seu afastamento em situações excepcionais: Othmar jauering,
Direito processual civil. 25. ed. Trad. F. Silveira Ramos. Coimbra: Al medi na, 2002,
p. 281, e James Goldschmidt, Direito processual civil, cit., t. I, p. 123*124.

87
O mesmo ocorre com o princípio da identidade física do
juiz, que também sofre exceção em virtude do instituto da pro­
va emprestada, considerando que esse princípio exige uma
identidade entre o juiz que produz a prova e aquele que senten­
cia a demanda, sendo exatamente o contrário o que ocorre com
a prova emprestada, produzida por um juiz, mas valorada por
outro em sua sentença. Registre-se que o princípio da identida­
de física do juiz não é excepcionado exclusivamente pelo fenô­
meno da prova emprestada, mas também por outros fenômenos
processuais e materiais, como a prova produzida por carta pre­
catória ou rogatória, a aposentadoria, promoção ou afastamen­
to do juiz que conduziu a produção da prova oral108.
Advirta-se que, no caso concreto, a identidade física do juiz
pode até mesmo ser respeitada, ainda que a prova seja empres­
tada; para tanto, o mesmo juiz deve ser o responsável por sua
produção em determinado processo e por sua valoração em
outro processo. Para que isso ocorra, basta que haja uma coin­
cidência, primeiramente, de competência e, depois, de juiz
quanto aos dois processos. Apesar de ser possível tal ocorrência,
não se pode alçar a identidade física do juiz a princípio regula­
dor da prova emprestada, considerando a raridade em que ha­
verá tal identidade entre o juiz que produz a prova em um
processo e aquele que a valora em outro.

,08Sobre o art. 132 do CPC, o qual exige que o juiz que produz a prova sen­
tencie a demanda, "salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por
qualquer motivo, promovido ou afastado", consulte-se Arruda Alvim, Ma-
nua! de direito processual civil/ cit., v. I, p. 35-38; Ernane Fidélis dos Santos,
Manual de direito processual civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I;
Athos Gusmão Carneiro, jurisdição e competência/ cit., p. 163-171, com
rica indicação jurisprudência! A tratar genericamente do tema, indicando
as diversas exceções ao princípio, Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária
no cível e comercial/ cit., v. I, p. 308-309, e Nelson Nery Jr., Princípios do
processo civil na Constituição Federal/ cit., p. 151 -152. A respeito de provas
produzidas em outro juízo, Hernando Devis Echandía, Teoria general de la
prueba judicial/ cit., t. 1, p. 120, e Hans Walter Fasching, "A posição dos
princípios da oral idade e da imediação no processo civil moderno". Revis­
ta de Processo, São Paulo, n. 39, p. 29.

88
Os exemplos são diversos; pode ser trazida à colação uma
situação retirada da atividade forense: em determinada região,
um fato que teria gerado um dano ambiental foi objeto de ação
civil pública movida pelo Ministério Público. Na mesma comar­
ca em que tramitava tal processo — no caso, diante de um
mesmo juiz, por ser o único do lugar — havia algumas deman­
das individuais de moradores da região a pleitear ressarcimento
por danos materiais que teriam sofrido em virtude de tal fato.
Nesse caso, após a realização da prova pericial na ação civil
pública, amplamente desfavorável ao réu, todos aqueles que
tinham ações individuais passaram a utilizar-se da perícia já
produzida, sob a forma de prova emprestada. Como se percebe,
nesse caso concreto, preservou-se a idéia de identidade física
do juiz, mas por mero acaso, e não por se tratar de princípio que
rege o instituto.
Por fim, verifica-se também exceção ao princípio da con­
centração dos atos processuais. Giuseppe Chiovenda109, histori­
camente um dos maiores defensores do procedimento oral,
afirma que do respeito a esse princípio dependerá a sobrevivên­
cia dos outros dois já analisados. Chega, inclusive, a afirmar, no
desejo de realçar a importância desse princípio, que "dizer ora­
lidade é quase o mesmo que dizer concentração". O princípio
da concentração exige maior produção de atos processuais em
um menor período de tempo possível, o que se obtém por meio
da redução do número de atos processuais e do encurtamento
do lapso temporal entre eles; isso não ocorre no caso da prova
emprestada, em que os atos processuais de produção da prova
no primeiro processo e de sua valoração no segundo não só
estarão temporalmente distantes um do outro como serão prati­
cados em diferentes demandas judiciais.
A respeito de tais exceções, é importante lembrar que são
tantas as exceções legalmente previstas e praticamente realizadas
na praxe forense que a idéia da oralidade como um dos princí­

109Cf. "Procedimento oral", cit., p. 187.

89
pios do processo civil brasileiro é algo bastante discutível110. A
preferência pelo procedimento escrito é notória, tanto por parte
do legislador como por parte do operador do direito — este com
ênfase ainda maior. É sintomático perceber que a contestação do
procedimento sumário e sumaríssimo (Juizado Especial), apesar
de faculdade concedida às partes de serem apresentadas oral­
mente, invariavelmente é apresentada por escrito pelos patronos
do réu. Também nas alegações finais se percebe a preferência
pelo escrito, com a sistemática substituição dos debates orais
pelos memorais, ainda que não exista qualquer complexidade
fática ou jurídica que justifique o afastamento do ato oral111.
Essas constantes exceções ao princípio da oralidade e a seus
princípios correlatos, que chegam até mesmo a colocar em xeque
a oralidade como princípio do processo civil brasileiro, justificam

,1ÜÉ bastante discutível o efetivo respeito ao princípio da oralidade no contex­


to processual atual diante de tantas exceções. Nesse sentido, a falar cm
sistema misto, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, cit., p. 326: "No
sistema pátrio, entretanto, os princípios supra foram sofrendo inúmeras
restrições. O foro brasileiro não se adaptou de todo ao sistema oral: a prin­
cípio, os memoriais escritos; depois, a complacência de alguns juizes,
deixando que as inquirições se fizessem sem sua efetiva intervenção. Certos
princípios, dados por infalíveis, não tiveram fortuna na prática: assim, a
identidade física do juiz, a relativa irrecorribilidade das interlocutórias, a
imprescindíbilídade da audiência e debates orais. O insucesso da experi­
ência, no campo do processo civil, redundou na revisão da posição adota­
da peto legislador de 1939, por parte do Código de 1973, que atenuou
sobremaneira o princípio da oralidade (arts. 132, 330 e 552)". A indicar
algumas mitigações ao princípio, Humberto Theodoro Jr., Curso de direito
processual civil. 39. ed. Rio de janeiro: Forense, 2003, v. I, p. 27. Até mesmo
Giussepe Chiovendá, "Procedimento oral", cit., p. 190, ao defender como
regra o procedimento oral, reconhece que existem exceções necessárias a
esse sistema, em que se exigirá o procedimento escrito.
111A respeito da preferência pelo ato escrito, Daniel Amorim Assumpção Neves,
"Recentes alterações do agravo retido — obrigatoriedade de sua interposição
de forma oral de decisões interlocutórias proferidas em audiência de instru­
ção e julgamento". Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo,
Dialética, v. 34, 2006, p. 21-22.

90
plenamente a existência da prova emprestada, que, também fun­
dada em outros relevantes princípios, tais como a economia
processual e o acesso à ordem jurídica justa, não encontra limi­
tação à sua existência ao se afastar do princípio da oralidade112.
O estudo do princípio da oralidade diante da prova empres­
tada — melhor seria até dizer "o estudo da não-aplicação do
princípio da oralidade" — serve, especificamente, para trazer à
tona mais um fator de inegável identidade entre a prova empres­
tada e a prova produzida por meio de processo cautelar antece­
dente. O estudo mais aprofundado a respeito da produção an­
tecipada de provas demonstrará, de maneira inequívoca, que
também nesse instituto se afasta o princípio da oralidade e todos
aqueles que a esse princípio são correlatos, em especial a ime­
diação, a concentração e a identidade física do juiz113.
No tocante às exceções ao princípio da oralidade e a seus
princípios correlatos, há nítida identidade entre prova empresta­
da e prova produzida antecipadamente por meio de um proces­
so cautelar antecedente. Será, como se demonstrará no decorrer
do presente capítulo, mais um elemento que torna incontestável
a adequação da proposta sugerida de entender a prova produzi­
da antecipadamente como espécie de prova emprestada.

3. RAZÕES JUSTIF1CADORAS DA EXISTÊNCIA DA


PROVA EMPRESTADA
O instituto da prova emprestada pode mostrar-se extrema­
mente útil ao processo por dois motivos principais: economia

112No direito italiano, em que fenômeno similar desenvolve-se, encontramos


a opinião de Gian Franco Ricci, Le prove atipiche. Milano: Giuffrè, 1999,
p. 350, segundo a qual o desrespeito ao princípio da oralidade faz com que,
em qualquer circunstância, a prova emprestada tenha força probatória
menor da que teria se tivesse sido produzida perante o juiz que julgará o
processo.
113Nesse sentido, Ovfdio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p.
376-377; Jefferson Carús Guedes, O princípio da oralidade, cit., p. 61 -65;
Rui Portanova, Princípios do procésso civii, cit., p. 223.

91
processual e busca da verdade possível114. Saber a qual desses
dois significativos valores de nosso ordenamento processual a
prova emprestada se refere no caso concreto dependerá, essen­
cialmente, da possibilidade ou não de nova produção da prova
no processo em que se suscita receber a prova já produzida de
forma emprestada, sob a mesma forma de produção do proces­
so originário. A depender do caso concreto, as exigências para
que a prova seja emprestada modificam-se, justamente em razão
da mudança do princípio que o empréstimo probatório buscará
resguardar.
Em um primeiro momento, a prova emprestada pode pres­
tar-se à aplicação prática do princípio da economia processual,
de modo a evitar a repetição desnecessária da produção de
provas em dois processos distintos. É sabido que a fase instrutó-
ria do processo, em especial do processo de conhecimento, é a
mais demorada e onerosa do processo, de forma que submeter
as partes a mais demora e gastos quando for possível o simples
empréstimo de uma prova já produzida atentaria, claramente,
contra o princípio da economia processualns.

114A respeito dotema da verdade possível, consulte-se Daniel Amorim Assump-


Ção Neves, "Algumas considerações sobre as limitações procedimentais à
busca da verdade no processo civil brasileiro". Revista Dialética de Direito
Processual Civil/ São Paulo, Dialética, n. 30, p. 22-27, 2005.
115Eduardo Talamini, "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 110:
"A função primeira e imediata do empréstimo da prova é a economia pro­
cessual. Busca evitar a repetição desnecessária de atos a fim de que, com
menor dispêndio de tempo e recursos materiais, o processo seja mais aces­
sível a todos (é aplicação do célebre "princípio econômico", formativo do
processo)"; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do
processo de conhecimento, cit., p. 317: "Trata-se de evitar, com isso, a re­
petição inútil de atos processuais, otimizando-se, ao máximo, as provas já
produzidas perante a jurisdição, permitindo-se, por conseqüência, seu
aproveitamento em demanda pendente"; Fábio Tabosa, Código de Processo
Civil interpretado/ cit., p. 1020. No direito italiano, Gian Franco Rtcci, Le
prove atipiche/ cit., p..369, informa que essa é a maior— senão única — jus­
tificativa da jurisprudência italiana para admitir a prova produzida em outro
processo, o que, em sua visão, acarreta uma amplitude indevida na utiliza­

92
Basta imaginar a produção de uma prova pericial, comple­
xa por natureza e, invariavelmente, o meio de prova mais de­
morado e custoso do processo. Após meses de espera pelo re­
sultado da prova, adiantados os honorários periciais e as custas
com a realização da prova, será extremamente ilógica, do pon­
to de vista do princípio da economia processual, a repetição
dessa prova. Outro exemplo que ressalta a valoração da econo­
mia processual é a oitiva de testemunha que se mudou para o
exterior, hipótese em que uma nova oitiva redundaria na expe­
dição da complicada, cara e complexa carta rogatória. Percebe-
se, dos exemplos mencionados — e muitos outros poderiam ser
dados —, o ganho em qualidade e em eficácia da prestação
jurisdicional com a utilização da prova emprestada.
Ao considerar a produção antecipada de prova, como é
tradicionalmente feito pela doutrina nacional, que condiciona
sua existência à verificação concreta de periculum in mora,
entendido como o perigo de não ser possível produzir a prova
no momento adequado previsto em lei — fase probatória do
processo de conhecimento —, a conclusão lógica é que tal
instituto está totalmente desvinculado da idéia de economia
processual. O objetivo da produção antecipada seria evitar o
prejuízo da parte que não poderia produzir a prova em decor­
rência do tempo necessário para que a fase prevista em lei para
tanto ocorra. Sob esse ângulo de visão, portanto, estaria afastada
a idéia de economia processual.
Conforme já se afirmou no capítulo precedente, existe a
possibilidade de uma ação autônoma de produção de prova

ção de tal espécie de prova: "Le uniche ragioni che può forse essere possi-
bile individuare e che qualche volta traspaiono dalle singole pronunzie,
sembrano essere quelle delia salvaguardia dei prindpi di economia proces-
suale e delia non dispersione dei mezzi di prova". Hans Walter Fasching,
"A posição dos princípios da oralidade e da imediação no processo civil
moderno", cit., p. 30, em que afirma: "a repetição das provas traz consigo
elevado dispêndio de tempo e de custos, o qual só é justificado pelos resul­
tados nos casos mais raros".

93 '
independente da existência do periculum in mora em sua con­
cepção tradicional, que se prestaria tão-somente a permitir que
as partes tenham um conhecimento mais amplo e claro dos fatos
que poderão ser objeto de um futuro processo. Essa proposta
tem como uma das principais preocupações diminuir o número
de processos absolutamente infundados em decorrência de a
pretensão do autor estar baseada em fatos reconhecidamente
falsos, o que só será possível descobrir após a produção da pro­
va. Sob esse ponto de vista, portanto, em idéia que será desen­
volvida no seu devido momento, a existência de um "processo
exclusivamente probatório" serviria também ao princípio da
economia processual, por otimizar as composições entre as
partes, o que, em última análise, diminuiria o número de pro­
cesso, em especial aqueles infundados.
De qualquer forma, na hipótese descrita estará afastada a idéia
de prova emprestada, levando em conta que a prova teria uma
função exaustiva no próprio processo em que foi formado. Ao se
convencerem as partes a respeito dos fatos e ao permitir-se que mais
elementos sejam de seu conhecimento, otimizar-se-ia a realização
de transações, de modo a evitar a existência de novo processo ao
qual essa prova seria emprestada, considerando que o conflito já
estaria resolvido. Preservaria-se o princípio da economia processu­
al, mas se desvincularia da idéia de prova emprestada. Porém, se a
transação — mesmo diante das provas produzidas — não for al­
cançada e o processo de conhecimento for proposto, voltar-se-ia à
idéia de prova emprestada e, nesse caso, é inegável que sua utili­
zação representaria justamente a economia processual.
Caso haja prova já produzida em processo autônomo es­
pecífico para esse fim e ainda assim seja necessário o retorno ao
Poder Judiciário por meio de outro processo, evidentemente
aquelas provas produzidas poderão ser utilizadas como forma
de prova emprestada. Nesse caso, seria absolutamente — ao
menos em tese — possível a repetição da prova, considerando
que o motivo de sua produção anterior não foi o perigo de a pro­
va não poder ser praticada posteriormente, mas sim o desejo das
partes de se cientificarem com maior segurança a respeito dos

94
fatos. Nesse caso haverá uma hipótese em que a prova não en­
contra nenhum obstáculo para ser produzida novamente, mas a
idéia de preservação do princípio da economia processual fun­
damentará a opção pela prova emprestada.
Tentou-se demonstrar que, diante da nova realidade pro­
posta pelo presente trabalho, de admitir um processo com o
único objetivo de produzir a prova em juízo para maior conhe­
cimento e segurança fática dos sujeitos envolvidos no conflito,
a possibilidade de utilização de tal prova em processo futuro
estará absolutamente amparada no respeito ao princípio da
economia processual, por evitar a repetição inútil de atos pro­
batórios. A focar exclusivamente na questão da urgência para a
prática da prova, presume-se ser impossível sua repetição du­
rante a fase instrutória do processo de conhecimento, e a utili­
zação da prova já produzida ganha nova dimensão, justamente
aquela apontada pela doutrina como a outra justificativa — ain­
da mais importante que o respeito ao princípio da economia
processual — da prova emprestada.
Segundo a doutrina que enfrentou o tema, embora a prova
emprestada possa servir ao princípio da economia processual,
existem hipóteses em que não é precisamente esse o princípio
que ela resguardará. São situações em que se mostra impossível
nova produção da prova, como na hipótese de testemunha que
falece no tempo que medeia um processo e outro, ou ainda o
bem objeto de perícia que sofre deterioração irreversível. Nesses
casos, o instituto da prova emprestada não se presta a preservar
a economia processual, considerando que, mesmo que se quei­
ra, a prova não poderá ser produzida novamente. Rara essas si­
tuações, fala-se na preservação da verdade possível, corolário
da interpretação moderna do conceito de inafastabilidade da
tutela jurisdicional, que significa permitir ao juiz o efetivo co­
nhecimento dos fatos, o que, indubitavelmente, levará a uma
prestação jurisdicional de melhor qualidade116.

116Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Crínover e Cândido Rangel


Dinamarco, Teoria geral do processo, cit., p. 33-35, falam em "acesso à
ordem jurídica justa".

95
Nas corretas palavras de Eduardo Talamini157,

"eventualmente, o empréstimo de prova não se destina


apenas à economia processual. Há casos em que a prova é
irrepetível ou, quando menos, sua repetição só se faria a um
custo bastante alto e despropositado. A prova emprestada,
então, assume função diversa e especial: evitar a perda da
prova irrepetível ou de difícil repetição. Seu fundamento
passa a ser o próprio direito à prova — radicalmente ligado
à ampla defesa e ao acesso à jurisdição: ou permite-se o
traslado ou priva-se a parte se provar sua razão".

Nessa hipótese, parece que o instituto da prova emprestada


torna-se ainda mais importante na busca de uma prestação ju-

,17Cf. "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 112. Também


lembra dessa hipótese justificadora ao empréstimo da prova Cândido Rangel
Dinamarco, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 97, e Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhe­
cimento, cit., p. 317. Para Sérgio Chiarloni, "Riflessioni sui limiti del giudi-
zio di fatto nel processo civile". Rivista Trimestrale di Diritto Processuale
Civile/ 1986, p. 864 e ss., a impossibilidade de renovação da prova é con­
dição essencial para que seja admitida a prova emprestada, mesma opinião
de joâo Batista Lopes, A prova no direito processual civil/ cit., p. 58: "... é
de rigor que não seja possível a repordução ou renovação da prova". A tese
é rejeitada acertadamente por Gian Franco Ricci, Prove atipiche, cit., p.
363-368, que chega à seguinte conclusão: "In conclusione, non sembra che
nel processo civile vi sia alcun segnale preciso, che imponga di escludere
l'uso delle prove raccolte in un altro processo, neppure quando queste
possono direttamente raccogliersi dal giudice che decide Ia causa". Moacyr
Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial/ cit., p. 310-311, ao
falar da prova oral, entende que "a aproveitabilidade e a eficácia de uma
prova em outro processo se assentam, principalmente, na razão inversa da
possibilidade de sua reprodução: quanto mais possível esta, tanto menores
a sua aproveitabilidade e eficácia; quanto menos possível tanto maiores a
sua aproveitabilidade e eficácia". Também Cândido Rangel Dinamarco,
Instituições de direito processual civil, cit., p. 99, afirma que "só se deve
importar a prova realizada em outro processo quando a nova produção da
prova seja impossível ou particularmente difícil (inclusive, por depender de
custos muito elevados)". „

96
risdicional de melhor qualidade. A impossibilidade da renovação
da prova poderá, no caso concreto, constituir uma barreira in­
transponível à parte na missão de provar suas alegações, o que
poderá conduzi-la a injusta derrota. Ao juiz — consciente de
seu nobre ofício — interessa conhecer o maior número de ele­
mentos para a formação de seu convencimento, levando em
conta a constatação empírica e indiscutível de que, quanto mais
próximo chegar da verdade, melhor qualidade terá sua decisão
judicial O que se busca preservar, portanto, por meio do em­
préstimo da prova, é a própria promessa constitucional da ina-
fastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5a, inc. XXXV, CF), en­
tendida, atualmente, como garantia à ordem jurídica justa1’8. É,
como se pode perceber, garantia das mais importantes.
Esse fundamental aspecto da prova emprestada ganha ain­
da mais importância quando aplicado à produção antecipada
de provas. Como já visto anteriormente, a doutrina nacional
tradicionalmente exige, para admitir a produção antecipada de
prova, a ocorrência de uma situação de perigo, entendida como
a provável impossibilidade de produção da prova em momento
posterior. Por apego à cautelaridade da situação, entende-se
tratar-se do periculum in mora. Isso significa dizer que, na maio-

IT8A doutrina nacional vem alçando o direito à prova à categoria de direito


constitucional: Nesse sentido o entendimento de Cândido Rangel Dinamar-
co, Instituições de direito processual, cit., p. 46-49; José Roberto dos Santos
Bedaque, Poderes instrutórios dojuiz. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 20-23; Eduardo Cambi, Direito constitucional à prova no processo
civil. São Píaulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 135; Guilherme Freire de
Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, p. 40; Leonardo Greco, "A prova no processo
civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil". In: Helio Rubefis Batista
Costa; José Horádo Halfeld Rezende Ribeiro; Pedro da Silva Dinamarco
(Coords.). Linhas mestras do processo civil. São Paulo: Atlas, 2004, p. 402-
403. No direito italiano, afirma-se que o direito à prova vem garantido
implicitamente no art. 24 da Constituição Federal: Giovanni Verde, Profili
del processo civile. Napoli: Jovene, 1996, v. II, p. 75. No direito espanhol,
a previsão se encontraria no art. 24 da Constituição Federal, como aponta
Antonio Diáz Fuentes, La prueba en la nueva ley de enjuiciamiento civil/
cit., p. 15-16.

97
ria das oportunidades em que uma prova tenha sido objeto de
processo antecedente autônomo, será impossível sua renovação
no chamado processo principal, o que, inclusive, justificaria sua
produção antecipada. Como regra, portanto, a prova produzida
antecipadamente não poderá ser renovada, sendo, nesse aspec­
to, idêntica àquela produzida em determinado processo — que
não tenha como objeto exclusivamente a produção da prova
— e emprestada a outro quando impossível ou extremamente
difícil for sua reprodução.
A análise feita leva à conclusão de que a utilização da
prova anteriormente produzida em processo cautelar de produ­
ção antecipada de provas deve ser aproveitada no processo
principal como forma de garantir à parte o acesso à ordem jurí­
dica justa, idéia que tenta tornar a promessa constitucional da
inafastabilidade da tutela jurisdicional algo real e efetivo, não
simplesmente promessa oca e formal. Ao tratar de um dos prin­
cipais princípios processuais, a questão do traslado da prova do
processo cautelar para o processo principal deve ser encarada
sob o ângulo de garantia constitucional analisado.
Por fim, resta novamente claro mais um ponto de contato
entre a prova emprestada e a prova produzida antecipadamente.
Ambas poderão — na verdade, a primeira como exceção e a
segunda como regra — não ser passíveis de repetição, o que
justificaria até mesmo uma flexibilização na exigência dos re­
quisitos para o traslado da prova. Seja como for, é inegável a
existência de mais um ponto de contato — ou mesmo de iden­
tidade — entre os dois institutos.

4. EXIGÊNCIAS PARA A UTILIZAÇÃO DA PROVA


EMPRESTADA
A doutrina que já enfrentou o tema da prova emprestada
indica alguns requisitos para que a prova possa gerar, realmente,
seus efeitos no processo que a recebe. Entre eles, aponta-se: a
necessidade de a prova ter sido produzida em procedimento
formalmente regular e com as mesmas garantias que teria se
fosse produzida no processo que a recebe; a necessidade de ter

98
sido produzida em processo em que haja identidade parcial ou
integral de partes do processo que receberá a prova, em respei­
to ao princípio do contraditório; a necessidade de a prova ser
produzida perante um juiz; finalmente, a necessidade de ser o
mesmo juiz o responsável pelos dois processos, em respeito ao
princípio do juiz natural.
Desses quatro requisitos principais indicados, dois podem ser
descartados sumariamente, considerando sua pouca importância
para os fins perseguidos no presente trabalho. Trata-se da necessi­
dade de regularidade formal da prova emprestada — esse tema,
na verdade, será tratado incidentalmente — e da necessidade de
a prova ser produzida perante um juiz — nesse caso, a prova fora
do Judiciário somente se tornaria atípica. Os dois principais requi­
sitos que merecem uma análise detalhada são: (i) a questão do
contraditório e (ii) a necessidade de identidade física do juiz que
produz a prova e que a recebe de forma emprestada.

4.1. Contraditório
A quase-unanimidade de doutrinadores que enfrentaram o
tema da prova emprestada o fez à luz do princípio do contradi­
tório. Esse princípio, que pode ser considerado como um dos
mais importantes de nosso ordenamento processual, inclusive
alçado ao próprio conceito de processo por alguns doutrinado­
res119, tem, inegavelmente, forte influência no tema probatório
em geral e na prova emprestada em específico. Evidentemente
não se fará uma análise exaustiva de tão complexo princípio
processual, o que demandaria um trabalho específico sobre o
tema, mas é importante analisar sua influência na questão da
atividade probatória.
Basicamente, o princípio do contraditório é entendido como
a exigência de que, no processo, as partes sejam informadas de

1,9Nesse sentido as lições de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegri-


ni Grinover e‘Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, cit.,
p.*2 85.

99
«
todos os atos processuais, de que a elas seja sempre concedida
uma oportunidade efetiva de reação de forma a influenciar o
juiz na preparação do julgamento. A idéia de informação-reação
—-por vezes meramente eventual, como nas hipóteses de direi­
tos disponíveis, e por vezes obrigatoriamente efetiva, como nas
hipóteses de direitos indisponíveis — é a base do respeito ao
princípio do contraditório, que deverá permear todo o trâmite
procedimental.
Nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira120,

"a garantia do contraditório significa, antes de mais nada,


que a ambas as partes se hão de conceder iguais oportuni­
dades de pleitear a produção de provas: seria manifesta­
mente inadmissível a estruturação do procedimento por
forma tal que qualquer dos litigantes ficasse impossibilitado
de submeter ao juiz a indicação dos meios de prova de que

120Cf. "A garantia do contraditório na atividade de instrução". In: Temas de


direito processual. São Pàulo: Saraiva, 1984, p. 67. No mesmo sentido, Ada
Pellegrini Grinover, A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense Univer­
sitária, 2000, p. 215: "Não pode ficar imune a tais garantias o direito à
prova, que nada mais é do que uma resultante do contraditório; o direito de
contradizer provando. E assim como o contraditório representa o momento
da verificação concreta e da síntese dos valores expressos pelo sistema de
garantias constitucionais, o modelo processual informado nos princípios
inspiradores da Constituição não pode abrir mão de um procedimento
probatório que se desenvolva no pleno respeito do contraditório". No mes­
mo sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual
civil, cit., v. I, p. 21 7, afirma que, "para cumprir a exigência constitucional
do contraditório, todo modelo procedimental descrito em lei contém e todos
os procedimentos que concretamente se instauram devem conter momentos
para que cada uma das partes peça, alegue e prove", e que "ambas as par­
tes são admitidas a produzir provas dos fatos alegados". Rara Adriana Pires,
"Prova e contraditório". In: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Coord.). Pro­
va cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 66, "no campo probatório as
partes devem sempre ser cientificadas da realização de quaisquer atos ins-
trutórios para que deles possam participar". Consulte-se também Rogério
Ives Braghittoni, O princípio do contraditório no processo. São Paulo: Fo­
rense Universitária, 2002, p. 54-57.

100
pretende valer-se. Significa, a seguir, que não deve haver
disparidade de critérios no deferimento ou indeferimento
dessas provas pelo órgão judicial. Também significa que as
partes terão as mesmas possibilidades de participar dos atos
probatórios e de pronunciar-se sobre os seus resultados".

As precisas palavras do processualista demonstram, na re­


alidade, uma opinião praticamente uníssona na doutrina: a de
que, durante todo o procedimento probatório, o respeito ao
princípio do contraditório se efetivará pela possibilidade de
ampla participação em sua formação e de crítica quantos aos
seus resultados. Isso significa dizer que não basta oferecer uma
ou outra oportunidade às partes durante todo o procedimento
probatório; o respeito ao princípio do contraditório deverá ser
integral, da propositura, passando pela admissão e pela produção
e se encerrando na valoração da prova produzida.
Essa ampla participação das partes durante todas as fases
do procedimento probatório levou-nos, inclusive, a aplaudir, em
obra anterior, a inclusão do art. 431-A no Código de Processo
Civil por meio da Lei n. 10.358/2001. O noviço dispositivo legal
passou a obrigar a intimação das partes para o início dos traba­
lhos periciais, para que estes possam ser acompanhados por elas
— ou por seus assistentes técnicos — durante toda a fase de
produção. Era bastante criticável a ausência de dispositivo nes­
se sentido — verificada pela alteração do art. 427 pela Lei n.
8.455/92 —, por tratar-se a dispensa dessa ciência inicial de
ofensa clara ao princípio do contraditório121.

121Daniel Amorim Assumpção Neves, Nova reforma processual civil/ cit., p.


194: "No caso específico da produção da prova pericial, não nos parece
correta a idéia de que o perito entregue em cartório um trabalho pronto e
acabado, sem que as partes tenham tido qualquer participação na formação
de tão importante material para o convencimento do juiz. O direito de
participar ativamente da produção da prova pericial está intimamente liga­
do ao direito de não ser pego de surpresa por conclusões obtidas pelo pe­
rito". Os problemas da situação descrita já haviam sido bem colocados por

101
Diante de tal iniciativa legislativa, aplaudimos a modificação
e afirmamos

"que com ela as partes terão oportunidade de acompanhar


os trabalhos periciais desde o início, seja por meio de assis­
tente técnico e em alguns casos da própria parte, já que nem
sempre essa tem a possibilidade econômica de contratar um
expert para realizar o trabalho especializado. Respeita-se o
princípio do contraditório e da ampla defesa, melhora-se a
produção da prova e finalmente criam-se obstáculos para
indevidos conchavos entre perito e uma das partes, já que
a prova é produzida não nas sombras, mas sim na presença
de autor e réu, que dessa maneira além de auxiliar na for­
mação da prova ainda terão a função secundária de impedir
desvios de conduta do perito judicial"122.

A exigência do contraditório durante todas as fases do


procedimento probatório parece ser exigência de praticamente
todos os ordenamentos processuais que buscam a preservação
integral e efetiva do princípio do contraditório123. No direito

Egas Dirceu Moniz de Aragão, "Alterações no Código de Processo Civil:


tutela antecipada, perícia". In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Refor­
ma do Código de Processo Civil. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 248; "Como
então, o assistente emitir 'parecer' sobre o laudo, se não presenciou os
trabalhos de que ele resulta? Como poderá o assistente opinar sem ter po­
dido analisar livros e documentos contábeis? Como emitir parecer sobre
medidas e quantidades que não pôde verificar?". A retirada da obrigatorie­
dade de aviso do infcio da perícia era tão prejudicial ao sistema que Carlos
Alberto Carmona, "A prova pericial e a alteração do Código de Processo
Civil". In: Reforma do Código de Processo Civil/ cit., p. 547, chegou a afir­
mar que, apesar da revogação do disposto no art. 427, tal intimação conti­
nuaria a ser necessária. Apesar de o objetivo ser nobre, não via como, antes
da presente reforma, na ausência de texto expresso, exigir do juiz a intima­
ção das partes a fim de informar o início dos trabalhos periciais.
122Cf. Nova reforma processual civil, cit., p. 196.
123No direito italiano, entre outros, temos as lições de GiuseppeTarzia, "Pro-
blemi del contradittorio nelKistruzione probatoria civile". Rivista di Diritto
Processuale, Milano, Giuffrè, 1984, p. 634-635: "Questa garanzia, come è

102
processual português, a exigência vem expressa no art. 5172do
Código de Processo Civil, sob o título princípio da audiência
contraditória!24:

stato detto, è relativa sia al diritto alia prova, sia al metoclo di acquisizione,
per Tappunto in contraddittorio, di essa; garanzia, in particolare, di un
metodo che, appartenendo al contenuto minimo ed irriducibile del con-
tradditorio, si impone, salva Ia díversità delle forme, cosi nei processi a
cognizione piena (dei quali soltanto intendo ocuparmi) come nei processi
sommari, cautelari e no (salva, in alcuni di essi, 1'eventualità del contraddi-
torio posticipato) en el processo esecutivo", e Luigi Paolo Comoglio; La
garanzia costituzionale del!'azzione ed i! processo civile. Padova: Cedam,
1970, p. 219 e ss. No direito espanhol, lições doutrinárias amparadas na
previsão do art. 289 da Ley de Enjuiciamiento Civil: Juan Montero Aroca. La
prueba en el proceso civil/ cit., p. 152: "El principio de contradicción per-
tenece a Ia essencia del proceso y, en Io que se refiere a Ia práctica de Ia
prueba en el proceso civil, se manifesta en que todas las pruebas se practi-
can con contradicción y en vista pública (art. 289.1) con Ia plena interven-
ción de las partes, a cuyo efecto han de ser citadas". Ainda Antonio Díaz
Fuentes, La prueba en Ia nueva ley de enjuiciamiento civil. 2. ed. Barcelona:
Bosch, 2004, p. 85. No direito argentino encontramos as lições de jorge K.
Kielmanovich, Teor/a de Ia prueba y medios probatorios, cit., p. 54: "El
principio de contradicción de Ia prueba, de raigambre eminentemente
constitucional (art. 18, Const. Nac.), en cambio, implica que Ia misma, para
ser válida o por Io menos efizaz, debió haber sido producida con audiência
o con intervención de Ia parte contraria, de modo que ésta pudiese haber
fiscalizado su ordenada asunción y haber contado con Ia posibilidad de
ofrecer prueba en descargo", e Lino Enrique Pàlacio, Manual de derecho
procesal civil, cit., p. 66. No Uruguai, os ensinamentos de Eduardo J. Cou-
ture, Fundamentos do direito processual civil, cit., p. 174-175: "O contra­
ditório ocorre, portanto, antes, durante, e depois da formação da prova,
dentro das formas estabelecidas pelo direito positivo". No direito francês,
consultar Gérard Couches, Procédure civile. Paris: Dalloz, 1998, p. 122.
124Alberto Reis, Código de Processo Civi) anotado, cit., p. 313, ao referir-se ao
antigo CPC português — o antigo art. 522 representa o art. 517 atual: "Para
que determinada prova possa ser invocada contra alguém ou tenha plena
eficácia com relação a certa pessoa, é necessário que esta tenha sido pro­
duzida com a intervenção real ou potencial da pessoa contra a qual se quer
fazer valer. Por quê? Porque o direito de defesa é uma garantia fundamental
da ordem jurídica. O princípio da audiência contraditória é, na verdade, uma
expressão e uma consagração do direito de defesa; pela mesma razão por
que o art. 3“ não consente que a acção seja julgada sem que o réu seja cita-

103
"1. Salvo disposições em contrário, as provas não serão
admitidas nem produzidas, sem audiência contraditória da
parte a quem hajam de ser opostas. 2. Quanto às provas
constituendas, a parte será notificada, quando não for revel,
para todos os actos de preparação e produção da prova, e
será admitida a intervir nesses actos nos termos da lei; re­
lativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à
parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da
sua força probatória".

Especificamente com relação à prova emprestada, para a


doutrina majoritária não seria possível afastar o respeito ao prin­
cípio do contraditório. Falar em respeito ao princípio do contra­
ditório como essência da utilização da prova emprestada é afirmar
que a prova a ser emprestada deve, em primeiro lugar, ter sido
feita sob o crivo do contraditório no processo originário. Rara
grande parcela da doutrina, o desrespeito a essa condição já seria
o suficiente para impedir a utilização da prova em qualquer outro
processo; entende-se que, no mais das vezes, basta um contradi­
tório eventual, ou seja, basta que se tenha dado oportunidade às
partes para que participem da instrução probatória, ainda que isso
não tenha, efetivamente, ocorrido no caso concreto.
Além desse requisito básico, a doutrina majoritária indica a
necessidade de uma identidade — em diferentes graus — dos
sujeitos parciais que participaram do processo em que a prova foi
produzida e naquele em que será recebida já pronta somente para
ser valorada. Encontram-se sérias divergências a respeito dessa
identidade de partes, bem como a respeito da espécie de vício
que seria gerado pela desobediência a tal identidade. É possível
dividir a doutrina em dois grandes grupos: aqueles que entendem
deva a identidade ser sempre total e absoluta e aqueles que en-

do, o art. 522 exige a audiência contraditória para que a prova seja oponí-
vel com eficácia plena". José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil
anotado/ cit., p. 404, descreve interessante rol exemplificativo de aplicação
do princípio no sistema probatório português.

104
tendem ser necessária a identidade apenas da parte que será
prejudicada com a utilização da prova no segundo processo.
Ada Pellegrini Grinover125— que vê com bastante reserva
a amplitude de utilização da prova emprestada — afirma, pe-
remptoriamente, que as partes devem ser sempre as mesmas no
processo em que a prova foi formada e naquele que a receberá
de forma emprestada, entendimento perfilhado por inúmeros
doutrinadores nacionais, segundo os quais, basicamente,

"a condição mais importante para que se dê validade e


eficácia à prova emprestada é sua sujeição às pessoas dos
litigantes, cuja conseqüência primordial é a obediência ao
contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do
processo realizado entre terceiro é res inter alios e não
produz nenhum efeito senão para aquelas partes"126.

Também no direito estrangeiro se encontra a adesão de


processualistas de renome à tese da identidade plena de partes
para que a prova produzida em determinado processo possa ser
utilizada em outro127.

12S"Prova emprestada", cit., p. 115.


126Cf. Nelson Nery Jr. Princípio do processo civil na Constituição Federai. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 152. No mesmo sentido, as
lições de José Carlos Barbosa Moreira, "Observaciones sobre Ias llamadas
pruebas atípicas". In: . Temas de direito processual. São Raulo: Sarai­
va, 2001, p. 49 (sétima série); João Batista Lopes, A prova no direito proces­
sual civil/ cit., p. 57; Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 699;
Rogério Ives Braghittoni, O princípio do contraditório no processo/ cit., p.
59; Ovídio Baptista da Silva, Cursò de processo civil/ cit., p. 361; Adalberto
José de Camargo Aranha, Da prova no processo penal/ cit., p. 189-190.
127Carlos Lessona, Teoria general de la prueba en derecho civit. Trad. Enrique
Aguilera de Paz. 4. ed. Madrid, 1957, v. I, p. 12-13, embora lembre que
"esta máxima no es, sin embargo, tan absoluta que no tenga excepciones";
Luigi Montesano, "Le prove atipiche nelle presunzione e negli argomenti
del giudice civile". In:______ . Studi in memória di Salvatore Satta. Padova:
Cedam, 1982, p. 1.007. Ainda Roland Arazi, La prueba en elproceso civil/
cit., p. 130, e jorge Fabrega, Teoria general de la prueba, cit., p. 314.

105
Apesar de não se concordar com esse entendimento, por
parecer que a identidade de partes não necessita ser integral, é
preciso registrar que esse requisito será sempre respeitado no
caso da produção antecipada de provas, considerando que,
nesse caso, sempre haverá identidade entre as partes do proces­
so cautelar e as do processo principal Conforme será desenvol­
vido em capítulo próprio, até mesmo nas hipóteses de sujeitos
que poderão intervir no processo principal sob uma das formas
de intervenção de terceiros vedada no processo cautelar, serão
chamados ao processo para que a prova produzida também
contra eles possa gerar plenamente seus efeitos. Dessa forma,
apesar de ser inadequadamente radical o entendimento da iden­
tidade plena no tocante a todas as espécies de prova empresta­
da, esse requisito não será obstáculo ao empréstimo da prova
produzida em processo cautelar antecedente.
Ainda que o problema a respeito da identidade plena ou
parcial das partes esteja absolutamente resolvido no tocante à
prova produzida de forma antecipada em processo cautelar
antecedente, é oportuno o esclarecimento a respeito do melhor
enfoque a ser dado ao tema. Parece, basicamente, que a iden­
tidade não precise ser plena para que o contraditório seja
respeitado; basta que a prova tenha sido produzida perante a
parte a qual será oposta. Deve-se lembrar que, em se tratando
de direitos disponíveis, o contraditório não exige efetiva reação,
o que possibilita à parte que não participou da formação da
prova aceitar seu empréstimo se acreditar que esta lhe será
benéfica.
Nesse sentido, merece elogios o Código de Processo Civil
português, que, em seu art. 522Q, assim disciplina a matéria,
sob o título valor extraprocessual das provas: "1. Os depoimen­
tos e arbitramentos produzidos num processo com audiência
contraditória da parte podem ser invocados noutro processo
contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n. 3 do
artigo 355ü do Código Civil". Como se percebé da literalidade
do dispositivo legal, além do mérito de tratar, expressamente,
do instituto da prova emprestada — no que nosso ordenamen­
to processual se omitiu — , condiciona o traslado da prova

106
somente à identidade da parte contra a qual a prova será invo­
cada128.
Parece mesmo ter mais sentido a disposição antes transcri­
ta do que o entendimento já exposto. Por ser o contraditório
meramente eventual, já que a atividade das partes no processo
— inclusive a fase probatória — é desenvolvida primordialmen­
te fundada em ônus processuais, é perfeitamente possível admi­
tir que uma parte, embora não tenha participado da formação
da prova, aceite-a no processo como forma de prova empresta­
da. Isso significa simplesmente dizer que, apesar de ter a sua
disposição à proteção da lei, que não permitiria, em tese, fosse
utilizada no processo prova produzida sem sua participação,
abre mão de tal proteção ao admitir sua utilização129.
Nas precisas palavras de Eduardo J. Couture130, que bem
espelham a falta de necessidade da identidade plena de partes
no processo em que se produz a prova e naquele que a recebe,

,2eA doutrina portuguesa caminha no mesmo sentido do texto legal, como se


percebe dos ensinamentos de José Lebre de Freitas, A acção declarativa
comum. Coimbra: Ed. Coimbra, 2ÜÜÜ, p. 196: 'Tenha havido audiência
contraditória, nos termos do art. 517: a parte contra quem a prova é produ­
zida, isto é, aquela que resulte desfavorecida com o resultado probatório,
há-de ter tido possibilidade de intervenção no acto de produção ou no
procedimento de admissão da prova". Ainda Alberto Reis, Código de Pro­
cesso Civil anotado/ cit., p. 345, e Wanda Ferraz de Brito, Fernando Luso
Soares, Duarte Romeira de Mesquita, Código de Processo Civil anotado. 13.
ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 446.
129Na doutrina nacional com o mesmo entendimento Cândido Rangel Dina-
marco, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 98; Eduardo Ta-
lamini, "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 95; José Fre­
derico Marques, Instituições de direito processual civil, cit., v. III, p. 352-353;
Antonio de Araújo Cintra, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v.
IV, p. 14. Na jurisprudência, Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa,
Código de Processo Civil e legislação processual em vigor/ 37. ed. São Pau­
lo: Saraiva, p. 436-437 (art. 332.3). No direito argentino: Jorge L. Kielma-
novich. Teoria de la prueba y medios probatorios. 3. ed. Buenos Aires:
Rubinzal-Culzoni, 2004, p. 155; Enrique M. Falcón. Tratado de la prueba.
Buenos Aires: Astrea, 2003, v. I, p. 221.
130Cf. Fundamentos do direito processual civil/ cit., p. 176. No mesmo sentido,

107
"as provas produzidas em outro juízo podem ser válidas,
se nele a parte teve oportunidade de empregar contra elas
todos os meios de controle e de impugnação que a lei lhe
conferia no juízo em que foram produzidas. Tais provas,
produzidas com todas as garantias, são eficazes para de­
monstrar os fatos que tenham sido debatidos no processo
anterior e que voltem a repetir-se no segundo caso."

Já se teve a oportunidade de dar um exemplo retirado da


experiência forense com relação à concomitância de uma ação
civil pública movida pelo Ministério Público e ações indivi­
duais surgidas do mesmo fato. Nesse caso, ao ser produzida
a perícia na ação civil pública e se for seu resultado ampla­
mente desfavorável ao réu, certamente os indivíduos que
moveram as ações individuais poderão fazer uso em seus
processos dessa prova de forma emprestada sem que com isso
se possa apontar qualquer ofensa ao contraditório. Absurdo
seria acolher eventual pedido do réu afirmando que a prova
não poderia ser emprestada em virtude da diferença de partes
do processo em que foi produzida e naquele em que será
apenas valorada pelo juiz.
Esse entendimento, inclusive, poderia até mesmo ser apli­
cado em situações excepcionais na cautelar de produção ante­
cipada de provas. Como será explicado com mais profundidade

Giuseppe Tarzia, "Problemi del contraddittorio nelNstruzione probatoria


civile", cit., p. 642: "Ma, di piú, le indicazioni che si traggono sia quella
norma que dall'art. 28 CPP, dopo 1'intervento delia Corte Costituzionale,
orientano a ritenere che le prove raccolte in un qualunque processo possa-
no essere valutate in altro processo — in termini assai piü ristretti di quelli
riconosciuti dalla dominante giurisprudenzia — subordinatamente aIlá
participazione del soggetto, contro il quale la prova è invocata, al processo,
nel quale essa si è formata, o quanto meno al fatto che in tale processo egli
essa si è formata, sempre e soltanto, o quanto meno al fatto che in tale
processo egli sia stato posto in condizione di intervenire"; Crisanto Man-
drioli, Dirittoprocessuale civile/ cit., v. 11, p. 175; Hernando Devis Echandía,
Teoria general de la prueba judicial/ cit., p. 367-368.

108
em capítulo próprio, a doutrina criou e a jurisprudência bem
acolheu a figura da "assistência provocada" no processo caute­
lar de antecipação de provas. O instituto, basicamente, permite
que a parte requeira a intervenção de terceiro no processo cau­
telar que, eventualmente, participará do processo principal como
terceiro interveniente por meio de uma espécie de intervenção
vedada no processo cautelar (e. g., a denunciação da lide). O
objetivo é que a prova produzida tenha plena eficácia entre as
partes do processo principal e o terceiro, podendo ser utilizada
sem qualquer alegação de ofensa ao contraditório.
Tome-se como exemplo um caso concreto. Vítima de aci­
dente automobilístico ingressa com cautelar de produção ante­
cipada de prova contra o motorista pretensamente responsável
pelo acidente, excluindo o empregador deste do pólo passivo
da demanda. A prova produzida é desfavorável ao autor, que,
no processo principal, em vez de demandar o empregado — mo­
torista —, coloca o empregador no pólo passivo. É evidente que
este, ao tomar conhecimento do resultado do processo cautelar
anterior do qual não participou, poderá, amplamente, fazer uso,
no processo principal, da prova produzida naquele processo.
Ainda que não tenha participado da produção da prova, o réu
do processo principal abrirá mão de tal participação ao admitir
a prova emprestada, que, em última análise, irá beneficiá-lo no
que tange ao convencimento do juiz.
Registre-se ainda uma terceira corrente, que não encontra
muitos adeptos no Brasil, a qual entende que a simples idéia de
a prova não ser produzida perante o juiz que sentenciará a de­
manda já é suficiente para que não seja admitida por ofensa ao
contraditório. Rara essa corrente doutrinária, a simples impossi­
bilidade de participar da produção da prova no novo processo,
independentemente de tê-lo feito no primeiro, já descaracteri­
zaria o princípio do contraditório; assim, não teria seu resultado
força de prova no novo processo, admitindo-se, quando muito,
servir como mero indício. Isso significaria dizer que poderia até
ser útil, junto com outras provas colhidas, para convencer o juiz

109
de um fato, mas jamais teria força para, isoladamente, permitir
que este considere um fato como verdadeiro131.

4.2. Identidade do juiz do processo em que a prova é


emprestada e daquele em que é recebida
A responsável na doutrina nacional por defender a tese de
que a prova somente poderá ser emprestada de um processo a
outro quando, em ambos, estiver judicando o mesmo juiz é a
processualista Ada Pellegrini Grinover132. Além da exigência do
contraditório, representado pela identidade plena das partes no
processo em que a prova é produzida e naquele que a receberá,

151Essa é a opinião de Gian Franco Ricci, te prove atipiche/ cit., p. 466: "Ciò
vale, non soltanlo per le prove sostitutive raccolta senza contraddittorio (ad.
es. testimonianze, perizie stragiudiziali), ma anche per le prove provenien-
ti da un altro processo, le quali arrivano dinanzi al giudice ad quem pur
sempre in forma documentale e per le quali il fatto che siano state a suo
tempo raccolte nelTespletamento dei principi di paritaria difesa, non vale a
costituire um equipollente del contraddittorio che avrebbe dovuto instau-
rarsi di fornte al magistrado che deve decidere". Parecia também ser essa a
opinião de Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile/ cit., p. 435:
"Infine di prove atipiche si parla riguardo alie prove raccolte in un diverso
giudizio; ove il diverso giudizio sia un processo che si è svolto tra le stesse
parti, l'unico ostacolo ad ammettere le prove formatesi nel primo giudizio
deriva dalla circostanza che il diritto di difesa (e quindi Fímpegno in sede
di interrogatório di un teste o di svolgimento di una consulenza técnica ecc.)
non è qualcosa di astratto, ma um qualcosa che si commisura in concreto
in relazione all'oggetto del processo, al bene delia vita in contensa. Ma
Tesistenza oggi delTart. 238, 2a comma, CPP secondo cui 'è ammessa
l'acquisizione' nel processo penale 'di prove assunte in un giudizio civile
definitivo con sentenza che abbia acquistato autorità di cosa giudicata', è
destinata a riaprire e a porre su nuove basi di diritto positivo il problema".
132Cf. "Prova emprestada", cit., p. 115. No mesmo sentido, o entendimento de
Rogério Ives Braghittoni, O princípio do contraditório no processo/ cit., p.
58: "Por esse exato motivo, as provas têm de ser produzidas perante o juiz
natural, e nenhum outro, sob pena de nulidade absoluta. Não pode ser
convalidada a prova, por mais escorreita que tenha sido sua produção (e o
procedimento observado nessa produção), se o juiz perante o qual ela foi
produzida não era juiz natural".

110
"há de se acrescentar outro, em face do princípio constitu­
cional do juiz natural, enquanto juiz competente para
processar e julgar (art. 5U, Ull, CF). É preciso, para admitir-
se a prova emprestada, que o contraditório no processo
originário tenha sido instituído perante o mesmo juiz, que
também seja o juiz da segunda causa".

Para o que interessa ao presente estudo, o princípio do juiz


natural representa, em primeiro lugar, a impossibilidade de al­
guém ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do
fato e, em segundo lugar, a existência de regras preestabelecidas
de competência que impedem qualquer discricionariedade de
quem quer que seja — partes, juiz, Poder Judiciário etc. — para
a escolha do juiz que decidirá a demanda. O legislador, em
mostra clara que não admite o desrespeito ao princípio do juiz
natural, na onda reformista do Código de Processo Civil de
2001/2002, modificou a redação do art. 253 do CPC, criando
uma espécie de "distribuição por dependência" na hipótese de
extinção do processo por abandono do autor. Buscou-se, basi­
camente, evitar a escolha do juiz pelo autor por meio do con­
secutivo ingresso de ações idênticas até obter um juiz de sua
preferência133. E em 2006 (Lei n. 11.280) foi ainda mais longe,
modificando a redação do art. 253, II, do CPC, determinando
que todas as espécies de extinção sem resolução do mérito gerem
a distribuição por dependência prevista pelo dispositivo legal
A idéia de que a prova emprestada necessariamente seja
produzida e valorada em dois processos distintos diante do
mesmo juiz em respeito ao juiz natural não se sustenta. São pelo
menos três principais argumentos que demonstram a improprie-
dade da tese: o aproveitamento dos atos praticados por juízo
incompetente, mesmo quando se tratar de incompetência abso­
luta no que tange aos atos que não sejam decisórios — os pro­
batórios incluídos; a possibilidade de a prova ser produzida por

133Pàra uma análise exaustiva do tema, consultar Daniel Amorim Assumpção


Neves, Nova reforma processual civil/ cit., p. 69-92.

111
juízo que não seja o natural nas hipóteses de prova produzida
por carta precatória ou rogatória; a natureza de prova documen­
tal que a prova emprestada adquire.
A primeira justificativa é gerada pelo respeito ao princípio
da economia processual, que deverá nortear todo o estudo de
nosso sistema de nulidades, de modo a prestigiar a instrumen­
talidade das formas. Para fazer essa análise, dividir-se-á a ques­
tão em duas partes: atos probatórios práticos por juízos relativa
e absolutamente incompetentes, embora a conclusão seja idên­
tica para ambos os casos.
No tocante à questão da incompetência relativa, mostra-se,
com ainda maior intensidade, a inaplicabilidade da exigência de
ser o mesmo juiz aquele que produz a prova e aquele que vai
somente utilizá-la em seu convencimento. À falta de norma ex­
pressa sobre o tema e ao interpretar-se o fenômeno à luz do art.
113, § 2Q, do CPC, a doutrina e a jurisprudência vêm, de manei­
ra uníssona, entendendo que os atos praticados pelo juízo rela­
tivamente incompetente — reconhecido pelo acolhimento da
exceção interposta pelo réu — são absolutamente válidos e devem
ser plenamente aproveitados perante o juízo competente134. Sob
esse aspecto, portanto, não teria qualquer razoabilidade impedir
o empréstimo da prova sob o argumento de incompetência rela­
tiva do juízo perante o qual ocorreu sua produção.
Ao se tratar de incompetência absoluta, a questão é facil­
mente solucionada com a aplicação ao caso do art. 113, § 2a,
do CPC, indicativo de que, no caso de ser reconhecida a incom­
petência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos de
pleno direito, o que leva à conclusão de que atos de outras na­
turezas praticados no processo serão mantidos, como os atos
postulatórios — petição inicial, contestação etc. — e os proba­
tórios. O legislador aplicou, nessa hipótese, a regra da propor­
cionalidade para solucionar o evidente conflito entre dois prin­
cípios processuais: nulidade absoluta versus economia proces-

134 Por todos Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 75.

112
suai135. Se o próprio texto legal indica a validade dos atos pro­
batórios praticados, não se percebe qualquer problema no em­
préstimo da prova, inclusive na hipótese de incompetência ab­
soluta do juízo no qual houve a produção probatória.
Outro aspecto que deve ser levado em conta para afastar o
respeito ao princípio do juiz natural como elemento essencial
para o empréstimo da prova é a circunstância de ser absoluta­
mente legítima a prova produzida em outro juízo, em razão das
limitações que o juiz encontra para exercer validamente sua
função jurisdicional. Em virtude do princípio da aderência ao
território — ou territorialidade —, sendo necessária a prática de
um ato probatório fora da comarca ou da seção judiciária à qual
o juiz pertence e na qual exerce suas funções, estará obrigado
a requerer auxílio de outro juízo, por meio da carta precatória
ou rogatória. Nessa hipótese, não será o juiz natural aquele a
produzir a prova, mas nem por isso a prova produzida pelo ju­
ízo deprecado conterá qualquer espécie de vício. O mesmo se
poderá dizer da prova emprestada.
Por fim, contribui para este debate a forma material que
adquire a prova produzida em determinado processo a ser tras­
ladado a outro. Conforme será demonstrado no tópico seguinte,
qualquer que seja o meio pela qual a prova foi produzida, para
que seja validamente trasladada desse processo para outro, to­
mará a forma documental, de maneira que ingressará no pro­
cesso em que não foi produzida sob a forma de prova documen­
tada. Assim, é correto afirmar que a prova emprestada é forma
de prova pré-constituída, o que, por si só, afastaria qualquer
exigência de ter sido formada pelo "juiz natural".

135Antônio Dall'Agnol, Comentários ao Código de Processo Civil. São F^ulo:


Revista dos Tribunais, 2000, v. II, p. 64-65, fala em aplicação de princípio
mais conhecido entre os civilístas, denominado princípio da redução do
nulo, e Eduardo Talamini, "Prova emprestada no processo civil e penal",
cit., p. 100, aponta a preservação do princípio da economia processual.
Expressamente pela manutenção dos atos instrutórios, as lições de Arruda
Alvim, Manual de direito processual civil/ cit., p. 356.

113
Ao demonstrar a total inadequação da exigência de ser o
mesmo juiz aquele que produz a prova e aquele que a recebe de
forma emprestada, sob a equivocada justificativa de respeito ao
princípio do juiz natural, a prova emprestada será admitida qual­
quer que tenha sido o juiz que a produziu. Nesse aspecto, mais
uma semelhança com a prova produzida antecipadamente por
meio do processo cautelar, que também terá plena validade, in­
dependentemente da competência ou não do juiz que a produziu
com relação às regras de competência do processo principal.

5. ATIPICIDADE DA PROVA EMPRESTADA


A doutrina que tradicionalmente se debruçou sobre o tema
da prova emprestada sempre limitou sua existência às provas
causais ou, mais precisamente, àquelas que são formadas duran­
te o próprio processo. Provas pré-constituídas nunca poderão ser
objeto de empréstimo de um processo a outro, pois faltaria até
mesmo justificativa lógica para tanto: caso se trate de prova que
já existe antes mesmo do processo, bastaria juntá-la também ao
novo processo sem a necessidade de seu empréstimo. A prova
documental — pré-constituída por excelência — não necessita
ser emprestada de um processo a outro; basta que a parte apre­
sente tal documento, ou cópia deste, em ambos os processos.
Nas corretas palavras de Ovídio A. Baptista da Silva136,

m Cf. Curso de processo civil/ cit., p. 360. No mesmo sentido, Moacyr Amaral
Santos, Prova judiciária no cível e comercial/ cit., p. 309; Cândido Rangel
Dinamarco, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 97. O direito
português é expresso a respeito, ao indicar a exclusividade dos "depoimentos
e arbitramentos produzidos num processo", segundo disposição do art. 522°
do CPC. Para José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, cit., v.
II, p. 41 7, "o preceito respeita tão-só à prova constituenda", enquanto a "pro­
va pré-constituída admitida em determinado processo, pode, em princípio,
ser, sem problema, também proposta em outro processo, sem prejuízo da
reforma de documentos". A excluir, expressamente, a prova documental do
âmbito da prova emprestada, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil
anotado, citv p. 344, e Wanda Ferraz de Brito, Fernando Luso Soares e Du­
arte Romeira de Mesquita, Código de Processo Civil anotado, cit., p. 446.

114
"consideram-se emprestadas apenas as provas causais, e não
as preconstituídas porventura já utilizadas em processo
anterior. Quanto a estas últimas, seu valor probatório será
sempre o mesmo, qualquer que seja a natureza do processo
em que elas se produzam, independentemente do número
de vezes em que isto aconteça. Uma escritura pública, ou
mesmo um documento particular, ainda que já empregada
como prova em processo anterior, não será considerada
prova emprestada quando novamente for produzida em
processo subseqüente — apenas aquelas provas formadas
no curso do processo anterior serão assim consideradas,
quando utilizadas novamente num segundo processo".

A prova constituída — ou produzida — durante o próprio


processo, como a testemunhai e a pericial, será a espécie de
prova apta a ser trasladada de um processo a outro. Questão
interessante surge justamente no tocante à forma pela qual o
traslado deverá realizar-se. Não resta dúvida de que a prova
constituída em determinado processo deverá ser materializada
por meio de documentação. Dessa forma, a oitiva de uma tes­
temunha constará da ata de audiência, enquanto o trabalho
pericial constará de um laudo pericial Ao falar em prova em­
prestada, será justamente a cópia dessa documentação da prova
já produzida que será encaminhada a outro processo, de ma­
neira que é absolutamente correto concluir que a prova empres­
tada ingressa no processo sob a forma documental137.

]i7 Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito proces­


sual civil/ cit., v. III, p. 97, para quem as provas emprestadas "são traslados
da documentação da prova constituída em outro processo de natureza ju­
risdicional". A reconhecer a forma documental da prova emprestada, Moacyr
Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial/ cit., p. 3Ó7-308; José
Carlos Barbosa Moreira, "Observaciones sobre las Mamadas pruebas atípi­
cas", cit., p. 50; Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil/ cit., p.
360; Antonio de Araújo Cintra, Comentários ao Código de Processo Civil/
cit., p. 14; Jorge Fabrega, Teoria general de la prueba, cit., p. 312; Hernan-
do Devis Echandía, Teoria general de la prueba judicial/ cit., p. 367; Giuseppe
Tarzia, "Problemi del contradditorio nell'istruzione probatoria civile", cit.,
p. 643; Bruno Cavallone, "Critica delia teoria delle prove atipiche". Rivista
di Diritto Processuale. Milano: Giuffrè, n. 1978, p. 693-694.

115
Não se trata, naturalmente, de prova documental tradicional,
conforme as que constam do rol dos meios de prova previsto
pelo Código de Processo Civil (arts. 364-399), mas não há equí­
voco em entender que, sob o aspecto formal, a prova empresta­
da é espécie de prova documental e deve observar as regras
desta no processo que a recebe de forma emprestada. O que as
diferencia, entretanto, é que, apesar da forma documental, a
prova emprestada não terá a eficácia probatória típica da prova
documental, mantendo a potencialidade de assumir a mesma
eficácia probatória que teve no processo em que foi produzida.
Nesses termos, caso a prova emprestada seja uma prova teste­
munhai, haverá juntada de documento ao novo processo — có­
pia da ata de audiência —, mas essa prova será valorada — des­
de que sejam respeitados os requisitos já analisados — como
prova testemunhai.
Dessa maneira, não se pode falar, propriamente, que a
prova emprestada seja da mesma natureza daquela que foi pro­
duzida originariamente, tampouco se pode afirmar que se trata
de prova documental; embora o seja formalmente, manterá a
eficácia probatória original, por tratar-se de prova documentada.
Segundo a correta observação de Eduardo Talamini138, "é tal
diversidade que confere à prova emprestada regime jurídico
específico — o qual não se identifica com o da prova documen­
tal nem com o da prova que se emprestou, em sua essência de
origem". A doutrina italiana, tradicionalmente, inclui a prova
produzida em outro processo — prova que a doutrina nacional
convencionou chamar de emprestada — entre as provas atípicas,

1!BCf. "Prova no processo civil e penal", cit., p. 94. A apontar para a atipidda-
de da prova as lições de Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito
processual civil/ cit., v. III, p. 94; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. 5 ,1.1, p. 177-1 78. Em sentido contrário, Alexandre Freitas
Câmara, Lições de direito processual civil, cit., v. I, p. 408: "A prova empres­
tada terá de ser valorada como se fosse uma prova documental, o que nos
leva a crer, ao contrário do que é afirmado por alguns autores, não se trata
de uma prova atípica, mas de uma manifestação da prova documental".

116
justamente por não ter procedimento idêntico com nenhuma
dos meios de prova previstos no ordenamento processual139.
Registre-se que o mesmo fenômeno se verifica com a prova
produzida antecipadamente, que, apesar de ingressar sob a
forma de prova documental no processo principal, guarda sua
eficácia probatória originária. Sérgio Sahione Fadei140, ao criticar
o entendimento de Pontes de Miranda segundo o qual a eficácia
da sentença constitutiva da prova é documental, afirma que

"o depoimento é prova oral e o fato de se o ter colhido por


antecipação não o torna, desenganadamente, documento.
E o exame é prova pericial, que também não se transmuda
em documento ao ser escrito o laudo. O valor, portanto, de
um ou outro é valor de prova oral e de prova pericial. Nun­
ca, de documental".

Apesar de atípica, a prova emprestada, sob o aspecto formal,


ingressa no processo sob a forma documental, de maneira que
a ela deve ser aplicado o procedimento probatório destinado às
provas pré-constituídas. Não será possível exigir, no caso, a
sucessão das fases constantes do procedimento probatório: pro-
positura; admissibilidade; produção e valoração. A prova em­
prestada, entendida sob o aspecto formal como documental, já
é formada anteriormente ao processo, de maneira que, após seu

135Parece ser esse o entendimento amplamente majoritário: Gian Franco Ricci,


Le prove atipiche, cit., p. 48 e ss.; Gíuseppe Tarzia, "Problemi del con-
tradditorio nelTístruzione probatoria civile", cit., p. 638-643; MicheleTaru-
ffo, "Prove atipiche e convincimento del giudice". Rivista di Diritto Proces­
suale. Milano, Giuffrè, 1973, p. 403-409; Mario Conte, Le prove nel proces­
so civile. Milano: Giuffrè, 2002, p. 354-357. Em sentido contrário, os ensi­
namentos de Bruno Cavallone, "Critica delia teoria delle prove atipiche",
cit., p. 695-696, a discordar da doutrina majoritária ao afirmar que a prova
emprestada não é uma fonte de prova atípica, tampouco um modo atípico
de aquisição de prova.
l40Cf. Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1035. No mesmo sentido,
Humberto Theodoro jr., Processo cautelar/ cit., p. 292-293, e Luiz Orione
Neto, Processo cautelar/ cit., p. 347.

117
ingresso no processo, a parte contrária deverá ser intimada para
manifestar-se a respeito da admissibilidade da prova e de seu
valor probatório. Isso significa dizer que haverá uma inversão
das fases do procedimento probatório; primeiro a análise da
admissibilidade com ampla participação das partes — contradi­
tório — , e, uma vez admitida prova já produzida, a análise a
respeito de seu conteúdo para fins de convencimento do juiz
— vaíoração141.
Falou-se muito a respeito do princípio do contraditório no
tocante à prova emprestada, sobre o qual aponta a doutrina ora
para a identidade plena de partes no processo em que a prova
foi produzida e naquele em que foi recebida, ora para a identi­
dade da parte contra a qual a prova será oposta. Deve-se atentar,
entretanto, ao fato de que o princípio do contraditório também
deverá ser observado no processo que receberá a prova produ­
zida anteriormente em outro processo, por meio da observação
das regras referentes à garantia desse princípio no tocante à
prova documental. Como a forma da prova emprestada será
sempre a documental, seu ingresso nos autos seguirá, basica­
mente, as regras procedimentais previstas para esse meio de
prova, em especial aquelas garantidoras do contraditório.
Assim sendo, caso a prova emprestada já exista à época da
propositura da demanda judicial, o autor deverá juntá-la à peti­
ção inicial, enquanto o réu deverá fazer o mesmo na contestação.
Como nem sempre será possível a juntada nesse momento, até

141Para Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit.,


v. III, p. 583: "a fonte probatória já é produzida nos autos com o ato de sua
propositura; o jufzo.de sua admissibilidade vem depois disso, podendo o
documento ali permanecer ou ser desentranhado; a vaíoração da eficácia
probatória será feita pelo juiz, como sempre, no momento de julgar", opinião
similar à de Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil/ cit., p. 384,
para quem há "uma fusão entre o momento de sua proposição e o de sua
produção nos autos". Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil,
cit., p. 213: "Esto supone que la prueba documental es la única que puede
practicarse ya en el momento de la presentación de la demanda y de la
contestación o, si se prefiere, que no tiene verdadera práctica".

118
porque a prova poderá ser produzida somente após o momento
inicia! da demanda que a receberá de forma emprestada, a pos­
sibilidade de juntada da prova a qualquer momento do proces­
so em que ainda seja possível a discussão a respeito da matéria
fática —, o que não se admite durante a fase recursal extraordi­
nária — é bastante ampla, desde que não existisse tal prova no
momento inicial da demanda. Além dessa hipótese, o art. 397
do CPC excepciona a regra criada no artigo antecedente quando
os documentos se destinarem a fazer prova de fatos supervenien­
tes ou para contrapô-los a outros documentos juntados pela
parte contrária.
Na realidade, como é bem observado pela melhor doutrina
nacional, a praxe forense vem demonstrando ser bem mais fle­
xível a regra prevista no art. 396 do CPC, a permitir a juntada
extemporânea de documentos ainda que fora das hipóteses
descritas pelo art. 397 do CPC, em prática que encontra severa
crítica de parcela minoritária da doutrina, a qual entende que
tal abertura quanto ao momento da apresentação do documen­
to em juízo contribui para a criação de tumultos procedimentais,
que resultam em maior morosidade na entrega da prestação
jurisdicional142.
A jurisprudência e parcela da doutrina exigem tão-somen-
te o preenchimento de dois requisitos para que seja admitida a
juntada extemporânea da prova documental: inexistência de
malícia ou de má-fé da parte e compatibilidade procedimental
para sua apresentação em juízo. A juntada tardia de documento
ao processo não pode mostrar-se fruto de manobra da parte para
surpreender a parte contrária. Caso entenda que a juntada ocor­

142Com críticas à tolerância verificada na praxe forense, as lições de João


Batista Lopes, A prova no direito processual civil/ cit., p. 108; Fábio Tabosa,
Código de Processo Civil interpretado, cit./ p. 1216. Em sentido contrário/
a defender a flexibilidade da norma em respeito à verdade possível, desde
que sejam observados determinados requisitos, o entendimento de Cândido
Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 582,
e Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 421.

119
reu em momento tardio em virtude de conduta eivada de má-fé
e de deslealdade processual, o juiz deverá determinar o desentra-
nhamento da prova, que não será utilizada em seu convencimen­
to. O mesmo ocorrerá se, em razão do estado procedimental do
processo, for inviável a juntada de novo documento (e. g., o pro­
cesso estar em fase de julgamento de recurso especial ou de re­
curso extraordinário, em que a matéria fática não é devolvida por
tais recursos aos tribunais competentes para seu julgamento)143.
No direito português, além de norma muito similar — e
mais antiga — a nosso art. 397 do CPC, que regula a apresenta­
ção em momento posterior (art. 524°, CPC), existe expressa pre­
visão a permitir maior flexibilização do momento de apresentação
do documento. Embora o art. 523°. 1contenha norma idêntica, em
seu conteúdo, à do art. 396 do nosso estatuto processual, há, no
mesmo artigo, indicação de que tal exigência não se mostra
peremptória, embora seu descumprimento puro e simples gere
uma sanção à parte: "Art. 523C.2: Se não forem apresentados
com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresen­
tados até ao encerramento da discussão em I a instância, mas a
parte será condenada em multa, excepto se provas que os não

143A lembrar os dois requisitos, Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de


direito processual civil, cit., v. III, p. 582; Vicente Greco Filho. Direito pro­
cessual civil brasileiro, 14. ed. São Pãulo: Saraiva, 2000. v. 2, p. 215; Nelson
Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comenta­
do. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 751. A ressaltar o as­
pecto da inexistência de má-fé da parte, Moacyr Amaral Santos, Prova judi­
ciária no cível e comercial, cit., v. IV, p. 396; joão Batista Lopes, A prova no
direito processual civil, cit., p. 108; Humberto Theodoro jr., Curso de direi­
to processual civil, cit., p. 421. Na Espanha, parte da doutrina entende que
a exigência de produção da prova documental no início da demanda deri­
va do respeito ao princípio da igualdade das partes, considerando que a
juntada tardia de documento aos autos poderia gerar inadequada surpresa
à parte contrária. Por todos, Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso
civil, cit., p. 212, e Vicente Gimeno Sendra, Derecho procesal civil — el
proceso de declaración. Parte general. Madrid: Colex, 2004, p. 453. No
mesmo sentido, no direito argentino, conforme lições de Lino Enrique Ra­
lado, Manual de derecho procesal civil, cit., p. 355-356.

120
pôde oferecer com o articulado". A doutrina encarrega-se de
expandir ainda mais a aplicação da norma legal, ao indicar
inúmeras situações em que, mesmo após a discussão em primei­
ra instância — fase correspondente a nossa fase instrutória —,
será possível a juntada de documentos aos autos144.
No direito espanhol, a produção da prova documental no
primeiro ato postulatório das partes no processo — petição ini­
cial e contestação — também é a regra, estabelecida pelo art.
( 270.1, da Ley de Enjuiciamiento Civil. Esse mesmo dispositivo
legal que apresenta a regra também dispõe sobre a exceção ao
seu cumprimento: "a) impossibilidade de obter ou produzir a
prova no momento inicial (270.1.1Q); b) desconhecimento prévio
de sua existência (art. 270.1.2Ü); c) impossibilidade alheia à
vontade da parte (art. 270.1.3a). O procedimento espanhol pa­
rece ser mais rígido do que o português, determinando uma
precíusão definitiva de apresentação de documento após o en-
i cerramento da fase instrutória, com exceção das hipóteses em
que o juiz converte o julgamento em diligência e da juntada de
"Ias sentencias o resoluciones judiciales o de autoridad admi­
nistrativa, dictadas o notificadas em fecha no anterior al momen-
I to de formular Ias conclusiones" (art. 271 ),4Í>.
Uma análise do direito comparado com os países ibéricos
mostra que, nesses países, vale regra muito similar à do direito
brasileiro e, invariavelmente, pelas mesmas justificativas: exige-
I
j

! 144Nesse sentido as lições de José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil


anotado, cit., p. 424-425; Miguel Teixeira de Souza, Estudos sobre o novo
processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 326-327.
145A defender um sistema mais preclusivo, Antonio Diáz Fuentes, La prueba
en la nueva ley de enjuiciamiento civil/ cit., p. 176: "El incumplimiento del
deber de presentación acarrea la preclusión documental, que no permite la
aportación posterior de los documentos omitidos, pero no estorba la pro-
posición de otras pruebas"; juan Montero Aroca, La prueba en el proceso
civil, cit., p. 210, critica algumas decisões do Tribunal Supremo fundadas
em "el creciente sentido espiritualista de Ias normas procesales en aras del
principio de eficacia"; Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho procesal
civil. 5. ed. Madrid: Civitas, 2002, t. I, p. 428-429.

121 -
se a juntada de documentos já no início da demanda judicial
para que a parte contrária já tenha, desde o início, conhecimen­
to da prova documental que em tese poderá prejudicá-la. A regra,
entretanto, encontra exceções, em especial nas hipóteses de
fatos supervenientes, nas hipóteses em que a parte não pode
produzir a prova documental no momento indicado pela lei,
como no caso de desconhecimento de sua existência ou mesmo
de ignorância quanto à sua importância para o deslinde da cau­
sa, bem como para servir de contraprova a documento juntado
pela parte contrária146.
A questão a respeito do momento em que a prova docu­
mental deverá ser juntada aos autos naturalmente também se
aplica à prova emprestada, conforme já verificado. Nesse parti­
cular, percebe-se mais um ponto de contato entre a prova em­
prestada e a prova produzida antecipadamente em processo
cautelar autônomo, considerando que, nessa segunda espécie
de ação, a juntada da prova com a petição inicial do processo
de conhecimento — e em situações mais raras até mesmo com
a contestação pelo réu — é a forma mais tradicional de juntada
de tal prova aos autos, levando em conta que o processo prin­
cipal, invariavelmente, só terá seu início após a conclusão do
processo cautelar. Na improvável existência simultânea dos dois
processos, situação gerada pelo ingresso do processo principal
enquanto ainda estiver pendente o processo cautelar probatório,
a regra do art. 396 do CPC, naturalmente, será afastada, permi-
tindo-se a juntada da prova após o momento inicial do processo,
mais precisamente quando for devidamente concluída no pro­
cesso cautelar de produção antecipada de prova.
Ao superar a questão do momento em que a prova docu­
mentada — inclusive a prova emprestada, da qual é espécie a

146No direito uruguaio, a regra está estabelecida no art. 118.1, enquanto as


exceções vêm tratadas no art. 118.3, ambos do Código General del Proceso.
No direito argentino, a regra vem estabelecida pelo art. 333 e as exceções
previstas pelo art. 335, ambos do Código Procesal Civil y Comercial de la
Nación.

122
prova produzida antecipadamente por meio de p r o c e s s o autô­
nomo cautelar — deve ser juntada aos autos, resta analisar outro
dispositivo legal referente ao procedimento probatório desse
meio de prova. É essencial o respeito ao art. 398 do CPC, que
determina que, sempre que uma das partes requerer a juntada
de documento ao processo, o juiz ouvirá, no prazo de cinco
dias, a parte contrária. Essa é a expressão máxima do princípio
do contraditório no tocante à produção da prova documentada,
regra plenamente aplicável à prova emprestada, conforme des­
taca a doutrina que já tratou do tema147.
A oitiva da parte contrária permitirá sua manifestação a
respeito de dois aspectos principais com relação à prova docu­
mentada produzida e utilizada de forma emprestada: (i) indaga­
ções a respeito do preenchimento de requisitos formais neces­
sários a permitir sua devida juntada ao processo, ou seja, requi­
sitos que, uma vez preenchidos, impeçam seu desentranhamen-
to, de modo a permitir que a prova emprestada sirva ao juiz
como meio de formação de seu convencimento — admissibili­
dade da prova; (ii) indagações a respeito de seu conteúdo, ou
seja, argüições que digam respeito à carga probatória da prova
admitida no processo — vaíoração.
Para parcela significativa da doutrina, no tocante à admis­
sibilidade da prova emprestada, poderá a parte contrária levan­
tar a questão concernente ao respeito ao princípio do contradi­
tório na produção da prova, aspecto já exaustivamente enfren­
tado. Seria nesse momento, portanto, que a parte alegaria
afronta ao contraditório ao afirmar não ter tido oportunidade de

147A afirmar que o respeito ao contraditório exige a intimação e a oportunida­


de de reação da parte contrária, Nelson Nery Jr., Princípios do processo
civil na Constituição Federa!'/cit./ p. 152: "De todo modo aos litigantes deve
ser dada oportunidade de discutir a prova emprestada, interpretando-a e
deduzindo suas observações para o fim que o novo processo almeja, qual­
quer que tenha sido o resultado do processo originário". Ainda Eduardo
Talamini, "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 102, e An-
tonio Carlos de Araújo Cintra/ Comentários ao Código de Processo Civil,
cit., p. 14.

123
participar da formação da prova, de modo que esta seria, por­
tanto, inadmissível nesse segundo processo. A divergência en­
contrada na doutrina diz respeito à espécie de vício gerado pela
inobservância do contraditório no primeiro processo, sobre o
que há opiniões a situarem tal prova em diferentes planos versos
no tocante ao seu vício.
Existe corrente doutrinária a defender que o desrespeito ao
princípio do contraditório torna a prova emprestada algo que
não tem condições mínimas de ser reconhecido pelo direito
como prova no processo que a receberia de forma emprestada.
Seria uma não-prova, por não cumprir os requisitos mínimos de
sua formação; somente aparentaria ser prova, mas, na realidade,
tratar-se-ia de prova juridicamente inexistente. Essa corrente
doutrinária entende, inclusive, que a aceitação de tal prova e a
prolação de sentença fundada nessa prova emprestada gera uma
decisão juridicamente inexistente, portadora de vício que não
se convalida e que pode ser alegado a qualquer momento por
meio de ação declaratória de inexistência de ato jurídico149. Ao
considerar que a ausência de contraditório gera o mais grave dos
vícios, evidentemente essa corrente doutrinária não admite a
prova emprestada sem a observância de tal princípio.
A reconhecer a existência da prova emprestada produzida em
afronta ao contraditório — entendida como ausência da parte con­
tra quem será oposta a prova no processo em que foi ela produzi­
da —, existem doutrinadores que situam o vício na esfera da eficá­
cia da prova em outro processo. Rarece que, nesse caso, os doutri­
nadores não admitem a própria produção da prova emprestada em
razão de sua absoluta ineficácia, o que é, portanto, fator que leva­
rá a sua inadmissibilidade149. Além de não se concordar com a idéia

148Assim Ada Pellegrini Grinover, "Prova emprestada", cit., p. 113-114; Eduardo


Talamini, "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 104-105.
149Nesse sentido, a falarem ineficácia, Cândido Rangel Dinamarco/Instituições
de direito processual civil, cit., v. III, p. 98; Ovídio Baptista da Silva, Curso
de processo civil/ cit., p. 360; Eduardo j. Couture, Fundamentos do direito
processual civil/ cit., p. 176; Arazi Roland, La prpeba en el proceso civil, cit.,

124
de plena ineficácia, mesmo que se adote tal entendimento, não se
tratará de matéria a impedir a admissibilidade da prova. Ao enten­
der a eficácia como condições de gerar efeitos e por ser o efeito
principal da prova o convencimento do juiz a respeito da matéria
fática, a questão deve ser resolvida na fase de valoração, não na de
admissibilidade. Dessa forma, a prova emprestada deverá ser ad­
mitida, ainda que não tenha condições de gerar o efeito programa­
do para todas as provas, qual seja, convencer o juiz.
Evidentemente, para os doutrinadores que defendem a
plena ineficácia da prova emprestada produzida em desrespeito
ao contraditório, do ponto de vista prático pouca relevância terá
a distinção feita entre admissibilidade e valoração. Ao conside­
rar a prova inadmissível, será determinado seu desentranhamen-
to, de modo que é óbvia a conclusão de que o juiz não a utili­
zará para formar seu convencimento no momento em que
proferir a sentença, já ao considerar questão a ser resolvida so­
mente na valoração da prova, a prova emprestada continuará
nos autos, mas, da mesma forma em que ocorreria se tivesse sido
desentranhada, o juiz não a considerará na formação de seu
convencimento ao sentenciar a demanda. Nos dois casos, mos-
tra-se que a prova emprestada não teve qualquer serventia à
parte que dela pretendeu utilizar-se.
Apesar dessa identidade de resultados ao considerar a pro­
va emprestada absolutamente ineficaz não admitida e admitida,
mas entendida como inapta a formar o convencimento do juiz,
a distinção é essencialmente importante, mesmo porque não se
concorda com a opinião dos doutrinadores que entendem pela
absoluta ineficácia da prova. Nesse caso, é melhor entender que

p. 130. Rara Giuseppe Tarzia, "Problemi del contraddittorio nelTistruzione


probatoria civile", cit., p. 642-643, trata-se de prova inadmissível. No mes­
mo sentido, Mario Conte, Le prove nel processo civile/ cit., p. 355, lembra
que "1'esistenza di obiettive problematiche di merito non ha, ad ogni modo,
scoraggiato la giurisprudenza, ormai pacificamente orientata nel ritenere
che, in mancanza di un esplicito divieto di legge, il giudice sia libero di
utilizzare, per la formazione del suo convinvimento, anche prove raccolte
in un diverso processo svoltosi tra le stesse parti o tra altri soggetti".

125
— ressaltada a idéia de que eficácia deve ser vista como condi­
ções de gerar efeitos — a afronta ao princípio do contraditório
não gera, por si só, a ineficácia absoluta da prova emprestada,
em especial na hipótese de ser impossível sua repetição (e. g.,
testemunha que já faleceu, perícia em objeto que já pereceu).
Ao ser envolvida, nessa hipótese, a obtenção da verdade possí­
vel, que, conforme foi anteriormente visto, representa um refle­
xo do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, não
parece correto excluir a priori qualquer valor probatório que a
prova emprestada apresente.
A doutrina italiana, embora se mostre bastante relutante
nesse tocante, informa que a jurisprudência pacífica daquele país
aceita a prova emprestada mesmo quando produzida entre partes
diferentes, desde que, no processo em que a prova é recebida,
sejam ofertadas às partes condições de se manifestarem sobre a
prova. Discute-se muito a respeito do valor que tal prova teria no
novo processo, considerando que o desrespeito ao princípio do
contraditório não permite que tenha a mesma carga probatória
do processo em que foi produzida. Dessa forma, fala-se que a
prova será utilizada como mera presunção, ou ainda como mero
indício, embora sejam fenômenos diferentes e absolutamente
inconfundíveis. O ponto de maior interesse é que a jurisprudên­
cia italiana, ainda que tente empregar a essa prova uma carga
valorativa inferior, acredita que o juiz possa perfeitamente formar
todo o seu convencimento fundando-se somente na presunção
— ou indício — em virtude do princípio da persuasão racional
do juiz. A conclusão é a de que, apesar de indicar carga valora­
tiva inferior, ainda assim a prova emprestada que desrespeita o
contraditório será apta a fundamentar a decisão do juiz.
Na doutrina nacional, há autores que defendem entendimen­
to bastante similar ao acolhido na jurisprudência italiana. Dentre
eles, destaca-se Moacyr Amaral Santos150, certamente o maior
especialidade no tema probatório em nosso país, para quem

150 Cf. Prova judiciária no cível e comercial, cit., v. I, p. 309. José Frederico
Marques, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 353, afirma

126
"a prova emprestada, como todas as espécies de provas, é
sujeita à avaliação e vale pelo poder de convencimento que
carrega. Tanto poderá, por si só, convencer, como poderá
cooperar no convencimento, quando mais não seja, pelo
seu simples valor argumentai, como ainda poderá ser con­
siderada inteiramente ineficiente, tudo dependendo das
condições objetivas e subjetivas que apresenta, das partes
nela interessadas, do caráter do fato probando, da natureza
do processo, enfim das circunstâncias que influem na ava­
liação e estimação das provas".

Isso significa dizer que a questão do contraditório deve ser


levada em conta no momento da valoração da prova, jamais no
de sua admissibilidade. Em regra, o desrespeito ao contraditório
retiraria da prova qualquer força probatória que pudesse ter, mas
propugnar pela ineficácia da prova em toda e qualquer circuns­
tância constitui postura radical que deve ser evitada. O radica­
lismo deve ceder nas hipóteses em que a prova não mais pode­
rá ser produzida e em que a obtenção da verdade possível de­
penda da prova emprestada, circunstância na qual haverá nítido
conflito de princípios: inafastabilidade da tutela jurisdicional
versus contraditório. Nesses casos, qualquer decisão apriorística
deve ser afastada, cabendo ao juiz, no caso concreto, resolver
a respeito da carga valorativa da prova emprestada ao aplicar a
regra da proporcionalidade151.

que, "se a prova foi colhida sem a participação da parte contra quem deva
operar, mínimo ou quase nenhum tem de ser o seu valor", enquanto Luiz
Fux, Curso de direito processual civil/ cit., p. 700, entende que "a prova
emprestada, sem esse contraditório, tem valor relativo".
151Já se havia manifestado acertadamente nesse sentido, embora um tanto
contraditório com a defesa da inexistência jurídica da prova, Eduardo Tala-
mini, "Prova emprestada no processo civil e penal", cit., p. 112: "A única
solução concebível será a aplicação do princípio da proporcionalidade. Tais
valores (e também os que estão em jogo nos próprios pólos da situação
controvertida, objeto do processo), terão de ser ponderados de modo a se
verificar quai‘s dentre eles são os mais urgentes e fundamentais, no caso
cencreto".

127
Essas considerações formuladas no tocante à prova empres­
tada podem, perfeitamente, ser aproveitadas quanto a prova
produzida antecipadamente por meio de processo cautelar au­
tônomo, ainda que o respeito ao contraditório não seja um
problema tão sensível nessa espécie de prova emprestada devi­
do à invariável identidade de partes do processo cautelar e do
processo principal De qualquer forma, ainda que seja mais rara
tal situação no campo das cautelares probatórias, o entendimen­
to continua a ser aplicado, não se devendo colocar o contradi­
tório sobre um pedestal e afirmar que em absolutamente todas
as situações o desrespeito a ele faça resultar uma prova juridi­
camente inexistente ou absolutamente ineficaz.
Quanto a esse entendimento, vale a lúcida transcrição de
lição de José Carlos Barbosa Moreira152, em artigo específico
sobre o tema do princípio do contraditório na atividade instru-
tória:

"O que cabe assinalar — e a observação tem o sabor do


óbvio — é que os princípios informativos do processo não
são, como tais, absolutos. Incidiria em grave erro metodo­
lógico quem pretendesse construir por via dedutiva, a
partir de qualquer deles, um sistema processual completo
e fechado, que se desdobrasse em rígido encadeamento
lógico até as últimas conseqüências. O princípio do con­
traditório expressa valores dignos da maior reverência; mas
não é pouco freqüente, no direito processual — e no direi­
to tout court — que primeiro o legislador, e depois o intér­
prete e o aplicador da lei se defrontem com situações em
que a um valor se contrapõe outro também merecedor de
tutela, e se vejam na impossibilidade de conciliá-los de tal
modo que nenhum deles sofra o mínimo detrimento. Impõe-
se, nesses casos, uma opção, que há de ser guiada pela
regra do 'mal menor'. Acentuamos oportunamente que o

'^Cf. "A garantia do contraditório na atividade de instrução". Revista de Pro­


cesso, São Pâulo, RT, n. 35, 1984, p. 238.

128
contraditório pode constituir, e em geral constitui, precioso
instrumento de melhor acesso à verdade dos fatos. Se, to­
davia, em circunstâncias particulares, se invertem os termos
da equação, e aquilo que concorria para a realização dos
fins superiores da Justiça passa a representar obstáculos à
respectiva persecução, desprezar esse dado da experiência
seria, a nosso ver, uma forma requintada de apriorismo".

Concorda-se integralmente com as precisas palavras do


processualista carioca, de modo que não são cabíveis soluções
apriorísticas em situações geradas pelo confronto entre contra­
ditório e busca da verdade possível; cabe ao juiz, no caso con­
creto, resolver eventual conflito de princípios ao aplicar a regra
da proporcionalidade.

6. VALORAÇÃO DA PROVA EMPRESTADA E DA PRO ­


VA PRO DUZID A ANTECIPADAMENTE
Na missão de demonstrar as identidades das características
da prova emprestada e da prova produzida antecipadamente por
meio de processo cautelar, passa-se a enfrentar mais um aspec­
to que confirmará a tese ora defendida: a valoração dessas duas
provas.
A doutrina, de forma uníssona, afirma que a prova empres­
tada, apesar de guardar sua eficácia probatória originária, ou
seja, apesar de a forma documental pela qual ingressa no pro­
cesso continuar a ser tratada como o meio de prova originário,
deve enfrentar a nova valoração pelo juiz que a recebe, o qual
não estará, de maneira alguma, adstrito às conclusões a que
chegou o juiz responsável pela produção originária da prova.
Assim, a prova, ainda que seja mantida sua natureza originária,
terá duas valorações absolutamente distintas e autônomas, que
poderão, inclusive, ser divergentes153. Parece natural o juiz que

153Na doutrina nacional, Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e


comercial, cit., v. I, p. 326; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de di­
reito processual civil/ cit., v. I, p. 98-99; Nelson Nery Jr<>Princípios do pro­

129
recebe o traslado da prova não estar obrigado a convencer-se tal
qual o juiz que a formou, até porque, nesse caso, a prova em­
prestada que tivesse convencido o juiz no primeiro processo
funcionaria, no segundo, como prova plena, instituto rejeitado
pela processualística moderna.
A única e excepcional circunstância em que o juiz estaria
obrigado a considerar o fato como verdadeiro seria no caso de
ação declaratória — incidental ou autônoma — de falsidade
documental. Nessa hipótese, a única em que é possível a ação
declaratória de fatos, com o trânsito em julgado da decisão que
resolve o fato de o documento ser ou não falso, o juiz de qualquer
outra demanda estará obrigado a dar o documento como falso
ou verdadeiro. Registre-se, entretanto, não se tratar, nesse caso,
especificamente de prova emprestada, mas sim de fenômeno da
coisa julgada material, que tornará a declaração a respeito da
falsidade do documento imutável e indiscutível. De qualquer
forma, caso a parte junte ao processo a perícia que demonstrou
a falsidade ou a autenticidade do documento, acompanhado da
sentença transitada em julgado, não seria totalmente incorreto
afirmar que a perícia foi utilizada como prova emprestada vin-
culativa do segundo juiz.
Essa absoluta independência valorativa do juiz que recebe
a prova emprestada no que tange à atribuição de sua carga de
convencimento, característica indiscutível do instituto, também
é verificada quanto à atividade valorativa do juiz no processo
principal que recebe prova produzida antecipadamente em
processo cautelar. Não resta qualquer dúvida, para a doutrina

cesso civil na Constituição Federal/ cit., p. 152; João Batista Lopes, A prova
no direito processual civil/ cit., p. 58. Na doutrina estrangeira, Piero Cala-
mandrei, "La sentenza civile come mezzo di prova". Rivista di Diritto Pro­
cessuale. Milano, Giuffrè, 1938, p. 108 e ss.; MicheleTaruffo, "Prove atipi­
che e convincimento del giudice", cit., p. 395-403; Alberto dos Reis, Códi­
go de Processo Civil anotado/ cit., v. III, p. 345-346; Hernando Devis
Echandía, Teoria general de Ia prueba judicial/ cit., p. 369; jorge Fabrega,
Teoria general de Ia prueba, cit., p. 323-324; Roland Arazi, La prueba en el
proceso civil/ cit., p. 131-132.

130
que já enfrentou o tema, de que a vaíoração da prova é tarefa
do juiz do processo principal, que poderá, inclusive, desconsi-
derá-Ia completamente na formação de seu convencimento154.
A eficácia da prova produzida no processo cautelar, portanto,
dependerá do juiz que a recebe já produzida no processo prin­
cipal, de forma que, também no tocante à prova produzida
cautelarmente, o juiz do processo que a recebe será o respon­
sável por sua vaíoração.
É nesse aspecto que fica mais evidente a única diferença
entre a prova emprestada e a prova antecipada, sem que com
isso, entretanto, seja possível afirmar não ser a segunda espécie
da primeira. No caso da prova emprestada, haverá dupla valo-
ração, realizada tanto pelo juiz que a produziu como pelo juiz
que já a recebe produzida, enquanto, na prova antecipada, so­
mente o juiz que já a recebe produzida fará sua vaíoração,
considerando que tal atividade não cabe ao juiz do processo
cautelar, o qual exaure sua função jurisdicional ao produzir a
prova. Ocorre, entretanto, que a atividade desenvolvida pelo
juiz no processo em que a prova foi produzida é absolutamente
irrelevante para os fins de comparação dos dois institutos. O que
interessa nessa análise é justamente a circunstância — e isso é
inegável — de que o juiz que recebe a prova já produzida terá
total liberdade valorativa a seu respeito.
Como se percebe, trata-se de mais uma semelhança evi­
dente entre essas duas espécies de provas atípicas. A vaíoração
do juiz que as formou é absolutamente irrelevante — ou porque
não interessa ao juiz que a recebeu (prova emprestada), ou por­
que nem mesmo chegou a ser realizada no primeiro processo
(prova antecipada) —, de modo a estar o juiz que recebe a pro­
va absolutamente liberado para atribuir a carga de convenci­
mento que entender adequada à prova já anteriormente produ­
zida.

154HumbertoTheodoro Jr., Processo cautelar/ cit., p. 293; Sérgio Sahione Fadei,


Código de Processo Civil comentado/ cit., p. 1034; Ovfdio A. Baptista da
Silva, Do processo cautelar/ cit., p. 374.

131
7. PROVA EMPRESTADA E PRO DUÇÃO ANTECIPADA
DE PROVAS
As considerações feitas neste capítulo demonstram, de
forma inequívoca, que a prova produzida antecipadamente por
meio de processo autônomo cautelar é uma espécie de prova
emprestada, devido à identidade de características dos dois
institutos. São diversos os pontos de contato entre os dois. Na
realidade, todos os pontos analisados demonstram identidade
entre a prova emprestada e a prova antecipada, à exceção da
valoração da prova no processo em que foi formada, o que
ocorre no primeiro caso e não no segundo. Tal diferença, entre­
tanto, conforme já foi amplamente demonstrado, não é apta a
afastar a natureza de prova emprestada da prova produzida
antecipadamente por meio de processo cautelar autônomo.
Essa conclusão é de suma importância em razão da crítica
à doutrina nacional que defende a inadequação do nome "pro­
dução antecipada de provas" e afirma que, na verdade, nessa
espécie de processo não haveria, propriamente, produção de
prova, mas mera asseguração para que a prova possa ser produ­
zida no momento indicado pela legislação. Justamente a natu­
reza de emprestada que tem a prova antecipada permite rumar,
de forma segura, em sentido contrário à quase-total idade da
doutrina nacional em sua injusta crítica ao legislador. Por ser
derivada da confusão entre a produção da prova e a geração de
seus efeitos — o que só ocorrerá na valoração —, a crítica ao
nome legal não se sustenta quando se passa a considerar tal
prova como espécie de prova emprestada.
Como foi visto no presente capítulo, a prova emprestada,
por ser prova documentada, tem forma documental e segue as
regras procedimentais desse meio de prova no processo que a
recebe. Assim, ao juntar aos autos a prova emprestada, a parte
estará propondo e produzindo a prova ao mesmo tempo, em
fenômeno típico do procedimento probatório das provas pré-
constituídas, especialmente a documental. Haverá, portanto,
dois momentos distintos de produção: um no processo originá­
rio em que $ prova surge, por meio de oitiva de testemunha- ,

132 -
realização de perícia etc. e outro no processo que recebe tal
prova em sua forma documental. É possível tal duplicidade em
virtude das diferentes formas que as provas adquirem nesses dois
processos.
O mesmo ocorre com a prova produzida antecipadamente
— pudera, por ser uma espécie de prova emprestada —, não
sendo correto afirmar que a prova objeto da antecipação não é
produzida, mas sim meramente assegurada para que possa ser
produzida no momento adequado do processo principal. Nada
disso corresponde à verdade, o que se demonstra à saciedade
quando se considera que a produção antecipada de prova refe­
riu-se aos meios de prova possíveis de serem produzidos nessa
ação — oral, pericial, inspeção judicial —, enquanto essa mes­
ma prova, pela forma documental que adquire para poder ser
trasladada para o processo principal, virá a ser novamente pro­
duzida nesse processo, no momento em que o traslado for jun­
tado aos autos. Como na prova emprestada, são duas produções
distintas da mesma prova, em razão das diferentes formas que
tal prova adquire nos dois processos.
Com esse pensamento, a divorciar-se, definitivamente, da
equivocada idéia de que a produção da prova confunde-se com
a geração de seus efeitos — uma perícia realizada em juízo
poderá não convencer o juiz, mas nem por isso não terá sido
produzida —, é fácil entender o acerto legislativo ao chamar o
instituto que será analisado no próximo capítulo.

133
Produção antecipada deprovas

1. P R O D U Ç Ã O E A S S E G U R A Ç Ã O DA PR O V A —
IN DEVI DAS CRÍTICAS AO NOME LEGAL
O processo de produção antecipada de provas, previsto pelos
arts. 846 a 848 do CPC, encontra, na doutrina nacional, séria
crítica quanto a sua nomenclatura. Afirma-se que, durante o pro­
cesso cautelar, a produção da prova não é efetivamente produzida,
simplesmente sendo assegurada, quando não puder ser produzida
adequadamente durante a fase norma! para a colheita de provas,
ou seja, a fase probatória do processo de conhecimento. Com base
nessa constatação, Pontes de Miranda sempre preferiu referir-se ao
processo de produção antecipada de prova como um processo em
que se exerce uma "pretensão à segurança da prova"155.
Apesar de chegar a conclusões acertadas, em especial no
tocante a afirmativa de que o juiz do processo cautelar não será
o responsável pela valoração da prova objeto da demanda cau­
telar, tarefa reservada ao juiz da causa principal, o entendimento
parte de uma premissa equivocada — utilizada pela doutrina
majoritária, praticamente uníssona —, que diz respeito às fases
constantes do procedimento probatório, o que justificaria o receio
na manutenção do nome "produção antecipada de provas". Tudo
dependerá do que se deve entender por "produção da prova".
A doutrina nacional que entende ser inadequado o nome
legal, capaz de levar o operador a equívocos práticos, toma por

155Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 253. No mesmo sentido,


a apontar para um processo de asseguração da produção da prova, Humber­
to Theodoro Jr., Processo cautelar/ 1999, p. 291; Carlos Alberto Alvaro de
Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 235; Ovídio A.
Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 358; Victor A. A. Bomfim
Marins, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 276-27£.

134
base preciosa lição do saudoso processualista Moacyr Amaral
Santos, certamente aquele que melhor desenvolveu o tema pro­
batório entre nós. Em entendimento desenvolvido em obra
clássica, o jurista divide o procedimento probatório em três fases:
propositura, admissibilidade e produção, sendo esta última
conceituada como o momento em que a prova produz os seus
efeitos, "momento em que a prova se converte em instrumento
de percepção dos fatos alegados, ou melhor, o momento em que
estes se reproduzem de forma a deixar traços que exteriorizem
a sua existência e o modo de sua existência"156.
Não se pode concordar, nesse ponto, com Moacyr Amaral
Santos, ainda que essa rejeição rume contrariamente ao enten­
dimento de doutrina, praticamente uníssona, que segue contem-
poraneamente suas lições. Tudo leva a crer que o procedimento
probatório seja divido em quatro fases, não somente em três, e
deve atribuir-se à fase de produção da prova uma concepção
um pouco diversa da defendida pela doutrina majoritária. Não
resta grande dúvida quanto à fase de propositura e admissibili­
dade da prova, mas não parece correto que o procedimento se
encerre na produção da prova, pois existe ainda mais uma fase
probatória, essa sim derradeira, sua vaíoração.
Produzir a prova por meio de atuação jurisdicional é, sim­
plesmente, criar a prova no processo, ou seja, realizar a prova
judicialmente, ao colocá-la em contato com o juiz, em algo
próximo ao que Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart
chamam de "formação da prova"157. A perícia, que resulta no

156Cf. Prova judiciária no cível e comercial/ cit., p. 259. A doutrina, de forma


majoritária, segue esse entendimento: Alexandre Freitas Câmara, Lições de
direito processual civil. 9. ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2003, v. I, p. 408;
João Batista Lopes, A prova no direito processual civil/ cit., p. 54; Vicente
Greco Filho, Direito processual civil brasileiro/ cit., p. 191.
157Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código
de Processo Civil/ cit., v. 5, t. I, p. 167: "A produção, em outras palavras,
ocorre quando a prova é admitida no processo em que for utilizada. Antes
disso há o momento da formação da prova, que pode ocorrer fora do pro­
cesso ou em produção antecipada de prova". No direito português, fala-se

135
laudo pericial, é gerado por sua produção; o mesmo ocorre na
oitiva de testemunhas ou partes em juízo. Na verdade, a fase de
produção da prova é dividida em dois momentos distintos: a
preparação e a realização — ou formação. Em um primeiro
momento, as partes e o próprio juiz praticam atos de mera pre­
paração, como a indicação de quesitos e assistentes técnicos ou
o ato de arrolar as testemunhas para a audiência de instrução.
Após ultrapassar com sucesso esse momento, passa-se à fase de
formação, com a efetiva realização do trabalho pericial ou co­
lheita da prova oral158.
Ressalte-se que, nesse momento, somente se trata das pro­
vas que não sejam pré-constituídas, já que, com relação a essa
espécie de prova, até mesmo o procedimento probatório será
diferente, inclusive com modificação da ordem em que as fases
se sucedem. Trata-se apenas dos meios de prova que podem ser
produzidos por meio do processo cautelar de produção anteci­
pada de provas, que, conforme será visto com mais profundida­
de no tópico referente ao objeto dessa espécie de processo, ja­
mais serão provas pré-constituídas.

em produção e assunção da prova, fases posteriores às da proposição e


admissão, conforme lições de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil
anotado, cit., p. 239: "c) Produção da prova: acto das partes, do juiz ou de
terceiros tendentes à formação da prova (interrogatório da parte, depoimen­
to das testemunhas, realização do exame, da vistoria, da avaliação, da
inspecção); d) Assunção da prova: acto pelo qual se incorpora no processo
o material probatório (junção de documentos, de assentada, de carta pre­
catória, de inquiração de testemunhas de testemunhas ou de arbitramento,
de relatório de peritos, de desenhos, plantas, mapas, etc.)". No mesmo
sentido José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum/ cit., p. 190-193.
Ainda no direito alemão, James Goldshmidt, Direito processual civil. Trad.
Lisa Pàry Scarpa. Campinas: Bookseller, 2003, v. I, p. 301-302.
158No direito espanhol, essa fase é chamada de "práctica de Ia prueba". José
Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramírez, La prueba civil/ cit., p.
199-200, os quais afirmam que, após a proposição e admissão, "unicamen­
te resta ya proceder a su práctica o ejecución, es decir, a Ia realización
efectíva de Ia actividad en que consista cada uno de los medios de prueba
de que se trate".

136
Posteriormente à produção da prova, ocorrerá a derradeira
fase processual, qual seja, a de vaíoração, que somente ocorre­
rá na sentença do processo principal59. Valorar significa afirmar
se a prova foi ou não apta a convencer o juiz da veracidade dos
fatos, sendo justamente tal convencimento o que se busca como
efeito principal da prova. Parece equivocado entender que a
produção é a geração de efeitos da prova, conforme afirma Mo­
acyr Amaral Santos, a considerar que a prova, mesmo formada
no processo, pode não ser apta a gerar tal efeito. Dir-se-á, nessa
hipótese, que a prova não foi produzida? Meses de perícia se
passaram, valores foram despendidos, pessoas tiveram suas vidas
modificadas com o dever de comparecer em juízo para prestar
depoimento, e, uma vez não convencido o juiz, a prova não
teria chegado a ser produzida? Não parece correto tal entendi­
mento, mas sim que a prova foi realmente produzida, mas não
gerou seus programados efeitos, ou seja, no momento da valo-
ração, não convenceu o juiz a respeito da existência ou veraci­
dade dos fatos que constituíram o objeto da prova.
Com esse entendimento, é possível concluir que, durante
o processo cautelar de "produção antecipada de provas", have­

159Nesse sentido as lições de Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho pro­


cesal civil/ cit., 1.1, p. 361 -362, que dividem o procedimento probatório em
seis fases, mas, sobre o que nos interessa, diferenciam a fase da "práctica
de la prueba" da "apreciación de la prueba" e concluem que esta última
fase é "es acto por el que el Juez valora o fija la eficacia de cada uno de los
medios de prueba practicados, pero esta apreciación sale también fuera del
procedimiento probatorio propiamente dicho, puesto que se verifica por el
juez en el mismo momento en que decide finalmente el proceso, esto es,
dentro de la sentencia que emite". Também Francisco Ramos Méndez,
Derecho procesal civil. 5. ed. Barcelona: Bosch, 1992, t. I, p. 530-531.
Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile/ cit., v. II, p. 167-168, apesar
de dividir o procedimento probatório em três fases ("instanza di parte, am-
missione, esperimento del mezzo di prove"), afirma que na última fase se
obtém "un certo risultato probatorio" eque "questo risultato, cosi documen-
tato, costituirà poi, Poggetto delia valutazione che il giudice (attraverso
1'organo decidente) compirà al momento delia decisione". No direito por­
tuguês, José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum/ cit., p. 191, faia
em "admissão; produção; assunção".
rá de fato a produção de provas, que somente gerarão seus
efeitos — convencer o juiz da existência ou veracidade de de­
terminado fato — no processo principal. Não há, portanto, di­
ferença substancial — a não ser procedimental — entre produ­
zir uma prova em processo autônomo ou na própria fase instru-
tória do processo de conhecimento, considerando que, em
ambos os casos, a valoração somente será realizada no julga­
mento final do juiz no processo principal, o que torna claro que
a prova objeto do processo de produção antecipada de prova é
realmente produzida. O nome dado pelo legislador ao instituto
processual é, portanto, absolutamente correto e adequado ao
fenômeno que procura descrever.
No direito estrangeiro, é interessante não existir, ao menos
na maioria dos ordenamentos, a distinção entre a produção
antecipada de prova e a asseguração da prova por meio de pro­
cesso cautelar antecedente. A exceção fica por conta do direito
espanhol, que, por meio de moderna legislação processual,
prevê diferentes processos para o caso de antecipação da pro­
dução da prova e de mera asseguração da prova (Sección Cuar-
ta da Ley 1/2000, de Enjuiciamiento Civil/ arts. 293 a 298). O
direito espanhol, de forma expressa em sua legislação proces­
sual, demonstra haver diferença entre produzir a prova — en­
tendida como realização da prova, e não sua valoração — antes
do momento adequado e apenas tomar medidas materiais que
assegurem a produção em tal momento.
O art. 293.1, que trata da antecipação da prova, vem assim
redigido:

"Previamente a Ia iniciación de cualquier processo, el que


pretenda incoarlo, o cualquiera de las partes durante el
curso del mismo, podrá solicitár del tribunal Ia práctica
anticipada de algún acto de prueba, cuando exista el temor
fundado de que, por causa de las personas o por el estado
de las cosas, dichos actos no puedan realizarse en el mo­
mento procesal generalmente previsto".

Já o art. 296.1, que trata da custódia da assecuração dos


meios de provas, tem a seguinte redação:

138
"Antes de la iniciación de cualquier proceso, el que preten­
da incoarlo o cualquiera de los litigantes durante el curso del
mismo, podrá pedir del tribunal ia adopción, mediante pro­
videncia, de medidas de aseguramiento útiles para evitar que,
por conductas humans o acontecimientos naturales, que
puedan destruir o alterar objetos materiales o estados de
cosas, resulte imposible en su momento practicar una prue­
ba relevante o incluso carezca de sentido proponerla".

Como se percebe dos artigos legais transcritos, a legislação


processual espanhola diferencia, com bastante nitidez, o pro­
cesso voltado a efetiva realização da prova daquele que simples­
mente assegura sua produção no momento adequado. Dessa
forma, ouvir uma testemunha ou realizar uma perícia seriam
medidas a ser tomadas na "produção antecipada da prova",
enquanto manter uma coisa inalterada por meio de seu depósi­
to com um depositário seria medida a ser adotada no processo
de "asseguração de prova", para que a coisa não seja modifica­
da em seu conteúdo e, por conseqüência, permita-se a realiza­
ção da prova pericial no momento adequado, qual seja, na fase
instrutória do processo de conhecimento,6°.

160Segundo lições de José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramírez, La


prueba civil, cit., p. 230, a produção antecipada da prova "se trata, pues, de
casos en los que, ante la existencia de un riesgo objetivo que se cierne sobre
la fuente de prueba (la persona del testigo, del perito o de la propia parte cuyo
interrogatorio pretende el otro contendiente, el lugar u objeto a reconocer, el
disco o la cinta de audio e video cuya reproducción se pretende, etc. ...), se
decide no esperar a que arribe la fase probatoria siguiendo el curso normal
del procedimíento, adelantando su proposidón, admisión y práctica a un
momento en todo caso anterior a aquél". Na mesma obra, os autores dão
interessantes exemplos do processo de asseguração da prova: " a) Poner bajo
custodia de un terceo un determinado objeto sobre el que practicar una
prueba pericial, objeto cuya destrucción se teme si sigue en manos de quien
Io posea en esse momento; b) Depositar en un establecimento adecuado
aquellos objetos necesitados de cuidados o medidas especiales de conserva-
ción para mantener su integridad; c) Formalizar un inventario de bienes u
objetos que constate fehacientemente su número o características; d) Ordenar
a quien está al cuidado de una cosa o de una industria que se comporte (o
que se abstenga de comportarse) de un modo determinado); etc."/ p. 236.m

139
A legislação espanhola tem o grande mérito de demonstrar
que, de fato, há uma diferença entre produzir antecipadamente
a prova e somente assegurar essa produção. Com essa apuração
técnica, torna-se claro o equívoco da doutrina nacional em
entender que existe em nosso direito um processo de "assegu­
ração da produção da prova", embora, tanto sob o prisma legis­
lativo como sob o prático, nosso ordenamento contemple hipó­
teses de produção antecipada de prova, não de mera asseguração.
Não se conhece medida judicial que determine o depósito de
uma coisa que tenha o perigo de ter seu conteúdo modificado
para somente em momento posterior proceder à prova pericial.
O carro batido não é mantido assim, por ordem judicial, até
chegar à fase instrutória do processo principal, para que então
se realize a perícia; esta já é realizada no próprio processo de
produção antecipada de provas161.
Evidentemente, as medidas de mera assecuração da prova
somente poderão ter como objeto coisas ou documentos, porque
o fato se serem colocados a salvo de eventuais modificações
posteriores não coaduna com as provas orais. Seria de fato ab­
surdo imaginara possibilidade de isolar uma pessoa, mantendo-
a em "cativeiro", impedindo-a de, por exemplo, ausentar-se do
país, para colher seu depoimento somente durante a fase de
instrução do processo. O mesmo se pode dizer da testemunha

1fe' Cf. Antonio Diáz Fuentes, La prueba en Ia nueva ley de enjuiciamiento civil.
2. ed. Barcelona: Bosch, 2004, p. 97, ao tratar dos institutos da produção
antecipada e da asseguração da prova, "Ia diferencia radica en que, partien-
do del perecimineto de Ia posibilidad futura, una Io acepta, pero Io ataja, y
Ia otra Io elimina el aseguramiento combate Ia pérdida, impidiendo Ia mu-
tación, y Ia anticipación realiza Ia prueba y se desinteresa del riesgo de
desaparición". No mesmo sentido as lições de Juan Montero Aroca, La
prueba en el proceso civil. 3. ed. Madrid: Civitas, 2002, p. 157, ao comen­
tar a produção antecipada de prova: "Si en el caso anterior se trataba de
practicar un medio de prueba, ante el peligro de que se perdiera Ia fuente
de prueba, haciendo imposible su aportación al proceso, ahora se trata de
asegurar una fuente de prueba, pero síh Ilegar a practicar el medio".

140
«
doente. Nesses casos, como assegurar a produção de seu depoi­
mento sem realizá-lo?162
Não se duvida de que a vaíoração da prova produzida an­
tecipadamente é fase a ser desenvolvida exclusivamente peran­
te o juiz do processo principal, no que concorda a doutrina de
forma uníssona. Não é correto, entretanto, utilizar-se dessa
constatação, praticamente indiscutível no tocante à produção
antecipada de provas, para criticar o nome dado pelo legislador
a essa espécie de processo. Dessa forma, por não se compartilhar
da comum crítica da doutrina brasileira a respeito do nome do
processo que ora se analisa, será mantida tal nomenclatura, não
só em homenagem a sua consagração na praxe forense, como
também por sua absoluta correção técnica.

2. NATUREZA JU RÍD IC A
Embora a produção antecipada de provas seja tratada como
ação cautelar pelo Código de Processo Civil, existem doutrina-
dores que duvidam de sua natureza cautelar em algumas hipó­
teses específicas. A conclusão é obtida pela interpretação literal
dos arts. 847 — prova oral — e 848 — prova pericial —, ambos
do Código de Processo Civil, que apontam para a exigência do
preenchimento do requisito do periculum in mora, entendido
como o perigo de a prova não poder mais ser produzida no
momento adequado a tal produção — fase instrutória do pro­
cesso principal.

162Nesse sentido as lições de Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso/


Çit., p. 158: "Pârtiendo del riesgo de que, por conductas humanas o por
acontecimientos naturales, puedan destruirse o alterarse objetos materiales
o estados de cosas, haciendo imposible que en su momento procesal ordi­
nário se practique un medio de prueba, el aseguramiento pretende que se
mantenga el estado presente de un objeto o de una situación, esto es, que
no se modifique una fuente de prueba. Se trata, pues, de mantener o de no
innovar fuentes de prueba que son ias partes mismas y los testigos, refirién-
dose unicamente, bien a las cosas, muebles o inmuebtes, individualmente
consideradas, bien a las situaciones en que se encuentram esas cosas".

141
A legislação espanhola tem o grande mérito de demonstrar
que, de fato, há uma diferença entre produzir antecipadamente
a prova e somente assegurar essa produção. Com essa apuração
técnica, torna-se claro o equívoco da doutrina nacional em
entender que existe em nosso direito um processo de "assegu­
ração da produção da prova", embora, tanto sob o prisma legis­
lativo como sob o prático, nosso ordenamento contemple hipó­
teses de produção antecipada de prova, não de mera asseguração.
Não se conhece medida judicial que determine o depósito de
uma coisa que tenha o perigo de ter seu conteúdo modificado
para somente em momento posterior proceder à prova pericial
O carro batido não é mantido assim, por ordem judicial, até
chegar à fase instrutória do processo principal, para que então
se realize a perícia; esta já é realizada no próprio processo de
produção antecipada de provas161.
Evidentemente, as medidas de mera assecuração da prova
somente poderão ter como objeto coisas ou documentos, porque
o fato se serem colocados a salvo de eventuais modificações
posteriores não coaduna com as provas orais. Seria de fato ab­
surdo imaginar a possibilidade de isolar uma pessoa, mantendo-
a em "cativeiro", impedindo-a de, por exemplo, ausentar-se do
país, para colher seu depoimento somente durante a fase de
instrução do processo. O mesmo se pode dizer da testemunha

161Cf. Antonio Diáz Fuentes, La prueba en la nueva ley de enjuiciamiento civil.


2. ed. Barcelona: Bosch, 2004, p. 97, ao tratar dos institutos da produção
antecipada e da asseguração da prova, "la diferencia radica en que, partien-
do del pereci mi neto de la posibilidad futura, una Io acepta, pero Io ataja, y
la otra lo elimina el aseguramiento combate la pérdida, impidiendo la mu-
tación, y la anticipación realiza la prueba y se desinteresa del riesgo de
desaparicrón". No mesmo sentido as lições de Juan Montero Aroca, La
prueba en el proceso civil. 3. ed. Madrid: Civitas, 2002, p. 157, ao comen­
tar a produção antecipada de prova: "Si en el caso anterior se trataba de
practicar un medio de prueba, ante el peligro de que se perdiera la fuente
de prueba, haciendo imposible su aportación ai proceso, ahora se trata de
asegurar una fuente de prueba, pero sin Ilegar a practicar el medio".
doente. Nesses casos, como assegurar a produção de seu depoi­
mento sem realizá-lo?162
Não se duvida de que a valoração da prova produzida an­
tecipadamente é fase a ser desenvolvida exclusivamente peran­
te o juiz do processo principal, no que concorda a doutrina de
forma uníssona. Não é correto, entretanto, utilizar-se dessa
constatação, praticamente indiscutível no tocante à produção
antecipada de provas, para criticar o nome dado pelo legislador
a essa espécie de processo. Dessa forma, por não se compartilhar
da comum crítica da doutrina brasileira a respeito do nome do
processo que ora se analisa, será mantida tal nomenclatura, não
só em homenagem a sua consagração na praxe forense, como
também por sua absoluta correção técnica.

2. NATUREZA JU RÍD IC A
Embora a produção antecipada de provas seja tratada como
ação cautelar pelo Código de Processo Civil, existem doutrina-
dores que duvidam de sua natureza cautelar em algumas hipó­
teses específicas. A conclusão é obtida pela interpretação literal
dos arts. 847 — prova oral — e 848 — prova pericial —, ambos
do Código de Processo Civil, que apontam para a exigência do
preenchimento do requisito do periculum in mora, entendido
como o perigo de a prova não poder mais ser produzida no
momento adequado a tal produção — fase instrutória do pro­
cesso principal.

,6iNesse sentido as lições de Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso,


Cit., p. 158: "Partiendo del riesgo de que, por conductas humanas o por
acontecimientòs naturales, puedan destruirse o alterarse objetos materiales
o estados de cosas, haciendo imposible que en su momento procesal ordi­
nário se practique un medio de prueba, el aseguramiento pretende que se
mantenga el estado presente de un objeto o de una situación, esto es, que
no se modifique una fuente de prueba. Se trata, pues, de mantener o de no
innovar fuentes de prueba que son las partes mismas y los testigos, refirién-
dose unicamente, bien a las cosas, muebles o inmuebles, individualmente
consideradas, bien a las situaciones en que se encuentram esas cosas".

141
contrário: é imprescindível que o responsável pela produção
tenha, em seu poder, o documento. Além disso, mais importan­
te para os fins buscados pelo presente estudo, na exibição, a
coisa ou o documento não permanecerá no processo até sua
extinção, diferentemente do que ocorre na prova documental,
que, uma vez produzida, será incorporada ao processo até seu
término. Quando for produzida a prova por meio da exibição,
portanto, a permanência do objeto da prova no processo será
apenas temporária.

2. AS DIFERENTES ESPÉCIES DE EXIBIÇÃ O DE COISA


O U DE DO CUM ENTO
A doutrina nacional, ao enfrentar o tema da ação cautelar
de exibição prevista nos arts. 844 e 845 do CPC, indica que
tal exibição, na realidade, poderá não ter qualquer natureza
cautelar, ainda que se desenvolva por meio de ação autônoma
de outra natureza e com outros propósitos. Defende a existên­
cia de diferentes espécies de exibição em virtude das diferen­
tes finalidades perseguidas por cada uma dessas ações, nas
quais o autor buscaria a exibição da coisa ou do documento
com propósitos diferentes, o que, inclusive, modificará sua
natureza jurídica.
É, aliás, bastante criticada a opção legislativa de não dife­
renciar as espécies de exibição, ainda que na própria doutrina
se encontre alguma dissidência a respeito de tal classificação.
De qualquer maneira, é importante para os fins buscados neste
trabalho, que não pretende analisar tão-somente as cautelares
probatórias tradicionalmente entendidas como tais pela doutrina
pátria, mas sim as demandas probatórias autônomas, a análise
não só das diferentes espécies de exibição, mas de que forma
elas interagem com o conceito de ação autônoma probatória.
Com algumas distinções secundárias, a doutrina pátria defende
a existência de ao menos quatro espécies diferentes de exibição,
diferenças geradas pelo direito que a fundamenta ou pelo mo­
mento em que a prova é produzida.

240
2.1. Exibição como meio de prova durante a fase instru-
tória
A exibição de coisa ou de documento poderá ser requerida
como meio de prova durante a instrução probatória do processo
de conhecimento, hipótese em que não se antevê, para a doutri­
na majoritária, natureza cautelar, considerando a dispensa dos
requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris. O direito
da parte à exibição, nesse caso, baseia-se exclusivamente na
natureza probatória de tal documento ou de tal coisa diante dos
fatos narrados na demanda que a parte pretende ver provados
com a exibição. Não se discute, nesse caso, nem quais são os
requisitos típicos da cautelar, nem se a parte que requer a exibi­
ção tem qualquer direito material sobre a coisa ou o documento;
basta para o juiz deferir o pedido a importância da exibição para
a formação de seu convencimento no caso concreto282.

202Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil,


cit., p. 206; Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil,
cit., t. XII, p. 229; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual
civil, cit., v. III, p. 163. Há intenso debate na doutrina alemã, em especial
após a reforma da ZPO de 2002, a respeito do direito probatório à exibição,
no sentido de dispensar qualquer direito material da parte sobre ele. Hanns
Prütting, "La obtención de información en el proceso civil a través de los
nuevos deberes de prestación de documentos". In: Luiz Guilherme Marino-
ni (Coord.). Estudos de direito processual civil — homenagem ao professor
Egas Dirceu Moniz deAragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, após
detalhado exame do assunto, conclui que somente excepcionalmente será
possível a exibição sem a existência do direito material. Em entendimento
contrário, de modo a dar à reforma um caráter bem mais abrangente, as lições
de Alvaro J. D. Pérez Ragone, "La reforma del proceso civil alemán 2002 —
princípios rectores, primera instancia y recursos". In: Estudos de direito pro­
cessual, cit., p. 735-736. Sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira, "Breve
notícia sobre a reforma do processo civil alemão". In: Antônio Celso Alves
Pereira e Celso Renato Duvivier de Albuquerque Mello (Coord.). Estudos em
homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 379: "Empenhou-se o legislador em assegurar que seja o mais completo
possível o material probatório necessário para a formação do convencimen­
to do julgador. Este, antes mesmo da reforma, podia ordenar à parte a apre­
sentação de documentos em seu poder, aos quais ela fizesse referência.

241
A exibição como mero meio de prova a ser desenvolvido
regularmente na fase instrutória do processo de conhecimento
tem previsão expressa no Código de Processo Civil pátrio nos
arts. 355 a 363, com regulamentação procedimental do pedido
contra a parte contrária e contra terceiros. Há outros ordena­
mentos que seguem o estilo do brasileiro ao apontar a exibição
de documento contra a parte contrária ou contra terceiro, a
tratar a matéria de forma isolada, como o faz o Códice di Proce-
dura Civile da Itália, arts. 210 a 213. A regra, entretanto, é não
tratar o tema de forma isolada, mas dentro da prova documental
É o caso do Código de Procedimiento Civil do Chile, em seu art.
349; do Código General del Proceso do Uruguai, arts. 167 — do­
cumentos em poder de terceiros — e 168 — documentos em
poder da parte contrária; do Código Procesal Civil y Comercial
de la Nación Argentina, arts. 388 — dos documentos em poder
de uma das partes — e 389 — documentos em poder de tercei­
ro; daZPO, §§421 a 427 — parte contrária — e 428 a 431 — ter­
ceiro; do Código de Processo Civil de Portugal, arts. 528a a 530a
— parte contrária — e 531a a 533c — terceiro; da Ley de Enjui-
ciamiento Civil da Espanha, arts. 328, 329 — parte contrária
— e 330 — terceiro.
A exibição como espécie de prova documental, constante
nos mais diversos ordenamentos jurídicos, é afastada pela dou­
trina nacional de qualquer natureza cautelar, ainda que seja
produzida antes do momento legalmente previsto para a produ­
ção da prova. O pensamento, já amplamente criticado em mo-

Agora, tal possibilidade vê-se ampliada em duplo sentido. De um lado, o


dever de apresentação estende-se aos documentos que a parte contrária se
refira; de outro, a ordem de apresentar pode dirigir-se igualmente a tercei­
ros, desde que isso lhes seja exigível e não ocorra qualquer dos casos de
recusa legítima a depor como testemunha (§ 142, I a e 2a alíneas)". No
direito japonês não existe um dever geral de exibição; deve a parte manter
alguma relação jurídica com o documento ou com a coisa, conforme in­
forma Yasuhei Taniguchi, "O Código de Processo Civil japonês de 1996
— um processo para O próximo século?". Revista de Processo, São Paulo,
RT, n. 99, p. 58-61, 2000.

242
mento anterior desta obra, deve-se a enganosa concepção
existente na doutrina nacional no que se refere ao significado
da "produção antecipada de prova" e da mera "asseguração de
prova". Mais uma vez, percebem-se os problemas práticos ge­
rados pelo entendimento arraigado na doutrina — embora ab­
solutamente equivocado — de que, nas ações cautelares proba­
tórias, não se produz, efetivamente, quatquer prova: somente se
assegura a possibilidade de essa prova ser produzida posterior­
mente.
Nas palavras de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira283, ao
comentar a cautelar de exibição,

"a natureza cautelar dessa espécie de exibitória, anteceden­


te à lide principal, resulta de sua não-satisfatividade, en­
quanto destinada a assegurar a prova, não a produzi-la, tal
como ocorreria se exibidos o documento ou a coisa nos
autos do processo principal Não há confusão possível
entre as duas espécies; basta pensar que a prova só será
realmente produzida quando admitida como tal no proces­
so principal Enquanto isso não ocorrer, sobrepõe-se o ca­
ráter puramente asseguratório, com afastamento de qualquer
eficácia probatória".

Já foi apontada e devidamente criticada a indevida confusão


entre fases distintas do procedimento probatório, em especial
entre a produção e a valoração da prova. Não resta dúvida de
que a prova objeto de ação cautelar antecipatória é efetivamen­
te produzida, e sua eficácia probatória nada tem que ver com
sua produção, mas sim com sua admissibilidade e com sua va­
loração, ambas fases que serão desenvolvidas no processo que
receber a prova já produzida sob a forma "emprestada". Tal re­
alidade encontra-se também presente na exibição de coisa ou
de documento, que, independentemente do momento em que
ocorrer, gerará a produção da prova.

283Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 207-208.

243
No caso da exibição, entretanto, há um aspecto complica-
dor da defesa da tese da prova emprestada. Já se afirmou que a
prova emprestada nunca será documental, porque, nesse caso,
não se tratará de prova atfpica, na qual será indispensável a
diferença entre conteúdo e forma. Com base nesse dado, poder-
se-ia imaginar que, no caso de exibição de coisa e de documen­
to, seria absolutamente impróprio afirmar que a utilização do
objeto exibido possa servir como prova emprestada em outra
demanda, porque, nesse caso, a natureza da prova produzida e
da prova emprestada será sempre documental284.
É preciso registrar que o direito nacional, por opção legis­
lativa, diferenciou os meios de prova "exibição de coisa ou de
documento" do meio de prova "documental", o que permite
afirmar que, na prova produzida pela ação autônoma exibitória
— de natureza cautelar ou não —, o conteúdo será sempre do­
cumental, mas a forma de produção será ora de exibição, ora
documental A diferença é basicamente fundada no acesso da
parte que pretenda apresentar o documento em juízo; no pri­
meiro caso, a coisa ou documento está com terceiro ou com a
parte contrária; no segundo, a própria parte que pretende pro­
duzir a prova já está com a coisa ou documento em seu poder,
bastando apresentá-lo em juízo. É possível, assim, afirmar que,
no primeiro caso, produziu-se a exibição, e, no segundo, a pro­
va documental285.

284A afirmar a mesma natureza documental dos dois meios de prova: Luigi Pâolo
Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul processo civile, cit., p.
676; Ciorgio Grassei li, L'istruzione probatoria nelprocesso civile riformato/ cit.,
p. 130-131; Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile, cit., p. 232-233.
285Crisanto Mandrioli, Diritto processuale civile, cit., p. 232: "Naturalmente,
la produzione del documento — che è atto spontaneo delia parte —■
presuppone che la parte che la compie — e che owiamente è la parte alia
quale il documento giova — sai in possesso del documento stesso". Francesco
P. Luiso, Diritto processuale civile/ cit., p. 117-118, afirma haver diferença
na produção desses dois meios de prova: "II meccanismo è 1'esibizione, che
si contrappone alia produzione perché quest'ultima è attivata dalla parte
che vuole usare quel documneto; 1'esibízione è invece Pattività di un altro
soggetto, che può essere la eontro parte oppure un terzo".

244
A corroborar tal entendimento encontra-se, inclusive, o
próprio conceito de exibição, já explorado. Com a produção da
prova documental por meio de exibição de coisa ou de docu­
mento, somente será colocada às vistas das partes e retornará a
seu possuidor após o prazo a ser fixado pelo juiz no caso con­
creto. Os interessados, dentro desse prazo, terão contato visual
com o objeto e deverão providenciar sua documentação por
meio de xerox, filmagens, fotos etc.; é possível falar, nesse caso,
de documentação da prova documental No processo principal,
registre-se, não será juntado aos autos coisa ou documento que
fora objeto da exibição, mas o documento que comprovará a
existência de tal coisa ou documento. Apesar de parecer para­
doxal, ter-se-ia, nessa hipótese, uma prova documental docu­
mentada, não somente uma prova documental
Ainda que assim não se entenda, ao afirmar que, tanto em
um caso como em outro, a natureza da prova será sempre do­
cumental, aspecto que não sofre qualquer influência do sujeito
que esteja em poder da coisa ou do documento, afastar-se-á a
natureza de prova emprestada do caso concreto, mas ainda
assim será possível defender que houve efetiva produção da
prova na ação cautelar autônoma. Nesse ponto, volta-se ao as­
pecto principal do raciocínio: a diferenciação da produção e da
valoração da prova. Não é porque o juiz do processo cautelar
não valora a prova que ela não terá sido produzida; é possível
a mesma prova documental ser produzida diversas vezes; basta,
para tanto, ser juntada a diversos processos.
Ninguém negará que, em um processo de conhecimento,
documento apresentado por umas das partes ou obtido por exi­
bição seja efetivamente produzido, ainda que não chegue a ser
valorado, de modo a não influenciar o convencimento do juiz.
Basta imaginar a hipótese de uma transação que põe fim ao pro­
cesso antes do julgamento de mérito. Esse documento poderá ser
novamente utilizado em outras demandas, nas quais voltará a ser
produzido, tantas vezes quantas seja juntado aos autos. Com
relação à demanda exibitória autônoma, não há diferença digna
de nota que justifique um tratamento diferenciado, de modo que
a prova é produzida, e, se porventura for utilizada em outro pro­

245
cesso, neste, novamente, virá a ser produzida. A valoração — lem­
bre-se — não deve ser aspecto a considerar, por não se confundir
com a fase procedimental probatória da produção.
É nesse sentido que não parece ser exatamente o momento
da exibição — precedente ou incidental — que determinará sua
natureza cautelar ou não. A partir da clássica definição de peri­
culum in mora, se houver perigo de a prova não poder ser pro­
duzida no momento adequado — fase probatória do processo
de conhecimento —, pouco importará se já existe processo
principal ou não; sempre que o adiantamento temporal dessa
exibição se fizer necessário em virtude do perigo de esperar o
momento adequado para a produção da prova, a exibição terá
natureza cautelar.
É evidente que só será possível chegar a tal conclusão a
partir do momento em que se reconheça que, com a exibição
da coisa ou do documento em juízo, a prova terá sido efetiva­
mente produzida e a questão de sua eficácia probatória deslo­
cada para a fase de valoração, posterior à fase de sua produção.
Ao adotar esse entendimento, não há como deixar de atribuir
natureza cautelar para coisa ou para documento exibidos no
próprio processo de conhecimento, mas antes do momento
procedimental adequado para tanto, que é a fase probatória do
processo286.

286Nesse mesmo sentido, as lições deVictorA. A. Bomfim Marins, Comentários


ao Código de Processo Civil, cit., p. 265. O processualista, entretanto, entra
em flagrante contradição ao afirmar, na conclusão de seu pensamento, que,
nesse caso, haveria a "singela asseguração e não produção da prova, que
poderá se dar antecedentemente ou incidental mente ao processo principal".
Ao ser exibida a coisa ou o documento no próprio processo principal, ain­
da que antes do previsto em lei, parece inegável sua efetiva produção, fó-
rece ter o mesmo entendimento Pontes de Miranda, Comentários ao Código
de Processo Civil/ cit., t. IX, p. 234: "A ação de exibição, de que tratam ós
arts. 798 e 844, pode ser proposta antes de se despachar a petição da ação,
a que se refere, observado o art. 806, ou na própria petição da ação (art.
804), ou durante a lide. A exibição, tende, aí, à prova". Também Vicente
Greco Filho, Direito processual civil brasileiro/ cit., p. 181.

246
A conclusão do pensamento exposto fundamenta-se na
concepção de que não é a autonomia ou a antecedência da
exibição que determinará sua natureza cautelar ou não, mas a
necessidade de que ocorra antes do momento adequado para
tanto — fase probatória do processo de conhecimento — em
razão do periculum in mora, entendido como a impossibilidade
ou extrema dificuldade de produzir a prova posteriormente. Seja
antecedente, seja incidental a exibição, pouco importará na fi­
xação de sua natureza, muito embora o art. 844, caput, do CPC
fale em "procedimento preparatório", disposição criticável que
cria a falsa impressão de que somente as exibições produzidas
por processo autônomo poderão ter natureza cautelar.

2.2. Exibição preparatória para conhecimento de dados


a instruir a ação principal
Uma segunda espécie de exibição teria como finalidade
apenas proporcionar à parte a apropriação de dados necessários
ou importantes para a futura e eventual propositura de demanda
judicial. Haveria, nesse caso, uma satisfação do direito do autor,
porque seu objetivo não seria preservar uma prova para utiliza­
ção futura, mas simplesmente produzi-la para obter informações
e dados mais precisos para a propositura de processo judicial
Por ser espécie de exibição satisfativa, estariam dispensados os
requisitos clássicos da tutela cautelar, de modo que não se exi­
giria do autor a comprovação do fumus boni iuris ou do pericu­
lum in mora. Fala-se, nesse caso, que a ação de exibição de
coisa ou de documento tem natureza satisfativa porque a pre­
tensão do autor é de mero conhecimento da forma e do conteúdo
do objeto a ser exibido. Não deixa de causar perplexidade falar
em "exibição satisfativa", já que o objetivo da exibição é, justa­
mente, fornecer dados ao autor para a propositura de futura e
eventual demanda judicial.
Estaria, nesse caso, a exibição intimamente ligada às tradi­
ções romanas da demanda autônoma exibitória — actio ad
exhibendum — criada como demanda preparatória da futura
ação de reivindicação e depois alargada para outras hipóteses.

247
Nesse caso, há parcela da doutrina que defende a natureza não
cautelar da ação exibitória e aponta que a pretensão de conhecer
dados necessários da futura ação afastaria o processo da cauteia-
ridade, sendo possível afirmar que, uma vez exibido o documen­
to ou a coisa, a pretensão do autor de conhecer sua forma e seu
conteúdo já estará completamente satisfeita; assim, é irrelevante,
no caso concreto, a ocorrência de qualquer perigo de a prova não
poder ser produzida posteriormente no momento adequado287.
Há em alguns ordenamentos processuais estrangeiros, em
especial aqueles que seguiram o espanhol, em sua codificação
originária de 1856 (arts. 497 e ss.), com as modificações de 1881
(arts. 222 e ss.), tais como os de vários países da América do Sul
— e. g., Argentina288, Chile e Uruguai289—, além, é claro, da
própria Espanha que contêm, em suas legislações processuais,
previsão expressa, cada qual com suas especificidades, de um
processo anterior ao principal denominado diligencias prelimi­
nares ou diligencias preparatórias. O objeto principal das dili­
genciais preliminares éode municiaro autor ou réu de dados
necessários a um exercício mais amplo e perfeito de seu direito
de ação ou de exceção. Registre-se que nada tem que ver com
as providências preliminares previstas pelos arts. 324 a 326 do
CPC pátrio, fase processual verificada com o processo de co­
nhecimento já instaurado.

287Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 336-337; Carlos


Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit.,
p. 214-215, embora aponte para a possibilidade de natureza cautelar da
demanda sempre que o objetivo seja assegurar a prova. Parece que nesse
caso, entretanto, não se tratará de demanda autônoma com o fim de forne­
cer dados à propositura da demanda principal; configura-se aí uma nova
espécie de ação de exibição, a ser tratada em tópico próprio.
288A influência do direito espanhol no argentino, nesse tocante, é lembrada
por Jaime A. Velert Frau, Diligencias preliminares y prueba anticipada/ cit.,
p. 20-21.
289O Código General del Proceso uruguaio foi fortemente influenciado pelo
Anteprojeto do Código Procesal Civil modelo para Iberoamérica; aquele
repete, sem seus arts. 306 e 307, os arts. 274 e 275 deste.

248
No direito espanhol, as diligencias preliminares encontram-
se previstas nos arts. 256 a 263 da Ley de Enjuiciamiento Civil,
indicando o art. 256, em seus sete parágrafos, as espécies de
diligências que poderão ser requeridas pela parte anteriormente
ao processo; é assim redigido o § 2C: "mediante solicitud de que
la persona a la que se pretenda demandar exhiba la cosa que
tenga en su poder y a la que se haya de referir el juicio". Esse
dispositivo legal éo que mais interessa à presente discussão — ain­
da que também nos §§ 3Qe 4Qse trate de exibição de documen­
tos em hipóteses específicas —, porque a doutrina espanhola
entende, de forma pacífica, tratar-se de norma legal fortemente
influenciada pela actio ad exhibendum do direito romano290.
A par de outras considerações que importarão em capítulos
posteriores, é importante observar que a doutrina espanhola
conceitua as diligencias preliminares como um processo — para
alguns, mero procedimento — que antecede o chamado proces­
so principal, cujo objetivo é o conhecimento da parte de dados
necessários a propositura regular e mais completa de tal deman­
da. Fica evidenciada aqui a hipótese descrita por parcela da
doutrina nacional como de exibição satisfativa, na qual o co­
nhecimento dos dados advindos da coisa ou do documento, com
o propósito de preparar melhor a demanda por vir, satisfaria por
completo a pretensão do autor, sem qualquer característica de
cautelaridade.
A identidade dos institutos é manifesta, parecendo rumar a
doutrina daquele país no sentido defendido por Ovídio A. Bap­
tista da Silva de que tal espécie de exibição não tem natureza
cautelar, característica, inclusive, suficiente para diferenciá-la
da produção antecipada de provas. A diferença entre as duas é
a mesma indicada pela doutrina nacional, de que o risco de ser

290lgnácio Diéz-Picazo Gimenez, Derecho procesal civil/ cit., p. 230; Francis­


co Ramos Méndez, Derecho procesal civil/ cit., p. 417; A. Alvarez Alarcón,
Las diligencias preliminares del proceso civil. Barcelona: Bosch, 1997, p. 15;
Julio Banacloche Pàlao, Las diligencias preliminares. Madrid: Thomson Ci-
vitas, 2003, p. 18.

249
impossível ou muito difícil a produção da prova no momento
oportuno é exigência das cautelares probatórias, o que não
ocorre com a diligencia preliminar, baseada na impossibilidade
de a parte obter dados necessários ao exercício da ação ou ex­
ceção sem a intervenção do Poder Judiciário291.
É importante ressaltar, entretanto, que os monografistas
espanhóis, apesar de distinguirem, com bastante ênfase, as dili­
gências preliminares da prova antecipada, afirmam, acertada-
mente, que no primeiro instituto será produzida uma prova que
será utilizada no processo principal, ainda que não seja essa a
função principal do instituto292 . Faz-se, portanto, uma diferen­
ciação entre o objetivo principal das diligencias preliminares e
seu objetivo secundário ou, ainda melhor, seu efeito secundário,
sendo inegável que, ao fazer a prova do fato para melhor pre­
parar a petição iniciai ou a defesa, a parte obtém a prova de tal
fato, que será levado ao processo principal, tendo manifesta­
mente a característica — ainda que secundária — de ação au­
tônoma probatória.

291Cf. Ignacio Díez-Picazo Cimenez, Derecho procesal civil/ cit., p. 228, apon­
ta a diferença, mas lembra da "zona cinzenta": "Las diligencias preliminares
no constituyen prueba anticipada, aúnque en algunos casos la frontera entre
ambas instituciones sea borrosa. Mientras el fundamento de la prueba anti­
cipada está en el riesgo de que si se espera a la práctica de un medio de
prueba en su momento procesal normal, la misma puede ser imposible, el
fundamento de las diligencias preliminares está en la imposibilidad de que
el futuro demandante obtenga por si mismo y sin auxilio de la autoridad
judicial ciertos datos necesarios para poder presentar una demanda".
292Julio Banacloche Palao, tas diligencias preliminares/ cit., p. 39: "Por Io tan­
to, las diligencias preliminares y la prueba anticipada que se practica antes
del inicio del proceso se asemejan en que en ambos casos se obtienen
datos relevantes para el proceso cuando éste aún no ha comenzado". A.
Alvarez Alarcón, Las diligencias preliminares del proceso civil, cit., p. 43:
"Em conclusión, las diligencias preliminares no tienen como finalidad prin­
cipal la de obféner pruebas, pero és una función nada desdenable hoy y
que en un futuro debiera gozar de una mayor progresión, pues evita que las
partes cometan ilicitudes para obtener pruebas y facilita el fundamental
derecho a prueba, sobre todo respecto de aquéllas que deben aportarse con
la demanda".

250
Na Argentina, o CPCCN, em seus arts. 323 a 329, trata, sob
o título diligencias preliminares, dos institutos das medidas pre­
paratórias e da prueba anticipada. Apesar do tratamento legal
sob o mesmo título, a doutrina do país vizinho parece seguir o
mesmo rumo da espanhola, ao ressaltar como diferença princi­
pal entre os dois institutos a urgência da produção antecipada
de prova e a mera preparação de ingresso da ação principal das
diligências preliminares293. Cabe a lembrança da forte tendência
do direito argentino a afastar a natureza cautelar da própria
produção antecipada de prova, conforme visto no capítulo es­
pecífico a respeito do tema. Nesse entendimento, nem as medi­
das preparatórias nem a prova antecipada teriam natureza
cautelar, mas ainda assim haveria entre elas a diferença de for­
necer dados para acionar ou para defender-se e produzir provas
de maneira antecipada.
Destaque-se, no direito argentino, a própria redação do art.
323, § 2Q, do CPCCN: "que se exhiba Ia cosa mueble que haya
de pedirse por acción real, sin perjuicio de su depósito o de Ia
medida precautoria que corresponda". Como se percebe da re­
dação do dispositivo legal, não é necessária ameaça de lesão à
coisa móvel para que seja exibida, tanto assim que a medida
precautoria poderá ser cumulada com medida cautelar, caso haja
perigo efetivo sobre a coisa. Será o caso, por exemplo, de o autor

293Alfredo jorge Di lorio, Prueba anticipada/ cit., p. 8-15, em especial p. 10:


"La naturaleza de las pruebas de producción anticipada de caracter conser-
vativo resulta completamente distinta, tanto en Io que hace a su concepto,
como su función y fundamento. Tal como su denominación Io indica no se
trata más que de pruebas realizadas antes de su oportunidad legal; están
destinadas a probar hechos y no a constituir el proceso."; Jaime A. Velert
Frau, Diligencias preliminares y prueba anticipada, cit., p. 26: "Por el con­
trario, Ias diligencias conservatorias de prueba, o de prueba anticipada o de
producción anticipada, están destinadas a probar y no a constituir el pro­
ceso". Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal, cit., p. 225-226,
aponta ainda como diferença a possibilidade de a produção antecipada de
provas ser incidental ao processo, o que não ocorre com as diligências
preparatórias.

251 ^
requerer o seqüestro da coisa quando sua manutenção pelo atu­
al possuidor possa representar perigo de ela vir a perder-se294.
No direito uruguaio, também é feita a distinção entre as dili­
gências preparatórias entre os processos tipicamente preparatórios
ou facilitadores e os processos de asseguração, restando na primei­
ra espécie as diligências destinadas a assegurar a existência do
processo principal e a integrar um elemento da demanda principal,
e, na segunda espécie, as diligências voltadas a assegurar um meio
de prova ou o resultado do processo principal Com previsão no
art. 309, 2 e 3, do CGP, a exibição da espécie ora estudada é ci­
tada como da primeira espécie e serve apenas para fornecer ao
autor dados indispensáveis à propositura correta da demanda ju­
dicial, o que a afastaria da produção antecipada de provas295.
Como se percebe, tanto na Espanha, que mantém o institu­
to em seu ordenamento por mais de mil anos, como nos países
sul-americanos, que seguiram tal tradição, uma das espécies de
diligencia preliminar presta-se à mesma finalidade da exibitória,
que fornece ao autor os dados necessários ao ingresso de uma
demanda de forma mais exata e formalmente perfeita. Como já
foi visto, ao afastar-se da idéia de que seria necessário, para a
concessão da medida, algum perigo de que a prova não pudes­
se ser produzida tardiamente, a doutrina desses países afasta
qualquer natureza cautelar da diligencia preliminar ora aponta­
da, em lição muito semelhante àquela representada no Brasil,
entre outros, por Ovídio A. Baptista da Silva.
No direito brasileiro, entretanto, a doutrina não caminha
de forma uníssona, já que há forte corrente a indicar para essa
hipótese de exibição de coisa ou documento natureza cautelar,
como já afirmava Pontes de Miranda296 ao defender que

294Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal/ cit., p. 220.


295Consulte-se Enrique Tarigo, Lecciones de derecho procesal civil/ cit., v. II, p.
339-346.
296Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., t. IX, p. 235. No mesmo
sentido os ensinamentos de Humberto TheodoroJr., Processo cautelar/ cit., p.
279; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, cit., p. 164.

252
"a exibição de coisa móvel, para o que pede verificar-se se
é sua a coisa, não produz prova, nem entrega da coisa: é
asseguração da pretensão a conhecer os dados de uma ação,
antes de propô-la. Metê-la na classe das exibições que
correspondem a pretensão à asseguração da prova não é,
certo, contra a natureza das coisas; pois a prova se destina
ao convencimento do juiz, e o autor está promovendo a
formação de elementos que possam levá-lo ao cumprimen­
to do seu ônus de afirmar e de provar

F^rece correta a segunda corrente, adepta do entendimento


exposto anteriormente. A lição, inclusive, apresenta o essencial
para a solução da questão, ao lembrar que os dados necessários à
propositura da ação principal também servirão como meio proba­
tório apto a convencer o juiz das razões do autor no processo
principal É ilusório imaginar que a única função da exibição seja
dar conhecimento de dados que serão utilizados, exclusivamente,
na alegação da parte, considerando que, nessa alegação, já estará
o autor tentando convencer o juiz de suas razões. Se o autor al­
cançará ou não tal intento, tudo dependerá da valoração da prova
a ser feita pelo juiz no processo principal, mas é inegável que a
pretensão do autor não se exaure no efeito de preparar melhor a
demanda principal, pois os dados obtidos servem também para
convencer o juiz — função probatória — de suas razões.
Já se expôs anteriormente o entendimento de que a caute­
lar garante o resultado útil do processo, de modo a preservar sua
eficácia, mas que, para ser útil, o resultado antes necessita ser
favorável e, como conseqüência óbvia, o processo deve existir.
Caso não tenha o autor elementos suficientes para propor a
demanda, problema este que poderá ser superado pela exibição
da coisa ou do documento, haverá nítida natureza cautelar na
demanda probatória exibitória autônoma, essencial a permitir o
ingresso da demanda principal, única forma de visualizar a efi­
cácia de seu resultado favorável
É importante observar que, seja como for, as duas correntes
doutrinárias chegam a um ponto comum, que é o suficiente para
incluir a exibição de coisa ou de documento no rol das deman­

253
das probatórias autônomas. A necessidade do autor de conhecer
dados de que não dispõe, como forma de instrumentalizar mais
adequadamente sua demanda, demonstra, à saciedade, que a
função desse processo, ainda que reflexamente, é a produção
de prova, fonte do conhecimento que procura obter o deman­
dante. Ao conhecer melhor a situação fática em que está envol­
vido — com naturais reflexos em sua situação jurídica —, esta­
rá produzindo prova que, além de auxiliá-lo na melhor prepa­
ração do processo principal, servirá como meio de convenci­
mento do juiz responsável por seu julgamento.
A conclusão a que se pode chegar e que será lembrada em
capítulo específico a respeito das ações probatórias autônomas
no direito brasileiro nos dias atuais é a de que, ao se entender
como exibição ora enfrentada cautelar ou satisfativa, sua natu­
reza não modifica a condição de demanda autônoma que tem
por objeto — ou efeito principal ou secundário como preferem
os espanhóis — a produção de uma prova. Essa conclusão, como
já dito, será novamente abordada em momento próprio do pre­
sente estudo.

2.3. Exibição fundada em direito material sobre a coisa


ou sobre o documento
Como terceira espécie de ação autônoma de exibição de
coisa e documento encontra-se, segundo a doutrina nacional,
aquela fundada em um direito material da parte a tal exibição,
gerado pelo direito sobre a própria coisa ou sobre o documento,
entendendo-se por sua natureza satisfativa. Não servindo o conhe­
cimento da forma e do conteúdo da coisa ou do documento nem
para garantir a prova a ser utilizada em outra demanda judicial,
nem a fornecer subsídios necessários à propositura de processo
judicial de maneira mais perfeita, o direito material que a parte
tem sobre a coisa ou sobre o documento garantiria a obrigatorie­
dade de sua exibição, em demanda de natureza satisfativa297.

297Nesse sentido, as lições de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários


ao Código de Processo Civil, cit., p. 217: "Ess£ pedido não terá finalidade

254
Essa espécie de exibição, também não incluída pela dou­
trina nacional no âmbito da tutela cautelar, seria decorrência de
um direito material à exibição, sendo demanda de natureza
satisfativa de um direito no piano material Como exemplos são
lembrados o art. 844, inc. II, primeira parte ("documento próprio
ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino,
credor ou devedor"), o art. 844, inc. II, segunda parte ("em poder
de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante,
testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios"), e
o art. 844, inc. ill ("da escrituração comercial por inteiro, balan­
ços e documentos de arquivo, nos casos expressos em lei"),
todos do Código de Processo Civil.
O art. 844, inc. II, primeira parte, indica, em primeiro lugar,
a figura do "documento próprio", correspondente àquele para
com o qual o autor da demanda exibitória tenha direito de pro­
priedade sobre o bem, o que deixa claro seu direito material a
vê-io exibido judicialmente quando estiver em poder de tercei­
ro. O dispositivo legal, entretanto, não se limita a essa circuns­
tância; permite também a ação exibitória de "documento co­
mum", a ser entendido como aquele de propriedade tanto do
autor como do réu da demanda judicial. Em ambos os casos, o
fundamento para a demanda exibitória autônoma será o direito
de propriedade — particular ou comum — sobre o bem298.

probatória, constituindo tão somente exercício de direito sobre o conteúdo do


documento e isto porque a relação de direito material estabelece uma obriga­
ção de comunicação do documento, a que corresponde a pretensão da exibi­
ção. Nessa hipótese, a demanda exibitória nada terá de cautelar e muito menos
antecederá a outra: a exibição do documento desde logo satisfará o direito do
sócio". Também Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit./ p. 346:
"O interesse em ver ou conhecer o documento próprio ou comum, nesta hi­
pótese, é o 'bem da vida' tutelado pela lei, como emanação do direito que o
requerente tem sobre o documento. Não há, aqui, nenhuma preparatoriedade,
relativamente a uma demanda principal subseqüente".
298No direito chileno, é proveitosa a lição de Santiago Garderes, Fernando
Gomes, Maria Eugenia Gonzáles e Gabriel Valentin, Código General del
Proceso de la República Oriental del Uruguay comentado/ con doctrina y
jurisprudência/ cit., p. 505: "Cuando el documento que está en poder de

255
É interessante notar, entretanto, que a definição de documen­
to comum, estabelecida em especial pela doutrina italiana, trans­
borda da questão referente à propriedade da coisa, pois permite
que seja exibida em juízo coisa ou documento cuja propriedade
não é do autor, mas a respeito dos quais demonstra ter algum
interesse probatório. Estabelece-se um ponto médio entre dois
institutos contrários: o direito à propriedade da coisa ou do docu­
mento e o direito da parte a vê-los exibidos em juízo.
Ovídio A. Baptista da Silva299, alicerçado em lições de Sér­
gio La China, Chiovenda e Sparano, afirma que a

"teoria intermediária entre a substancial pura, que só admi­


te a obrigação de exibir em favor do proprietário do docu­
mento, e a teoria puramente processual, segundo a qual
todos teriam o dever de exibir seus próprios documentos,
para servirem de prova em favor de terceiros, abandona os
dois extremos: o dever de exibir não dever ficar condicio­
nado, necessariamente, à idoneidade probatória que o
documento possa ter em favor do litigante que lhe seja to­
talmente estranho; por outro lado, nem só seu proprietário
deverá ter direito ao documento, como meio de prova, mas
igualmente poderão valer-se dele em juízo todos quantos
possam ter sobre o mesmo não um direito, mas um interes­
se comum em seu conteúdo".

terceros le pertence a la parte porque es de su propiedad, o pertence al


tercero y a la parte conjuntamente, si bién ésta no tiene su disponibilidad
material, tiene la disponibilidad jurídica en forma absoluta; significa que el
tercero no podrá esgrimir causai alguna que lo exima del deber de exhibir
o presentar el documento, según se alo solicitado". A ZPO alemã prevê, em
seu § 422, que a parte contrária está obrigada a exibir o documento segun­
do as regras do direito civil.
299Cf. Do processo cautelar/ cit., p. 340. O tema continua a ser tratado pela
doutrina italiana mais moderna: Cri santo Mandrioli, Diritto processuale
civile/ cit., p. 232, nota 3; Luigi Raolo Comoglio, Corrado Ferri, Michele
Taruffo, Lezioni sul processo civile/ cit., p. 676-677.

256
A manifestação do doutrinador gaúcho não deixa de conter
certa incoerência, por afirmar, primeiro, que essa espécie de
exibição não tem natureza probatória, bastando a exibição para
o conhecimento da coisa que a parte repute sua ou cujo conte­
údo tenha interesse em conhecer; depois, afirma que a tese do
"documento comum", fundada no "interesse comum", permite
ao não proprietário exigir a exibição de coisa ou de documento
quando o mesmo servir de meio de prova de suas alegações. O
entendimento aparentemente mais correto a respeito do art. 844,
inc. II, do CPC é o de que um direito material sobre a coisa ou
documento — propriedade ou interesse em conhecer seu con­
teúdo — é o suficiente para justificar a exibição, mas, em ambas
as hipóteses, a exibição em juízo produzirá prova, ainda que
não seja o objetivo da parte utilizá-la em demanda futura.
Insista-se mais uma vez que, independentemente de o di*
reito do autor à exibição fundar-se ou não no direito à prova,
mas ao mero conhecimento da forma, do conteúdo e do estado
da coisa ou do documento, o resultado da exibição em juízo
será sempre a produção de um prova, justamente referente à
forma, ao conteúdo ou ao estado da coisa ou do documento
exibido. Poder-se-ia, nesse caso, falar em efeito indireto ou re­
flexo, não pretendido de forma imediata pelo autor, mas, dese­
jado ou não, será automaticamente gerado com a exibição ju­
dicial. Será, portanto, um efeito de pleno direito gerado pela
exibição. Ao adotar o conceito tradicional de periculum in mora
nas cautelares probatórias, é até possível afastar tal natureza
dessa demanda, mas não parece correto afirmar não se tratar de
ação probatória autônoma, ainda que, insista-se, não seja esse
o objetivo imediato do autor da demanda.
Há, ainda, um ponto a ser enfrentado. O dispositivo legal
menciona a exibição de coisa móvel, mas deixa no ar o ques­
tionamento a respeito do cabimento da demanda exibitória
também para as coisas imóveis. Não parece haver diferenças
substancias a respeito do objetivo dessa demanda, nem mesmo
do direito que a fundamenta, quando referente às coisas móveis
gu imóveis, de modo que é absolutamente possível e até mesmo

257
saudável uma interpretação extensiva do dispositivo legal, que
permitiria também sua aplicação para os bens imóveis.
Mais uma vez, estar-se-ia diante de uma exibição ampla­
mente satisfativa, mas agora no plano do direito material à exi­
bição da coisa ou documento, se for dispensado novamente o
autor da comprovação de fumus boni iuris e do periculum in
mora. Como modalidade dessa espécie de demanda de exibição
satisfativa, encontra-se, na doutrina nacional, o exemplo clássi­
co de exibição para tomada de conhecimento da coisa com
vistas ao exercício de direito relativos à própria coisa300.
O art. 844, inc. II, do CPC ainda prevê que o documento
próprio ou comum esteja "em poder de co-interessado, sócio,
condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que
tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depo­
sitário ou administrador". O rol de sujeitos em cujo poder a
coisa poderá estar é meramente exemplificativo, sendo admis­
sível que outros sujeitos, em qualidade jurídica similar àqueles
indicados pelo dispositivo legal, também tenham o dever de
exibir a coisa ou o documento em juízo.
Há ainda uma específica previsão no estatuto processual
brasileiro a respeito dessa espécie de exibição, no art. 844, inc.
III: "da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos
de arquivo, nos casos expressos em lei". As normas que regulam

300Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comerciai, cit., v. IV, p.


475, lembra as ações de exibição como necessárias para o exercício dos
direitos relativos à própria coisa: "Assim, na hipótese de alguém pedir a
exibição de várias coisas, em poder de outrem, a fim de conhecer suas
qualidades e habilitar-se para o exercício do direito de escolha que porven­
tura tenha; ou na hipótese de alguém pedir que outrem exiba certa coisa
móvel, em comum com outras, em poder deste, par que se torne possível a
reivindicação daquela coisa". Também Ernani Fidelisdos Santos, "Aspectos
da exibição preparatória de coisa e documento". Revista de Processo/ São
Paulo, RI, n. 52, 1988, p. 72, lembra os exemplos para afastar a natureza
cautelar dessa espécie de exibição. Ainda, Pontes de Miranda, Comentários
ao Código de Processo Civil, cit., t. IX, p. 232; Humberto Theodoro Jr., Pro­
cesso cautelar/ cit., p. 277-278.

258
a obrigatoriedade de exibição são as de natureza societária, pre­
vistas atualmente no Código Civil, nos arts. 1.190 a 1.1 93301.
Em síntese conclusiva parcial, essa terceira espécie de de­
manda cautelar — que, para a doutrina majoritária, não tem
natureza acautelatória, mas que, à luz do conceito defendido
de periculum in mora como todo o perigo que exista para a
existência de resultado favorável à parte, ingressaria no rol das
cautelares — terá sempre a função de proporcionar a produção
de uma prova com a exibição da coisa ou documento em juízo,
ainda que o requerente não objetive com isso provar qualquer
fato em demanda posterior. E inegável que o sócio, ao pedir a
exibição dos livros e dos papéis de escrituração comercial, ain­
da que exclusivamente para tomar conhecimento da situação
atual da sociedade, fará prova dessa situação atual, o que, in­
clusive, poderá fornecer subsídios a propor uma demanda judi­
cial que não era seu objetivo originariamente ou utilizá-la em
demanda futura.

No direito espanhol, há específica previsão de diligência preliminar nesse


caso no art. 256, 4fl, da Ley de Enjuiciamiento Civil/ embora a doutrina
ressalte sempre a necessidade de preparação para a ação principal, o que
não ocorre no direito brasileiro. Nesse sentido, as lições de Julio Banacloche
Palao, Las diligencias preliminares/ cit., p. 85, e A. Alvaréz Alarcon, Las di­
ligencias preliminares del proceso civil, cit., p. 28. No mesmo sentido, no
direito argentino, jaime A. Velert Frau, Diligencias preliminares y prueba
anticipada/ cit., p. 72. Rara Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal/
cit., p. 222, estende a legitimidade inclusive para terceiros que não sejam
sócios. No direito português, a exibição judicial por inteiro dos livros de
escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo dis­
posto na legislação comercial, segundo as lições de Jorge Augusto Rais de
Amaral, Direito processual civil/ cit., p. 263: "A este respeito determina o
art. 42c da Código Comercial que a exibição judicial de livros de escritura­
ção comercial por inteiro, e dos documentos a ela relativos, só pode ser
ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, co­
munhão ou sociedade e no caso de quebra. Ao exame dos livros e docu­
mentos comerciais só poderá proceder-se, fora dós casos previstos no artigo
anterior, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsa­
bilidade na questão em que tal apresentação for exigida — art. 43fl do Có­
digo Comercial".

259
O que se pretende afirmar é que, independentemente da
discussão a respeito da natureza cautelar de tal exibição, o re­
sultado prático da exibição em juízo da coisa ou do documento
será a produção de uma prova. Pode-se, nesse caso, falar até
mesmo em efeito secundário ou reflexo da exibição, consideran­
do que a satisfação de um direito material sobre a coisa é a tute­
la principal do processo, mas tal característica é insuficiente para
deslocar a função probatória de tais demandas. Se provar é de­
monstrar um fato, qualquer que tenha sido o direito que funda­
mentou a exibição, ainda que indiretamente, proporcionará uma
prova judicialmente produzida, o que já é suficiente para incluir
tal demanda no rol das ações probatórias autônomas.
A doutrina espanhola, ao apontar a não-cautelaridade das
diligencias preliminares, afirma ser a principal função de tal
instituto obter, por via judicial, informações de caráter proces­
sual ou substancial sem as quais não se poderia iniciar um
processo sem o risco de a parte incorrer em erros que conduzi­
riam o processo à inutilidade ou ao fracasso das pretensões a
serem exercitadas em tal demanda. Não descuidam, entretanto,
da função, ainda que secundária, da produção da prova. Defen-
de-se corretamente que, mesmo se não for esse o objetivo prin­
cipal do demandante, ao obter os dados indispensáveis à pro-
positura, à regularidade ou ao sucesso da ação principal, ao ser
realizada a diligencia preliminar e exibida em juízo a coisa ou
documento — bem como ao ser obtida a confissão no caso
específico de averiguar a capacidade ou legitimação do réu —,
estar-se-á produzindo prova302.

302A. Alvaréz Alarcon, Las diligencias preliminares del proceso civil/ cit., p. 43: '
"Es aqui donde encajan las diligencias preliminares, las cuales pueden tener
como finalidad, aunque quizás de segundo orden respecto de Ia de cumplir
los presupuestos procesales, obtener alguna fuente de prueba"; Vicente
Gimeno Sendra, Derecho procesal civil/ cit., p. 270-271: "Como regia ge­
neral no puede afirmarse Ia naturaleza probatoria de dichas diligencias, sino
Ia de 'actos civiles instructorios' (similares a las que se practican en el
Vorverfahren alemán — fase escrita previa a Ia audiência principal, cuya
finalidad consiste en aportar el material de hecho al proceso — o a nuestro

260
Há, até mesmo no direito espanhol, uma situação específi­
ca de diligencia preliminar em que se mostra, de forma nítida e
incontestável, a natureza probatória dessa demanda de cunho
exibitório. Trata-se de normas referentes à Ley de Patentes (arts.
129-132), à Ley de Marcas (art. 40) e à Ley de Competencia Des­
leal (art. 24), em que as diligências, expressamente, justificam-se
na comprovação de fatos. Nesses casos, a própria doutrina ates­
ta a natureza nitidamente probatória de tal demanda judicial, o
que, inclusive, aproxima-a da prova antecipada, ainda que seja
mantida a diferença de que, na exibição, não existe o perigo de
a prova não poder ser produzida posteriormente303.

expediente administrativo en el proceso contencioso-administrativo) que


podrán servir o no al actor para fundar su pretensión en la demanda; pero
excepcionalmente las contempladas en los números 2fl, 3a y 5a del art. 261
constituyen actos de 'prueba preconstituida', pues el respeto al principio de
contradicción y, sobre todo, la necesaria intervención judicial ha de dotar
a esta diligencia del mismo valor probatorio que en el proceso penal suce­
de con la diligencia de registro o la de recogida de efectos y cuerpo del
delito. Por esta razón, mejor hubiera sido un tratamiento legal común de
estas diligencias con los actos de aseguramiento de la prueba". No mesmo
sentido, Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho procesal civil/ cit., p.
609: "Independientemente de las diligencias preliminares, peroen estrecha
afinidad con ellas, pueden considerarse las figuras que se llaman 'práctica
anticipada' y 'aseguramiento de la prueba', pues aunque de régimen no
idêntico, se trata también de actuaciones judiciales, preliminares a un pro­
ceso principal, con la finalidad de facilitarlo y asegurarlo, para evitar que,
de otro modo, quede perjudicada la aclaración de algún extremo que inte-
rese a alguna das partes".
303!gnado Diéz-Picazo Gtmenez, Derecho procesal civil, cit., p. 231: "Actual-
mente esta remisión debe entenderse hecha a los arts. 129-132 de la Ley de
Patentes, en los que se regulan las denominadas diligencias para comproba-
ción de hechos, que son aplicables tanto en los litigios sobre patentes, como
por remisión, en los litigios sobre marcas (v. art. 40 de la Ley de Marcas) y
sobre competencia desleal (v. art. 24 de 1a Ley de Competencia Desleal). Lo
cierto es que estas diligencias de comprobación de hechos exceden de la
finalidad própia de las diligencias preliminares, consistente en la prueba
anticipada, si bien la diferencia con ésta estriba en que aqui no hay un ries-
go de que en el futuro la prueba no se pueda practicar, sino la imposibilidad
de acceder a la fuente de la prueba sin auxilio de la autoridad judicial".

261
2.4. Exibição cautelar de coisa ou de documento
Por fim, resta a quarta espécie de exibição, de natureza
inegavelmente cautelar, sempre antecedente à ação principal
Nesse caso, será exigida a observância dos requisitos tradicionais
da tutela cautelar, em especial o periculum in mora em sua
conceituação clássica para as cautelares probatórias. O perigo
de que o documento ou a coisa não possa ser exibido futura­
mente, no momento adequado para tanto — fase instrutória do
processo de conhecimento —, será determinante para que a
exibição tenha natureza cautelar e possa ser tratada à luz dos
arts. 844 e 845 do CPC.
A partir da premissa de que, se houver o perigo de a prova
não poder mais ser produzida no momento adequado a tanto,
toda exibição autônoma terá natureza cautelar, o que deverá ser
analisado no caso concreto. Assim, de todas as hipóteses de
direito à exibição previstas pelo art. 844 do CPC, será possível
verificar a cautelaridade, a depender sempre do caso concreto304.
O direito à produção antecipada da prova poderá ser puro, ou
seja, fundado no mero interesse de garantir que a prova não se
perca, como também poderá ser reflexo, sempre que, além des­
se objetivo, o direito à exibição esteja fundado no direito mate­
rial que o autor tem na exibição da coisa ou do documento. A
diferença entre essas duas situações é que, no segundo caso,
como o autor não necessita demonstrar que a prova corre peri­
go, fundamenta seu pedido exclusivamente no direito material
à exibição, embora possa ser interessante a alegação de perigo
em eventual pedido de liminar na exibição, o que só se justifi­
caria se a prova correr um iminente perigo de se perder.
O fumus boni iuris da exibição cautelar não destoa subs­
tancialmente daquele exigido para a produção antecipada de

304Para Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, cit., p.


167-171, o entendimento exposto aplica-se exclusivamente aos dois pri­
meiros incisos do art. 844; na hipótese do inc. III, a cautelar será sempre
satisfativa.

262 „
prova e já analisado de forma exaustiva em capítulo precedente.
A dificuldade na aferição de tal elemento, mais uma vez, mostra-
se clara em virtude do objeto da cautelar exibitória, que tem
como único objetivo produzir uma prova que se perderia na
hipótese de não ser interposta a demanda judicial, não se po­
dendo exigir, para sua configuração, nem mesmo de forma su­
mária e superficial, a existência do direito material que será
objeto da futura e eventual ação principal.
Diante da absoluta discrepância entre o direito à prova,
protegido pela exibição cautelar, e o direito material que será
objeto da ação principal, não se pode concordar com o enten­
dimento exposto por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira305, para
quem "o autor da ação cautelar deve, além disso, convencer o
juiz da verossimilhança do próprio direito a ser exercido na
demanda principal e na qual pretende usar a prova, assegurada
preventivamente". O direito à prova não se confunde com o
direito material a ser discutido na ação principal, de modo que
é absolutamente possível a existência de um sem que o outro
exista. Exigir a aparência de existência do próprio direito mate­
rial — em cognição sumária —, como pretende o processualis-
ta referido, é limitar demasiadamente o âmbito da cautelar
exibitória, afastando a parte que tenha, efetivamente, o direito
à prova de sua proteção, mas que, em razão do estado ainda
inicial da exposição de suas pretensões, não consiga demonstrar
a "verossimilhança do próprio direito a ser exercido na deman­
da principal".
Mais uma vez, nota-se a dificuldade da verificação de tal
elemento no caso concreto, o que faz com que, na prática fo­
rense, haja significativa postura de encará-lo de forma bastante
flexibilizada. Conforme já visto no tocante à produção anteci­
pada de prova, por ser o objeto das cautelares probatórias com­
posto pelo mero direito à produção de uma prova na hipótese
de existir perigo fundado de que a espera pelo momento ade­

305Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 208.

263
quado para tal produção a torne impossível, será simplesmente
analisado se o autor tem tal direito à prova, ainda assim por meio
de cognição sumária, típica das demandas cautelares.
Volta a ter importância o previsto no art. 344 do CPC, o
qual indica fatos que não são objeto de prova e que, bem por
isso, não dão à parte o direito de sua produção. As ponderações
feitas no tocante à produção antecipada de provas aplicam-se,
em sua inteireza, à cautelar exibitória no tocante aos fatos no­
tórios e aos fatos para os quais exista presunção legal de exis­
tência ou de veracidade.
No tocante ao periculum in mora, o Código de Processo Civil
foi mais feliz na cautelar exibitória do que na produção antecipa­
da de provas, porque simplesmente se omitiu a respeito dos fatos
que ensejariam o perigo de a prova não poder ser produzida em
seu momento adequado, de modo a evitar quaisquer restrições ao
cabimento da ação cautelar. A postura adotada pelo legislador ao
regular a produção antecipada de provas já foi devidamente criti­
cada em capítulo próprio, no qual se demonstrou que a doutrina
e mesmo a praxe forense tratam o rol de fatos que geram o pericu­
lum in mora de maneira exemplificativa, ao afastar a pretendida
taxatividade presente nos arts. 847 e 849 do CPC. Com relação à
cautelar de exibição, diante do silêncio legislativo, fica ainda mais
fácil a defesa da tese de que qualquer fato que possa levar ao
fundado perigo de a prova não mais poder ser produzida enseja o
acolhimento da pretensão exibitória cautelar.
Dessa forma, qualquer que seja a alegação fática do reque­
rente da ação cautelar, a comprovar, sumariamente, o perigo de
o documento não mais poder ser exibido em juízo no momento
da fase de instrução do processo de conhecimento, estará pre­
enchido o requisito do periculum in mora. Inclui-se tradicional­
mente, nessas situações, o perigo de destruição, de ocultação,
de modificação ou de deterioração completa ou parcial do do­
cumento ou da coisa a justificar a demanda cautelar exibitória.
É natural que esses elementos sejam analisados à luz das
condições da ação, aliás, como ocorre com todas as demandas
judiciais. No processo cautelar, apesar da dificuldade-prática de

264
separar o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido
do fumus boni iuris e do periculum in mora, as condições da ação
têm papel fundamental para aferir a adequação da pretensão do
autor. Também nesse tocante, as ponderações feitas para a pro­
dução antecipada de provas são plenamente aplicáveis à caute­
lar exibitória, o que, mais uma vez, reforça a proximidade — ou
mesmo a identidade — dessas duas espécies de ação judicial.
No tocante a possibilidade jurídica do pedido, há um dado
a acrescentar, referente ao art. 363 do CPC, que cataloga as
principais hipóteses do direito à não-exibição, dispositivo legal
que deve ser analisado à luz do art. 358 do mesmo Código.
Nesses casos, faltará ao requerente a possibilidade jurídica do
pedido, considerando que o próprio ordenamento jurídico, no
choque entre os valores da produção da prova e da intimidade
e privacidade do sujeito que tem em seu poder o documento,
prefere resguardar o segundo. Caso não seja possível a exibição
da coisa ou do documento em juízo por vedação legal, qualquer
pretensão que esbarre nas hipóteses previstas pelo dispositivo
legal mencionado estará fadada ao insucesso por impossibilida­
de jurídica do pedido306.
O art. 363, inc. I, do CPC dispõe que a parte poderá escu­
sar-se em exibir em juízo documento ou coisa "se concernente
a negócios da própria vida da família". Nessa regra legal, resta
evidenciado o caráter de proteção à intimidade e à privacidade
não só do sujeito que tem em seu poder o documento ou a coi­
sa como também de sua família. Assuntos familiares são prote­
gidos do conhecimento de terceiros que com eles não se rela­
cionam, exceto, naturalmente, aqueles que, por seu conteúdo,
sejam comuns às partes (art. 358, inc. III, CPC); excetuam-se
ainda os casos em que a parte tenha obrigação legal de exibir o
documento ou a coisa (art. 358, inc. I, CPC)307.

306Nesse sentido, as lições de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários


ao Código de Processo Civil/ cit., p. 211.
)07É correta a observação feita por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 436: "A restrição,

265
Há, no direito português, uma regra semelhante a essa, no
art. 519Q, 3, b, que trata do dever de cooperação para a desco­
berta da verdade, a indicar ser legítima a recusa no caso de
"intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na cor­
respondência ou nas telecomunicações". A melhor doutrina
portuguesa aponta para o respeito dos direitos fundamentais
impostos pela Constituição Federal daquele país, em especial o
direito à intimidade e privacidade, a exemplo do que ocorre no
Brasil308.
A segunda hipótese de recusa justificada em exibir prevista
pelo dispositivo legal ora comentado diz respeito à possibilida­
de de violação ao dever de honra (art. 363, inc. II, CPC). A
norma legal deve ser interpretada conjuntamente com a primei­
ra parte do art. 363, inc. III, do CPC, que admite a escusa na
exibição "se a publicidade do documento redundar em desonra
à parte ou a terceiro, bem como a seus parentes consangüíneos
ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação
penal". Apesar da extrema dificuldade em conceituar objetiva­
mente o "dever de honra", o melhor entendimento é o de que
o legislador procurou preservar a integridade do patrimônio
moral da parte, o que restaria abalado se o documento ou a
coisa viessem a ser exibidos em juízo. Nesse caso, a própria
existência do documento, além de seu conteúdo, poderá resul­
tar em abalo de credibilidade da parte, por proporcionar o co­
nhecimento de terceiros sobre algo que prejudique, de alguma
forma, a honra da parte ou de terceiro, que nela confiou ao
deixar em seu poder a coisa ou o documento.

portanto, diz com a interferência do conhecimento público a assuntos ex­


clusivamente vinculados à vida particular do sujeito passivo da exibição ou
à de sua família próxima". No mesmo sentido os ensinamentos de Pontes de
Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1974, t. IV, p. 334, e de Carlos Alberto Dabus Maluf, "Exibição de documen­
to ou coisa". Revista Forense/. Rio de Janeiro, Forense, n. 302, p. 266.
308Para José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado/ cit., p. 410,
trata-se de limite absoluto.

266
Mais uma vez, o direito português tem norma bastante si­
milar ao do direito pátrio, embora, nesse caso, mostre-se superior
em termos de clareza a respeito do objeto que se pretende efe­
tivamente proteger ao admitir a escusa em exibir a coisa ou
documento. Prevê o art. 519°, 3, a, do CPC ser legítima a recu­
sa se a exibição importar em "violação da integridade física ou
moral das pessoas" e deixa suficientemente claro que é o patri­
mônio moral do sujeito ou de terceiro a ele próximo que se
procura preservar, por tratar-se de direito intimamente ligado às
garantais constitucionais de privacidade e de intimidade.
O art. 363, inc. III, em sua parte finai, legitima a escusa na
exibição de coisa ou de documento que possa representar peri­
go de ação penal Essa hipótese de recusa é bastante curiosa;
toma-se por base para tal conclusão a impossibilidade de o juiz,
diante de fato que possa tipificar crime, deixar de tomar as de­
vidas providências no sentido de enviar comunicação aos órgãos
competentes para a averiguação da conduta. Na verdade, se não
o fizer, estará o juiz tipificado no crime de prevaricação, previs­
to na legislação penal. Dessa forma, o requerido terá a difícil
missão de convencer o juiz de que não poderá exibir a coisa ou
o documento sem fornecer elementos mínimos para a tomada
de atitude antes descrita. No mínimo, trata-se de um paradoxo
difícil de ser superado.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart309tentam
dar solução ao problema:

"De outra parte — como já se observou a respeito do de­


poimento da parte — nem será exigível que a parte ou
terceiro, para albergar-se no dispositivo em exame, impug­
ne o pedido com a alegação de perigo de ação penal Isto
é óbvio, já que não fosse de outra forma, a mera justifica­
tiva do sujeito (para a não exibição) já poderia gerar o
mesmo perigo, sendo suficiente para fornecer indícios de
ilícito, forçando o juiz a comunicar o fato à polícia, para

309cf Comentários ao*Código de Processo Civil/ cit., p. 438.

267
investigação. Assim, sempre, o requerimento de exibição
merecerá análise preliminar pelo juiz, que, verificando, pela
descrição do documento ou da coisa a ser exibido, bem
como da finalidade da exibição, deverá ab initio declarar
que vislumbra possibilidade de incriminação no documen­
to, exonerando o sujeito de exibi-lo em juízo".

A construção é reconhecidamente interessante, pois evita,


no caso concreto, maior contato do juiz com elementos que
poderiam incriminar o demandado ou terceiro, mas não se pode
deixar de afirmar que, na prática, dificilmente será exigível do
juiz tal conduta, mesmo porque o interesse em não se incriminar
é do demandado e não do julgador, que, ao menos em tese,
pretende ver o documento ou a coisa exibido em juízo, ainda
mais se levar ao conhecimento de um ato criminoso. Dessa
forma, parece mais correto e consentâneo com a prática foren­
se imaginar que a escusa ora analisada somente será eficaz, sem
causar maiores prejuízos ao demandado ou terceiro, se o patro­
no do primeiro conseguir, com grande habilidade, demonstrar
a causa da recusa sem, entretanto, dar elementos mínimos sufi­
cientes para o juiz determinar, na esfera penal, a averiguação do
fato. Essa é uma tarefa extremamente penosa, mas, até que se
prove o contrário, possível.
No art. 363, inc. IV, do CPC vem prevista a escusa "se a
exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por
estado ou profissão, devam guardar segredo". O dispositivo
descreve dois deveres de sigilo distintos pela relação por que o
documento ou a coisa foram confiados ao demandado. Na pri­
meira hipótese, há o dever de guardar sigilo em virtude do esta­
do, como ocorre com os líderes religiosos, que, por sua função,
poderão negar-se a exibir documentos ou coisas que lhes tenham
sido confiados pelos fiéis. Na segunda hipótese, há o dever de
sigilo pela profissão exercida, devendo o demandado ter rece­
bido a coisa ou o documento de seu cliente em virtude dessa
relação estabelecida entre eles.
Na hipótese de direito de escusa fundada em razão do
exercício da profissão, é importante lembrar que a recusa não é

268
absoluta, de modo que deve o juiz ponderar, no caso concreto,
sobre sua admissibilidade, ao aplicar a regra da proporcionali­
dade. Os próprios regramentos de algumas entidades profissio­
nais demonstram que a regra não é absoluta, como é o caso do
art. 102 do Código de Ética Médica, que abre a possibilidade de
o médico revelar fatos conhecidos no exercício de sua profissão
por justa causa, o que também ocorre com os advogados, em
razão do art. 34, inc. VII, do Estatuto da Ordem dos Advogados
do Brasil, que considera infração disciplinar a quebra de sigilo
profissional somente sem justa causa.
Mais uma vez, encontra-se no direito português norma
bastante similar, ao prever o art. 519Q, 3, d, do CPC a legitimi­
dade na recusa nos casos em que a exibição puder violar sigilo
profissional ou de funcionários públicos. Segundo a melhor
doutrina, essa legitimidade não é absoluta,

"aplicando-se quanto a ele, por remissão do n. 4, o disposto


nos arts. 135, CPP (segredo profissional, abrangendo os mi­
nistros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os
médicos, os jornalistas, os membros de instituições de cré­
dito e as demais pessoas que a lei permitir ou impuser que
guardem segredo profissional), 136, CPP (segredo de funcio­
nários, relativamente a factos que constituam segredo e de
que tenham tido conhecimento no exercício de suas funções)
e 137, CPP (segredo de Estado, nos termos da Lei 6/94, de 7
de abril, abrangendo nomeadamente os factos cuja revelação
possa causar dano à segurança, interna ou externa, do Esta­
do Português ou à defesa da ordem constitucional"310.

Por fim o art. 363, inc. V, do CPC prevê hipótese que não
deixa margem para dúvidas do caráter meramente exemplifica-

3,0Cf. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado/ cit., p. .410. No
direito italiano, existe norma similar (art. 210, CPC), a remeter o direito de
não exibir a segredos previstos pelo CPP (arts. 200 a 202). O Codigo de
Procedimiento Civil do Chile, no art. 349, exime a exibição quando o ins­
trumento tiver "caracter de secretos o confidenciales". .•

269
tivo dos incisos anteriores, ao admitir como legítima a recusa "se
subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio
do juiz, justifiquem a recusa da exibição". Nesse tocante, caberá
ao juiz, no caso concreto, valorar o direito à produção da prova
e o direito de não exibi-la exposto pelo requerido em sua contes­
tação, ao aplicar ao caso concreto a regra da proporcionalidade
para verificar qual o maior proveito em termos de direitos contra­
postos, o da exibição ou não da coisa ou documento em juízo.
Registre-se ainda que, em virtude do art. 363, parágrafo
único, do CPC, "se os motivos de que tratam os incs. I a V dis­
serem respeito só a uma parte do conteúdo do documento, da
outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo".
Naturalmente que, se parcela da coisa ou do documento não
estiver protegida pelas causas de escusa na exibição, não teria
sentido privar o demandante de seu conhecimento, de modo
que é extremamente feliz o dispositivo legal ao permitir a extra­
ção de suma de tal parte da coisa ou documento. Naturalmente,
nesse caso, a extração da suma será de responsabilidade do
demandado, sem o que o demandante teria acesso à integrali-
dade da coisa ou do documento e a proteção legal ora comen­
tada restaria completamente esvaziada.
É importante ressaltar, conforme a melhor doutrina, que os
casos apresentados no dispositivo legal em exame dão ao de­
mandado o direito de não exibir a coisa ou o documento em
juízo, mas será incorreta a conclusão de que crie às partes o
dever de não fazê-lo, ainda que, no caso de sigilo profissional,
tal conduta possa resultar em sanções de toda ordem — admi­
nistrativas, penais e civis. Dessa forma, se o demandado, mesmo
amparado pela lei, preferir apresentar seus documentos em juí­
zo, assim poderá proceder311.

311Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código


de Processo Civil/ cit., p. 440, e Sérgio Sahione Fadei, Código de Processo
Civil comentado/ cit., p. 436. Em sentido contrário, Ernane Fidélis dos San­
tos, Manual de direito processual civil/ cit., p. 465: "Sobre segredo profis­
sional ou em razão de estado, a questão é de ordem pública e interessa à

270
Essa circunstância é de extrema importância para a defini­
ção do momento em que o juiz deverá prolatar a sentença ex­
tintiva da ação cautelar exibitória, sobre o que parece ser mais
correto sempre aguardar a resposta do requerido, que, ao alegar
e convencer o juiz de uma das matérias do art. 363 do CPC,
levará o processo à extinção pela sentença terminativa de ca­
rência de ação (art. 267, inc. VI, CPC). Nesses casos, portanto,
será precipitada a extinção liminar por meio de indeferimento
da petição inicial (art. 295, incs. 1, parágrafo único, III, CPC).
No tocante ao interesse de agir, deverá o requerente de­
monstrar que não teria outra forma de obter acesso à coisa ou
ao documento que não por intervenção judicial, o que não
ocorrerá, por exemplo, na hipótese de ser possível a obtenção
do documento por meio de pedido de certidão diante do órgão
competente. A inutilidade da intervenção do Poder Judiciário
para a obtenção do pretendido pelo requerente justificará o in­
deferimento da petição inicial por carência de ação (art. 295,
inc. III, CPC).
No direito espanhol, a doutrina demonstra extrema preo­
cupação com a necessidade de intervenção jurisdicional para a
exibição da coisa ou do documento e lembra que a instrução da
demanda fica geralmente ao encargo da parte, e somente se
admite a intervenção do Poder Judiciário quando for impossível
a obtenção dos dados necessários à propositura da demanda
judicial por atividade exclusiva da parte. A preocupação leva
em conta também o direito de posse ou de propriedade do re­
querido sobre o bem, de forma a evitar seu desnecessário incô-

própria sociedade seu resguardo. Nos demais casos apontados, ainda que
ocorra a circunstância, a parte ou terceiro podem revelar fatos e apresentar
voluntariamente o documento ou a coisa. Mas, se ocorre sigilo em razão
de estado ou profissão, o próprio juiz não deve admitir a exibição", fóra
Carlos Alberto Dabus Maluf, Exibição de documento ou coisa, cit., p. 266,
o sigilo, nesses casos, é uma obrigação jurídica do demandado. Também
fala em dever, José Raimundo Gomes da Cruz, "Exibição de documento ou
outra coisa". Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 124, 2005, p. 75.

271
modo se for possível a obtenção dos dados sem a intervenção
jurisdicional312.
A terceira e última condição da ação — legitimidade de
parte — mantém peculiaridade presente na ação de produção
antecipada de provas e já devidamente analisada no capítulo
próprio, qual seja, a de que tanto o autor como o réu da futura
e eventual demanda principal poderão mover a ação judicial
cautelar de exibição; por estar ligada ao direito de provar, qual­
quer desses sujeitos poderá manusear a demanda cautelar pro­
batória313. A especialidade fica por conta da possibilidade de
legitimação passiva de terceiro, ou seja, de sujeito que não virá
a compor o pólo passivo ou ativo da ação judicial principal,
característica que será analisada de forma mais detalhada ao
tratar-se do procedimento da cautelar exibitória.

3. CONCLUSÃO A RESPEITO DAS DIFERENTES ESPÉCIES


DE EXIBIÇÃO DE COISA O U DE DOCUM ENTO
Das quatro possíveis espécies de exibição de coisa de ou
documento admitidas pela doutrina nacional — uma de forma
incidental e três por meio de ação autônoma —, a distinção
essencial é que, em especial nas três formas exibitórias autôno­
mas, diferente será o direito alegado pelo autor para obter tal
exibição. Por vezes, esse direito será material, por dizer respei­
to à própria coisa — documento próprio e comum; outras vezes,
dirá respeito ao direito processual de produzir a prova quando
esta correr o risco de perecer em virtude do tempo. Seja como
for, um dos resultados práticos gerados pela exibição da coisa
ou do documento em juízo será sempre a produção de uma

3.2A tratar do requisito da necessidade como indispensável para a adoção das


diligencias preliminares, as lições de Julio Banacloche Palao, Las diligencias
preliminares/ cit., p. 50-52, e A. Alvaréz Alarcón, Las diligencias preliminares
del processo civil, cit., p. 68-71.
3.3No direito espanhol, a doutrina tende a atribuir a legitimidade das diligen­
cias preliminares somente ao autor do futuro processo principal. Por todos,
Julio Banacloche Palao, Las diligencias preliminares/ cit., p. 134.

272
prova, que poderá ser utilizada em outra demanda judicial, in­
dependentemente de ser essa ou não a vontade originária do
requerente.
Até é possível verificar a natureza cautelar de todas essas
espécies de exibição se for conceituado o periculum in mora de
forma diversa do tradicionalmente feito pela doutrina, mas essa
questão passa a ser secundária ou a ter menor importância no
tocante à natureza probatória da demanda. Cautelar ou não, o
que dependerá do entendimento a respeito do conceito de pe­
riculum in mora, a exibição terá sempre o efeito de produzir uma
prova a respeito da forma e conteúdo da coisa ou documento,
ainda que não seja esse o objetivo primeiro do autor da ação
autônoma exibitória.
Flávio luiz Yarshell314, em recente trabalho a respeito da
exibição de documento e de coisa, afirma que existem somente
duas espécies de exibição de coisa ou documento: (i) incidental
ao processo como providência instrutória e (ii) objeto de ação
autônoma, "em que a pretensão deduzida consiste precisamen­
te na apresentação do documento ou coisa, de tal maneira que
o provimento jurisdicional ater-se-á a essa pretensão". Em seu
correto entendimento, toda demanda exibitória autônoma, qual­
quer que seja seu objetivo — preparar a ação ou evitar a não-
produção da prova no momento adequado —, gera o mesmo
resultado, qual seja, o conhecimento pelo autor de fatos ligados
ao documento ou à coisa exibida. A serventia de tal prova, se
instruirá ou não um processo principal, se servirá para a escolha
da coisa ou se permitirá o ingresso da demanda judicial, pouco
importa para a realidade gerada pela exibição: o conhecimento
da coisa ou documento e a conseqüente produção da prova315.

314Cf. "Breves considerações acerca da exibição de documento ou coisa no


direito positivo brasileiro". In: Luiz Guilherme Marinoni (Coord.) Estudos
de direito processual civil — homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz
de Aragão. São Pàulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 339.
3,5Flávio Luiz Yarshell, "Breves considerações acerca da exibição de documen­
to ou coisa no direito positivo brasileiro", cit., p. 339.

273
Entre as classificações das diferentes espécies de ação de
exibição de coisa e de documento, cumpre registrar a opinião
isolada do processualista mineiro Ernani Fidélis dos Santos, para
quem a exibição de coisa ou documento, mesmo quando pre­
paratória de futura demanda judicial, não terá qualquer nature­
za cautelar, por fundar-se, exclusivamente, no direito de a parte
tomar conhecimento da forma e do conteúdo da coisa ou do
documento. Ao criticar a doutrina majoritária, a qual entende
que, nos casos em que a prova venha a prestar-se a um proces­
so futuro, estar-se-ia diante de um processo de natureza cautelar,
o jurista afirma que o único dado interessante à exibição é o
conhecimento da coisa ou do documento para orientar possíveis
pretensões, relativas seja ao direito material, seja à propositura
de demanda judicial316.
O entendimento, de fato, é bastante interessante e vem ao
encontro da proposta principal deste trabalho, que é permitir
uma demanda cautelar autônoma sem qualquer necessidade de
que a prova a ser produzida corra algum perigo de não poder
ser produzida no futuro. O simples direito ao conhecimento da
forma e do conteúdo da coisa e do documento, como instru­
mento para o demandante melhor valorar suas pretensões base­
adas em tal coisa e documento, já seria o suficiente para a
parte ingressar com demanda autônoma exibitória. Apenas não
parece correta a afirmação de Ernani Fidélis dos Santos ao de­
fender que o objetivo da exibição não é fazer prova, mas sim
tomar conhecimento do conteúdo da coisa ou do documento,
porque tal conhecimento é justamente a formação de uma pro-

316Ernani Fidélis dos Santos, "Aspectos da exibição preparatória de coisa ou


documento", cit, p. 73: "A diferença, na verdade, não se encontra nos fins
da exibição, mas no próprio objeto a que ela possa referir-se. Não há dife­
rença ontológica entre o exame da coisa ou documento para possibilitar o
exercício do direito de opção nas obrigações alternativas e o mesmo examé
para que a parte decida ou não pela instauração de um processo". Rarece
ter o mesmo entendimento Cândido Rangel Dinamarco, "Ação de exibição
de documentos", cit., p. 1414-1424.

274
va a respeito desses aspectos do documento ou da coisa, inde­
pendentemente de sua utilização futura ou não317.
Apesar dessa divergência conceituai a respeito do conhe­
cimento de a coisa ou de o documento ser apto a formar prova
sobre sua forma e sobre seu conteúdo, de modo a revelar-se
tanto ao autor como a terceiros, merece aplausos a teoria defen­
dida pelo processualista mineiro, que defende uma ação de
exibição autônoma sem necessidade de verificação dos requisi­
tos típicos da cautelar — fumus boni iuris e periculum in mora.
O mero direito a conhecer a coisa ou o documento e, ao que
parece, a fazer prova de sua forma e de seu conteúdo seria o
suficiente para proporcionar o direito de exibição autônoma da
parte, o que caracteriza a proposta principal deste estudo, da
existência de ação probatória autônoma baseada no simples
direito à produção da prova.

4. PROCEDIMENTO DA AÇÃO AUTÔNOMA EXIBITÓRIA


Parece haver um consenso entre os doutrinadores nacionais
de que, independentemente da natureza acautelatória ou satis­
fativa que a exibição autônoma de documento ou coisa tenha,
i aplica-se a tal demanda judicial a sumariedade formal típica das
cautelares, o que significa que a ação autônoma de exibição de
documento seguirá sempre o procedimento cautelar, com algumas
especialidades, como a dispensa de cumprimento do disposto
j no art. 806 do CPC, qualquer que seja sua natureza. Dessa forma,
é possível analisar o procedimento de referida ação judicial em
! conjunto, sem as divisões já suscitadas nos tópicos anteriores.
I
i

317Ernani Fidélis dos Santos, "Aspectos da exibição preparatória de coisa ou


documento", cit., p. 72-73: "Pelo que se infere dos exemplos históricos, o
pedido de exibição, ainda que possa ser a causa remota de qualquer pro­
cesso posterior, nunca teve o fito de provar fato, referente a pedido satisfa-
tivo que se vai formular. O objetivo da exibição, na verdade, sempre foi,
para o interessado, o de tomar conhecimento da coisa ou do documento, a
. fim de se posicionar com relação a seu direito ou obrigação, conforme lhe
parecer próprio".

275
«
O art. 845 do CPC prevê: "observar-se-á, quanto ao procedi­
mento, no que couber, o disposto nos arts. 355 a 363, e 381 e382",
todos do Código de Processo Civil. Essa regra remissiva, entretanto,
encontra algumas exceções no tocante à ação autônoma de exibi­
ção de coisa ou documento, que serão analisadas a seguir.

4.1. Competência
No tocante à competência para a propositura da ação autô­
noma exibitória, mais uma vez se levanta a questão a respeito da
aplicabilidade do art. 800 do diploma processual civil, que indi­
ca como órgão competente para conhecer o processo cautelar
aquele que seja competente para conhecer o processo principal
— competência funcional, portanto de natureza absoluta. Apesar
de aparentemente importar, para a definição da competência, a
distinção entre a exibitória principal e satisfativa e a preparatória
e cautelar, porque a regra estabelecida pelo art. 800 do CPC só
poderia ser aplicada à segunda, o enfrentamento do tema à luz
do princípio da eficiência da tutela cautelar demonstrará que tal
distinção é inútil para fins de determinação de qual é o juízo
competente para a ação exibitória autônoma.
Conforme já foi amplamente explorado no capítulo referente
à produção antecipada de prova, nas demandas cautelares proba­
tórias não se vê utilidade no respeito ao disposto no art. 800 do
CPC, sendo muito mais eficaz, para os fins buscados por tais de­
mandas — produção da prova —, fixar a competência no locai
em que a prova deva ser produzida. Apesar de serem mais robus­
tas as razões que levam à desconsideração do artigo lega! mencio­
nado nas hipóteses de prova oral e pericial a serem produzidas
antecipadamente, também na hipótese de exibição de coisa ou
documento será mais consentâneo com os propósitos buscados
fixar a competência no lugar em que a prova deverá ser produzida,
independentemente de sua natureza cautelar ou satisfativa318.

Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil. São


Raulo: Método, 2005, p. 225-227. À luz do Código de Processo Civil de
1939, Lopes da Costa, Medidas preventivas, cit., p. 150, assim se manifes-

276
Em vez da aplicação do art. 800, melhor será aplicar ao caso
concreto a previsão do art. 100, inc. IV, d, do CPC, que indica
como juízo competente o do local "onde a obrigação deve ser
satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento". Rara
tanto, basta considerar que a obrigação a ser cumprida pelo réu
é, justamente, a exibição da coisa ou do documento, de forma
que o juízo competente será o do local em que a exibição deva
ocorrer; subentende-se, nesse caso, ser o local em que se situa a
coisa ou o documento que se pretende ver exibido em juízo. Essa
regra legal deverá ser aplicada, insista-se, tanto na hipótese de
considerar a exibitória cautelar ou satisfativa, porque, em ambas,
a obrigação será de exibir, ainda que o fundamento de tal obri­
gação possa variar, tendo, na primeira hipótese, natureza proces­
sual, e, na segunda, natureza material.
Julio Banacíoche Fàlao319, ao referir-se à diligencia preliminar
que tenha por objeto a exibição de coisa — espécie mais similar
da exibição prevista em nosso ordenamento — em comentário
ao disposto no art. 257 da Ley de Enjuciamiento Civil, que prevê
ser competente o juízo do local do domicílio do demandado,
afirma que a regra busca otimizar a exibição e, de forma crítica,
que, na hipótese de exibição de coisa imóvel, o legislador não
foi feliz em sua escolha, já que a qualidade da prestação jurisdi­
cional objetivada por ele estaria mais bem garantida com a
competência do local onde se situa a coisa — forum rei s/tae. O
mesmo não ocorreria na exibição de bem móvel, devido à difi­
culdade do demandante de saber que local seria esse; por essa
razão, seria preferível a escolha do legislador em apontar como
competente o local de domicílio do demandado.

tava: "A exibição deve ser feita, no caso dos arts. 809 e 810, no lugar da
situação da coisa. Qualquer das partes pode pedir que a exibição se faça
em outro lugar, se para isso houver motivo grave".
3,9Las diligencias preliminares, cit., p. 111. O autor espanhol cita a doutrina
de Garnica Martin, da qual discorda, para quem a própria redação do arti­
go legal seria o suficiente para permitir o ingresso do processo de diligências
preliminares perante o local em que se localize-o bem que será objeto de
exibição em juízo. „

277
O dado curioso a respeito da competência dessa diligencia
preliminar é sua natureza absoluta; deve o juiz analisar sua
competência de ofício e, conforme o caso, remeter imediata­
mente os autos para o juízo competente (art. 257, 2, LEC). Ape­
sar de ter natureza de competência territorial, a função a ser
desempenhada pelas diligencias preliminares justificaria sua
natureza absoluta. É tão grande a crença da doutrina espanhola
em que a fixação de competência no local do domicílio do
demandado se presta a otimizar a realização da exibição que o
próprio estatuto processual prevê, expressamente, tratar-se de
competência absoluta, de modo que deve ser analisada de ofício
pelo juiz, não se admitindo sua prorrogação320.
O entendimento de atribuir, em determinadas hipóteses de
competência territorial, a natureza de competência absoluta não
é desconhecida pelo direito brasileiro, como ocorre no art. 95
do CPC, no art. 2Qdo LACP e no art. 80 da lei do Idoso. É inte­
ressante notar que uma das justificativas utilizadas pela doutrina
que enfrenta o tema é justamente a de que, ao exigir a proposi­
tura dessas demandas no local do imóvel (art. 95, CPC) e no
local do dano (art. 2Q, 1ACP), o trabalho probatório seria facili­
tado, o que, em última análise, resultaria em prestação jurisdi­
cional de melhor qualidade a permitir a conclusão pela sua
natureza de competência absoluta321. Por ser o objeto da exibi­
ção de coisa ou de documento justamente a produção de uma
prova — nisso todas as cautelares probatórias têm a mesma
característica —, a coerência de pensamento dessa parcela da
doutrina deveria levar a concluir por sua competência absoluta

320JulÍo Banacloche Palao, Las diligencias preliminares, cit., p. 114-115; Vicen­


te Gimeno Sendra, Derecho procesal civil, cit., p. 275; Victor Moreno Ca-
tena, Derecho procesal civil/ cit., p. 168-169.
321Nesse sentido, a respeito da regra do art. 95 do CPC, Nelson Nery Jr. e Rosa
Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado/ cit., p. 494;
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 320;
Luiz Fux, Curso de direito processual civil/ cit., p. 99. No direito argentino,
Lino Enrique Palácio, Manual de derecho procesal civil/ cit., p. 196.

278
do local do bem a ser exibido, o que, inegavelmente, otimizaria
a exibição e, dentro desse pensamento, proporcionaria uma
tutela jurisdicional de melhor qualidade.
Ocorre, entretanto, como já demonstrado em trabalho
anterior, que não é a facilitação da produção da prova que
determina a natureza de competência absoluta dessas hipóte­
ses, mas a natureza e a relevância do direito material debati­
do322. Dessa forma, a simples exibição de coisa ou de docu­
mento não parece ter a relevância exigida para a exceção de
atribuir natureza absoluta à competência territorial; assim,
deve-se entender que, apesar de a regra mais adequada à boa
prestação jurisdicional ser a do local em que se localiza a
coisa ou documento, poderá haver tanto a prorrogação legal
como a convencional

4.2. Legitimidade
Conforme já se expôs anteriormente, a legitimidade para a
ação autônoma exibitória apresenta uma peculiaridade própria
das cautelares probatórias: a possibilidade de quebrar-se a regra
de que o requerente e o requerido da ação cautelar serão autor
e réu do processo principal, de modo a serem mantidos os pólos
processuais de atuação em ambos os processos. Na exibição,
será sempre possível imaginar a situação em que o futuro e
eventual réu de uma demanda judicial ingresse com ação de
exibição, cautelar ou satisfativa, simplesmente para tomar co­
nhecimento do teor e do conteúdo do documento ou da coisa,
a fim de melhor se preparar para defender-se no eventual e fu­
turo processo principal323.

322Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, cit., p.


106-109; Brunela Vieira DeVicenzi, "Competência funcional — distorções".
Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 5, 2002, p. 280-281.
323Nesse sentido as lições de Carlos Alberto Álvaro Oliveira, Comentários ao
Código de Processo Civil/ cit., p. 210; Pontes de Miranda, Comentários ao
Código de Processo Civil/ cit., p. 242-243.

279
A exibição proposta pelo futuro demandado no eventual e
futuro processo principal também pode justificar-se como meio
de inibição na propositura de tal demanda. Ao ser notificado de
que poderá vir a ser demandado com fundamentos equivocados
referentes a uma coisa ou a um documento, poderá exigir sua
exibição em juízo justamente para que o sujeito que pretendia
propor tal demanda perceba que não tem fundamentos para
tanto. Como a ação de exibição autônoma não decide coisa
alguma a respeito do conteúdo do documento, apenas se pres­
tando à exibição em si, evidentemente essa serventia só poderá
ocorrer se o documento ou coisa estiver em posse de terceiro,
de forma que o requerido também não tenha acesso a seu con­
teúdo. Se o documento ou a coisa já estiver em poder do sujei­
to que pretende mover ação judicial porque acredita ter nos
mesmos os fundamentos suficientes, o provável réu de tal de­
manda só poderá esperar sua citação para demonstrar, em sua
defesa, o equívoco do entendimento do autor.
Nesse caso, entretanto, o futuro e eventual autor da de­
manda principal não será parte na ação autônoma de exibição,
que deverá ser promovida contra o terceiro em cujo poder se
encontra o documento ou a coisa. De qualquer forma, será
sempre possível, nesse caso, ao demandante requerer a intima­
ção do terceiro — futuro e eventual autor da ação principal
— para que funcione como assistente atípico nesse processo,
com o único objetivo de que tenha, judicialmente, conheci­
mento do teor da coisa ou do documento exibido. Trata-se da
atípica assistência provocada utilizada na produção antecipada
de provas, com suas devidas adaptações. Ainda que não se
entenda possível tal espécie de intervenção anômala, será sem­
pre possível a remessa extrajudicial de cópia do documento ou
da coisa ao sujeito que não participou do processo, o que po­
derá mostrar-se suficiente para desestimulá-lo a ingressar com
a demanda judicial.
No tocante à legitimação ativa, parece não surgirem ques­
tões muito complexas; basta, para tanto, que o demandante seja
. titular do direito, material ou processual, à exibição. Nas hipó­

280
teses em que haja uma ação principal na qual a prova produzi­
da seja novamente produzida, agora sob a forma documental,
presume-se que o requerente da ação exibitória faça parte dela,
em regra no pólo ativo e, excepcionalmente, no pólo passivo.
Nesse ponto, entretanto, surge uma interessante característica
da exibição autônoma de coisa ou de documento. Apesar da
raridade com que vem a ocorrer na praxe forense, é absoluta­
mente possível que um sujeito que não teve qualquer participa­
ção na exibição autônoma tome conhecimento deste e, durante
o tempo em que a coisa ou o documento fique à disposição do
juízo, proceda a sua documentação, de modo a poder utilizá-la
em demanda totalmente alheia aos sujeitos que participaram do
processo no qual ocorreu a exibição.
É justamente em razão de tal circunstância que, diferente­
mente do que ocorre na produção antecipada de prova oral e
pericial, um sujeito que não vá participar do processo principal
tenha legitimidade passiva para a demanda cautelar; basta, para
tanto, que seja o atual detentor da coisa ou do documento. Fala-
se, nessa hipótese, em demanda movida perante terceiro, sempre
com os olhos voltados à futura e eventual ação principal, porque,
na exibição, naturalmente ele será parte, ao compor o pólo
passivo. A expressão "exibição em face de terceiro" devido à
autonomia dessas duas demandas, deveria ficar reservada à
exibição incidental, na qual sua qualidade de terceiro em relação
ao processo já existente resta clara e indiscutível
Seja como for, em virtude da característica especial da
prova produzida por meio de exibição de coisa e de documen­
to, que poderá gerar, regularmente, seus efeitos perante sujei­
tos que não participaram do processo autônomo de exibição,
não resta dúvida de que o sujeito que não será réu na futura
e eventual demanda principal possa vir a ter legitimidade
passiva a participar do processo exibitório. O que importará
na fixação de sua legitimidade não é a relação que guarda
com a futura e eventual ação principal, mas com a coisa ou
com o documento que se pretende ver exibido em juízo. Se
estiver em poder do objeto da exibição, será legitimado pas­

281
sivo a figurar na demanda que tenha como propósito sua
exibição em juízo324.
Mais uma vez, é interessante uma análise de direito com­
parado com as diligencias preliminares previstas no ordenamen­
to espanhol, o qual tem norma específica que atribui legitimi­
dade passiva ao sujeito que tenha em seu poder a coisa a ser
exibida, de modo a permitir, de maneira bastante clara, que fi­
gure no pólo passivo sujeito estranho à futura ação principal. A
melhor doutrina espanhola lembra, com acerto, que a fixação
de quem seja o sujeito que, efetivamente, tem em seu poder a
coisa ou o documento pode representar tarefa de extrema difi­
culdade ao demandante, de forma que, para atribuir a legitimi­
dade ao demandado, bastaria que, mesmo não tendo um poder
físico sobre a coisa ou o documento no momento da propositu­
ra da demanda, disponha sobre eles de certo poder que possi­
bilite sua exibição em juízo325.

4.3. Petição inicial e liminar


Em virtude do princípio da inércia da jurisdição, consagra­
do no art. 262 do CPC — salvo excepcionais exceções —, toda
demanda judicial na esfera cível se iniciará por provocação do
interessado pelo ingresso de uma petição inicial Há regramen-
to genérico, referente a esse importante ato processual, no art.
282 do diploma processual civil, e regramento específico, no
tocante à cautelar, no art. 801 do CPC. É da conjugação desses
dois dispositivos, com as especialidades geradas pelo procedi­
mento estabelecido pelo Código de Processo Civil às demandas
exibitórias, que se determinarão os elementos necessários a
compor a petição inicial na ação exibitória autônoma, sempre

324Assim já se manifestou Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e


comercial/ cit., v. IV, p. 507; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários
ao Código de Processo Civil/ cit., p. 210; Ernane Fidélis dos Santos, Manual
de direito processual civil/ v. II, cit., p. 381.
323Cf. julio Banacloche Palao, Diligencias preliminares, cit., p. 136-137.

282
à luz do procedimento de exibição incidental previsto pelo es­
tatuto processual, no que couber.
A primeira questão que deve ser abordada diz respeito à
necessidade ou não do cumprimento do disposto no art. 801,
inc. III, que, ao exigir do demandante a indicação da "lide e de
seus fundamentos", obriga-o a indicar, na petição inicial caute­
lar, o objeto do futuro e eventual processo principal, de modo a
permitir ao juiz a análise da necessária instrumentalidade típica
das cautelares. Para parcela da doutrina nacional, a necessidade
de cumprimento da exigência legal dependerá da natureza da
ação exibitória: se cautelar, deverá constar da petição inicial o
objeto da futura e eventual demanda principal, exigência dis­
pensada na hipótese de exibição de natureza satisfativa326.
No tratamento da ação cautelar de produção antecipada
de provas, já houve a oportunidade de defender a tese de que o
art. 801, inc. III, do CPC é inaplicável às cautelares probatórias,
em lição que é plenamente aplicável à ação autônoma exibitó­
ria. As razões lá expostas repetem-se para a espécie de ação
autônoma probatória aqui tratada, passando a ser irrelevante a
definição — para aqueles doutrinadores que o fazem — da na­
tureza cautelar ou satisfativa da exibição327.
Uma especialidade digna de nota no tocante à inicial do
processo autônomo de exibição de coisa ou documento diz
respeito ao cumprimento do exposto no art. 356 do CPC, em
virtude do disposto no art. 845 do mesmo diploma legal, que
determina a aplicação das normas referentes à exibição inciden­
te, naquilo que couber. Há três requisitos imprescindíveis no
dispositivo indicado:

"l — a individuação, tão completa quanto possível, do


documento ou da coisa; II — a finalidade da prova, indi-

326Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/


cit., p. 232.
327Na jurisprudência, Theotonio Negrão e José Roberto F. Couvêa, Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor/ cit., p. 872 (art. 844: 4c).

283
cando os fatos que se relacionam com o documento ou a
coisa; III — as circunstâncias em que se funda o requeren­
te para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha
em poder da parte contrária".

Independentemente da natureza que se pretenda atribuir à


ação exibitória autônoma, os três requisitos previstos pelo art.
356 do CPC justificam-se como requisito da petição inicial por
motivos diferentes.
A individuação da coisa é necessária para a própria confi­
guração do objeto da pretensão do autor, até mesmo para pre­
parar eventual mandado de busca e apreensão na hipótese de
recusa injustificada em exibir do demandado. Não seria possível
a expedição de tal ordem a um oficial de justiça sem a precisão
da coisa ou do documento que o demandante pretende ver
exibido em juízo. Essa exigência também se relaciona intima­
mente com o direito de o demandado conhecer exatamente a
pretensão do demandante, permitindo o exercício pleno da
ampla defesa, que é garantida constitucionalmente. Ao conhecer,
com exatidão, a coisa ou o documento cuja exibição se busca,
o demandado terá melhores condições para definir sua reação:
aceitar o pedido e exibir a coisa ou o documento em juízo ou
negar-se a tanto328.
No tocante à utilidade probatória da exibição, ainda que
não se admita a confissão, conforme se verá de forma mais de­
talhada no momento próprio, será mantida a exigência para que
o juiz possa analisar, com maior precisão, o efetivo interesse
processual do demandante. Parece que, mesmo naquelas exibi­
ções autônomas entendidas pela doutrina como satisfativas, nas
quais a produção da prova não é o objetivo principal do autor,
deverá indicar-se com que propósito se busca tal exibição — es­
colha da coisa, averiguação de sua condição etc.

328A exigência também se encontra no direito italiano, como informa Giorgio


Graselli, L'istruzione probatoria nel processo civile riformato/ cit., p. 132.

284
Por fim, as circunstâncias que levam o demandante a crer
que a coisa ou o documento existe e está em poder do deman­
dado servirão para a análise do juiz, no primeiro caso, sobre a
possibilidade jurídica do pedido, enquanto, no segundo, sobre
a legitimidade passiva.
Excepcionalmente, assim como ocorre com a cautelar de
produção antecipada de provas, poderá ser concedida a liminar,
desde que presentes os requisitos exigidos pelo art. 804 do CPC.
Nessa hipótese, o juiz poderá determinar que, se necessário,
preste-se caução para garantir eventual prejuízo a ser suportado
pelo demandado na hipótese de mostrar-se, futuramente, inde­
vida a exibição, também com amparo no mesmo dispositivo
legal329. Registre-se que a hipótese de concessão de liminar so­
mente se justifica diante de hipótese de extrema urgência, o que
limita tal concessão às exibições denominadas pela doutrina
nacional como cautelares. Conforme já visto, nesse caso seria
possível a indicação de um advogado dativo, para que a prova
não seja produzida somente com a participação do patrono do
requerente. É interessante notar que, no direito espanhol, a
prestação de caução é condição sine qua non para a concessão
das diligencias preliminares; assim, é automaticamente exigida
pelo juiz independentemente do preenchimento de quaisquer
requisitos330.

4.4. Respostas do demandado


O art. 357 do CPC prevê a intimação da parte contrária,
enquanto o art. 360 do mesmo diploma legal determina a citação

329Nesse sentido os ensinamentos de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Co­


mentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 232; Ernane Fidélis dos
Santos, Manual de direito processual civil/ cit., v. II, p. 385; Victor A. A.
Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 242, a
ressaltar tratar-se de "caso de excepcionalíssima e justificada urgência".
330Vicente Gime.no Sendra, Derecho procesal civil/ cit., p. 271; Ignácio Diéz-
Picazo Gimenez, Derecho procesal civil/ cit., p. 233.

285
do terceiro, levando em conta a situação processual de tais su­
jeitos em virtude do processo já existente. Na hipótese de exi­
bição autônoma, naturalmente não haverá sentido em referir-se
ao demandado como terceiro, porque, nessa ação judicial, ele
será sempre a parte contrária. Por servir a citação para integrar
o demandado ao processo, é natural a aplicação do art. 360 do
CPC, com a modificação no tocante ao prazo de resposta, para
o qual deverá ser aplicada a regra do art. 802 do diploma pro­
cessual civil, de modo a conceder ao demandado o prazo de
cinco dias para sua resposta. A aplicação desse dispositivo legal,
inclusive, afasta qualquer possível dúvida a respeito da citação
do demandado e não de sua intimação.
Apesar de a redação do art. 802 do CPC apontar para o
prazo de cinco dias para o requerido apresentar contestação, já
foi devidamente asseverado o equívoco do legislador na utiliza­
ção de uma espécie de resposta em vez de apontar o gênero.
Mais uma vez, torna-se desnecessário desenvolver o entendi­
mento de quais espécies de respostas seriam cabíveis ao deman­
dado na exibição autônoma, sobre o que se aplica aquilo que
já foi exposto quando se tratou das cautelares de antecipação
de prova. Há, entretanto, algumas especialidades dignas de nota
em virtude dos regramentos referentes à exibição incidental
previstos pelo ordenamento processual.
A segunda parte do art. 357 do CPC prevê a hipótese de o
demandado afirmar que não possuiu o documento ou a coisa,
hipótese em que caberá ao demandante o ônus de provar o
contrário, em aplicação pura e simples da regra do ônus da
prova prevista pelo art. 333 do Código Processual Civil. Apesar
da omissão da lei, é natural supor a possibilidade de o deman­
dado também alegar, em sua defesa, que o documento ou a
coisa não existe, o que justificará materialmente sua não-exibi-
ção em juízo. Além dessas duas matérias, também poderá o
demandado levantar qualquer questão processual a respeito da
regularidade formal do processo e das condições da ação, hipó­
tese que, se for admitida, levará à extinção do processo sem o
julgamento do mérito por meio de sentença terminativa, natu­
ralmente apelável (art. 513, CPC). Além disso, poderá ainda

286
impugnar o mérito da demanda, ou seja, o direito no qual se
fundamenta a pretensão do requerente, ao apontar a inexistência
do fumus boni iuris ou do periculum in mora nas demandas re­
conhecidamente cautelares e a inexistência de direito material
a ver exibida a coisa ou o documento na hipótese das chamadas
exibitórias satisfativas.
Além dessas matérias, poderá ainda o demandado alegar
qualquer das hipóteses previstas pelo art. 363 do CPC, sobre recu­
sa em exibir, a que se aplica o art. 358 somente em dois de seus
incisos ("I — se o requerido tiver obrigação legal de exibir" e "lll
— se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes"), sen­
do inaplicável o inc. II ("se o requerido aludiu ao documento ou à
coisa, no processo, com o intuito de constituir prova"). A exclusão
mostra-se óbvia porque não existirá ainda processo para que o
requerido aluda à coisa ou ao documento para fazer prova.

4.5. Ausência de exibição


Na hipótese de ausência de resposta ou ainda de resposta
rejeitada, parece acertada a aplicação do art. 362 do CPC, de
modo a conceder-se um prazo de cinco dias para que o deman­
dado apresente a coisa ou o documento em juízo. Caso não haja
a exibição a qual o juiz já reconheceu ser devida pelo deman­
dado, será absolutamente inaplicável o art. 359, caput, do CPC;
assim, não se admite que os fatos os quais se pretendiam provar
sejam considerados verdadeiros pelo juiz. A impossibilidade de
tal presunção liga-se intimamente à natureza da atividade do
juiz na cautelar exibitória, que se exaure em controlar o direito
do demandante e a regularidade formal do processo; desse modo,
não há qualquer vaíoração a respeito dos fatos331.
Nesse ponto, não existe diferença relevante em relação à
produção antecipada de prova, porque também nessa demanda
não caberá a vaíoração da prova produzida, reservada ao juiz
do processo principal na formação de seu convencimento. O

331Na jurisprudência, Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, Código de


Processo C/V/7e legislação processual em vigor/ cit., p.j872 (art. 845:1).

287
mesmo fenômeno repete-se na exibição autônoma, independen­
temente da natureza cautelar ou satisfativa que se atribua à
demanda judicial, porque, tanto em uma como em outra, não
haverá valoração a respeito da interligação do documento ou da
coisa exibida e dos fatos que se pretendiam — ainda que de
forma indireta — provar.
Diante de tal circunstância, a única medida possível a ser
adotada para efetivar a ordem do juiz no tocante à exibição de
coisa ou de documento é aquela tendente a, materialmente,
fazer com que a exibição efetivamente ocorra. Segundo o art.
362 do CPC, o juiz deverá determinar a busca e apreensão da
coisa ou documento, "requisitando, se necessário, força policial,
tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobedi­
ência". Note-se que o legislador somente prevê medidas de
execução forçada por sub-rogação, espécie de satisfação que
despreza a vontade do "devedor", e a obtém até mesmo contra
sua resistência ao cumprimento da ordem judicial332.
Com o aprimoramento das formas de busca da satisfação
de direitos e a conseqüente adoção da execução indireta, fun­
damentada em pressionar psicologicamente o devedor a cumprir
sua obrigação de fazer, de não fazer e de entregar coisa certa
(arts. 461 e 461 -A, CPC), não existe razão para sua não-adoção
na hipótese de recusa injustificada em exibir documentos ou
coisas em juízo. Como se trata o exibir de obrigação de fazer,
aplica-se, de forma indubitável, o disposto no art. 461, § 3Q, do
CPC, de modo que deve o juiz aplicar a multa — astreinte —
como forma de coerção psicológica para que a coisa ou o do­
cumento sejam exibidos em juízo333.

332Francesco P. Luiso, Diritto processuale civile, cit., v. II, p. 120, informa que,
no direito italiano, o terceiro poderá sofrer uma sanção pecuniária na hipó­
tese de não exibir a coisa ou documento em juízo.
333No mesmo sentido, no direito uruguaio, as lições de Santiago Garderes,
Fernando Gomes, Maria Eugenia Gonzáles, Gabriel Valentin, Código Gene­
ral del Proceso de la República Oriental del Uruguay comentado, con
doctrina y jurisprudência. 9. ed. Montevideo: Fundación de Cultura Unive-
sitaria, 2005, p. 506.

288
Mais uma vez, cabe uma observação de direito comparado
com o instituto das diligencias preliminares do direito espanhol.
Há, no art. 261 da LEC, disposições concernentes à negativa de
levar a cabo a diligência preliminar, com conseqüências espe­
cíficas para cada uma das hipóteses; assim, podem-se apontar
duas conseqüências básicas: adotar medidas coercitivas para
que as diligencias preliminares sejam efetivamente realizadas,
conseqüência única adotada pelo direito nacional, e considerar
verdadeiros os fatos que se pretendiam provar, de modo a vin­
cular o juiz da ação principal na qual essa prova seja produzi­
da, fenômeno estranho e inaplicável ao direito brasileiro334.
No direito chileno, que tem previsão do instituto das me­
didas prejudiciais, que faz as vezes das diligencias preliminares
previstas na legislação espanhola, a sanção processual para o
caso de descumprimento da exibição de coisa ou de documen­
to em juízo será a aplicação de multa que não exceda dois sa­
lários mínimos ou o prazo máximo de dois meses (art. 276, CPC).
Essa multa, entretanto, difere da astreinte adotada pelo direito
brasileiro, porque tem natureza de sanção processual, não de
medida de coerção psicológica para que o demandado cumpra
a obrigação de exibir. Há outra interessante sanção processual
ao impedir que a parte que tinha em seu poder a coisa ou o
documento e não a apresentou em juízo a utilize no processo
principal, à exceção se a outra parte fundamentar a defesa dos
seus interesses na coisa ou no documento335.

334lgnacio Diéz-Picazo Gimenez, Derecho procesal civil/ cit./ p. 233; Víctor


Moreno Catena, Derecho procesal civil/ cit., p. 171-172; Vicente Gimeno
Sendra, Derecho procesal civil, cit., p. 280.
335Art. 277, CPC: "Siempre que se dé lugar a las medidas mencionadas en los
números 3a y 4“ del artículo 273, y Ia persona a quien incumba su cumpli-
miento desobedezca, existiendo en su poder los instrumentos o libros a que
las medidas se refieren, perderá el derecho de hacerlos valer después, salvo
que Ia outra parte los haga también valer en apoyo de su defensa, o si se
justifica o parece de manifiesto que no los pudo exhibir antes, o si se refieren
a hechos distintos de aquellos que motivaron Ia solicitud de exhibición".

289
Na Argentina também se encontra a figura da multa, com
seus limites expressamente previstos em lei, como forma de
sanção processual, a exemplo do que ocorre no direito chileno.
Soma-se a isso, que, na verdade, não é eficaz por si só para que
o documento ou a coisa sejam efetivamente exibidos em juízo,
o seqüestro da coisa ou do documento objeto da pretensão do
demandante, medida que deve ser entendida como a busca e
apreensão prevista no direito brasileiro, já que aqui o seqüestro
é forma constritiva de bens sob a forma de cautelar nominada
(art. 329, CPCN).

4.6. Sentença
A sentença a ser proferida no processo autônomo de exibi­
ção de coisa ou de documento poderá ser de duas espécies:
terminativa (art. 267, CPC) e definitiva (art. 269, CPC). O mo­
mento para a prolação dessas duas espécies de sentença poderá
ser antes da exibição ou depois dela. Quando for proferida an­
teriormente à sentença, poderá ser terminativa, nas hipóteses
previstas pelo art. 267 do CPC, e definitiva, na hipótese de o juiz
entender que o direito alegado pelo demandante à exibição não
se encontra presente no caso concreto.
No caso de ser admitida a demanda e determinada a exi­
bição, parece já não mais se justificar uma sentença terminativa,
mesmo porque, uma vez exibida a coisa ou o documento em
juízo, o objeto da demanda já terá se exaurido, a prova já terá
sido produzida, de modo que é absolutamente paradoxal a ex­
tinção terminativa nesse momento processual. Na hipótese de
extinção do processo sem julgamento de mérito após a produção
da prova, pouco importará referida decisão, porque, uma vez
produzida a prova, não será possível voltar no tempo; assim, é
também contraproducente desprezar a priori a prova produzida
em razão de irregularidade formal do processo. Tais irregulari­
dades devem ser levantadas antes da exibição, gerando a extin­
ção do processo, porque, se for reconhecida após esse momen­
to, será tarde demais.

290'
Uma vez exibida a coisa ou o documento em juízo, abso­
lutamente nada mais haverá a fazer; nesse caso, deve o juiz
simplesmente declarar extinto o procedimento e pôr fim ao
processo, sem nada decidir a respeito do valor probatório do
documento ou da coisa exibida. Mais uma vez, como ampla­
mente explorado no capítulo referente à produção antecipada
de prova, a sentença será meramente homotogatória da prova,
conforme entendimento uníssono da doutrina pátria. As mesmas
ponderações feitas naquele processo devem ser repetidas para
a cautelar exibitória autônoma.

291
1. IN TRO D UÇÃO
É possível encontrar, no ordenamento processual, algumas
palavras que têm significados diversos, conforme a sua utilização,
como ocorre com os termos "embargos" e "memoriais". Tal si­
tuação volta a verificar-se, segundo a clássica lição de lopes da
Costa336, com o vocábulo "justificação", que tem, no campo do
direito processual, dois significados diferentes: a) ato de tornar
plausível um fato; e b) processo autônomo que tenha como
objeto a colheita de prova testemunhai.
A primeira hipótese diz respeito à justificação que se de­
senvolve dentro de um processo já instaurado, com o objetivo
de produzir prova oral de um fato já alegado pelo autor ou pelo
réu e, por tal razão, componente do objeto processual A justi­
ficação, nesse sentido, desenvolve-se para a formação do con­
vencimento do juiz a respeito da situação fática apta a embasar
a concessão liminar de uma tutela de urgência, seja de natureza
conservativa — audiência de justificação da cautelar (art. 804,
CPC) —, seja de natureza satisfativa — audiência de justificação
no processo possessório (art. 928, CPC) e processos que tenham
como objeto a tutela inibitória (art. 461, § 3Q, CPC).
Interessante notar que a audiência de justificação terá sem­
pre o mesmo objetivo de convencer, sumariamente, o juiz das
razões expostas pelo demandante para a obtenção liminar de
tutela de urgência; porém o procedimento poderá ser diferente,
de acordo com a demanda judicial em que a audiência ocorre.
Assim, por exemplo, a audiência de justificação a realizar-se no
processo cautelar será sempre inaudita altera parte, sem o co­
nhecimento e muito menos a participação do demandado, en­

33M administração pública e a ordem jurídica privada. Belo Horizonte: Del


Rey, 1961, n. 276, p. 333.
quanto no processo possessório o réu deverá ser citado e inti­
mado a comparecer à audiência, embora sua participação,
nessa audiência, fique limitada a reinquirir ou a perguntar no­
vamente às testemunhas arroladas pelo autor, não podendo ar­
rolar ou levar à audiência suas próprias testemunhas337.
Registre-se que, apesar de a audiência de justificação ter
previsão expressa em somente alguns procedimentos específicos,
não se pode negar a possibilidade de sua ocorrência em todo e
qualquer procedimento, desde que, na hipótese de requerimento
liminar de uma tutela de urgência, o juiz entenda necessária, para
a apreciação de tal pedido, a realização de audiência para a oi-
tiva de testemunhas. Em primeiro lugar, não seria lógico impedir
o juiz de formar seu convencimento — ainda que sumário — ao
proibir-se a realização de tal audiência, o que só se prestaria a
piorar a qualidade de sua decisão quanto ao pedido liminarmen­
te feito. Em segundo lugar, este argumento parece irrefutável: se
há previsão genérica de audiência de justificação para todos os
processos cautelares, aplica-se o art. 804 do CPC, por analogia a
todos os pedidos de tutela antecipada feitos liminarmente, consi­
derando tratar-se de duas espécies do mesmo gênero — tutelas
de urgência. Com tal aplicação por analogia, todo e qualquer
pedido de natureza liminar — acautelatória ou satisfativa — po­
derá ensejar a realização da audiência de justificação338.

337Com esse entendimento, a doutrina majoritária: Antonio Carlos Marcato.


Procedimentos especiais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 171-172; Ema­
ne Fidélis dos Santos, Dos procedimentos especiais do Código de Processo
Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 127; Ovídio A. Baptista da
Silva, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. XIII, p. 272-273; Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários
ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. VIII, t.
III, p. 462-463), a apoiar decisão que reconhece que o réu, apesar de não
ter direito a arrolar testemunhas, poderá fazê-lo para que o juiz, livremente,
decida ouvi-las ou não, diante do poderes instrutóríos do juiz.
naA defender a aplicação, por analogia, das normas cautelares à tutela ante­
cipada pela razão exposta no texto, Cândido Rangel Dinamarco. O regime
jurídico das medidas urgentes. In :______. A nova era do processo. São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 90-92.

293
Evidentemente, não será no sentido anteriormente apresen­
tado que se desenvolverá a presente análise do termo "justifica­
ção", mas no sentido de instituto consubstanciado em um pro­
cesso autônomo com o objetivo de produção de prova oral, que,
conforme será visto com maior profundidade no devido tempo,
poderá ou não ser utilizado em outro processo judicial, conven­
cionalmente chamado de processo principal. O Código de
Processo Civil disciplina a "ação de justificação" nos arts. 861
a 866, de modo a incluí-la entre as cautelares típicas ou nomi-
nadas, embora seja corrente na doutrina o entendimento de que
a justificação não tem qualquer natureza cautelar.
Segundo a previsão do art. 861 do CPC, quem "pretender
justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para
simples documento sem caráter contencioso, seja para servir de
prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada,
a sua intenção". Apesar de a redação do dispositivo legal mere­
cer alguns reparos, a norma legal é suficientemente clara ao
apontar que o processo de justificação presta-se à produção de
prova testemunhai no sentido de comprovar um fato ou uma
relação jurídica que poderá ou não ter função probatória em
outra demanda judicial. É nesse âmbito que será analisado o
processo de justificação.

2. NATUREZA JU RÍD ICA NÃO-CAUTELAR


A doutrina nacional parece ser uníssona no sentido de não
atribuir ao processo de justificação qualquer natureza cautelar,
apesar da opção do legislador em prever tal processo como uma
das cautelares nominadas ou típicas. Ao condicionar-se a nature­
za cautelar à existência do periculum in mora e do fumus boni
iuris, afirma-se que o requerente do processo de justificação terá
direito à produção da prova testemunhai ainda que nenhum des­
ses dois requisitos esteja presente no caso concreto, o que afasta­
ria da demanda qualquer característica de cautelaridade339.

339HumbertoTheodorolr., Processo cautelar, cit., p. 322; Carlos Alberto Álva­


ro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 311; Luiz

294
Em inevitável comparação com a prova testemunhai pro­
duzida em sede de produção antecipada de provas, afirma-se
que a diferença substancial entre essas duas demandas é que,
na primeira, é necessário que o requerente comprove existir
perigo de que, se a prova não for produzida imediatamente, não
poderá ser produzida posteriormente, o que não ocorre com a
prova testemunhai a ser produzida por meio do processo de
justificação340. A conclusão, portanto, é de que, no primeiro caso,
a prova testemunhai será produzida por meio de processo subs­
tancialmente cautelar, enquanto, no segundo, será produzida
por processo cautelar tão-somente no seu aspecto formal. Isso
significa dizer que, no primeiro caso, a demanda tem natureza
e procedimento cautelares, enquanto, no segundo, somente o
procedimento será cautelar.
Com essas simples constatações, pacíficas em sede doutri­
nária, percebe-se que o ordenamento processual brasileiro já
conta com uma ação autônoma probatória, pela qual, a par de
qualquer cautelaridade representada pelo perigo de a prova não
poder ser produzida posteriormente, será possível a simples
produção de uma prova, de natureza oral. O objeto do proces­
so de justificação será, portanto, a mera produção de uma prova,
sem que por trás disso exista qualquer espécie de direito subs­
tancial de cautela. No caso da justificação, o direito substancial
é o da produção da prova oral de um fato ou de uma relação
jurídica, no que, inclusive, é mais ampla que a produção ante­
cipada de provas, restrita a prova de fatos.
Alguns doutrinadores, amparados na indevida crítica ao
nome "produção antecipada de provas", por acreditar que, nes­
sa espécie de processo cautelar, a prova não é produzida, mas

Orione Neto. Processo cautelar/ cit., p. 386-387; Alexandre Freitas Câmara.


Lições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 215; Victor A. A. Bomfim
Martins. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 323; Edson Prata.
"Da justificação. Revista dos Tribunais/ São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
662, 1990, p. 18.
340Na jurisprudência, Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa. Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor/ cit, p. 878 (art. 861: 1 e 2).

295
somente assegurada para produção posterior, visualizam mais
uma diferença entre esse processo e a justificação. Nas palavras
de Ovídio A. Baptista da Silva341, "enquanto na asseguração de
prova, adperpetuam reimemoriam, a prova ainda não é produ­
zida, mas simplesmente assegurada para depois produzir-se na
causa a que ela se destine, na ação de justificação o que se
pretende é precisamente constituir a prova, formá-la desde logo,
para eventual utilização futura"342. Esse entendimento, entretan­
to, não parece ser o mais correto, o que demonstra, mais uma
vez, serem infundadas as críticas ao entendimento já defendido
anteriormente, de que, na produção antecipada, a prova é efe­
tivamente produzida e não meramente assegurada para produção
posterior.
Tomem-se os seguintes exemplos. Uma testemunha é ou­
vida em um processo cautelar de produção antecipada de prova
em razão de sua idade avançada, o juiz e ambas as partes fazem
as perguntas, que são respondidas por ela, tudo devidamente
registrado na ata de audiência. Outra testemunha, na puberdade,
é ouvida em um processo de justificação, o juiz e ambas as
partes fazem as perguntas, que são respondidas por ela, tudo
devidamente registrado na ata de audiência. Ressalte-se que a

341Cf. Do processo cautelar/ cit., p. 437.


342Praticamente com os mesmos argumentos, as lições de Carlos Alberto Al­
varo de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 310.
Humberto Theodoro Jr. (Processo cautelar/ cit., p. 322), simplesmente afirma
que "essa justificação não é cautelar, pois não visa assegurar prova, mas sim
constituir prova...", em ensinamento seguido por José Maria RosaTesheiner,
jurisdição voluntária/ cit./ p. 155-156. Emane Fidélis dos Santos (Manual de
direito processual civil, cit, v. III, p. 468) traz peculiar— mas equivocada
— diferença entre os dois processos: "Na produção antecipada de prova,
todas as circunstâncias do fato são indagadas, de forma tal que se permitem
conclusões específicas. Na justificação, apenas o fato em si é questionado,
sem preocupação com sua qualificação. Pode-se atestar, por exemplo, um
acidente ou a não-realização de obra prevista no contrato, mas não as razões
determinantes do fato; culpa, dolo, caso fortuito, força maior, etc.". Parece
ser mais acertado o entendimento de que as "conclusões específicas" serão
sempre geradas pela interpretação do juiz que valorará a prova.

296
identidade de redação entre as duas primeiras frases do presen­
te parágrafo é proposital, justamente para indicar que não exis­
te qualquer diferença no ato praticado nesses dois processos,
ainda que no primeiro exista algum perigo de a prova não poder
ser produzida posteriormente, o que não ocorre no segundo.
Substancialmente, há duas pessoas inquiridas sob o crivo
do contraditório e perante um juiz em um processo autônomo,
que tem como único e exclusivo efeito a produção de tal prova.
Se em um desses processos o objetivo mediato é a utilização em
processo futuro, enquanto, no outro, essa utilização é somente
eventual, nenhuma conseqüência é gerada no tocante à efetiva
produção da prova. Ademais, será sempre possível uma inversão
nas expectativas iniciais, sendo perfeitamente aceitável uma
hipótese em que a prova produzida na cautelar de produção
antecipada de prova não seja utilizada em qualquer outro pro­
cesso, enquanto aquela produzida em um processo de justifica­
ção venha a servir de prova em uma futura demanda. Seria,
nesse caso, possível afirmar que, na primeira hipótese, a prova
foi produzida e, na segunda, somente assegurada, para ser pro­
duzida no processo principal? Evidente que não.
Segundo a doutrina pátria, o elemento diferenciador das
duas demandas residirá justamente na ausência da cautelarida­
de da justificação, enquanto na ação cautelar de produção an­
tecipada de provas será necessária a pesquisa, pelo juiz, da
presença dos tradicionais requisitos dessa espécie de demanda
judicial — fumus boni iuris e periculum in mora sem os quais
a pretensão do requerente será rechaçada. É possível, portanto,
afirmar que haverá um direito substancial de cautela a ser deba­
tido na produção antecipada de provas, justamente o direito de
preservar a produção de uma prova que corre perigo de não
poder ser produzida em seu momento adequado — fase proba­
tória do processo de conhecimento. Na ação de justificação,
não existe tal cautelaridade; assim, é inadequado falarem direi­
to substancial de preservação de prova, restando o direito ma­
terial da parte à produção da prova. Poder-se-á, diante de tal
constatação, afirmar que o direito material que compõe o ob­
jeto desses processos é distinto, mas essa constatação não é

297
suficiente para diferenciar seus efeitos, quais sejam, a produção
da prova, mesmo porque a cautelaridade é matéria a ser debatida
antes da efetiva produção; por isso, não envolve seu resultado.
Essa proximidade entre as duas demandas, com a identida­
de de seus efeitos — produção de uma prova —, é suficiente para
a aplicação do princípio da fungibilidade, no mais, aplicável ao
processo cautelar — embora a justificação, tecnicamente, não se
trate de cautelar. Ao ser requerida a prova testemunhai de forma
autônoma por meio de produção antecipada de prova e ao en­
tender o juiz não existirem, no caso concreto, os requisitos típicos
das cautelares em geral, com especial ênfase ao periculum in
mora, este poderá receber a inicial como se fosse de justificação
e fazer os devidos reparos procedimentais, mas sem deixar de
produzir a prova pretendida. Como resultado da aplicação do
princípio da fungibilidade, a prova será produzida, ainda que não
exista qualquer perigo em sua produção posterior.
Uma análise mais radical entre as duas demandas é capaz
até mesmo de levar à conclusão da plena inutilidade do proces­
so de produção antecipada de provas de natureza testemunhai,
procedimento que é totalmente absorvido, por vontade do de­
mandante, pelo processo de justificação. Realmente, não pare­
ce muito inteligente o ingresso de processo que exige a compro­
vação de perigo de a prova não mais poder ser produzida se for
possível o ingresso de outro em que tal exigência não existe.
Somente a pouca familiaridade do operador do direito com o
processo de justificação explica sua tão rara utilização no caso
concreto em comparação com a produção antecipada de provas,
processo de jurisdição contenciosa, no qual os requisitos a ser
preenchidos pelo requerente são muito mais robustos que no
processo de justificação343.

345Já havia atentado para tal circunstância, ainda no Código de Processo Civil
de 1939, Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Direito processual civil brasilei­
ro. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. III, p. 256: "Rara que a justificação?
Responde a lei: para prova de um fato a fazer valer em ação futura (art. 735).
E o depoimento ad perpetuam memoriam? Rara a mesma coisa: provar um

298
3. JU RISD IÇ Ã O VOLUNTÁRIA
A doutrina nacional que tratou do tema da jurisdição vo­
luntária inclui, entre seus procedimentos, a justificação — além
dos protestos, das notificações e das interpelações —, apesar da
opção do legislador de incluí-la entre os processos cautelares
típicos. Conforme visto anteriormente, a doutrina, em primeiro
plano, afasta da ação de justificação qualquer natureza cautelar,
bem como do campo da jurisdição contenciosa. Sua natureza
de jurisdição voluntária, entretanto, nem sempre é baseada em
argumentos adequados, de modo que há certa incongruência
doutrinária nas premissas criadas para concluir sobre tal natu­
reza jurídica do processo de justificação.
José Maria Rosa Tesheiner*44, em obra específica sobre a
jurisdição voluntária, afirma que tal natureza da justificação
deriva da inexistência de outro processo, chamado de principal,
como ocorre na produção antecipada de provas. Não parece
que a existência ou não de processo principal seja fenômeno
apto a fazer com que processo autônomo de produção de prova
testemunhai, chamado de justificação, possa ser considerado de
jurisdição voluntária; basta, para embasar tal conclusão, a exis­
tência de processos cautelares probatórios antecedentes que,
por alguma razão no caso concreto — e são tantas —, não pro­
porcionam qualquer outro processo. Nas hipóteses de exibição
de documento e de coisa, tal circunstância é ainda mais freqüen­
te na praxe forense.
Também é criticável a doutrina que defende a natureza não
contenciosa da ação de justificação com base na ausência de

fato a ser aproveitado em demanda a propor (arts. 675 e 676). Tício é credor
de Mévio. O título é mútuo, verbal. A obrigação é a prazo. Deve pedir a
inquirição ou requerer a justificação? Naquela, haverá que demonstrar a
plausibilidade de um risco. Aqui, estará dispensado daquela exigência.
Quem, sem transtorno do senso, hesitará entre os dois caminhos? No abs­
truso sistema do Código, a probatio ad perpetuam memoriam do art. 678,
n. VI, é uma inutilidade, em face da justificação, do art. 735".
344Jurisdição voluntária, cit., p. 155.

299
cauteiaridade, considerando que a dispensa dos requisitos do
fumus boni iuris e do periculum in mora já seria suficiente para
afastar tal demanda dos processos contenciosos e abrigá-la na
jurisdição voluntária345. O afastamento de qualquer espécie de
cauteiaridade na justificação, ponto pacífico em sede doutriná­
ria que toma como base de análise o periculum in mora como
perigo de a prova não mais poder ser produzida, não é suficien­
te para afastá-la do âmbito da jurisdição contenciosa; basta, para
tanto, lembrar que, em algumas chamadas cautelares de exibição
de coisa ou de documento, não existe qualquer cauteiaridade,
embora sejam processos de jurisdição contenciosa.
Há ainda corrente doutrinária que busca, em características
procedimentais da ação de justificação, o fundamento para
classificá-la como sendo de jurisdição voluntária. Atribui-se
grande carga de responsabilidade ao art. 865 do CPC, que afir­
ma não caber defesa ou recurso no processo de justificação,
traços procedimentais absolutamente incompatíveis com prin­
cípios processuais básicos que regem os processos de jurisdição
contenciosa346. Apesar de essas características serem analisadas
com a devida profundidade no seu devido momento, não pare­
ce que a interpretação literal do dispositivo legal antes mencio­
nado seja a mais adequada, por ser inviável imaginar um pro­
cedimento de justificação sem qualquer espécie de resposta
defensiva à disposição do réu — ainda que seja para alegar
matérias de ordem pública — ou ainda sem a possibilidade de
o autor recorrer, por exemplo, de indevida decisão de indeferi­
mento da petição inicial. O desenvolvimento de tais idéias em

345Pãrece ser esse o entendimento de Luiz Orione Neto, Processo cautelar/ cit.,
p. 388.
346A mencionar o art. 865 do CPC como responsável pela inclusão do proces­
so de justificação no âmbito da jurisdição voluntária, as lições de Luiz Fux.
Curso de direito processual civil, cit., p. 1.635; Humberto Theodoro Jr. Pro­
cesso cautelar, cit., p. 322; Raulo Afonso Garrido de Raula. Código de Pro­
cesso Civil interpiretado. Antonio Carlos-Marcato (Coord.). São Paulo: Atlas,
2004, p. 2.319.

300
I

seu momento adequado demonstrará a impropriedade de enten­


der que o art. 865 do CPC seja capaz de fazer com que a justi­
ficação seja incluída na jurisdição voluntária.
Por fim, há corrente doutrinária que explica, pefo objetivo
perseguido pela ação de justificação, sua não contenciosidade.
Afirma, nesse sentido, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira347 que

"o órgão judicial exerce de tal sorte função de mero agen­


te documentador, sem nada julgar ou decidir, salvo se
houver questão a exigir seu pronunciamento. Compreende-
se que assim seja porque o ato dele reclamado, consisten­
te em deferimento de prova, revela-se meramente ordina-
tório ou próprio da chamada 'jurisdição voluntária'".

O entendimento é esclarecedor, mas deve-se analisá-lo com


olhar crítico; não se pode esquecer que, para a absoluta maioria
da doutrina, na produção antecipada de prova o juiz também
terá como função a mera produção da prova, de modo que não
terá a sentença que encerra tal processo natureza condenatória,
declaratória ou mesmo constitutiva, pois limitar-se-á a homolo­
gar a prova por sentença terminativa do procedimento.
Na justificação avulsa ora analisada, não será possível falar
em sentença de mérito, porque, diferentemente do processo de
produção antecipada de provas, não há mérito cautelar a ser
enfrentado pelo juiz, já que são dispensados os requisitos do
fumus boni iuris e do periculum in mora. O juiz, nesse caso, não
julgará qualquer pretensão de direito material do requerente,
considerando que, nesse processo autônomo de produção de
provas, não se discutirá o reflexo jurídico da prova produzida,
quando muito se enfrentará a questão a respeito de sua utilida­

347Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, cit,, p. 311. Essa característi­


ca da ação de justificação já havia sido objeto de manifestação de Pontes
de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., t. XII, p. 310;
Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Direito processual civil brasileiro, cit./ p.
255; Edson Prata, Da justificação, cit., p. 19-21.

301
de, matéria ligada às condições de exercer validamente o direi­
to de ação — interesse de agir. O pedido de produzir a prova
não necessita estar ancorado em qualquer direito material; bas­
ta a mera vontade de o requerente fazer prova útil e possível de
um fato ou de uma relação jurídica processual.
Nas corretas palavras de Leonardo Greco348,

"a cognição que o juiz exerce nesse procedimento é apenas


a aquisição do conteúdo de depoimentos e de documentos
para conservá-los, mas sem realizar qualquer juízo sobre
a verdade fática que deles possa decorrer, nem muito me­
nos elaborar qualquer pronunciamento sobre a existência
ou inexistência de qualquer relação jurídica de direito
material".

Em síntese conclusiva, a natureza de jurisdição voluntária


do processo de justificação é derivada da ausência de cognição
a respeito de qualquer direito material que venha a ser protegi­
do pelo processo, pois simplesmente se produz a prova testemu­
nhai, desde que esta seja útil e possível. Quando muito, pode­
ria afirmar-se que estaria sendo protegido o direito da parte à
produção da prova, mas nem mesmo esse direito chega a ser
analisado no caso concreto, por não serem determinantes os

i4BJurisdição voluntária moderna, cit., p. 69. Também Carlos Alberto Alvaro de


Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 324: "Impróprio
falar em apreciação da prova pelo juiz, ou em julgamento de procedência
ou improcedência, considerando-se a justificação incapaz de produzir os
efeitos pretendidos pelo requerente". Humberto Theodoro Jr., Processo
cautelar, cit., p. 323: "Na realidade, na justificação o juiz não decide coisa
alguma e limita-se a aferir, extrinsecamente, a observância das formalidades
legais sem qualquer pronunciamento sobre o mérito da prova". Tal enten­
dimento é criticado por Luiz Orione Neto, Processo cautelar, cit., p. 388,
ao afirmar "que se o juiz não decide coisa alguma, para que serve o pro­
cesso de justificação?" Não parece correta a crítica, porque o processo de
justificação "serve" para produzir a prova e tão-somente para isso, por isso
sua natureza de jurisdição voluntária.

302
motivos que levam o requerente a pedir a produção probatória.
Pouco importa se pretende utilizá-la para embasar pedido no
âmbito administrativo, fundamentar pretensão processual, sim­
plesmente tomar conhecimento do fato para afastar, ainda que
não definitivamente, alguma crise de incerteza, preparar-se em
melhores termos para a realização de uma transação etc. Nada
disso importa ao juiz no processo de justificação; basta o con­
trole que exercerá na produção probatória, o que é suficiente
para colocá-la no âmbito da jurisdição voluntária.

4. A ESPÉCIE DE PROVA PRO D U ZID A


A redação do art. 861 do CPC, ao afirmar que "quem pre­
tender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica,
seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja
para servir de prova em processo regular, exporá, em petição
circunstanciada, a sua intenção", é capaz de levar o intérprete
mais desatento a alguma confusão a respeito da natureza da
prova produzida nessa espécie de processo. Conjugando-se esse
dispositivo com o art. 863 do mesmo diploma legal, que dispõe
que "a justificação consistirá na inquirição de testemunhas sobre
os fatos alegados, sendo facultado ao requerente juntar docu­
mentos", o perigo de desacertos de interpretação cresce ainda
mais. Para afastar conclusões equivocadas sobre o tema, é ne­
cessária a análise conjunta de referidos dispositivos legais.
Parece não haver maiores dúvidas de que a prova a ser
produzida na "justificação avulsa" seja, ao menos, a testemu­
nhai, a se desenvolver em audiência de instrução. Ocorre,
entretanto, que o art. 863 do CPC, ao facultar ao requerente a
juntada de documentos, não mostra claramente em quais cir­
cunstâncias seria adequada tal juntada e, tampouco, qual sua
utilidade prática, considerando-se pacífica na doutrina a ine­
xistência de qualquer valoração pelo juiz da prova produzida.
A única explicação plausível para a faculdade da juntada é de
que tais documentos dizem respeito ao conteúdo da prova a
ser produzida, ou seja, serem os fatos que se pretende ver pro­
vados derivados do documento juntado pelo requerente ao

303
processo349. Trata-se, portanto, de mera faculdade do requeren­
te como forma de esclarecer os fatos que pretende sejam ob­
jeto da justificação.
Registre-se que a atual redação do art. 863 do CPC é bas­
tante superior à do art. 736 do Código de Processo Civil de 1939,
que se referia à possibilidade de o requerente juntar títulos e
documentos que pudessem comprovar a justificação. A modifi­
cação legislativa, com o atual diploma processual, demonstra,
de maneira manifesta, que os documentos que a lei faculta ao
requerente juntar ao processo nada têm que ver com a "com­
provação da justificação" ou mesmo dos fatos que se pretende
justificar; servem tão-somente como substrato fático à prova a
ser produzida.
Ao superar a questão da juntada de documentos como
forma exclusiva de fixar parâmetros para a produção da prova
oral, resta evidente que a justificação jamais poderá ter como
objeto exclusivamente documentos. Nesse caso, ou o documen­
to já está em poder do requerente, o que demonstraria a mais
absoluta inutilidade de um procedimento em que este apresen­
tasse tal documento em juízo sem que sobre ele pudesse ser
feita qualquer vaíoração350, ou o documento está em poder de

349Nesse sentido, as lições de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários


ao Código de Processo Civil/ cit., p. 319. Apesar de não ser muito direto,
Ovídio A. Baptista da Silva (Do processo cautelar/ cit., p. 446), também
aponta essa circunstância ao afirmar que "pode acontecer que o documen­
to represente a própria relação jurídica a respeito da qual se pretenda provar
algum fato, ou outra relação jurídica, ou ato-fato, como por exemplo o
pagamento". Assim, apesar de relativa utilidade, não parece correto o en­
tendimento que aponta para a inutilidade completa da juntada de tais do­
cumentos, como ensina Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar/ cit., p.
324. Ainda mais inadequado o entendimento de Sérgio Sahione Fadei,
Código de Processo Civil comentado/ cit., p. 1.048, para quem "carece,
sempre, a justificação, de um princípio de prova por escrito, para não ser
considerada quase graciosa".
350Ernane Fidélis dos Santos (Manual de direito processual civil, cit., v. III, p.
469), menciona a inocuidade de tal procedimento.

304
terceiro, hipótese em que o interessado deverá valer-se do pro­
cesso autônomo de exibição de coisa ou documento, indepen­
dentemente de sua natureza cautelar.
Além disso, devido à redação bastante clara do art. 863 do
CPC, representativa de tradição em nosso direito desde a Con­
solidação das Leis do Processo Civil de Ribas, passando pelos
códigos estaduais e de 1939, a doutrina majoritária não admite
a produção de prova por qualquer outro meio que não seja o
testemunhai351. Assim, no âmbito da justificação, estariam ex­
cluídas provas periciais, depoimento pessoal, bem como a ins­
peção judicial. Apesar de ser tema pacífico na doutrina, que se
fundamenta na clareza da redação do artigo legal anteriormen­
te mencionado, é possível, de lege ferenda, a ampliação do
objeto da justificação, ou mesmo a criação de outra espécie de
ação probatória autônoma para a produção da prova pericial,
tema que será desenvolvido no seu devido momento.
Com relação ao depoimento pessoal, embora seja unânime,
na doutrina, o entendimento de seu descabimento no processo
de justificação, algumas ponderações devem ser feitas. O art.
861 do CPC aponta para a falta de necessidade da existência de
um processo principal em que a prova testemunhai venha a ser
utilizada; bem por isso, é dispensável a demonstração da neces­
sária utilidade dessa prova colhida em um futuro processo judi­
cial — e não regular, como consta do art. 861 do CPC. O de­
poimento pessoal é conceituado pela melhor doutrina como a
oitiva da parte contrária, o que não poderia levar à conclusão

351Parece ser esse entendimento pacífico na doutrina: Carlos Alberto Al varo de


Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 319; Ovídio A.
Baptista da Silva, Do processo cautelar/ cit., p. 446; Sérgio Sahione Fadei,
Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1050. Leonardo Greco (Juris­
dição voluntária moderna/ cit., p. 68-69), em equivocada interpretação do
art. 863 do CPC, afirma que "a justificação somente faculta a produção de
prova testemunhai ou documental, vedadas outras provas como a pericial
ou o depoimento pessoal que, pela complexidade ou pelas conseqüências
jurídicas que podem acarretar, pressupõem a precisa definição dos objetivos
jurídicos almejados pelo requerente".

305
de sua não-aplicabilidade ao processo autônomo de justificação,
em decorrência de sua absoluta autonomia.
Ocorre, entretanto, que o art. 862 do CPC indica a neces­
sidade de citação dos interessados, que deverão, por conseqü­
ência lógica, constar do pólo passivo da demanda de justificação.
Conforme será analisado em seu devido tempo, esses interessa­
dos serão os sujeitos contra quem o requerente pretender, ainda
que eventualmente, opor a prova produzida, seja em um proce­
dimento administrativo, seja em um judicial. Dessa forma, é
possível antever que aquele que figura como interessado no
processo de justificação, na eventualidade de vir a ser proposta
alguma demanda judicial em que se pretenda utilizar tal prova,
figurará em seu pólo passivo. Nesse sentido, o interessado, cita­
do como tal no processo de justificação, não poderia ser o su­
jeito a ser ouvido em audiência nesse processo.
Já foi devidamente interpretado o art. 846 do CPC, que, ao
mencionar "o interrogatório da parte", na verdade pretende dizer
"depoimento pessoal da parte". Dessa forma, com as especiali­
dades procedimentais já analisadas em capítulo específico sobre
o tema, é indiscutível a possibilidade de produzir-se um depoi­
mento pessoal da parte contrária por meio do processo autôno­
mo de produção antecipada de provas. O art. 863 do CPC
afirma, literalmente, que "a justificação consistirá na inquirição
de testemunhas", o que poderá levar o leitor mais apressado a
concluir não ser admitido, na justificação autônoma, o depoi­
mento pessoal da parte.
Esse posicionamento, derivado de uma interpretação literal
e restritiva da forma de produção da prova testemunhai no pro­
cesso de justificação, levará à conclusão de que o depoimento
pessoal só poderá ser obtido por produção antecipada de prova
e de que exige, para tanto, a existência do periculum in mora.
A tomar o conceito clássico da doutrina a respeito desse requi­
sito no tocante às cautelares probatórias, a conclusão lógica e
necessária seria de que, sem perigo de não poder ser produzido
em seu momento adequado, o depoimento pessoal não seria
admitido como objeto de ação probatória autônoma. O enten­
dimento, entretanto, não parece ser o mais acertado.

306
Não existe motivo plausível para afastar-se a possibilidade
de depoimento pessoal na justificação avulsa, porque, se o ob­
jetivo de tal demanda é o esclarecimento de um fato, nada
melhor que ouvir em juízo justamente o sujeito que dele parti­
cipou e que poderá constar do pólo passivo dessa demanda,
mesmo como mero "interessado". Não se defende aqui a possi­
bilidade de confissão, o que poderá tornar a produção da prova
bastante difícil, conforme já foi explorado quando se tratou do
aspecto no capítulo referente à produção antecipada de provas,
mas não se pode, a priori, descartar a possibilidade de oitiva da
parte contrária na justificação avulsa.
Esse entendimento, inclusive, ampara-se na identidade
objetiva das duas demandas; assim, não há qualquer sentido em
admitir a prova testemunhai sem que ocorra o periculum in mora
e não fazer o mesmo com a outra espécie de prova oral, que é
o depoimento pessoal A natureza oral de ambos os meios de
prova é mais do que suficiente para permitir tal conclusão. Seria
no mínimo ilógico permitir o esclarecimento de fatos por meio
de testemunhas e impedir a oitiva da parte contrária, ainda que
não exista qualquer urgência na produção da prova.
Dessa forma, a conclusão que parece mais acertada é a de
que a justificação será o meio ideal para a produção da prova
oral, da testemunhai e do depoimento pessoal da parte contrária;
não tem utilidade, nesse tocante, o processo de produção ante­
cipada de provas, mais exigente a respeito de requisitos a serem
preenchidos.
Cumpre ainda registrar que a prova oral — no mais das
vezes testemunhai — produzida no processo de justificação não
se transforma em prova documental, de modo a perder sua na­
tureza oral, interpretação possível do art. 861 do CPC ao leitor
menos atento. A prova que nasce oral manterá essa natureza
para sempre, quer seja utilizada em procedimento administrati­
vo, quer em processo judicial posterior. É natural, entretanto,
que, uma vez colhida a prova oral, as perguntas, reperguntas e
respostas sejam documentadas no termo de audiência. Existirá,
assim, um documento que comprovará a existência daquela

307
prova testemunhai, o que não é suficiente, entretanto, para mo­
dificar a natureza primária da prova produzida352.
Trata-se da diferença entre prova documental e prova do­
cumentada; no primeiro caso, a prova tem natureza e forma de
documento, enquanto, no segundo, a prova tem uma natureza
qualquer que não documental, mas será representada pela forma
documental, o que, no mais das vezes, ocorre com toda e qual­
quer prova produzida judicialmente. Em razão da preferência
de nosso ordenamento processual pela escrituração dos atos
processuais, as provas de todas as naturezas — orais, periciais,
inspeção judicial — serão documentadas em atas, laudos e ter­
mos, de forma a tornarem-se provas documentadas, mas jamais
provas documentais353.
Já se teve oportunidade de apontar para a natureza binária
da prova produzida antecipadamente em processo autônomo,
que mantém sua natureza original, mas, quando utilizada em
outra demanda judicial, ingressa no processo na forma de do­
cumento. Afirmou-se que justamente essa peculiar característica
tornava tais provas atípicas, porque mantém seu conteúdo ori­
ginário — oral ou pericial —, mas, por passarem a existir no
outro processo com a juntada de um documento — ata de au­
diência ou laudo pericial —, tomam a forma de um documento.
Assim, por apresentar conteúdo de prova oral ou pericial e forma
de documento, trata-se de prova atípica, certamente. Na justifi­
cação, ocorre exatamente o mesmo fenômeno, ainda que a
prova possa não vir a ser utilizada em nenhum outro processo.
O requerente terá sempre um documento a comprovar que uma
prova oral foi devidamente colhida em processo judicial.
Essa constatação tem importantes efeitos práticos, ao não
admitir que a justificação seja realizada para a prova de fatos
que somente poderão ser comprovados mediante prova docu­

352Paulo Afonso Garrido de Paula, Código de Processo Civil interpretado/ cit.,


p. 2.318.
353Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de
conhecimento/ cit., p. 386-387.

308
mental. Poder-se-ia imaginar que a obtenção de tal prova por
meio de justificação permitiria a obtenção de um documento,
de modo a ser suficiente para a demonstração do fato em outras
demandas judiciais, o que, evidentemente, não ocorre. Essa si­
tuação, aliás, é própria de extinção da justificação sem a produ­
ção da prova em decorrência de sua manifesta inutilidade, já
que a prova produzida manteria sua natureza oral, de forma a
não ser apta a provar o fato que se pretendia com tal produção.
É o que ocorre, por exemplo, no depósito voluntário, que só
poderá ser provado por prova escrita (art. 646, CC).

5. INTERESSE NA PRO D U Ç Ã O DA PROVA TESTEMU-


NHAL
Conforme amplamente afirmado, a justificação não tem a
característica da instrumentalidade própria das cautelares, con­
siderando que o requerente não precisa demonstrar, ainda que
sumariamente, seu interesse em utilizar a prova produzida em
futura e eventual demanda judicial. Esse entendimento é unís­
sono na doutrina, que já se ocupou do tema, e a própria redação
do art. 861 do CPC é bastante clara nesse sentido. Nem mesmo
o interesse em utilizar a prova em procedimento administrativo
será exigido, apesar de ser clássica a hipótese de utilização de
tal processo autônomo de produção de prova a amparar pedido
de aposentadoria por tempo de serviço dirigido ao INSS. Na
verdade, o simples desejo do requerente de produzir uma prova
oral e, por meio dela, conhecer uma situação fática que até
então não se mostrava certa, de modo a revelar alguma utilida­
de em tal produção, é o suficiente para disponibilizar ao inte­
ressado o processo de justificação.
Essa significativa autonomia do processo de justificação,
entretanto, não poderá significar a admissibilidade pura e simples
da justificação avulsa. Um entendimento ampliativo dessa espé­
cie de demanda exigiria do Poder Judiciário uma atividade — ain­
da que não contenciosa — absolutamente inútil, o que não se
poderá conceber a partir da concepção de que, independente­
mente de jurisdição voluntária ou contenciosa, o Poder Judici­

309
ário só deverá prestar tutela jurisdicional que tenha alguma es­
pécie de utilidade. Ainda que seja correto afirmar que a utilida­
de da justificação não estará ligada à utilização da prova em
processo judicial futuro, é preciso identificar alguma utilidade,
mesmo que exclusivamente prática, para o Poder Judiciário
mover toda sua estrutura no objetivo de produzir a prova.
Além disso, caso se admita um procedimento probatório
autônomo sem qualquer utilidade prática, a justificação avulsa
estaria, de forma significativa, a colaborar para o abarrotamento
de nossa já saturada Justiça, sem qualquer ganho prático às
partes envolvidas, em especial o requerente. Seria admitir o
aumento do número de processos sem uma contrapartida, que
é a efetiva entrega de prestação jurisdicional, o que, em última
e sistêmica análise, serviria tão-somente para prejudicar ainda
mais a já questionável prestação jurisdicional concedida atual­
mente pelo Poder Judiciário de nosso país354.
Em aplicação da teoria eclética da ação, recepcionada
expressamente por nosso diploma processual — a par de algumas
críticas doutrinárias —, a exigência de que a prova a ser produ­
zida tenha alguma espécie de serventia ao requerente poderá
ser fundada na condição da ação conhecida como "interesse de
agir", de modo que não se admite a prestação jurisdicional inú­
til O grande problema a ser enfrentado é, justamente, saber a
amplitude do interesse de agir na ação de justificação, tarefa que
se torna ainda mais difícil a partir do momento em que se reco­
nhece não estar o interesse do requerente condicionado à utili­
zação da prova em processo judicial ou em procedimento ad­
ministrativo, bastando, para que possa exigir a produção de
prova, o desejo de tomar conhecimento de fato por meio de
oitiva de testemunha.

354Essa preocupação já havia sido demonstrada por Carlos Alberto Alvaro de


Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 312, e Misael
Montenegro Filho, Curso de direito processual civil. São Raülo: Atlas, 2005,
v. III, p. 188.

310
É importante deixar consignado que, apesar de não ser
necessária ao requerente qualquer demonstração de vontade de
utilizar-se da prova produzida na justificação em outro processo
judicial ou mesmo em procedimento administrativo, não há
como negar que, muitas vezes, a justificação avulsa tem justa­
mente esse objetivo. Uma vez demonstrado pelo requerente na
petição inicial que o objetivo perseguido com a justificação é a
produção de prova para ser utilizada posteriormente na defesa
de algum interesse, seja no campo processual, seja no adminis­
trativo, não se poderá negar a utilidade de tal justificação. Tal
circunstância não é imprescindível, mas, uma vez presente no
caso concreto, demonstra, à saciedade, o interesse de agir do
requerente.
Não é por outra razão que os tradicionais exemplos lem­
brados pela doutrina que enfrentou o tema da justificação avul­
sa na demonstração de interesse de agir do requerente dizem
respeito à utilização futura da prova produzida em procedimen­
to administrativo ou judicial. Exemplo clássico de utilização da
prova obtida em justificação em procedimento administrativo
diz respeito ao pedido de aposentadoria por tempo de serviço,
hipótese em que o requerente pretenderá provar o tempo neces­
sário por meio de oitiva de outros trabalhadores ou mesmo
empregadores que possa atestá-lo. Como utilização eventual em
processo judicial, é sempre lembrada a demanda de justificação
utilizada para comprovar união estável de companheiro falecido,
o que poderá ser utilizado em pedido judicial da companheira
na sucessão do de cujus. Os exemplos, nesses casos, seriam
infindáveis; basta lembrar os mais tradicionais.
A questão cresce em importância nas hipóteses em que o
requerente não demonstra, ainda que eventualmente, interesse
na utilização da prova produzida em processo judiciai ou em
procedimento administrativo, parecendo satisfazer-se comple­
tamente com o mero conhecimento do fato. A única barreira à
justificação avulsa encontra-se na inutilidade da prova a ser
produzida, como se demonstra nas oportunidades em que o
requerente pretende a produção de prova testemunhai de fato
ou relação jurídica que juridicamente não podem ser provados
por essa maneira, seja por exigir outro meio de prova, em regra
o documental, seja por exigir um instrumento público como
elemento constitutivo do ato jurídico que se pretende provar.
Será também inútil a justificação no tocante a fatos que não
dependem de prova, mais especificamente os fatos notórios e
em cujo favor milite presunção de existência ou veracidade (art.
334, CPC).
Sendo possível ao direito material incluir como elemento
constitutivo de determinado ato jurídico um instrumento públi­
co específico, parece que a produção de prova meramente
testemunhai para demonstrar a ocorrência desse ato, apesar de
faticamente possível, será inútil Afirma-se ser possível a prova
porque o ato pode até mesmo ter ocorrido no plano fático, mas,
se tiver ocorrido em desrespeito à forma legal que exigia sua
documentação por meio de instrumento público, para o mundo
jurídico tal ato simplesmente inexiste. Poder-se-ia até mesmo
falar que, nesse caso, o ato existe, mas é ineficaz por descum-
primento da forma exigida em lei; por isso a possibilidade prá­
tica de demonstrá-lo por meio de testemunhas, mesmo que não
possa tal ato gerar qualquer efeito jurídico355. Ainda que esse
entendimento não pareça ser o mais acertado, preferindo-se
entender pela inexistência jurídica do ato, por qualquer ângulo
de análise, a justificação será inútil, por não ser capaz de gerar
qualquer proveito prático ao requerente.
Assim, faltará ao requerente interesse de agir na justificação
sempre que a lei de direito material exigir, como próprio ele­
mento constitutivo do ato jurídico, um instrumento público es­
pecífico, como pretender provar um casamento com testemu­
nhas, ou ainda a propriedade de um imóvel; nesse caso, poderia,

355Nesse sentido, as lições de Pablo Stolze Cagliano e Rodolfo Pàmplona Filho,


Novo curso de direito civil. Parte geral. 5. ed. São Raulo: Saraiva, 2004, p.
332: "A inobservância da forma legalmente prescrita atinge o plano de
validade, e não o de existência". O entendimento não parece ser o mais
acertado, porque, se o elemento constitutivo da forma foi desrespeitado,
melhor será falar em inexistência jurídica do ato, independentemente de
sua ocorrência ou não no plano fático.

312
quando muito, provar o tempo de posse que o tornaria proprie­
tário por usucapião, o que, entretanto, ainda não seria prova de
sua propriedade em decorrência da não-vinculação do futuro
juiz da ação de usucapião quanto à prova anteriormente produ­
zida. Cumpre registrar, nesse tocante, previsões da Lei de Regis­
tros Públicos que tutelam justificações específicas que têm como
condão justamente substituir o instrumento público considerado
da essência do ato jurídico, como ocorre com a justificação para
assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inun­
dação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quan­
do estiver provada a sua presença no local do desastre e não for
possível encontrar o cadáver para exame (art. 88), ou ainda no
caso de desaparecimento em campanha quando provada a im­
possibilidade do registro do óbito (art. 88, parágrafo único).
Nesses casos, entretanto, trata-se de procedimento administra­
tivo estranho ao objeto da presente análise, que não se confun­
de com a ação de justificação ora comentada356.
Também faltará interesse de agir ao requerente de uma
justificação avulsa quando o fato a ser provado somente puder,
por expressa previsão legai, ser provado por outro meio, em
regra o documental. Assim, se a justificação tiver como objeto
a comprovação de depósito voluntário, faltará interesse de agir
ao requerente em virtude de expressa exigência legal de que
tal relação jurídica só possa ser provada por escrito (art. 646,
CPC). Alguns doutrinadores mencionam também como exem­
plo o negócio jurídico com valor acima de dez salários míní-
mos, em decorrência da previsão contida no art. 227 do CC,
que exige, para sua demonstração, prova que não seja exclu­
sivamente testemunhai357. Essa situação, entretanto, merece
análise mais retida.

35bVictor A. A. Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit.,


p. 327, e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de
Processo Civil/ cit., p. 313-314.
357O exemplo é utilizado por Alexandre Freitas Câmara/ Lições de direito
proçpssua! civil/ cit., p. 216, nota 6.

313
O art. 402 do CPC, ao comentar o artigo antecedente (art.
401, CPC), cuja diferença em relação ao art. 227 do CC é so­
mente a restrição a contrato com valor superior a dez salários
mínimos, enquanto o dispositivo de direito material refere-se a
negócio jurídico, flexibiliza a rigidez da proibição, ao permitir
que a prova meramente testemunhai seja apta a convencer o juiz
da existência do negócio jurídico de qualquer valor, quando:

"I — houver começo de prova por escrito, reputando-se tal


o documento emanado da parte contra quem se pretende
utilizar o documento como prova; II — o credor não pode
ou não podia, moral ou materialmente, obter prova escrita
da obrigação, em casos como o de parentesco, depósito
necessário ou hospedagem em hotel".

São justamente essas exceções à regra que demandam maior


cuidado na análise da justificação para provar por testemunhas
negócios jurídicos com valor superior a dez salários mínimos.
A simples possibilidade de a regra impeditiva prevista no
art. 401 do CPC — e ampliada, em seu objeto, pelo art. 227 do
CC — ser afastada em processo no qual se discuta a existência
de negócio jurídico com valor superior a dez salários mínimos
é suficiente para concluir que o requerente terá interesse de agir
na produção de tal prova. Tal constatação decorre dos estreitos
limites objetivos da justificação, procedimento de jurisdição
voluntária, em que não se discutem relações de direito material,
já que serve somente à produção de prova testemunhai. Dessa
forma, não será admissível adiantar discussões como a existên­
cia de começo de prova escrita ou de impossibilidade material
ou moral de obter-se'prova escrita, questões absolutamente
alheias ao processo de justificação e que deverão ser privativa­
mente discutidas no processo em que a parte pretenda um bem
da vida com fundamento na existência do negócio jurídico. O
máximo que poderia ser exigido do requerente, até para demons­
trar a plausibilidade do interesse de agir, seria mencionar, na
petição inicial, que se verifica, no caso concreto, uma das hipó­
teses previstas pelo art. 402 do CPC, mas sem que, com isso,

314
r

seja permitido ao juiz perquirir da veracidade de tal informação;


este deve aceitá-la em status assertionis.
Por fim, parece também não existir interesse de agir na
justificação quando a demanda recair sobre fatos que são ex­
pressamente retirados do objeto da prova pelo art. 334 do CPC.
Embora se possa afirmar que a prova produzida na justificação
não será utilizada, necessariamente, em outro processo — judi­
cial ou administrativo —, é importante que seja utilizado o
dispositivo legai supramencionado como forma de antever al­
guma utilidade prática na produção da prova, ainda que seja
utilizada como mero documento pelo requerente. As pondera­
ções feitas para a produção antecipada de prova à luz desse
dispositivo legal aplicam-se, integralmente, à justificação.
Não parece de fato haver qualquer utilidade prática em
admitir toda a movimentação do Poder Judiciário para formar
prova testemunhai de fato notório, como, por exemplo, que o
Presidente da República luiz Inácio Lula da Silva usa barba e
bigode, ou ainda que o Rio de Janeiro tem praia ou que no
Pantanal existem jacarés. Em todos esses casos, a notoriedade
dos fatos afasta qualquer utilidade prática, por mínima que
seja, da justificação. O mesmo fenômeno ocorre com os fatos
em cujo favor milíte presunção de existência e veracidade,
porque, nesse caso, a impressão de veracidade buscada com
a prova testemunhai já é concedida pela própria lei, ainda que
de forma relativa. Na hipótese de presunção relativa, somente
se admitiria a justificação se o objetivo fosse demonstrar fatos
contrários à presunção, o que, inegavelmente, seria útil à par­
te para afastá-la em futuro e eventual processo judicial. Nas
hipóteses de presunção absoluta, nem essa "prova contrária à
presunção" seria permitida na ação de justificação, por sua
manifesta inutilidade.
Leonardo Greco358, após apontar que o interesse de agir na
justificação é muito tênue, mas existe, afirma que

358Cf. Jurisdição voluntária moderna/ cit., p. 69.

315
"o requerente não está obrigado a afirmar ou demonstrar a
necessidade de produção da prova para dela extrair em seu
benefício algum efeito jurídico imediato. Mas ninguém pode
usar de um procedimento judicial para fins ilícitos ou para
molestar injustamente a outrem. Por isso, o artigo 861 exi­
ge que o requerente exponha a sua intenção em petição
circunstanciada. Embora o requerente não tenha o ônus de
demonstrar desde logo se a justificação pretendida tem
alguma finalidade prática ou jurídica, o interesse de agir
corresponde à não manifesta ilicitude da prova constituen-
da e à hipotética possibilidade, ainda que remota, de que
ela possa ter alguma utilidade lícita para o requerente.
Ninguém tem o direito de imiscuir-se na vida privada alheia,
sem demonstrar interesse próprio, ainda que meramente
hipotético ou potencial, em documentar fatos da vida des­
sa pessoa".

O pensamento do doutrinador carioca merece alguns co­


mentários, em ao menos dois pontos centrais.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que a ilicitude da
prova não se localiza precisamente no interesse de agir do re~
querente, mas sim no campo da possibilidade jurídica do pedi­
do, desde que seja acolhido o posicionamento adotado por
nosso Código de Processo Civil no tocante às condições da ação.
A anotação não tem maior importância prática e, quem sabe,
nem mesmo teórica; basta lembrar que o pai da teoria eclética,
Enrico Tullio Liebman359, ao final de sua obra, fez com que a
condição "interesse de agir" absorvesse a da "possibilidade ju­
rídica do pedido", de modo a restarem somente duas condições
da ação — interesse e legitimidade360. De qualquer forma, a lição

359Manuale di dintto processuale civile/ cit., p. 144-151.


3f>0No direito brasileiro, entre outros, Donaldo Armei in, Legitimidade para agir
no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979,
p. 40 e s., e Alexandre. Freitas Câmara, Condições da ação? In :______. Es­
critos de direito processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 63-68.
transcrita é absolutamente correta ao lembrar que, se for a pro­
va que se pretende produzir contaminada de ilicitude, não se
admitirá sua produção por nenhuma forma (art. 5°, inc. LVI, CF)
evidentemente, o mesmo ocorrerá na justificação avulsa.
O segundo ponto será explorado de maneira mais retida no
tópico destinado à análise da defesa do "interessado" no pro­
cesso de justificação, que, a par da literal idade do art. 865 do
CPC, será admitida com algumas restrições objetivas. Mas é
importante, desde já, a lembrança de que não se deve admitir
uma invasão na esfera privada de alguém de forma absolutamen­
te injustificada sem qualquer sentido lógico ou utilidade prática
como resultado dessa invasão. Será exigida do requerente, por­
tanto, a demonstração da utilidade da prova a ser produzida,
ainda que meramente eventual e mesmo independentemente de
utilização em processo judicial ou administrativo, como forma
de evitarem-se abusos no manejo de tal demanda probatória,
com a invasão da vida alheia sem qualquer ganho prático ou
sentido lógico para tanto.

6. COMPETÊNCIA
Existe na doutrina certa divergência a respeito da compe­
tência para a demanda de justificação, havendo, inclusive, uma
súmula do Superior Tribunal de Justiça a respeito da competên­
cia da Justiça Federal para "processar justificações judiciais
destinadas a instruir pedidos perante entidades que nela têm
exclusividade de foro, ressalvada a aplicação do art. 15, inc. II,
da Lei 5.010/66" (Súmula 32/STJ). A questão da competência
passa, portanto, pela definição da Justiça competente para depois
ser fixado o foro competente361.
Não deixa de ser curioso o disposto na súmula transcrita,
que fixa uma competência absoluta da Justiça Federal para al­
gumas situações referentes à justificação avulsa, em especial

36! Sobre os critérios para a fixação da competência, Daniel Amorim Assump­


ção Neves, Competência no processo civil/ cit., p. 55-57.

317
para instruir pedidos perante entidades que, por força do dispos­
to no art. 109, I, da CF, litigam obrigatoriamente na Justiça Fe­
deral Essa obrigatoriedade — regras de competência absoluta
não podem ser modificadas pela vontade das partes — suscita
uma série de interessantes questões.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a pretensão pro­
batória do autor da justificação avulsa poderá estar totalmente
dissociada de qualquer processo judicial ou administrativo fu­
turo e eventual; basta que haja o interesse do autor na produção
de uma prova que lhe tenha alguma utilidade. Caso o autor não
indique, em sua petição inicial, a pretensão de que pretende
fazer valer a prova contra ente que litiga na Justiça Federal em
virtude do disposto no art. 109, I, da CF, como deverá o juiz
estadual se posicionar? Poderá simplesmente presumir essa uti­
lização futura e, de ofício, declarar-se incompetente, remetendo
os autos à Justiça Federal? Deverá determinar a emenda da pe­
tição inicial para que o autor indique se pretende utilizar tal
prova em processo futuro? E caso o autor apenas fundamente
sua pretensão no direito à prova, como deve o juiz estadual
proceder? As mesmas indagações poderão ser feitas ao juiz fe­
deral que recebe a inicial de petição inicial sem que haja qual­
quer indicação do autor da futura e eventual utilização da prova
produzida em outro processo.
É óbvio que será competente o Juízo Federal sempre que o
autor incluir entre os "interessados" que deverão ser citados no
processo qualquer dos entes federais previstos pelo art. 109, I,
da CF. O problema surge quando esses entes não participarem
do processo de justificação.
Se houver a indicação pelo autor de que utilizará a prova
em processo judicial em que figurará ente indicado pelo art. 109,
I, da CF, a tarefa do juiz que recebe a petição inicial, no caso
concreto, restaria facilitada, por amparar-se no entendimento
jurisprudência! já referido, inclusive sumulado. Caso se trate de
juiz estadual, este se declararia incompetente de ofício e reme­
teria os autos à justiça federal; sendo juiz federal, julgaria nor­
malmente a demanda. Sem indicação de futuro processo e não

318 '
havendo qualquer dos entes federais mencionados, o juiz fede­
ral declarar-se-ia de ofício incompetente, remetendo os autos à
Justiça Estadual, enquanto o juiz estadual, ao receber a petição
inicial nessas condições, julgaria normalmente a demanda. Mas
e na hipótese de não haver ente federal nos pólos da justificação
avulsa, nem indicação de ação futura envolvendo-os, uma vez
produzida a prova no Juízo Estadual, seria possível utilizá-la em
processo na Justiça Federal?
O próprio ordenamento jurídico processual dá a resposta
a esse questionamento a partir do momento em que prevê que,
no caso de reconhecimento de incompetência absoluta, somen­
te os atos decisórios serão anulados e se manterão íntegros os
demais, entre eles os atos probatórios. Ainda assim, não são
todos os atos decisórios anulados, mas tão-somente aqueles
referentes ao mérito da demanda362. Como na justificação avul­
sa o juiz nada decide a respeito do mérito, será absolutamente
contrário à lei impedir-se a utilização da prova produzida em
justificação avulsa, ainda que por juízo absolutamente incom­
petente. Tratando-se de espécie de prova emprestada quando
utilizada em outro processo judicial ou administrativo, a idéia
da incompetência absoluta do juiz simplesmente se torna irre­
levante, considerando a ampla possibilidade da prova empres­
tada entre diferentes Justiças.
Por tais razões, parece que o entendimento sumulado pelo
Superior Tribunal de Justiça não tem qualquer sentido de ser na
hipótese de não existir indicação expressa do requerente que
pretende utilizar da prova produzida em futuro e eventual pro­
cesso de competência da Justiça Federal. E indo ainda mais
longe, mesmo que a justificação tramite perante juízo absoluta­

362Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 102: "Entendem-se por
atos decisórios nulificados apenas aqueles que versam sobre o mérito, pos­
to que para promover o andamento do processo e proferir decisões interlo­
cutórias formais não se revela importante a competência objetiva. Esta
mostra-se influente no plano jurídico, apenas quando o juiz dispõe sobre o
litígio em si, para o qual não é especializado".

319
mente incompetente, não caberá ação rescisória contra a sen­
tença homologatória, que não é sentença de mérito.
A prova, uma vez produzida, independentemente do juiz
responsável pela sua produção, terá a mesma eficácia e poderá
ser utilizada da mesma forma em qualquer outro processo judi­
cial ou administrativo, não importando em que Justiça tramite o
processo judicial ou perante qual entidade transcorra o proces­
so administrativo. Falar, assim, em incompetência absoluta do
juízo no tocante à eficácia da prova produzida na justificação
avulsa parece ser algo absolutamente inútil, pois a prova produ­
zida por qualquer juízo terá sempre a mesma eficácia.
Relativamente à fixação da competência do foro, as pon­
derações já feitas para a ação cautelar de produção de provas
aplicam-se, em sua inteireza, à justificação avulsa; assim, deve
ser determinada pelo local em que a prova será produzida, for­
ma de aperfeiçoar a entrega da prestação jurisdicional. No caso
da justificação, inclusive, há uma razão a mais para deixar de
aplicar a regra exposta no art. 800 do CPC, considerando não
existir, em tal processo, qualquer natureza cautelar, de modo
que não está o direito à produção da prova testemunhai condi­
cionado à propositura da chamada "ação principal"363.

7. PROCEDIM ENTO
Ao aplicar o conceito tradicionalmente defendido pela
doutrina nacional de periculum in mora para as cautelares pro­
batórias, já restou determinado que o processo de justificação
não tem natureza cautelar. Ainda que seja discutível essa con­
clusão diante do conceito de periculum in mora proposto no
presente trabalho, é correta a conclusão de que o procedimento

36íEm sentido contrário ao texto, ao menos nas hipóteses em que já existe na


petição inicial a indicação da "ação principal", as lições de Victor A. A.
Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 328;
Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar/ cit., p. 441-443; Hum­
berto Theodoro Jr., Processo cautelar/ cit., p. 324.

320
da justificação avulsa não segue, estritamente, as regras proce­
dimentais do processo cautelar. Por ser pacífico o entendimento
de que a justificação avulsa não tem natureza cautelar e, bem
por isso, não seguirá o procedimento cautelar, é importante
precisar qual forma procedimental deverá ser observada nesse
processo, com as especialidades por vezes não muito claras
previstas nos arts. 861 a 866 do CPC.

7.1. Petição inicial


Toda demanda judicial será iniciada por iniciativa da parte
(art. 262, CPC), por meio da petição inicial. No tocante à juris­
dição voluntária, ainda que seja admitida uma iniciativa oficio­
sa mais presente, não parece fugir-se à regra da inércia da juris­
dição, segundo a qual depende o início da demanda de vontade
e de provocação do interessado, mas permite-se o início do
processo de ofício pelo juiz — o que dispensaria a petição inicial
— somente em situações expressamente previstas em lei, o que
não ocorre com todos os processos de jurisdição voluntária364.
No caso da justificação avulsa, de que ora se trata, parece
não restar qualquer dúvida a respeito da aplicação do princípio
da inércia da jurisdição, pelo qual não se justifica a existência
de um processo de justificação iniciado de ofício pelo juiz,

364Assim, Leonardo Greco (Jurisdição voluntária moderna/ cit., p. 40), ao es­


pecificar as hipóteses em que se justificaria o processo ser instaurado de
offcio: "Em síntese, a inércia da jurisdição também prevalece na jurisdição
voluntária, comportando exceções estritamente ditadas pela necessidade
imperiosa de assegurar acesso à tutela jurisdicional de incapaz ou outro
sujeito que, sem a iniciativa do juiz e sem culpa sua, ficaria de fato privado
da tutela do seu direito". Nesse tocante, vale lembrar as lições de Pontes de
Miranda, repetidas por Fábio Gomes (Comentários ao Código de Processo
Civil. São Raulo: Revista dos Tribunais, 2000/ v. IIJ, p. 172), segundo o qual,
nessas hipóteses, o juiz não atua como tal, mas como órgão do Estado, fora
da função de julgador. De qualquer maneira, seja na atuação típica de
julgador ou não, o início do processo sem iniciativa da parte dispensa a
petição inicial.

321
ainda que se entenda pela amplitude de seus poderes instrutórios
à luz do art. 131 do CPC. A possibilidade de o juiz produzir
provas não requeridas expressamente pelas partes não pode
ensejar afastamento do princípio da inércia do juiz nos proces­
sos autônomos de produção de prova, como é o caso da justifi­
cação; de modo a concíuir-se pela necessidade de provocação
do interessado, o que será feito por meio de petição iniciai.
Já foi devidamente explorado o tema da não-cautelaridade
da justificação avulsa — pacífica na doutrina pátria —, apesar
de sua colocação no rol das cautelares típicas ou nominadas. O
afastamento do âmbito das cautelares da ação de justificação
enseja também, conforme já foi visto, a não aplicação do pro­
cedimento cautelar a ela, a começar pela petição inicial. Dessa
maneira, parece não ser correto entendimento de que a petição
inicial da justificação avulsa deva ser elaborada nos moldes do
art. 801 do CPC, dispositivo que trata da petição inicial das
demandas genuinamente cautelares, que não seria o caso da
justificação365. Melhor, portanto, será aplicar a regra genérica de
petição inicial do art. 282 do diploma processual civil, que,
apesar de estar localizada no processo de conhecimento, melhor
estaria em um capítulo do Código destinado à teoria geral do
processo, o qual, entretanto e infelizmente, não existe366.
Essa opção de afastar a aplicação do art. 801 do CPC à
petição inicial da ação de justificação é suficiente, por exemplo,
para dispensar o cumprimento da exigência prevista no inc. III
do referido dispositivo legal — lide e seus fundamentos. Con­
forme amplamente exposto, em decorrência da própria literal i­

365Comete tal equívoco Ovídio A. Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit.,


p. 440. No sentido do texto, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários
ao Código de Processo Civil/ cit., p. 316.
366José Carlos Barbosa Moreira (Anotações sobre o título "Da prova" no novo
Código Civil. In: Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei (Coords.). Reflexos do
novo Código Civil no direito processual. Salvador: Jus Podivm, 2005, p. 205,
nota 1) critica a inexistência de uma parte geral no Código de Processo
Civil.

322
dade do art. 861 do CPC, a prova testemunhai produzida na
justificação não será obrigatória, nem, eventualmente, utilizada
em outro processo, de forma que a indicação do objeto da ação
principal, exigência das cautelares para que o juiz possa analisar
a aptidão instrumental de tal demanda à luz da demanda prin­
cipal, é absolutamente dispensável Registre-se que essa dispen­
sa aplica-se, inclusive, nas hipóteses em que o requerente já
saiba de antemão que a prova a ser produzida será por ele uti­
lizada em demanda futura. A existência ou não de planos para
propor ação judicial em que o requerente aproveite a prova é
absolutamente irrelevante, de modo a justificar, em qualquer
caso, a dispensa da aplicação do art. 801, III, do CPC.
É evidente que, devido às peculiaridades do objeto da jus­
tificação, a aplicação do art. 282 do CPC sofrerá alguns tempe­
ramentos, em especial no tocante à exigência da narrativa da
causa de pedir (inc. III). Ainda que não se exija do requerente
uma narrativa completa dos fundamentos de fato e do funda­
mento jurídico de sua pretensão, deverá elaborar uma petição
circunstanciada, na qual indique sua intenção com a justificação
pretendida, nos termos do art. 861 do diploma processual civil367.
O desafio é entender exatamente o que o diploma legal exige
do requerente quando é mencionada a expressão "petição cir­
cunstanciada".
Pelo disposto no art. 861 do CPC, a prova a ser produzida
no processo autônomo de justificação poderá ser utilizada como
simples documento, sem caráter contencioso, ou ainda como
prova em outro processo. A primeira hipótese diz respeito à já
comentada prova documentada, formalmente documental, que
não estará ligada, necessariamente, a nenhum outro processo
judicial ou administrativo, enquanto, na segunda hipótese, o
dispositivo legal, ao apontar a serventia em "processo regular",

3b7Victor A. A. Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit.,


p. 329: "Aplicam-se à justificação, no que couber, os princípios atinentes à
petição inicial em geral (art. 282), com-especial diligência na demonstração
do interesse do requerente".

323
de maneira equivocada se deixa impregnar pelas impressões
doutrinárias já superadas de que a justificação não seria, de fato,
um processo368. Regular é o contrário de irregular, diz respeito
ao preenchimento de requisitos formais e, ao menos em tese,
todo processo deve ser regular; assim, o que o legislador preten­
dia dizer era "processo judicial ou administrativo".
Apesar das impropriedades lingüísticas, o dispositivo legal
ora comentado deixa claro quais são as duas serventias da jus­
tificação avulsa; parece que a necessidade de o requerente de­
monstrar sua intenção com a demanda judicial em petição cir­
cunstanciada orbita justamente em torno delas. Já se afirmou
exaustivamente que, apesar de não ser imprescindível a utiliza­
ção da prova produzida em justificação em outra demanda ju­
dicial, é plenamente possível que isso ocorra e, caso seja esse o
caso, o requerente deverá indicar quais são suas intenções pró­
ximas para a utilização da prova e informar, ainda que sumaria­
mente, como pretende utilizar, processual ou administrativamen­
te, a prova produzida. Tal indicação, conforme se verá adiante,
será de extrema importância não só para demonstrar a utilidade
da prova, mas também para fixar a competência e os sujeitos
que deverão compor o pólo passivo, os quais o art. 862 do CPC
chama de "interessados".
Ainda que não pretenda, ao menos naquele momento,
utilizar futuramente a prova produzida em processo judicial ou
administrativo, o requerente deverá indicar qual sua intenção
ao produzir a prova, que poderá ser, singelamente, o conheci­
mento de um fato para satisfação de ordem social, política,
econômica, ou outra qualquer. Apesar de o direito à produção
da prova e ao conhecimento do fato ser significativamente amplo,
as intenções concretas do requerente deverão ser.expostas na
petição inicial, porque, dessa forma, poderá o juiz que a receber
analisar a efetiva utilidade da prova que se pretende produzir, a

368A crítica à doutrina mais antiga também é feita por Sérgio Sahione Fadei,
Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1047-1048, e Ovídio A. Bap­
tista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 439.

324
fim de decidir, no caso concreto, se há ou nao o interesse de agir
do requerente.
É evidente que também será exigida do requerente a indi­
cação precisa dos fatos sobre os quais pretende produzir a prova
oral, pois, somente dessa maneira, a análise do interesse de agir
e da possibilidade jurídica do pedido poderá ser realizada. Além
disso, a indicação do fato ou dos fatos que se pretende compro­
var delimitará o objeto da prova, de modo a evitar o prolonga­
mento desnecessário da audiência com perguntas que não digam
respeito ao fato ou aos fatos que se pretende provar; isso, entre­
tanto, não impedirá de forma peremptória, no caso concreto, que
as perguntas da testemunha recaiam sobre fatos diversos do in­
dicado na petição inicial. De qualquer forma, com tal indicação
será possível, previamente, limitar, ainda que parcialmente, o
objeto da prova a ser produzida, em evidente contribuição para
que a prestação jurisdicional seja mais rápida e eficaz.
Existe algum dissenso doutrinário a respeito da exigência
de o requerente indicar, já na petição inicial, o rol de testemunhas
que pretende ouvir no processo de justificação; para parcela da
doutrina, o correto seria a indicação imediata, nos moldes do
procedimento sumário, até mesmo em virtude da sumariedade
formal de tal procedimento369. Mas há doutrinadores que defen­
dem a aplicação integral dos dispositivos atinentes à prova tes­
temunhai previstos na parte do Código de Processo Civil refe­
rente ao processo de conhecimento (Livro !, Título VIM, Capítulo
VI, Seção VI — arts. 400-419, CPC). Segundo esse entendimen­
to, seria aplicável ao processo de justificação o art. 407 do di­
ploma processual civil, a permitir que o requerente arrole as
testemunhas no prazo a ser fixado pelo juiz e, na sua omissão,
em dez dias antes da audiência de instrução370.

-69Sérgio Sahione Fadei, Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1048;


Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, cit., p. 217;
Humberto Tbeodoro Jr., Processo cautelar/ cit., p. 324.
m Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil/
cit., p. 319.

. 325
Pârece mais consentâneo, não só com a sumariedade formal
que deve ditar o procedimento da justificação avulsa, mas também
com o próprio objeto de referida demanda, que o requerente, já
em sua petição inicial, arrole as testemunhas que pretende ouvir,
informação que certamente já tem em seu poder, caso contrário
não ingressaria com a ação de justificação. Dessa forma, será
possível ao requerido saber, já no momento de sua citação, quais
são as testemunhas arroladas pelo requerente, o que permitirá
uma melhor preparação para a audiência ou até mesmo a extin­
ção do processo sem o julgamento do mérito, no caso de teste­
munhas impedidas, suspeitas ou incapazes (art. 405, CPC).
Tradicionalmente, essas questões são resolvidas em audiên­
cia, por meio da contradita, mas, em processo em que o único
objetivo é a produção da prova testemunhai em audiência, pa­
rece interessante, em termos de economia processual, que o juiz
tome conhecimento de algumas das causas do art. 405 do CPC
antes mesmo da ocorrência da audiência de instrução, hipótese
em que poderá, de plano, extinguir o processo sem o julgamen­
to do mérito, ao apontar para a carência de ação do requerente
em razão da impossibilidade jurídica de seu pedido.
Deverá também, à luz do art. 283 do CPC, juntar com a
petição iniciai os documentos indicados pelo art. 863 do CPC,
que, conforme foi visto anteriormente, só se justificarão quando
disserem respeito ao objeto da prova testemunhai que será co­
lhida. Embora seja possível defender sua juntada a qualquer
momento antes da realização da audiência, desde que seja ob­
servado o contraditório e não haja má-fé do requerente, parece
ser mais adequado exigir-se a juntada de tais documentos já no
momento de inauguração da demanda judicial, em evidente
acolhimento do princípio da concentração de atos, pilar da
sumariedade formal que deve reger o procedimento da justifi­
cação avulsa371.

371Victor A. A. Bomfim Marins, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit.,


p. 329. Contra, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Comentários ao Código
de Processo Civil/ cit., p. 319.

326
Será hipótese de emenda da petição inicial no prazo de dez
dias a ausência de indicação do rol de testemunhas já na petição
inicial, o que não se pode afirmar com relação aos documentos
que desempenham papel secundário na ação de justificação;
prova maior disso é a própria redação do art. 863, que simples­
mente faculta ao requerente, não o obriga, a juntar documentos.
O vício causado pela ausência de indicação das testemunhas
na petição inicial é plenamente sanável, sendo aplicável ao caso
o disposto no art. 284 do CPC, por parecer o indeferimento da
petição inicial medida extrema e despreocupada com a econo­
mia — fatalmente o requerente proporá nova demanda — e com
a efetividade processuais.
Em virtude de regra já consagrada em nosso direito proces­
sual pelo art. 258 do CPC, a toda demanda será atribuído um
valor; assim, exige-se do requerente, também na justificação
avulsa, a indicação de um valor da causa, cuja ausência cons­
titui vício sanável e possibilita a emenda da petição inicial (art.
284, CPC), não seu indeferimento (art. 295, CPC). Não sendo
possível precisar o valor econômico do bem da vida pretendido
pelo requerente, que é a simples produção de prova oral, o valor
da causa, na justificação avulsa, será meramente estimativo e
deverá apenas respeitar eventual valor mínimo de alçada.

7.2. Citação dos interessados


Dispõe o art. 862, caput, do CPC que, "salvo nos casos
expressos em lei, é essencial a citação dos interessados", o que
suscita interessantes questões a respeito de quem sejam os "in­
teressados", sua forma de integração ao processo e ainda quais
seriam os casos em que sua citação poderia ser dispensada.
Registre-se, de antemão, que o dispositivo legal pouco esclarece
a respeito das questões apresentadas, de modo a deixar toda a
interpretação a cargo do intérprete.
No tocante à interpretação de quem sejam os "interessa­
dos" na justificação avulsa, a doutrina vem fazendo uma dis­
tinção com vistas ao objeto do processo autônomo probatório.
A análise varia conforme seja um único fato ou conjunto de

327
fatos a serem provados, relação jurídica ou conjunto de relações
jurídicas.
Caso se trate de relação jurídica, fica evidenciado que nela,
além do requerente, haverá a participação de pelo menos mais
um sujeito, de modo a restar claro que ao menos o sujeito ou os
sujeitos que participem da relação jurídica que se pretende jus­
tificar sejam citados como interessados. São considerados como
tal porque fazem parte da relação jurídica de direito material
que se pretende ver provada por meio da produção da prova
testemunhai na justificação avulsa.
Quanto à prova de fatos, afirma-se que deverão ser citados
como interessados todos os sujeitos contra quem o requerente
pretende opor sua prova, missão de identificação que resta
sobejamente facilitada na hipótese em que o requerente, ao
indicar na petição inicial sua intenção com a justificação, indi­
ca, concretamente, sua utilidade na instrução de um processo
judicial ou administrativo por vir. Nesses casos, entende-se que
os sujeitos que virão a participar do eventual processo deverão
ser citados para participar como interessados no processo de
justificação, não sendo razoável admitir-se a produção de pro­
va sem a presença de tais sujeitos em razão do princípio do
contraditório.
O problema intensifica-se na hipótese de o requerente não
indicar qualquer processo judicial ou administrativo, ainda que
eventual, no qual a prova produzida será utilizada na missão de
convencer o juiz ou o administrador da veracidade de um fato
ou de um conjunto de fatos. Fala o art. 861 do CPC em formação
da prova para servir como mero documento, sem caráter con­
tencioso, o que significa dizer — como já visto — produzir
prova oral documentada sem interesse imediato em sua utiliza­
ção em processo judicial ou administrativo. Mesmo nesse caso,
será possível identificar, no caso concreto, sujeitos que poderão
ter interesse na formação da prova, pois o fato que se pretende
provar pode dizer respeito a eles, como na hipótese de prova do
fato de que o requerente fez-se acompanhar em viagem por
alguém que terá interesse ga prova desse fato.

328
I

Remanesce, entretanto, interessante questão: seria possível


a justificação sem que exista qualquer interessado na prova do
fato, ou seja, deve-se admitir uma justificação em que a prova
diz respeito, exclusivamente, à pessoa do requerente, sem des­
tinar-se a ser oposta contra terceiros? Pàrece haver certa confusão
em parcela da doutrina entre a situação de não existirem inte­
ressados no fato que se pretende provar ou serem tais interessa­
dos indeterminados ou até mesmo indetermináveis.
Afirma HumbertoTheodoro Jr.372 que

"a justificação, também, é deferível sem citação, quando


os fatos a provar são pertinentes apenas à pessoa do justi-
ficante e não se destinam a ser opostos a outrem especifi­
camente, como aquela feita para demonstrar a idoneidade
moral ou econômica do justificante ou para evidenciar a
autoria de criação intelectual sob anonimato. Em tais casos
evidentemente não há a quem citar".

Percebe-se, na lição do processualista mineiro, a confusão


anteriormente apontada, porque dizer que o fato a ser provado
não se destina a ser oposto a "outrem especificamente" não
significa dizer que não existam terceiros interessados em tal fato,
mas tão-somente que, no momento da justificação, ainda não é
possível identificá-los. Os próprios exemplos utilizados confir­
mam a tese, considerando que a "idoneidade moral ou econô­
mica" não se presta para puro conhecimento do requerente, mas
sim para opor tal condição a terceiros, ainda que, no momento
da propositura da ação, não sejam identificáveis. Mesmo porque,
ao menos em tese, se fosse de interesse exclusivo do requerente
a prova de sua "idoneidade moral ou econômica", a justificação
seria absolutamente inútil, porque, nesses casos, é permitido
supor que o requerente já saiba que é idôneo moral ou econo­

377Cf. Processo cautelar, cit., p. 325.

329
micamente373. Caso precise de uma justificação avulsa para
formar prova testemunhai a fim de se convencer de tais fatos
não deve procurar um juiz de direito, mas um psicólogo ou um
psiquiatra, que certamente o ajudará a resolver seu conflito in­
terno, As mesmas considerações aplicam-se ao segundo exemplo
dado, de "autoria de criação intelectual".
No que se refere à prova de um fato, duas situações são
possíveis: o requerente já sabe, no momento em que ingressa
com a justificação, os exatos sujeitos contra quem pretende
valer a prova, ou ainda não sabe precisar quem são tais sujeitos,
não porque não existam, mas porque são, naquele momento,
indeterminados e, até mesmo, possivelmente indetermináveis.
Essa hipótese é reconhecida pelo ordenamento processual bra­
sileiro no tocante ao pólo passivo da demanda, hipótese em que
se definirá o réu — no caso, interessado — como incerto, ao
fazer sua citação por edital374. Assim, ou os interessados serão
os sujeitos contra quem o requerente pretende fazer valer a
prova, hipótese de réu certo citado, somente de forma excep­
cional, de maneira ficta, ou são sujeitos indeterminados, hipó­
tese em que o réu será incerto e deverá ser citado por edital (art.
231, I, CPC).
É importante notar que o interessado, uma vez citado, po­
derá demonstrar interesse na produção da prova, que poderá,

373Para Leonardo Greco, Jurisdição voluntária moderna/ cit., p, 69, "a justifi­
cação necessariamente deve dirigir-se a um determinado sujeito passivo,
em relação ao qual a prova produzida poderá ser ulteriormente utilizada.
Não há justificação para produzir prova de fato sem a indicação de um
sujeito passivo. Esta identificação já constitui um dado importante para que
o juiz possa avaliar o interesse de agir".
374Com esse entendimento, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao
Código de Processo Civil/ cit., p. 318, ao comentar a impossibilidade de,
em alguns casos, identificar-se o sujeito passivo, dá como exemplo a justi­
ficativa de boa conduta a boa fama e o "interesse unus ex publico/ como
nas espécies de fatos ou relações jurídicas ligadas a promessa ao público,
inclusive de prêmios". Nesses casos, acertadamente, indica a necessidade
de citação por edital dos réus incertos.

330
r
t

perfeitamente, prejudicar o autor da justificação avulsa. Imagine-


se um autor que propõe demanda de justificação para demons­
trar seu tempo de serviço para fins de aposentadoria e não
consegue realizar tal prova por meio das testemunhas, ou, ainda
pior, fica provado pelas testemunhas que ele não tem, em abso­
luto, o prazo necessário para se aposentar. Seria uma prova mais
do que suficiente para o INSS, em processo administrativo, negar
a aposentadoria pleiteada pelo interessado. Como o resultado
da prova é imprevisível, é até mesmo possível visualizar, na ação
de justificação, uma certa natureza dúplice, porque nunca se
saberá, de antemão, o resultado da prova, que poderá beneficiar
tanto o requerente como o requerido, ou, como prefere o esta­
tuto processual, o "interessado".
Há ainda mais uma situação bastante particular da justifi­
cação avulsa, permitida pela sua natureza de processo de juris­
dição voluntária. O interessado poderá demonstrar exatamente
o mesmo interesse que o autor, não só na produção da prova em
si, mas também no seu resultado, de modo a colaborar com este
para que as testemunhas venham a confirmar os fatos apontados
pelo autor na petição inicial. Como se trata de jurisdição volun­
tária, os sujeitos colocados nos pólos antagônicos da demanda
nem sempre estarão em conflito no processo; a regra, inclusive,
é que estejam em convergência de vontade, o que também po­
derá plenamente ocorrer na justificação.
É elogiável a precisão terminológica do art. 862 do CPC,
ao expressar que os interessados serão citados, porque, na ver­
dade, o ato de comunicação da existência da ação aos interes­
sados tem, justamente, a função de integrá-los à relação jurídica
processual, em nada se referindo à adoção de eventuais posturas
defensivas, no mais expressamente proibidas pelo art. 864 do
CPC, que será comentado a seguir. O legislador foi aqui bem
mais preciso do que na própria definição conceituai de citação
contida no art. 213 do CPC ("Citação é o ato pelo qual se chama
a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender"), porque
esse ato inicial de comunicação da ação de justificação não tem
.. o condão de convocar o interessado para apresentar defesa, mas

331
sim para integrá-lo à relação jurídica processual e, desse modo
participar da produção da prova.
A confusão advém da não-percepção de que, em regra,
junto à citação segue também uma intimação, que, segundo o
art. 234 do CPC, é justamente "o ato pelo qual se dá ciência a
alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe
de fazer alguma coisa". Dessa forma, a citação dá ciência ao
demandado ou ao interessado da existência do processo, de
modo a integrá-lo à relação jurídica processual como parte,
enquanto a intimação, que, em regra, acompanha a citação,
permite ao demandado ou interessado uma reação à petição
inicial. Na conjugação dos arts. 862 e 864 do CPC, encontra-se
a pureza do conceito de citação — que faltou ao conceito legal
do instituto —, considerando que, na justificação, o interessado
será somente integrado à relação jurídica processual como par­
te, pois não serve tal ato de comunicação a qualquer reação,
embora esta seja possível à luz do princípio da ampla defesa,
conforme será visto a seu devido tempo375.
Por fim, resta ainda interpretar exatamente o que pretendeu
a norma legal ao afirmar que a citação dos interessados pode
ser afastada em casos expressos em lei. Nesse tocante, os elogios
anteriormente tecidos ao legislador darão espaço à crítica, por­
que não parece correta a dispensa de citação, qualquer que seja
o processo, ainda que de jurisdição voluntária. Como não pare­
ce correto o entendimento de que a justificação avulsa possa
existir sem pólo passivo — conforme exposto —, a dispensa da
citação ficará reservada para tão-somente uma situação, de in­
cidência quase nula na praxe forense: dois interessados, com
pretensões contrárias — um pretende provar que o fato ocorreu
e o outro que o fato não ocorreu — , ingressam conjuntamente
com petição inicial para ouvir testemunhas sobre o fato. Nessa

37STa! pensamento segue as lições de Cândido Rangel Dinamarco, Instituições


de direito processual civil/ cit., v. II, p. 505-506. Por tais razões, a redação
do dispositivo legal ora comentado não merece as críticas feitas por Misael
Montenegro Filho, Curso de direito processual civil/ cit., v. III, p. 187.

332
]

circunstância, todos os interessados na produção da prova já


estarão no pólo ativo da demanda, o que dispensaria a citação.
A raridade de tal situação, entretanto, faz com que a citação dos
interessados seja a regra da justificação avulsa.

7.3. Participação do Ministério Público


O art. 862, parágrafo único, do CPC indica que, "se o in­
teressado não puder ser citado pessoalmente, intervirá no pro­
cesso o Ministério Público". A norma legal gera ao menos uma
dúvida fundada: caso não possa ser o interessado citado pesso­
almente, estará dispensada sua citação, intervindo o Ministério
Público no processo, ou ela será realizada de forma ficta — por
hora certa ou edital —, sendo designado a ele advogado dativo
e ainda assim o Ministério Público ingressaria na demanda ju­
dicial? A pergunta a esse questionamento passa anteriormente
pela justificativa da presença do Ministério Público na ação de
justificação.
Já foi exaustivamente afirmado que a doutrina pátria, apli­
cando o conceito tradicional de periculum in mora nas demandas
probatórias autônomas, entende que a justificação avulsa encon-
tra-se em local inadequado dentro do Código de Processo Civil,
por não ter natureza contenciosa. Em razão de sua natureza de
jurisdição voluntária, melhor seria prevê-la no livro IV, Título II,
do CPC. De qualquer forma, independentemente do locai do
diploma processual em que está positivada, a justificação, por sua
natureza jurídica, será tratada à luz da teoria geral da jurisdição
voluntária, mas sempre naquilo que for cabível à própria nature­
za individual de tal demanda processual. Ao aplicar à justificação
avulsa as regras gerais da jurisdição voluntária, poder-se-á concluir
pela aplicabilidade do disposto no art. 1.105 do CPC, em especial
no tocante à necessidade de intimação do Ministério Público— já
se faz a devida correção ao texto legal, considerando não ser o
Ministério Público citado, mas sim jntimado.
Apesar da clareza da disposição legal — a par do equívoco
quanto à forma de dar ciência da existência do processo ao
Ministério Público — e da inegável natureza de jurisdição vo­

333
luntária da justificação avulsa, ao exigir a participação do Mi­
nistério Público nessa demanda, esta não se mostra amparada
em qualquer razoabilidade, em nítido distanciamento das tarefas
funcionais do Parquet estabelecidas pelo art. 127 da CF. Não se
pode admitir a interpretação literal do art. 1.105, porque não é
em todos os processos de jurisdição voluntária que a presença
do Ministério Público se fará necessária, desnecessidade que se
mostra de forma bastante significativa na justificação avulsa.
Segundo as corretas lições de Cândido Rangel Dinamarco376,

"o art. 1.105 do Código de Processo Civil há portanto de


ser visto e interpretado não isoladamente mas como peça
de um todo sistemático, que é o ordenamento jurídico po­
sitivo. Tem ele o significado de dizer que também no pro­
cesso voluntário o Ministério Público deve intervir sempre
que, de acordo com as regras comuns ou força de algum
dispositivo específico, for o caso dessa intervenção. Deixa
claro que os arts. 9° e 82 não são privativos do processo
contencioso. (...) Não ocorrendo nenhuma razão pessoal,
nem se tratando de nenhuma dessas relações jurídicas ma­
teriais, é parte ilegítima o Ministério Público".

Por não se verificar, no caso concreto, portanto, qualquer


das hipóteses que legitimam a intervenção do Ministério Públi­
co no processo, não haverá motivo para sua participação, o que,
no caso da justificação avulsa, deverá ocorrer na maioria dos
casos. O art. 861, parágrafo único, do CPC, entretanto, regula
uma participação específica do Ministério Público na justificação
avulsa, na hipótese de o interessado não ser citado pessoalmen­
te. Estaria, nesse caso, dispensada a citação ficta? Ou a citação

376Cf. Ministério Público e jurisdição voluntária. In: ______. Fundamentos do


processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, v. I, p. 405. An­
tônio Cláudio da Costa Machado (A intervenção do Ministério Público no
processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 190-191) defen­
de a dispensa de participação do Ministério Público em interpelações, noti-
ficaçõés e protestos, em lição totalmente aplicável à justificação avulsa.

334
ficta deverá, ainda assim, ocorrer, de modo a ingressar no pro-
cesso, além do advogado dativo, o Ministério Público?
Pelo que já foi exposto no tocante à necessidade de exis­
tir um pólo passivo na justificação avulsa, ainda que seja com­
posto por sujeito incerto, a citação deverá sempre ocorrer,
mesmo de forma ficta, de modo que não tem qualquer sentido
a existência de um demandado no processo que não seja cita­
do tão somente porque não é possível sua citação pessoal377.
Mesmo a interpretação do dispositivo ora comentado leva a tal
conclusão, considerando que em nenhum momento aponta
para a dispensa da citação quando não for possível realizá-la
pessoalmente; apenas exige que o Ministério Público passe a
atuar no processo como fiscal da lei, justamente em virtude de
o demandado ser defendido por advogado dativo, que, em regra,
desempenhará um trabalho de defesa de qualidade inferior ao
que seria apresentado por um advogado contratado pela parte.
A presença do Ministério Público, nesse caso, contribuirá com
a seriedade da produção da prova e fortalecerá seus resultados,
apesar de não parecer, nem mesmo nesse caso, necessária a
participação do Ministério Público. Mas, havendo disposição
clara nesse sentido, pior será afastar a participação do Ministé­
rio Público e possibilitar futuras alegações de nulidade absolu­
ta do processo.

7.4. Não-admissão de defesa


Dispõe o art. 865 do CPC que, no processo de justificação,
não se admite defesa, o que, entretanto, não deve ser encarado
como afastamento absoluto do contraditório, mas tão-somente

377Com esse entendimento, Sérgio Sahione Fadei, Código de Processo Civil


comentado/ cit., p. 1049-1050; Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comen­
tários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 318; Humberto Theodoro Jr.,
Processo cautelar, cit., p. 325. Contra, Ovídio A. Baptista da Silva, Do pro­
cesso cautelar/ cit., p. 444, a entender que o Ministério Público, nesse caso,
passa a atuar como curador especial do interessado.

335
como uma flexibilização desse conceito, de modo a limitar a
reação do interessado a determinadas matérias378. A retirada
absoluta do contraditório em tal processo, ainda que pertencen­
te à jurisdição voluntária, significaria afastamento injustificado
à garantia constitucional do contraditório, o que não parece ter
sido o objetivo do legislador ao prever, no dispositivo legal antes
mencionado, a não-admissão de defesa por parte do réu — "in­
teressado", na linguagem do Código — no processo de justifi­
cação.
Não parece correto afirmar que o dispositivo legal seja uma
exceção ao disposto no art. 802 do CPC — que trata do proce­
dimento geral da cautelar — ao estabelecer que o requerido será
citado para no prazo de cinco dias contestar — na verdade,
melhor seria dizer responder, porque é inegável o cabimento
das exceções rituais no procedimento cautelar. Já se teve a opor­
tunidade de afastar a natureza cautelar da justificação avulsa,
de modo que as previsões constantes na teoria geral da cautelar
são absolutamente inaplicáveis ao processo ora analisado, não
obstante se possa afirmar que, em termos procedimentais, a
sumariedade formal deve ser preservada. De qualquer maneira,
não se pode negar a nítida incompatibilidade entre os dois arti­
gos legais.
Ao afastar a interpretação literal do artigo ora tratado, é
preciso estabelecer qual a efetiva extensão da proibição da
apresentação de defesa expressada no mesmo. Ainda que não
conste, expressamente, do texto legal a possibilidade de defesa
ao requerido, não se deve admitir sua integração ao processo
para tão-somente participar da produção da prova oral, sem
qualquer oportunidade de manifestar-se sobre questões que
envolvam o direito à prova do autor e a regularidade formal do
exercício desse direito. A ausência de previsão expressa não tem

378A defender a impossibilidade total de qualquer defesa, Pontes de Miranda,


Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 308; Sérgio Sahione Fadei,
Código de Processo Civil comentado/ cit., p. 1052; Misael Montenegro Filho.
. Curso de direito processual civil, cit., v. III, p. 187.

336
q condão de impedir, peremptoriamente, o réu de manifestar-se
a respeito desses temas, o que infringiria, de maneira clara e
inaceitável, os princípios da ampla defesa e do contraditório. A
defesa do réu deverá, portanto, limitar-se a apenas dois aspectos
da demanda de justificação, o que enseja um contraditório no
máximo mitigado, mas não representa, como seria interpretável
pela redação do art. 865 do CPC, o afastamento pleno dessa
garantia constitucional.
Em primeiro lugar, será inevitável proporcionar ao réu a
apresentação de defesa — que poderá, perfeitamente, ser cha­
mada de contestação — para alegar a inutilidade da prova, sua
ilicitude, ou ainda ser indevida a invasão em sua esfera jurídica
pretendida pelo autor, questão intimamente ligada à utilidade
da prova a ser produzida. Ainda que o direito à prova seja bas­
tante amplo e genérico, não se deve admitir que o funcionamen­
to do Poder Judiciário redunde em algo absolutamente inútil e
incapaz de gerar qualquer efeito prático ao autor. A questão da
utilidade da prova, ainda que seja facilmente provada pelo autor
em razão da amplitude de seu direito de prova, inclusive disso­
ciado de qualquer processo judicial ou administrativo futuro,
poderá ser contestada validamente pelo réu.
Em segundo lugar, as matérias de ordem pública, que geram
nulidades processuais, como a inépcia da petição inicial, incom­
petência absoluta do juízo, falta de capacidade de estar em ju­
ízo, falta de capacidade postulatória, vício na citação etc., jus­
tamente por serem matérias conhecíveis de ofício pelo juiz,
serão também alegáveis pelo réu a qualquer momento do pro­
cesso, em especial no momento imediatamente posterior à sua
citação379. Não se devé negar também ao réu a possibilidade de
ingressar com as exceções rituais de incompetência relativa do
juízo, de impedimento e de suspeição do juiz.

379Nesse sentido, as lições de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários


ao Código de Processo Civil, cit., p. 322; Victor A. A. Bomfim Marins, Co­
mentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 330.

337
Há ainda que lembrar a possibilidade de o interessado
manifestar-se a respeito dos documentos que instruíram a petição
inicial, nos termos do art. 863 do CPC. Ainda que o objeto da
justificação avulsa seja exclusivamente a prova testemunhai,
facultada ao autor a juntada de documentos, que, conforme
visto, terão o condão de auxiliar a produção da prova oral, o
princípio do contraditório restaria indevidamente ferido se ao
réu não fosse dada a oportunidade de manifestar-se a respeito
desses documentos, o que deverá fazer também no seu prazo
de resposta quando tais documentos instruírem a petição inicial,
ou no prazo de cinco dias previsto pelo art. 185 do CPC, se a
juntada aos autos ocorrer após esse momento processual
Em face da absoluta ausência de norma reguladora do
exercício do direito de resposta na justificação avulsa, deve-se
aplicar o procedimento sumário previsto na parte do Código
destinada à teoria geral das cautelares, mais especificamente o
art. 802 do CPC, que concede ao réu um prazo de cinco dias
para apresentação de sua contestação (conforme foi visto, melhor
seria dizer "resposta"). Ainda que não tenha natureza jurídica
cautelar, são evidentes os benefícios de empregar-se o procedi­
mento cautelar à ação de justificação, em virtude de sua suma­
riedade formal. Aplicam-se, no caso, as regras de prazos dife­
renciados previstos no art. 188 do CPC — prazo em quádruplo
para Fazenda Pública e Ministério Público — e no art. 191 do
CPC — prazo em dobro para litisconsortes com patronos dife­
rentes380.
A possibilidade de apresentação de defesa na justificação
avulsa gera interessante questão a respeito do momento ideal
para a apreciação das matérias defensivas expostas pelo réu. E

380Não se mostra correto o entendimento de Leonardo Greco (Jurisdição vo­


luntária moderna/ cit., p. 71) ao defender a aplicação do art. 185 do CPC
(cinco dias) ao prazo de defesa do réu, porque, se assim fosse, não seriam
aplicáveis as regras referentes aos prazos diferenciados para resposta. Já se
teve a oportunidade de afastar a natureza jurídica cautelar da justificação
avulsa, mas é plenamente possível — e benéfica — a na justificação do
procedimento sumário previsto para as demandas.cautelares.

338
certo que, em se tratando de matérias ligadas às nulidades pro­
cessuais, não haverá qualquer sentido em admitir-se que o juiz
postergue sua decisão para depois de produzida a prova oral, o
que geraria trabalho absolutamente inútil do Poder Judiciário no
caso concreto. Mesmo no tocante à utilidade da prova, que
esbarrará no direito à prova do autor, não será interessante, em
termos de economia processual e de efetividade da tutela juris­
dicional, que tal matéria somente seja tratada ao final do pro­
cesso, depois de já produzida a prova.
Dessa forma, para evitar a prática de atos incompatíveis
logicamente com uma decisão terminativa, parece ser mais
correto exigir-se do juiz o enfrentamento das questões defensivas
expostas pelo réu imediatamente após sua apresentação, de
modo a decidir-se, antes da produção da prova, a respeito da
regularidade formal da demanda e da existência de legítimo
interesse do autor em produzir prova que tenha alguma utilida­
de381. A suposta irrecorribilidade de tais decisões, prevista tam­
bém no art. 865 do CPC, será tratada de forma crítica em item
próprio.

7.5. Produção da prova testemunhai


Já se afirmou que, em razão da sumariedade formal que
deve imperar no procedimento da justificação avulsa, o réu
deverá ser citado e já ser informado da audiência designada pelo
juiz no recebimento da petição inicial, da qual deve constar,
inclusive, o rol de testemunhas. Em virtude do exposto no item
anterior a respeito da necessidade de decisão do juiz a respeito
das matérias defensivas antes da realização da prova testemunhai,
parece mais lógico, em termos procedimentais, não ser realiza­

381Leonardo Greco, Jurisdição voluntária moderna/ cit., p. 70: "Ocorrendo a


impugnação da admissibilidade, tal como no protesto, instaurar-se-á um
procedimento cognitivo contencioso sumário com finalidade decisória, que
concluirá através de um provimento judicial declaratório da existência ou
inexistência do direito do requerente à produção da prova requerida".

339
da a intimação das testemunhas imediatamente, a fim de aguar­
dar-se a eventual defesa do réu e, diante de sua existência, a
decisão judicial a respeito da continuidade ou não do processo
Rara que temporalmente o entendimento seja aplicável, a audi­
ência deverá ser designada em tempo hábil para que a defesa
do réu seja apresentada e decidida, bem como para que ocorra
eventual intimação das testemunhas.
Como não poderia ser diferente, a produção da prova tes­
temunhai na justificação avulsa ocorrerá na audiência de instru­
ção designada pelo juiz ao receber a petição inicial e deverá
seguir as regras referentes a esse meio de prova previstas nos
arts. 400 a 419 do CPC. Não difere de absolutamente nada do
que já foi dito a respeito da produção de prova testemunhai no
âmbito da produção antecipada de provas, de modo a valerem
as ponderações feitas sobre aquele processo cautelar para a
justificação avulsa.
Interessante questão coloca-se a respeito do responsável
pela condução da prova testemunhai a ser colhida em audiência.
Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira382,

"deve ser combatida, por outro lado, de forma enérgica, a


prática reprovável, adotada por alguns juízes, de incumbir
serventuário da direção da audiência de justificação. Essa
atitude implica desmerecer a dignidade da Justiça e em
muito contribuiu, antigamente, para o desprestígio da pro­
vidência. O advogado, com toda razão, poderá recusar-se
a participar da farsa, dela cientificando os órgãos correcio-
nais competentes, exigindo ademais conste da ata o seu
protesto".

Diante das atuais regras de produção de prova testemunhai,


não há como deixar de concordar com o entendimento transcri­
to anteriormente, embora não pareça ser de todo reprovável a
possibilidade de a colheita dessa prova verificar-se diante de um

382Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 356.

340
serventuário da Justiça, ainda que tal delegação de função deva,
obrigatoriamente, estar prevista em lei deforma expressa, o que
não ocorre atualmente. Sendo possível afastar a aplicação do
princípio da identidade física do juiz ao processo de justificação,
não será algo absurdo ou despropositado que a prova seja co­
lhida por auxiliar do juízo, serventuário, ainda que a proposta
seja meramente de lege ferenda.
Essa possibilidade de a instrução ser conduzida por pessoa
diversa do juiz togado, mas sempre sob sua supervisão, não
seria novidade no sistema processual brasileiro, considerando o
disposto no art. 37 da Lei n. 9.099/95, que possibilita a colheita
de prova por juiz leigo nos Juizados Especiais Cíveis. A atuação
de um juiz leigo na produção da prova testemunhai, desde que
obrigatoriamente sob supervisão do juiz togado, não parece
romper com o monopólio da função jurisdicional do juiz togado;
serve, pelo contrário, como interessante meio de auxílio e con­
seqüente liberação do juiz togado para o enfrentamento de
questões jurídicas mais complexas existentes nos demais pro­
cessos judiciais sob sua direção.
Justamente por estar sempre sob supervisão do juiz togado,
qualquer questão que surja no decorrer da audiência de instru­
ção, como o indeferimento de perguntas, do pedido de acarea­
ção, contradita etc., poderá ser imediatamente por ele resolvida.
Caso transcorra sem qualquer embate a audiência de instrução,
caberá ao juiz togado tão-somente analisar a regularidade forma!
da colheita da prova e extinguir o processo por sentença. Res­
salte-se, mais uma vez, que, embora seja possível tal procedi­
mento nos Juizados Especiais Cíveis, a possibilidade de aplicação
de tal regra à justificação avulsa depende, necessariamente, de
modificação legislativa, na qual seria interessante fixarem-se,
com exatidão, quais os poderes do juiz leigo e como se daria a
supervisão do juiz togado durante a colheita da prova testemu­
nhai. De qualquer forma, pelo menos a priori, não parece tão
repugnante a idéia.de delegação de tal função a um juiz leigo,
desde que seja supervisionado pelo juiz togado.

341
7.6. Irrecorribilidade
Mais uma vez, o art. 865 do CPC indica restrição peremptó­
ria ao exercício de um ônus processual derivado do princípio da
ampla defesa e do contraditório, de modo a proibir a interposição
de recursos às partes. Novamente, a interpretação literal do dispo­
sitivo legal não é a mais adequada, por haver, quando muito, uma
limitação do direito recursal ligada ao interesse recursal, nada mais
do que isso. Haverá certas situações em que o direito recursal das
partes será inegável; basta, para tanto, que haja esse interesse.
A proibição trazida pelo dispositivo legal parece estar em-
basada no fato de que, no processo de justificação, não haverá
qualquer valoração a respeito da prova produzida; não há, por­
tanto, razões para as partes recorrerem da sentença que simples­
mente declara encerrado o procedimento, pondo fim ao proces­
so. Nesse ponto, o legislador está parcialmente correto, consi­
derando que realmente faltará ao juiz qualquer poder para va­
lorar a prova produzida, já que não decide a sentença a respei­
to dessa prova, limitando-se a homologar a prova produzida e
declarar extinto o processo. A irrecorribilidade dessa sentença,
entretanto, não necessita da expressa previsão constante no art.
865 do CPC, porque, na verdade, as partes não teriam qualquer
interesse recursal no recurso de apelação. Não se trata propria­
mente de vedação ao recurso, mas de falta de um dos pressu­
postos intrínsecos de admissibilidade.
Ao pensar exclusivamente a respeito dessa decisão que de­
clara encerrado o procedimento e põe fim ao processo, o equívo­
co do legislador teria sido inócuo, pois, na prática, o recurso não
seria admitido, seja por não ser cabível devido à proibição legal,
seja pela absoluta ausênda de interesse recursal O problema,
entretanto, é que existirão outras decisões no processo de justifi­
cação além dessa sentença e, nesses casos, a vedação legal de
acesso aos tribunais por via recursal mostra-se inconstitucional,
em flagrante ofensa aos princípios da ampla defesa e do contradi­
tório. Isso sem falar na ofensa ao princípio não constitucional do
duplo grau de jurisdição, que também restaria afetado, por exem­
plo, na decisão que indefere a petição inicial ou ainda naquela

342
T

que, ao acolher as matérias defensivas do réu, extingue o proces­


so sem a produção da prova testemunhai pretendida pelo autor.
Foram citadas duas outras espécies de sentença que, dife­
rentemente daquela que apenas declara encerrado o processo,
têm nítida natureza decisória apta a gerar a sucumbência mate­
rial do autor, hipótese em que, claramente, haverá interesse re-
cursal e a vedação legal torna-se absolutamente inadequada.
Não há qualquer razão para que referidas sentenças tenham
tratamento diferenciado na justificação avulsa daquele dispen­
sado às demais demandas judiciais em que há o indeferimento
da petição inicial ou a extinção prematura do processo sem a
obtenção da pretensão do autor — que, no caso da justificação,
é meramente a produção da prova testemunhai.
Além dessas sentenças, em que não será admissível nem
justificável a prevalência do art. 865 do CPC ao art. 513 do mesmo
diploma legal, já se afirmou que o juiz deve decidir sobre as ques­
tões defensivas apresentadas pelo réu em sua contestação antes da
realização da audiência de instrução, de forma que, ao serem
afastadas tais matérias defensivas, o réu terá direito a ingressar com
agravo de instrumento de tal decisão e requerer ao Tribunal a ex­
tinção do processo. Nesse caso, resta evidente o interesse recursal
do réu em agravar da decisão, a fim de evitar que a prova seja
efetivamente produzida, de modo que não há qualquer razão para
aplicar o artigo legal ora comentado ao caso concreto.
Também é possível visualizar uma série de decisões inter-
locutórias que poderão ser proferidas na justificação avulsa, em
especial no tocante a questões referentes à produção da prova,
que, evidentemente, poderão ser recorridas por meio de agravo
de instrumento. Seria totalmente antijurídico não se permitir à
parte que teve uma pergunta indeferida, ou uma alegação de
contradita afastada, o recurso de tal decisão.
A recorribil idade de tal decisão por meio de agravo de
instrumento — em afastamento do inconstitucional art. 865 do
CPC — apresenta interessante hipótese de exceção da nova regra
de obrigatoriedade de interposição de agravo retido contra deci­
sões interlocutórias proferidas em audiência de instrução, disci­

343
plinada pelo art. 522 do diploma processual civil. Segundo a
atual redação do referido dispositivo legal (Lei 11.187/2005), as
decisões proferidas em audiência de instrução serão recorríveis
obrigatoriamente por agravo retido e de forma oral, à exceção
daquelas decisões que possam gerar lesão grave ou de difícil
reparação ao recorrente, hipótese de agravo de instrumento.
Parece bastante claro que o dispositivo legal foi formulado
exclusivamente com vistas ao processo de conhecimento — e,
quando muito, ao processo cautelar; assim, é absolutamente
inaplicável à audiência de instrução realizada no processo de
justificação. Conforme foi visto, não haverá interesse recursal
das partes em impugnar a sentença que tão-somente declara
encerrado o procedimento, de modo a pôr fim ao processo, por
isso o agravo retido interposto em audiência não chegaria jamais
ao Tribunal. Somente essa circunstância já seria suficiente para
afastar a obrigatoriedade do agravo retido de decisões interlo­
cutórias proferidas nessa audiência.
Caso se entenda que também à justificação é aplicável a
regra da obrigatoriedade do agravo retido, parece que a exceção
para tal obrigatoriedade mostra-se de forma bastante clara, posto
que a não-admissão do agravo em sua forma de instrumento
seria capaz de gerar grave e irreversível dano à parte recorrente.
Sem ter à sua disposição o veículo de acesso ao tribunal do agra­
vo retido — apelação ou contra-razões —, a parte, simplesmen­
te, faria um recurso absolutamente inútil, que geraria tão-somen-
te uma ilusão de direito ao recurso, o que não se deve admitir.
Deve-se lembrar que a interposição do agravo retido du­
rante a audiência de instrução abrirá ao juiz a possibilidade de
retratar-se de sua decisão após a oitiva do agravado, que deverá
apresentar, também de forma imediata e oral, suas contra-razões
em audiência383, o que seria de interessante utilidade para o

m Daniel Amorim Assumpçâo Neves. Recentes alterações do agravo retido


— Obrigatoriedade de sua interposição de forma oral de decisões interlo­
cutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento. Revista Dialé-
tica de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 34, 2005, p. 23-29.

344
T

agravo retido. Ocorre, entretanto, que a impossibilidade da re­


messa desse recurso ao tribunal, por ausência de interesse recur­
sal contra a sentença do art. 866 do CPC, limitaria a chance de
vitória do recorrente à reconsideração, sem acesso ao tribunal,
o que representaria o indevido afastamento de seu direito recur­
sal. Nesse caso, parece ser mais apropriado admitir o pedido de
reconsideração, sem eficácia preclusiva para o ingresso do agra­
vo de instrumento em dez dias. Ainda que não seja meio de
impugnação previsto expressamente pelo ordenamento proces­
sual, vem sendo utilizado na praxe forense como sucedâneo
recursal com bastante freqüência, de modo que não pode ser
simplesmente ignorado.
Dessa forma, caberia à parte o pedido de reconsideração,
que, se fosse acatado, após a oitiva da parte contrária na própria
audiência, poderia ensejar a retratação do juiz e a realização do
ato que anteriormente havia indeferido, como a oitiva de uma
testemunha, a realização de uma pergunta específica, o afasta­
mento de uma contradita, o indeferimento de uma acareação etc.
Caso não haja tal retratação em virtude do pedido de reconside­
ração, ainda seria possível à parte o ingresso de agravo de instru­
mento no prazo de dez dias.
Nesses casos, haverá, inclusive, interessante situação a res­
peito da extinção efetiva do procedimento, com o esgotamento
da função jurisdicional do juiz, considerando que a simplicidade
procedimental da justificação avulsa exige deste a prolação de
sentença na própria audiência de instrução. Caso ocorra o sen-
tenciamento do feito, mas seja possível o ingresso de agravo de
instrumento, o fenômeno da coisa julgada terá uma causa impe­
ditiva da geração de seus efeitos, que só se libertarão após o
julgamento do agravo de instrumento de forma negativa. Assim,
enquanto o agravo de instrumento não for julgado, não terá
ocorrido a coisa julgada formal, condicionada que estará a seu
julgamento. Uma vez decidido definitivamente o agravo de ins­
trumento, poderão ocorrer duas situações: (i) se for provido,
volta a realizar-se a audiência e deve o juiz prolatar nova senten­
ça; (ii) se for rejeitado — na admissibilidade ou no mérito —, a
coisa julgada material opera-se imediatamente.

345
7.7. Sentença
O art. 866 do CPC é o dispositivo legal que trata da senten­
ça na justificação avulsa; interessa ao presente estudo, primor­
dialmente, o seu parágrafo único: "O juiz não se pronunciará
sobre o mérito da prova, limitando-se a verificar se foram obser­
vadas as formalidades legais". A disposição legal transcrita
descreve, com bastante clareza, o objeto dessa sentença, ao
indicar não ser tarefa do juiz, no processo autônomo de justifi­
cação, qualquer vaíoração a respeito da prova oral produzida,
que se limitará a verificar a regularidade formal de sua produção,
nada mais do que isso.
Nesse aspecto, a função do juiz identifica-se com aquela
desenvolvida no processo cautelar de produção antecipada de
provas, na qual a prova é simplesmente produzida, cabendo ao
juiz de outro processo em que ela será utilizada como prova
emprestada, ou ainda ao julgador de processo administrativo
que a receber, valorá-la livremente; pode, inclusive, não a utili­
zar na formação de seu convencimento. Já foi devidamente
afirmado, no capítulo referente à cautelar de produção anteci­
pada de provas, que o procedimento probatório é complexo, de
modo que não cabe ao juiz — tanto naquela ação como na
justificação avulsa — analisar o mérito da prova, ou seja, a ca­
pacidade dela para, efetivamente, convencer a respeito da vera­
cidade do fato que o autor pretendia provar.
Além da expressa previsão legal de que não caberá ao juiz
da demanda autônoma de justificação ingressar no mérito da
prova produzida, a regra prevista no art. 4Q, II, do CPC, que
admite a declaratória de fatos tão-somente de autenticidade ou
de falsidade documental, impede qualquer vaíoração da prova384.
Apesar de ser possível uma alteração legislativa para que a de­
manda declaratória possa também abranger fatos, além de rela­

384Edson Prata, Da justificação, cit., p. 21: "A justificação também não se


aproxima da ação declaratória, visto que não gera coisa julgada sobre o fato
justificado".

346
r

ções jurídicas, somente uma proposta de lege ferenda abriria


alguma discussão a respeito da atuação do juiz na ação de jus­
tificação e, ainda assim, encontraria a resistência do art. 866,
parágrafo único, do CPC.
É praticamente uníssono na doutrina o entendimento de
que o juiz não deve apreciar a aptidão da prova em demonstrar
a veracidade do fato alegado pelo autor, a fim de evitar uma
inaplicável — à luz da legislação atual — declaratória de fatos385.
Destoante dessa posição encontra-se o entendimento de Ovídio
A. Baptista da Silva, para quem, se o juiz não chegar a declarar
efetivamente como provado o fato, deverá fazer mais do que
simplesmente declarar extinto o processo ao homolgar a prova
produzida.
Pàra o jurista gaúcho386,

"o magistrado poderá julgar insuficiente a prova produzida


para o fim de comprovar a existência do fato ou relação
jurídica que se quer constituir. A não ser assim, não se des­
cobriria nem mesmo a finalidade da ação de justificação.
Quando tratamos do art. 861, mostramos a distinção fun­
damental entre constituir uma certa relação jurídica e de-
clarar-lhe a existência. A sentença da ação de justificação
fica a meio caminho entre a que seja proferida na ação
cautelar de inquirição adperpetuam rei memoriam — que

385Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil,


cit., p. 324-325; Victor A. A. Bomfim Marins, Comentários ao Código de
Processo Civil, cit., p. 331; Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar, cit., p.
326; Sérgio Sahione Fadei, Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1052-
1053; Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 1636. Pontes de
Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 309-311), apesar
de afirmar que "a sentença aprecia provas", expressa o entendimento de que
não haverá qualquer valoração da prova na sentença da justificação.
386Cf. Do processo cautelar, cit., p. 453. Em outro trecho da mesma obra (p.
439), o jurista afirma que a prova já teria sido valorada na justificação avuí-
sa, de forma a não poder o juiz que a recebe simplesmente afastá-la, senão
diante de "prova contrária adequadamente produzida".

347
não chega sequer a constituir a prova — e a sentença pro­
ferida na ação declaratória da existência da relação jurídi­
ca, que, mais do que constituí-la apenas declara, com
força de coisa julgada, sua existência".

A visão exposta anteriormente não parece ser correta, por­


quanto tenta criar uma hipótese inexistente entre a mera produ­
ção da prova e, como conseqüência, uma sentença que apenas
declara terminado o procedimento, de modo a extinguir o pro­
cesso, e a sua valoração e conseqüente sentença a declarar
existente ou inexistente o fato ou a relação jurídica que se pre­
tendia provar. Tal hipótese intermediária simplesmente não é
possível de visualizar no atua! plano legislativo, porquanto ou
bem o juiz valora a prova ou não, já que não existe uma posição
intermediária, em que "valore mais ou menos". Esse posiciona­
mento impede que o juiz que aproveite a prova como "prova
emprestada" esteja apenas parcialmente vinculado à prova pro­
duzida autonomamente; ou poderá valorar livremente a prova,
ou estará absolutamente vinculado à eficácia positiva da coisa
julgada gerada pela sentença declaratória, como ocorre na ação
declaratória de falsidade documental.
Diante de tal realidade, não resta espaço para a posição in­
termediária pretendida por Ovídio Baptista, de forma a ter-se de
optar por um dos extremos: ou bem a prova não chega a ser valo­
rada, sendo tal missão exclusiva do juiz ou do julgador adminis­
trativo que a recebe sob a forma emprestada, ou, após a produção
da prova, o juiz da justificação declara provado ou não o fato, de
modo a operar-se sobre a decisão a coisa julgada e a vincular todos
os demais julgadores à sua declaração por força do efeito da coisa
julgada material. Como já foi visto, quer seja pela aplicação do
art. 866, parágrafo único, do CPC, quer seja pela aplicação do art.
4Qdo mesmo diploma legal, é impossível verificar a natureza de­
claratória da sentença da justificação prévia, do que advém o
acerto do entendimento majoritário de que, nesse processo, não
haverá qualquer valoração da prova produzida.
Por fim, valem também as considerações a respeito da na­
tureza da sentença da justificação feitas no concernente à.sen­

348
tença da cautelar de produção antecipada de prova em termos
da inadequação da expressão "homologação de prova"387. O
juiz não homologa coisa alguma, até porque a etimologia da
palavra "homologar" não representa o real objeto da sentença,
que não afirma verdadeiro fato probando, nem torna a prova
igual a algo. Apesar dessa constatação, encontra-se arraigada na
prática forense e mesmo em trabalhos acadêmicos a expressão
"homologação da prova", que deve, de qualquer maneira, ser
entendida como ato sentenciai do juiz que, após a produção da
prova, declarara que não há mais atos processuais a serem pra­
ticados e, como conseqüência lógica, o processo terminou.
Há, entretanto, uma diferença substancial entre a sentença
da justificação avulsa e a sentença da cautelar de produção
antecipada de provas, já que nesta o juiz deverá analisar a exis­
tência efetiva do direito substancial de cautelar, o que não
ocorrerá naquela, por ser impossível, no caso da demanda de
justificação, falar em sentença de procedência ou de improce-
dência após a produção da prova testemunhai. Ao ser afastada
tal possibilidade, a sentença do processo de justificação a ser
proferida após a colheita da prova oral será tão-somente decla­
ratória de que o procedimento terminou e então extinguir-se-á,
em razão disso, o processo. Por nada mais haver a ser feito no
processo, por esgotamento dos atos processuais que deveriam
ser praticados, o juiz simplesmente declarará extinto o procedi­
mento e, como conseqüência, o processo será extinto.

387Incorre na imprecisão grande parcela de nossa doutrina: Leonardo Greco,


jurisdição voluntária moderna/ cit., p. 71; Alexandre Freitas Câmara, Lições
de direito processual civil, cit., p. 218; Sérgio Sahione Fadei, Código de
Processo Civil comentado/ cit., p. 1053. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
(Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 325), inicia corretamente
seu pensamento, mas também chega a conclusãoequivocada ao mencionar
a homologação da prova: "A sentença tem a finalidade de encerrar o pro­
cedimento, originado da vontade do interessado, e que se consumou com
a realização da prova testemunhai. Homologa-se, pois, mediante verificação
do cumprimento das formalidades legais, para maior solenidade do ato, sem
lhe dar ou tirar atributo algum".

349
Essa espécie de sentença em muito se assemelha àquela
proferida no processo de execução (art. 794, CPC), na qual o
juiz simplesmente declara que, diante da satisfação do exeqüen-
te, não há mais atos processuais a serem praticados, de modo a
restar terminado o procedimento e, por conseqüência, extinto o
processo.

350
Açãoautônoma probatória no
direito brasileiro

1. SITUAÇÃO ATUAL
O enfrentamento individualizado de todos os processos
autônomos de natureza probatória existentes no ordenamento
processual pátrio servirá de base para uma análise ampla da atu­
al situação desse tema no direito processual brasileiro. Rara tanto,
far-se-á a divisão entre três espécies de prova: oral, pericial e do­
cumental. Acredita-se que nessa divisão estejam incluídos todos
os meios de prova previstos em nosso Código de Processo Civil.
O objetivo desta análise, baseada exclusivamente no que
já existe no direito nacional a respeito de ações autônomas
probatórias, sem qualquer espécie de proposta de lege ferenda
e mesmo a adotar o conceito tradicionalmente defendido pela
doutrina nacional de periculum in mora nessa espécie de de­
manda — entendido como o perigo de a prova não poder ser
produzida no momento adequado para tanto, que seria a fase
de instrução do processo de conhecimento — , tem como obje­
tivo demonstrar que o direito nacional é bastante amplo no to­
cante à receptividade dessa espécie de demanda.

1.1. Prova oral


No tocante à prova oral — em especial a prova testemu­
nhai —, existem, atualmente, duas diferentes ações autônomas
previstas no ordenamento jurídico pátrio: produção antecipada
de provas e justificação. Tradicionalmente, afirma-se que a pro­
dução antecipada de uma prova testemunhai por meio de ação
cautelar autônoma ocorrerá pelo processo nomeado "produção
antecipada de provas", com previsão nos arts. 846 a 851 do CPC.
Nesse caso, a levar-se em conta o conceito defendido de forma

351
uníssona pela doutrina nacional, seria imprescindível a existên­
cia do perigo de que a prova deva ser produzida imediatamen­
te sob pena de seu perecimento em virtude do lapso temporal
necessário à chegada da fase adequada para tanto, que seria a
fase instrutória do processo de conhecimento.
Conforme analisado anteriormente no capítulo específico
sobre esse tema, apesar da dicção legal do art. 847 do CPC, que
tenta tipificar as hipóteses de urgência para a produção da pro­
va, resta pacificado que qualquer circunstância de perigo à
produção posterior da prova, além daquelas legalmente previs­
tas, será suficiente para a admissão de sua produção antecipada.
De qualquer forma, para o que interessa ao presente capítulo,
se não houvesse tal perigo, faltaria ao caso concreto o requisito
do periculum in mora, o que impediria a produção antecipada
da prova.
Se o ordenamento processual se limitasse à existência do
processo de produção antecipada de prova para permitir a oiti­
va de testemunhas em processo autônomo, seria possível defen­
der — ao menos diante do conceito tradicional de periculum in
mora nessas demandas — que somente quando sofresse algum
perigo de não mais poder ser produzida posteriormente a prova
testemunhai poderia ser produzida de forma autônoma e ante-
cipada. O ordenamento jurídico, entretanto, não se limitou a
essa espécie de processo autônomo de produção antecipada de
prova testemunhai, por prever também o processo de justificação,
previsto nos arts. 861 a 866 do CPC.
No estudo do processo de justificação, verificou-se a ampla
admissibilidade de produção de prova testemunhai ainda que
não exista qualquer perigo de que ela não possa vir a ser pro­
duzida na fase de instrução do processo de conhecimento. A
doutrina nacional entende que, nessa espécie de ação, é dispen­
sável o periculum in mora voltado à produção da prova em si,
de forma que o simples direito processual ao conhecimento de
um fato por meio de produção de prova testemunhai já legiti­
maria a demanda judicial de justificação.

352
í

O que se pode concluir na comparação entre essas duas


espécies de ações probatórias autônomas é que ambas têm o
mesmo objeto — produção de uma prova testemunhai —, mas
a primeira tem mais requisitos para ser aceita do que a segunda.
Sem perigo de a prova perder-se em razão do tempo, é possível
a justificação, mas não a produção antecipada de prova, na qual
se exigirá tal requisito.
A conclusão a que se chega pela comparação entre essas
duas demandas é a da absoluta inutilidade da produção anteci­
pada de provas de natureza testemunhai, porque, por ter o
mesmo objeto do processo de justificação, mas exigir o preen­
chimento de requisitos próprios, será sempre possível à parte,
diante do não preenchimento de tais requisitos, valer-se da jus­
tificação autônoma. É, de fato, surpreendente que a ação cau­
telar de produção antecipada de provas seja muito mais freqüen­
te na praxe forense que a ação de justificação, ao preferir a
parte um processo com mais requisitos a serem preenchidos do
que aquele em que a única exigência é a comprovação da uti­
lidade da prova testemunhai a ser colhida.
Os próprios juizes que se vêem diante de um pedido de
prova antecipada de prova testemunhai em que não haja o pe­
rigo do tempo devem receber a petição inicial como sendo de
ação de justificação, em que esse requisito é dispensado, de
modo a passar à produção da prova testemunhai e não à extin­
ção do processo por ausência de periculum in mora. Aplicar-se-
ia, nessa hipótese, o princípio da fungibilidade, sempre consi­
derando que ambas as ações têm o mesmo objeto: a produção
autônoma de uma prova testemunhai
Como se pode perceber, no tocante à prova testemunhai o
direito brasileiro já contém, expressamente, mecanismos que
convergem para a proposta principal do presente trabalho, qual
seja, a existência de uma ação autônoma probatória fundada
exclusivamente no direito do autor em conhecer fatos que tenham
alguma utilidade por meio de prova testemunhai. Nesse particu­
lar, portanto, não será necessário nem ao menos sugerir qualquer
modificação conceituai ou de lege ferenda-, basta popularizar-se

353
a ação de justificação, o que depende, exclusivamente, dos
operadores do direito.
Mas nem só de prova testemunhai vive a prova oral, de
modo que não se pode descartar a análise do depoimento pes­
soal Já foi devidamente interpretado o art. 846 do diploma
processual civil, que, ao mencionar o "interrogatório da parte",
na verdade pretende dizer seu "depoimento pessoal". Dessa
forma, com as especialidades procedimentais já analisadas em
capítulo específico sobre o tema, é indiscutível a possibilidade
de produzir-se um depoimento pessoal da parte contrária por
meio do processo autônomo de produção antecipada de provas.
Já o art. 863 do CPC afirma literalmente que "a justificação
consistirá na inquirição de testemunhas", o que poderá levar o
leitor mais apressado a concluir que, na justificação autônoma,
não será admitido o depoimento pessoal da parte.
Esse posicionamento, derivado de interpretação literal e
restritiva da forma de produção da prova testemunhai no pro­
cesso de justificação, levará à conclusão de que o depoimento
pessoal só poderá ser produzido por produção antecipada de
prova, e exige, para tanto, a existência do periculum in mora.
Segundo o conceito clássico da doutrina a respeito desse requi­
sito no tocante às cautelares probatórias, a conclusão lógica e
necessária seria de que, sem perigo de não poder ser produzido
em seu momento adequado, o depoimento pessoal não seria
admitido como objeto de ação probatória autônoma. O enten­
dimento, entretanto, não parece ser o mais acertado.
Conforme já devidamente exposto em capítulo próprio a
respeito do tema, não existe qualquer motivo plausível para
afastar a possibilidade de depoimento pessoal na justificação
avulsa, porque, já que o objetivo de tal demanda é o esclareci­
mento de um fato, por vezes nada melhor que ouvir em juízo
justamente o sujeito que dele participou e que poderá constar
do pólo passivo dessa demanda. As questões referentes à não-
admissão da confissão já foram devidamente enfrentadas; assim,
a conclusão que parece ser a mais acertada é a de que a justifi­
cação será o meio ideal para a produção da prova oral, testemu-

354
phal, depoimento pessoal da parte contrária, de forma que não
tem utilidade, nesse aspecto, o processo de produção antecipa­
da de provas, mais exigente no tocante a requisitos a serem
preenchidos.
A única utilidade de tal processo autônomo de produção
de provas reside na hipótese de necessidade de concessão de
liminar para produção imediata da produção da prova, antes
mesmo da oitiva da parte contrária, o que, naturalmente, só diz
respeito à prova testemunhai. Nesse caso, em que a urgência na
produção não só existe como é urgentíssima, justificar-se-ia a
opção do autor pelo processo de produção antecipada de prova,
que já tem a previsão de liminar, não obstante também ser pos­
sível sustentar que, nessa hipótese, seria possível um pedido de
tutela antecipada na justificação autônoma.
Seja como for, é possível concluir que, com relação à pro­
dução autônoma de prova oral, o direito brasileiro encontra-se
aparelhado de maneira completa a albergar a proposta ampla
de ações probatórias autônomos, principal objetivo do presente
trabalho. Nesse tocante, portanto, nada há a ser acrescentado
de lege ferenda.

1.2. Prova pericial


Com relação à prova pericial não se encontra, no ordena­
mento jurídico, demanda que faça as vezes da justificação,
privativa para a colheita de prova oral. Dessa forma, a única
previsão legal para a realização da perícia de forma autônoma
e antecipada encontra-se no art. 849 do CPC, que, expressamen­
te, exige os requisitos ligados ao conceito clássico defendido
pela doutrina nacional de periculum in mora para as ações cau­
telares probatórias. O dispositivo legal menciona a necessidade
de comprovação de "fundado receio de que venha a tornar-se
impossível ou muito difícil à verificação de certos fatos na pen­
dência da ação", o que deixa clara a necessidade do perigo à
produção da prova na fase instrutória do processo de conheci­
mento.

355
Diante de tal realidade legislativa, a possibilidade de um
processo autônomo em que se produza uma prova pericial sem
nem ao menos ser necessário o debate a respeito do conceito a
empregar ao periculum in mora passa por uma proposta de /ege
ferenda/ com a previsão de um processo autônomo que faça
pela prova pericial aquilo que a justificação faz pela prova oral,
como já ocorre no ordenamento processual italiano, com o
objetivo declarado de otimizar as chances de acordo entre as
partes (art. 696 bis/ CPC). Esse tema será tratado ainda neste
capítulo, mas em tópico próprio.
Não obstante a realidade legislativa atual, não se pode
deixar de apontar que a produção autônoma de prova pericial,
ainda que sob o manto da ação cautelar de produção antecipa­
da de prova, vem sendo muito mais ampla que uma interpreta­
ção literal do disposto no art. 849 do diploma processual civil
poderia sugerir. É possível até mesmo afirmar que, na praxe fo­
rense, o requisito do periculum in mora seja significativamente
flexibilizado, passando nossos tribunais a admitir a produção
antecipada de prova pericial em hipóteses bem mais amplas que
as previstas no dispositivo legal mencionado.
Já se mencionou a posição doutrinária, amplamente aceita
em sede jurisprudencial, da admissibilidade de ação cautelar de
produção antecipada de prova na hipótese de o autor ter neces­
sidade de perícia em imóvel para conhecer os dados necessários
à propositura da ação reivindicatória. Ou seja, a ação cautelar
está sendo admitida nessa hipótese para fornecer ao autor dados
necessários à propositura da ação principal, não em razão do
perigo de que esta corra em virtude do tempo. Já se trata, natu­
ralmente, de uma flexibilização da rigidez imposta pelo art. 849
do CPC, a ampliar o espectro da ação probatória autônoma
pericial.
Esse entendimento permite, inclusive, que se passe a admi­
tir a prova pericial autônoma e antecipada sempre que o autor
necessite de dados úteis à propositura de sua ação principal
Naturalmente, não teria sentido lógico-limitar-se ta! hipótese à
preparação de ações reivindicatórias; assim, deve-se permitir tal

356
espécie de ação autônoma probatória como forma de preparação
para qualquer demanda principal sempre que os dados neces­
sários ou úteis à propositura correta de tal demanda exigirem a
produção de uma prova pericial.
Além disso, a jurisprudência encarrega-se de flexibilizar o
requisito do periculum in mora, ao criar uma regra de que, na
dúvida da existência ou não de tal requisito, a prova deverá ser
produzida. In dubio pro autore, o que não deixa de ser curioso
à luz das regras do ônus da prova previstas pelo art. 333 do
CPC. Ao aplicar tais regras ao caso concreto, se o autor não
conseguir provar o periculum in mora, deixará de provar um
fato constitutivo de seu direito, de forma que não terá sua pre­
tensão acolhida pelo Poder Judiciário. No tocante à prova an­
tecipada pericial, ocorre exatamente o contrário; ainda que não
consiga provar na plenitude os fatos que ensejam o periculum
in mora, deixando no ar questões não respondidas, será ampa­
rado em sua pretensão.
Ainda que seja inegável a tendência doutrinária e jurispru-
dencial de alargar as hipóteses de admissibilidade de produção
autônoma e antecipada da prova pericial por meio do processo
cautelar previsto no art. 849 do CPC, o ideal seria uma modifi­
cação legislativa que preveja, de maneira expressa e irrefutável,
a possibilidade de produção de prova antecipada de natureza
pericial cujo único fundamento seja o interesse útil da parte em
conhecer fatos que demandam tal espécie de prova. Conforme
já afirmado, o tema será tratado, de lege ferenda, em capítulo
próprio.

1.3. Prova documental


Já se teve a oportunidade de analisar a ação autônoma de
exibição de coisa ou documento, que foi dividida em três espé­
cies: (i) fundada em direito material sobre a coisa ou o docu­
mento; (ii) fundada em direito a conhecer a coisa ou o docu­
mento de forma a preparar a ação principal; (iii) fundada em
perigo de não se poder produzir a prova no momento adequado
para tànto. Pàra a doutrina tradicional, as duas primeiras espécies

357
teriam natureza satisfativa, enquanto a terceira teria natureza
cautelar.
Não é este o momento para retornar aos aspectos dessas
diferentes espécies de exibição autônoma, o que já foi realizado
no capítulo específico sobre o tema. O próprio reconhecimento
da doutrina de que existem espécies de exibição que não se
referem ao perigo do tempo sobre a prova já é o suficiente para
concluir pela existência dessa espécie de ação probatória autô­
noma independentemente do periculum in mora, como é tradi­
cionalmente conceituado pela doutrina nacional para as caute­
lares probatórias.
Ainda assim, por estarem intimamente ligadas ao direito
material que parte tem sobre a coisa ou documento, faz-se ne­
cessária, para as hipóteses em que isso não se verifique, a pre­
visão de uma ação autônoma que permita a exibição de coisa
ou de documento fundada, exclusivamente, no direito proces­
sual de produção da prova independentemente do perigo de a
prova não poder ser produzida durante a fase instrutória do
processo de conhecimento. Por tratar-se de proposta de legç
ferenda, remete-se o leitor ao capítulo próprio ao tema.
De qualquer forma, ainda que seja limitada às hipóteses em
que se demonstre algum direito material da parte sobre a coisa
ou sobre o documento, já se pode afirmar que a ação autônoma
exibitória não se limita à hipótese em que haja fundado perigo
de a prova perder-se em virtude do tempo. Já é uma ampliação
útil aos fins do presente trabalho, porque permite a produção de
uma prova documental, ainda que fundada em direito material,
afastando-se da idéia de que a prova documental produzida de
forma autônoma e antecipada deveria sempre estar acompanha­
da do perigo de não poder ser produzida posteriormente.

358
1. IN TRO D UÇÃO
Como já se teve oportunidade de afirmar no capítulo ante­
rior, apesar de certa abrangência tanto da lei como do posicio­
namento de nossos tribunais diante da ação cautelar probatória,
seria interessante que o direito brasileiro contivesse previsão de
uma ação probatória autônoma sem qualquer necessidade de o
autor demonstrar perigo de que, se a prova não fosse produzida
imediatamente, provavelmente não poderia sê-lo durante a fase
instrutória do processo de conhecimento. Essa é a proposta de
lege ferenda sugerida no capítulo anterior.
Cumpre neste capítulo discriminar qual seria a utilidade de
referida demanda judicial, quais os benefícios que poderão
advir de uma aceitação ampla da ação probatória autônoma,
em que o direito do autor limita-se a seu interesse útil de conhe­
cer determinados fatos por meio da produção da prova. Nesse
sentido, algumas serventias colocam-se como principais refe­
rentes a tal demanda, que, aparentemente, trariam benefícios
aos jurisdicionados.
Registre-se que os tópicos que serão neste momento discri­
minados não são exaustivos; representam tão-somente aqueles
em que, de forma mais evidente, mostram-se os benefícios de­
correntes da adoção de uma ação probatória autônoma genéri­
ca, fundada exclusivamente no direito à prova.

2. O PROCEDIM ENTO SU M Á RIO DOCUMENTAL D O


M AND AD O DE SEGURANÇA
Conforme é amplamente assentado na doutrina e na juris-
prudência, o mandado de segurança segue um rifò procedimen­

359
tal sumário e documental. Isso significa dizer que o procedimen­
to do mandado de segurança é simplificado, de modo a desen-
volver-se de maneira rápida e ágil, com poucos atos processuais
a serem praticados. Trata-se, à evidência, de uma sumariedade
formai, ainda mais significativa do que aquela presente no pro­
cedimento cautelar, sumário ou sumaríssimo. Ao afirmar que o
procedimento é documental, aponta-se para a impossibilidade
— em regra — de produção de prova durante o desenvolvimen­
to do mandado de segurança, o que, inclusive, desvirtuaria a
sumariedade de seu procedimento. Dessa forma, exige-se do
impetrante a juntada de toda prova que possuir já na petição
inicial, sem que lhe seja dada nova oportunidade de produzir
qualquer outra prova durante o trâmite procedimental.
Para parcela da doutrina, a exigência de que a prova do
direito líquido e certo do impetrante seja feita já com os docu­
mentos que instruirão a petição inicial decorre da interpretação
do art. 6Q, caput, da Lei n. 1.533/51 (Lei do Mandado de Segu­
rança — LMS), assim redigido: "A petição iniciai, que deverá
preencher os requisitos dos arts. 158 e 159 do Código de Pro­
cesso Civil, será apresentada em duas vias e os documentos, que
instruírem a primeira, deverão ser reproduzidos, por cópia, na
segunda". Ao fazer as devidas adaptações ao Código de Proces­
so Civil de 1973, com a substituição dos arts. 158 e 159 do CPC
de 1939 pelos arts. 282 e 283 do CPC atual, especialmente este
último dispositivo, chega-se à conclusão da necessidade da
produção probatória documental já com a apresentação da
petição inicial.
Segundo o art. 283 do CPC, a "petição inicial será instruída
com os documentos indispensáveis à propositura da ação". Há,
na doutrina nacional, certa divergência a respeito do exato al­
cance do dispositivo legal mencionado anteriormente, surgindo
dúvidas a respeito de que documentos seriam efetivamente es­
senciais à instrução da demanda.
Uma corrente mais ampliativa do texto legal, a valer-se do
disposto no art» 396 do CPC, defende o entendimento de que os
documentos que devem instruir a petição inicial são todos os

360
1

documentos do interesse do autor, não somente os indispensáveis


à propositura da petição inicial. Afirma-se que o momento pro­
cessual adequado para a produção da prova documental para o
autor é a petição inicial, de forma que a ausência dessa espécie
de prova nesse momento processual gera a precíusão probatória,
o que impede o autor de juntar qualquer outro documento pos­
teriormente a esse momento processual, a não ser para provar
fato superveniente ou para servir de contraprova a documento
apresentado pela parte contrária (art. 397, CPC)388.
Caso se adotasse essa corrente doutrinária, restaria justifi­
cada a exigência de toda prova a ser produzida no mandado de
segurança já acompanhar a petição inicial, considerando sua
sumariedade documental Assim, por somente ser possível a
produção de prova documental — na verdade documentada,
como se verá — e por dever esta ser, peremptoriamente, produ­
zida com a petição inicial, após esse momento processual dar-
se-á a precíusão à produção probatória. Ocorre, entretanto, que
não é esse o melhor entendimento a respeito da interpretação
da exigência contida no art. 283 do CPC, nem mesmo a que
vem sendo admitida em nossos tribunais.
O entendimento mais exato no tocante à espécie de docu­
mento que deverá de forma imprescindível instruir a petição
inicial limita a exigência legal aos documentos indispensáveis à
própria regularidade do processo. Esses documentos podem ser
divididos em duas classes: os substanciais, que são os documen­
tos que a própria lei exige para que a ação seja proposta (e. g.,
a escritura pública ou instrumento particular transcrito no regis­
tro de imóveis para as ações reivindicatórias; a certidão pública
de casamento para as ações de dissolução do matrimônio; o
título executivo para a ação de execução); e os fundamentais,
que são documentos não exigidos expressamente em lei, mas

388José Joaquim Calmon de Rassos. Comentários ao Código de Processo Civil/


cit., p. 165; Moacyr Amaral Santos. Primeiras linhas de direito processual
civil, cit., p. 146. Pârece seguir o mesmo entendimento Fredie Didier Jr.,
Direito processual civil. 5. ed. Salvador: )us Podivm, 2005, v. I, p. 360-
361.

361
que, por sua função imprescindível de justificar no caso concre­
to, ainda que sumariamente, as alegações do autor, se faz ne­
cessária sua juntada ao processo desde o início da demanda (e
g., o contrato em ação de revisão, anulação, rescisão; o contra­
to do qual conste a convenção de arbitragem na ação condena-
tória de instituição de arbitragem)389.
Somente se exige a juntada dos documentos substanciais
ou fundamentais; qualquer outro documento útil poderá ser
juntado em momento posterior ao ingresso do processo. Dá-se,
assim, interpretação extensiva ao disposto no art. 363 do CPC,
ao permitir-se a produção de prova documental depois de apre­
sentada a petição iniciai, mesmo fora das exceções do art. 367
do diploma processual civil, desde que estejam presentes dois
requisitos: (i) não sirva a juntada posterior como forma de sur­
preender a parte contrária, em ato rejeitado pelo princípio da
boa-fé e lealdade processual; e (ii) que o procedimento ainda
permita a produção da prova documental390.
Diante desse posicionamento, surge interessante questio­
namento: é possível aplicar a interpretação referida do disposto
no art. 283 do CPC ao mandado de segurança, admitir-se que o
impetrante junte aos autos documentos após o ingresso da peti­
ção inicial, fora das exceções já previstas expressamente no art.
6Q, parágrafo único, da LMS? Apesar de a discussão ser tangen-
cial aos objetivos propostos pelo presente trabalho, porque,
mesmo ao admitir-se a juntada extemporânea de documento

389A classificação é de Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito pro­


cessual civil/ cit., p. 146. Entendendo não haver preclusão probatória com
a não juntada de documentos que não sejam essenciais à propositura da
ação, Cândido Rangel D inamarco, Instituições de direito processual civil/
cit., v. III, p. 381 -383; Joel Dias Figueira Jr. Comentários ao Código de Pro­
cesso Civil/ cit., p. 64-65; Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito
processual civil/ cit., v. I, p. 380. No direito espanhol, Juan Montero Aroca,
La prueba en el proceso civil, cit., p. 210.
390Nesse sentido, as lições de Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de di­
reito processual civil, cit., v. III, p. 383; Vicente Greco Filho, Direito proces­
sual civil/ cit., p. 101.

362
não essencial à propositura da ação continuar-se-á a exigir que
seja de natureza documental, parece não haver qualquer empe­
cilho à permissão da juntada extemporânea de prova documen­
tada — ou documental, como prefere a lei, pelo contrário.
A juntada de documento não essencial à propositura da
demanda após o ingresso de petição inicial servirá para otimizar
a utilidade do mandado de segurança, em claro proveito à pro­
teção efetiva do direito do impetrante. Vale lembrar que, uma
vez extinto liminarmente o mandado de segurança por ausência
de prova, o impetrante certamente reingressará com a ação ju­
dicial, agora com instrução mais completa, o que já poderia ter
ocorrido na primeira demanda com a complementação da pro­
va documental que instruiu a petição inicial, sempre a respeitar-
se o estágio de desenvolvimento do rito. Trata-se da aplicação
do princípio da economia processual, norteador de todo o sis­
tema processual e, obviamente, também aplicável ao mandado
de segurança391.
A doutrina e, principalmente, a jurisprudência, entretanto,
não comungam de tal entendimento, por exigirem do impetran­
te o esgotamento da produção probatória documental já na
própria petição inicial392. O máximo que se encontra nas lições
de alguns doutrinadores é a possibilidade de adequação do
pedido diante dos documentos juntados aos autos em virtude

391Há interessante julgado do Superior Tribunal de justiça que admite a junta­


da posterior do documento desde que tenha sido negado o seu fornecimen­
to ao impetrante ou quando ele não dispuser deste no momento da propo­
situra do Mandado de Segurança (STJ, REsp 132.649/PE, 1aTurma, rel. min.
Francisco Falcão, D) 24-5-2004, p. 152. No mesmo sentido, STJ, RMS
8.964/RJ, 5aTurma, rel. min. Gilson Dipp, D) 11-6-2001, p. 236).
392Com crítica veemente ao entendimento ora defendido, J. M. Othon Sidou
("Habeas corpus", mandado de segurança, mandado de injunção, "habeas
data"/ ação popular. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 177) conclui
que "não há dispensa de produção inicial de documentação, nem possibi­
lidade de posterior apresentação pelo autor, seja pela emergência de novos
elementos probatórios, seja tendo por fundamento as informações da auto­
ridade coatora ou a promoção do representante do Ministério Público".

363
da informação prestada pela autoridade coatora393. Com relação
à juntada posterior de documentos pelo próprio impetrante, há
forte resistência.
Como única exceção a que se concentre a produção de
prova documental pelo impetrante no momento inicial da de­
manda judicial, encontra-se a hipótese prevista pelo art. 6a
parágrafo único, da LMS, dispositivo legal que será comentado
em momento oportuno:

"No caso em que o documento necessário à prova do ale­


gado se ache em repartição ou estabelecimento público,
ou em poder de autoridade que se recuse fornecê-lo por
certidão, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a
exibição desse documento em original ou em cópia auten­
ticada e marcará para o cumprimento da ordem o prazo de
dez dias. Se a autoridade que tiver procedido dessa manei­
ra for a própria coatora, a ordem far-se-á no próprio instru­
mento da notificação. O escrivão extrairá cópias do docu­
mento para juntá-las à segunda via da petição".

Retornando ao objeto principal do presente trabalho e ao


afastar-se a aplicação mais flexível do art. 283 do CPC ao man­
dado de segurança, remanesce a questão a respeito dos motivos
para que toda prova a ser produzida pelo impetrante já acom­
panhe a petição inicial. A resposta a tal pergunta encontra-se na
necessidade de o impetrante demonstrar prima facie seu direito
líquido e certo, condição sine qua non para obter a proteção
oferecida pelo mandamus.
Segundo a melhor doutrina, a liquidez e a certeza do direi­
to exigidas ao mandando de segurança referem-se, exclusiva­
mente, aos fatos, que, por essa razão, deverão ser provados de
maneira incontestável e clara pelo impetrante. Por mais tormen­
tosa que seja a questão jurídica no caso concreto a esse respei-

393 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno. Mandado de segurança. 2. ed.


.•São Paulo: Saraiva, 2004, p. 67-68.

364
f to, jamais retirará essas características do direito do impetrante
1 quando os fatos estejam devidamente comprovados. Nas palavras
de Pontes de Miranda394,

"a certeza e liquidez de um direito não podem resultar da


dúvida quanto à lei que rege esse direito, porque tal dúvida
é subjetiva, existe e depende de condições interiores, de
estados de consciência e de convicção dos juizes, e não da
relação jurídica. Por mais duvidoso que se sinta o espírito
do julgador na determinação da lei competente, isto não
atua na situação jurídica que não passa, por esse acidente
psíquico do julgador, a ser incerta e contestável. O direito
existe, ou não existe; mas, existindo, pode depender de
provas em dilação, e, então, é incerto e ilíquido".

Diante da estreita ligação do direito líquido e certo com a


situação fática e como é a prova o instrumento responsável por
não deixar dúvidas de que os fatos como narrados pelo impe­
trante realmente existem ou existiram, exige-se sua comprovação
por meio de prova documental já com o ingresso da petição
inicial, único momento em que haverá produção probatória pelo
impetrante. É evidente que a prova juntada à petição inicial não
trará ao órgão judicial a certeza absoluta da existência do direi­
to, porque, com as informações prestadas pela autoridade coa-
tora, será possível concluir que os fatos não ocorreram exata­
mente da forma narrada pelo impetrante e supostamente de­
monstrada pela prova produzida já na petição inicial. Entendi­
mento contrário criaria uma estranha e inadmissível procedência
prima facie, na qual ou seria concedida a liminar que, ao final
seria obrigatoriamente confirmada, ou se extinguiria liminar­
mente o mandado de segurança.

394 Cf. Comentários à Constituição de 1946. 2. ed. São Paulo: Max Limonad,
1960, v. IV, p. 370. A doutrina pátria é uníssona a esse respeito; vale con­
sultar a resenha de diversos doutrinadores em José Cretella Jr., Comentários
à lei do mandado de segurança. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
86-96.

365
Essa observação foi corretamente feita por Lúcia Valle Fi­
gueiredo, para quem o direito líquido e certo aparece em dois
momentos diferentes do procedimento. Inicialmente, aparece
no primeiro contato do órgão judicial com a petição inicial
mesmo porque sua ausência nesse momento já será causa dá
extinção do processo por carência de ação. Ocorre, entretanto
por tratar-se de momento liminar do procedimento, a cognição
sumária, única possível nesse momento processual, levará o
órgão judicial a fazer um juízo de aparência; nesse momento, é
suficiente que exista uma plausibilidade da existência de direito
líquido e certo. O segundo momento, em que se analisará a
efetiva existência de direito líquido e certo, é o da decisão final,
quando, de posse das informações prestadas pela autoridade
coatora e da manifestação do Ministério Público, o juiz, em
cognição exauriente, decidirá baseado em um juízo de certeza,
por poder confirmar ou não a plausibilidade de existência do
direito líquido e certo395.
Ao determinar a razão pela qual se exige do impetrante a
produção da prova já com a petição inicial, de modo a não
admitir qualquer dilação probatória na tentativa de comprovação
de seu direito líquido e certo, é absolutamente natural imaginar
que a prova a ser produzida no processo do mandado de segu­
rança tem natureza documental. O próprio art. 6a, caput, da LMS
corrobora tal entendimento ao exigir do impetrante a instrução
da petição inicial com documentos. Não parece correto, entre­
tanto, o entendimento literal do disposto na norma legal men­
cionada, tampouco que entenda ser somente a prova documen­
tal admitida no processo de mandado de segurança.
A impossibilidade de dilação probatória durante o proce­
dimento do mandado de segurança, circunstância absolutamen­

395Lúcia Valle Figueiredo, Mandado de segurança individual: visão panorâmi­


ca. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 21-22. A respeito das condições
para que a liminar concedida no mandado de segurança possa ser revogada,
consulte-se Daniel Amorim Assumpção Neves. Preclusões para ojuiz — Pre-
clusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil, cit.,'p. 180-
190.

366
te pacificada tanto na doutrina como na jurisprudência, não
passa, automaticamente, a exigir do impetrante a produção de
uma prova documental, mas sim de uma prova pré-constituída,
ou seja/ de uma prova já formada fora e anteriormente ao pro­
cesso. Prova pré-constituída é o gênero e não significa prova
documental, apesar de ser essa a sua mais tradicional espécie396.
A disposição legal do procedimento do mandado de segurança
tão-somente exige que o impetrante convença o juiz dos fatos
que embasam suas alegações com uma prova pronta, a qual não
demanda qualquer atividade probatória durante o processo; essa
função não é exclusiva da prova documental, mas aplica-se a
qualquer prova pré-constitufda robusta o suficiente para conven­
cer o órgão judicial dos fatos alegados.
Mais uma vez, torna-se imperiosa a diferenciação entre
prova documental e prova documentada. Por prova documental
entende-se a prova que tenha o conteúdo e forma de documen­
to conforme as exigências legais, enquanto por prova documen­
tada se entende qualquer prova, de qualquer natureza, que seja
materializada por meio de um documento. Uma perícia judicial
é materializada em um laudo pericial, que, certamente, é um
documento, se não em seu conteúdo, inegavelmente em sua
forma. O mesmo ocorre com a colheita de prova oral, materia­
lizada na ata de audiência, que também será um documento,
não em seu conteúdo, mas em sua forma.
O que se pretende demonstrar é que, a par de tradicional­
mente se pensar na prova documental quando se fala em prova
pré-constituída, esta não passa de sua principal espécie. Qual­
quer prova que tenha sido produzida judicialmente e materiali­
zada em um documento, embora seja entendida como prova

3%Hernando Devis Echandía. Teoria general de la prueba judicial/ cit., t. II, p.


510: "Por la razón de que los documentos son pruebas preconstituidas,
suele identificarse aquellos con estas: sin embargo, las últimas son el gênero
y los primeros una de sus especies, porque existen pruebas preconstituidas
no documentales, practicadas antes del proceso como testimonios, posicio­
nes, inspecciones judiciales y dictámenes de peritos. Además, las pruebas
tomadas en un proceso résultan preconstituidas para otro proceso".

367
causai no processo em que foi produzida, será documental_ao
menos em sua forma — no processo que a receber como prova
emprestada, tema já explorado em capítulo específico sobre as
características da prova emprestada.
No mandado de segurança, a exigência da produção de
prova já na petição inicial, como foi visto, tem como causa a
necessidade de comprovação prima fade de, ao menos, uma
plausibilidade do direito líquido e certo, e em nenhum momen­
to é possível concluir que esse convencimento no espírito do
juiz a respeito dos fatos só possa ser obtido por meio da prova
documental. Qualquer meio de prova é apto a convencer o juiz
da ocorrência ou da veracidade de fatos; somente não se admi­
te, no mandado de segurança, a dilação probatória. Caso a
"dilação probatória" tenha sido realizada antes do processo e
seu resultado apresentado sob a forma de prova documentada,
o único requisito que efetivamente se exige na comprovação do
direito líquido e certo estará preenchido.
O que se pretende afirmar é que qualquer prova documen­
tada, de natureza documental ou não, poderá ser apta, no caso
concreto, a convencer, sumariamente, em um primeiro momen­
to, e definitivamente, em um segundo momento, o órgão judicial
da existência do direito líquido e certo. Como o impetrante não
terá oportunidade de produzir as chamadas provas causais du­
rante o procedimento, a ação autônoma probatória será extre­
mamente útil para que, antes do mandado de segurança, obtenha,
pela realização de perícia ou prova oral, a prova documentada
que lhe será exigida para a impetração do mandamus. Será de
extrema valia ao impetrante essa ação probatória autônoma
quando não possuir prova de natureza documental suficiente
para provar seu direito líquido e certo.
É nesse sentido o correto e preciso entendimento de Rodri­
go Reis Mazzei397, que, ao tratar do procedimento do mandado

397Cf. Mandado dè injunção. In: Fredie Didier jr. (Coord.). Ações constitucionais.
Salvador: jus Podivm, 2005, p. 149.

368
1

de injunção, em lição totalmente aplicável ao mandado de se­


gurança, afirma que:

"deve o impetrante valer-se de prova documentada que não


necessita ser prova documental, pois a essência de ambas
nem sempre é coincidente. Na verdade, tanto a prova do­
cumental, quanto a prova documentada propiciam o en­
curtamento dos atos processuais, com cognição probatória
mais curta, em apego à essência da Lei n. 1.533/51".

A ação autônoma probatória, entretanto, mostrar-se-á des­


necessária quanto à exibição de documentos em virtude do
disposto no art. 6Ü, parágrafo único, da LMS, que permite ao
impetrante o pedido incidental dessa exibição no caso de esses
documentos estarem em poder da autoridade coatora ou de
qualquer outra autoridade integrada a pessoa jurídica de direito
público cuja autoridade coatora398 não pertença aos quadros.
Dessa forma, se existir a possibilidade de uma exibição inciden­
tal durante o próprio procedimento do mandado de segurança,
faltará legítimo interesse ao impetrante em se valer da ação
exibitória autônoma previamente; basta, para obter a necessária
prova documental, o pedido incidente.
Registre-se que a doutrina que já tratou do tema é contrária
ao entendimento aqui exposto e variam as razões para a recusa
de uma prova documentada, mas não documental, ser apta a
demonstrar o direito líquido e certo. Segundo Celso Agrícola
Barbi399, "só é admissível a de natureza documental, dada a
facilidade de produção e a maior clareza dela decorrente". O

398Reconhecendo tratar-se de exibição incidental, diferente daquela autônoma


prevista nos arts. 844 e 845 do CPC e já analisada neste trabalho, Pontes de
Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. IV, p. 316; e
Celso Agrícola Barbi, Do mandado de segurança. 9. ed. Rio de janeiro:
Forense, 2000, p. 171.
399Cf. Do mandado de segurança, cit., p. 169. Pensamento semelhante encon-
tra-se em Luiz Guilherme Marinoni (A técnica da cognição e a construção
de procedi mejitos adequados à tutela de direitos. In :______. Uma vida

369
entendimento não pode ser aceito, a menos que se esteja dis­
posto a abandonar o sistema atual de valoração da prova ado­
tado pelo direito brasileiro, que é o do livre convencimento
motivado do juiz, no qual as provas não têm valor prefixado
dependendo sempre de uma análise no caso concreto. Ao ad­
mitir que a prova documental é a única apta a configurar o di­
reito líquido e certo, pela "maior clareza" que sua força proba­
tória imprime, volta-se ao já abandonado sistema da prova tari­
fada, em que a força probatória dos meios de prova já vem de­
finida a priori, independentemente de sua análise no caso
concreto.
Ao aplicar o princípio do livre convencimento motivado do
juiz, será impossível concluir que a prova documental é mais
robusta e carrega em si uma força probatória maior do que
qualquer outro meio de prova. A carga de convencimento de
cada meio de prova deve ser anal isadae fixada pelo juiz no caso
concreto, de maneira fundamentada, para que se evitem abusos.
É plenamente admissível que uma prova teoricamente de maior
força probatória, como a perícia, seja superada, em termos de
convencimento do juiz, por outra prova, em tese, de menor
força probatória, como a testemunhai Há, inclusive, disposição
expressa nesse sentido no art. 436 do CPC.
Diante do sistema de valoração probatória admitido no
processo civil brasileiro, não é possível afirmar, a priorie abstra­
tamente, que o documento seja a única prova apta a demonstrar
a existência do direito líquido e certo. Admitindo que todas as
provas têm, em abstrato, a mesma carga probatória, dependen­
do da análise do juiz no caso concreto para descobrir qual terá
maior força de convencimento é, no mínimo, prematuro afirmar
que somente a prova documental poderá instruir o pedido do

dedicada ao direito — Homenagem a Carlos Henrique de Carvalho, o edi­


tor dos juristas. São Raulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 630), que aponta
a prova testemunhai como fonte secundária de provas, a demonstrar a mera
probabilidade dà existência do direito, por não ser suficiente para fazê-lo
quanto à existência do direito líquido e certo.

370
impetrante do mandamus. Dessa forma, qualquer prova pré-
constituída, documental ou simplesmente documentada, será,
em tese, apta a demonstrar o direito líquido e certo no caso
concreto.
Existe ainda uma outra crítica à admissão de prova docu­
mentada no mandado de segurança. Segundo Luiz Guilherme
Marinoni400,

"se a prova testemunhai ou pericial for admitida como su­


ficiente para a demonstração de 'direito líquido e certo'
ocorrerá lesão ao princípio do contraditório, na medida em
que o réu não tem oportunidade de produzir prova teste­
munhai ou pericial para contrapor a prova antecipadamen­
te realizada pelo autor".

Essa crítica, embora seja mais sustentável que a primeira,


também não merece ser acolhida como fator impeditivo da
utilização de prova documentada no mandado de segurança.
Das lições anteriormente transcritas, deduz-se que a razão
pela qual não se poderia admitir prova documentada de nature­
za testemunhai ou pericial é a impossibilidade de o réu — para
aqueles que entendem existir tal figura no mandado de seguran­
ça — produzir prova da mesma natureza, o que feriria o contra­
ditório. O entendimento é insustentável, porque, se ao impetran­
te for admitida apresentação de prova documentada, natural­
mente também ao réu será facultada a mesma possibilidade. A
atividade probatória prévia desenvolvida por cada um dos su­
jeitos processuais que participa do mandado de segurança de­
terminará suas possibilidades probatórias; assim, não é possível

400Cf. A técnica da cognição e a construção de procedimentos adequados à


tutela de direitos, cit., p. 96. No mesmo sentido, Mantovanni Colares Caval­
cante (Mandado de segurança. São Pâulo: Dialética, 2002, p. 96), a concluir
que "em mandado de segurança a prova há de ser necessariamente docu­
mental, no sentido de prova emanada de documento escrito, de natureza
pública ou particular, que para evidenciar fatos a ele relacionados dispense
o auxílio técnico ou a necessidade de manifestação da parte contráfia".

371
retirar-se um direito do impetrante tão-somente porque o réu não
se preparou tão adequadamente como ele para a demanda ju­
dicial.
Além disso, será permitido ao réu sempre apresentar prova
documental, que, aliás, poderá desbancar a prova documentada
de natureza testemunhai ou pericial apresentada pelo impetran­
te, como também poderá, o que já foi afirmado, valer-se de ação
probatória autônoma a fim de preparar-se para o eventual man­
dado de segurança, hipótese em que apresentará a prova docu­
mentada, da mesma forma que foi possível ao impetrante.
Dessa forma, não parece correto o entendimento de que seja
impossível ao réu fazer a contraprova a essa espécie de prova,
porquanto poderá fazê-lo por meio tanto de prova documental
como de prova documentada obtida em processo autônomo
probatório prévio ao mandado de segurança.
As questões referentes à força de convencimento de uma
prova documentada testemunhai ou pericial, ou ainda do exíguo
prazo decadencial do mandado de segurança, fogem ao tema
do presente debate e devem ser analisadas no caso concreto401.
O que não se pode admitir como correto é a não-admissão, a
priori, dessa espécie de prova como apta a demonstrar, no caso
concreto, o direito líquido e certo do impetrante. Essa admissão,
inclusive, otimizará a utilização do mandado de segurança, com
nítido benefício do impetrante em primeiro plano, mas também
como nítida forma de proteção mais eficaz e completa dos di­
reitos.

401Como bem notado por Rodrigo Reis Mazzei (Mandado de injunção, cit., p.
149), "há o risco da prova documentada não ser hígida ou incontroversa o
suficiente, fazendo com que seja necessário reclamar a complementação
probatória e, via de talante, causando embaraço. No entanto, esse é um
risco do impetrante, que também pode ocorrer com a prova documental,
ainda que em menor escala (p. ex.: a parte passiva afirma que o documen­
to foi falsificado)".

372
I
3. CO ISA JU LG A D A SECUNDUM EVENTUM PROBA-
TIO NIS NAS AÇÕES COLETIVAS
A coisa julgada no direito coletivo é um dos temas mais ricos
e complexos do processo civil, assunto que, isoladamente, já
rnereceria a atenção de uma tese inteira. É evidente que, dentro
dos estreitos limites do presente trabalho, o tratamento que será
dado ao tema ficará limitado ao que for essencial para demonstrar
mais uma utilidade da aceitação de ação probatória autônoma
geral. Portanto, entre os variados aspectos da coisa julgada no
processo coletivo, interessará a análise da chamada coisa julgada
secundum eventum probationis ou secundum probationem.
No tocante a direitos coletivos e difusos, a coisa julgada,
na hipótese de julgamento de Improcedência do pedido, tem
uma especialidade que a diferencia da coisa julgada tradicional,
prevista pelo Código de Processo Civil. Enquanto, no instituto
tradicional, a imutabilidade e a indiscutibilidade geradas pela
coisa julgada não dependem do fundamento da decisão, nos
direitos difusos e coletivos, caso tenha a sentença como funda­
mento a ausência ou a insuficiência de provas, não se impedirá
a propositura de novo processo com os mesmos elementos da
ação — partes, causa de pedir e pedido —, de modo a possibi­
litar uma nova decisão, o que, naturalmente, afastará, ainda que
de forma condicional, os efeitos de imutabilidade e indiscutibi­
lidade da primeira decisão transitada em julgado. Excluem-se
da análise os direitos individuais homogêneos, porque, nestes,
a coisa julgada opera-se secundum eventum litis; assim, qualquer
fundamento que leve à Improcedência não afetará os interesses
dos indivíduos titulares do direito (art. 103, III, CDC).
I Os dispositivos legais a respeito do tema, no tocante ao
direito coletivo402, encontram-se: no art. 18 da Lei n. 4.717/65
(Lei da Ação Popular): "A sentença terá eficácia de coisa julgada
oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação jul-

402 Fala-se em direito coletivo porque, tratando-se de direito individual, a Lei


do Mandado de Segurança já prevê, desde 1951, a coisa julgada secundum
eventum litis.

373
gada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer
cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento
valendo-se de nova prova"; no art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei dá
Ação Civil Pública): "A sentença civil fará coisa julgada erga
omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator
exceto se o pedido for julgado improcedente por deficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar
outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova"-
e no art. 103, I, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Con­
sumidor): "erga omnes, exceto se o pedido for julgado improce­
dente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer
legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamen­
to, valendo-se de nova prova, na hipótese do inc. I do parágrafo
único do art. 81".
Como se nota dos dispositivos legais transcritos, não se pode
afirmar que a coisa julgada secundum eventum probationis seja
uma novidade no sistema processual pátrio, já que existe desde
1965, não obstante se ter generalizado com o advento do Códi­
go de Defesa do Consumidor. Ainda que não seja instituto re­
cente, mantém-se em torno dele uma série de questionamentos
que devem ser — ainda que não de forma exaustiva — enfren­
tados como forma de sustentar a utilidade de adoção da ação
probatória autônoma genérica.
A primeira questão a respeito dessa espécie atípica de coisa
julgada diz respeito à sua constitucionalidade. Corrente minori­
tária vê uma quebra da isonomia em referido sistema e aponta
para uma proteção exacerbada dos autores das ações coletivas
stricto sensu em desfavor dos réus. Apesar de mais sentida nas
ações que tenham como objeto os direitos individuais homogê­
neos, também nas que tratam de direitos difusos e coletivos ha­
veria uma disparidade de tratamento absolutamente desigual, o
que feriria o princípio constitucional da isonomia403.

403 Nesse sentido, as lições de José Ignácio Botelho de Mesquita, Na ação do


consumidor, pocfe ser inútil a défesa do fornecedor. Revista do Advogado,
São Fàulo: AASP, n..í3, p. 81 e s.; José Rogério Cruz eTucci e Rogério Lau-

374
Majoritariamente, entretanto, a doutrina entende pela cons-
titucionalidade da coisa julgada secundum eventum probationis
_como também da coisa julgada secundum eventum litis —,
afirmando que os sujeitos titulares do direito, ao não participarem
efetivamente do processo, não poderão ser prejudicados por uma
má condução procedimental do autor da demanda. Não seria
justo ou legítimo impingir a toda uma coletividade, em decorrên­
cia de falha na condução do processo, a perda definitiva de seu
direito material. A ausência da efetiva participação dos titulares
do direito em um processo contraditório é fundamento suficiente
para defender essa espécie de coisa julgada material404.
Ademais, a coisa julgada secundum eventum probationis
serve como medida de segurança dos titulares do direito que
não participam como partes no processo contra qualquer espé­
cie de desvio de conduta do autor. A insuficiência ou a inexis­
tência de provas poderá decorrer, logicamente, de uma inaptidão
técnica dos que propuseram a demanda judiciai, mas também
não se poderá afastar, de antemão, algum ajuste entre as partes
para que a prova necessária não seja produzida e com isso a
sentença seja de improcedência405. É bem verdade que os pode­

ria Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993, p. 120-121; Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, Ações
coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 263-264.
404Ana Cândida Menezes Marcato, O princípio do contraditório como ele­
mento essencial para a formação da coisa julgada material na defesa dos
interesses transindividuais. In: Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco (Coords.),
Processo civil coletivo. São Pãulo: Quartier Latin, 2005, p. 317; Luiz Gui­
lherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conheci­
mento/ cit., p. 781.
405A exibir essa preocupação, José Marcelo Menezes Vigliar, Ação civil públi­
ca. 5. ed. São Raulo: Atlas, 2001, p. 117; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, cit., p. 1348; Rodolfo
de Camargo Mancuso, Ação popular. 4. ed. São Paulo: Revista dosTribunais,
2001, p. 276; Pedro Lenza, Teoria geral da ação civil pública. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 227; J. M. Othon Sidou, "Habeas corpus",
mandado de segurança, mandado de injunção, "habeas data ", ação popular,
cit., p. 372.

375
res instrutórios do juiz, aguçados nas ações coletivas em razão
da natureza dos direitos envolvidos, poderiam também funcionar
como forma de controle para que isso não ocorra, mas é inegá­
vel que a maneira mais eficaz de afastar, definitivamente, qual­
quer ajuste fraudulento nesse sentido é a adoção da coisa julga­
da secundum eventum probationis.
Outra questão que parece ter sido pacificada pela doutrina
e pela jurisprudência diz respeito aos legitimados à propositura
de um novo processo com a mesma causa de pedir e o mesmo
pedido do primeiro: estaria legitimado o mesmo sujeito que
propôs a primeira demanda, resolvida de forma negativa por
ausência ou insuficiência de provas? A ausência de qualquer
indicativo proibitivo para a repetição do pólo ativo nas duas
demandas parece afastar de forma definitiva a proibição. Todos
os legitimados poderão, com base na prova nova, propor a "se­
gunda" demanda, mesmo aquele que já havia participado no
pólo ativo da "primeira"406.
A próxima questão a ser enfrentada diz respeito mais dire­
tamente ao tema central do presente estudo, por referir-se à
formação ou não de coisa julgada nas ações coletivas — direitos
difusos e coletivos — julgadas improcedentes por ausência ou
insuficiência de provas. Fala-se em coisa julgada secundum
eventum probationis, mas há divergência jurisprudencial a respei­
to de ser essa uma espécie atípica de coisa julgada ou se, nesse
caso, a coisa julgada material estaria afastada, de modo a operar-
se, no caso concreto, tão-somente a coisa julgada formal.
Há parcela significativa da doutrina que entende não se
operar, nesse caso, a coisa julgada material, por afirmar que,
sendo possível a propositura de um novo processo com os mes­
mos elementos da ação — partes, causa de pedir e pedido —,

406Nesse sentido, José Carlos Barbosa Moreira, Ação popular no direito brasi­
leiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados "interesses
difusos". In:______. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977,
p. 123; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 412.

376
a imutabilidade e indiscutibilidade próprias da coisa julgada
material não se fariam presentes. A possibilidade de existência
de um segundo processo, que, naturalmente, proporcionará uma
segunda decisão, afetaria de forma irremediável a segurança
jurídica advinda da coisa julgada material tradicional, de forma
a estar afastado esse fenômeno processual quando os fundamen­
tos que levaram à Improcedência do pedido forem a insuficiên­
cia ou a inexistência de prova.
Nesse sentido, as lições de Ricardo de Barros Leonel407, ao
afirmar que, nessa hipótese,

"só ocorrerá a formação da coisa julgada formal, reconhe­


cida a imutabilidade da sentença no mesmo processo. Não
haverá coisa julgada material, pois os legitimados (inclusi­
ve o autor) poderão tomar iniciativa, com base em nova
prova. Aqui há restrição na extensão e configuração da
coisa julgada subjetiva e objetivamente: os indivíduos inte­
ressados e os legitimados não serão atingidos; e há somen­
te a formação da coisa julgada formal, com a possibilidade
de modificação em outro processo".

Esse entendimento, entretanto, não é o mais correto, pare­


cendo configurar-se a mesma confusão a respeito da formação
ou não da coisa julgada nos processos que tenham como obje­
to as relações de trato continuativo (sentenças determinativas),
reguladas pelo art. 471,1, do CPC. Em razão da possibilidade de
que a sentença determinativa seja alterada em virtude de cir­
cunstâncias supervenientes de fato e de direito, parcela da dou­
trina apressou-se a afirmar que essa "instabilidade" da sentença

407Cf. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
273-274. No mesmo sentido, o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli, A
defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Pàulo: Saraiva, 2002, p.
427; Pedro Lenza, Teoria geral da ação civil pública/ cit., p. 227; Luiz Gui­
lherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conheci­
mento/ cit., p. 781; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Código de
Processo Civil comentado, cit., p. 1.347-1.348; Sérgio Cruz Arenhart, Perfis
da tutela inibitória coletiva/ cit., p. 412.
seria incompatível com o fenômeno da coisa julgada material
que exige a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado.
O grande processualista uruguaio Eduardo J. Couture408
afirmou ser possível dizer "com relativa precisão que, quando
uma sentença já não pode ser objeto de recurso algum, mas
admite a possibilidade de modificação em processo posterior
está-se em presença de uma situação de coisa julgada formal"
Como se percebe da doutrina do mestre, a circunstância de ser
possível ou não falar em coisa julgada dependerá, exclusiva­
mente, da estabilidade que esta adquire, de modo a desprezar
outros elementos que devem ser levados em conta na fixação
do conceito. Pàrece incidir no mesmo equívoco a doutrina que
defende a inexistência de coisa julgada material na hipótese
objeto do presente tópico.
A melhor doutrina a tratar do tema da coisa julgada das
sentenças determinativas chega à conclusão de que também
nestas, se houver a coisa julgada formal, operar-se-á a coisa
julgada material sempre que a sentença for de mérito, ainda que
possa ter sua eficácia limitada no tempo em razão de fatos su­
pervenientes capazes de modificar o estado de fato ou de direi­
to409. Dessa forma, apesar de os efeitos da decisão poderem ser
modificados por meio de outro processo, não restará dúvida de
que a sentença determinativa, como qualquer outra sentença de
mérito, produzirá a coisa julgada material
É evidente que a coisa julgada material gerada nas senten­
ças determinativas não é a mesma coisa julgada secundum
eventum probationis gerada no processo coletivo. No primeiro,
a verificação de fato superveniente será apta a gerar modificação

408Cf. Fundamentos de direito processual civil. Trad. Benedicto Giaccobini.


Campinas: Red Livros, 1999, p. 350. Vicente Greco Filho (Direito processu­
al civil brasileiro/ cit., p. 247) afirma que as sentenças determinativas não
fazem coisa julgada material.
^Adroaldo Furtado Fabrício, A coisa julgada nas ações de alimentos, cit., p.
317; Cândido Rangel D inamarco, Instituições de direito processual civil, cit.,
v. III, p. 310-312.

378
1
! nas circunstâncias de fato ou de direito, o que significa dizer que
! afetará a causa de pedir, um dos elementos da ação. Dessa for-
rna, a sentença determinativa já transitada em julgado somente
{ poderá ser modificada por outra sentença porque, nesse novo
processo, haverá uma causa de pedir diferente da do primeiro;
não haverá, por isso, a identidade plena entre os dois processos.
Tal fenômeno não se repete nas ações coletivas, porque inde­
pendentemente da modificação da causa de pedir, aceitar-se-á
um novo processo idêntico ao primeiro, desde que seja fundado
em prova nova.
A identidade entre as duas situações encontra-se na exigên­
cia de que um fato novo superveniente ocorra a fim de que se
possa afastar a segurança jurídica gerada pela primeira decisão
transitada em julgado. Nas sentenças determinativas, esse fato
novo é amplo e gera a modificação da causa de pedir, enquan­
to, nas ações coletivas, o fato novo é o surgimento de uma nova
prova, que, apesar de não modificar em nada a causa de pedir
— até porque, com nova causa de pedir, não seria necessária a
nova prova —, é condição sine qua non para que a segurança
jurídica da primeira decisão transitada em julgado seja afastada.
Nos dois casos, a coisa julgada material existe, mas será afasta­
da se houver um fato superveniente.
Aos partidários do entendimento de que não existe coisa
julgada nas ações que tratam de direito difuso ou coletivo quan­
do a Improcedência decorrer da insuficiência ou ausência de
provas, surge uma questão de difícil resposta: como deverá o
juiz proceder ao receber uma petição inicial de processo idên­
tico a um processo anterior decidido nessas condições, em que
o autor não indica qualquer nova prova para fundamentar sua
pretensão, alegando tão-somente não ser possível suportar a
extrema injustiça da primeira decisão? Sem ao menos indícios
de que existe uma prova nova, ainda que o fundamento da pri­
meira decisão tenha sido a insuficiência ou ausência de provas,
poderá o juiz dar continuidade ao processo?
É evidente, nesse caso, que o juiz deverá indeferir a petição
inicial; não há maiores dúvidas a esse respeito. Mas sob qual

379
fundamento? O fundamento de sua decisão será o art. 267 V
do CPC, o qual aponta que, nesse caso, não se poderá afastar á
segurança obtida pela coisa julgada material gerada pela primei­
ra decisão. Essa é a prova maior de que existe coisa julgada
material, independentemente do fundamento da decisão de
mérito da primeira demanda que efetivamente ocorreu, embora
sua imutabilidade e sua indiscutibilidade estejam, no caso da
ausência ou insuficiência de provas, condicionadas à inexistên­
cia de prova nova que possa fundamentar a nova demanda.
Apesar da defesa veemente da existência de coisa julgada
material na hipótese ora analisada e da extinção do processo
quando não houver prova nova em razão justamente do fenô­
meno da coisa julgada material, ainda que seja admitida a ine­
xistência de coisa julgada material quando esta se verifica se-
cundum eventum probationis, como prefere a doutrina que
tratou do tema, a conclusão a que todos chegam já é suficiente
para os fins buscados no presente trabalho: se não houver prova
nova, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito.
Seja por falta de interesse de agir, como prefere a doutrina410,
seja por força da coisa julgada, o essencial é a conclusão pací­
fica de que o segundo processo não deve ser admitido.
Há outro interessante questionamento a respeito do tema
que vem suscitando dúvidas na doutrina nacional Os dispositi­
vos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum pro­
bationis são omissos a respeito da exigência de que, expressa ou
implicitamente, conste da sentença ter sido a improcedência

4,0Nesse sentido, sem indicar o fundamento do indeferimento, Ricardo de


Barros Leonel, Manual do processo coletivo/ cit.,' p. 274, Pedro Lenza, Te­
oria gera! da ação civil pública/ cit., p. 283. Pãra Antônio Gidi (Coisa julga­
da e litispendência em ações coletivas. São Raulo: Saraiva, 1995, p. 135-136)
e Marcelo Abelha Rodrigues (Ação civil pública, cit., p. 329), a extinção
fundamentar-se-ia na falta de interesse de agir. O entendimento, entretanto,
não parece correto, porque não faltará ao autor necessidade de propor a
demanda — tem interesse manifesto em nova decisão que lhe seja favorável
— nem se pode afirmar que o meio escolhido seja inadequado — que outra
forma teria o autor para obter decisão favorável?

380
gerada pela ausência ou insuficiência de provas ou se tal cir­
cunstância poderá ser estranha à decisão, de modo a ser de­
monstrada somente na segunda demanda. A tomada de uma ou
de outra posição terá peso fundamental no próprio conceito de
prova nova, que será fixado a seguir.
A tese restritiva exige que haja na motivação ou no dispo­
sitivo da decisão, expressa ou implicitamente, a circunstância
da ausência ou insuficiência de provas. Afirma-se que, por ser
uma exceção à regra da coisa julgada material prevista em nos­
so ordenamento processual, deverá o juiz indicar, ou ao menos
ser possível deduzir de sua fundamentação, que sua decisão de
Improcedência decorreu da insuficiência ou inexistência de
material probatório. A ausência dessa circunstância proporcio­
naria, obrigatoriamente, a geração de coisa julgada material
tradicional411.
Com entendimento contrário, existe corrente doutrinária
que não vê qualquer necessidade de constar, expressa ou impli­
citamente, na sentença que a improcedência do pedido decorreu

4,1A tratar, especificamente, da ação popular, José Afonso da Silva, Ação po­
pular constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 273, e Ro­
dolfo de Camargo Mancuso, Ação popular, cit., p. 284. No mesmo sentido,
com tratamento genérico da coisa julgada coletiva, Arruda Alvim, Notas
sobre a coisa julgada coletiva. Revista de Processo/ São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 88, p. 37: "A improcedência por insuficiência de provas deve­
rá constar ou, ao menos, defluir da fundamentação da sentença, e esta
circunstância é que será o parâmetro decisivo para viabilizar-se a proposi­
tura da mesma ação, calcada em nova prova. Ou seja, é a insuficiência de
prova, como tal declarada, que determinará a não-ocorrência de coisa
julgada. Se tiver sido esse o fundamento da improcedência, é ele que de­
termina a não-ocorrência de coisa julgada; e, pois, se houver nova prova,
pode ser reproposta a ação civil coletiva; se não vier a existir nova prova,
ainda que não haja coisa julgada, aquela circunstância não poderá vir a ser
útil na ordem prática, como poderia ter vindo a ser". Também Cregório
Assagra de Almeida, Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Sarai­
va, 2003, p. 377-378, e J. M. Othon Sidou, "Habeas corpus", mandado de
segurança, mandado de injunção, "habeas data", ação popular, cit., p.
371.

3§1
de ausência ou insuficiência de provas. Foi Antonio Gidi412quem
primeiro defendeu tese mais ampla, ao afirmar que não se de­
veria adotar um critério meramente formal do instituto, propon­
do um critério mais liberal, nomeado de critério substancial
Segundo essa visão, sempre que um legitimado propuser, com
o mesmo fundamento, uma segunda demanda coletiva na qual
fundamente sua pretensão em nova prova, estar-se-á diante da
possibilidade de obter uma segunda decisão.
A segunda corrente defende o entendimento mais acertado,
considerando que a adoção da tese restritiva limitaria indevida­
mente o conceito de prova nova. Ao exigir do juiz fundamenta­
ção referente à ausência ou à insuficiência de provas, será im­
possível este se manifestar sobre o que não existia à época da
decisão, o que retiraria a possibilidade de propositura de uma
nova demanda fundada em meio de prova que não existia à
época da prolação da decisão. Nesses casos, haveria um inde­
vido e indesejável estreitamento do conceito de nova prova, que
também, por não ser tranqüilo na doutrina, passa-se a analisar.
Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada
secundum eventum probationis são omissos quanto ao concei­
to de "nova prova", missão legada à doutrina. Parcela majoritá­
ria da doutrina entende que não se deve confundir nova prova
com prova superveniente, surgida após o término da ação cole­
tiva. Por esse entendimento, seria nova a prova, mesmo que

412Coisa julgada e litispendência, cit., p. 131-138. Comungam de tal entendi­


mento Ada Peílegrini Crinover, Novas questões sobre a legitimação e a
coisa julgada nas ações coletivas. In :______. O processo — estudos e pa-
receres. São Paulo: DPJ, 2005, p. 222-224; Pedro Lenza, Teoria geral da ação
civil pública, cit., p. 283; Ricardo de Barros Leonel, Manual do processo
coletivo/ cit., p. 274. Marcelo Abelha Rodrigues (Ação civil pública, cit., p.
327), fala em insuficiência material e processual: "O primeiro caso (aspec­
to material) dirige-se às situações em que não existia ou era impossível a
obtenção de prova suficiente para influir no resultado e na convicção do
magistrado. A segunda hipótese existe quando a insuficiência decorre da
ausência de material probatório nos autos que pudesse levar à formação da
convicção do magistrado favoravelmente ao demandante".

382
preexistente ou contemporânea à ação coletiva, desde que não
tenha sido nesta considerada. Assim, o que interessa não é se a
prova existia ou não à época da demanda coletiva, mas se foi
ou não apresentada durante seu trâmite procedimental; será nova
porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mes­
mo que, em termos temporais, não seja algo recente413.
Arruda Alvim414 faz interessante observação, afirmando
que

"essa contemporaneidade da prova ao processo preceden­


te, ou, se quiser, a percepção ou a 'suspeita' de sua existên­
cia pelo juiz, é elemento indicativo de que, por isso mesmo,
é que o juiz terá entendido ter havido insuficiência de pro­
va. Se é concebível cogitar-se de insuficiência de prova a
partir da convicção de que, ao que tudo indica, devam
existir mais elementos probatórios".

Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado,


pela melhor doutrina, ao "fato novo" como fundamento da li­
quidação de sentença por artigos. Também nesse caso, o adjeti­
vo "novo" não é utilizado para designar um fato ocorrido após
o término do processo em que se formou o título executivo, mas
sim como novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto
de apreciação em tal processo. O fato, portanto, assim como a
"nova prova" nas ações coletivas, poderá ser anterior, concomi­
tante ou posterior à demanda judicial; para ser adjetivado de
novo, basta que não tenha sido objeto de apresentação pelas
partes e de apreciação pelo juiz415.

413Nesse sentido, as lições de Marcelo Abelha Rodrigues, Ação civil pública,


cit., p. 327; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do
processo de conhecimento, cit,, p. 781-782; Sérgio Cruz Arenhart. Perfis da
tutela inibitória coletiva/ cit., p. 412.
414Cf. Notas sobre a coisa julgada coletiva, cit, p. 31.
415Araken de Assis, Manual do processo de execução. 7. ed. São Paufo: Revis­
ta dos Tribunais, 2001, p. 317; Teori Albino Zavascki, Processo de execução
— Teoria geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 424-425;

383
Registre-se o pensamento, a respeito do tema, exposto por
Ada Pellegrini Grinover, que, nos trabalhos para a elaboração
do Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para
a Ibero-América, verificou, junto com Kazuo Watanabe, que416

"a possibilidade de reabertura do processo com qualquer


prova nova, não produzida durante a instrução, colidiria
com o tradicional princípio da eficácia preclusiva da coisa
julgada, pela qual se consideram cobertas pela imutabili­
dade não só as questões levantadas, mas também aquelas
que poderiam ter sido levantadas no processo (CPC, art.
474). Por isso restringimos a possibilidade de reabertura de
novo processo à hipótese de provas que não existiam à
época do primeiro processo, e que portanto não poderiam
ter sido produzidas".

A idéia restritiva de conceito de "nova prova" sugerida pela


processualista não parece ser a mais adequada ao fenômeno da
proteção dos direitos transindividuais em juízo. Já foi devida­
mente exposto que uma das razões para adotar a coisa julgada
secundum eventum probationis nas demandas que tenham como
objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio de
conluio fraudulento entre as partes processuais, obtenha-se uma
decisão de improcedência. Considerando a relevância do direi­
to material debatido e a ausência dos legitimados no processo,
ao menos essa proteção lhes deve ser concedida, o que não
ocorreria se fosse adotada a visão de que somente provas que
não existiam à época da demanda coletiva permitiriam uma nova
demanda judicial.
De qualquer forma, o pensamento ao menos se mostra
bastante correto quando sedimenta a idéia de que, ao surgir uma
prova que não existia ou que era impossível de obter-se à época

Leonardo Greco, O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,


v. 11, p. 247.
416Cf. Novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada nas ações coletivas,
cit., p. 224.

384
da ação coletiva, sua apresentação será suficiente para permitir
a propositura de um novo processo com os mesmos elementos
da ação do anterior. Nesse caso, evidentemente, não será pos­
sível defender a corrente doutrinária que exige do juiz a indica­
ção, expressa ou implícita, de ter o julgamento de Improcedên­
cia decorrido de ausência ou insuficiência de provas. Não sa­
bendo da existência da prova porque não era possível sua ob­
tenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, pelo
avanço tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz
considerar tal circunstância em sua decisão.
O entendimento vem consagrado no Anteprojeto de Códi­
go Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, em seu
art. 30, § 1Q, dispositivo parcialmente repetido no art. 12, § I a,
do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos:

"Mesmo na hipótese de sentença fundada nas provas pro­


duzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação,
com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos con­
tados da descoberta de prova nova, superveniente, que não
poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por
si só, para mudar seu resultado"417.

Após serem definidos os parâmetros necessários à compre­


ensão do fenômeno processual da coisa julgada secundum
eventum probationis, é hora de apontar sua relação com a pro­
posta de uma ação probatória autônoma geral. Conforme am­
plamente visto, a ausência de prova nova é razão suficiente para
que não seja admitido um segundo processo coletivo que tenha
os mesmos elementos da ação do primeiro, ainda que neste
tenha havido sentença de improcedência por ausência ou por

417Essa previsão viria ao encontro da legítima preocupação de parcela da


doutrina a respeito da coisa julgada nas demandas que tenham como obje­
to direito ambiental, ao asseverar que nem sempre o estágio da ciência é
capaz de detectar a nocividade de determinado produto ao meio ambiente,
o que só será possível após a extinção do processo em virtude de avanços
tecnológicos (Marcelo Abelha Rodrigues, Ação civil pública, cit., p. 327).

385
insuficiência de provas. O problema, entretanto, é que, difícil
mente, um dos legitimados para a propositura da demanda co­
letiva será ingênuo a ponto de preparar uma petição inicial em
que confesse, expressamente, não ter qualquer prova nova capaz
de preencher o requisito legal. Assim, é presumível que, embo­
ra não tenha, efetivamente, uma nova prova apta a produzir
resultado diferente da primeira demanda, alegará sua existência
o que criará, no mínimo, uma situação paradoxal.
Para que se admita uma segunda demanda coletiva, é ne­
cessária prova nova, mas, se não for esta pré-constituída — pen­
sa-se imediatamente no exemplo clássico do documento —, a
comprovação da existência ou não da tal "nova prova" ficará
relegada à fase de instrução do processo. Isso significa dizer que,
para verificar se a ação poderia ou não ser proposta, quase todo
o procedimento deverá ter transcorrido e, das quatro fases tra­
dicionalmente lembradas ao processo de conhecimento, todas
terão sido percorridas: fase postulatória, fase de saneamento,
fase instrutória e fase decisória. Todo o processo desenvolve-se
para que no final o juiz entenda não existir "nova prova" e ex-
tingui-lo por falta de interesse de agir ou, como parece mais
acertado, por força de coisa julgada material.
É como se um convidado para uma festa precisasse de um
convite para nela ingressar, mas a verificação de que este se
encontra em seu poder somente ocorra quando a festa já estiver
em seu final, momentos antes de as luzes se acenderem e de
as cadeiras serem postas sobre as mesas para lavar-se o chão.
Um processo inteiro terá sido desenvolvido inutilmente para
descobrir-se ao seu final que não deveria nem ao menos ter
sido proposto, o que, evidentemente, é, no mínimo, um contra-
senso.
Marcelo Abelha Rodrigues418 já havia percebido a incon­
gruência lógica ao afirmar que

4,8Cf, Ação civil pública, cit., p. 329. Também Pedro Lenza (Teoria geral da
ação civil pública, cit., p. 286), fala em análise sumária da existência da
nova prova, que é comparada com uma espécie de fumus boni iuris.

386
"não se poderia exigir do autor da demanda coletiva outra
coisa que não fosse uma demonstração razoável de que a
nova prova tenha o condão de modificar o resultado, ainda
que isso se dê pela adição das provas anteriores. Quanto
ao juiz, deve fazer um juízo provável, pois a certeza desse
aspecto só virá com a produção da prova propriamente dita,
cujo momento é preso à fase instrutória, salvo se se tratar
de prova documental (art. 284, CPC)".

Percebe-se, na lição antes transcrita, mais uma vez a indevida


identidade entre prova pré-constituída e prova documental, por
desprezar-se o fato de que a segunda é tão-somente uma espécie
_ainda que seja a mais comum — da primeira. A certeza do juiz
a respeito de requisito essencial para a aceitação da segunda de­
manda coletiva — nova prova — poderá sempre ser obtida em se
tratando de prova pré-constituída, que se apresente já com a peti­
ção inicial; esta pode ser tanto a prova documental como também
qualquer prova de outra natureza, desde que documentada.
Dessa forma, mostra-se claramente a importância de uma
ação probatória autônoma prévia à propositura da segunda de­
manda coletiva, com o único objetivo de formar a prova nova
que abrirá novamente as portas do Poder Judiciário à pretensão
já rejeitada. Ao exigir da parte a produção anterior da prova,
prestigia-se o princípio da economia processual, evitando que
demandas coletivas — complexas por natureza — se desenvol­
vam sem o preenchimento do requisito legal para tanto. Em vez
de perder tempo, dinheiro e energia em um processo que nem
ao menos se sabe se pode existir, a ação probatória autônoma
fornece ao interessado um importante e eficaz meio de se pre­
parar para a demanda coletiva, ao demonstrar desde o seu início
que se encontra preenchido o requisito legal da nova prova
exigido em lei.

4. PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE E DA CONGRUÊNCIA


Tradicionalmente, o princípio da eventualidade — Eventu-
3ijmaxime — é conceituado de duas formas: a restritiva e a am-

387
pliativa. Na conceituação ampliativa, a eventualidade atinge
tanto o autor como o réu, a determinar um ônus das partes de
apresentar, de forma concentrada e simultaneamente no mesmo
ato, todas as suas alegações e os meios de prova que pretendem
produzir. A definição restritiva do princípio da eventualidade
limita o fenômeno ao réu, por exigir a alegação de todas as suas
matérias de defesa de forma concentrada e simultânea, ainda
que contraditórias entre si, para que, na eventualidade de não
ser acolhida uma delas, o juiz passe à análise das demais419.
Também exige somente do réu a indicação, na contestação, dos
meios de prova que pretende utilizar na demonstração de suas
alegações fáticas.
Apesar de serem fenômenos processuais diferentes, resta
evidenciado que, tanto para a corrente ampliativa como para a
corrente restritiva, o princípio da eventualidade cria um ônus
processual para a prática de atos que têm como conseqüência,
diante do descumprimento do ônus, a preclusão420. Isso signifi­
ca dizer que, caso a parte não alegue as matérias que deveriam
ter sido apresentadas naquele determinado momento processual,
não será possível fazê-lo posteriormente, de modo a operar-se a
preclusão consumativa — no caso de alguma matéria, mas não
todas, ter sido alegada — ou a preclusão temporal — no caso
de o ato não ser praticado, de modo a não ser nenhuma matéria
alegada.
O direito brasileiro parece ter adotado o conceito amplia-
tivo do princípio da eventualidade, o que, inclusive, parece mais
justo em termos de isonomia processual, por atingir tanto o

419Para uma análise crítica das duas conceituações, consulte-se Guilherme


Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 27-41. Registre-se que a crítica
principal dirige-se à exigência da indicação dos meios de prova na petição
inicial e contestação, sem atingir o pedido e a causa de pedir, esta última
de maior interesse a este estudo.
420Maurício Giannico {A preclusão no direito processual civil brasileiro. São
fóulo: Saraiva, 2005, p. 29-30) aponta as diferenças entre preclusão e even­
tualidade.

388
f
autor como o réu425. Assim, prevê o art. 282, III, IV eVI, doCPC,
como exigência de regularidade formal da petição inicial, a
indicação da causa de pedir — fatos e fundamentos jurídicos —,
o pedido e suas especificações, bem como as provas com que
o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. São,
como se percebe facilmente, exigências para que o autor con­
centre, de forma simultânea, já na petição inicial, todas as ale­
gações de ataque que tiver. Pâra o réu, o princípio encontra-se
materializado no art. 300 do CPC, a exigir que, na contestação,
alegue todas as matérias defensivas, com exposição das razões
de fato e de direito, bem como a especificação das provas que
pretende produzir.
Observe-se, de início, que o princípio da eventualidade
parece não ser tão drástico ao autor quanto é para o réu, por
existir no sistema certa flexibilização no tocante à concentração
da narrativa da causa de pedir e de pedido na petição inicial. O
art. 264 do CPC — que tem como objeto a estabilização da
demanda — permite que o autor, antes da citação, modifique
livremente tanto a causa de pedir como o pedido, o que também
pode ocorrer após a citação até o saneamento do processo,
desde que coni a anuência do réu. Após o saneamento do pro­
cesso, entretanto, ocorrerá a estabilização objetiva definitiva da
demanda, de modo a tornar-se impossível, mesmo que com isso
o réu concorde, a modificação da causa de pedir ou do pedido.
Conclui-se, portanto, que o processo sempre ingressará na fase
probatória sem qualquer possibilidade de alteração da causa de
pedir ou do pedido. Para o réu, caso não se apresente a matéria
de defesa na contestação, esta não mais poderá ser alegada422.

421Nesse sentido, as lições de José Rogério Cruz eTucci, A causa petendi no


processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 148-151;
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil. São
Raulo: Saraiva, 1997, p. 172; Maurício Giannico, A preciusao no direito
processual civil brasileiro/ cit., p. 25-28; Rui Portanova, Princípios do pro­
cesso civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 1999, p. 130-131.
422Nesse sentido, já se havia manifestado Fredie Didier Jr. (Direitç processual
civil, cit., p. 438): "A flexibilidade que a lei confere à regra da eventualida-

389
Existem algumas justificativas para a adoção do princípio
da eventualidade no tocante à concentração dos fundamentos
de ataque e de defesa em determinado momento processual
Tradicionalmente, a doutrina que enfrentou o tema e prestigia o
princípio da eventualidade aponta-o como garantidor de impor­
tantes princípios processuais: lealdade e boa-fé processuais-
economia; contraditório e ampla defesa.
A necessidade de indicação clara e precisa dos argumentos,
dos pedidos e das exceções pelas partes, já no momento inicial
do processo, impede que a parte maliciosa oculte fatos ou pre­
tensões para as fases finais do procedimento, como forma de
surpreender a parte contrária. Nesses termos, o princípio da
eventualidade funciona de maneira bastante clara contra a chi­
cana processual e o litigante de má-fé423. A deslealdade proces­
sual do litigante que somente traz ao processo fato ou alegações
tardiamente poderá gerar duas ordens diferentes de problemas:
surpreender a parte contrária — de modo a afrontar o contradi­

de, quando aplicada ao réu, não encontra precedente em favor do autor,


limitado que está às regras de estabilização do processo previstas nos arts.
264 e 294 do CPC".
423 Everardo de Souza (Do principio da eventualidade no sistema do Código
de Processo Civil. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, n. 251, 1975, p.
106) trata o princípio da eventualidade como fiador do princípio da lealda­
de processual: "Não fora assim, isto é, se o processo pudesse marchar sem
ordem e disciplina, ao sabor das conveniências dos litigantes, por certo que
falharia ao seu escopo, tornando-se campo aberto às manobras dilatórias e
chicanistas, que tendem a procrastinar, indefinidamente, as lides forenses".
No mesmo sentido, Rui Portanova, Princípios do processo civil, cit., p. 131;
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil, cit., p.
173. A lembrar a indesejada surpresa à parte contrária, Junior Alexandre
Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: a questão da estabilização da
demanda. In: José Rogério Cruz eTucci e José Roberto dos Santos Bedaque
(Coords.). Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 64; Hanns Prütting. La prepara-
zione delia trattazione orale e le conseguenza delle deduzioni tradive nel
processo civile tedesco. Rivista di Diritto Processuale, Radova: Cedam, n. 2,
1991, p. 418:

390
f
tório, como será visto — ou prolongar demasiadamente o pro­
cesso — de modo a afrontar a economia processual
Também a eventualidade servirá para fazer valer no proces­
so o princípio da economia processual, ao evitar que haja retro­
cessos e conseqüente protelação da entrega da prestação juris­
dicional. A ausência de qualquer limite às alegações de fato e
de direito das partes poderá ensejar um processo infinito, em
que a parte — até mesmo imbuída de má-fé — faria alegações
a todo e qualquer momento, de modo a evitar a conclusão do
processo424. Ainda que seja possível, nessa hipótese, a concessão
da tutela antecipada como forma de sanção processual à parte
que não permite a conclusão do processo, desde que esteja
presente a prova inequívoca da verossimilhança da alegação
(art. 273, II, CPC), a regra da eventualidade evitará a confusão
procedimental, marcada por idas e vindas e por estado perma­
nente de indefinição.
Por fim, a regra da eventualidade funcionaria como instru­
mento garantidor do contraditório e da ampla defesa. Ao saber
exatamente quais são as alegações do adversário, a parte tem
amplas condições de posicionar-se contrariamente a elas, o que
garantiria a utilização de todos os meios previstos no ordena­
mento processual de defesa de seu direito. Além disso, evitaria
a surpresa de ser considerada alguma alegação que, por não ter
sido objeto de exposição em seu momento adequado, não tenha
sofrido a devida impugnação pela parte, o que, à obviedade,
contraria o princípio do contraditório. Ao saber, com exatidão,
quais as alegações fáticas e jurídicas da parte adversária, não
será possível alegar que foi surpreendida pela adoção desta ou
daquela tese na sentença425.

424José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil,


cit., p. 250; Junior Alexandre Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: a
questão da estabilização da demanda, cit., p. 64; Elisabetta Garbarrini,
Osservazioni in tema di modifica delia domanda. Rivista Trimestrale di Di­
ritto e Procedura Civile/ Milano: Giuffrè, n. 4, 1995, p. 1.285.
425Junior Alexandre Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: a questão da
estabilização da demanda, cit., p. 64; Rui Portanova, Princípios do processo

391
É preciso registrar, embora de forma mais breve do qUe
merece o assunto, que parcela da doutrina critica a rigidez do
princípio da eventualidade estabelecido pelo direito brasileiro
e aponta para um instituto que, na verdade, não atinge os prin­
cípios que pretende respeitar. Para essa parcela doutrinária a
adoção de um sistema rígido como o previsto nos arts. 282 e
300 do CPC, ainda que com as atenuações dos arts. 284, 294 e
303 do mesmo diploma legal, piora a qualidade da prestação
jurisdicional, sem efetivar os ganhos propugnados pela doutrina
tradicional, defensora da aplicação da regra da eventualidade.
De maneira resumida, a crítica pode ser definida nas pala­
vras de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira426, ao expor o proble­
ma diante do confronto entre economia processual e justiça da
decisão. Ao tratar do tema, o processualista afirma que a regra
da eventualidade

"constitui, não há dúvida, proteção contra a chicana, a


demora e a ocultação da situação fática, acarretadas pelo
transcurso do tempo. Todavia, implica também o risco de
exclusão de alegações e pleitos omitidos sem culpa pela
parte. Como já se notou com agudeza, freqüentemente se
mostra impossível no início do processo apresentar de ma­
neira compreensiva todos os aspectos do caso. Ancorados
nos seus pontos de vista, as partes e seus representantes

civil, cit., p. 131; Luis Guilherme Aidar Bondioli, Fato superveniente: con­
ciliação entre princípios, garantias e valores. In: Hélio Rubens Baptista Ri­
beiro Costa, josé Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, Pedro da Silva Dina­
marco (Coords.). Linhas mestras do processo civil. São Paulo: Atlas, 2004,
p. 430-431; José Carlos Barbosa Moreira. Correlação entre o pedido e a
sentença. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 83,1996,
p. 209.
426Cf. Do formalismo no processo civil/ cit., p. 173-174. Também de forma
crítica, com relação ao direito italiano, GiuseppeTarzia (O novo processo
civil de cognição na Itália. Revista de Processo/ São Paulo, Revista dos Tri­
bunais, n. 79, 1995, p. 58): "Pàrece-me que o princípio continue a aparecer
na dúplice e contraditória veste de um fantasma a ser exorcizado e de um
mito a ser realizado".

392
— a objetividade do advogado constitui um talento especial,
nem sempre valorizado pelo cliente como virtude — muitas
vezes podem não reconhecer, apesar de todos os esforços,
o que pode parecer como o mais essencial a um terceiro
imparcial, livre em tese de preconceitos e prejuízos. Os
arrazoados da contraparte eventualmente conterão suges­
tões e novas idéias; ou o ponto crucial somente será des­
vendado pela inquirição do juiz, quando da ouvida das
testemunhas, ou até no momento da prolação da sentença.
Em contrapartida, a liberdade de suscitar questões, a pos­
sibilidade ilimitada de alegações, a não-observância das
fases lógicas do procedimento, o enfraquecimento em suma
das normas de concentração pela lei processual, constituem
inevitáveis fatores para a demora do processo, muitas vezes
intolerável".

Afirma-se que, contraditoriamente, a eventualidade não


gera a pretendida economia processual; conquanto evite que
alegações sejam feitas tardiamente no próprio processo, não
impede que as partes voltem em outro processo para alegar o
que foram impedidas de fazer no processo originário, sempre a
respeitar a eficácia preclusiva da coisa julgada427. O "inchaço
do processo" derivado da recepção dessas novas alegações evi­
taria a existência de outras demandas processuais, o que, em
uma visão macroscópica do princípio da economia processual,
seria altamente benéfico. A utilizar-se de exemplo simples, em
vez de cinco anos de duração de um único processo, demorar-
se-á sete anos, o que, entretanto, é mais econômico do que
permitir a existência de dois processos, cada qual com cinco
anos de duração, a totalizar dez anos.
Por fim, o problema do contraditório e da ampla defesa
poderia ser contornado ao dar-se oportunidade à parte contrária
para que se manifeste a respeito da nova alegação, sem em nada

427A observação é de Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da


eventualidade no processo civil, cit., p. 295.
lhe tolher o direito a utilizar todos os meios disponíveis no or­
denamento para a defesa de seus interesses. Dessa forma, ex­
posta uma alegação tardiamente, bastaria ao juiz, para poder
levá-la em consideração no momento da prolação da sentença
abrir prazo adequado para a parte contrária manifestar-se a res­
peito de tal alegação, podendo, inclusive, produzir provas a esse
respeito428.
O princípio da eventualidade, em maior ou menor grau,
encontra-se em praticamente todos os ordenamentos processuais
do mundo; é interessante notar que a possibilidade de flexibili­
zação de tal princípio faz surgir os sistemas rígidos ou flexíveis;
nesse aspecto, parece ter o direito brasileiro adotado um sistema
rígido baseado na forte presença da preclusão429. De qualquer
forma, como restará demonstrado, seja o sistema rígido, seja
flexível, a fase probatória, no mais das vezes, deve ser iniciada
com a fixação da causa de pedir, do pedido e das exceções,
ponto que mais interesse traz ao presente trabalho. De qualquer
forma, é interessante uma breve análise do direito comparado a
respeito do tema.
O direito italiano é extremamente peculiar no tocante à
regra da eventualidade e é o exemplo concreto das mais variadas
formas de aplicação do princípio durante o desenvolvimento da
ciência processual, já que o sistema processual experimentou

428Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no pro­


cesso civil, cit., p. 298-301; José Roberto dos Santos Bedaque, Os elementos
objetivos da demanda à luz do contraditório. In: Causa de pedir e pedido
no processo civil (questões polêmicas), cit., p. 35; Luis Guilherme Aidar
Bondioli. Fato superveniente: conciliação entre princípios, garantias e va­
lores, cit., p. 439-441, a tratar, especificamente, do fato superveniente.
429Everardo de Sousa (Do princípio da eventualidade no sistema do Código de
Processo Civil, cit., p. 105): "Como quer que entendam, o que se observa
é que o princípio da eventualidade se aplica, com maior ou menor rigor,
conforme o sistema adotado seja de preclusões rígidas ou flexíveis. Logo, o
princípio não é efeito característico apenas do processo ordenado, já que,
nos tipos de procedimento regidos pela 'elasticidade preclusional, a even­
tualidade logra, também, aplicação, embora atenuadare em menor grau".

394
!
uma ampla liberdade no tocante às alegações das partes, o que
não ocorre mais na atual codificação. A liberdade quase abso­
luta encontrada no CPC de 1865 encontrou uma limitação no
CPC de 1940, que procurou estabelecer um sistema híbrido, no
qual se estabeleceu um sistema de preclusões elásticas, a con­
fortar a regra da liberdade das alegações com a da eventualida­
de. Ainda assim, a experiência mostrava que a liberdade no
momento de alegações da parte continuava a vigorar, o que
gerou nova modificação levada a cabo pela Lei n. 581, de 14-
7-1950, pela qual se passou a permitir tão-somente a emendatio
libelli, não a mutatio libelli. Ainda não plenamente satisfeitos
pela alteração, os italianos modificaram novamente o sistema
com a Lei n. 353 de 26-11 -1990, que, com as alterações advin­
das da Lei n. 534/95, regulam o princípio da eventualidade nos
dias atuais430.
Atualmente, a fase preparatória do processo — trattazione
della causa — está dividida em duas audiências: udienza di
prima comparizione (art. 180, CPC) e prima udienza di trattazio­
ne (art. 183, CPC). É possível que, na primeira audiência, o juiz
pratique atos típicos da segunda. De qualquer forma, interessa
ao presente estudo a análise de dois dispositivos específicos
referentes à segunda audiência, mais precisamente o art. 183,
4Üe 5a comma, do CPC.
Segundo a previsão do art. 183, 4Qcomma, do CPC, é pos­
sível que, na segunda audiência, ocorra a emendatio libelli, com
uma alteração da demanda originária sem que, contudo, permi­
ta-se a mutatio libelli. Isso significa dizer que, substancialmente,
o pedido e a causa de pedir não poderão ser modificados nessa
audiência, apenas admite-se uma variação desses elementos431.

430Para uma análise exaustiva desse desenvolvimento histórico, com rica biblio­
grafia, Guilherme Freitas de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no
processo civil, cit., p. 105-114. Consultar também Sérgio La China, Diritto
processuale civile: la novella del 1990. Milano: Giuffrè, 1991, p. 13-24.
431Nesse sentido, as lições de Elio Fazzalari, Lezioni di diritto processuale ci­
vile. Padova: Cedam, 1995, p. 52; Crisanto Mandrioli, Diritto processuale

395
1

Ainda que se possa perceber, no referido dispositivo legal, certa


flexibilização ao princípio da eventualidade ao autor — apesar
de não se admitir o principal, que é a modificação do pedido
ou da causa de pedir—, será este, em regra, o último momento
para que o autor, ainda que de forma secundária, modifique a
configuração da demanda já proposta. Fala-se em regra em vir­
tude do disposto no art. 183, 5Qcomma, do CPC, a admitir-se
que, em virtude do pedido de uma das partes, o juiz fixe um
prazo de 30 dias para a apresentação, por escrito, de esclareci­
mentos e de modificações dos pedidos, das exceções e das
conclusões já formuladas.
Segundo a melhor doutrina, o dispositivo legal que admite
essa manifestação por escrito após a audiência — prima udien-
za di trattazione — afasta a preclusão com relação a tais altera­
ções da segunda audiência. De qualquer forma, insista-se, este
é o ponto principal para o presente estudo: seja na segunda
audiência, seja no prazo peremptório de 30 dias após sua reali­
zação, as eventuais modificações e alterações — independen­
temente da amplitude que se deseja dar a elas — ocorrerão
ainda na fase de preparação do julgamento — em nosso sistema
seriam as fases postulatórias e de saneamento. Isso significa
dizer que, ao dar início à fase probatória, as alterações e as
modificações já não mais serão admitidas432.
Em Portugal, o art. 264c, 1, do CPC prevê que "às partes
cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles
em que se baseiam as excepções", em dispositivo que em mui­
to lembra o art. 282, III, do CPC brasileiro. No direito português

civile/ cit., p. 87-90; Francesco P. Luiso, Diritto processuale civile, cit., p.


37-38. Luigi Plaolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo (Lezioni sul
processo civile/ cit., p. 597-598) têm o mesmo entendimento, embora indi­
quem a dificuldade prática na exata distinção entre a reformatio libelli e a
emendatio libelli.
432Sérgio La China (Diritto processuale civile: Ia novella del 1990, cit., p. 33)
afirma "che alia fine delia prima udienza di tratazione il quadro delia con­
trovérsia è definitivamente fissato".

396
I

há, como no brasileiro, uma distinção das espécies de fatos, a


determinar, com a possível exatidão, quais deles deverão ser
alegados pelo autor em sua petição inicial e quais poderão ser
alegados posteriormente ou mesmo conhecidos de ofício pelo
juiz. Fala-se em três espécies de fatos: essenciais, complemen­
tares e instrumentais.
Os fatos essenciais são aqueles que permitem a individua­
lização da situação jurídica narrada pelo autor; são, portanto,
os fatos que determinam os limites da causa de pedir. Os fatos
complementares são aqueles essenciais ao acolhimento do pe­
dido do autor, que também integram a causa de pedir. Por fim,
os fatos instrumentais são aqueles referentes à prova indiciária
dos fatos essenciais e complementares, ou seja, fatos cuja prova
auxiliará o juiz na determinação dos fatos essenciais ou com­
plementares433. A distinção tem relevância para a configuração
exata de qual espécie de fato compõe a exigência de narrativa
do autor já em sua petição inicial.
Segundo Miguel Teixeira de Souza434,

"incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram


a causa de pedir ou que fundamentam a excepção (art. 264°,
n. 1); — o tribunal pode considerar os factos complemen­
tares que resultem da instrução e discussão da causa, desde
que a parte interessada manifeste vontade de deles se apro­
veitar e à parte contrária tenha sido facultado, quanto a eles,
o exercício do contraditório (art. 264°, n. 3); — o tribunal
pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instru­
mentais que resultem da instrução e julgamento da causa
(art. 264“ n. 2)".

433Miguel Teixeira de Souza, Aspectos do novo processo civil português. Repro,


São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 86, p. 178-179; Guilherme Freire de
Barros Teixeira. O princípio da eventualidade no processo civil/ cit., p- 128-
129.
434Cf. Aspectos do novo processo civil português, cit., p. 179.

397
A lição transcrita a respeito de como os fatos poderão ser
alegados e, por conseqüência, fundamentar a decisão judicial
deve ser analisada à luz do art. 508° do CPC, que trata do cha­
mado despacho pre-saneador, em especial em seu n. 3: "Pode
ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiên­
cias ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria
de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articu­
lado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido"
Do dispositivo legal depreende-se que o rigorismo do disposto
no art. 284Q, 1, do CPC realmente é afastado, ainda que não
totalmente, como se verá, de modo a permitir que, após a apre­
sentação da petição inicial, o autor ainda supra eventuais insu­
ficiências ou imprecisões a respeito dos fatos já narrados inicial­
mente.
De maneira praticamente uníssona na doutrina portuguesa,
entende-se que os fatos que compõem a causa de pedir serão
somente os fatos principais, incluídos os fatos essenciais e com­
plementares, deixando-se em aberto a possibilidade de alegação
futura dos fatos instrumentais ou concretizadores435. Registre-se

435 José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado/ cit., v. I, p, 465;
Miguel Teixeira de Souza, Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa:
Lex, 1997, p. 269. Paulo Pimenta {A fase de saneamento do processo após
a vigência do novo Código de Processo Civil. Coimbra: Al medi na, 2003, p.
156-157): "Com efeito, e quanto ao autor, é imprescindível que os seus
articulados revelem (individualizem) a causa de pedir em que se baseia a
sua pretensão. Se faltar a causa de pedir, a petição será inepta, o mesmo
sucedendo se tal causa de pedir for ininteligível...". Merece destaque o
entendimento, aparentemente contrário, de Miguel Teixeira de Souza (As­
pectos no novo processo civil português, cit., p. 181): "Os factos essenciais
devem ser invocados nos articulados (cf. art. 264°, n. 1), mas importa refe­
rir que a sua omissão não implica necessariamente a precíusão da sua
alegação posterior. O novo regime processual permite que o tribunal, na
fase da condensação, convide qualquer das partes a suprir as insuficiências
na exposição da matéria de facto verificada nos seus articulados (arts. 508a,
n. 1, al. B, e 3, 508Q-A, n. 1, al. C, e 787°), pelo que, se a falta de alegação
de facto essencial não implicar uma total ininteligibilidade da causa de
pedir ou do fundamento da excepção, essa omissão ainda pode ser sanada
nesse momento".

398
q U ea doutrina majoritária portuguesa entende que a possibilida­
de aberta pelo despacho pre-saneador não poderá levar à modi­
ficação da causa de pedir já exposta na petição inicial e afirma
que o esclarecimento ou a complementação devem ocorrer nos
limites da causa de pedir já exposta na petição inicial436.
Ainda que se possa admitir certa flexibilização ao princípio
da eventualidade para o autor, dependendo o grau de intensida­
de de tal flexibilização no exato significado de complementação
e esclarecimento da matéria fática narrada na petição inicial, a
conclusão é que a causa de pedir, em regra, é fixada na petição
inicial e, somente de forma excepcional, no momento do des­
pacho pre-saneador ou, no mais tardar, na audiência preliminar
ou despacho saneador. Isso significa dizer que, embora se ad­
mita certa flexibilidade do princípio, a questão referente aos
limites da matéria fática deverá ser superada antes do início da
fase probatória.
Na Espanha, com o moderno regramento processual (Ley
de Enjuiciamiento Civil, de 2000), aponta-se para certa flexibili­
zação do princípio da eventualidade para o réu, não obstante
ser claro que a causa de pedir deve ser narrada já na petição
inicial (art. 399, 1, LEC) e não pode sofrer modificação substan­
cial posteriormente437. O registro faz-se necessário em virtude
da possibilidade aberta pelo art. 426, 1 e 2, da LEC, que permi­
te aos litigantes, na audiência prévia, efetuar alegações comple­
mentares em razão do que foi exposto pelo adversário, esclare­
cer as alegações já formuladas e retificar, em termos secundários,
suas pretensões.

436Paula Costa e Silva, Saneamento e condensação no novo processo civil. In:


______. Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 233; Jorge
Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil, cit., p. 215; Paulo Pimenta,
A fase de saneamento do processo após a vigência do novo Código de
Processo Civil, cit., p. 157; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil
anotado/ cit., p. 467-468.
437jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho procesal civil/ cit., p. 620; Vicen­
te Gimeno Sendra, Derecho procesal civil/ cit., p. 299-301.

399
Essa liberdade concedida às partes na audiência prévia
entretanto, não terá o condão de alterar os fundamentos de fato
e de direito já expostos na petição inicial; serve, sempre de for­
ma secundária, ao esclarecimento ou à complementação das
alegações que constituirão a causa de pedir da demanda judicial
A doutrina espanhola é ainda mais incisiva do que a portuguesa
a esse respeito, ao manifestar-se expressamente contra a possi­
bilidade de mutatio libelli por meio do esclarecimento ou da
complementação previstos na audiência prévia438. Conclui-se,
portanto, que, embora se entenda por um sistema mais flexibi­
lizado, isso não afetará a causa de pedir, em fenômeno muito
parecido com o verificado no direito brasileiro.
O mais importante, entretanto, é que, após a audiência
prévia, não haverá outro momento nem mesmo para a comple­
mentação ou explicação da causa de pedir, em especial com
relação aos fatos que a compõem. Dessa forma, como já verifi­
cado no direito italiano e no português, também no direito es­
panhol a fase probatória se iniciará com os fatos sobre os quais
o juiz decidirá a demanda precisamente determinados.
O direito alemão também prevê regra similar ao art. 282
do estatuto processual pátrio, exigindo do autor a identificação
exata do objeto e do motivo da pretensão (§ 253, ZPO), signifi­
cando dizer que o autor deverá, já na petição inicial, indicar o
pedido e a causa de pedir. Também existe regra que indica a
necessidade de as partes exporem seus meios de ataque e defe­

438Valentín Cortés Dominguez, Derecho procesal civil — Parte general. 5. ed.


Madrid: Colex, 2003, p. 177; Ignácio Díez-Picazo Gimenez, Derecho pro-
cesal civil — El proceso de declaración. 2. ed. Madrid: Centro de Estúdios
Ramón Areces, 2003, p. 272-273; Vicente Cimeno Sendra, Derechoproce-
sal civil, cit., p. 376. Essa também é a conclusão de Guilherme Freire de
Barros Teixeira (O princípio da eventualidade no processo civil, cit., p. 148):
"Portanto, a nova sistemática espanhola permite que haja o esclarecimento,
a retificação e a complementação das alegações e pedidos formulados,
devendo, no entanto, ser observada a regra geral da proibição da transfor­
mação da demanda, não sendo admitida a alteração substancial da causa
petendi e do pedido".

400
f

sa, em especial alegações, impugnações, oposições, exceções,


meios probatórios e impugnação de prova de forma concentra­
da, o que permitirá uma instrução processual esmerada e pen­
sada para o impulso do processo (§ 282). Registre-se ainda a
possibilidade de complemento e retificação das matérias de fato,
sem que se modifique a causa de pedir (§ 264, n. 1, ZPO), ou
quando haja concordância do réu (§ 264, n. 2 e 3, ZPO)439.
Muito se discute na doutrina alemã se a reforma por que
passou a legislação nesse tocante, realizada em 1977 (Vereinfa-
chungsnovelle), tendente à adoção de um procedimento mais
concentrado e célere, sendo regido pelos princípios da oralida-
de, concentração e eventualidade, com o objetivo de tornar os
processos mais rápidos, eficientes e justos, teria feito o sistema
voltar a adotar a regra da eventualidade. A dúvida a respeito da
concentração absoluta das alegações de ataque e defesa subsis­
te, em grande parte, em virtude do disposto no § 296, ZPO, que
admite a alegação tardia desde que sua admissão não atrase a
conclusão do processo, que haja motivo satisfatório para o atra­
so da alegação ou, ainda, que a alegação no momento adequa­
do não tenha sido fruto de negligência da parte440.
Ainda que se admitam algumas exceções à regra de que as
partes devem apresentar suas alegações de ataque e defesa de
forma concentrada, não resta qualquer dúvida de que o objeto
da demanda, inclusive os fatos que compõem a causa de pedir,
deverá estar absolutamente definido antes da audiência. Isso
significa que, a exemplo dos direitos ibérico e italiano, também
na Alemanha o início da fase probatória exige que os fatos já

' 439Othmar Jauering, Direito processual civil. 25. ed. Trad. F. Silveira Ramos.
Lisboa: Almedina, 2002, p. 230-232.
440Esses motivos levaram Hanns Prütting (La preparazione delia trattazione
orale e le conseguenza delle deduzioni tradive nel processo civile tedesco,
cit., p. 426) a afirmar que o sistema não reincorporou o princípio da even­
tualidade, quando muito aplica o princípio em uma versão atenuada. A
opinião não é compartilhada por José Rogério Cruz eTucci (A causa peten-
di no processo civif, cit., p. 106-109), para quem o direito alemão adota
atualmente o princípio da eventualidade.

401
tenham sido definidos, de modo a não admitir a modificação da
causa de pedir após o início dessa fase441.
Na Argentina, também há forte influência do princípio da
eventualidade para o autor, por exigir-se a narração da causa de
pedir já na petição inicial, como ocorre no direito brasileiro. A
necessidade de tal narrativa tem a função de permitir que o réu
saiba, com exatidão, quais são os fatos jurídicos que embasam a
pretensão do autor, determinar o objeto da prova e limitar a ati­
vidade judicial na prolação da sentença, já que o juiz somente
poderá decidir com fundamento nos fatos alegados pelas partes,
em regra muito similar à do art. 460 do CPC brasileiro442.
O direito argentino admite a modificação na demanda
desde que estejam presentes certos requisitos no caso concre­
to. Antes da citação do demandado, é permitida a completa e
absoluta modificação da demanda, inclusive, naturalmente,
os fatos narrados na petição inicial (art. 331, CPCCN), em
norma muito similar àquela presente no direito processual
pátrio (art. 264, CPC). Após a citação, admite-se tão-somente
a juntada de novos documentos, não havendo previsão a res­
peito da modificação, mesmo que haja concordância do de­
mandado, como ocorre no direito brasileiro, pelo menos até

441Hanns Prütting, La preparazione delia trattazione orale e le conseguenza


delle deduzioni tradive nel processo civile tedesco, cit., p. 416: "La funzio-
ne essenziale del procedimento preliminare consiste nel consentire una
preparazione completa dell'udienza principale di modo que la matéria delia
lite possa essere condotta ad una piena naturitá in tal le udienza". No mes­
mo sentido, as lições de Walther J. Habscheid, Giurisdizione civile e pro­
cesso civile nella Republica FederaleTedesca. Rivista di Diritto Processuale/
Radova: Cedam, n. 3, 1987, p. 657.
442Lino Enrique Palacio. Manual de derecho procesal civil/ cit., p. 352-353.
O mesmo no direito uruguaio: Santiago Garderes et al., Código General
del Proceso — Comentado, anotado, com jurisprudência. Montevideo: B.
de F., 2002, v. I, p. 269; Enrique Tarigo, Lecciones de derecho procesal
civil. 5. ed. Montevideo: Fundaciórvde Cultura Universitaria, 2005, v. I, p.
389.

402
!.?

o saneamento do processo. A mesma estrutura encontra-se no


direito uruguaio443.
No direito boliviano, o princípio da eventualidade para o
autor é ainda mais rigoroso que o verificado no direito brasilei­
ro, considerando que, além da necessidade de expor a causa de
pedir na petição inicial (art. 327, 6, CPC), somente se admitirá
a modificação ou a ampliação da demanda antes da citação do
réu (art. 332, CPC). A preclusão opera-se de maneira drástica
após esse momento processual de formação da relação jurídica
processual; assim, não se admitem, em qualquer hipótese, novas
alegações que venham a modificar a demanda444.
No Chile, também se percebe a aplicação rígida do princí­
pio da eventualidade; há, entretanto, uma diferença substanciai
em relação aos direitos brasileiro, argentino, uruguaio e bolivia­
no. O momento fatal para a modificação da demanda não é a
citação do demandado, mas sim a apresentação da contestação,
de maneira que não se admite a modificação da demanda, com
novas alegações, após ter ocorrido a apresentação da defesa
típica do demandado. Essa regra está estabelecida no art. 261,
1, do CPC, que, expressamente, admite, antes de ser contestada
a demanda, que o demandante faça as ampliações ou retificações
que entender convenientes445.
Após essa breve incursão no direito estrangeiro, a conclusão
possível e de extrema importância para o presente estudo é que,
em todos os países que adotam um sistema mais flexível do

443Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal/ cit., p. 258.


444Jose Decker Morales, Código de Procedimiento Civil — Comentários y
concordâncias. 3. ed. Cochabamba: 2001, p. 247:' "Si Ia demanda no está
contestada, el actor puede modificaria, pero una vez trabada la relación
procesal solo podrá desistir de ella. Modificaria no puede, en virtud de la
preclusión procesal que rige en nuestro proceso y no permite incluir en la
sentencia hechos no comprendidos en la demanda y la contestación, tal
como determina el artículo 353 de este Código, concordante con el artícu­
lo 332 del mismo Ordenamiento legal".
J45Alex Carocca Pérez, Manual de derecho procesal. Santiago: Lexis Nexis,
2003, t. I, p. 84-85.

403
princípio da eventualidade para o autor, os fatos deverão estar
definidos sempre antes do início da fase de instrução do proces­
so de conhecimento. Em todos eles, exigir-se-á a narração na
petição inicial, em alguns, de forma peremptória, em outros a
permitir complementação, esclarecimento ou retificação em
momentos de saneamento, mas dessa fase não passará a indefi­
nição no tocante aos fatos, até mesmo por necessidade de fixar
o objeto da prova. Essa conclusão será lembrada na parte final
do presente tópico.
Ao voltar-se ao direito brasileiro, há a necessidade de nar­
ração da causa de pedir já na petição inicial. Em decorrência da
adoção pelo direito brasileiro da teoria da substanciação, o
autor deverá indicar, nesse momento inaugural do processo, os
fatos e os fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III, CPC).
Há alguma dúvida a respeito da necessidade de narração do
fundamento jurídico, sobre o que existe corrente doutrinária a
entender que, em razão do princípio do iura novlt curia e do
aforismo da mihi factum, dabo tibi ius, o juiz não estará adstrito
ao fundamento jurídico narrado pelo autor em sua petição ini­
cial446. Essa divergência doutrinária, entretanto, não tem grande
utilidade ao presente estudo, concentrado tão-somente nos fatos,
que, inegavelmente, compõem a causa de pedir e deverão ser
narrados pelo autor.
Com relação aos fatos, há também no direito brasileiro,
como ocorre no direito português, uma distinção entre duas
espécies de fatos, dos quais nem todos farão parte da causa de
pedir, de forma que não há obrigatoriedade de sua narrativa na
petição inicial É clássica, embora nem sempre seja tarefa simples
fazer a diferenciação, a distinção entre fatos principais — ou

446Nesse sentido, as lições de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Garantia do


contraditório. In: José Rogério Cruz eTucci (Coord.). Garantias constitucio­
nais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 140-141;
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil/ cit., v.
II, p. 127-128; Guilherme Freire de Barros Teixeira. O princípio da eventu­
alidade no processo civil cit., p. 174; Lino Enrique Palacio. Manual de
derecho procesal civil, cit., p. 353.

404
1

jurídicos — e secundários — ou simples. Por fato jurídico se


entende aquele apto, por si só, a gerar uma conseqüência jurí­
dica; deriva de tal espécie de fato a constituição, modificação
ou extinção de uma relação ou estado jurídico. Já o fato simples
não é capaz, isoladamente, de gerar conseqüências jurídicas e
só passa a ter importância para o direito ao servir como prova
de um fato jurídico447.
A distinção é de extrema importância porque somente os
fatos jurídicos fazem parte da causa de pedir, de forma que,
embora possa o autor indicar na petição inicial os fatos secun­
dários, estes não farão parte da causa de pedir448. Diante disso,
será sempre possível ao autor alegar e ao juiz levar em conside­
ração os fatos secundários, de modo a aplicar-se o princípio da
eventualidade somente aos fatos jurídicos.
De tudo o que foi exposto até aqui, conclui-se que os fatos
jurídicos — que compõem a causa de pedir — serão narrados

447José Rogério Cruz eTucci, A causa petendi no processo civil/ cit., p. 153-
154; Alexandre Alves Lazzarini, A causa petendi nas ações de separação
judicial e de dissolução da união estável. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 28-30; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, cit., v. I,
p. 464-467.
448A doutrina nacional é unânime a esse respeito: por todos, José Roberto dos
Santos Bedaque, Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório.
In: José Rogério Cruz eTucci e josé Roberto dos Santos Bedaque (Coords.),
Causa de pedir e pedido no processo civil (questões polêmicas). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 38. José Joaquim Calmon de Passos (Comen­
tários ao Código de Processo Civil, cit., p. 161-162) estende a exigibilidade
contida no art. 282, inc. III, do CPC também aos fatos simples. Na doutrina
italiana, com exclusão dos fatos simples, EnricoTullio Liebman, Manuale di
diritto processuale civile — Principi, cit., p. 184-185; Giuseppe Chiovenda,
Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São
Paulo: Saraiva, 1969, v. I, p. 358-359; Giuseppe Tarzia, O novo processo
civil de cognição na Itália. Revista de Processo/ São Paulo: Revista dos Tri­
bunais, n. 79, 1995, p. 56. No mesmo sentido, Enrique Vescovi, La modifi-
cación de la demanda. Revista de Processo, São Paulo: Revista dosTribunais,
n. 30, 1983, p. 211.

405
pelo autor na petição inicial e somente em situações excepcio­
nais poderão ser alterados — antes da citação e depois dela até
o saneamento do processo, desde que com anuência do deman­
dado.
A exigência, entretanto, de o autor expor, já na sua petição
inicial, todos os fatos jurídicos que compõem a causa de pedir
poderá demonstrar-se, no caso concreto, extremamente penosa,
para não dizer injusta. Nem sempre será possível ao autor narrar,
já na petição inicial, todos os fatos que poderiam fundamentar
sua pretensão, em especial naquelas hipóteses em que se exige
a produção de uma prova técnica complexa para descobrir, com
algum grau de segurança, tais fatos.
Tomem-se por exemplo as demandas que envolvem o erro
médico. O autor alega em sua inicial que o fato de ter esqueci­
do uma tesoura dentro de seu corpo foi a causa de danos irre­
versíveis que suportou. Ao ser realizada a perícia médica, cons-
tata-se que, na verdade, a tesoura não lhe causou complicação
médica nenhuma, mas que os remédios que lhe foram ministra­
dos causaram o dano alegado. Por ser outro fato constitutivo do
direito do autor, seu pedido será julgado improcedente, com
desnecessário dispêndio de tempo e energia por parte do Poder
judiciário e dos litigantes. E o pior, em termos de economia
processual, é que o autor certamente voltará a demandar, agora
a fundamentar sua pretensão no fato efetivamente responsável
pelas complicações médicas suportadas. Isso, é claro, se não
tiver ocorrido a prescrição.
Tais transtornos poderiam ter sido facilmente evitados se o
autor, em dúvida a respeito do exato fato que fundamenta sua
pretensão, tivesse ingressado com uma ação probatória autôno­
ma, na qual poderia conhecer, com maior exatidão, quais fatos
deveriam compor a causa de pedir de sua demanda. Em vez de
desenvolver todo um processo de conhecimento com pedido
condenatório, as partes poderiam ter participado de um proces­
so manifestamente mais simples, rápido e barato, de modo a
preparar, de forma mais adequada, a causa de pedir do proces­

406
so de conhecimento em que o autor, finalmente, buscaria seu
ressarcimento449.
Observe-se que não se está diante da hipótese em que o
autor não consegue, com os dados disponíveis, formular sua
causa de pedir. Nos casos ora analisados, o autor poderá até
mesmo acreditar, ainda que sem segurança, saber com exatidão
quais fatos são necessários a compor a causa de pedir, demons-
trando-se o seu equívoco somente após a realização da prova,
no mais das vezes periciais. Em razão do princípio da eventuali­
dade, ainda que sejam demonstrados outros fatos jurídicos que
seriam suficientes a embasar a pretensão do autor, mas não nar­
rados na causa de pedir, não restará outra saída ao juiz que não
o julgamento de Improcedência, em afronta clara aos princípios
da economia processual e efetividade da tutela jurisdicional.
Registre-se, ainda, que mesmo a doutrina que critica a ri­
gidez do princípio da eventualidade adotado pelo ordenamento
processual brasileiro não despreza a necessidade de alguma
ordenação do procedimento, de modo a concordar com os be­
nefícios que um sistema formado em fases preclusivas propor­
ciona. A idéia é uma flexibilização e não o simples afastamento
do princípio da eventualidade, a exemplo do que ocorre na
Itália, Espanha e Portugal, ordenamentos já analisados. Buscam,
portanto, um meio-termo entre os benefícios advindos da apli­
cação da eventualidade e os que podem ser obtidos com alguma
flexibilização, sem, entretanto, defender a possibilidade am­
pla e plena de as partes alegarem o que quiserem e quando
quiserem450.

449 Giuseppe Tarzia, O novo processo civil de cognição na Itália, cit., p. 58:
"Em linhas gerais, creio que o problema dos legisladores modernos seja o
de construir, para o processo civil, uma fase preparatória suficientemente
ampla, e ao mesmo tempo, elástica, idônea a acolher a infinita variedade
das causas cíveis e assegurar assim, simultaneamente, eficiência e justiça.
Somente à luz destas exigências, e nos limites por estas impostas, creio que
as preclusões podem ser justificadas". A ação probatória autônoma antece­
dente faria perfeitamente esse papel, ao menos com relação aos fatos.
450 Nesse sentido, as lições de José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela caute­
lar e tutela antecipada: tutelas sumarias e de urgência — tentativa de esque-

407
É interessante que, a exemplo dos países europeus em que
se percebe certa flexibilização da necessidade de concentração
de todas as alegações para as partes, também no Brasil os crí­
ticos da eventualidade apontam para um momento limite, qual
seja, antes da instrução probatória. Isso significa dizer que,
após o saneamento do processo, não seria conveniente admitir
a possibilidade de as partes trazerem ao processo novas alega­
ções, o que, fatalmente, causaria mais prejuízos do que bene­
fícios ao andamento do procedimento e à qualidade da tutela
jurisdicional451.
Em conclusão, ainda que se admita uma visão mais flexível
ao princípio da eventualidade, a serventia da ação probatória
autônoma continua a ser evidente, considerando que o fato jurí­
dico somente será descoberto em sua plenitude, nas hipóteses
analisadas, após a produção da prova, momento processual em
que mesmo a doutrina mais crítica à rigidez da eventualidade no
processo civil pátrio entende ser inviável a modificação da de­
manda. Dessa forma, ainda que pareça ser saudável aos resultados
do processo certa flexibilização da eventualidade, como ocorre
em alguns países europeus já analisados, o problema exposto no
presente tópico não poderia ser contornado, o que faz necessária
a ação probatória autônoma como forma de preparar o autor para
a elaboração de uma causa de pedir mais exata referente aos fatos
jurídicos que embasarão sua pretensão.
Resta evidente, portanto, mais essa utilidade da demanda
probatória autônoma, em especial quando se faz necessária a

matização. São Pàulo: Malheiros, 1998, p. 91-92, ao tratar do princípio da


congruência, em lição totalmente aplicável ao caso analisado. Guilherme
Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil/
cit., p. 296.
451Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil/ cit., p.
176; Junior Alexandre Moreira Pinto, Sistemas rígidos e flexíveis: a questão
da estabilização da demanda, cit., p. 84; Guilherme Freire de Barros Teixei­
ra (O princípio da eventualidade no processo civil, cit., p. 321), entende
ainda ser saudável a alteração da demanda a qualquer momento desde que
com isso concorde o réu (p. 325).

408
produção de uma prova técnica complexa, que, como resultado,
poderá determinar, com maior exatidão, a causa de pedir. Evitar-
se-iam, com isso, demandas infundadas — o que só se desco­
brirá após a produção da prova —, em nítida economia proces­
sual, sem falar na extrema injustiça com o autor, que, mesmo
tendo o direito, por não ter narrado o fato verificado na prova
em sua petição inicial, se verá derrotado e será obrigado a en­
frentar novo processo judicial.

5. LITISCONSÓRCIO ALTERNATIVO
Em tema enfrentado com extrema raridade pela doutrina,
encontrando-se na doutrina nacional de forma mais aprofunda­
da apenas as lições de Cândido Rangel Dinamarco452, encontra-
se o instituto do litisconsórcio alternativo. Pergunta o processua-
lista: "Será lícito comparecerem dois autores, na dúvida sobre
qual deles seja o verdadeiro credor, pedindo que o juiz emita
um provimento contra o adversário comum, em benefício de um
dos dois (cúmulo alternativo)?".
O instituto do litisconsórcio alternativo representa, portan­
to, a possibilidade aberta ao autor para demandar duas ou mais
pessoas quando tenha dúvidas fundadas a respeito de qual delas,
efetivamente, deveria participar no pólo passivo da demanda.
Na realidade, a construção do instituto do litisconsórcio alter­
nativo atinge também o pólo ativo, quando exista dúvida funda­
da a respeito de quem seja o titular do direito a ser discutido no
processo. O que caracteriza, fundamentalmente, o litisconsórcio
alternativo é a indefinição a respeito do sujeito legitimado a li-
tigar, seja no pólo ativo, seja no pólo passivo da demanda.
Observe-se que o litisconsórcio alternativo não se confun­
de com o litisconsórcio eventual ou sucessivo. Nestes, a parte
sabe, com precisão, quem são os sujeitos que devem participar
da relação jurídica processual, e o fator que caracteriza essa
espécie de litisconsórcio é a cumulação de pedidos dirigidos

452Cf. Litisconsórcio. 7. ed. São Pàulo: Malheiros, 2002, p. 391.

409*
contra ou por sujeitos distintos, que formarão o litisconsórcio-
somente é possível o acolhimento do segundo pedido se for
acolhido o primeiro, ou, ainda, que o segundo seja acolhido não
o sendo o primeiro. Rodrigo Reis Mazzei, em artigo específico
sobre o tema, ainda não publicado e cedido gentilmente pelo
autor, dá como exemplos de litisconsórcio sucessivo as hipóteses
previstas nos arts. 1.698 e 928, parágrafo único, do CC453.
As precisas lições do mestre capixaba reforçam a idéia de
que, nas hipóteses de litisconsórcio sucessivo, não existe dúvida
quanto à legitimidade; essa diferença é essencial para conceituar
tal litisconsórcio de maneira diversa do alternativo, ora analisa­
do454. A distinção, inclusive, afasta o instituto do objeto do

453"Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver
em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concor­
rer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimen­
tos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, inten­
tada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a
lide." "Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pes­
soas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispu­
serem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste
artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o
incapaz ou as pessoas que dele dependem." No direito português, encontra-
se positivado, no art. 31°-B do CPC o litisconsórcio sucessivo, com o nome
"pluralidade subjectiva subsidiária". José Lebre de Freitas (Código de Pro­
cesso Civil anotado, cit., v. I, p. 70) aponta a utilidade do instituto para as
hipóteses de responsabilidade subsidiária.
454Rodrigo Reis Mazzei, Litisconsórcio sucessivo: breves considerações. In:
Teresa Arruda Alvim Wambier, Glauco Gumerato Ramo e Sergio Shimura
(Coords.). Atualidades do processo civil de conhecimento. São Paulo: Re­
vista dos Tribunais, 2006 (no prelo): "A seguir os caminhos que estamos
traçando no texto, como ponto de partida para a configuração do litiscon­
sórcio sucessivo, na ação deverá constar — pelo menos — dois pedidos não
idênticos, sendo que o segundo pedido (secundário) somente será analisado
se ultrapassado o primeiro pleito — com decisão positiva. Contudo, essa
situação, por si só, não gerará o litisconsórcio sucessivo, sendo necessário
adequar a situação para o embate pedido e formação de pólo plúrimo. O
pormenor que gera o litisconsórcio sucessivo está no fato de que — quando
se passa para o segundo pedido — há a análise subjetiva diferenciada do
pedido antecessor, ou, com outras palavras, somente se avançará para o

410
presente estudo, apesar de sua inegável complexidade e impor­
tância prática.
Alguns exemplos para justificar a construção são dados por
Dinamarco, em sua maioria retirados das lições a respeito do
tema dos italianos GiuseppeTarzia e Ludovico Mortara, com as
devidas citações. Aponta, primeiro, para a hipótese de duas ou
mais pessoas jurídicas, componentes do mesmo grupo econô­
mico, realizarem diversos negócios jurídicos com terceiro de
forma que não se saiba, com exatidão, qual delas é a efetiva­
mente legitimada a propor a demanda, o que somente restará
demonstrado com a análise de documentos em poder da parte
contrária. Afirma que, nesse caso, será possível uma cumulação
subjetiva eventual no pólo ativo, de modo até mesmo a evitar a
propositura de ações conexas — mesma causa de pedir — pro­
postas em separado por tais pessoas jurídicas, a fundamentar o
litisconsórcio no art. 46, III, do CPC455.
Esse é um bom exemplo também para o pólo passivo da
demanda, em situações nas quais o autor não tem a exata con­
cepção de quem realmente deverá figurar em tal pólo processual.
Atualmente, são tantas as empresas criadas por um mesmo gru­
po econômico, por exemplo, que, muitas vezes, existe a real
dificuldade em individualizá-las no tocante a quem, efetivamen­
te, participou da relação jurídica de direito material e que, por
essa razão, deverá figurar no pólo passivo da demanda. Um
mesmo conglomerado financeiro oferece atividades de banco,
financiadora, seguradora, administradora etc., exercidas por
pessoas jurídicas diferentes, o que nem sempre fica muito claro
para aqueles que com esse conglomerado fazem negócios.

patrimônio jurídico do segundo litigante após a análise positiva (de resulta­


do) em relação ao primeiro. Mister se fará que conste, primeiramente/ co­
mando decisório (aqui, capítulo de sentença) quanto ao primeiro litiscon-
sorte, para, após, adentrar no segundo pedido, que é concernente ao liti­
gante que está em litisconsórcio sucessivo".
455Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio, cit., p. 394.

411
Nesse tocante, é importante ressaltar algumas particulari­
dades do direito consumerista, em que a figura do litisconsórcio
alternativo deve ser tratada de forma diferenciada. Para análise,
demanda-se o enfrentamento de duas situações distintas em
decorrência da aplicação dos arts. 7Q, parágrafo único, 12 e 13
do CDC.
O art. 7a/ parágrafo único, do CDC vem assim redigido:
"Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidaria­
mente pela reparação dos danos previstos nas normas de con­
sumo". Esse dispositivo constitui a regra geral de responsabili­
dade solidária entre todos os fornecedores que participaram da
cadeia de fornecimento do serviço ou produto perante o consu­
midor. A regra justifica-se pela responsabilidade objetiva adota­
da pelo CDC, que dispensa a culpa como elemento da respon­
sabilidade dos fornecedores456. Dessa maneira, independente­
mente de a culpa não ser do fornecedor demandado, ou não ser
de todos os fornecedores demandados, haverá a condenação de
quem estiver no pólo passivo a indenizar o consumidor; assim,
é inviável imaginar, em situação tratada à luz do dispositivo
legal comentado, uma sentença terminativa por ilegitimidade de
parte se for comprovado que a culpa não foi daquele fornecedor
demandado.
Em razão da solidariedade entre todos os fornecedores e de
sua responsabilidade objetiva, o consumidor poderá optar con­
tra quem pretende litigar. Poderá propor a demanda a buscar o
ressarcimento de seu dano somente contra um dos fornecedores,
alguns, ou todos eles. A doutrina que já enfrentou o tema apon­
ta acertadamente para a hipótese de litisconsórcio facultativo,
considerando ser a vontade do consumidor que definirá a for­

456Nesse sentido, as lições de Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V.


Benjamin e Bruno Miragem, Comentários ao Código de Defesa do Consu­
midor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 188-189; Luiz Antonio
Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Saraiva, 2000, p. 131; José Geraldo Brito Filomeno, Código de De­
fesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 1^9.

412
mação ou não da pluralidade de sujeitos no pólo passivo e
também, quando se formar o litisconsórcio, qual a extensão
subjetiva da pluralidade457.
Nesse caso, portanto, de responsabilidade solidária e obje­
tiva dos fornecedores, não será aplicável o instituto do litiscon­
sórcio alternativo, pois, ainda que exista uma dúvida fundada por
parte do consumidor sobre quem foi o causador direto de seu
dano, a legislação consumerista, expressamente, atribui a res­
ponsabilidade a qualquer dos fornecedores que tenha participa­
do da cadeia de produção do produto ou da prestação do servi­
ço. Por ser inviável antever a ilegitimidade de qualquer deles,
ainda que nenhuma culpa tenha no evento danoso, pouco im­
porta, para os fins do processo, a individualização do fornecedor
que tenha sido o responsável direto pelo dano, de modo que é
inviável, nesse caso, falar em litisconsórcio alternativo.
Essa disposição do CDC, repetida em outras normas do
diploma consumerista — como os arts. 18, caput, 19, caput, 25,
§§ 1Qe 2a, 28, § 3Q, e 34 —, é demonstração clara de proteção
ao consumidor, que não poderia ser afetado por incertezas a
respeito de qual dos fornecedores foi o responsável direto pela
ofensa a seus direitos. A idéia é que os fornecedores, solidaria­
mente, respondam perante o consumidor independentemente
de sua culpa no caso concreto; assim, é lícito àquele que pagou
e que não teve culpa ingressar com ação de repetição de indé­
bito contra o fornecedor causador direto do dano. A proteção
do consumidor, a criar um litisconsórcio facultativo entre os
fornecedores, afasta, por completo, a necessidade do litiscon­
sórcio alternativo.
Registre-se que a melhor doutrina aponta para a possibili­
dade de o fornecedor condenado a satisfazer o consumidor, caso

457Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consu­


midor, cit., p. 130; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Código
Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 960;
Adriano Perácio de Paula, Direito processual do consumo. Belo Horizonte:
Del Rey, 2002, p. 75.

413
não tenha tido culpa no evento danoso, ou ainda que a culpa
não tenha sido exclusivamente sua, ingressar com outro proces­
so perante o fornecedor culpado pelo dano para receber aquilo
que pagou ao consumidor458. O direito de regresso, entretanto
não poderá ser exercido no próprio processo em virtude da
proibição explícita do art. 88 do CDC, que impede a denuncia-
ção da lide nas demandas consumeristas. A disposição tem o
fim de evitar complicações procedimentais naturais da ampliação
subjetiva da relação jurídica processual, o que poderia trazer
desvantagens ao consumidor459.
Questão mais interessante vem da aplicação conjunta dos
arts. 12 e 13 do CDC; indica o primeiro a responsabilidade so­
lidária do fabricante, produtor, construtor e importador pela
reparação de danos causados aos consumidores por defeito no
produto; já o segundo dispositivo prevê responsabilidade subsi­
diária do comerciante desde que: "I — o fabricante, o construtor,
o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II
— o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabri­
cante, produtor, construtor ou importador; 111— não conservar
adequadamente os produtos perecíveis".
Apesar de forte corrente doutrinária entender que, nesse
caso, o comerciante também terá responsabilidade de ressarcir
o consumidor, ainda que possa, depois de satisfazê-lo, pleitear
o ressarcimento perante o fabricante, produtor, construtor e
importador460, a leitura conjunta dos dois dispositivos legais
anteriormente referidos demonstra que, ao ser verificada uma

458 Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consu­


midor/ cit., p. 131.
459 Kazuo Watanabe, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos au­
tores do anteprojeto, cit, p. 760; Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, Comen­
tários ao Código de Defesa do Consumidor — Direito processual. São
Pâulo: Saraiva, 2002, p. 109.
460 Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem,
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 240; Luiz Antonio
Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor/ cit., p.
176-177.

414
I

das hipóteses previstas pelo art. 13 do Código consumerista, o


comerciante não responderá perante o consumidor, por ser par­
te ilegítima para figurar no pólo passivo do processo, em razão
de sua responsabilidade somente subsidiária, não solidária461. A
hipótese que mais interesse traz ao presente trabalho é certa­
mente aquela prevista pelo referido art. 13, III, do CDC, que
trata da causa excludente de responsabilidade do comerciante
nos casos em que tenha conservado adequadamente produtos
perecíveis.
Nessa hipótese, estar-se-á diante de típica situação em que
o instituto do litisconsórcio alternativo poderá ser aplicado. É
evidente que, em relação ao consumidor, existirão situações em
que dificilmente conseguirá determinar, com exatidão, o respon­
sável pelos defeitos do produto, sabendo somente que adquiriu
de determinado comerciante um produto perecível, o qual, por
não estar no estado esperado, causou-lhe um dano. Ao mencio­
nar como exemplo um iogurte estragado ingerido pelo filho do
consumidor, Luiz Antonio Rizzato Nunes462afirma que, em casos
como esse, "não é tão simples determinar quando e onde ocor­
reu a deterioração do produto perecível".
Resta evidente que essa seria uma hipótese em que a fixação
da legitimidade passiva somente poderá ser clarificada com a
produção da prova pericial, pela qual se descobrirá, afinal, se o
comerciante teve os cuidados necessários na conservação dos
produtos perecíveis. Caso a prova técnica a ser produzida indi­
que que o defeito do produto nada teve que ver com a conser­
vação deste pelo comerciante, não haverá qualquer responsabi­
lidade em ressarcir o consumidor, considerando até mesmo sua
ilegitimidade passiva para figurar na demanda judicial. O con­
sumidor, nesse caso, ingressaria com o processo contra os sujei­

4&'José Geraldo Brito Filomeno, Código de Defesa do Consumidor comentado


pelos autores do anteprojeto, cit., p. 169.
462Cf. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 176, em
complemento: "Ora, e como fica o consumidor, que teve o filho intoxicado,
com graves problemas de saúde, e sofreu enorme prejuízo financeiro?".

415
tos que participaram da cadeia de produção do produto, forman­
do um litisconsórcio alternativo em razão da dificuldade em
aferir, no início da demanda, a responsabilidade ou não_e
conseqüentemente sua legitimidade — do comerciante.
Outro exemplo, dado por Cândido Rangel Dinamarco463,
refere-se a pessoa que

"haja participado de negócio, sem ficar claro a ela própria


se o fez em nome próprio, ou como representante de outrem.
Se for o caso de vir a juízo poderá ela comparecer em litis-
consórcio com o possível representado, postulando um
provimento de mérito a favor de um ou de outro deles; se
for o caso de mover-lhe ação, poderá o adversário deman­
dar a quem negociou e ao seu possível representado, para
que um deles seja atingido pelo julgamento do mérito e o
outro, considerado parte ilegítima (litisconsórcio alternativo
passivo)".

Aos exemplos dados pelo processualista paulista poderiam


ser acrescidos outros, o que, entretanto, não se faz necessário,
por serem suficientes os apresentados para a visualização de
algumas hipóteses em que teria cabimento o litisconsórcio alter­
nativo. O fenômeno processual sugerido somente passa a fazer
sentido no momento em que se percebe nem sempre ser a ques­
tão da legitimidade — ativa ou passiva — facilmente resolvida
antes da propositura da demanda judicial, o que resta claro so­
mente após a produção de provas. Nesses casos, em que exista
uma dúvida fundada a respeito da legitimidade, permitir-se-ia à
parte a formação de um litisconsórcio mesmo que se saiba que
nem todos os sujeitos participantes do processo deveriam estar
ali; o problema seria, justamente, determinar quem deveria e
quem não deveria participar da relação jurídica processual.
Existirá, claro, problema a ser resolvido no tocante à con­
denação nas verbas de sucumbência com relação à parte tida

463 Cf. Litisconsórcio, cit., p. 395.

416
1

por ilegítima ao final do processo. Quem deverá arcar com tais


verbas? O sujeito que não deveria ter sido parte no processo ou
aquele que inclui o sujeito que não tinha legitimidade? Parece
ser mais correto aplicar-se ao caso a regra da causalidade, pela
qual deverá responder pelas verbas de sucumbência aquele que
deu causa à demanda464. Ao ser demonstrado que a dúvida
surgida quanto à legitimidade não é de nenhuma responsabili­
dade do sujeito que venha a ser considerado parte ilegítima,
não haverá qualquer razão para arcar com as verbas de sucum­
bência. Esse seria mais um problema a ser enfrentado pelo
demandante.
Independentemente desse problema, o instituto do litiscon­
sórcio alternativo gera uma nova e evidente utilidade para ação
probatória autônoma com a função de demonstrar, mais clara­
mente, que sujeito tem legitimidade para participar da relação
jurídica processual. Ainda que o problema de indefinição quan­
to à legitimidade repita-se na ação probatória autônoma, é
inegável que os transtornos criados por tal instituto serão de
menor monta em um processo que tenha como único e exclu­
sivo objetivo a produção de prova que indique a legitimidade.
Ao invés de forçar uma parte ilegítima a participar de todo o
processo de conhecimento, com a demora e os custos típicos de
tal espécie de processo, a participação desse sujeito ficaria limi­
tada a um processo judicial bem mais simples, rápido e barato,
em manifesto benefício ao sistema processual.

464Ovídio A. Baptista da Silva (Responsabilidade pela sucumbência no Código


de Processo Civil. Revista do Advogado/ São Paulo: AASP, n. 40, p. 56)
afirma que, "segundo este sistema, o litigante somente suportará o paga­
mento das despesas processuais feitas pelos adversários quando houver dado
causa à demanda, em virtude de alguma forma de comportamento injusti­
ficado, antes da propositura da ação, ou no curso do processo". E conclui:
"sendo a jurisdição um serviço público como qualquer outro, aqueles que
o procuram deverão arcar com as despesas correspondentes, a não ser nos
casos em que o sucumbente tenha agido com dolo ou culpa, ou tenha-se
comportado temerariamente no curso da causa, de modo que se deva re­
conhecer em sua conduta algum tipo de abuso do direito de demandar".

417
Cumpre registrar que, nos países em que se adota o institu­
to das diligencias preliminares/ como Espanha, Argentina, Uru­
guai, Chile e Bolívia, existe uma hipótese de cabimento especí­
fica concernente à fixação da legitimação do pólo ativo e pas­
sivo — cada qual com suas particularidades —, como forma de
permitir ao autor o ingresso do "processo principal" somente
contra sujeitos legitimados. Realça-se, nesse caso, a função
primordial desse instituto: preparar a futura demanda judicial
de modo a evitar os percalços de ingresso de demanda judicial
contra parte ilegítima, ainda que em litisconsórcio com a parte
legitimada. Prepara, portanto, um processo formalmente regular
no tocante aos seus elementos subjetivos.
Na Espanha, a previsão se encontra no art. 256, 1ü, da LEC;
na Argentina, no art. 323, 1, do CPCCN; no Uruguai, nos arts.
306, 1, e 309, 1, do CGP; no Chile, no art. 273 do CPC, e, na
Bolívia, no art. 319,1, do CPC. Apesar da fonte comum, existem
algumas diferenças entre as disposições legais mencionadas que
fazem necessária uma análise individualizada dos diferentes
ordenamentos.
O art. 256, 1Q, da LEC da Espanha encontra-se assim redi-
gido:

"Por petición de que la persona a quien se dirigiria la de­


manda declare, bajo juramento o promesa de decir verdad,
sobre algún hecho relativo a su capacidad, representación
o legitimación, cuyo conocimiento sea necesario para el
pleito, o exhiba los documentos en los que conste dicha
capacidad, representación o legitimación".

Da literal idade do texto, é possível perceber uma restrição


do âmbito de aplicação do instituto, porquanto somente a ques­
tão referente ao pólo passivo da demanda poderá ser objeto de
esclarecimento anterior à propositura da demanda por meio das
diligencias preliminares.
Apesar da restrição suscitada, o dispositivo permite o escla­
recimento a respeito de diferentes aspectos do réu e não somen­
te da legitimação, fenômeno tratado no presente tópico. Assim,

418
será possível o ingresso de diligencias preliminares para verificar
a capacidade jurídica do sujeito, que se confunde com sua
capacidade de ser parte, aspecto do fenômeno que efetivamen­
te importa ao processo judicial. Essa demanda dificilmente será
proposta contra pessoa física, que adquire a capacidade de ser
parte com a concepção e perde-a com a morte, sendo mais
factível imaginarem-se hipóteses envolvendo pessoas jurídi­
cas465. Há também a possibilidade de ingresso de diligencia
preliminar para a verificação da capacidade de estar em juízo
do sujeito, a significar sua capacidade de praticar atos proces­
suais validamente sem que para isso seja assistido ou represen­
tado.
Quanto à representação, a melhor doutrina entende que a
finalidade da diligencia preliminar é descobrir se o sujeito que
participou da relação de direito material que será o objeto do
futuro processo o fez como representante de um incapaz, de
uma sociedade, ou ainda representante civil de qualquer outra
pessoa ou entidade. Essa verificação se fará necessária para que
o autor saiba, com exatidão, a quem atribuir as conseqüências
de seus atos, a ele mesmo ou ao sujeito representado; isso sig­
nifica dizer que a diligencia preliminar terá, ao fim e ao cabo,
auxiliado o autor a determinar qual sujeito deverá ser a parte
legítima da ação judicial. Apesar de a lei mencionar a represen­
tação, trata-se, na verdade, de hipótese em que a descoberta de
tal representação influirá na determinação do sujeito que deve­
rá compor o pólo passivo da demanda466.
Finalmente, essa espécie de diligencia preliminar tem o
condão de estabelecer a legitimidade do sujeito para figurar no
pólo passivo e abrange, segundo a doutrina, as mais diversas
situações em que exista uma dúvida fundada a respeito dessa
condição da ação467. A verificar-se a dúvida fundada a respeito

465Julio Banacloche Palao, Las diligencias preliminares, cit., p. 74.


466Julio Banacloche Pàlao, Las diligencias preliminares, cit., p. 74-75.
467Ignácio Diéz-Picazo Gimenez, Derecho procesal civil/ cit., p. 229: "A través
de esta diligencia el solicitante puede pretender averiguar, por ejemplo, si

419
de qual sujeito é efetivamente o legitimado a compor o pólo
passivo, condição sine qua non para que seja admitida essa di­
ligencia preliminar4™, abrir-se-á à parte a oportunidade de veri­
ficar perante o suposto legitimado se é efetivamente ele quem
deverá compor o pólo passivo da demanda; é também possível
que, em caso de dúvida entre dois ou mais sujeitos, chamem-se
todos a juízo para obter tal esclarecimento, em fenômeno mui­
to próximo do litisconsórcio alternativo ora analisado.
O ponto peculiar do direito espanhol é que este admite a
confissão nessa diligencia preliminar, o que não se admite, con­
forme já visto, nas ações probatórias autônomas do direito bra-
sileiro469. De qualquer forma, é interessante perceber que o
procedimento dessa diligencia preliminar consistirá na oitiva do
demandado — pela qual será possível a obtenção da confissão
— ou na exibição de documento que demonstre qual sujeito
deverá compor o pólo passivo da demanda. Como se percebe,
são procedimentos plenamente compatíveis — exceto a figura
da confissão — ao direito brasileiro, no qual, além da prova oral
e documental, parece ser possível também a prova pericial, in­
clusive em hipótese como a já analisada, a respeito de produtos
perecíveis que causem dano ao consumidor.
O art. 323, 1, do CPCCN argentino dispõe: "Que la perso-
na contra quien se proponga dirigir la demanda preste declara-

una persona tiene la condición de sucesor de otra, si es con la que contra­


to, o si una persona es el representante legal de una persona jurídica". Julio
Banacloche Pàlao, Las diligencias preliminares/ cit., p. 75: "... imaginemos
la importancia que esto puede tener para obtener información sobre suce-
siones, contratos privados que modifiquen el régimen de responsabilidades,
títulos cuya existencia no consta, etc.".
468Vicente Cimeno Sendra, Derecho procesal civil, cit., p. 271-272.
469Cumpre registrar que a doutrina espanhola, apesar de admitir a verificação
da ficta confessio, assevera ser possível que, no processo principal, a pre­
sunção seja afastada: Arturo Alvarez Alarcón, Las diligencias preliminares
en el proceso civil, cit., p. 161-162; Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, De­
recho procesal civil, cit., p. 608; Julio Banacloche Palao, Las diligencias
preliminares, cit., p. 200.

4^0
!
ción jurada, por escrito y dentro del plazo que fije el Juez, sobre
algún hecho relativo a su personalidad, sin cuya comprobación
po pueda entrarse en juicio". A redação do dispositivo legal
segue a antiga redação da legislação espanhola ao apontar para
direitos relativos à personalidade; não resta dúvida, entretanto,
de que estão incluídos os direitos relativos à capacidade, à re­
presentação e em especial à legitimação470.
A legislação argentina é mais restrita que a espanhola a
respeito do procedimento a ser adotado nessa espécie de dili­
gencia preliminar, considerando que não há qualquer menção
à possibilidade de exibição de documentos que possam auxiliar
na fixação da legitimação passiva. Segundo a redação do dispo­
sitivo legal ora analisado, somente haverá espaço para a mani­
festação do demandado, que deverá ser feita por escrito por meio
de declaração juramentada. A restrição não é tão absoluta quan­
to parece, ao menos no tocante à forma de manifestação do
demandado, já que existem províncias argentinas que permitem
a oitiva do demandado em audiência, como previsto no art. 489
da lei n. 8.465/95 (Código de Procedimientos de la Província
de Córdoba).
Há dois aspectos interessantes a serem analisados nessa
espécie de diligencia preliminar no direito argentino. Em primei­
ro lugar, as conseqüências da ausência de resposta por parte do
demandado ou ainda da verificação de respostas evasivas que,
na verdade, nada esclarecem. Segundo a previsão do art. 324
do CPCCN, tal atitude do demandado fará com que se tenha os
fatos consignados como verdadeiros, em nítida aplicação da
ficta confessio, admitida pela doutrina espanhola. O dispositivo
legal, entretanto, é bastante claro ao apontar que essa confissão

470Jaime A. Velert Frau, Diligencias preliminares y prueba anticipada, cit., p.


58-61; Lino Enrique Plalacio, Manual de derecho procesal civil, cit., p. 343;
Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal, cit., p. 220. Era esse tam­
bém o entendimento da doutrina espanhola à luz da antiga legislação,
muito similar com a Argentina: Arturo Alvarez Alarcón, Las diligencias pre­
liminares en el proceso civil, cit., p. 20-23.

421
poderá ser afastada em virtude de outras provas produzidas no
processo principal471.
Em segundo lugar, afirma a melhor doutrina que, no caso
de o demandado, maliciosamente, levar o demandante a crer
sobre sua legitimidade passiva e somente no processo principal
demonstrar que não tem a legitimidade exigida, apesar de o
processo ser extinto sem o julgamento de mérito, o demandado
será condenado a pagar as verbas de sucumbência. Leva-se em
conta a regra da causalidade, considerando que o demandado
foi o responsável pela propositura equivocada em termos sub­
jetivos da demanda judicial472. Não será, entretanto, uma atitu­
de muito inteligente, porque, já demandado na diligencia pre-
liminar/ poderia perfeitamente demonstrar sua ilegitimidade
passiva, o que o dispensaria de compor o pólo passivo do pro­
cesso principal.
No processo uruguaio, a previsão legal geral a respeito da
diligencia preliminar ora analisada encontra-se no art. 306, 1,
do CGP: "determinar o completar la legitimación activa o pas­
siva de las partes en el futuro proceso". O art. 309, 1, do CPC,
especifica essa hipótese de diligencia preliminar e indica, inclu­
sive, seu procedimento. A literalidade do dispositivo legal de­
monstra sua maior amplitude subjetiva se for comparada com
as previsões legais constantes do ordenamento espanhol e ar­
gentino. A definição da legitimação não se limita ao pólo passi­
vo da demanda, pois também é admissível quando existir dúvi­
da a respeito do pólo ativo que deverá ser formado no futuro
processo judicial.
Diferentemente do direito argentino, o direito uruguaio
exige do autor uma indicação precisa de suas perguntas já na
petição inicial e prevê que a resposta ocorra por escrito; sempre

471Jaime A. Velert Frau, Diligencias preliminares y pruèba anticipada, cit., p.


63-64.
472Jaime A. Velert Frau, Diligencias preliminares y prueba anticipada, cit., p.
63.

422
[

que necessário, haverá a realização de uma audiência após a


apresentação da defesa escrita473.
De maneira mais clara do que no direito argentino, há
previsão expressa no art. 309, 1, do CGC, de que também ocor­
rerá a ficta confessio no caso de omissão nas respostas às ques­
tões elaboradas ou diante de respostas evasivas. A exemplo do
que ocorre no direito argentino, o dispositivo legal indica ex­
pressamente que a presunção gerada nas diligências prelimina­
res poderá ser afastada em razão de provas produzidas no
"processo principal" que indiquem a ilegitimidade passiva do
demandado. O grande mérito do dispositivo legal é prever ex­
pressamente que o juiz deve, nesse caso, se entender que a
demanda não teria existido se não tivesse ocorrido a confissão
na diligência preliminar, impor ao demandado "las máximas
sanciones procesuales al demandado ganancioso", o que signi­
fica que será condenado por custas, despesas e honorários ad-
vocatícios474.
No Chile, o instituto é chamado de medida prejudicial,
prevista no art. 273, 1, do CPC: "Declaración jurada acerca de
algún hecho relativo a su capacidad para parecer en juicio, o a
su personería o al nombre y domicilio de sus representantes".
Percebe-se pela redação do dispositivo legal que há, no direito
chileno, apenas uma especialidade digna de nota. A medida
prejudicial — instituto similar às providências preliminares —

473EnriqueTarigo, Lecciones de derecho procesal civil, cit., p. 343: "La finalidad


de esta previsión es, precisamente, Ia de que la mera incomparecencia del
citado — futuro demandado — no haga absolutamente inútil la referida
diligencia preparatória".
474EnriqueTarigo, Lecciones de derecho procesal civil, cit., p. 344: "Si el tribu­
nal, entonces, estimara que el proceso principal no se hubiera iniciado a no
ser por esa circunstancia, podrá imponer al demandado, y a pesar de que
este haya triunfado, las máximas sanciones procesaíes, o sea el pago de
todos los gastos de un proceso que resulto absolutamente inútil y que no se
hubiera realizado de no haber adoptado el futuro demandado aquefla con-
ducta omisiva en el proceso preliminar al no comparecer, al no contestar o
al hacerlo en forma evasiva*'.

423
pode ser utilizada para descobrir o nome do demandado, o que
é mais específico que saber quem será, e também o domicílio
dos representantes do demandado.
Apesar de não se tratar de identidade plena do instituto das
diligências preliminares com a ação probatória autônoma suge­
rida, fica evidente que, nos países indicados, também existe a
dificuldade, em certas circunstâncias, de determinar a legitima­
ção dos sujeitos que deverão compor os pólos da relação jurí­
dica do "processo principal". Nesses países, a própria legislação
resolve o problema a prever um processo prévio para que as
dúvidas sejam afastadas e proponha-se o processo regular do
ponto de vista subjetivo.
Em conclusão, apesar de a sugerida ação probatória autô­
noma não afastar por completo a existência do litisconsórcio
alternativo, é bastante claro ser mais benéfico ao demandado,
que não é parte legítima, e, por conseqüência, também ao pró­
prio sistema processual participar de um processo bem mais
simples, barato e rápido, que tenha como objeto exclusivo a
prova de fatos que esclareçam a dúvida a respeito da legitimi­
dade. Manter-se-ia a figura do litisconsórcio alternativo na ação
probatória autônoma, mas o fenômeno se tornaria totalmente
dispensável no processo principal

6. CONCILIAÇÃO E M EDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL


Muito em razão da falência de nosso Poder Judiciário, que,
notadamente e por razões diversas, não consegue atender o
jurisdicionado de forma adequada475, a doutrina nacional vem,

475Quanto ao estado do Poder judiciário brasileiro, vale a pena consultar Ada


Pellegrini Grinover, A crise do Poder Judiciário. In: . O processo em
evolução. 2. ed. São Pâulo: Forense Universitária, 1998, p. 20-28; e )oei
Dias Figueira Júnior, Arbitragem/jurisdição e execução, cit., p. 105-113, a
indicar os meios alternativos de solução de conflitos como instrumento apto
a melhorar o atual quadro. Ressalte-se que o problema não é exclusivo do
direito brasileiro. Em Portugal, Carlos Manuel Ferreira da Silva (Arbitragem
e conciliação. Presente e futuro. A situação em Portugal. Revista de Proces-

424
I

cada vez com maior intensidade e entusiasmo, defendendo os


meios alternativos de solução de conflitos, fenômeno bastante
freqüente no direito norte-americano sob o nome de alternative
dispute resolutions47b. Não é somente o estado calamitoso de
nossa justiça que justifica a adoção de meios alternativos de
solução de conflitos; é inegável que, em determinadas situações,
esse meio de solução de conflitos, sem a litigiosidade própria
do processo judicial, mostra-se muito mais eficaz e saudável que
uma decisão imperativa do Poder Judiciário477.

50, São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 107, 2002, p. 204) reforça a impor­
tância da conciliação em razão da excessiva morosidade jurisdicional de­
vida ao número elevado de processos. No direito argentino, consultar
Gladys Stella Alvarez, La mediación y el acceso a justicia. Buenos Aires:
Rubinzal-Culzoni, 2003, p. 15-19, e Juan Carlos C. Dupuis, Mediación y
conciliación. 2. ed. Buenos Aires: Abe ledo-Perrot, 2001, p. 15-19.
47fiSalvador Torres Escámez (La mediación como sistema de solución de con-
flictos: una perspectiva notarial. In: La reforma de la justicia preventiva.
Madrid: Thomson Civitas, 2004, p. 319-320), após afirmar que a mediação
está na moda, defende que, entre os meios alternativos de solução de con­
flitos, "el más interesante y el que cuenta con más posibilidades de acali-
matación entre nosostros es el de la mediación../'.
477José Carlos Barbosa Moreira, Miradas sobre o processo civil contemporâneo.
In:______. Temas de direito processual. Sexta série. São Raulo: Saraiva, 1997,
p. 50-51: "Por esses caminhos poderia chegar-se mais depressa e com me­
nores gastos à composição do conflito, em termos — acrescenta-se — de
melhor adequação que a sentença do juiz a não poucas hipóteses, notada-
mente àquelas em que se defrontam pessoas compelidas pelas circunstâncias
a continuar, não obstante o litígio e mesmo depois dele, convivendo em
família, no local da residência ou no ambiente profissional". A apontar os
litígios envolvendo vizinhos, Humberto Dalla Bernardina De Pinho, Meca­
nismos alternativos de solução de conflitos: algumas considerações intro­
dutórias. Revista Dialética de Direito Processual/ São Paulo: Dialética, n. 17,
2004, p. 10. Roberto Portugal Bacellar, A mediação no contexto dos mode­
los consensuais de resolução de conflitos. Revista de Processo/ São Paulo,
Revista dos Tribunais, n. 95, 1999, p. 129: "... a mediação se afigura reco­
mendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de
amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhista,
entre outras. Como a mediação-preserva as relações, os demais vínculos
não se interromperei» e continuam a se desenvolver com naturalidade".

425
1

Dos institutos previstos como forma de solução de conflitos


sem a interferência do Poder Judiciário, interessam ao presente
trabalho, com maior intensidade, a conciliação e a mediação
ambas institutos que pretendem a solução do conflito por meio
de negociação entre as partes envolvidas.
Antes de analisar tais instrumentos alternativos de solução
de conflitos, impõe-se fazer algumas observações. Existe uma
diferença básica entre a mediação e a conciliação, embora os
dois institutos tenham a mesma finalidade: obter uma autocom-
posição entre as partes e, com isso, solucionar o conflito de
interesses. A atividade exercida pelo responsável por uma e
outra, entretanto, as diferencia. O conciliador tem papel menos
incisivo, mais distante e apaziguador, pois, simplesmente, mo­
nitora os debates na busca da solução do conflito, enquanto do
mediador se espera uma postura mais ativa e incisiva, inclusive
ao opinar a respeito do litígio e ao expor às partes o que enten­
de mais justo como solução e assim encaminhá-las à celebração
do acordo.
Conforme se lê da Exposição de Motivos do Projeto de Lei
sobre a mediação,

"conciliação e mediação distinguem-se porque, na primei­


ra, o conciliador, após ouvir os contendores, sugere a solu­
ção consensual do litígio, enquanto na segunda o mediador
trabalha mais o conflito, fazendo com que os interessados
descubram as suas causas, removam-nas e cheguem, assim,
por si sós, à prevenção ou à solução da controvérsia"478.

Consulte-se também Mauro Cappelletti, Os métodos alternativos de solução


de conflitos no quadro do movimento de acesso à justiça. Revista de Pro­
cesso, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 74, 1994, p. 90-91.
478Cf. Ada Pellegrini Grinover, Projeto de lei sobre a mediação e outros meios
de pacificação. In: O processo — Estudos e pareceres. São Paulo: DPJ, 2005,
p. 610. Consulte-se também Fernando da Fonseca Gajardoni, Técnicas de
aceleração do processo. São Raulo: Lemos e Cruz, 2003, p. 106, nota 229.
Joel Dias Figueira Júnior (Arbitragem, jurisdição e execução, cit., p. 131) tem
entendimento contrário: "Naquela, o mediador tenta aproximar os litb

426
í

Ainda que se reconheça essa diferença entre a conduta do


conciliador e a do mediador ■ — o que, inclusive, nem sempre
ocorre na prática, pois há conciliadores que parecem mediado­
res e vice-versa, sem nenhum prejuízo se o acordo for obti­
do —, é possível seu tratamento conjunto em virtude da identi­
dade de sua finalidade: obter a autocomposição. Conforme já
foi afirmado, os meios alternativos de solução de conflitos pas­
saram, de tempos para cá, a despertar maior interesse na dou­
trina nacional, a acompanhar tendência originária do direito dos
países da família da com m om law, que já levou alguns países
da família da civil law a adotarem, em suas legislações proces­
suais, uma fase de conciliação ou mediação479.

gantes promovendo o diálogo entre eles a fim de que as próprias partes


encontrem a solução e ponham termo ao litígio. Funda-se a técnica aos li­
mites estreitos da aproximação dos contendores. Diversamente, na conci­
liação, o terceiro imparcial chamado a mediar o conflito, conciliador, não
só aproxima as partes como realiza atividades de controle das negociações,
aparando as arestas porventura existentes, formulando propostas, apontan­
do as vantagens ou desvantagens, buscando sempre facilitar e alcançar a
autocomposição". No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara, Concilia­
ção e mediação no processo civil brasileiro — Estado da questão. Revista
Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 22, 2005, p. 10;
Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Mecanismos alternativos de solução
de conflitos: algumas considerações introdutórias, cit., p. 11.
479Na Argentina, a mediação é bastante incentivada e regulada por leis espe­
cíficas para esse fim (Ley n. 24.573195; Decreto n. 91/98 e Ley n. 25.488/01).
Roger Perrot, O processo civil francês na véspera do século XXI. Revista de
Processo, São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 91, 1998, p. 210: "Através da
'conciliação' e da 'mediação', vê-se aparecer uma sorte de Justiça consen­
sual. Neste instante, ela goza de todos os favores do legislador francês, que
nela enxerga um meio de aliviar os tribunais e de tornar mais humana a
justiça". A respeito da adoção dos meios alternativos de solução de confli­
tos pela União Européia, consulte-se Guido Alpa. Riti alternativi e techniche
di risoluzione stragiudiziale delle controversie — Diritto civile. Revista de
Processo/ São Pâulo: Revista dos Tribunais, n. 89, 1998, p. 139-142. Sobre
o tema, consulte-se também Teresa Iranzo Roura. Evolución del arbitraje y
ADR en el mundo. Anuário Justicia Alternativa, Barcelona: Bosch, n. 4, 2003,
p. 277-278, e Mauro Cappelletti, Os métodos alternativos de solução de
conflitos no quadro do movimento de acesso à justiça, cit., p. 90-95. •*

427
É inclusive esse o espírito do Código Procesal Civil modelo
para Iberoamérica, que, em seu art. 263, exige que, previamen­
te a qualquer processo, com as exceções previstas no artigo
seguinte, o futuro autor peça a designação de uma audiência
para tentar a conciliação com o futuro réu. O direito brasileiro
não fica atrás, pois já há proposta legislativa elaborada pelo
Instituto de Direito Processual Brasileiro para modificação do
Código de Processo Civil com a inclusão de uma fase prévia de
mediação, obrigatória nos processos já instaurados e facultativa
quando prévia à demanda judicial (P1C 94/2003).
A doutrina aponta algumas vantagens da adoção dos meios
alternativos de solução de conflitos — entre eles, naturalmente,
a conciliação e a mediação; é interessante, para os fins do pre­
sente trabalho, comentar, ainda que brevemente, algumas das
apontadas vantagens.
O Estado brasileiro sempre ostentou a titularidade quase
exclusiva para a solução dos conflitos, sendo sempre bastante
raro que essa sol ução ocorra fora do âmbito do Poder Judiciário.
O advento dos meios alternativos de solução dos conflitos, en­
tretanto, não conflita com o poder estatal; na verdade, fortale-
ce-o. O raciocínio é simples: ao retirarem-se do âmbito do Poder
Judiciário litígios com menor grau de complexidade, que, com
proveito, poderiam ser resolvidos por uma autocomposição das
partes ou arbitragem, o volume de trabalho do Poder Judiciário
proporcionará uma prestação jurisdicional de melhor qualidade,
por aliviar-se a desumana carga de trabalho enfrentada pelos
juizes e servidores públicos atualmente480.

480 Alexandre Freitas Câmara, Arbitragem/ cit., p. 2-3. Fernando da Fonseca


Gajardoni (Técnicas de aceleração do processo, cit., p. 104-105) traça in­
teressante caminho inverso. Afirma que os mecanismos alternativos de so­
lução de conflitos só se tornarão atrativos às partes a partir do momento em
que o Poder Judiciário prestar uma tutela de boa qualidade e deixar de
oferecer às partes um processo moroso e complexo, abrigo seguro para
aqueles que não têm qualquer direito e só pretendem postergar a solução
dos conflitos. Esses, sabendo que não poderão se esconder atrás de um
processo lentd e moroso, terão mais motivos para buscar a solução do
conflito por meios alternativos.

428
A otimização no uso dos meios alternativos de solução dos
conflitos faria com que o Poder Judiciário se reservasse a solu­
cionar demandas que envolvam direitos indisponíveis e outras
em que se mostrasse inviável, no caso concreto, obter solução
sem a intervenção estatal. A partir do momento em que reservas­
se suas atividades a um número menor de demandas, nas quais
a intervenção do Poder Judiciário fizer-se realmente essencial,
terá condições de resolvê-las mais rapidamente, de modo a en­
tregar ao jurisdicionado uma tutela de melhor qualidade481.
Outro ponto benéfico dos meios alternativos de solução dos
conflitos destacado pela doutrina diz respeito aos altos custos
que um processo judicial envolve, o que não se verificaria nas
formas de autocomposição e de heterocomposição extrajudiciais.
Apesar de ser inegável que uma mediação ou uma conciliação
sejam menos onerosas que uma demanda judicial, é preciso
observar que a questão econômica nem sempre demonstra ser
mais benéfica a adoção de certos meios de solução de conflitos,
como ocorre com a arbitragem, que pode custar muito mais caro
às partes que um processo judicial. De qualquer forma, já que
a arbitragem não é objeto de análise nesse momento (limitada
à mediação e conciliação), a questão econômica mostra-se fator
favorável à adoção dessas formas de solução de conflito482.
É interessante notar que o aspecto econômico poderá tam­
bém se mostrar um fenômeno contrário à adoção desses meios
alternativos de solução de conflitos. Sabe-se que a parte mais
forte economicamente tem mais condições de esperar por tem­
po prolongado a solução de um processo judicial, que, em regra,

481Fernando da Fonseca Gajardoni, Técnicas de aceleração do processo, cit.,


p. 103-104; Celso Agrícola Barbi, O papel da conciliação como meio de
evitar o processo e de resolver conflitos. Revista de Processo/ São Paulo:
Revista dos Tribunais, n. 39, 1985, p. 121.
482Roger Perrot, O processo civil francês na véspera do século XXI, cit., p. 209;
Guido Alpa, Riti alternativi e techniche di risoluzione stragiudiziale delle
controversie — Diritto civile, cit., p. 139; Ramon Mullert, La justicia alter­
nativa (Alternative Dispute Resoluüon) en los Estados Unidos de NorteAmé­
rica. Anuário Justicia Alternativa, Barcelona: Bosch, n. 3, 2002, p. 52.

429
mostra-se mais sacrificante à parte, que, sem condições de arcar
com os custos de um processo muito longo, pode preferir um
acordo extrajudicial muito distante de suas pretensões, o que
não se mostra consentâneo com o direito, nem com a concepção
de que os meios alternativos de solução de conflitos seriam uma
forma de obter, em sua maior plenitude, a solução da lide so­
ciológica, conforme se verá a seguir483. Ainda que existam formas
de amparo ao economicamente frágil — benefícios da assistên­
cia judiciária —, é evidente ser o processo mais sacrificante para
a parte que tem menos condições econômicas e, por isso, pre­
cisa de uma solução mais rápida.
Também se aponta para o tempo de duração de um proces­
so judicial e de um meio alternativo de solução de conflitos, bem
como para as vantagens em evitar o demorado processo judicial
Infelizmente, é uma constatação empírica que o processo judicial
pode levar um tempo inacreditavelmente extenso, seja pela vas­
ta gama de instrumentos processuais à disposição das partes na
defesa de seus interesses, seja pela situação de penúria funcional
por que passa o Poder Judiciário. Além disso, em uma mediação
ou em uma conciliação, as formalidades processuais poderiam
ser afastadas, com ganhos em termos de rapidez na solução dos
conflitos. Por fim, registre-se que, nessas espécies de solução de
conflitos, não se justificariam medidas que objetivam atrasar a
solução final, o que, infelizmente, percebe-se com intensidade
maior do que o desejável nos processos judiciais.

483 Owen Fiss, Um novo processo civil — Estudos norte-americanos sobre ju­
risdição, constituição e sociedade. Trad. Daniel Porto Godinho da Silva e
Melina de Medeiros Rós. São Raulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 125, ao
falar sobre o pobre: "Segundo, pode necessitar, de imediato, da indenização
que pleiteia e, desse modo, ser induzida à celebração de um acordo como
forma de acelerar o pagamento, mesmo ciente de que receberá um valor
inferior ao que conseguiria se tivesse aguardado o julgamento. Todos os
autores de ações judiciais querem suas indenizações imediatamente, mas
um autor muito pobre pode ser explorado por um réu rico, pois sua neces­
sidade é tão grande que o réu pode compeli-lo a aceitar uma quantia infe­
rior àquela a que tem direjto".

430
9

Além disso, fala-se que o resultado de uma mediação ou


de uma conciliação gera pacificação social maior do que aque­
la gerada pela solução jurisdicional Uma solução que não seja
baseada na vitória de uma parte, o que acarretará, inexoravel­
mente, a derrota da outra, não trará a tão desejada pacificação
social, que poderá ser obtida, de maneira mais fácil, por meio
de uma solução em que nenhuma das partes sagre-se totalmen­
te vitoriosa ou derrotada. Estar-se-ia diante da solução da lide
sociológica, não meramente processual, com uma solução mais
global e satisfatória para as partes envolvidas no conflito484.
Nesse tocante, entretanto, é preciso fazer uma importante
ressalva. A solução da lide sociológica somente poderá ser ob­
tida eficazmente por meio da mediação ou da conciliação a
partir do momento em que a busca a esse tipo de solução seja
o resultado de uma opção livre das partes, não incentivadas pelo
estado caótico do Poder Judiciário. Explica-se: não é possível
acreditar que um sujeito, plenamente convencido de que tem o
direito material a receber 100, satisfaça-se com pacificação
social ao receber 10, em 5 prestações, somente porque sabe que,
apesar de ter direito a receber 100, não valerá a pena esperar
décadas por um caro e complexo processo judicial. Afirmar que
esse sujeito sai totalmente satisfeito da solução do conflito é, no
mínimo, uma visão ingênua, porque a autocomposição, nesse
exempo concreto, somente evitou o pior, no caso, o processo
judicial, em materialização do ditado popular muito conhecido,
segundo o qual "melhor um acordo ruim do que um bom pro­
cesso"485.

484Roberto Portugal Bacellar, A mediação no contexto dos-modelos consensuais


de resolução dos conflitos, cit., p. 128; Fernando da Fonseca Gajardonl,
Técnicas de aceleração do processo, cit., p. 107; Ada Pellegrini Grinover,
A crise do Poder Judiciário, cit., p. 22-23; Ramon Mullert, La justicia alter­
nativa (Alternative Dispute Resolution) en los Estados Unidos de NorteAmé-
rica/ cit./ p. 54.
485O termo é utilizado para indicar os benefícios da conciliação por Osvaldo
A. Gozaíni, Formas alternativas para la resolución de conflictos. Buenos
Aires: Depalma, 1995, p. 54.

431
Seja como for, apesar das ressalvas feitas, a conciliação e a
mediação — entre outras formas de solução alternativa de con­
flitos — mostram-se instrumentos de extrema importância no
âmbito de solução dos conflitos, de modo que é realmente uma
tendência mundial a otimização dessas diferentes técnicas de
apaziguar os ânimos das partes e, com isso, obter a tão almeja­
da pacificação social. O único cuidado que se precisa tomar é
não potencializar os benefícios possíveis na adoção desses novos
instrumentos de solução de conflitos, como se fossem capazes
de resolver todos os nossos problemas. São instrumentos impor­
tantes, que auxiliam tanto as partes como o próprio Poder Judi­
ciário na solução dos conflitos de interesses, mas, certamente,
não serão a resposta definitiva e absoluta para todos os problemas
enfrentados atualmente pelos sujeitos envolvidos em conflitos
de interesse486.
Mas qual é a relação da mediação e da conciliação com o
tema principal do presente trabalho, qual seja, a adoção de uma
ação judicial exclusivamente probatória? Em outras palavras:
como a existência de uma ação judicial probatória poderia gerar
algum tipo de influência na mediação ou na conciliação?
A conciliação não é instituto novo no ordenamento jurídi­
co brasileiro; tem-se notícia de que, já na Constituição do Im­
pério de 1824, existia a previsão de uma audiência extrajudicial
obrigatória com o propósito exclusivo de tentar a conciliação
entre as partes, conduzida pelos juizes de paz (arts. 161-162).
Com a proclamação da República, afastou-se a idéia de conci­
liação prévia obrigatória, embora a faculdade de uma concilia­

486 A observação já foi feita por José Carlos Barbosa Moreira, Breve noticia
sobre la conciliación en el proceso civil brasileno. In :______. Temas de
direito processual. São Raulo: Saraiva, 1994, p. 101 (quinta série). No direi­
to francês, tem a mesma opinião Roger Perrot (O processo civil francês na
véspera do século XXI, cit., p. 210): "Ê decerto bom que os textos ofereçam
às partes a oportunidade de conciliar-se. Mas é ilusório supor que tal orien­
tação dará remédio a todas as dificuldades da justiça moderna". Ver também
Osvaldo A. Gozaíni, Formas alternativas para la resolución de conflictos,
cit., p. 55.

432
ção prévia tenha influenciado leis de organização judiciária de
determinados estados da Federação. Atualmente, os juizados
especiais — tanto na esfera estadual como na federal — e a
Justiça do Trabalho, por meio da instituição das comissões de
conciliação prévia (Lei n. 9.958/2000), demonstram a preocu­
pação do legislador pátrio com a conciliação. Mesmo o Código
de Processo Civil, além de prever a tentativa de conciliação nas
audiências preliminar (art. 331, CPC) e de instrução e julgamen­
to (art. 447), prevê que o juiz poderá, a qualquer momento do
processo, tentar a conciliação entre as partes (art. 125, IV,
CPC).
Há, entretanto, alguns obstáculos à obtenção da conciliação
judicial, em especial quando for comandada por juizes de di­
reito — nos Juizados Especiais, as conciliações poderão ser
conduzidas por um conciliador, não necessariamente um juiz
de direito. Em primeiro lugar, aponta-se para o despreparo dos
juizes a conduzir a conciliação, pois esses profissionais estão
acostumados a decidir, não a conciliar. De fato, não se pode
supor que um bom juiz seja também um bom conciliador, por­
que a atividade jurisdicional, tradicionalmente, não exige do
magistrado esse verdadeiro dom que é colocar-se como terceiro
diante de um conflito não para decidi-lo imperativamente, mas
para conduzir as partes a alguma espécie de acordo que coloque
fim ao conflito. As faculdades de direito pouco — ou nada — pre-
ocupam-se em preparar seus profissionais para a conciliação, já
que todo o ensino jurídico é voltado ao conflito, o que certa­
mente afetará a conduta dos profissionais que se tornam juizes
de direito.
Além disso, há sempre o fantasma do pré-julgarnento a
acompanhar os juizes no momento da conciliação. Como de­
verá o magistrado proceder para não deixar transparecer suas
posições particulares diante do conflito? Como poderá participar
ativamente desse momento processual, com efetiva indicação
às partes de prós e contras a respeito da conciliação sem ao
menos sinalizar qual decisão parece-lhe a mais adequada na-
•quele momento? O receio de que percam sua necessária e im­
prescindível imparcialidade pode levar os magistrados a uma

433
distância muito grande das questões envolvidas no litígio, o que
representará, em grande medida, uma frustração em obter a
conciliação.
Outro problema é que uma conciliação bem feita demanda
trabalho e, dependendo do caso concreto, toma certo tempo até
que seja obtida a autocomposição. É evidente que o juiz, para
tentar, efetivamente, uma conciliação, deve ter pleno conheci­
mento das alegações das partes e conhecer detalhadamente o
conflito que é posto à sua apreciação. Para isso, há a necessida­
de de leitura prévia do processo, o que nem sempre é possível
em razão do absurdo volume de trabalho487. Ainda, a tentativa
de conciliação demanda um tempo por vezes longo, algo im­
pensável diante da calamitosa situação vivida no Poder Judiciá­
rio, em que audiências — que, invariavelmente, atrasam — são
designadas com intervalos de 15 a 30 minutos. Uma tentativa
efetiva de conciliação não poderia ficar atrelada a tão curto
lapso temporal488.
Há, entretanto, um ponto que não mereceu a devida aten­
ção da doutrina especializada e que afetará tanto os juizes,
terceiros, como as próprias partes na tentativa de uma concilia­
ção: a indefinição fática a respeito do conflito. E verdade que,
em muitas hipóteses, a parte sabe exatamente como ocorreram
os fatos, embora não esteja disposta a reconhecer isso em juízo;
mas não são desprezíveis as hipóteses em que as próprias partes
não são aptas a conhecer, com a devida precisão, os fatos en­
volvidos no litígio, o que somente se tornará possível após a
produção da prova. A incerteza fática é, certamente, um obstá­
culo para que se obtenha a conciliação, porque as partes difi­

487Luiz FernandoTomási Keppen, Novos momentos da tentativa de conciliação


e sua técnica. Revista de Processo, São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 84,
1996, p. 50-51.
488Roberto Portugal Bacellar, Juizados especiais — A nova mediação parapro-
cessual. São Raulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 200: "O mediador não
pode ter pressa e mesmo que esteja com pressa não pode demonstrar. Não
temos certeza de que a pressa é inimiga da perfeição, mas podemos certa­
mente afirmar que a pressa é inimiga da mediação".

434
cilmente aceitarão abrir mão de algum direito que imaginam ter
sem uma definição, mínima que seja, da situação fática.
Dessa forma, uma ação probatória autônoma poderia mos­
trar às partes e ao próprio juiz — ou a qualquer outro terceiro
que fique incumbido de conduzir a conciliação ou mediação
— um quadro mais próximo ao da realidade e determinar, de
maneira mais ciara, quais são, efetivamente, os direitos de cada
parte. Apesar de não haver ainda qualquer decisão a respeito do
conflito, parece ser inegável que, quanto mais subsídios fáticos
existirem no momento da conciliação, maior será a chance de
obtê-la. Uma perícia contábil poderá indicar às partes, com
relativa precisão, qual o valor efetivamente devido, o que, cer­
tamente, contribuirá para a realização de uma autocomposição.
O mesmo ocorre com uma perícia médica, em que restem com­
provadas não só a responsabilidade como também a extensão
dos danos. Na verdade, qualquer prova, em geral, e a perícia,
em especial, proporcionam às partes um conhecimento que
poderá otimizar a realização frutífera de conciliações e de me­
diações.
Esse aspecto da prova não passou despercebido por Osval­
do A. Gozaíni, que, enfrentando o tema à luz do direito argen­
tino, desloca o enfoque de análise da prova do convencimento
do juiz para o das partes — em especial a parte contrária — como
função da prova489. Aponta o processualista argentino que a
produção prévia das provas coloca as partes diante de uma
identificação mais clara da situação fática, o que poderá otimi­
zar a realização de um acordo, de modo a evitar o processo.
Nesse aspecto, a prova é encarada como forma de dissuadir as
partes de ingressarem com o processo judicial, ao afirmar que

489Osvaldo A. Gozaíni. Formas alternativas para la resolución de conflictos/


cit., p. 349: "Siri embargo, porque no pensar en que la finalidad probatória
tiene también como destino persuadir a otro de la razón de nuestras posi­
ciones. Si aquél no fuese aun adversário, ni tuviese ante si la eventualidad
concreta de una demanda judicial, es posible que mediante la prueba acu­
mulada antes del proceso y fuera de él, pudiera conseguir un argumento
suficiente para revertir la crisis y lograrjjn acuerdo extrajudicial".

435
"la tesis que propiciamos consiste en utilizar la prueba como
mecanismo suasorio de las partes, que debe ventilarse en una
etapa anterior al proceso, y en el marco de una negociación
profesional que profundice los acercamientos más que las dife­
rencias de intereses"490.
É interessante também lembrar o neutral expert factfinding
do direito norte-americano, instituto elencado entre as formas
alternativas de solução do conflito. Por esse sistema, as partes,
cientes da importância da prova pericial para o destino de suas
pretensões, indicam um perito para que se defina a atuação pro­
batória antes mesmo do processo, o que proporcionará a elas
uma melhor definição do plano fático. O pronunciamento pericial
poderá ou não ser vinculativo ao juiz de eventual e futura de­
manda, o que depende dos termos do acordo celebrado entre as
partes, mas a prova técnica produzida poderá sempre ser utiliza­
da pelo juiz durante a formação de seu convencimento no pro­
cesso judicial. E um sistema interessante, porque realça, de
maneira bastante clara, a importância da prova técnica no tocan­
te às pretensões das partes, de modo a possibilitar sua produção
antes mesmo do início do processo, o que certamente funciona­
rá como agente otimizador da realização de acordos491.

,90Cf. Formas alternativas para la resolución de confiictos, cit., p. 351.


491Osvaldo A. Goza in i, Formas alternativas para la resolución de confiictos/
cit., p. 320-321; Juan Carlos G. Dupuis, Resolución de confiictos: distintas
alternativas, cit., p. 31-32; David C. Elliott, A sudden outbreak ofcommon
sense. Disponível em: <http://www.davidelliott.ca/papers/052.htmjitneutral>.
Acesso em: 6 jan. 2006: "In cases involving complex scientific, sociological,
technical, economic, business or workplace issues, some parties ask an
impartial technical expert to examine and evaluate the disputed facts and
key issues, and provide a non-binding report to both of the parties about
how the issue should be resolved in some cases, the parties agree either
before or after the report has been issued that the report will be bindingin:
sophisticated technical disputes, a process such as this can save the parties
considerable time and expense by avoiding a "battle of the experts". A
variation of this process is a 'round-table of experts', where expert wit-
nesses for the parties come together and attempt to find agreement on the
technical interpretation of the facts". Consulte-se também Vem R. Walker,

436
Não por outra razão, em recentíssima reforma do CPC ita­
liano, passou-se a prever a hipótese de uma perícia prévia com
o fito exclusivo de potencializar a possibilidade de um acordo
entre as partes. A previsão do art. 696 bis, do CPC, afasta a ne­
cessidade de qualquer periculum in mora para que se realize
essa prova pericial prévia, que tem como fundo a preocupação
do legislador italiano com a economia processual, ao apontar
para uma maior probabilidade de conciliação e, conseqüente­
mente, de final do litígio, quando já se definir, por meio de uma
prova pericial, a situação fática a envolver os litigantes492.
A modificação legislativa foi fruto da Comissão Vaccarella,
formada em julho de 2002, com o objetivo de propor um novo
CPC. Na exposição de motivos do dispositivo legal atualmente
positivado, os reformistas deixam claro o objetivo de permitir a
produção de uma prova pericial antes de ser iniciado o proces­
so de conhecimento. Afirmam que a experiência mostra ser a
indefinição fática entre as partes responsável pelo ingresso do
processo, o que poderia ser evitado com uma melhor definição
dos fatos que as envolvem. A produção prévia de prova técnica

Epistemic and non-epistemic aspects of the factfinding process in law. Dis­


ponível em: <http://www.psljournal.com/archives/all/wallkerpaper.cfm>.
Acesso em: 6 jan. 2006.
492 Proto Pisaní. Verso a la residualità del processo a cognizione plena. Texto
gentilmente cedido pelo autor de palestra proferida nas Jornadas de Direito
Processual Civil, em novembro de 2005, em Brasília: "Sempre per il suo
interesse in funzione di economia processuale, è da ricordare la recente
introduzione in Itália di una nuova disposizione (art. 696 — bis) relativa alia
'consulenza técnica preventiva ai fini delia composizione delia lite'. Con
tale disposizione si prevede che, indipendentemente dalla sussitenza di
qualsiasi requisito di urgenza (di periculum in mora)/ possa essere richiesto,
prima derinizio delia causa di merito, 1'espletamento di una consulenza
técnica, in via preventiva ai fini delTaccertamento e delia relativa determi-
nazione dei crediti derivanti delia mancata o inesatta esecuzione di obbli-
gazioni contrattuali o da fatto illicito. E ciò anche e sopratutto alio scopo di
tentare la conciliazione delle parti (a tal fine è anche previsto che il verbale
di conciliazione è esente daII'imposta di registro)".

437
seria capaz, portanto, de evitar o processo, de modo a otimizar
a realização de transações493.
Registre-se que parcela da doutrina italiana, apesar de
aplaudir a modificação legislativa, critica-a pela timidez. Chiara
Besso, após exaustiva análise dos direitos francês e alemão, ao
apontar para a generalidade da ação autônoma probatória do
primeiro e das restrições constantes no segundo, lamenta que o
legislador italiano tenha preferido um dispositivo legal mais
restritivo, que limita à prova pericial a produção antecipada de
prova sem a necessidade de periculum in mora. Defende, com
acerto, que não há qualquer justificativa para tal limitação, de
modo a dever-se admitir a produção probatória antecipada por
qualquer meio de prova previsto na legislação processual494. Tem
razão o doutrinador italiano, porquanto a idéia de otimizar a
transação por meio da produção da prova existe em qualquer
meio de prova, ainda que, na hipótese de prova pericial, tal
circunstância mostre-se ainda mais clara.
No direito francês, no qual o art. 145 do CPC permite com
amplitude a produção antecipada de prova, a idéia de otimizar
a transação também se encontra presente495. O mesmo ocorre

493"L'esperienza mostra che, spesso, il contrasto fra le parti riguarda la quaes-


tio facti, di tal che, una volta effettuata Tistrattoria — e beninteso se non vi
sono ragioni di contestazione sul modo con cui 1'istruttoria si è svolta — la
controvérsia viene conciliata. Se, dunque, si riesce ad anticipare ta forma-
zione delia prova rispetto aíl'inÍzio del processo, le controversie caratteri-
zzate da un contrasto in punto di fatto presumibilmente non verranno
portate dinanzi al giudice".
494Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 12: "Essa viene piuttosto
da un lato a potenziare i procedimenti oggi vigenti di istruzione preventiva,
che si trasforma da istituto eccezionale, volto ad asicurare la prova in situ-
azioni di periculum in mora/ in autonomo procedimento probatorio volto
alia assunzione delia testimonianza, deILispezione giudiziale e delia con-
sulenza técnica — non piu mero accertamento técnico — prima del pro­
cesso di merito". No mesmo sentido, Edoardo F. Ricci (Verso un nuovo
processo civile. Rivista di Diritto Processuale/ 2003, p. 222) afirma que o
dispositivo legal será capaz de generalizar a produção prévia da prova.
495Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 94; Gérard Couchez,
Procédure civile, cit., p. 325.

43 8
no direito alemão, no qual, embora haja uma limitação no to­
cante ao meio de prova que poderá ser objeto da ação probató­
ria autônoma, linha seguida pelo direito italiano, também são
destacadas as melhores condições para uma transação como
justificativa para a adoção dessa espécie de demanda496.
Conclui-se que a adoção de uma ação probatória autônoma
conduzirá as partes a uma melhor definição quanto à situação
fática em que estão envolvidas, o que otimizará a ocorrência de
uma conciliação. A ação probatória autônoma, portanto, evita­
ria a demanda judicial, em nítido proveito da economia proces­
sual, e a levaria à obtenção mais perfeita da solução da lide
sociológica.

7. O PED ID O GENÉRICO DO ART. 286, II, DO CPC


Segundo o art. 286, caput, do CPC, "o pedido deve ser
certo ou determinado". Apesar das inúmeras reformas por que
passou o Código de Processo Civil no movimento conhecido
como minirreformas do estatuto processual, manteve-se, no dis­
positivo legal mencionado, a redação original de 1973, embora
seja absolutamente pacificado que onde se lê "ou" deve-se en­
tender "e"497. Isso significa que a certeza e a determinação não

496Chiara Besso (ia prova prima del processo/ cit., p. 106) indica doutrina
alemã crítica ao instituto: "II selbstãndiges Beweisverfahren non è però
andato esente da critiche, che si sono in particolare appuntate sulla scarsa
efficacia deflattiva delTistituto. Si sostiene che di fatto la gran parte degli
autonomi procedi menti probatori serve — como serviva prima il procedi­
mento di assicurazione delia prova — non a evitare, ma soltanto a prepa-
rarsi il processo. Ancora si afferma che in nome delia 'simplificazione' si è
in realtà aumentata la complessítà del processo: il selbstãndiges Beweisver­
fahren è giuridicamente complícato e alleggerisce l'ammiistrazione delia
giustizia solo se si realizza la speranza delia conclusione di un maggior
numero di conciliazioni e questo, comunque, al prezzo di un piú intenso
lavoro dei giudici e dei consulenti tecnici".
497Humberto Theodoro Jr., Curso de direito processual civil, cit., v. I, p. 332;
Cassio Scarpinella Bueno., Código de Processo Civil interpretado/ cit., p.
883; Emane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, cit., v. I,

439
são requisitos alternativos do pedido, mas sim cumulativos, já
que o autor deverá indicar tanto o gênero de sua pretensão — cer­
teza — como a quantidade da pretensão — determinação498.
O próprio art. 286, referido, abre exceção relativa às exi­
gências formais do pedido, ao admitir, nas hipóteses previstas
pelos três incisos do artigo ora comentado, o pedido genérico.
Por pedido genérico deve-se entender pedido indeterminado,
ou seja, pedido que não indica a quantidade de bem da vida
que o autor pretende obter, embora não se admita que o pedido
seja incerto. Conforme afirma José Joaquim Calmon de Passos499,
a indefinição do pedido genérico deve limitar-se ao quantum
debeatur/ já que é exigência incondicional do pedido a indica­
ção clara e precisa do an debeatur.
Ao presente estudo interessa o art. 286, II, do CPC, que
admite o pedido genérico "quando não for possível determinar,
de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito".
Essa hipótese de pedido genérico — certamente a mais freqüen­
te na praxe forense, ainda que, em alguns casos, de maneira
desvirtuada, como ocorre nos pedidos de dano moral — permi­
te ao autor, nas demandas em que busque uma reparação por
danos suportados pelo ato ou pelo fato ilícito, a indefinição a
respeito do valor pretendido a título de ressarcimento quando
não for possível tal indicação já na petição inicial em decorrên­
cia da impossibilidade de definir, nesse momento, as conse­
qüências de tal ato ou fato.
Cumpre fazer um importante registro a respeito do âmbito
de aplicação do dispositivo. Como bem apontado por Fredie
Didier Jr.500, "não há razão para se associar o dever de indenizar
somente aos atos ilícitos. Trata-se de um vício metodológico

p. 368; Fredie Didier Jr., "Considerações sobre o regramento do pedido no


CPC-73. In: Unhas mestras do processo civil/ cit., p. 253.
498Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v.
II, p. 120.
499Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 172.
500Comentários ao Código de Processo Civil, cit.,.p. 172.

440
assaz freqüente, que acaba por confundir o fato jurídico com o
seu efeito. É possível que atos lícitos tenham por eficácia, tam­
bém, o dever de indenizar". A conclusão acertada, portanto, é
de que o dispositivo legal aplica-se às ações de indenização
independentemente da causa de pedir estar fundamentada em
ato ou em fato ilícito.
O dispositivo legal é bastante claro ao exigir como requisi­
to permissivo da elaboração do pedido genérico a impossibili­
dade do autor em aferir, no momento em que propõe a ação, o
valor de sua pretensão; explicita também que essa impossibili­
dade deriva do fato de não ser possível precisar, nesse momen­
to processual, as conseqüências danosas do ato ou do fato
narrado na causa de pedir. A explicação, dada de forma unísso­
na pela doutrina que já enfrentou o tema, é que essa impossibi­
lidade decorre da circunstância de o ato ou o fato ainda gerar
efeitos danosos no momento em que a demanda é proposta, de
forma que, por não poder antever o futuro, será impossível ao
autor na petição inicia! indicar o valor total dos prejuízos supor­
tados.
Já que não é legítimo ou justo exigir do autor que aguarde
o momento em que o ato ou o fato tenha exaurido seus efeitos
para somente então ingressar com a demanda judicial, o orde­
namento processual permite o pedido genérico, reservando, no
mais das vezes, para uma posterior liquidação de sentença, a
indicação do quantum debeatur. Afirma-se que a necessidade
de proceder a uma liquidação de sentença ao final do processo
ocorrerá freqüentemente, porque não existe qualquer empecilho
para que o valor seja liquidado durante o próprio processo de
conhecimento501, o que, inclusive, à luz do princípio da econo­
mia processual, deverá ser buscado, sempre que possível

501 Cf. Considerações sobre o regramento do pedido no CPC-73, cit., p. 276-


277: "São inúmeros os exemplos: (a) atos lícitos da administração, como a
construção de um viaduto, podem gerar o dever de indenizar aos adminis­
trados que se prejudicaram e que não poderiam arcar sozinhos com o ônus
do benefício dè todos; (b) a legítima defesa e o exercício regular do direito

441
Já é clássico na doutrina nacional o exemplo da demanda
judicial em que não é possível aferir o valor dos danos causados
à vítima de um acidente automobilístico porque esta ainda se
encontra no hospital convalescendo. Na petição inicial, será
impossível ao autor apontar qual o valor dos gastos hospitalares,
porque não sabe quantos dias mais ficará internado, nem se
precisará de algum tipo de assistência médica ou de enfermeira
quando sair do hospital. O mesmo ocorre com eventuais lucros
cessantes, porque, no momento da propositura da demanda, o
autor não tem como calcular quantos dias ainda ficará afastado
de suas atividades laborais502.
É evidente que, nas estritas circunstâncias descritas, o dis­
positivo legal ora comentado é absolutamente perfeito e não
merece qualquer crítica. Como os fatos que determinarão o
valor do dano — ou ao menos alguns deles — somente se veri­
ficarão após a propositura da demanda, não há qualquer apli­
cabilidade da ação probatória autônoma prévia ao ingresso do
processo de conhecimento, por razões óbvias. O problema,
entretanto, não diz respeito à literalidade do dispositivo legal,
mas ao desvirtuamento que a praxe forense vem praticando, em
uma evidente e indevida extensão de seu âmbito de aplicação.
Vem-se percebendo, na praxe forense, que a admissão do
pedido genérico fundado no art. 286, inc. II, do CPC não se

são atos lícitos (art. 1.888 do CC — 2002), mas podem gerar o dever de
indenizar (art. 929 do CC — 2002); (c) danos causados pelas empresas
ferroviárias a quem não seja passageiro ou remetente de carga: o tráfego de
trem é ato lícito, mas se, p. ex., uma faísca que surja do contato das rodas
com os trilhos vier a provocar um incêndio em plantações marginais, esse
dano deverá ser ressarcido e não terá havido ato ilícito". Consulte-se também
Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil/ cit., v. I, p.
369.
502Valem-se desse exemplo Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito proces­
sual civil/ cit., v. I, p. 321; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil,
cit., v. II, p. 214; Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo
Civil, cit., p. 96; Carlos Alberto Carmona. Em torno da petição inicial. Revis­
ta de Processo/ São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 119, 2005, p. 22.

442
restringe às situações em que seja impossível ao autor indicar o
valor do dano e, por conseqüência, o quantum debeatur de sua
pretensão, mas também àquelas hipóteses em que, apesar de
possível, torna-se difícil ao autor comprovar o valor do dano ab
initio. Essa dificuldade — obviamente diferente da impossibili­
dade — decorre da necessidade de produção de uma prova
complexa, de natureza técnica, imprescindível para obter-se o
exato valor da pretensão. Perceba-se que, nesses casos, o ato ou
fato que compõe a causa de pedir já exauriu seus efeitos, mas,
para apontar, com precisão, os efeitos já gerados, faz-se impres­
cindível a realização de uma prova técnica. É notória a compla­
cência dos nossos juizes de primeiro grau em aceitar petições
iniciais nessas condições, ao remeterem à fase de instrução —
prova pericial — a apuração do quantum debeatur503.
Até se compreende a flexibilização perpetrada por nossos
tribunais. Por não ter outra forma de descobrir o valor de sua
pretensão que não por meio da produção de uma prova técnica,
o autor contrata um particular, que realiza referida prova — isso
quando tiver acesso a todos os dados necessários — e instrui sua
petição inicial com ela, indicando o valor obtido pelo técnico
como o valor de sua pretensão. Ocorre, porém, que a referida
prova não foi realizada sob o crivo do contraditório, de modo
que é praticamente certo que o réu a impugnará e exigirá que a
prova seja repetida em juízo, sob a forma pericial. Por ser pos­
sível essa nova produção, agora judiciai e protegida pelas ga­
rantias da ampla defesa e do contraditório, deverá o pedido do
réu ser admitido, sob pena de cerceamento de defesa e de anu­
lação do processo.
Ou seja, apesar de todo o tempo despendido pelo autor
extrajudicialmente, bem como os valores gastos para a realização

503Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v.


II, p. 120-121: "Mas, como na prática é às vezes muito difícil o encontro de
um valor preciso desde logo — sendo arriscado pedir a mais e sucumbir
parcialmente por não ter razão a tudo quanto pede, ou pedir a menos e não
poder depois obter tudo a que se tem direito — tal exigência não pode ser
rígida e os próprios tribunais não são radicais a esse respeito".

443
da prova técnica, esta será repetida em juízo, o que torna prati­
camente inútil todo o esforço do autor na indicação do valor do
dano que suportou. Em aplicação do princípio da economia
processual, admitir-se-á ao autor que, em vez de gastar tempo e
dinheiro com a produção da prova extrajudicial, que fatalmen­
te será desprezada em juízo, simplesmente elabore pedido ge­
nérico e remeta o debate a respeito do quantum debeatur para
a prova pericial a ser realizada durante a fase de instrução do
processo de conhecimento. Sob a perspectiva do autor, portan­
to, nada mais justo e correto que a flexibilização do disposto no
art. 286, II, do CPC.
Ocorre, entretanto, que, para o réu, a indefinição do pedi­
do dificulta seu exercício pleno de defesa, bem como em nada
o auxilia a decidir que postura adotar diante da pretensão do
autor. Caso saiba, de antemão, qual o valor da pretensão do
autor, será possível ao réu, ao menos, reconhecer juridicamente
o pedido daquele, ou, ainda melhor, preparar-se para fazer uma
proposta de acordo que coloque fim ao processo. Sem o valor
indicado na petição inicial, defender-se-á sem saber exatamen­
te qual é a pretensão do autor e somente conseguirá posicionar-
se a esse respeito após a realização da prova pericial.
Por estar ciente de que o pedido genérico dificulta a ativi­
dade de defesa do réu e mesmo a atividade jurisdicional, a
doutrina nacional, de forma uníssona, aponta para a excepcio-
nalidade dessa espécie de pedido, de modo a limitá-la estrita­
mente aos três incisos do art. 286 do CPC. Por se tratar de forma
excepcional de elaboração de pedido, os dispositivos legais
mencionados deverão ser interpretados restritivamente, o que
cria um óbice para a admissão do pedido genérico nas hipóteses
em que a aferição do valor não é impossível ao autor já na pe­
tição inicial, mas apenas dependente da produção de uma
prova técnica.
É justamente nessas circunstâncias que a ação probatória
autônoma teria grande serventia, ao exigir-se que o autor, antes
de ingressar com o processo de conhecimento, afira judicial­
mente o valor do dano que entende ter suportado, de modo a

444
permitir, na petição inicial, seja elaborado pedido certo e deter­
minado, como exige o art. 286, caput, do CPC. Com isso, estar-
se-ia respeitando a literalidade das excepcionais hipóteses em
que o pedido genérico é admitido, sem a necessidade de inter­
pretações extensivas que tenham como objetivo a proteção do
autor que precisa de prova técnica para indicar o valor do
dano.
Além disso, a produção de uma prova pericial anteriormen­
te ao processo de conhecimento, com o fito de obter o valor do
dano suportado pelo demandante, terá, como foi visto no tópico
anterior, extrema importância em um eventual acordo a ser
celebrado pelas partes, o que, em última análise, evitará até
mesmo o processo de conhecimento. A exigência de que o pe­
dido seja certo e determinado, ainda que dependa de uma
prova técnica, forçaria o autor ao ingresso da ação probatória
autônoma e, dependendo do caso, posteriormente ao ingresso
de processo de conhecimento.
Nem se fale que exigir do autor o ingresso de tal demanda
probatória antes do ingresso do processo de conhecimento seja,
de alguma forma, uma afronta ao princípio da economia pro­
cessual Na verdade, haverá tão-somente um adiantamento da
prova pericial que seria feita de qualquer maneira durante o
processo, de modo que não é correto apontar para qualquer
dificuldade extra na proposta feita. Dois ganhos são incontestá­
veis: a possibilidade de um acordo e a elaboração da petição
inicial com um pedido certo e determinado.
No direito português, o art. 471Q, 1, b, do CPC, abrange,
no tocante ao pedido genérico, tanto a hipótese de impossibili­
dade do autor em aferir o valor do dano como as hipóteses já
descritas, em que existe uma dependência da fixação desse
valor à produção de uma prova técnica. Essa segunda circuns­
tância é permitida em virtude de expressa previsão legal no art.
569° do CC, que admite ao autor fazer o pedido genérico, sem­
pre que exista uma dúvida sua quanto ao valor do dano já su­
portado em virtude de ato ou fato que já exauriu seus efeitos
prejudiciais.

445
José Lebre de Freitas504dá exemplo elucidativo, ao apontar:

"vítima do acidente de viação que, embora já curada, ca­


reça de ser submetida a exame médico para determinar o
grau de desvalorização com que ficou é dispensada de
obter extrajudicialmente uma opinião médica, para, com
base nela, deduzir um pedido líquido, podendo pedir a
condenação da seguradora no pagamento do montante que
vier a apurar-se com base no resultado do exame a que, no
decorrer do processo, for submetida, sem prejuízo de dever
quantificar o montante de despesas tidas com as consultas
médicas que teve e pagou até à propositura da acção".

A ausência de uma norma similar no direito brasileiro,


entretanto, faz com que fique evidenciada a utilidade da ação
probatória autônoma para que o autor já ingresse com processo
de conhecimento indicando, em sua petição inicial, um pedido
certo e determinado.

504Cf. Código de Processo Civil anotado, cit., p. 240.

446
Ação meramente declaratória de fatos

1. IN TRO D UÇÃO
Conforme amplamente visto nos capítulos antecedentes, as
ações autônomas probatórias — de natureza cautelar ou não
— não podem ser confundidas com as ações declaratórias. Essa
conclusão é facilmente obtida a partir do momento em que se
constata que, nas demandas probatórias, não há, por parte do
juiz responsável pela produção da prova, qualquer atividade
valorativa a seu respeito, tarefa reservada, com exclusividade,
ao juiz do chamado "processo principal", que receberá a prova
de forma emprestada. Sem tal vaíoração, é inviável concluir que
o juiz que comandou a colheita da prova declare, positiva ou
negativamente, os fatos referentes às provas produzidas.
Ainda que se reconheça essa diferença básica entre as ações
probatórias autônomas e as ações declaratórias, é interessante
analisar a segunda espécie de ação, em especial quando tem como
objeto um mero fato, como ocorre na hipótese de declaração de
autenticidade ou falsidade de um documento (art. 4°, II, CPC),
única hipótese positivada em nosso ordenamento processual

2. OBJETO DA AÇÃO MERAMENTE DECLARATÓRIA


No direito brasileiro, existe norma expressa a respeito do
objeto da ação meramente declaratória, a dispor que, em regra,
somente a existência ou a inexistência de relação jurídica po­
derá ser objeto dessa espécie de ação e, excepcionalmente, um
mero fato, qual seja, a autenticidade ou a falsidade de um do­
cumento (art. 4Q, II, CPC). Essa distinção, feita pela lei entre re­
lação jurídica e fato, aparentemente a abranger, em regra geral,
a primeira e, somente de maneira excepcional, a segunda, exige
que o tema seja enfrentado separadamente. A análise da abran­

447
gência de interpretação do que seja a "relação jurídica" previs­
ta em lei apenas terá como objetivo a demonstração de que a
ação declaratória de fato juridicamente relevante não é algo tão
distante de nossa realidade forense.
No direito alemão, existe norma processual bastante similar
à existente no estatuto processual pátrio. O § 256 da ZPO ad­
mite, expressamente, a ação meramente declaratória que tenha
como objeto a existência ou a inexistência de uma relação jurí­
dica, bem como a autenticidade ou a falsidade de um documen­
to. Do dispositivo legal se percebe que o legislador alemão
optou pela mesma forma de regra e de exceção adotada pelo
legislador brasileiro: a regra da ação meramente declaratória diz
respeito às relações jurídicas e, apenas excepcionalmente, com
relação aos fatos, na hipótese de autenticidade ou falsidade de
documento505. Em sentido semelhante, o § 228 do CPC da Áus­
tria, a utilizar da mesma técnica para a fixação do objeto da ação
meramente declaratória de conferir como regra as relações jurí­
dicas e, somente de forma excepcional, o fato de o documento
ser autêntico ou falsificado.
A legislação processual italiana não tem previsão expressa a
respeito do cabimento da ação meramente declaratória, o que,
entretanto, não impediu que a doutrina e a jurisprudência adotassem
essa espécie de ação. Percebe-se das melhores lições que o direito
italiano adotou entendimento muito similar ao previsto na legislação
brasileira, a permitir, em regra, a ação meramente declaratória que
tenha como objeto a declaração da existência ou da inexistência
de uma relação jurídica e, somente de forma excepcional, a decla­
ratória de mero fato. Nesse sentido, existe previsão expressa no
direito italiano da possibilidade de mera declaração de autentici­
dade ou falsidade de documento (arts. 216 e 221, CPC — verifica-
zione di scrittura privata e querela di falso)506.

505James Coldshmidt, Direito processual civil/ cit., 1.1, p. 144; Othmar Jauering,
Direito processual civil/ cit., p. 190.
506Enrico TuI lio Liebman, Manuale di diritto processuale civile — Principi, cit.,
p. 170-171; Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil,

448-
O direito uruguaio também tem disposição muito similar à
do direito brasileiro, ao apontar o art. 11.3 do CGP, para o inte­
resse do autor na mera declaração da existência ou da inexis­
tência de um direito ou de uma relação jurídica e da autentici­
dade ou falsidade de um documento. O mesmo artigo é repeti­
do no Código Procesal Civil modelo para Iberoamerica (art.
11.3).
Na Argentina, o âmbito da ação meramente declaratória é
menor do que no direito brasileiro, considerando que a regra de
que tal espécie de ação só terá cabimento quando tiver por
objeto relações jurídicas não encontra previsão legal de exceção
com relação a fatos, nem mesmo no tocante à autenticidade ou
à falsidade de documento (art. 322, CPCCN).
O direito colombiano desconhece a ação meramente de­
claratória de autenticidade ou falsidade de documento. Segundo
a melhor doutrina, existem somente três formas para declarar a
falsidade documental, das quais duas são meros incidentes no
processo civil em que o documento é apresentado. A terceira
forma é autônoma, mas exclusiva do campo penal, que poderá
ser instaurado pela parte contrária ou ainda de ofício pelo próprio
juiz cível que conduz o processo cível no qual a prova é apre­
sentada507. Parece ser também essa a realidade do direito espa­
nhol, ao menos no tocante à falsidade material, conquanto com
relação à falsidade ideológica não exista qualquer previsão ex­
pressa no diploma processual508.

cit., v. I, p. 232-233; Chiara Besso, La prova prima del processo, cit., p. 7.


Giovanni Verde (Profili del processo civile/ cit., v. I, p. 173-174) aponta para
dispositivos legais constantes do Código Civil que possibilitam o ingresso
de ação meramente declaratória.
507Hernando Devis Echandía (Teoria general de la prueba judicial, cit., t. II, p.
553) afirma ainda que a existência de processo penal gera uma suspensão
do processo cível, em decorrência da relação de prejudicialidade entre
eles.
508Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho procesal civil, cit., t. I, p. 432-
433.

449
Não restam maiores dúvidas na doutrina pátria de que
apesar da literal idade do art. 4Q, I, do CPC, as ações meramente
declaratórias têm sido utilizadas com freqüência na praxe foren­
se para que se veja declarado muito mais do que a simples
existência ou inexistência de relação jurídica. Afirma-se corre­
tamente que, além da mera existência ou inexistência de uma
relação jurídica, é cabível a ação meramente declaratória de
deveres, direitos, pretensões e obrigações referentes a essa rela­
ção jurídica509.
Há jurisprudência consolidada no sentido do cabimento da
ação meramente declaratória para que o autor obtenha a certe­
za jurídica quanto à espécie de relação jurídica em que se en­
contra envolvido. Nessas circunstâncias, não haverá qualquer
estado de incerteza a respeito da existência da relação jurídica,
reconhecida de maneira peremptória por todos os sujeitos que
dela participam, de modo a remanescer dúvida tão-somente no
tocante ao modo de ser de tal relação jurídica. A ação meramen­
te declaratória, nessa hipótese, afasta-se da literalidade do dis­
positivo legal que a prevê, por incluir, além da existência ou da
inexistência da relação jurídica, também o seu modo de ser510.

509Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., t. I, p.


173; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil/
cit., v. III, p. 223.
510Sálvio de FigueiredoTeixeira, Código de Processo Civil anotado. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 7: "Admite-se a ação declaratória para a obtenção
da certeza jurídica sobre a existência, inexistência ou modo de existir de
uma relação jurídica. É cabível para a interpretação de cláusula contratual,
a cujo respeito divergem em concreto os contratantes, buscando definir se
a parte autora está ou não sujeita aos efeitos jurídicos pretendidos pelo
outro contratante. Não se cuida, assim, de mera consulta ao Judiciário, mas
de pedido de composição de uma lide atual (REsp 2.964-RJ, rel. juizAthos
Carneiro, D}U 09.09.91)". Flávio Yarschell (Tutela jurisdicional meramente
declaratória. Revista de Processo, São Raulo: Revista dos Tribunais, n. 76,
1994, p. 46) também inclui no âmbito das ações meramente declaratórias
o "modo de ser da relação jurídica". Para Lino Enrique Palacio (Manual de
derecho procesal civil/ cit., p. 110), "las pretensiones declarativas tienden
a obtener un pronunciamiento que elimine la falta de certez# sobre la

450
Alguns doutrinadores ponderam que, na hipótese anterior­
mente aventada, não haverá, propriamente, uma expansão do
objeto da ação meramente declaratória, mas uma indevida
formulação do pedido por parte do autor. Ovídio Baptista511
afirma que

"certamente quem pede declaração da existência de uma


determinada relação jurídica coloca o julgador na contin­
gência de qualificá-la, para poder declará-la existente ou
inexistente. Se, considerando-me credor em virtude de
mútuo, peço que o juiz o declare, pois o devedor afirma ter
recebido a quantia em doação, o juiz certamente terá que
proceder a qualificação da relação jurídica litigiosa, para
concluir se a espécie configura realmente um empréstimo
ou uma doação".

Também advém de entendimento jurisprudencial pacífico


a possibilidade de ação meramente declaratória a respeito da
interpretação de cláusulas contratuais, não obstante não existir,
nessa hipótese, qualquer dúvida a respeito da efetiva existência
da relação jurídica entre as partes. Há, inclusive, a Súmula 181
do Superior Tribunal de Justiça, que determina: "É admissível
ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata inter­
pretação de cláusula contratual"512. Registre-se, entretanto, que

existencia, eficacia, modalidad o interpretación de una relación o estado


jurídico".
5,1Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 57. Celso Agrícola
Barbi (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 45) já havia alerta­
do para a grande importância do pedido na ação meramente declaratória.
512Na doutrina, joão Batista Lopes, Ação declaratória. 5. ed. São Paulo: Revis­
ta dos Tribunais, 2002, p. 84-85; Arruda Alvim, Manual de direito proces­
sual civil, cit., v. I, p. 457; Leonardo José Carneiro da Cunha, O objeto da
ação declaratória. Revista Dialética de Direito Processual', São Raulo: Dia­
lética, n. 14, 2004, p. 75-76; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery,
Código de Processo Civil comentado, cit., p. 333: "O pedido é de declara­
ção de relação jurídica nas circunstâncias derivadas da interpretação judicial
sobre a cláusula contratual; esta será o fundamento do pedido, isto é, a

451
essa abrangência não inclui a mera declaração por via de ação
autônoma da validade ou não do contrato, ou ainda de sua
nulidade ou não513.
Questão ainda mais interessante para os fins do presente
trabalho diz respeito à possibilidade de ação meramente decla­
ratória que tenha como objeto a posse do autor. É bastante an­
tiga a divergência doutrinária a respeito da qualidade jurídica
da posse, entendendo parcela da doutrina tratar-se de direito,
enquanto outra parcela defende tratar-se de mero fato. Eviden­
temente, não é esse o local apropriado para que se realize um
debate a respeito das duas correntes doutrinárias; entretanto, é
possível apontar que, para a maioria doutrinária pátria, a posse
deve ser considerada como um mero fato.
A partir da concepção majoritária de que a posse é mera-
mente um fato, há forte corrente doutrinária que entende não
ser admissível a ação meramente declaratória, justamente pela
excepcional idade, somente permitida com previsão legal ex­
pressa, de que tal espécie de demanda tenha como objeto um
mero fato, ainda que juridicamente relevante514. Ocorre, entre­
tanto, que o tema não é pacífico, conquanto exista parcela da
doutrina para a qual, apesar de a posse tratar-se de um mero
fato, será possível uma ação meramente declaratória que tenha

causa de pedir". Aparentemente em sentido contrário, Cândido Rangel


Dinamarco, Instituições de direito processual civil/ cit., v. III, p. 223, apon­
tando para o entendimento contrário ao seu na jurisprudência. José Lebre
de Freitas (Declarações, factos e prova. In: Estudos sobre o direito civil e
processo civil. Coimbra: Ed. Coimbra, 2002, p. 218-223) faz interessante
análise concernente à natureza — questão de fato ou de direito — da inter­
pretação dos negócios jurídicos.
5.3Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., v. I, p.
180; Ovídio A. Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil,
cit., p. 57; Leonardo José Carneiro da Cunha (O objeto da ação declaratória,
cit., p. 77-79) faz interessante análise sob a perspectiva da nulidade e da
anulabilidade do ato jurídico.
5.4Nesse sentido, as lições de João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p.
91-92.

452
como objetivo exclusivo a declaração do fato de o autor estar
ou ter estado na posse da coisa515.
De forma derradeira, há uma nítida exceção aos limites
impostos pelo art. 4Üdo CPC, na admissão da ação declaratória
de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucio-
nalidade, que não terão como objeto uma relação jurídica es­
pecífica, mas o debate a respeito da constitucionaíidade de uma
norma legal. Não há como deixar de consignar a exceção que
essas demandas trazem ao sistema da ação meramente declara­
tória, tendo em conta que a doutrina, de maneira uníssona,
afasta essa espécie de demanda para simplesmente interpretar
o direito516. É exatamente isso que ocorre na Ação Declaratória
de Constitucionaíidade e na Ação Declaratória de Inconstitucio­
nalidade, ainda que a interpretação limite-se à sua constitucio-
nalidade.
Neste momento, a finalidade não é exaurir o objeto da ação
declaratória no tocante à interpretação do termo "relação jurí­
dica", utilizado pelo dispositivo legal, mas simplesmente se
procurou demonstrar que a doutrina e a jurisprudência apresen­
tam uma interpretação extensiva do termo legal, inclusive, em
algumas hipóteses excepcionais, a relevar-se a possibilidade de
ação declaratória de fato, ainda que somente quando for juridi­
camente relevante, fora da exceção legal prevista pelo art. 4Q, II,
do CPC. Esse tema, entretanto, será mais bem desenvolvido em
tópico próprio. No momento, basta a brevíssima incursão ao
assunto para demonstrar-se a amplitude prática que se pode
perceber na utilização da ação meramente declaratória em apli­
cação do art. 4Q, I, do CPC.

515Ovídio A. Baptista da Silva (Comentários ao Código de Processo Civil, cit.,


p. 53) indica tratar-se de fato complexo, capaz de gerar importantes conse­
qüências no campo do direito.
516Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1996, p. 72; Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Curso de
direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, v. I, p. 80;
José Frederico Marques, Instituições de direito processual/ cit., v. II, p. 37;
James Goldshmidt, Direitp processual civil, cit., t. I, p. 142.

453
3. AÇÃO MERAMENTE DECLARATÓRIA DE FATO —
AUTENTICIDADE O U FALSIDADE DE DOCUMENTO
Conforme analisado no tópico anterior, a ação meramente
declaratória poderá ter como objeto um mero fato somente na
excepcional hipótese de declarar autêntico ou falsificado um
documento. Essa situação excepcional, inclusive, não é privati­
va do direito brasileiro, pois se encontra em ordenamentos
processuais europeus — como o alemão, o italiano, o austríaco
— e sul-americanos — como o uruguaio.
A doutrina nacional que enfrentou o tema do objeto da ação
meramente declaratória é praticamente uníssona na afirmação
de que, fora tal exceção legal, não se pode admitir essa espécie
de ação de mero fato, ainda que este tenha natureza de fato
jurídico. As razões para a adoção desse entendimento serão
analisadas em tópico próprio; neste momento do trabalho, rea­
lizar-se-á o enfrentamento dessa hipótese sui generis de ação
declaratória de mero fato, permitido por expressa previsão legal
(art. 4Q, II, CPC).
É preciso esclarecer, ainda em caráter introdutório, que a
declaração de falsidade ou de autenticidade poderá até mesmo
atingir determinadas relações jurídicas, mas esse efeito da sen­
tença nessas demandas não faz parte do objeto da ação mera­
mente declaratória, o qual se encerra na simples declaração de
autenticidade do documento. Como é afirmado por Caupp-Stein,
citados por Alfredo Buzaid517,

517Cf. A ação declaratória no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1943, p.


113.Torquato Castro, Ação declaratória. 2. ed. São Raulo: Saraiva, 1942, p.
55: "Compreende-se que, tal seja a extensão da falsidade ou autenticidade
argüidas, a declaração judicial pode surtir o efeito prático de uma declara­
tória sobre a própria relação jurídica contida no documento. Muitas vezes,
porem, a cousa julgada sobre a falsidade ou autenticidade (e que versa
especificamente esse objeto), constitue apenas um prejuizo parcial de ques­
tões suscitáveis quando ajuizado a própria relação jurídica".

454
"aqui o problema probatório é um fim em si do processo e
apenas pela exigência do interesse jurídico se faz com que
a declaração do fato não transcenda dos objetivos gerais do
processo civil. A relação jurídica a provar por meio do
documento é apenas mediatamente protegida. Não é obje­
to da sentença".

São diversos os critérios utilizados para classificar os docu­


mentos, os quais, naturalmente, recebem inúmeras classificações.
Fala-se em documentos públicos e privados; autógrafos e hete-
rógrafos; indiretos ou diretos; escritos, gráficos, plásticos e es­
tampados; narrativos e constitutivos; pré-constituídos e causais
etc.518. Apesar de algumas dessas classificações importarem no
momento da análise do que se entende por autenticidade do
documento, na sua maioria são irrelevantes para os fins do pre­
sente trabalho. Passam a ter importância fundamental, entretan­
to, a partir do momento em que auxiliam a conceituação de
documento, já que o objetivo da ação meramente declaratória
é determinar a autenticidade ou a falsidade de documento, sen­
do imprescindível estabelecer qual a amplitude do termo "do­
cumento" empregado pelo art. 4Q, II, do CPC.
O direito brasileiro adota conceito bastante amplo de do­
cumento, que não se limita ao documento escrito em papel. Em
primeiro lugar, não há necessidade de o documento encontrar-se
materializado em papel, pois admite-se a representação do fato
em qualquer outra espécie de superfície, tal como vidro, ferro,
plástico etc. Também não se vê necessidade de que o documen­
to seja escrito, o que inclui em seu âmbito fotografias, mapas,
filmagens etc. Conforme lição do maior especialista pátrio do
direito probatório, documento "é a coisa representativa de um

518Para uma análise das diferentes classificações, consultar Moacyr Amaral


Santos, Prova judiciária no eivei e comercial/ cit., v. IV, p. 61-63; Francesco
Carnelutti, A prova civil/ cit., p. 187-222.

455
fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, repro-
duzindo-o em juízo"519.
Parcela da doutrina, entretanto, não entende com tal am­
plitude o termo "documento", utilizado no art. 4Q, II, do CPC,
por considerar que somente o documento escrito e em papel
poderá ser objeto de ação meramente declaratória que tenha
por finalidade atestar sua autenticidade ou falsidade520. Na ver­
dade, essa limitação seria decorrência natural dos vícios descri­
tos como aptos a permitir a ação meramente declaratória, quais
sejam, a autenticidade ou a falsidade do documento. Esse en­
tendimento, entretanto, não parece ser totalmente correto e deve
ser encarado com as devidas reservas.
Caso se adote o entendimento amplamente majoritário a
respeito do exato significado de autenticidade de documento,
parece ser realmente inviável admitir a ação meramente decla­
ratória de documento que não seja ao menos escrito, mas não
necessariamente em papel. Assim, é possível que se afirme au­
têntico ou não um pedaço de madeira em que estejam grafadas
palavras, ou ainda uma inscrição em plástico ou vidro. Ainda
mais inadequada fica a limitação do âmbito da ação meramen­
te declaratória na hipótese de aferir a falsidade do documento,
ao considerar que qualquer documento pode ser objeto de fal­
sificação material. Basta imaginar uma fita de vídeo adulterada,
ou ainda uma gravação de fita montada.
Parece que não se deve, a priori, fazer qualquer limitação
à espécie de documento cuja autenticidade ou falsidade seja
objeto de ação meramente declaratória; surgem tais limitações

519Cf. Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial/ cit., v. IV,
p. 58. Nesse sentido, as lições de Cândido Rangel Dinamarco, Instituições
de direito processual civil, cit., v. III, p. 564: "Documento, como fonte de
prova, é todo ser composto de uma ou mais superfícies portadoras de sím­
bolos capazes de transmitir idéias e demonstrar a ocorrência de fatos".
520Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. I, p.
182; Ovídio A. Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil,
cit., p. 58.

456
no caso concreto, na dependência do vício do documento que
a parte alegar. Embora seja inegável, na praxe forense, que, na
maioria dos casos, o documento previsto no art. 4Q, II, será es­
crito e em papel, não se devem descartar outras hipóteses, de
modo que fica o cabimento da ação meramente declaratória
dependente do vício alegado pela parte interessada no caso
concreto521. Qualquer limitação anterior empobrece essa espécie
de demanda e não encontra justificativa defensável.
No direito brasileiro, a autenticidade nada tem que ver com
o fato de o documento ser público ou privado. Essa constatação
impõe-se em virtude da confusão instituída em alguns ordena­
mentos que dispõem que o documento autêntico é o documen­
to público, como ocorre no direito francês, em razão do dispos­
to no art. 1.317 do CC daquele país522. No mesmo engano inci­
dia a doutrina italiana mais antiga, em razão das disposições
concernentes ao assunto contidas no Código Civil, o que, atu­
almente, não mais se verifica em virtude dos novos conceitos de
documento existentes na presente codificação civil, ao definir
como ato público o documento elaborado por notário ou outro
funcionário público autorizado (art. 2.699, CC)523.

521Alfredo Buzaid (Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 118) não faz
restrição a respeito da espécie de documento, somente exige que este reú-
na três condições: "1 — que seja de importância para a prova de uma rela­
ção jurtdtca, ou direito; 2 — que o autor, ou réu esteja interessado neles; 3
— que, com relação a ele, em vista da dúvida de sua autenticidade, ou
falsidade, tenha nascido uma incerteza jurídica e o autor tenha interesse em
obter sua eliminação por declaração judicial". Aparentemente no sentido
do texto, José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 110.
522Herriando Devis Echandía, Teoria general de la prueba judicial/ cit., t. II, p.
531-532; Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidental, cit.,
p. 88; Alfredo Buzaid, Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 116-
117.
523Mesmo à luz do antigo Código Civil, Francesco Carnelutti (A prova civil.
Trad. Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2002, p. 203-209) já definia,
de forma diversa à do direito positivo, a autenticidade do documento e
afirmava, corretamente, que "a verdade da indicação do autor e, singular­
mente, da subscrição, ou seja, a correspondência entre o autor aparente e

457
A primeira conclusão é, portanto, de que a autenticidade
do documento poderá ser verificada tanto no documento públi­
co como no privado, de modo que é inadequada a confusão
perpetrada pelo direito francês e pelo antigo direito italiano. Ao
afastar-se a incorreta distinção entre documento autêntico e
documento privado, resta saber qual o significado de documen­
to — público ou privado — autêntico para o direito brasileiro.
É majoritária a opinião da doutrina pátria de que a auten­
ticidade do documento guarda relação com a autoria do docu­
mento, que é considerado autêntico quando for produzido pelo
sujeito indicado no documento como seu autor. Como bem
lembrado por Celso Agrícola Barbi524, "autenticidade do docu­
mento nada tem a ver com a verdade das declarações nele
contidas. A declaração pode ser simulada, viciada por erro, dolo
ou fraude, mas nem por isto deixará o documento de ser autên­
tico, desde que ele realmente provenha da pessoa nele indicada,
como seu autor".
Essa constatação é de suma importância para a fixação do
objeto da ação que busca determinar a autenticidade do docu­
mento. Não será objeto da ação meramente declaratória a vera­
cidade ou não das alegações contidas no documento, aspecto,
na realidade, irrelevante para os fins do pedido. O único aspec­
to que efetivamente interessa é a relação entre o autor real e o
autor aparente do documento, mesmo porque este pode repre­
sentar um fato inverídico ou ainda conter algum dos vícios do
consentimento e ainda assim ser autêntico, hipótese em que o

o autor real se chama autenticidade do documento". A confusão pode ser


percebida nas lições de Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual
civil/ cit., p. 257*260, que utiliza o termo em seus dois sentidos.
524Cf. Ação declaratória principal e incidente, cit., p. 89. No mesmo sentido,
as lições de Hernando Devis Echandía, Teoria general dela prueba judicial,
cit., t. II, p. 532; Juan Montero Aroca, La prueba en el proceso civil, cit., p.
228; Erich Dõhring, La prueba — Su practica y apreciación. Trad. Tomás A.
Banzhalf. Buenos Aires: El Foro, 1996, p. 276; Franceso Carnelutti,A prova
civil, cit., p. 203-205; jeremias Bentham,* Tratado de las pruebas judiciales,
cit, p. 141.

458
pedido do autor para declarar a falta de autenticidade do docu­
mento deverá ser julgado improcedente525.
Ainda em relação à autenticidade, apesar da dissociação
dessa característica com o documento público, é importante
analisar a possibilidade de a ação meramente declaratória ba­
sear-se nesse fundamento em relação tanto ao documento par­
ticular como ao documento público. Parece ser possível impug-
nar-se a autenticidade de documento público sempre que este
não tenha sido elaborado efetivamente pelo agente público
apontado como seu elaborador; basta, para tanto, imaginar a
hipótese de provar a ausência do agente público ao trabalho no
dia em que foi confeccionado o documento, apesar de ser seu
nome indicado como o do responsável por sua produção. A
hipótese, apesar de possível, é significativamente rara na praxe
forense525.
No tocante ao documento particular, campo mais amplo
em que será possível a alegação de não ser autêntico o docu­
mento, cumpre fazer o registro do art 369 do CPC: "Reputa-se
autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma
do signatário, declarando que foi aposta em sua presença". Tra­
ta o dispositivo legal do tradicional reconhecimento de firma,
que significa que o tabelião considerou a assinatura aposta no
documento como sendo efetivamente da pessoa que o assinou.
É interessante que o dispositivo legal somente menciona o reco­

525Em sentido contrário ao do texto, José Orlando Rocha de Carvalho, Ação


declaratória, cit., p. 111-112.
526Nesse sentido, as lições de Giovanni Verdi, ProfiH deIprocesso civile, cit.,
v. II, p. 105. José Garberí Llobregat e Guadalupe Buitrón Ramírez {La prue­
ba civil/ p. 388) apontam para a impossibilidade de argüir a não-autentici-
dade do documento público quando for juntado seu original. Rarece ter o
mesmo entendimento Luiz Fux, Curso de direito processual civil, cit., p. 709:
"Os documentos públicos gozam dessa presunção porque são lavrados em
livros públicos e a falta de autenticidade dos mesmos implicaria, igualmen­
te, em falha oficial. Entretanto, deve entender-se que a prova plena do do­
cumento in foco é a que se refere ao fato de a parte efetivamente ter decla­
rado e assinado aquilo que consta do documento".

459
nhecimento de firma realizada na presença do tabelião; nada
menciona a respeito do reconhecimento feito por comparação
forma bem mais tradicional do reconhecimento de firma.
Para parcela da doutrina, o artigo legal deve ser interpreta­
do restritivamente, porque

"o reconhecimento por semelhança não é capaz de atestar


nada, a não ser que a assinatura constante em certo docu­
mento se parece com a pertencente a determinado sujeito;
como, porém, o tabelião não tem formação técnica que lhe
permita emitir juízo técnico sobre a questão, sua afirmação
não vale mais do que a opinião de qualquer pessoa que
comparasse a mesma assinatura com outro padrão"527.

Esse entendimento, entretanto, mostra-se absolutamente


equivocado e pode ser criticado ao menos sob dois aspectos.
Em primeiro lugar, sua adoção tornaria absolutamente inó­
cua a autenticação por semelhança, o que exigiria um esforço
desmesurado de todos os que necessitam da autenticação de sua
firma: dirigir-se ao cartório para que a comparação fosse feita na
presença do tabelião. Seria um absoluto caos, em especial nas
relações de negócios, em que milhares de documentos têm firma
reconhecida diariamente. Em segundo lugar, o reconhecimento
de firma gera tão-somente, conforme se verá, uma presunção
relativa de veracidade, de forma que, não obstante poder afirmar-
se que o reconhecimento na presença do tabelião pode ser mais

527Cf. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Códi­


go de Processo Civil, cit., p. 78. Em sentido contrário, Pontes de Miranda,
Comentários ao Código de Processo Civil, cit., t. IV, p. 346; Fábio Tabosa,
Código de Processo Civil anotado, cit., p. 1.132. Sérgio Sahione Fadei (Có­
digo de Processo Civil comentac/o, cit., p. 440-441) afirma que, no caso de
reconhecimento de firma perante o tabelião, todo o documento será consi­
derado autêntico, ao contrário do reconhecimento por semelhança, apesar
de a assinatura ser considerada autêntica. A lição é equivocada, porque a
autenticidade da assinatura levará, inexoravelmente, ao reconhecimento da
autenticidade do documento, entendido como de autoria da pessoa que o
assinou.

460
seguro, o único efeito será a presunção relativa, mesmo efeito
do reconhecimento feito por semelhança.
Por isso, não parece ser relevante a distinção, considerando
que, independentemente da maneira pela qual a firma foi reco­
nhecida, a autenticidade do documento somente produzirá uma
presunção relativa da veracidade, contra a qual se admite prova
em contrário. Dessa forma, será admitido, ainda que tenha re­
conhecida a firma — pouco importa se realizada na presença
do tabelião ou por semelhança —, o ingresso de ação declara­
tória para demonstrar a falsidade da assinatura e, com isso, de­
monstrar não ser o documento autêntico528.
Também poderá a ação meramente declaratória ter como
objetivo a declaração de falsidade documental. Em sentido am­
plo, o significado do termo "falsidade" abrange tudo o que não
é verdadeiro, mas, em sentido jurídico, a falsidade significa a
alteração da verdade529. Mesmo nesse sentido, haverá substancial
diferença entre a falsidade documental para fins penais e para
fins civis, porque, no primeiro caso, haverá interesse não só no
elemento objetivo — falsidade documentai — como também no
elemento subjetivo — imputabilidade ao falsificador—, enquan­
to, no segundo caso, a preocupação limita-se à falsidade do
documento, de modo a desprezar-se o elemento subjetivo. Por
essa distinção, costuma-se dizer que a ação penal de falsidade
é dirigida contra o falsário, enquanto a ação civil é dirigida
contra o documento530.
Evidentemente, ao presente estudo interessará tão-somente
o elemento objetivo da falsidade documental. Nesse tocante, é

528Cf. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Códi­


go de Processo Civil, cit., p. 79; Antonio Carlos de Araitjo Cintra, Comentá­
rios ao Código de Processo Civil, cit., p. 103; Fábio Tabosa, Código de
Processo Civil anotado, cit., p. 1.132.
529Alfredo Buzaid, Ação declaratória no direito brasileiro/ cit., p. 120; Celso
Agrícola Barbi, Ação declaratória e incidente/ cit., p. 89.
” °Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no cível e comercial, cit., v. IV,
p. 576-577; Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente,
cit., p. 89-90.

461
imprescindível apontar para a clássica distinção entre falsidade
material e falsidade intelectual, mesmo porque da distinção
restará claro que somente no primeiro caso se admitirá a ação
meramente declaratória. A distinção é feita com base nos dois
aspectos do documento: sua forma e seu conteúdo.
A falsidade material diz respeito a defeitos na forma do
documento, que tragam ofensa à verdade devido à formação de
documento falso ou a alterações introduzidas em documento
verdadeiro. Portanto, a forma pela qual foi produzido o docu­
mento que traz consigo o vício alterará a verdade dos fatos.
Segundo as lições de Carnelutti531, a falsidade material pode
verificar-se de três modos. O primeiro é a contrafação, que sig­
nifica a própria confecção de documento falso, formado por
pessoa, em tempo ou em lugar diversos da verdade. O segundo
modo é a alteração, que corresponde à adulteração de docu­
mento já existente de modo a modificar-lhe a proveniência, a
data ou o conteúdo. O terceiro modo é a supressão, hipótese
em que haverá a destruição ou a ocultação do documento, o
que, em última análise, gerará a não-utilização do documento.
Por falsidade intelectual, também chamada ideológica,
entende-se o documento que exponha fatos ou declarações em
desconformidade com a verdade. Trata-se, portanto, de um vício
de conteúdo, porque o documento pode ser materialmente per­
feito, sem qualquer vício que macule sua forma, mas seu con­
teúdo não representa algo que seja efetivamente verdadeiro.
Essa distinção é tradicional na doutrina532, destacando-se a
possibilidade de que os vícios possam ocorrer de forma cumuía-

531Apud Moacyr Amaral Santos, Prova judiciária no eive! e comercial/ cit., v.


IV, p. 584.
532Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código
de Processo Civil, cit., p. 163; Antonio Carlos de Araújo Cintra, Comentários
ao Código de Processo Civil/ cit., p. 125-126; Sylvio do Amaral, Falsidade
documental. 3. ed. São Paulo: Revista dosTribuanis, 1989, p. 55-56; Her-
nando Devis Echandía, Teoria general de la prueba judicial/ cit., t. II, p. 553;
Giovanni Verde/ Profili del processo civile, cit., v. II, p. 105; Francesco P.

462
tiva ou isoladamente, o que já será suficiente para a declaração
de falsidade de documento. Tome-se um exemplo: o credor ela­
borou um recibo de pagamento, que era condicionado a algum
fato futuro, mas apaga ou rasura a parte do documento que apon­
tava a condição. Nesse caso, há falsidade material. Um recibo a
atestar um pagamento não realizado gera falsidade ideológica.
Um recibo adulterado de pagamento não realizado conseguirá
cumular tanto a falsidade material como a intelectual, embora,
insista-se, tão-somente uma dessas espécies de falsidade já seja
suficiente para afastar a veracidade do documento.
Após se fazerem as devidas distinções entre a falsidade
material e a ideológica, cumpre enfrentar o tema do cabimento
dessas falsidades no tocante à ação meramente declaratória. A
doutrina majoritária aponta para a exclusividade de a falsidade
material poder ser objeto de ação meramente declaratória, por­
que, somente nesse caso, estar-se-á, de fato, buscando declarar
o fato de um documento ter sido falsificado, independentemen­
te de seu conteúdo, já no caso de falsidade intelectual, um pe­
dido declaratório será insuficiente, porque, nesse caso, estar-
se-á buscando a desconstituição do ato viciado ideologicamen­
te. Portanto, para argüir a falsidade intelectual, necessária será
uma ação constitutiva negativa; não basta a ação meramente
declaratória533.
Celso Agrícola Barbi534diverge da doutrina majoritária, ao
afirmar, com base nas lições deTuozzi, ser possível a declaração

Luíso. Diritto processuale civile/ cit., v. II, p. 100; Crisanto Mandrioli, Dirit­
to processuale civil/ cit., v. II, p. 221.
533Nesse sentido, Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, cit., p. 459;
João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, cit., p. 112; Alfredo
Buzaid, Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 120-121; Ovídio A.
Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 68; Le­
onardo José Carneiro da Cunha, O objeto da ação declaratória, cit., p. 81.
534Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 50. Parece concordar
com tal entendimento Ovídio A. Baptista da Silva, Comentários ao Código
de Processo Civil, cit., p. 58. Na doutrina italiana, é forte o entendimento
de que não é possível a falsidade ideológica de documento privado: Gio-

463
de falsidade intelectual. Exemplifica tal hipótese no caso de
"alguém que, ditando uma obrigação, escreva diversamente
aquilo que foi dito e, depois, obtenha firma do obrigado sem
que este, por ter ouvido a leitura, cuidasse de reler o escrito
Nesse caso, haverá um escrito particular intelectualmente falso".
O exemplo fornecido porTuozzi e utilizado por Celso Agrícola
Barbi, entretanto, não parece fazer surgir uma falsidade ideoló­
gica, mas tão-somente material, a partir do pressuposto de que
haverá divergência não entre o referente e o referido, mas entre
o documento na sua materialidade e as declarações, também
em sua materialidade535.
Cumpre, nesse tocante, uma importante observação. Ainda
que se concorde com a doutrina em que, na hipótese de falsi­
dade ideológica, a desconstituição do ato viciado não possa ser
objeto de ação meramente declaratória, cumpre ressaltar que
será absolutamente admissível a hipótese de o autor ingressar
com tal espécie de ação na hipótese — pouco provável — de
obter a mera declaração de que houve a falsidade ideológica,
sem que com isso pretenda desconstituir o ato viciado. Confor­
me é corretamente afirmado por José Orlando Rocha de Carva­
lho536, "a res in iudicium deducía trazida no pedido é que vai
determinar a carga de eficácia da sentença a ser proferida: se
constitutiva ou meramente declaratória". Lembre-se que é pací­
fico o entendimento segundo o qual, mesmo se tiver condições
de fazer pedido de natureza condenatória, o autor poderá ter
interesse na mera declaração; o mesmo ocorre com o pedido de

vanni Verdi, Profili del processo civile, cit., v. H, p. 105; Crisanto Mandrioli,
Diritto processuale civile, cit., v. II, p. 222.
535Nesse sentido, Moacyr Amaral Santos (Prova judiciária no cível e comercial/
cit., v. IV, p. 580) dá um exemplo muito similar ao utilizado por Celso Agrí­
cola Barbi, não obstante tratar de instrumento público, a apontar a ocorrên­
cia de falsidade material: "Assim, se o oficial público, valendo-se da igno­
rância do testador, inclui entre os legatários dêste quem não foi indicado
como tal; ou se, ao invés de traduzir o dito das partes, faz constar da escri­
tura cláusula que não lhe fizeram, haverá falsidade material".
Cf. Ação declaratória, cit., p. 123.

464
natureza constitutiva. Dessa forma, se pretender, exclusivamen­
te, declarar a falsidade ideológica sem desconstituir o ato vicia­
do ideologicamente, será possível ao autor o manejo da ação
meramente declaratória.
Em caráter conclusivo, é possível afirmar ser entendimento
praticamente uníssono na doutrina nacional que a ação mera­
mente declaratória de fatos limita-se, no direito nacional, ao
debate de autenticidade ou de falsidade material de documento,
por ser vedada para outras hipóteses que tenham como objeto
outros fatos que não estes. Essa limitação será objeto de tópico
específico sobre o tema.

4. AÇÃO MERAMENTE DECLARATÓRIA GENÉRICA DE


MEROS FATOS
Conforme já foi amplamente exposto no tópico anterior,
o direito brasileiro — no que é seguido por outros ordenamen­
tos processuais — limita o cabimento da ação meramente
declaratória de fatos à autenticidade ou à falsidade material de
documento. Na verdade, sempre que existir a exceção de que
tal espécie de ação somente pode ter como objeto relação
jurídica, esta decorre da questão referente a autenticidade ou
à falsidade do documento. Há alguns ordenamentos, entretan­
to, em que é possível a ação meramente declaratória de fatos
de forma genérica.
Tem-se notícia de que o direito processual escocês permite
que um mero fato seja objeto de ação meramente declaratória,
apesar de existir, nesse país, uma grande discricionariedade por
parte dos juizes no tocante à aceitação dessa espécie de ação,
o que evitaria eventuais abusos na praxe forense. São poucas as
informações a respeito do direito escocês; utiliza-se a doutrina
nacional das lições de M. Maynard a seu respeito537.

537Nesse sentido, as lições deTorquato Castro, Ação declaratória, cit., p. 59;


Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente, cit., p. 34;
João Batista Lopes, Ação declaratória/. cit., p. 48.

465
Muito mais próximo do direito brasileiro encontra-se o di­
reito português, que, em razão de expressa previsão legal, ad­
mite a ação meramente declaratória de fatos. O art. 4Ü, 2, a, do
CPC vem assim redigido, ao descrever as espécies de ações
declarativas: "As de simples apreciação, obter unicamente a
declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um
facto". O primeiro registro digno de nota diz respeito à espécie
de fato que poderá ensejar a ação meramente declaratória, já
que nem todos os fatos poderão ser objeto de uma simples de­
claração de existência ou de inexistência.
A doutrina portuguesa aponta que somente os fatos jurídicos
poderão ser objeto da ação meramente declaratória, cuja pro­
positura é inviável quanto aos fatos simples. Isso significa dizer
que somente os fatos aptos, por si sós, a gerar efeitos jurídicos
serão aptos a admitir essa espécie de ação. Segundo as lições
de José lebre de Freitas538,

"a mera declaração da existência (ou inexistência) ou da


validade (ou nulidade) dum acto jurídico, bem como a
genuinidade ou da falsidade dum documento, com abstrac-
ção dos respectivos efeitos, constitui apreciação da existên­
cia (ou inexistência) dum facto produtor de efeitos de direi­
to, isto é, dum facto jurídico".

Justifica-se a preocupação em limitar a ação meramente


declaratória de fatos aos fatos jurídicos em virtude do interesse
na obtenção de tal declaração. Rara não se afastar em demasia
de outros ordenamentos processuais em que essa espécie de

538Cf. Introdução ao processo civil — Conceito e princípios gerais, cit., p. 24.


No mesmo sentido, Wanda Ferraz de Brito, Fernando Luso Soares e Duarte
Romeira de Mesquita, Código de Processo Civil anotado, cit., p. 123: "A
declaração judicial pedida tem que se basear em factos precisos, determina­
dos, constitutivos de certa ou certas relações jurídicas. Assim, é inepta a
petição inicial onde, sem concretizar qualquer relação jurídica, a autora pede
que se declare que ela 'não tem com o réu qualquer dívida ou qualquer
obrigação jde pagar ou indemnizar, seja por contrato, acto ilícito, ou qualquer
outro acto ou título jurídico gerador de obrigações civis e comerciais"'.

466
demanda de forma genérica não é admitida, a doutrina portu­
guesa, corretamente, exige que o fato seja ao menos capaz de
gerar conseqüências jurídicas, de forma que, mesmo indireta­
mente, a declaração atinja relações jurídicas.
A doutrina nacional não faz qualquer distinção a respeito
da espécie de fato, de modo a afastar a possibilidade de ação
meramente declaratória ainda que os fatos sejam relevantes ou
ainda que possam gerar qualidades jurídicas. É tradicional a
afirmação de que, ainda que sejam juridicamente relevantes, os
fatos não podem ser objeto de ação declaratória539. A única
exceção, prevista expressamente em lei, como foi visto, seria a
autenticidade ou a falsidade de documento. Ocorre, entretanto,
que, a depender da importância do fato para o mundo do direi­
to, percebe-se que parcela da doutrina aponta para certa flexi­
bilização da norma, de modo a abranger, no âmbito da ação
meramente declaratória, outros fatos além daqueles apontados
pelo art. 4Q, II, do CPC540.
Quem de maneira bastante enfática na doutrina nacional
deixou clara tal flexibilização foi Ovídio A. Baptista da Silva541,
apesar de não se ter aprofundado no tema. Ao defender a pos­
sibilidade de ação meramente declaratória para a declaração de
posse e do concubinato, afirma que "em ambos os casos não
configuram apenas um fato simples, considerado em sua pura
historicidade, mas, ao contrário, caracterizam fatos complexos,
capazes de gerar importantes conseqüências no campo do di­
reito". A par do debate a respeito da natureza do concubinato
— fato ou relação jurídica —, o processualista gaúcho afirma a
possibilidade de ação meramente declaratória de fato quando
este mostrar extrema relevância para o mundo do direito.

539Gabriel Rezende Filho, Curso de direito processual. São Raulo: Saraiva, 1968,
v. I, p. 274; Torquato Castro, Ação declaratória/ cit., p. 55-56; Arruda Alvim,
Manual de direito processual civil, cit., v. I, p. 455; Giuseppe Chiovenda,
Instituições de direito processual civil/ cit., v. I, p. 232.
540José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória/ cit., p. 297-303.
541Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 53.

467
Celso Agrícola Barbi542, após afirmar a impossibilidade de
que a ação meramente declaratória tenha por objeto fatos, ain­
da que juridicamente relevantes, fora da exceção legal, aplaude
decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que acatou pe­
dido de declaração a respeito de determinada pessoa ser a
mesma referida na escritura de reconhecimento de filiação. Na
conclusão de seu raciocínio, afirma que, "na verdade, tratava-se
de declaração de fato, mas este era de tal forma ligado à exis­
tência de uma série de conseqüências jurídicas de natureza fa­
miliar, hereditária e patrimonial, que negar a ação seria deixar
os autores ao desamparado de proteção jurídica de que tinham
suma necessidade".
Adolf Wach543, em festejada monografia a respeito da ação
declaratória, ao tratar da necessária resistência da parte contrá­
ria, afirma que circunstâncias especiais podem motivar a neces­
sidade de pedir a declaração, ainda que exista dúvida a respei­
to de sua efetiva necessidade no futuro. Entre esses casos, o
doutrinador alemão inclui a circunstância em que exista perigo
de empobrecimento da situação referente à prova, o que, previ-
sivelmente, prejudicará a parte na busca de seu direito. Afirma
que, nesse caso, antecipar-se-ia o nascimento da pretensão de­
claratória.
Francesco Carnelutti544também visualizou a possibilidade
de ação meramente declaratória de fato. Afirma o jurista italiano
que, como

"o modo de ser de uma relação jurídica se traduz na eficá­


cia de um fato jurídico, cabe conceber também como ob­
jeto do acertamento o fato, no lugar da relação jurídica,
sempre que por tal se entenda a qualidade ou eficácia ju­
rídica do fato e não seu modo material de ser. Neste senti-

542Cf. Ação declaratória principal e incidente, cit., p. 73.


543Cf. La pretensión de declaración. Trad. Ivan S. Semon. Buenos Aires: Ed.
jurídicas Europa-América, p. 11 7.
544Cf. Sistema de direito processual civil/ cit., p. 241 ,<
>

468
do, podem constituir, por exemplo, objeto de (simples)
acertamento a idade de uma pessoa ou a falsidade de um
documento, mas nem aquela nem esta se estabelecem si e
por si, a não ser como fatos dos quais derivam determinados
efeitos jurídicos".

José Orlando Rocha de Carvalho, certamente o doutrinador


nacional que defende com maior ênfase a possibilidade de ação
meramente declaratória de fatos juridicamente relevantes, apon­
ta para a admissibilidade, em nossos tribunais, de ações tipica­
mente declaratórias de fato, como ocorre com a declaração de
ausência. Aponta ainda para alguns julgados — ainda a franca
minoria — em que se admite a ação declaratória para obter-se
a certeza jurídica a respeito de tempo de serviço, tradicional­
mente objeto de ação de justificação. Aponte-se, nesse tocante,
a Súmula 242 do STJ: "Cabe ação declaratória para reconheci­
mento de tempo de serviço para fins previdenciários". Afirma o
autor, entretanto, que, apesar de serem louváveis, as decisões
ainda se prendem, em demasia, à questão da relação jurídica
como fundamento de admissão dessa espécie de ação declara­
tória545. Por fim, faz interessante observação, que merece trans­
crição546:

"Por último, e para rechaçar as afirmativas em contrário,


caberia, ainda, a seguinte ponderação: A generalidade das
demandas declaratórias que visam afirmar a inexistência de
uma relação jurídica, constitui, exatamente, na declaração
de um fato, ou seja, o fato de que jamais existiu a citada
relação. Isto porque, toda sentença que afirma a inexistên-.
cia de uma relação jurídica, na verdade está, justamente, a
afirmar um fato: a inexistência de algo que outrem afirma­
ra existir. O que significa inexistir? Não é exatamente o não

545José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 328-331.


546José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 321.

469
existir? E o não existir não é, apenas, um fato: o fato de não
existir?".

Como se percebe, ainda que tímida, há uma tendência de


parcela doutrinária em admitir a ação meramente declaratória
de fatos, além daquela prevista expressamente pela lei, desde
que para isso se demonstre ter o fato importantes reflexos no
mundo jurídico. É evidente que a tradição de não se admitir a
ação meramente declaratória nessas hipóteses, aliada à expres­
sa previsão legal do art. 4Q, II, do CPC, empobrece o debate;
assim, a doutrina nacional, em sua maioria, prefere referendar
o tradicional entendimento, sem, entretanto, desenvolver os
motivos para embasar o entendimento nesse sentido.

5. OS PSEUDO-OBSTÁCULOS À ADMISSÃO DA AÇÃO


MERAMENTE DECLARATÓRIA DE M ERO FATO
Inicialmente, é interessante notar que há entendimento de
que a exceção exclusiva à falsidade e à autenticidade do docu­
mento no tocante ao objeto da ação meramente declaratória é
uma simples opção do legislador, que preferiu deixar em regra
tal espécie de ação para tratar da existência, da inexistência ou
do modo de ser de uma relação jurídica547. Isso significa dizer

547Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., v. I, p. 233:


"A esta regra é possível fazer exceção, por motivos de oportunidade, uma
norma expressa de lei: assim as normas da lei italiana (arts. 282, 296), fran­
cesa (arts. 193, 214) e alemã (§ 256) que admitem a ação declaratória de
mero fato, qual a autenticidade ou falsidade duma escritura"; Alfredo Buzaid,
Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 98: "Excepcionalmente, ob­
servou Cammeo, a declaração pode recair sobre a existência de um fato
juridicamente relevante, que pode dar eventual origem ã relação jurídica;
mas este caso ou pode reconduzir-se à regra da relação jurídica, preceden­
temente indicada, ou depende de disposições especiais, que não podem
generalizar-se"; Torquato Castro, Ação declaratória, cit., p. 55: "Mas esses
casos especiais em que um simples fato pode ser objeto da ação declarató­
ria, constituem uma anormalidade e somente se justificam como criação
legal..."; José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 306:
"Tivesse dito, o legislador, que o interesse do autor pode limitar-se à decla-

470
1

que, também por opção, seria possível ao legislador — como


pareceu conveniente ao legislador português — ampliar o obje­
to da ação meramente declaratória, para que também essa es­
pécie de demanda possa ter como objeto qualquer outro fato,
desde que seja relevante para o mundo do direito, ou seja, des­
de que se trate de fato jurídico.
Ainda assim, parcela da doutrina aponta alguns obstáculos
à adoção da ação meramente declaratória de meros fatos, mas
aparentemente baseadas em fundamentos não muito convincen­
tes. Na realidade — este aspecto passa a ter extrema importân­
cia para a solução da questão —, ao abrir-se uma exceção à
regra de que somente cabe declaratória de relação jurídica, já
resta demonstrada a possibilidade jurídica de que a declaratória
tenha também como objeto um mero fato, como já ocorre com
a autenticidade ou com a falsidade de documento. A existência
de uma exceção à regra geral já é o suficiente para demonstrar
que, no plano jurídico, não haverá qualquer impossibilidade em
admitir a ação meramente declaratória de fato, sendo mesmo
uma opção meramente legislativa restringir o âmbito de tal es­
pécie de demanda à existência, à inexistência ou ao modo de
ser das relações jurídicas.
Ovídio A. Baptista da Silva548defende a impossibilidade de
a ação meramente declaratória ter como objeto um mero fato

ração da existência ou inexistência de relação jurídica ou de determinado


fato jurídico, e irrita seria qualquer discussão em torno do assunto".
540Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 68. Parece rumar no
mesmo sentido Leonardo josé Carneiro da Cunha, Interesse de agir na ação
declaratória. Curitiba: Juruá, 2004, p. 153-154: "É conveniente aduzir que,
na sistemática processual brasileira, fatos não se declaram; constatam-se.
Servem de fundamento do pedido da parte autora, não se constituindo como
objeto do próprio pedido. Os fatos, geralmente, constituem a causa peten-
di do pedido inscrito na petição inicial. E evidente que não se declara a
causa de pedir. Esta, como curial, serve de suporte para o pedido. Logo, na
ação declaratória, o pedido não deve comportar o acertamento de um fato,
por mais relevante que*seja juridicamente; o acertamento deve corresponder,
isto sim, a«uma relação jurídica". Consulte-se Ronaldo Cunha Campos (Li-

471
"porque o juízo sobre um fato jamais assumirá a condição de
indiscutibiIidade, posto que sobre eles não se forma coisa jul­
gada (art. 469, inc. II)". E evidente que a afirmação transcrita
somente terá sentido a partir do momento em que se entender
que os fatos encontram-se na demanda como mero fundamento
de um pedido, ou seja, a compor sua causa de pedir. Mas, nes­
se caso, não haverá qualquer diferença entre fato e relação ju­
rídica, de modo a ser possível que ambas figurem no processo
somente como fundamentos para o acolhimento ou para a re­
jeição do pedido. No caso, criar-se-ia uma questão prejudicial,
de fato ou de direito, que, inclusive, poderá ser objeto de ação
declaratória incidental, o que ampliará os limites objetivos da
coisa julgada, para também tornar indiscutível e imutável a
decisão no tocante a essa questão prejudicial
Isso já ocorre com um fato específico que é a autenticidade
ou a falsidade do documento; existe, inclusive, expressa previsão
legal no tocante a essa espécie de ação declaratória incidental
(arts. 390 a 395, CPC). A questão de saber se a decisão a respeito
de relação jurídica prejudicial ou mesmo de fato prejudicial — nos
limites da lei processual — fará coisa julgada, evidentemente,
passa pela análise de saber se tal relação jurídica ou se tal fato
atuam no processo como mero fundamento ou como pretensão
principal do autor; nesse sentido, inclusive, é bastante claro o art.
470 do CPC. Caso possam ser objeto de ação declaratória inci­
dental, naturalmente também terão aptidão a ser objeto de uma
ação autônoma de natureza meramente declaratória.
Totalmente aplicável, nesse tocante, é a lição de Cândido
Rangel Dinamarco549, para quem

mites objetivos da coisa julgada. 2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1998, p. 94-95),
que, em entendimento isolado, afirma que a solução dos fatos jurídicos faz
parte do dispositivo da sentença e opera também, com relação a eles, a
coisa julgada.
549Cf. Instituições de direito processual civil, cit., v. III, p. 221. Consulte-se José
Carlos Barbosa Moreira, Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do
novo Código de Processo Civil. In: Temas de direito processual. São Pauloí
Saraiva, 1977, p. 94.

472
"as afirmações ou negações postas na motivação da sen­
tença constituem declarações incidentes, ou pronunciadas
incidenter tantum; aquelas contidas na parte dispositiva são
emitidas principaliter, ou seja, em caráter principal A tute­
la jurisdicional é oferecida mediante estas, que têm caráter
prático ao consistirem num concreto preceito imperativo a
ser observado pelas partes em suas relações no mundo
exterior. Aquelas, ou seja, as declarações que não passam
de fundamentos, são de natureza histórica, teórica ou con­
ceituai: exercem mera função instrumental e têm a finali­
dade de preparar e justificar a conclusão a ser tomada na
parte dispositiva".

Dessa forma, afirmar-se que a causa de pedir não faz coisa


julgada como fundamento de inadmissão da ação meramente
declaratória não se mostra apropriado. É evidente que, se a de­
claração de existência ou não de um fato — se assim permitir a
lei, deixe-se claro — for o pedido do autor, sobre essa decisão
se operará a coisa julgada material, até porque, nesse caso, fa­
talmente outros fatos comporão a causa de pedir e, naturalmen­
te, sobre eles não haverá a incidência de coisa julgada, pois se
limitarão a funcionar como fundamentos da decisão de declarar
existente ou não o fato que compõe o pedido do autor.
Repita-se que, atualmente, essa situação já se verifica com
a autenticidade ou com a falsidade do documento, notadamen-
te mero fato. No caso de o autor ingressar com ação meramen­
te declaratória a alegar a falsidade material do documento, terá
que fundamentar sua pretensão em outros fatos que convençam
o juiz dessa falsidade. Assim, por exemplo, alegará que a parte
contrária colocou uma cláusula nova no corpo do contrato, o
que será o fundamento de seu pedido, a remanescer o fato de
ser o documento falso o pedido do autor. Na sentença de pro­
cedência, o fato de ter o outro contratante, efetivamente, incluí­
do cláusula não celebrada pelas partes em contrato já assinado
será o fundamento da decisão, que não fará, naturalmente, coi-
. sa julgada (art. 469, II, CPC), enquanto, na parte dispositiva da
sentença, encontrar-se-á a declaração de falsidade do documen­

473
to; esse fato tornar-se-á imutável e indiscutível em virtude do
fenômeno da coisa julgada.
Além da crítica já superada, Ovídio A. Baptista da Silva550
aponta para outra circunstância que entende como um obstáculo
à admissão da ação meramente declaratória de fato. A alicerçar-se
em lições de Proto Pisani, afirma que com a admissão dessa es­
pécie de ação restaria abalado o direito de defesa do demandan­
do, assegurado constitucionalmente, "pois a sentença que procla­
masse a existência do fato torná-lo-ia de reconhecimento obriga­
tório para um número indefinido de futuras ações".
O argumento já poderia ser facilmente afastado com o se­
guinte questionamento: se for a ação meramente declaratória de
fato uma afronta ao direito constitucional de ampla defesa, não
seria o art. 4Q, II, do CPC inconstitucional? Como se pode per­
ceber facilmente, nada de inconstitucional há no dispositivo
legal mencionado, por ser mais do que razoável que, uma vez
declarado autêntico ou falso — ou não — determinado docu­
mento, esse fato se torne incontestável para toda e qualquer
demanda judicial envolvendo as mesmas partes; tal circunstân­
cia em nada afetará o constitucional direito à ampla defesa;
basta lembrar que, na ação meramente declaratória de autenti­
cidade ou de falsidade documental, todas as garantias referentes
ao contraditório e à ampla defesa terão sido respeitadas.
Registre-se que, naturalmente, os limites subjetivos da coi­
sa julgada farão com que a existência ou não do fato somente
possa se tomar indiscutível e imutável entre as partes que parti­
ciparam do processo551. Seria possível defender a ofensa ao di­

550Cf. Comentários ao Código de Processo Civil/ cit., p. 68.


551Giovanni Verde (Profifi del processo civile, cit., v. II, p. 107) defende a efi­
cácia erga omnes dessa sentença: "Se cosi non fosse, d'altra parte, non si
comprenderebbe la ragione delTintervento del p.m. e soprattutto delle dis-
posizioni accesorie di cui all'art. 226 CPC in relazione all'art. 537 CPP, in
virtú delle quali, dopo la sentenza di accoglimento delia querela, si proce­
de alia formazione di un documento nuovo, conforme alia verità". No di­
reito brasileiro, o acolhimento do pedido não leva à formação de novo

474
reito de ampla defesa no caso de essa coisa julgada também
afetar terceiros, o que, entretanto, em razão do disposto no art.
472 do diploma processual civil, somente poderá ocorrer excep­
cionalmente. Dessa forma, ao ser declarado autêntico ou falso
— ou não — documento como objeto de ação meramente de­
claratória, essa declaração terá eficácia vinculativa somente aos
sujeitos que participaram da produção da prova e, quando mui­
to, em razão de sua semelhança com a produção antecipada de
prova, à parte que não participou do processo em que a decla­
ração foi obtida, mas que se beneficia de tal declaração — as­
pecto de prova emprestada, já analisado.
Nesse tocante, aliás, vale lembrar que a coisa julgada — a
qual, em regra quase absoluta, diz respeito a relações jurídicas
— também obrigará outros juizes, em outros processos, a res­
peitá-la; há, nesse caso, o efeito positivo da coisa julgada552.
Dessa forma, uma mesma coisa julgada poderá condicionar um
sem-número de decisões em outros processos. Não se antevê,
em tal circunstância, qualquer ofensa aos princípios do contra­
ditório e da ampla defesa. Havendo imutabilidade e indiscutibi-
lidade para questões de direito, que em tese são mais importan­
tes que as questões de fato, não há por que apontar qualquer
vício de vinculação em futuros processos à declaração de um
fato que faça coisa julgada material, mostrando-se absolutamen­
te equivocado o entendimento exposto por Ovídio Baptista.
Seria possível ainda objetar a ação meramente declaratória
de fato na ausência de interesse de agir do autor. O tema do
interesse de agir da ação meramente declaratória é um dos mais
tormentosos a respeito dessa espécie de ação, e uma análise
mais apurada desse fenômeno jurídico não é possível sem trans­
bordar os estreitos limites deste trabalho. São necessários, entre­

documento, de forma a ser totalmente inaplicável a nosso sistema a lição


do processualistá italiano.
552Consulte-se José Rogério Cruz eTucci, A causa petendi no processo civil/
cit., p. 226-228; EduardoTalamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo:
Revista dos Tribunais,.2005, p. 130-131.
tanto, alguns breves apontamentos com o objetivo de justificar
que a questão do interesse de agir deverá ser analisada casuis-
ticamente; não será correto vetar a ação meramente declaratória
de fato com base na afirmação genérica da suposta ausência de
interesse do autor em todo e qualquer caso553.
Antes de determinar, minimamente, os traços principais do
interesse de agir na ação meramente declaratória, é preciso in­
dicar corrente doutrinária que entende não ser necessária a
análise concreta de tal condição da ação sempre que exista
previsão legal expressa a permitir o ingresso dessa espécie de
ação. Pàra essa corrente doutrinária, a simples indicação em lei
— como ocorre com a autenticidade ou com a falsidade de
documento — já seria suficiente para que o interesse de agir
estivesse presente em todo e qualquer processo em que o autor
busque a proteção nela expressamene prevista554.
O entendimento, entretanto, não se mostra correto, por
parecer confundir diferentes condições da ação. A expressa
previsão legal que permite uma espécie específica de ação de­
claratória, como ocorre com a autenticidade ou com a falsidade
de documento, é apta tão-somente a superar a condição da ação

553José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 326: "Ora, não
se pode admitir, portanto, que o cabimento (ou não) da ação declaratória
esteja centrado na circunstância de ser objeto específico da demanda uma
relação jurídica — uma situação jurídica — um fato jurídico — um fato
simples — uma relação atual, pretérita, ou futura. Tudo isto torna-se irrele­
vante para o exame de admissibilidade da demanda, no tocante à admissi­
bilidade da demanda, no tocante à identificação do interesse de agir. O que
interessa, em verdade, no exame específico das condições da ação, neste
tipo de demanda, não é nada disto, mas, sim, se houve ou não demonstra­
ção de minha parte (autor da demanda), da existência de necessidade efe­
tiva do provimento buscado. Ou quando a tanto não se evidencie, ao menos
que se demonstre, que o provimento solicitado, traz efetiva utilidade para
aquele que o invoca".
554Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., v. I, p. 225;
Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente, cit., p. 84;
Leonardo José Carneiro da Cunha, Interesse de agir na ação declaratória,
cit., p. 179-180.

476
conhecida por possibilidade jurídica do pedido, ao indicar para
o autor que o ordenamento jurídico não afasta abstratamente
sua pretensão. Basta imaginar a hipótese de, à luz do art. 4a, inc.
II, do CPC, essa ação ser proposta pleiteando a mera declaração
de fato que não seja um dos previstos no dispositivo legal Nes­
se caso, a petição inicial deverá ser indeferida por carência de
ação, não por falta de interesse de agir, mas por impossibilidade
jurídica do pedido, considerando que até poderia haver a ne­
cessidade da intervenção do Poder Judiciário, porém a existência
de norma proibitiva no ordenamento dessa espécie de pretensão
exige a extinção do processo555.
Apesar das muitas divergências a respeito do tema, a dou­
trina majoritária entende que o interesse de agir na ação mera­
mente declaratória encontra-se relacionado à existência de uma
crise de incerteza que, se não for resolvida, poderá acarretar
dano ao autor. Conforme lição de Giuseppe Chiovenda556, "o
interesse de agir decorre de uma situação de fato tal que o autor,
sem a declaração judicial da vontade concreta da lei, sofreria
um dano injusto, de modo que a declaração judicial se apresen­
ta como o meio necessário de evitá-lo".
Com relação à situação de incerteza, a doutrina que adota
o entendimento exposto anteriormente é uníssona na afirmação
de que não basta mera dúvida subjetiva por parte do autor: exi­
ge-se que a dúvida seja objetivamente aferível Isso significa
dizer que não basta a mera dúvida do autor a respeito da exis­

S5SEm sentido contrário, Leonardo José Carneiro da Cunha {interesse de agir


na ação declaratória, cit., p. 187), para quem se trata de falta de interesse
em virtude da ausência de adequação. José Orlando Rocha de Carvalho
(Ação declaratória, cit-, p. 322-325) defende que não há impossibilidade
jurídica do pedido em virtude do princípio previsto pelo art. 5a, inc. XXXV,
da CF.
556Cf. Instituições de direito processual civil, cit., p. 226. No mesmo sentido,
Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente, cit., p. 64-65;
Alfredo Buzaid, Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 156; Torqua-
to Castro, Ação declaratória, cit., p. 88; Adolf Wach, La pretensión de de-
claración, cit., p. 110. ^

477
tência ou não de uma relação jurídica ou ainda com relação à
autenticidade ou à falsidade documental; é essencial que a dú­
vida refira-se a terceiros, de modo a criar uma instabilidade na
esfera de interesse do autor557.
Além da crise de certeza objetivamente considerada, essa
parcela da doutrina entende que o interesse de agir na ação me­
ramente declaratória está condicionado a alguma forma de resis­
tência da parte contrária, da qual surgiria a possibilidade de dano
ao autor. Considerando que as condições da ação deverão ser
analisadas em abstrato, não se exige um efetivo dano — ainda
que este já possa ter ocorrido; basta, para a configuração do in­
teresse de agir, a demonstração, pelo autor, de algum ato do réu
que, ao criar a crise de incerteza, projete dano eventual e futuro
em sua esfera jurídica, econômica, social etc. de interesses558.
Como se nota da conceituação de interesse de agir majori-
tariamente admitida como correta pela doutrina, não é possível
afastar, a priori e de forma generalizada, o interesse de agir em
uma ação meramente declaratória de fato. E evidente que essa
assertiva somente se justifica na hipótese de fatos jurídicos ca­
pazes de gerar conseqüências jurídicas, que seriam, por essa
razão, aptos a afastar o eventual dano na esfera de interesses do
autor em decorrência da dúvida ou da incerteza subjetiva com
relação a sua existência ou não. Na hipótese de fatos simples,
sempre faltará interesse de agir ao autor, pela ausência de con­
seqüências jurídicas na declaração de tal espécie de fatos559.

557Torquato Castro, Ação declaratória, cit., p. 88-89; Ovídio A. Baptista da


Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 51; Alfredo Buzaid,
Ação declaratória no direito brasileiro, cit., p. 157; Adolf Wach, La preten-
sión de declaración/ cit., p. 120.
558Torquato Castro, Ação declaratória, cit., p. 88; Giuseppe Chiovenda, Insti­
tuições de direito processual civil/ cit., v. I, p. 226; AdolfWach, La preten-
sión de declaración, cit., p. 112-113; Proto Pisani, Lezioni di diritto proces­
suale civile, cit., p. 145.
559José Orlando Rocha de Carvalho, Ação declaratória, cit., p. 292. O autor
afirma que "é insano imaginar que alguém vá a juízo para buscar seja de­
clarado um fato que não lhe renda qualquer conseqüência jurídica. A

478
Com isso, pretende-se afirmar que nem sempre haverá o inte­
resse de agir, mas tal circunstância não é privativa dos fatos,
porque também referentemente a relações jurídicas será possível
a falta dessa condição da ação. A pretensão é demonstrar que,
em se tratando de fato jurídico, dependerá do caso concreto a
existência ou não de interesse de agir; assim, não é possível
afirmar peremptoriamente que jamais haveria, nessas circuns­
tâncias, o interesse de agir.
Essa corrente doutrinária, entretanto, não reina absoluta
entre os doutrinadores que trataram do tema. Vale ressaltar a
opinião de Francesco Carnelutti560, para quem a definição de
Chiovenda, referendada pela doutrina citada, não é inexata, mas
insuficiente, em razão da dificuldade de aferir o injusto dano que
a declaração busca evitar. Ao afastar-se da possibilidade de dano,
Carnelutti condiciona o interesse na declaração ao perigo da lide
e afirma ter interesse o autor sempre que a declaração refira-se a
uma lide, mesmo que eventual, a verificar-se no futuro.
Há ainda uma terceira corrente doutrinária que entende não
se dever tratar de forma diferenciada o interesse de agir na ação
meramente declaratória. Nesse entendimento, o interesse de agir
deve ser tratado exatamente da mesma forma que nas demais
espécies de ação, pois não haveria qualquer justificativa plausí­
vel para o tratamento diferenciado561. Dessa forma, deverá ana­
lisar-se, também na ação meramente declaratória, o binômio
necessidade—utilidade dessa espécie de ação judicial para ve­
rificar-se a configuração do interesse de agir do autor.

própria 'lógica do razoável' (de que nos falava Recaséns Siches), já estaria a
demonstrar a impossibilidade de existência de postulações dessa natureza".
560Sistema de direito processual civil, cit., v. I, p. 244. No Brasil, esse é o en­
tendimento defendido por Ada Pellegrini Grinover, Ação declaratória inci­
dental. Tese de Doutorado em Direito Processual Civil. São Raulo, Faculda­
de de Direito da Universidade de São Raulo, p. 48. Critica tal entendimen­
to Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental. Rio de Janeiro:
Forense, 1976, p. 44-45.
.561Nesse sentido, as lições de José Carlos Barbosa Moreira, Direito processual
civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 11.

479
A justificativa principal dessa corrente doutrinária é que
poderá haver interesse de agir mesmo quando não estiver pre­
sente qualquer dúvida ou incerteza a respeito da existência, da
inexistência ou do modo de ser da relação jurídica ou da auten­
ticidade ou da falsidade do documento. Afirma-se que o autor
pode ter certeza absoluta a respeito desses temas, mas ainda
assim poderá ter interesse em ingressar com ação meramente
declaratória como forma de buscar a certeza jurídica gerada pela
coisa julgada, que só poderá ser obtida com a sentença de pro­
cedência transitada em julgado dessa demanda judicial, desde
que essa certeza jurídica seja de alguma forma útil ao autor, ao
colocá-lo em posição concretamente mais favorável do que a
que se encontrava antes de ela existir562.
O entendimento não parece correto, porque a dúvida ou a
incerteza que é exigida para reconhecer o interesse de agir na
ação meramente declaratória não tem como conseqüência,
necessariamente, que o autor esteja em dúvida a respeito da
relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documen­
to. A dúvida, ou a incerteza, por assim dizer, deve ser social,
criada por terceiros, pouco importando se o autor tem ou não
certeza quanto à relação jurídica ou à autenticidade ou falsida­
de documental Basta que surja uma dúvida, não na mente do
autor, mas no âmbito social em que ele vive, para que se criem,
perante terceiros, dúvidas e incertezas, ainda que o autor tenha
absoluta certeza quanto àquilo de que duvidam terceiros563.

562João Batista Lopes {Ação declaratória, cit., p. 58-59) dá dois exemplos dessa
situação: "Por exemplo: jamais tomei emprestado dinheiro de 'A' e, por isso,
não tenho dúvidas quanto à inexistência de qualquer relação jurídica; como
estou, porém, sendo molestado, vou a juízo e peço seja por sentença decla­
rada a inexistência de qualquer dúvida. Outro exemplo: como diretor de
entidade assistencial, tenho convicção de que ela goza de imunidade rela­
tivamente a impostos; como, entretanto, tenho notícia de que a Prefeitura
poderá acionar dita instituição, tenho interesse em propor ação declaratória
dessa imunidade tributária". No mesmo sentido, Leonardo josé Carneiro da
Cunha, Interesse de agir na ação declaratória, cit., p. 182-188.
563José Orlando Rocha de Carvalho (Ação‘declaratória/ cit., p. 91), ao criticar
o entendimento de que nãojiaverá interesse de agir no caso de o autor não

480
É verdade que o próprio autor da ação meramente decla­
ratória poderá ter uma dúvida fundada, como ocorre em algumas
demandas de reconhecimento de paternidade, em que o próprio
autor tem dúvida a respeito de ser ou não o pai. Essa situação,
entretanto, não é a regra, já que geralmente o autor não tem
dúvida alguma, mesmo porque ingressa no processo para afirmar
seu direito, cuja efetiva existência será objeto de apreciação do
juiz. Invariavelmente, o autor acredita piamente naquilo que
alega na petição inicial, mas, em decorrência de oposição da
parte contrária, suficiente para criar uma situação de dúvida ou
de incerteza perante terceiros, terá interesse de agir. Conclusi­
vamente, afirma-se que a dúvida do autor poderá até existir, mas
não é condição para que tenha interesse de agir na ação mera­
mente declaratória564.
A corrente doutrinária criticada confunde o interesse de agir
com a finalidade — ou pretensão de direito material — da ação
meramente declaratória. Não há qualquer dúvida de que a cer­
teza jurídica seja o objeto da ação meramente declaratória, mas
a incerteza jurídica, conforme já amplamente defendido, não
precisa ser necessariamente do autor. Esse ponto, entretanto, é
interessante porque, ao afirmar que a necessidade da ação me­
ramente declaratória é a obtenção da certeza jurídica a respeito
da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação
jurídica ou da autenticidade ou da falsidade de um documento,
essa corrente doutrinária não destoa da realidade, porquanto a
maioria da doutrina aponta também para essa circunstância.

ter dúvida a respeito da relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade


do documento: "No entanto essa incerteza já existia, em seu contexto ob­
jetivo, uma vez que com a afirmação em contrário de seu adverso, criou-se
a dúvida ou incerteza acerca da relação que pretendeu ver declarada".
564Conforme é bem anotado por Adolf Wach (la pretensión de declaración/
cit., p. 111), é até possível que o autor tenha dúvida, mas essa não é con­
dição essencial: "Ella no es concebible como una duda del propio titular
del derecho, si bién esta última es también posible, pues ella se presenta
con la acción declarativa afirmando positivamente su derecho. Es Ia incer-
tidumbre con la llega a presentarse la situación jurídica desde el punto de
vista de terceros".

481
A doutrina, ao tratar da finalidade da ação meramente de­
claratória, afirma que o autor dessa demanda busca a certeza
jurídica, que é o bem da vida perseguido nessa espécie de de­
manda judicial. Afirma-se com acerto que o interesse do autor
na ação meramente declaratória será afastar, com força de coisa
julgada, a crise de dúvida ou de incerteza social que pairava
sobre a relação jurídica ou sobre o documento. Nesse ponto,
cresce em importância a questão da necessidade — interesse de
agir —, porque, sabidamente, a segurança jurídica concedida
por coisa julgada não poderá ser obtida por nenhuma outra
forma. Dessa maneira, a segurança jurídica que advém da sen­
tença declaratória entrega ao autor um bem da vida que não
seria possível obter fora do Poder Judiciário; nesse sentido, a
busca da certeza jurídica é praticamente uma ação necessária,
por ser impossível obter o bem da vida de outra forma que não
por meio de sentença de mérito transitada em julgado.
Conforme precisamente apontado por Torquato Castro565,
as ações declaratórias visam à "certeza jurídica que emana da
cousa julgada. O reconhecimento do demandado, qualquer que
seja a forma por que se o obtenha, não pode jamais lograr esse
efeito específico da cousa julgada, e só a declaração judicial tem
esse alcance social que requer o interesse do autor". Isso signi­
fica dizer que a certeza jurídica — entendida como um bem da
vida — somente poderá ser entregue ao autor por meio de sen­
tença de procedência em uma ação meramente declaratória,
única forma capaz de gerar, com segurança jurídica, a certeza
a respeito da relação jurídica do documento.
Nesse tocante, é interessante analisar — ainda que, para
tanto, seja necessária mudança legislativa — o interesse de agir

565 Cf. Ação declaratória, cit., p. 68. Alfredo Buzaid, Ação declaratória no di­
reito brasileiro, cit., p. 152: "A certeza jurídica é um bem. Ela tem sua fonte
na ação declaratória. Não pode ser conseguida fora do processo. Nem o
reconhecimento da parte contrária, por escrito público, ou particular, lhe
eqüivale, ou lhe empresta a autoridade de coisa julgada, que decorre da
sentença declaratória". Remete-se também a Adroaldo Furtado Fabrício, A
ação declaratória incidental, cit., p. 47-48.

482
na ação meramente declaratória de fato genérica. A questão que
deve ser enfrentada é se subsistiria o interesse de agir em ação
meramente declaratória diante de uma previsão ampla e gené­
rica de ação autônoma probatória. Existindo, no ordenamento
processual, demandas específicas para a produção de uma pro­
va — produção antecipada de prova, exibição, justificação —,
ainda existiria espaço para haver interesse de agir em uma ação
meramente declaratória566?
A resposta a esse questionamento deve ser positiva, porque
há uma evidente diferença entre as finalidades da ação mera­
mente declaratória e as da ação probatória autônoma. Enquan­
to o bem da vida perseguido na primeira é a certeza jurídica, na
segunda é a mera produção da prova.
Conforme corretamente afirmado por José Orlando Rocha
de Carvalho567, em comparação feita entre a ação meramente
declaratória e a justificação avulsa, há uma nítida diferença
entre essas duas demandas:

"Pois bem este feito (a justificação — inserto na legislação


processual codificada no âmbito das ações medidas caute­
lares), não oferece qualquer segurança jurídica (objetivo
buscado nas demandas declaratórias), já que segundo a
copiosa doutrina pátria, este tipo de procedimento não
assegura, ao autor, a eficácia própria da qualidade da coisa
julgada material, já que o juiz do futuro processo principal
pode negar valia ao que foi anteriormente justificado. Não
vincula, assim, o juiz do futuro processo a, obrigatoriamen­
te, ter, o fato justificado, como incontroverso e devidamen­
te provado".

566Alfredo de Araújo Lopes da Costa (Direito processual civil brasileiro. 2. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 132) afirma não ser possível a ação
meramente declaratória de fatos e conclui: "Esses casos se resolvem não por
ação declaratória, mas pela tomada antecipada de prova (inquirição, visto­
ria ad perpetuam rei memoriam)".
567Cf. Ação declaratória, cit., p. 311.

483
Já foi devidamente exposto ao longo deste estudo que, nas
ações probatórias autônomas, não haverá qualquer vaíoração
da prova, pois o juiz limita-se à sua produção. Dessa maneira,
os fatos que tenham sido objeto da prova não serão apreciados
pelo juiz dessas demandas, tarefa reservada, exclusivamente, ao
juiz do processo que a receber sob a forma de prova empresta­
da. A ausência de qualquer vaíoração no tocante à prova pro­
duzida deixa o juiz do processo principal absolutamente libera­
do na vaíoração da prova, o que significa que o autor da deman­
da probatória autônoma não tem qualquer segurança jurídica a
respeito dos fatos que pretendia demonstrar com a produção da
prova.
Somente sendo possível a obtenção da certeza jurídica
mediante uma sentença judicial declaratória, resta evidente que,
a partir do momento em que se crie uma situação de dúvida ou
de incerteza a respeito de determinado fato, o autor teria inte­
resse jurídico em ingressar com uma ação meramente declara­
tória, a fim de obter certeza jurídica que não existiria nem
mesmo se a parte contrária tivesse confessado extrajudicialmen-
te o fato. A imutabilidade e a indiscutibilidade referentes à
existência ou à inexistência do fato somente seriam obtidas por
meio da ação meramente declaratória, de modo a transparecer
o interesse de agir do autor.
Conclusivamente, volta-se a afirmar o que já foi consigna­
do no início deste tópico. A limitação da ação meramente de­
claratória de fato é mera opção legislativa; assim, não há qualquer
obstáculo processual para que se alargue o âmbito dessa espécie
de ação para todo e qualquer fato. A previsão expressa do art.
4o, inc. II, do CPC sustenta, por si só, tal conclusão. A questão
a respeito do acerto ou do equívoco da limitação legislativa será
tratada em tópico próprio.

6. IMUTABILIDADE E INDISCUTIBILIDADE DA JUSTI­


ÇA DA DECISÃO — ART. 55 DO CPC
Segundo disposição do art. 55 do CPC, "transitada em jul­
gado a sentença, na causa em que interveio o assistente, este

484
não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão",
salvo as exceções previstas nos dois incisos do dispositivo legal,
que constituem o fenômeno do exceptio male gesti processus.
Isso significa dizer que o assistente não sofre os efeitos da coisa
julgada material, até porque não é titular do direito debatido na
demanda — ao menos o simples —, mas sua participação efe­
tiva no processo traz a ele outra espécie de imutabilidade e in-
discutibilidade: a da justiça da decisão.
Mas qual a ligação do art. 55 do CPC com o tema deste
trabalho? Em que a imutabilidade e a indiscutibilidade da justi­
ça da decisão para o assistente relacionam-se com a ação me­
ramente declaratória de fatos? É evidente que este trabalho não
é adequado para aprofundar inúmeras e interessantes questões
que surgem da aplicação do dispositivo legal comentado; para
estabelecer a relação entre esse instituto e o tema ora em análi­
se, é suficiente a definição do que se deve entender por "justiça
da decisão".
A doutrina que já se ocupou do tema afirma que por "jus­
tiça da decisão" se entendem tanto as questões de fato como as
questões de direito resolvidas pelo juiz na fundamentação de
sua decisão568. Essa definição, inclusive, é o que faz o instituto
diferenciar-se da coisa julgada material; enquanto esta diz res­
peito tão-somente, em seus limites objetivos, à parte dispositiva
da sentença — art. 469 do CPC —, aquele diz respeito à funda­
mentação, notadamente elementos (a lei fala, indevidamente,
em requisitos no art. 458 do CPC) diferentes da sentença.
A relação entre coisa julgada e justiça da decisão é bem
apontada por Ubiratan de Couto Maurício569, ao afirmar que

568Cassio Scarpinella Bueno, Partes e terceiros no processo civil brasileiro/ cit.,


p. 165-166; Cândido Rangel Dinamarco, Intervenção de terceiro, cit., p.
35-36; Daniel Ustárroz, A intervenção de terceiros no processo civil brasi­
leiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 52-56.
569Cf. Assistência simples no direito processual civil/ cit., p. 132-133. No mes-
. mo sentido, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Comentários ao Código de
Processo Civil/ cit., v. IV, p. 307.

485
"o efeito da intervenção assistencial, sob um prisma, é mais
amplo e, em outra perspectiva, mais restrito que o da coisa
julgada. A justiça da decisão é mais ampla que a coisa
julgada no que diz respeito à exatidão da sentença. É mais
restrita porque o assistente valendo-se das excludentes do
art. 55, em posterior demanda, pode alegar a except/o ma/e
gesti processus, diferentemente do que ocorre com a coisa
julgada, em função da impossibilidade, de em outro pro­
cesso, se fazer a revisão do direito proclamado na sentença
e dos fatos que lhe serviram de substrato".

O instituto ora analisado apresenta interesse ao objeto des­


te trabalho pela imutabilidade e pela indiscutibilidade que o
assistente suporta com relação aos fatos decididos pelo juiz. Isso
demonstra, de maneira bem clara, que o ordenamento brasileiro
já conta com dois fenômenos processuais — o outro é a decla­
ração de falsidade ou de autenticidade de documento — em que
a declaração de um fato torna-se, para determinados sujeitos,
imutável e indiscutível Embora não se deva confundir a justiça
da decisão com a coisa julgada, não resta dúvida de que a de­
claração incidental a respeito de um fato vinculará outros juizes
em outros processos que envolvam o assistente e uma das partes
do processo no qual a prova foi produzida e o fato, declarado.
A disposição contida no art. 55 do CPC vem a confirmar a
tese, já defendida anteriormente, de que a circunstância de uma
declaração de fato vincular determinados sujeitos processuais
que tenham participado da produção da prova que fundamentou
tal declaração não é impossível juridicamente. Demonstra-se
mais uma vez que a limitação à imutabilidade e à indiscutibili­
dade de uma declaração a relações jurídicas e, somente de
forma excepcional, aos fatos decorre, pura e simplèsmente, de
uma escolha legislativa, nada mais do que isso.

7. BENEFÍCIOS DA A D O Ç Ã O DA AÇÃ O MERAMENTE


DECLARATÓRIA DE FATO
A partir da premissa de que a proibição, como regra geral,
da ação meramente declaratória de fato é tão-somente uma

486
opção legislativa, passa a ser interessante apontar se tal opção
é adequada aos novos desígnios do direito processual, de otimi­
zação de qualidade na prestação jurisdicional. Para tanto, cum­
pre apontar alguns benefícios que decorreriam da adoção de
uma amplitude do âmbito das ações meramente declaratórias,
conforme já ocorre no direito português.
É evidente que todos os benefícios analisados no capítulo
anterior, referente à adoção de ação autônoma probatória, es-
tendem-se à ação meramente declaratória de fato. Na verdade,
restariam tais benefícios até mesmo potencializados em deter­
minadas hipóteses, considerando que o autor, além da prova,
obteria a certeza jurídica a respeito do fato, de modo a conso­
lidar ainda mais a situação fática entre as partes. Basta imaginar
a prova produzida como forma de otimizar a conciliação, no
sentido de que, se houver a certeza jurídica sobre o fato, não
somente a prova a seu respeito, a identificação definitiva da si­
tuação fática proporcionaria às partes condições ideais para a
celebração do acordo.
O ganho adicional com a adoção de uma ação meramente
declaratória de fatos genérica é, justamente, a obtenção da cer­
teza jurídica a respeito do fato que tenha sido objeto da deman­
da, o que não é possível com a ação probatória autônoma. O
que já foi apontado por Proto Pisani e Ovídio Baptista como um
obstáculo à adoção da idéia ora defendida mostra-se, na verda­
de, como um benefício não só à parte interessada em demonstrar,
definitivamente, a veracidade ou não de um fato, mas também
ao próprio sistema processual, que, com uma sentença definiti­
va, não permitiria novo debate e, conseqüentemente, a possível
decisão diversa a respeito de fatos já demonstrados em deman­
da prévia.
É evidente que essa declaração não teria eficácia erga om-
nes, porque isso agrediria os limites subjetivos da coisa julgada
tradicional, definidos pelo art. 472 do CPC, que condiciona os
efeitos de imutabilidade e de indiscutibilidade da decisão aos
sujeitos que participaram da relação jurídica processual — a

487
exceção são os casos de sucessão e substituição processual570.
Poderia, a exemplo do que já ocorre com a produção antecipa­
da de prova lato sensu, ser utilizada em processo por sujeito que
não tenha participado do processo em que se formou a coisa
julgada, desde que a parte contrária tenha participado, o que,
evidentemente, não afrontaria a coisa julgada, considerando que
a parte que supostamente não sofreria os efeitos da imutabilida­
de e da indiscutibilidade da decisão simplesmente aceita ser
colocada nessa situação, ainda que não tenha participado do
processo no qual a prova foi produzida e o fato, declarado.
A obtenção de um bem da vida diverso da mera produção
da prova, qual seja, a certeza jurídica a respeito de fato por meio
da coisa julgada material de uma sentença que o declare, traz ao
ordenamento jurídico o benefício típico desse fenômeno proces­
sual: a segurança jurídica. Ao não se permitir nova discussão a
respeito do fato entre as partes que sofreram os efeitos da coisa
julgada, evita-se que, em processo futuro, decida-se, de forma
contrária à primeira decisão, a respeito da existência ou não do
fato. A segurança jurídica advinda de uma sentença declaratória
de fato transitada em julgado evitaria, assim, decisões contradi­
tórias do Poder Judiciário a respeito dos mesmos fatos.
Decisões contraditórias são, notadamente, fator de despres­
tígio ao Poder Judiciário — embora nem sempre evitáveis —,
por serem dificilmente compreendidas pelo jurisdicionado,
desconhecedor dos complexos sistemas processuais vigentes. É
absolutamente incompreensível ao jurisdicionado que ora seja
considerado devedor, ora seja considerada quitada a dívida; que
seja despejado por um juiz por falta de pagamento dos alugue­

570A doutrina majoritária concorda com essas duas exceções. Por todos, José
Maria Tesheiner, Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 81-83. No tocante à substituição processual, entre­
tanto, parcela doutrinária afirma ser inconstitucional a geração de efeitos
da coisa julgada ao substituto processual se a ele for impedido o acesso ao
processo: Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada. Rio de janeiro:
Aide, 1*992, p. 302; Eduardo Talamini, Coisa julgada e sua revisão, cit., p.
114-116.

488
res e considerado em dia com tais pagamentos por outro juiz
etc. Apesar de a falta de harmonização de julgados ser objeto
de comentário, pela doutrina nacional, tão-somente das relações
jurídicas definidas pelas sentenças de mérito — até porque a
sentença declaratória de fato está limitada à hipótese do art. 4Q,
inc. II, do CPC —, não há como negar que também a contradição
entre decisões a respeito do mesmo fato causa desprestígio à
atividade jurisdicional e dificuldade de compreensão por parte
do jurisdicionado.
Não é por outra razão que o art. 105 do CPC determina a
reunião de processos conexos, cujo principal objetivo, segundo
a melhor doutrina, é evitar decisões contraditórias571. Lembre-se
que a conexão ocorre quando existe, entre duas ou mais deman­
das, identidade da causa de pedir e do pedido, sendo óbvia a
conclusão de que, por serem os fatos jurídicos componentes da
causa de pedir, a reunião por conexão poderá ocorrer em de­
corrência de sua identidade. Dessa forma, se houver um mesmo
fato jurídico em duas ou mais demandas judiciais, é de rigor sua
reunião para decisão por um só juiz, como forma de evitar que
esse fato seja considerado ora verdadeiro, ora falso, o que cer­
tamente, diante da regra de que o direito surge dos fatos, acar­
retará indesejáveis decisões contraditórias.
Além de evitar decisões contraditórias a respeito de um
mesmo fato em processos distintos a envolverem as mesmas
partes, a ação meramente declaratória de fato também represen­
taria economia processual, porque, nesse caso, o juiz estaria
vinculado tanto à prova já produzida como à declaração cons­
tante na primeira decisão, o que o impediria novo debate fático
e, com isso, nova produção da prova. A observação é importan­
te porque, conforme visto exaustivamente em capítulo próprio,
na prova produzida antecipadamente não existe qualquer vin­
culação do juiz que a recebe de forma emprestada, o que torna

571Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, cit., p.


162-167; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, cit., v. I, p. 398-
399; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil/ cit., p. 297.

489
possível — embora raramente recomendável — a sua completa
desconsideração, de modo que pode o juiz determinar sua re­
petição, que, certamente, ocasionará a repetição de atos proces­
suais em flagrante afronta à economia processual.
É evidente que o juiz, consciente do fato de que prestação
jurisdicional de boa qualidade envolve tempo razoável de du­
ração do processo e menor custo às partes envolvidas, dificil­
mente terá motivos para determinar a repetição de uma prova
que já tenha sido produzida em processo judicial regular. Ocor­
re, porém, que essa utilização é mera opção do juiz, o qual
poderá, sob uma inadequada defesa do princípio do livre con­
vencimento motivado572, determinar a repetição da prova ante­
riormente produzida. Ao ocorrer o trânsito em julgado da decla­
ração do fato, o efeito positivo da coisa julgada retiraria a opção
do juiz pela repetição da produção da prova, o que, certamente,
evitaria esse desnecessário processo. Exatamente como já ocor­
re na atualidade com a ação declaratória de autenticidade ou
falsidade de documento.

8. AÇÃO PROBATÓRIA AUTÔ N O M A SIMPLES E AÇÃO


MERAMENTE DECLARATÓRIA DE FATO
Poder-se-ia afirmar que a adoção de uma ação meramente
declaratória de fato genérica retiraria qualquer função da ação
autônoma probatória, considerando que, na primeira, o autor
obteria sempre algo mais: a certeza jurídica a respeito do fato.
Essa visão, entretanto, não se mostra correta, porquanto é ple­
namente possível defender a existência concomitante desses dois
institutos, em virtude de algumas importantes e substanciais
diferenças entre eles. Tais diferenças já foram apontadas e são
decorrência natural de toda a exposição feita até este momento

572Mesmo esse princípio de vaíoração da prova encontra, no próprio ordena­


mento, algumas limitações, as quais o juiz, por mais liberdade que tenha,
não poderá desrespeitar. Sobre o tema, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,
Do formalismo no processo civil. São Raulo: Saraiva, 1997, p. 156-164.

490
do trabalho; basta indicá-las de forma individualizada para me­
lhor esclarecimento a respeito do tema.
A primeira diferença refere-se ao objetivo perseguido pelo
autor. Ao ingressar com uma ação probatória autônoma, busca-
se, exclusivamente, a produção da prova, sem que o juiz faça
qualquer valoração a seu respeito, enquanto na ação meramen­
te declaratória de fatos o pedido do autor não diz respeito à
produção da prova, mas à declaração definitiva a respeito de uma
situação fática. É evidente que, nesse segundo caso, haverá uma
produção probatória, condição necessária para obter a declaração
do fato, porém a produção não será o objeto do processo, mas
mero meio de lograr o bem da vida que se procura, qual seja, a
certeza jurídica a respeito de uma situação fática.
Como segunda diferença pode ser apontado o objeto das
duas demandas. Na ação probatória autônoma, não se faz qual­
quer exigência no tocante à natureza do fato que se pretende
provar, somente se exige do autor a comprovação de que tem
interesse na produção da prova. Como foi bem apontado pela
melhor doutrina, na justificação, por exemplo, a prova poderá
ser produzida ainda que não tenha o autor o objetivo de utilizá-
la em outro processo judicial ou mesmo administrativo. Na ação
meramente declaratória de fato, até mesmo para evitar indese­
jáveis abusos, somente os fatos que sejam relevantes para o
mundo jurídico — como ocorre, de forma positivada, em Por­
tugal — poderão ser objeto da demanda. Isso significa que tão-
somente os fatos jurídicos poderão ser objeto de declaração;
assim, são excluídos os fatos simples573.
A terceira diferença diz respeito ao procedimento. A ação
probatória autônoma, independentemente do conceito de peri­
culum in mora que se pretenda defender e mesmo com exclusão
de qualquer exigência nesse sentido, justamente por ter como

573No sentido do texto, José Orlando de Carvalho. Ação declaratória, cit., p.


292-293: "Demais disso para tal finalidade (simples comprovação de mero
. fato), a lei processual já prevê a medida cautelar de justificação que se
destina a fazer tal prova".

491
objetivo a mera produção de uma prova, terá, certamente, um
procedimento mais simples e abreviado, como se pode perceber
atualmente na ação de justificação, que nem mesmo de jurisdi­
ção contenciosa se trata. Ainda que se distanciem do tradicio-
nalismo da cautelaridade, tais ações deverão seguir o rito pro­
cedimental cautelar, sumário por natureza, de forma a propor­
cionar à parte acesso rápido e fácil para obter sua pretensão. Na
verdade, a ação probatória autônoma, a exemplo da justificação,
teria natureza de jurisdição voluntária, o que justifica de manei­
ra clara a adoção de procedimento mais simples e abreviado.
já no tocante à ação meramente declaratória de fato, o
processo será de conhecimento e deverá seguir as regras proce­
dimentais atinentes a ele, o que certamente trará maiores com­
plicações procedimentais. A sentença declaratória, por exemplo,
será, naturalmente, impugnável por apelação, por ser fácil per­
ceber o interesse recursal do sucumbente, o que não ocorre na
ação autônoma probatória, na qual a sentença meramente ho-
mologatória da prova produzida dificilmente proporcionará
interesse recursal a qualquer das partes. Dessa forma, presume-
se que a ação meramente declaratória de fato tem duração e
complexidade diferente da ação probatória autônoma.
Como se pode perceber das diferenças apontadas, restará
ao autor a escolha por um dos dois caminhos, levando em con­
ta o objetivo que persegue e as dificuldades procedimentais que
terá para obtê-lo. A opção, portanto, será do autor, que deverá,
casuisticamente, analisar, à luz da espécie de fato — simples ou
jurídico — os prós e os contras da interposição de uma ação
probatória autônoma ou de uma ação meramente declaratória
de fatos.

492
CONCLUSÕES

1. Nem todo processo cautelar previsto como tal pelo Có­


digo de Processo Civil tem, efetivamente, natureza cautelar, como
ocorre nas justificações, protestos, notificações e interpelações.
Ainda que não tenha natureza cautelar, é inegável que todos os
processos previstos como cautelares fazem parte da jurisdição,
ainda que se possa apontar para a natureza de jurisdição volun­
tária de alguns processos previstos como cautelares, como a
justificação avulsa.
2. Apesar das sérias divergências a respeito da natureza
jurídica da jurisdição voluntária, parece mais adequado o en­
tendimento de que a jurisdição voluntária tenha natureza juris­
dicional, ainda que, para se chegar a tal conclusão, seja neces­
sária uma redefinição dos elementos classicamente considerados
para conceituar o instituto da jurisdição.
3. A doutrina tradicional entende que o caráter substitutivo
é essencial à jurisdição, o que retiraria a natureza jurídica de
jurisdição da chamada jurisdição voluntária, por considerar-se
que nesta não há substituição de vontades. É preciso lembrar,
entretanto, que o caráter substitutivo não é encontrado em alguns
processos de jurisdição contenciosa, como ocorre na execução
indireta, pela qual o direito é satisfeito não por uma substituição
de vontade, mas como resultado de uma pressão psicológica
exercida sobre o devedor pelo Estado-Juiz.
4. A definitividade é tradicionalmente mencionada como
um dos elementos característicos da jurisdição, mas é preciso
lembrar que algumas sentenças de mérito proferidas em proces­
sos inegavelmente de natureza contenciosa não fazem coisa
julgada material, como ocorre para parcela significativa da dou­
trina no processo cautelar. Ademais, é equivocado o entendi­
mento de que não existe coisa julgada na jurisdição voluntária,
considerando que o art. 1.111 do CPC exige uma modificação
superveniente para que a sentença possa ser alterada.

493
«
5. Também a existência da lide — segundo conceito clás­
sico de Francesco Carnelutti, conflito de interesses qualificado
por uma pretensão resistida — não pode mais ser exigida para
que se tenha jurisdição; basta, para tanto, mencionar a existên­
cia de ações preventivas de ações constitutivas necessárias, nas
quais a intervenção jurisdicional é essencial, independentemen­
te da existência de um conflito de interesses entre as partes.
6. Conforme precisa lição de Ciovanni Verde, o conceito
de jurisdição deve ser traçado levando-se em conta seu aspecto
subjetivo; assim, deve ser considerado jurisdicional todo proces­
so julgado de forma motivada por um juiz imparcial, desde que
sejam observadas as garantias do contraditório e da ampla de­
fesa. Dessa forma, tanto a jurisdição voluntária como a conten­
ciosa terão a mesma natureza jurisdicional, apesar das evidentes
diferenças existentes entre ambas.
7. Todo processo tem como característica a instrumentali­
dade, considerando-se que o processo é entendido como o
instrumento necessário e apto para a obtenção e para a satisfação
do direito material em juízo. No caso do processo cautelar, há
uma especialidade, porque ele funciona como instrumento de
outro processo, não para a obtenção ou satisfação do direito
material. Em razão dessa especial característica, costuma-se
afirmar que o processo cautelar é o "instrumento do instrumen­
to" ou "instrumento ao quadrado".
8. A instrumentalidade do processo cautelar é meramente
hipotética, por ser impossível determinar se o acautelamento
está, realmente, servindo a garantir a eficácia do resultado do
processo principal, mesmo porque não se sabe, nesse momento
processual, se o autor tem o direito material que alega. Também
será meramente hipotética a instrumentalidade se o direito ma­
terial for satisfeito sem a necessidade de ingresso de processo
principal. Dessa forma, mesmo que exista uma transação extra­
judicial depois de ser efetivada a medida cautelar, ainda será
possível apontar à instrumentalidade hipotética desse processo.
As cautelares, em especial as de natureza probatória, podem
entregar ao requerente, mesmo sem a necessidade de processo,

494
exatamente aquilo que obteria por meio de uma eventual vitória
em processo que não existirá.
9. Tradicionalmente, a produção antecipada de provas está
condicionada à existência do perigo de a prova não poder espe­
rar o momento processual adequado a sua produção, qual seja,
a fase de instrução do processo de conhecimento. A idade avan­
çada ou uma moléstia grave da testemunha, sua iminente viagem
para fora do país ou para local de difícil acesso, a possibilidade
de o bem a ser objeto de perícia vir a se deteriorar são hipóteses
comumente lembradas para a configuração do periculum in mora
nas ações cautelares probatórias autônomas, ligando-se o perigo
exigido de toda e qualquer cautelar de natureza probatória à
produção da prova, não à efetividade de seu resultado.
10. Na França e na Inglaterra, a ação autônoma probatória
não se prende ao periculum in mora; desse modo, é possível seu
ingresso desde que o autor demonstre um justo motivo para
tanto, entendido como a demonstração da utilidade na produção
probatória. Na Alemanha e na Itália, também é possível uma
ação probatória autônoma sem periculum in mora, mas limitada
à produção de prova pericial; no direito germânico, ainda se
admite essa espécie de ação quando houver concordância das
partes na produção da prova.
11. A doutrina, de forma uníssona, entende que o periculum
in mora das cautelares probatórias diz respeito ao perigo de a
prova não poder ser mais produzida, enquanto, para as demais
cautelares, esse fenômeno jurídico diz respeito ao perigo que o
resultado útil do processo corre em decorrência do tempo. A
proposta é redimensionar o conceito de periculum in mora para
as cautelares probatórias; entende-se também nestas que o fe­
nômeno processual diz respeito ao perigo de ineficácia do re­
sultado final do processo. A prova antecipada, assim, será hipo­
teticamente necessária a um resultado positivo; somente esse
resultado poderá ser eficaz, de forma que, em última análise,
embora de forma hipotética, a produção antecipada de prova
também tem a função de garantir um resultado positivo no pro­
cesso principal, única forma de falar em resultado eficaz e útil

495
12. Não é totalmente estranha à realidade forense a ausên­
cia de perigo para a produção da prova por meio do processo
de produção antecipada de prova. Uma hipótese bastante clara
dessa situação encontra-se na ação cautelar proposta pelo futu­
ro e eventual réu do processo principal, que não terá, natural­
mente, condições de saber quando a ação principal será pro­
posta; nesse caso, entende a doutrina que se estará diante de
hipótese de dispensa do perigo de a prova não poder ser produ­
zida posteriormente. Também na ação preparatória da ação
reivindicatória não se exige o perigo de a prova não poder ser
produzida posteriormente.
13. A tomar-se por base o perigo de a prova não poder ser
produzida posteriormente, não há qualquer sentido, como faz
a doutrina nacional, de forma uníssona, em limitar sua existên­
cia à anterioridade ao processo principal, porque o perigo de
não poder esperar pela fase de instrução do processo de conhe­
cimento poderá verificar-se tanto antes como durante o proces­
so de conhecimento, sempre antes da fase legalmente adequada
à produção da prova. O equívoco deriva da falsa premissa de
que, na produção antecipada de prova, não há produção de
prova, mas sua mera asseguração, em entendimento que con­
funde, indevidamente, diferentes fases do procedimento proba­
tório: produção e vaíoração. Na produção antecipada de prova,
sempre esta será produzida e não valorada, fase privativa do juiz
do processo de conhecimento ao sentenciar o feito, momento
no qual deverá fixar a situação fática a embasar sua decisão.
Haverá uma única diferença entre a prova produzida antecipa­
damente antes e durante o processo, mas ela é insuficiente para
gerar uma distinção de suas naturezas. Em relação à prova pro­
duzida antecipadamente de forma autônoma, antes do processo
de conhecimento, sua admissibilidade no futuro processo ocor­
rerá sob a forma documental, em decorrência de sua caracterís­
tica de prova emprestada, enquanto, na hipótese de prova pro­
duzida durante o processo, sua admissibilidade será feita sob a
forma oral ou pericial
14. Tanto para os que defendem a existência de um direito
substancial de cautela como para aqueles que defendem a ins-

496
trumentalidade de outro processo como característica essencial
da natureza cautelar da demanda, a autonomia do processo
cautelar sempre encontrou, na doutrina, plena aceitação, de modo
a ser, aliás, entendida como apuração técnica da ciência proces­
sual a distinção entre os processos de conhecimento, cautelar e
de execução. A autonomia do processo cautelar justifica-se prin­
cipalmente por dois fatores: a) a diversidade de fins perseguidos
pelo processo cautelar quando comparado com os processos de
conhecimento e executivo; b) a diferença procedimental entre
esses processos, que, uma vez unificados em um só, poderá dar
lugar a indesejáveis confusões procedimentais. Nenhum desses
dois fatores verifica-se na produção antecipada de prova, de
forma a ser desnecessária a propositura de demanda’incidental
se já existir processo de conhecimento em trâmite.
15. O art. 273, § 7Q, do CPC, que admite a fungibilidade
entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, somente deverá ser
aplicado quando estiverem presentes, além dos requisitos típicos
da cautelar — periculum in mora e fumus boni iuris —, os requi­
sitos típicos da fungibilidade — ausência de erro grosseiro e
dúvida fundada a respeito da tutela adequada no caso concreto.
O dispositivo tem aplicação limitada àquelas situações chamadas
por Luiz Guilherme Marinoni de "zona cinzenta", nas quais a
dúvida a respeito da tutela adequada é fundamentada. Dessa
forma, a cautelar mantém sua autonomia, embora de forma fle­
xibilizada; não se devendo admitir um típico e manifesto pedido
cautelar sem a necessária propositura do processo cautelar.
16.0 melhor conceito de "prova emprestada" é aquele que
a define como a prQya produzida em determinado processo e
trasladada a outro, em que servirá ao convencimento do juiz
que a receber de forma documentada. Em nada interessa a fun­
ção desenvolvida pela prova no processo em que é originaria-
mente produzida; assim, pode ter sido produzida exclusivamen­
te para gerar seus efeitos — convencer o juiz — em outro pro­
cesso ou ainda gerar tais efeitos tanto nesse processo como
naquele que a recebe de forma emprestada. Dessa maneira, a
prova produzida por meio de uma ação probatória autônoma

497
ingressará no processo principal sob a forma trasladada, de modo
que é correto afirmar que essa prova é uma espécie de prova
emprestada.
17. Por tratar-se de espécie de prova emprestada, também
na prova produzida antecipadamente afasta-se o princípio da
oralidade, bem como dos princípios correlatos a ele: imediati-
dade, concentração de atos e identidade física do juiz. Registre-
se que essa realidade não é exclusiva da prova emprestada;
basta para fundamentar tal conclusão a lembrança das provas
produzidas por carta precatória e rogatória.
18. A prova emprestada serve para dois propósitos princi­
pais: economia processual e obtenção da verdade possível No
tocante à economia processual, a prova emprestada evita a des­
necessária duplicação da produção de prova, prestando-se a
evitar a repetição de atos processuais. Por vezes, entretanto, a
prova emprestada terá função ainda mais nobre. Sempre que a
prova não puder ser produzida novamente, a prova emprestada
proporcionará o acesso à ordem jurídica justa, materialização
do princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdi­
cional, previsto no art. 5Q, inc. XXXV, da CF. No caso da prova
produzida antecipadamente em razão de periculum in mora
— no conceito tradicional da doutrina —, em regra a prova não
poderá ser novamente produzida, o que enfatiza o segundo, e
mais importante, propósito da prova emprestada.
19. A admissão da prova emprestada deve, em regra, res­
peitar o princípio do contraditório; desse modo, não se deve
aceitar o empréstimo de prova de processo no qual a parte não
tenha tido ampla participação na produção desta. Isso não sig­
nifica, entretanto, que as partes do processo em que a prova foi
produzida originariamente devam ser exatamente as mesmas do
processo que receberá o empréstimo da prova; para que o con­
traditório seja respeitado, basta que a parte contra quem vai ser
oposta a prova tenha participado de sua produção originária.
No caso específico da produção antecipada de prova, esse pro­
blema é de pequena relevância, porque, em regra, as mesmas
partes que participaram da ação probatória farão parte da relação
jurídica processual do processo principal.

498
20. Não se exige a identidade do juiz no processo no qual
a prova foi produzida e naquele que a recebe sob a forma em­
prestada. A impropriedade da tese que defende tal identidade,
fundada no respeito ao princípio do juiz natural, é criticável por
ao menos três principais argumentos: o aproveitamento dos atos
praticados por juízo incompetente, mesmo quando se tratar de
incompetência absoluta no que tange aos atos que não sejam
decisórios — os probatórios incluídos; a possibilidade de a pro­
va ser produzida por juízo que não seja o natural nas hipóteses
de carta precatória ou rogatória; a natureza de prova documen­
tal que a prova emprestada adquire.
21. A prova emprestada é espécie de prova atípica, porque
no processo em que é assim apresentada mantém a natureza
originária — oral ou pericial —, mas sua forma será de prova
documental. Trata-se, portanto, de prova documentada. Não por
outra razão a prova emprestada, necessariamente, será prova
causai, porque na prova pré-constituída — especialmente a
documental — a natureza e forma da prova será sempre a mes­
ma — documental —, não se podendo falar em prova atípica.
Se for considerada formalmente uma prova documental, a prova
emprestada será produzida no processo que a recebe, desde que
se respeitem as regras procedimentais para a produção dessa
espécie de prova, em especial quanto ao momento de sua apre­
sentação em juízo. Registre-se que, na exibição autônoma de
coisa ou de documento, haverá a singular figura da prova docu­
mental documentada.
22. Já se afirmou que o respeito ao contraditório é uma das
condições, ao menos em regra, de aceitação do empréstimo de
uma prova. Cumpre agora verificar qual é o vício da prova quan­
do esse princípio constitucional não é respeitado. Não é corre­
to o entendimento de que a prova, nessas circunstâncias, seja
juridicamente inexistente, tampouco absolutamente ineficaz. Em
regra, a prova produzida sem a observância do contraditório será
ineficaz, incapaz de gerar o efeito de convencer o juiz, mas
existem situações excepcionais em que, mesmo sendo produzi­
da sem contraditório, a prova poderá ser aproveitada no con­
vencimento do juiz. Se for possível sua repetição — o que de­

499
monstrará que sua aceitação somente ensejará economia pro­
cessual —, melhor será a repetição da prova, mas, quando tal
repetição for impossível, o princípio do contraditório se verá
confrontado com o da verdade possível; assim, deverá o juiz
aplicar no caso concreto a regra da proporcionalidade, o que
poderá resultar no aproveitamento da prova.
23. A prova emprestada será livremente valorada pelo juiz
que a recebe, pouco importando seu grau de convencimento
sobre o juiz que originariamente a produziu. Entendimento em
sentido contrário, que condicionasse o segundo juiz ao conven­
cimento do primeiro, transformaria a prova emprestada em
prova plena, o que não se admite diante do princípio do livre
convencimento motivado no tocante à valoração probatória. Essa
característica é ainda mais clara na prova produzida antecipa­
damente, na qual o juiz que a produziu originariamente não
chega nem mesmo a valorar a prova, tarefa reservada, com ex­
clusividade, ao juiz do processo principal que a receber sob a
forma emprestada.
24. A doutrina nacional, de forma uníssona, critica o nome
"produção antecipada de provas", por afirmar que, nesse pro­
cesso, a prova não será efetivamente produzida, mas meramen­
te assegurada, para produção posterior. Confundem-se, indevi­
damente, fases do procedimento probatório; mais especifica­
mente a fase da produção e da valoração. Apesar de ser correto
o entendimento de que o juiz do processo cautelar não valora
a prova, tarefa exclusiva do juiz que a recebe no processo de
conhecimento, é incorreto afirmar que a prova, somente porque
não foi valorada, não será produzida. O direito espanhol apre­
senta expressa previsão de medidas de produção antecipada de
prova e de asseguração de prova, em demonstração clara e irre­
futável de que o direito brasileiro positivado somente prevê a
primeira espécie. A não-valoração da prova no processo de
antecipação de provas não torna o processo meramente assecu-
ratório da prova, pois esta é efetivamente produzida, na sua
forma oral ou pericial. Ao ser juntada ao processo principal, a
prova será novamente produzida, sob a forma documenta] — a

500
prova antecipada é espécie de prova emprestada e torna-se uma
prova documentada.
25. Ao conceituar o periculum in mora nas cautelares pro­
batórias como o perigo de a prova não poder ser produzida no
momento adequado, a doutrina nacional entende que, sempre
que for ausente essa situação de perigo, a ação autônoma pro­
batória não terá natureza cautelar. Poderá até seguir o procedi­
mento cautelar, mas não poderá ser considerada uma autêntica
demanda cautelar. Para as cautelares em geral, o princípio do
periculum in mora refere~se ao perigo de que o tempo torne o
resultado do processo ineficaz, o que, evidentemente, só pode­
rá ocorrer, ainda que eventualmente, se o resultado for positivo.
Ao aplicar-se esse conceito de periculum in mora às ações pro­
batórias autônomas, será possível defender sua natureza caute­
lar em qualquer hipótese, mesmo quando for possível a produção
da prova posteriormente, porque uma prova favorável sempre
funcionará para a obtenção de um resultado positivo, condição
sine qua non para falar em resultado eficaz.
26. Em regra, as partes do processo cautelar repetem suas
posições jurídicas no processo principal; será autor o que fora
requerente, e réu, o sujeito que fora requerido. Na cautelar de
produção antecipada de prova, entretanto, essa regra poderá ser
afastada, porque também o futuro réu da ação principal tem
legitimidade para ingressar com a demanda probatória. Essa
legitimação permite que o requerente da produção antecipada
de provas seja réu na ação principal e que figure como autor
nessa demanda o sujeito que participou do pólo passivo do
processo cautelar. Também um sujeito que não participará do
processo principal poderá ter legitimidade ativa na produção
antecipada de prova; basta, para tanto, que demonstre ter com
alguma das partes uma relação jurídica de direito material, da
qual resultaria interesse jurídico do terceiro na produção da
prova. Por não ser essa relação jurídica a que será discutida no
processo principal, deve-se exigir que o resultado deste gere, de
alguma forma, um efeito jurídico na relação jurídica mantida
entre o autor da cautelar — que não participará, ao menos como

501
autor ou réu, do processo principal — e o réu — que deverá
figurar como parte no eventual processo principal
27. É possível a propositura de ação cautelar de produção
de provas contra réu desconhecido, devendo ocorrer nessa hi­
pótese uma citação por edital Somente quando a demora ne­
cessária à realização de citação dessa espécie puder acarretar a
ineficácia da tutela será permitida a produção da prova antes da
citação do réu, hipótese em que será indicado a ele, imediata­
mente, advogado dativo. Propõe-se, de lege ferenda, que, se for
produzida a prova contra réu desconhecido e, no processo prin­
cipal, reste comprovado que o autor sabia exatamente quem
deveria ter sido o requerido, ou tinha motivos suficientes para
saber, seja caso de não se admitir a prova, como forma de sanção
processual ao autor desleal
28. A oposição, o chamamento ao processo e a denuncia-
ção da lide são espécies de intervenção de terceiro não admiti­
das no processo cautelar em geral e na produção antecipada de
provas em específico. A nomeação à autoria é admitida no pro­
cesso de produção antecipada de provas, desde que sejam
preenchidos os requisitos dos arts. 62 e 63 do CPC. A possibili­
dade de a prova interessar a sujeito que não poderá ser parte no
processo cautelar pela inadmissibilidade das intervenções de
terceiro, mas que poderá participar do processo principal como
denunciado à lide ou chamado ao processo, proporciona a
aceitação de uma intervenção de terceiro atípica, chamada de
"assistência provocada". O instituto, aplicável a todos os pro­
cessos cautelares, ganha importância na produção antecipada
da prova, permitindo o ingresso coativo de sujeito para participar
do processo como forma de possibilitar a oposição contra ela
da prova produzida, no processo principal em que ele intervirá
— eventualmente — como terceiro interessado.
29. Apesar de a previsão do art. 800 do CPC apontar que a
competência para a ação cautelar é a do Juízo competente para
conhecer o processo principal, o princípio da eficácia da cau­
telar permite que, em hipóteses de extrema urgência, nas quais
o respeito à norma legal acarreta a ineficácia da tutela cautelar,
proponha-se a ação cautelar no lugar em que a medida garan-

502
tidora deva ser efetivada, ainda que em descumprimento da
regra legal Essa exceção aplica-se tanto para a hipótese de cau­
telar antecedente como de cautelar incidental. A justificativa
para a regra legal de competência é de que o juízo da ação
cautelar seria o mais preparado para conhecer o processo prin­
cipal, mas não seria aplicável à produção antecipada de prova,
porque o juiz que forma a prova não a valorará, tarefa exclusiva
do juiz do processo principal.
30. A prevenção existente entre o Juízo competente para a
ação cautelar e para a ação principal não se aplica na ação
cautelar de produção de prova. Embora o princípio da imedia-
tidade seja afastado na produção antecipada de prova, entende­
mos que, se for essa demanda da mesma competência territorial
da ação principal na qual a prova será utilizada sob a forma
emprestada, interessante será aplicar a regra da prevenção, por­
que, dessa forma, haverá uma chance de que o mesmo juiz que
participou da produção originária da prova a utilize no proces­
so principal na formação de seu convencimento.
31. Apesar de o art. 342 do CPC mencionar a possibilidade
de interrogatório como objeto da produção antecipada de prova,
o que será permitido é o depoimento pessoal da parte contrária,
com as devidas adaptações. Não se admite a confissão na pro­
dução antecipada de prova na hipótese de a parte contrária não
comparecer à audiência ou responder às perguntas de forma
evasiva, porque a confissão, apesar de ser prevista como meio
de prova, na verdade não o é, pois funciona somente no mo­
mento de valoração da prova, tarefa, conforme foi visto, exclu­
siva do juiz do processo principal. Por se tratar o depoimento
pessoal de uma obrigação processual de fazer, é aplicável à
resistência injustificada da parte na produção antecipada de
prova a multa — astreinte — prevista pelo art. 461 do CPC, como
forma de execução indireta, pressionando a parte contrária a
comparecer à audiência. É evidente que, mesmo pressionada, a
parte poderá comparecer à audiência e não responder às per­
guntas, ou fazê-lo evasivamente.
32. Existem quatro espécies de perícia: exame, vistoria,
avaliação e arbitramentp. Na avaliação e no arbitramento, bus­

503
ca-se a determinação de um valor, o que leva parcela da doutri­
na a entender não serem cabíveis tais formas de perícia na
produção antecipada de prova, porque o valor não corre qualquer
risco, de modo que não é possível seu perecimento. Ainda se
afirma que, sendo impossível ao juiz da cautelar valorar a prova,
o arbitramento ou a avaliação seriam inúteis no âmbito da pro­
dução antecipada de prova. Não é o melhor entendimento, pois
se percebe, na doutrina que o defende, novamente a confusão
entre a produção e a valoração da prova. A avaliação ou o arbi­
tramento realizado pelo perito antecipadamente pode ou não
influenciar o juiz do processo principal, no que não difere, em
absolutamente nada, das outras espécies de perícia.
33. É indevida a restrição à inspeção judicial na produção
antecipada de prova sob o argumento de que o juiz do processo
cautelar não poderá valorar a prova. A incorreção deriva da
falsa concepção do que seja a inspeção judicial, já porque, por
esse meio de prova, o juiz somente produzirá a prova de forma
direta, não a valorando, tarefa que ficará para a sentença do
processo principal. Deverá tão-somente expressar suas impres­
sões em um auto de inspeção, sendo que a valoração a respeito
de tais impressões será feita somente no processo principal, como
ocorre com qualquer outro meio de prova.
34. A petição inicial da produção antecipada de prova se­
gue, basicamente, os requisitos previstos pelo art. 801 do CPC
e, de forma complementar, pelo art. 282 do CPC. O requerente
deverá indicar o juízo competente, qualificar as partes, narrar a
causa de pedir e pedido, pedir a citação do requerido, indicar
as provas que pretende produzir para demonstrar seu furnus boni
iuris e periculum in mora, bem como atribuir um valor à causa,
que será meramente estímativo. Está dispensado de indicar a
ação principal que eventualmente proporá (art. 801, inc. III, do
CPC).
35» Ao tratar do mérito da ação cautelar, na inicial da pro­
dução antecipada de provas o autor deverá indicar o fumus boni
iuris e o periculum in mora. No tocante ao fumus boni iuris, não
será necessário, nem mesmo sumariamente, o autor demonstrar

504
a aparência do direito material que virá a ser objeto da futura e
eventual ação principal; basta a demonstração do direito à pro­
dução da prova, direito este significativamente amplo. Não ha­
verá fumus boni iuris na hipótese de o fato a ser provado não ser
objeto de prova, como ocorre com o fato em cujo favor milite
presunção de existência ou veracidade, porque, nesse caso, a
produção antecipada de prova seria inútil Na hipótese especí­
fica de fato notório, a vaíoração da notoriedade deve ser feita
pelo juiz da ação principal, somente se admitindo o indeferi­
mento da pretensão probatória cautelar quando o fato for mani­
festamente notório. Entre produzir prova de um fato pretensa-
mente notório e indeferir essa produção para depois não se
admitir o fato como notório, prefere-se a primeira solução. Por
ser amplo o direito à prova, a necessidade de o requerente de­
monstrar o fumus boni iuris na cautelar de produção antecipada
de prova é tarefa extremamente facilitada.
36. Na doutrina pátria, de maneira uniforme, entende-se
que o periculum in mora na produção antecipada de prova é o
perigo de que a prova, se não for produzida imediatamente, não
poderá sê-lo no momento adequado para tanto — fase instrutó-
ria do processo de conhecimento. É inadequada a tipificação
desse perigo, como é feito pelo art. 847 do CPC no tocante à
produção antecipada de prova testemunhai, sendo que mesmo
perigos não tipificados pela lei admitirão a demanda cautelar.
Nesse ponto o art. 849 do CPC, que trata da prova pericial, ao
deixar de tipificar o perigo, é superior tecnicamente ao art. 847
do CPC. Registre-se um abrandamento jurisprudencial na prova
do periculum in mora, ao admitir-se a prova antecipada ainda
que tal requisito não tenha sido plenamente demonstrado.
37. A concessão de liminar é extremamente rara na produ­
ção antecipada de prova, o que contraria a freqüência com que
tal figura se verifica nas demais demandas cautelares. A produção
da prova inaudita altera parte deve ser reservada a situações de
excepcional urgência, porque não permitirá ao requerente par­
ticipar da produção da prova, por ser sua posterior atuação
processual muito limitada, em séria flexibilização do contradi­
tório. De lege ferenda, como já ocorre no direito positivado da ••

' 505
Itália e Argentina, nesses casos excepcionais deveria ser possível
a indicação de advogado dativo ao requerido para que acom­
panhe a produção da prova.
38. O requerido na produção antecipada de provas, que
deverá, obrigatoriamente, ser citado, poderá, no prazo de res­
posta, ingressar com qualquer uma das respostas previstas pelo
art. 297 do CPC. Poderá excepcionar o juízo na hipótese de
incompetência relativa e o juiz, na hipótese de suspeição e im­
pedimento. Apesar de a corrente doutrinária majoritária não
entender cabível a reconvenção como forma de resposta do
requerido na ação cautelar, na produção antecipada de prova
não se podem negar os benefícios da permissão de um pedido
contraposto na própria contestação, a possibilitar que o reque­
rido amplie o objeto da prova ou ainda indique outras fontes de
prova (e. g., requeira a oitiva de novas testemunhas). Não se
mostra correto o entendimento de que o requerido seja tão-so-
mente citado para participar da produção da prova, sem poder
defender-se, pois se exigir tal conduta obrigatoriamente passiva
do requerido macula o princípio do contraditório e da ampla
defesa. Havendo mérito nesse processo — fumus boni iuris e
periculum in mora —, o requerido poderá contestar a pretensão
do requerente no mérito e buscar uma sentença de iImprocedên­
cia, além, evidentemente, de alegar as defesas processuais.
39. A produção de prova que tenha como objeto a oitiva
de testemunha ou do requerido seguirá, basicamente, as regras
procedimentais concernentes à produção de prova testemunhai,
excluída a possibilidade de confissão na oitiva do requerido,
conforme já anteriormente exposto. A contradita somente deve­
rá ser admitida se a causa de vício para a oitiva da testemunha
puder ser demonstrada objetivamente, porque, sendo a causa
- subjetiva, exigir-se-á uma valoração, a qual não deve ser feita
pelo juiz da ação cautelar. A acareação deve ser amplamente
admitida, pois busca purificar a prova colhida quando existem
contradições nas declarações; devendo-se considerar que, pro­
vavelmente, será impossível proceder a essa confrontação no
processo principal.

506
;
40. A produção antecipada de prova pericial segue as mes­
mas regras procedimentais para a produção da prova que o meio
i previsto na parte do estatuto processual destinada ao tema pro­
batório. Até mesmo a oitiva do perito para prestar esclarecimen­
to em audiência de instrução deve ser admitida, porque, nesse
caso, o juiz da ação cautelar somente estará admitindo uma
prova mais completa; tal ato em nada se confunde com a valo­
ração da prova.
41. Apesar de não ser possível vetar que o juiz da ação
principal repita a produção de uma prova anteriormente produ­
zida, de modo a desprezar qualquer valor a ela, é importante
que o juiz não proceda de forma contrária ao princípio da eco­
nomia processual; assim, deve evitar a repetição de atos inúteis.
De um maior respeito ao instituto da produção antecipada de
prova, com a conseqüente aceitação da prova produzida, de­
pende o interesse prático das partes em produzir a prova ante­
cipadamente por meio de ação autônoma.
42. Na ação de produção antecipada de prova, antes de
produzi-la, o juiz poderá proferir sentença terminativa ou de
improcedência do pedido do requerente. Embora tais decisões
também possam ocorrer depois de produzida a prova, hipóteses
em que poderá deixar de homologá-la, o juiz não conseguirá
desfazer o que já foi feito, porque prova produzida é prova pro­
duzida. O problema potencializa-se na hipótese de prova pro­
duzida inaudita altera parte, porque, nesse caso, o requerido
não terá participado de sua produção. Caso venha ao processo
e demonstre em contestação que não havia necessidade da
produção de prova sem sua oitiva, porque o caso concreto não
apresentava a urgência urgentíssima afirmada pelo requerente,
ou a prova será repetida, ou o juiz extinguirá o processo com
sentença de improcedência, deixando de homologar a prova. A
única hipótese em que a prova não poderá ser aproveitada em
outro processo é se for demonstrada a má-fé do requerente em
suas alegações para produzir a prova sem a participação do
requerido.
43. A condenação do requerido ao pagamento das verbas
de sucumbência dependerá da postura que adotar diante do

507
pedido do requerente. Caso não se oponha à produção da pro­
va, não poderá ser condenado, por considerar-se que não deu
causa à demanda, e poderá até mesmo concordar com a produ­
ção da prova, que, aliás, poderá favorecê-lo em processo futuro.
Já no caso de impugnar a pretensão do requerente, com o obje­
tivo de evitar a produção da prova, após serem superadas suas
teses defensivas e produzida a prova, deverá ser condenado às
verbas de sucumbência.
44. Exibir significa colocar em contato físico e permitir que,
visualmente, conheçam-se a forma e o conteúdo de coisa ou de
documento. Ao ser realizada a exibição em juízo, não se justi­
fica a manutenção da coisa ou do documento nos autos por
tempo prolongado; assim, cabe ao juiz, no caso concreto, de­
terminar lapso temporal suficiente ao conhecimento da coisa ou
do documento, e, depois de ser vencido tal prazo, devolvê-los
à pessoa que os detinha em seu poder. A característica da exi­
bição é o suficiente para diferenciar esse meio de prova da
prova documental, porque, uma vez produzida a prova por esse
segundo meio, o documento não retornará, em regra, a seu
possuidor, de modo que é incorporado ao processo e permane­
ce nos autos até, pelo menos, a extinção do processo.
45. A exibição de coisa e de documento poderá ocorrer
durante o processo de conhecimento, ainda que antes da fase
instrutória. Nesse caso, a doutrina, de maneira majoritária, afas­
ta a cautelaridade da exibição, ao apontar a dispensa do fumus
boni iuris e do periculum in mora. O entendimento não se mos­
tra correto, porque, se for necessário o adiantamento procedi­
mental para a exibição de coisa ou de documento durante o
processo de conhecimento em virtude do perigo de não mais se
poder produzir a prova durante a fase instrutória, a exibição terá
nítida natureza cautelar, pois servirá para evitar o perecimento
da prova e, como conseqüência, garantirá uma situação proces­
sual favorável à parte para que se sagre vitoriosa na demanda.
46. Em algumas hipóteses, a exibição de coisa ou de docu­
mento presta-se a fornecer ao autor dados necessários à propo­
situra da demanda judicial, como no caso de preparação para a

508
ação reivindicatória. Parcela majoritária da doutrina entende
que, nesse caso, a exibição será satisfativa, porque o objetivo do
requerente é tão-somente o conhecimento de tais dados, afas-
tando-se a natureza cautelar da exibição por ser dispensado o
requisito do periculum in mora. É preciso registrar que é ilusório
o entendimento de que os dados obtidos pela demanda proba­
tória sirvam tão-somente como preparação para o ingresso do
processo, porque tais dados também serão utilizados como
prova das alegações do autor. Haverá, portanto, duas funções:
preparar a ação e provar fatos. Apesar da divergência a respeito
da natureza jurídica dessa exibição — cautelar ou satisfativa —,
é inegável tratar-se de ação probatória autônoma, que tem como
objeto a prova de um fato necessário à propositura da demanda
judicial, mas que também será utilizado no convencimento do
juiz.
47. A exibição de coisa ou de documento também pode
fundar-se no direito material do requerente sobre a coisa ou
sobre o documento, hipótese em que a doutrina majoritária a
afasta da natureza cautelar, por entender que, nesse caso, o di­
reito material à exibição é satisfeito. O art. 844, inc. II, do CPC
menciona a exibição de coisa ou de documento próprio ou
comum. Mais uma vez, a par de sua natureza jurídica — caute­
lar ou satisfativa —, é inegável que, uma vez exibida a coisa ou
o documento em juízo, ter-se-á produzido uma prova a respeito
da forma, do conteúdo ou do estado da coisa ou do documento,
circunstância suficiente para incluir também essa espécie de
exibição no rol das ações probatórias autônomas.
48. Para a doutrina majoritária, a exibição só terá natureza
cautelar se for proposta por meio de ação autônoma antes da
ação principal e se existir, no caso concreto, o fundado receio
de que, posteriormente, a produção da prova seja impossível ou
extremamente difícil Ao defender a cautelaridade dessa ação,
exigir-se-á do requerente a comprovação do fumus boni iuris e
do periculum in mora. As mesmas dificuldades encontradas para
configurar, no caso concreto, o fumus boni iuris na produção
antecipada de prova repetem-se na exibição cautelar. Por tratar-
se de demanda em que se busca, exclusivamente, a produção

509
de uma prova que poderia perecer em razão do tempo necessá­
rio de espera pelo momento de sua produção, não se deve
exigir do requerente, nem mesmo deforma aparente, a demons­
tração do direito material que virá a ser objeto da ação principal,
de modo a limitar-se à análise do juiz ao direito à prova. Dife­
rente do que ocorre na produção antecipada de prova, o legis­
lador não tipifica as hipóteses de periculum in mora, de forma
que qualquer perigo à produção da prova será suficiente para
preencher tal requisito no caso concreto.
49. Apesar da dificuldade em distinguir as condições da
ação e o mérito nas ações cautelares, na exibição cautelar a
possibilidade jurídica do pedido funda-se na exigência de que
a prova seja lícita e que não esteja excluída sua exibição expres­
samente pelo ordenamento jurídico (art. 363, CPC). No tocante
ao interesse de agir, o requerente deverá demonstrar que não
teria outra forma de acesso ao documento ou à coisa que não
por intervenção jurisdicional, o que torna o processo de exibição
cautelar imprescindível. Quanto à legitimidade de parte, apli-
cam-se as mesmas regras da produção antecipada de provas. A
especialidade fica por conta da possibilidade de legitimação
passiva de terceiro, ou seja, de sujeito que não virá a compor o
pólo passivo ou ativo da ação judicial principal. Rara ser deman­
dado na exibição, basta que o sujeito esteja em poder da coisa
ou do documento; é irrelevante sua futura participação no even­
tual processo principal.
50. A exemplo da produção antecipada de prova, a regra
de competência do art. 800 do CPC não deve ser aplicada na
exibição de coisa ou de documento, pois se prefere a proposi­
tura da ação no local em que se produzirá a prova, ainda que
não seja o mesmo em que deve ser proposta a futura e eventual
ação principal. Reconhece-se que, no caso de bem móvel, pode
ser difícil ao requerente indicar o local em que se encontra o
documento ou a coisa, hipótese em que deverá seguir a regra
do art. 800 do CPC. Trata-se, mais uma vez, de aplicação do
princípio da eficiência do processo cautelar.

510
51. Como na produção antecipada de prova, na exibição
cautelar o requerente poderá ser o réu na ação principal, e vice-
versa. O ingresso da exibição cautelar pelo potencial réu da ação
principal poderá, inclusive, levara não-propositura da demanda,
uma vez que o potencial autor, ciente de que o potencial réu
conhece o documento ou a coisa, poderá ser desestimulado a
propor a demanda judicial. Na legitimação passiva, basta que o
sujeito tenha em seu poder a coisa ou o documento, mesmo que
não venha a ser parte na futura e eventual ação principal.
52. Na petição inicial da exibição, é dispensável a exigên­
cia contida no art. 801, inc. III, do CPC, pois não se exige do
requerente a indicação do objeto da ação principal futura e
eventual, que, no caso concreto, aliás, pode nem mesmo existir.
Uma especialidade digna de nota no tocante à inicial do pro­
cesso autônomo de exibição de coisa ou de documento diz
respeito ao cumprimento do exposto no art. 356 do CPC, em
virtude do disposto no art. 845 do mesmo diploma legal.
53. Admite-se a concessão de liminar na exibição cautelar
de documento ou de coisa, desde que o requerente demonstre
que a citação do requerido poderá tornar ineficaz a medida
pretendida. Nesse caso, deverá ser indicado um advogado dati­
vo ao requerente ainda não citado, bem como será possível ao
juiz exigir a prestação de caução como forma de garantir even­
tuais prejuízos injustificados ao requerido.
54. Tratando-se de verdadeira ação judicial, na exibição
cautelar o requerido deve ser citado, a fim de integrar-se à rela­
ção jurídica processual Apesar de o art. 802 do CPC indicar que
o requerido poderá contestar em cinco dias, existem outras es­
pécies de resposta que poderão ser utilizadas pelo requerido: as
mesmas que poderá utilizar como resposta na produção anteci­
pada de provas. Na contestação, poderá alegar que a coisa ou
o documento não existe, que não está em seu poder, que não
tem o dever de exibir, ou que não existem fumus boni iuris e
periculum in mora.
55. Por não haver vaíoração da prova na exibição, qualquer
que seja o requerido — eventual réu na futura ação principal ou

511
não —, não se admitirá que, diante da resistência em exibir a
coisa ou o documento, os fatos que se pretendiam provar verda­
deiros sejam admitidos como tais. O juiz deverá determinar a
busca e a apreensão do documento ou da coisa e poderá cominar
a aplicação da astreinte, já que a exibição é obrigação de fazer.
56. O vocábulo "justificação" tem, no campo do direito
processual, dois significados diferentes: a) ato de tornar plausível
um fato; e b) processo autônomo que tenha como objeto a co­
lheita de prova testemunhai. No primeiro caso a justificação
consubstancia-se em audiência a ser realizada para convencer
o juiz a respeito do pedido de uma tutela de urgência, como
ocorre no pedido de concessão de liminar nas cautelares e nas
ações possessórias. Ainda que não exista previsão específica,
será admissível audiência de justificação sempre que o juiz
entender necessário ouvir testemunhas para decidir a respeito
de pedido de tutela de urgência. No segundo caso, a justificação
desenvolve-se por meio de ação autônoma, chamada de "justi­
ficação avulsa".
57. Apesar de prevista entre as cautelares nominadas, a
doutrina pátria é uníssona no entendimento de que a justificação
avulsa não tem natureza cautelar, a considerar a dispensa de
qualquer periculum in mora para sua admissão. A ação de jus­
tificação é uma verdadeira ação autônoma probatória oral,
porque a única exigência feita ao requerente é a demonstração
da utilidade da produção da prova; em nenhum momento se
pondera estar tal produção em perigo.
58. A justificação avulsa diferencia-se da produção anteci­
pada de prova oral exclusivamente em virtude do perigo de a
prova poder perecer, presente na segunda e ausente na primeira.
O efeito das duas demandas é exatamente o mesmó: produzir
uma prova oral. Por essa razão, existe uma nítida fungibilidade
entre elas; desse modo, deve o juiz, no caso concreto, converter
a produção antecipada de prova oral em justificação avulsa se
entender liminarmente que não existe o periculum in mora,
tradicionalmente exigido para essa espécie de ação cautelar. Na
verdade, a própria sobrevivência dessa ação é questionável,

512
porque a justificação leva o requerente ao mesmo resultado
exigindo menos requisitos.
59. A justificação faz parte da jurisdição voluntária. Essa
conclusão é pacífica, mas a doutrina diverge das razões para
enquadrar a justificação avulsa no quadro da jurisdição volun­
tária. O melhor entendimento é aquele que defende a natureza
de jurisdição voluntária do processo de justificação como deri­
vação da ausência de cognição a respeito de qualquer direito
material que venha a ser protegido pelo processo, pois simples­
mente se produz a prova testemunhai, desde que ela seja útil e
possível.
60. O objeto principal da justificação avulsa é a prova tes­
temunhai, sendo os documentos que o requerente, segundo o
art. 863 do CPC, poderá juntar à petição inicial limitados, jus­
tamente, a corroborar a prova testemunhai a ser produzida. Não
existe justificação documental nem produção de prova docu­
mental na justificação, como uma leitura mais apressada do
dispositivo legal mencionado poderia fazer crer. Apesar de a
doutrina ser uníssona ao limitar a justificação avulsa à prova
testemunhai, parece não haver qualquer inconveniente em in­
terpretar expansivamente o art. 863 do CPC, de modo a permi­
tir também a realização de depoimento pessoal. Não há lógica
em exigir, para o depoimento pessoal, o periculum in mora, de
modo a obrigar o requerente a propor a ação de produção an­
tecipada de prova, enquanto essa situação de perigo é dispen­
sada na produção de prova testemunhai por meio de justificação
avulsa. Por tratar-se de espécies do mesmo gênero — prova
oral — , devem ser tratadas igualmente.
61. A prova produzida em justificação avulsa é espécie de
prova documentada. Mantém sua natureza oral originária, mas
se materializa na ata de audiência, que é documento. Dessa
forma, ao utilizar a prova produzida em justificação avulsa em
outro processo — judicial ou administrativo —, esta será apre­
sentada sob a forma documental, mas não terá essa natureza.
Essa diversidade de natureza e de forma torna a prova produzi­
da na justificação, à luz do processo que a recebe, em prova

513
atípica, diferente de todas aquelas previstas expressamente como
meio de prova pelo estatuto processual. Essa constatação tem
importantes efeitos práticos, como a não-admissão de justifica­
ção para a prova de fatos que somente poderão ser comprovados
mediante prova documental.
62. A justificação não tem a característica da instrumenta­
lidade, própria das cautelares, a considerar que o requerente não
precisa demonstrar, ainda que sumariamente, seu interesse em
utilizar a prova produzida em uma futura e eventual demanda
judicial. Basta a demonstração de algum interesse na produção
da prova — ainda que meramente prático — para se admitir a
justificação. A utilidade da prova para algum fim é essencial,
considerando que o Poder Judiciário não pode ser obrigado a
mover toda a sua máquina para desenvolver atividade que se
mostra absolutamente inútil Não se admitirá a justificação nas
hipóteses em que o fato somente possa ser provado juridicamen­
te por meio de outro meio de prova, em regra documental.
63. Se figurar como parte do processo de justificação avul­
sa — como autor ou "interessado" — qualquer dos entes federais
previstos pelo art. 109, inc. I, da CF, a Justiça Federal será abso­
lutamente competente para conhecer a justificação avulsa. A
mesma competência absoluta terá na hipótese de não existir
qualquer desses entes como parte no processo, mas o autor in­
dicar que pretende utilizar a prova produzida em futuro proces­
so que contará com algum deles no pólo passivo. Caso não es­
teja presente qualquer desses entes federais nos pólos da justifi­
cação avulsa e tampouco haja indicação de que a prova produ­
zida será utilizada em processo futuro e eventual que os envol­
va, a competência da justificação será da Justiça Estadual.
Ocorre, entretanto, que, mesmo produzida a prova por juiz es­
tadual, será possível ao autor utilizá-la em processo de compe­
tência da Justiça Federal, até porque a prova produzida por juí­
zo absolutamente incompetente não será anulada, de modo a
manter sua integridade como prova. Esse raciocínio estende-se
inclusive para ações de justificação que tramitaram perante um
juízo absolutamente incompetente.

514
64. No tocante à competência de foro, aplicam-se as mes­
mas regras destinadas a regular o tema na ação de produção
antecipada de provas. No caso da justificação, aliás, a doutrina
— sempre com o conceito clássico de periculum in mora para
as ações probatórias — indica mais uma razão para deixar de
aplicar a regra exposta no art. 800 do CPC, por considerar não
existir, em tal processo, qualquer natureza cautelar, de modo
que não está o direito à produção da prova testemunhai condi­
cionado à propositura da chamada "ação principal".
65. Apesar de ser característica dos processos de jurisdição
voluntária a possibilidade de sua instauração de ofício em razão
de característica de inquisitoriedade presente nessas demandas,
a justificação avulsa exige uma provocação da parte interessada
em produzir a prova. Os poderes instrutórios do juiz, nesse to­
cante, não podem superar o princípio da inércia da jurisdição.
Não haveria qualquer sentido lógico em um juiz iniciar de ofício
uma justificação avulsa para produzir prova oral de utilidade
para determinado sujeito que não tenha provocado o Poder Ju­
diciário nesse sentido.
66. A petição inicial da justificação avulsa segue as regras
do art. 282 do CPC, não do art. 801 do mesmo diploma legal.
O requerente da justificação avulsa está dispensado de indicar
o objeto do futuro e eventual processo principal — art. 801, inc.
III, do CPC —, que poderá nem mesmo existir. O art. 861 do
CPC exige do autor uma petição inicial circunstanciada, a en-
tender-se que a exigência de narrativa de causa de pedir estará
satisfeita com a indicação pelo autor de seu direito e de seu
interesse na produção da prova. Ainda que não se exija a utili­
zação da prova em processo judicial ou administrativo — que o
art. 861 do CPC chama, indevidamente, de "processo regular^' —,
sua indicação na petição inicial será suficiente para demonstrar
a utilidade e a necessidade da produção probatória.
67. Além de indicar a utilidade da prova, também será
exigida do requerente a indicação precisa dos fatos sobre os
quais pretende produzir a prova oral, pois, somente dessa ma­
neira, a análise do interesse de agir e da possibilidade jurídica

515
do pedido poderá ser realizada. Além disso, a indicação do fato
ou dos fatos que se pretende comprovar delimitará o objeto da
prova, de modo a evitar o prolongamento desnecessário da
audiência com perguntas que não digam respeito ao fato ou aos
fatos que se pretende provar.
68. O requerente deverá, já na petição inicial, arrolar as
testemunhas que pretende ouvir em audiência; essa informação
é passada já na citação ao "interessado" — na verdade requeri­
do —, o que poderá, inclusive, possibilitar um exercício de
defesa mais amplo. Deverá instruir a petição inicial com os
documentos indispensáveis à propositura da demanda, nos ter­
mos do art. 283, combinado com o art. 863, ambos do CPC. O
valor a ser atribuído à causa será meramente estimativo.
69. O art. 862, caput, do CPC menciona a citação dos
"interessados". Tendo a justificação como objeto a prova de
relação jurídica, o interessado será o sujeito que participou com
o requerente na alegada relação jurídica que se pretende provar.
Quanto à prova de fatos, deverão ser citados como interessados
todos os sujeitos contra quem o requerente pretende opor sua
prova. É possível que os interessados sejam indeterminados ou
indetermináveis, mas não se admite a justificação avulsa se a
prova a ser produzida disser respeito, exclusivamente, ao reque­
rente. Nesse caso, o interessado será incerto e deve ocorrer ci­
tação por edital, nos termos do art. 231, inc. I, do CPC. Não é
possível a inexistência de citação na justificação avulsa, apesar
de o art. 862 do CPC apontar, indevidamente, para tal dispensa
nas hipóteses previstas em lei.
70. Apesar de o art. 1.105 do CPC exigir a intimação do
Ministério Público em todos os processos de jurisdição voluntá­
ria, sua presença somente será exigida quando verificada uma
das causas previstas pelo art. 82 do CPC, que regulamenta a
participação processual do Ministério Público como fiscal da lei
nos processos cíveis. O art. 861, caput, do CPC regula a inter­
venção do Ministério Público na justificação avulsa sempre que
não for possível a citação pessoalmente. Por ser sempre neces­
sária a citação, a melhor interpretação do dispositivo lega! é que,
ao ser realizada a citação ficta e indicado advogado dativo ao

516
interessado, o Ministério Público intervirá na demanda como
custos legis.
71. Dispõe o art. 865 do CPC que, no processo de justifi­
cação, não se admite defesa, o que, entretanto, não deve ser
encarado como afastamento absoluto do contraditório, mas tão-
somente como uma flexibilização desse conceito, de modo a
limitar a reação do interessado a determinadas matérias. Trata-se
de mitigação do princípio do contraditório, não de seu comple­
to afastamento, como faz crer uma interpretação literal do dis­
positivo legal anteriormente mencionado.
72. Ao receber a petição inicial, o juiz deverá determinar
a citação do interessado já com a designação da audiência de
instrução. Não intimará imediatamente as testemunhas, porque,
a depender da reação defensiva do requerido, poderá extinguir
o processo, hipótese em que eventual intimação terá sido ato
processual inutilmente praticado. Atualmente, a prova oral será,
obrigatoriamente, colhida por juiz, mas não é desprestígio algum
ao instituto sua condução por juiz leigo, supervisionado pelo
juiz de direito, o que, entretanto, só se admitirá com modificação
legislativa. Registre-se que esta já é a realidade nos Juizados
Especiais Cíveis, por conta do art. 37 da lei n. 9.009/95, que
permite que a prova oral seja colhida por juiz leigo.
73. No art. 845 do CPC, há uma indevida restrição ao di­
reito de recorrer na justificação avulsa. Segundo o dispositivo
legal, não cabe recurso nessa espécie de demanda judicial, o
que contraria o princípio da ampla defesa e do duplo grau de
jurisdição; desse modo, é impossível sua interpretação literal. O
recurso naturalmente será cabível sempre que existir interesse
recursal, como na hipótese de indeferimento de uma pergunta
em audiência ou de extinção do processo por indeferimento da
petição inicial. É evidente que, sem interesse recursal, não será
permitida a interposição do recurso, o que, no mais das vezes,
ocorrerá com a sentença homologatória, mas nisso a justificação
não se distingue das demais demandas judiciais.
74. O art. 522 do CPC exige a interposição de agravo reti­
do, sob a forma oral, das decjsões proferidas em audiência de

517
instrução, mas o dispositivo legal não é aplicável à justificação
avulsa; é cabível o agravo de instrumento das decisões proferidas
na audiência de instrução realizada nesse processo. Por ser,
muitas vezes, interessante resolver a questão na própria audiên­
cia, parece ser adequado permitir às partes o pedido de recon­
sideração de decisão que as prejudique processualmente, sem
qualquer efeito preclusivo quanto à interposição do agravo de
instrumento em dez dias no caso de o juiz não se retratar de sua
decisão.
75. Segundo o art. 866, parágrafo único, do CPC, a senten­
ça da justificação avulsa não conterá qualquer valoração a res­
peito da prova produzida; limitar-se-á a indicar se foram obser­
vados os requisitos formais exigidos por lei para essa espécie de
demanda. Trata-se de circunstância típica de todas as ações
probatórias autônomas.
76. O procedimento do mandado de segurança é sumário
e documental, por ser concentrado em poucos atos processuais
e por ser admitida tão-somente a produção de prova documen­
tal. Segundo parcela majoritária da doutrina, o impetrante de­
verá, já na petição inicial, juntar todos os documentos que tenha
em seu poder e que sirvam para demonstrar seu direito líquido
e certo que foi afrontado ou que está na iminência de sê-lo. O
art. 283 do CPC exige do autor a juntada com a petição inicial
dos documentos imprescindíveis à propositura da demanda,
enquanto permitem a melhor doutrina e a jurisprudência que os
demais documentos sejam juntados posteriormente ao processo,
desde que a juntada extemporânea não seja eivada de má-fé da
parte e que o estágio procedimental admita-a. Essa conclusão é
totalmente aplicável ao mandado de segurança.
77. Não é correto o entendimento majoritário da doutrina
de que a única espécie de prova admitida no mandado de segu­
rança é a documental. Apesar da redação do art. 6Q, caput, da
LMS, o que não se admite é a formação de prova no processo
durante o procedimento do mandado de segurança, sendo ple­
namente admissível que uma prova documentada, não docu­
mental, sirva para instruir o pedido do impetrante. Trata-se, mais

518
uma vez, de diferenciar prova documental de prova documen­
tada. Por prova documental entende-se aquela que tenha o
conteúdo e forma de documento conforme as exigências legais,
enquanto por prova documentada entende-se qualquer prova,
de qualquer natureza, que seja materializada por meio de um
documento. O que não se admite é dilação probatória, mas li­
mitar o convencimento do juiz da existência dos fatos que levam
ao direito líquido e certo à prova documental afronta, de manei­
ra flagrante, o princípio de valoração de provas adotado pelo
sistema processual pátrio, sistema do livre convencimento mo­
tivado, no qual não existem cargas de convencimento prefixadas,
depende sempre o convencimento do juiz da análise da prova
no caso concreto.
78. Nas ações que tenham como objeto direitos difusos e
coletivos, a coisa julgada material é formada secundum eventum
probatlonis, ou seja, será possível a propositura de novo proces­
so com os mesmos elementos da ação na qual o pedido já foi
julgado improcedente, inclusive pelo mesmo autor do primeiro
processo já extinto, desde que o fundamento dessa decisão tenha
sido a ausência ou a insuficiência de provas e o autor baseie a
outra propositura em prova nova. Essa espécie de coisa julgada
é constitucional e equaciona a circunstância de não participar
do processo o titular do direito, que não pode perder, definiti­
vamente, seu direito material por uma falha processual ou por
má-fé do autor.
79. Não parece correto o entendimento majoritário na
doutrina nacional de que sentença proferida nas ações que te­
nham como objeto direitos difusos ou coletivos, com fundamen­
to na ausência ou na insuficiência de provas, não faz coisa jul­
gada. Na verdade, existe coisa julgada, mas, no caso de o autor
apresentar prova nova, poderá ingressar novamente com a de­
manda por meio de outro processo, única hipótese em que se
admitirá o afastamento da imutabilidade e da indiscutibilidade
da decisão. Verifica-se, portanto, que existe um grau de defini-
tividade nessa decisão, condicionada a um evento futuro — pro­
va nova —, em fenômeno muito próximo ao que ocorre nas
sentenças determinativas, que decidem obrigações de trato su­

519
cessivo. Lá, como cá, a imutabilidade e a indiscutibilidade da
sentença de mérito transitada em julgado estão condicionadas
à não-verificação de um fato futuro, que, no caso das sentenças
determinativas, é a causa superveniente de modificação do es­
tado de fato ou de direito e, nas ações coletivas ora tratadas, é
a apresentação de uma prova nova.
80. Por acreditar-se que existe coisa julgada material nas
ações coletivas, defende-se que, na hipótese de o juiz analisar
a petição inicial de ação repetida em que não se manifeste o
autor minimamente a respeito da existência de prova nova — pro­
duzida ou a ser produzida no processo —, deverá indeferir a
petição inicial, de modo a extinguir o processo sem julgamento
de mérito em respeito à coisa julgada material da ação anterior
— art. 267, inc. V, do CPC. Para a doutrina que entende não
haver coisa julgada nas sentenças que tenham como fundamen­
to a inexistência ou a insuficiência de provas, a extinção do
processo também deverá ocorrer, mas sob outro fundamento, o
de falta de interesse de agir — art. 267, inc. VI, do CPC. O im­
portante é que, independentemente do fundamento, caso não
haja qualquer indício de que exista ou possa vir a existir prova
nova, será caso de indeferimento da petição inicial e de extinção
prematura do processo sem o julgamento de mérito.
81. Apesar de divergência doutrinária, parece mais acertado
o entendimento de que a coisa julgada secundum eventum pro­
bationis não exige que conste da fundamentação — explícita ou
implicitamente — da sentença de Improcedência a ausência ou
a insuficiência de prova, bastando que o autor fundamente sua
pretensão na segunda ação com amparo de prova nova. Esse é o
único entendimento que permite a nova propositura fundada em
prova que simplesmente não era possível produzir na primeira
ação, possível na segunda em virtude de avanços tecnológicos.
É evidente que, se não existisse essa forma de provar na época
da primeira sentença, não poderia o juiz manifestar-se sobre a
ausência de tal prova, o que, entretanto, não lhe retira a carac­
terística de "prova nova", que deve ser entendida como qualquer
prova que não tenha sido apreciada pelo primeiro juiz, existisse
ou não à época da prolação da primeira decisão. Nova, nesse

520
sentido, significa novidade perante o Poder Judiciário; nada im­
porta se já existia à época da primeira demanda ou se passou a
existir quando da propositura da segunda.
82. A questão da prova nova proporciona um paradoxo.
Somente se ela existir será possível a segunda ação coletiva, mas,
caso se trate de prova causai, que deverá ser produzida no pro­
cesso, somente se descobrirá efetivamente se ela existe após todo
o desenvolvimento procedimental da segunda ação coletiva. Em
evidente afronta ao princípio da economia processual, toda a
segunda ação coletiva tramitará — geralmente de forma custosa
e demorada — para, somente no final do procedimento, o juiz
ter condições de extinguir o processo sem julgamento de méri­
to por ausência de prova nova. Ao permitir-se o ingresso prévio
de ação probatória autônoma, será possível ao legitimado à
propositura da demanda coletiva produzir a prova em juízo em
processo mais rápido e barato, ao juntar a prova documentada
à petição inicial da ação coletiva, o que permitiria ao juiz uma
análise liminar mais precisa do cabimento ou não desse segun­
do processo.
83.0 direito processual brasileiro adota a teoria ampliativa
do princípio da eventualidade, ao exigir tanto do autor como do
réu a concentração em determinado momento processual de
todas as suas alegações de ataque, de defesa, e da indicação dos
meios de prova de que pretendem valer-se. No tocante ao autor,
há certa flexibilidade, porque poderá modificar livremente sua
causa de pedir antes da citação e depois dela, e até o saneamen­
to, desde que o réu concorde com a alteração. De qualquer
forma, a fase probatória terá início sempre com a estabilização
objetiva definitiva da demanda, regra que vale tanto para o autor
quanto para o réu.
84. A adoção do princípio da eventualidade prestigiaria
importantes princípios processuais: lealdade e boa-fé proces­
suais; economia; contraditório e ampla defesa. A exigência de
concentração de exposição dos fundamentos, pedidos e exce­
ções evita que uma argumentação tardia sirva para surpreender
a parte contrária, o que afrontaria o princípio do contraditório.

521
Ao mesmo tempo, evitam-se indevidas dilações procedimentais,
o que poderia ser possível se a alegação pudesse ocorrer a
qualquer momento do processo, em nítida afronta ao princípio
da economia processual. Há doutrina crítica à adoção de tal
princípio, conforme positivado no direito pátrio, que afirma que
os princípios pretensamente garantidos pela regra da eventua­
lidade são, na verdade, afrontados por ele. Ao impedir uma nova
alegação da parte, a eventualidade exige a propositura de nova
demanda, em afronta ao princípio da economia processual Por
sua vez, a questão do contraditório poderia ser resolvida ao
dar-se à parte contrária oportunidade para manifestar-se ampla­
mente sobre as novas alegações, inclusive com a possibilidade
de produzir provas.
85. Existem países que, como o Brasil, adotam um sistema
rígido de preclusões na aplicação da regra da eventualidade,
caso da Argentina, do Uruguai, do Chile e da Bolívia. Alguns
países adotam um sistema mais flexível, como Alemanha, Itália,
Portugal e Espanha. O ponto comum de todos esses sistemas é
que, ao dar-se início à fase instrutória do processo de conheci­
mento, a causa de pedir, em especial os fatos, que mais interes­
sam a este trabalho, não poderá mais ser modificada, ou seja,
ainda que se admita certa flexibilização da eventualidade, ela
nunca será capaz de permitir a alteração dos fatos que constituem
a causa de pedir após a instauração da fase probatória.
86. Fatos jurídicos são aqueles que, por si sós, têm aptidão
para a geração de efeitos jurídicos, enquanto fatos simples são
aqueles que não têm tal aptidão, somente importam para o di­
reito ao servir como prova de um fato jurídico. Os fatos que
compõem a causa de pedir são apenas os jurídicos, de forma
que a regra da eventualidade somente se aplica a essa espécie
de fato, admitindo-se alegação tardia de fatos simples, respeita­
do o contraditório. De qualquer forma, os fatos jurídicos já devem
ser narrados na petição inicial, o que nem sempre se mostra uma
tarefa simples ao autor, que, em diversas oportunidades, não
tem, antes da demanda, uma clara definição da situação fática.
Nesses casos, ainda que seja demonstrado, durante a instrução

522
probatória, um fato jurídico constitutivo do direito do autor, se
tal fato não foi narrado na causa de pedir, seu pedido será jul­
gado improcedente, o que o obrigará a propor novo processo
— se ainda não tiver ocorrido a prescrição — com o novo fun­
damento fático. Tal circunstância é manifestamente contrária ao
princípio da economia processual, devendo-se, nessas situações
de indefinição fática, permitir ao autor o ingresso de uma ação
probatória autônoma antecedente com vistas a esclarecer os
fatos e a permitir ao autor uma correta narrativa da causa de
pedir. Eis mais um benefício na adoção de uma ação probatória
autônoma geral, em que o perigo de a prova não poder ser pro­
duzida posteriormente é irrelevante.
87. O litisconsórcio alternativo verifica-se quando existir
dúvida fundada a respeito da legitimidade de determinados
sujeitos a compor os pólos ativos e passivos do processo; assim,
permite-se à parte ingressar em juízo em litisconsórcio ainda que
saiba de antemão que nem todos são legitimados a participar do
processo. O problema, entretanto, é que a definição de quais
são os sujeitos legitimados e quais não são depende da produção
de prova; desse modo, é impossível ao autor tal definição no
momento de propositura da demanda judicial.
88.0 instituto tem interessantes reflexos nas relações con-
sumeristas, nas quais nem sempre é fácil ao consumidor saber,
com precisão, no momento em que ingressa com o processo,
qual dos fornecedores que participaram da cadeia de produção
do produto ou prestação de serviço é o direto responsável por
seu prejuízo. O art. 7Qdo CDC adota a tese de responsabilidade
solidária de todos os fornecedores perante o consumidor, de
forma que, nesse caso, não se aplica o litisconsórcio alternativo,
porque, mesmo sem ter qualquer culpa no evento danoso, o
fornecedor ou os fornecedores que compõem o pólo passivo
respondem solidariamente perante o consumidor, conseqüência
natural, aliás, da responsabilidade objetiva adotada pelo CDC.
Trata-se de hipótese de litisconsórcio facultativo, cuja formação
dependerá da vontade do consumidor-autor.
89. O art. 13 do CDC aponta para a responsabilidade sub­
sidiária do comerciante, que somente responderá perante o

523
consumidor nas hipóteses previstas em seus três incisos. Isso
significa dizer que, se não se verificar, no caso concreto, nenhu­
ma das hipóteses de responsabilização do comerciante, uma vez
demandado, será parte ilegítima, o que ensejará a extinção do
processo sem o julgamento de mérito. O problema é que, por
vezes, com especial ênfase para o inc. III do artigo mencionado,
não será possível ao consumidor-autor saber se a hipótese legal
encontra-se presente no caso concreto, por depender da produ­
ção de prova. O comerciante só responde por vícios do produ­
to perecível na hipótese de má-conservação, o que, entretanto,
nem sempre se mostrará evidente ao consumidor ter ou não
ocorrido. Dessa forma, diante da indefinição fática e por não
poder ser prejudicado o consumidor, aplicar-se-á o instituto do
litisconsórcio alternativo, pelo qual o autor-consumidor deman­
dará o comerciante e o fornecedor; ainda que, ao final, mostre-
se a ilegitimidade do primeiro, conseguirá a condenação do
segundo.
90. A possibilidade de ingresso de uma ação autônoma
probatória, nesse caso, não excluiria, de maneira definitiva, o
instituto do litisconsórcio alternativo, mas limitaria sua formação
a esse processo, notadamente mais simples, rápido e menos
custoso que o processo de conhecimento. Dessa forma, se hou­
ver fundada dúvida a respeito da legitimidade de determinado
sujeito, seria suficiente o ingresso da ação probatória autônoma
com vistas a produzir a prova que indicasse a exata legitimação
de modo a permitir ao autor a propositura do processo principal
somente contra aquele efetivamente legitimado a participar da
relação jurídica processual. A função de determinar a legitimi­
dade de parte por meio de processo prévio probatório encontra-
se positivada na Espanha, na Argentina, no Uruguai e na Bolívia
por meio da diligencia preliminar, processo preparatório do
processo principal.
91. A "falência" do Poder Judiciário e a constatação de que
o processo judicial nem sempre é a melhor forma de solucionar
conflitos de interesse vêm intensificando o interesse da doutrina
nacional no tocante aos meios alternativos de solução de confli­
tos, entre eles a conciliação e a mediação. Como benefícios da

524
adoção desses meios alternativos, citam-se: descongestionamen-
to do Poder Judiciário, ao absorver uma série de conflitos que,
atualmente, são resolvidos por via judicial, o que permite que,
com a diminuição de trabalho, a qualidade da prestação jurisdi­
cional melhore; redução dos custos envolvidos em processos
judiciais; menor duração do que o processo judicial; pacificação
social mais efetiva, com a solução da lide sociológica.
92. A ação meramente probatória teria importante papel na
otimização das conciliações, considerando-se que, diante de
uma definição da situação fática, os sujeitos envolvidos no con­
flito teriam maiores condições de chegar a uma autocomposição.
A indefinição fática muitas vezes impede a realização de uma
conciliação porque leva uma das partes a crer que tenha direitos
que na realidade não tem.
93. Segundo a melhor interpretação do art. 286, caput,, do
CPC, o pedido deve ser certo e determinado. Exige-se do autor,
portanto, a indicação precisa da espécie de tutela jurisdicional
pretendida, bem como o gênero do bem da vida e sua quanti­
dade. A certeza e a determinação do pedido permitem uma
defesa mais ampla e efetiva do réu, e deve a exceção a esse
princípio ser limitada às hipóteses legais em que se permite o
pedido genérico — pedido certo e indeterminado. Dentre as
hipóteses de pedido genérico interessa a prevista no art. 286,
inc. II, do CPC, que permite ao autor de demandas de indeniza­
ção em virtude de dano suportado por ato ilícito deixar de indi­
car o valor de sua pretensão quando tal aferição for impossível
no momento de apresentação em juízo da petição inicial. En­
tende-se que essa impossibilidade de indicação do quantum
debeatur verifica-se sempre que, no momento de propositura da
ação, o ato ilícito ainda estiver gerando seus efeitos danosos,
que se projetarão durante o processo.
94. Há uma tendência jurisprudencial de ampliação inter-
pretativa do art. 286, inc. II, do CPC, a admitir o pedido genéri­
co em hipóteses em que a quantificação do pedido não é im­
possível, mas.extremamente difícil, por depender da produção
de .uma prova técnica. Nesse caso, não faria sentido exigir do

525
autor a produção unilateral da prova técnica para determinar o
quantum debeatur de sua pretensão, porque, fatalmente, o réu
em contestação impugnaria a prova produzida fora do contra­
ditório, o que exigiria a produção de prova pericial, de modo a
inutilizar a prova técnica apresentada. Até mesmo em virtude
do princípio da economia processual, admite-se que a prova seja
produzida somente uma vez, em juízo, sob o crivo do Poder
Judiciário. Essa flexibilização, entretanto, poderia ser substituída
com a adoção da ação probatória autônoma, de forma que a
prova produzida anteriormente para a fixação do quantum seria
feita em juízo e com participação da parte contrária, o que evi­
taria eventuais alegações de cerceamento de defesa. Com tal
entendimento, o dispositivo legal indicado voltaria a ser inter­
pretado literalmente, o que parece mais correto, já que é nota-
damente restrito de direito, por dificultar o exercício de defesa
do réu.
95. O objeto da ação meramente declaratória vem previsto
pelo art. 4Qdo CPC, indicando como regra a declaração da
existência ou de inexistência de relação jurídica e, como exce­
ção, a declaração de um mero fato, qual seja, a autenticidade
ou a falsidade de documento. A jurisprudência é pacífica no
entendimento de que, além da existência e inexistência da re­
lação jurídica, também será admissível a ação meramente de­
claratória com o objetivo de declarar seu modo de ser.
96. O conceito de documento admitido pelo direito brasi­
leiro é bastante amplo, não se limita a coisa escrita em papel
Será documento qualquer coisa que represente um fato; não há
qualquer justificativa plausível para limitar-se a ação meramen­
te declaratória de autenticidade ou falsidade documental ao
documento escrito em papel.
97. Documento não autêntico é aquele que não foi elabo­
rado pelo sujeito que figura como responsável por sua formação,
seja ele público — mais raro — ou privado —, hipótese mais
freqüente. Nesse caso, o conteúdo do documento é irrelevante,
por fixar-se o vício na disparidade entre seu real autor e aquele
indicado como autor.

526
98. Em um sentido amplo, o termo "falsidade" abrange tudo
o que não é verdadeiro, mas, em sentido jurídico, falsidade
significa a alteração da verdade. Corrente majoritária da doutri­
na entende que somente a falsidade material pode ser objeto de
ação meramente declaratória, porque, no caso de falsidade
ideológica, deve-se buscar a desconstituição do ato viciado
ideologicamente. Esse entendimento é parcialmente correto,
porque, se é certo afirmar que o autor não pode buscar descons­
tituição por meio de ação meramente declaratória, também será
correto entender que, se pretender a mera declaração da falsi­
dade ideológica, sem a desconstituição do ato viciado, será
permitido o ingresso de ação declaratória. Tudo dependerá do
interesse do autor e do pedido formulado na petição inicial.
99. Os obstáculos imaginados por parcela da doutrina que
defende a admissibilidade da ação meramente declaratória de
fatos exclusivamente aos casos do art. 4Q, inc. II, do CPC não se
sustentam diante de uma análise mais aprofundada. É equivo­
cado afirmar que a declaração de fatos é inadmissível porque a
coisa julgada não os atinge, pois, se os fatos constituírem o fun­
damento do pedido, é certo que não estarão dentro dos limites
objetivos da coisa julgada, mas, se for a declaração o próprio
pedido, naturalmente fará coisa julgada material. É isso, aliás, o
que ocorre atualmente com a autenticidade ou falsidade de
documento, cuja decisão faz coisa julgada material, mas não se
estende aos fatos que embasaram a decisão de autenticidade ou
de falsidade.
1 0 0 . É absolutamente descabida a alegação de que a ação
meramente declaratória de fatos afrontaria o princípio da ampla
defesa, porque a sentença que proclamasse a existência do fato
torná-lo-ia de reconhecimento obrigatório para um número in­
definido de futuras ações. Se tiverem sido respeitados os princí­
pios da ampla defesa e do contraditório na ação meramente
declaratória, não haverá qualquer problema em vincularem-se
juizes de processos futuros ao fato declarado por sentença tran­
sitada em julgado. Aliás, atualmente, esse efeito positivo da
coisa julgada já ocorre com as sentenças de mérito transitadas
em julgado, não havendo qualquer razão para^alegar ofensa à

527
ampla defesa em razão disso. Ademais, a adoção desse pensa­
mento tornaria imediatamente inconstitucional a ação meramen­
te declaratória de autenticidade ou de falsidade de documento,
o que, certamente, não ocorre.
101. O interesse de agir na ação meramente declaratória
deve levar em conta a existência de uma crise de incerteza ob­
jetiva, que seja apta a trazer algum dano ao autor. Essa condição
da ação deve ser analisada no caso concreto; não se pode ad­
mitir a teoria de que um pedido de declaração de mero fato fora
da exceção legal — art. 4a, inc. II, do CPC — deva ser rejeitado
de plano pelo juiz sob o fundamento de falta de interesse de
agir. Ao provar-se que a demanda busca afastar a crise de incer­
teza objetivamente considerada, não faltará ao autor interesse
de agir no caso concreto, mas, em razão do disposto no art 4a
do CPC, o pedido será juridicamente impossível, em virtude de
expressa vedação legal a essa espécie de pedido.
102. Ao serem afastados os obstáculos criados por parcela
da doutrina, arraigada em lições antigas a respeito da ação
meramente declaratória, percebe-se que a possibilidade de uma
previsão genérica sobre essa espécie de ação para declararem-
se fatos juridicamente relevantes é tão-somente uma opção
legislativa. Em Portugal, existe norma expressa a respeito da
possibilidade da ação meramente declaratória que tenha como
objeto um fato jurídico; se o mesmo não ocorre no Brasil, não
é em razão de impossibilidade jurídica de adoção desse enten­
dimento, mas por mera opção do legislador. A ação meramen­
te declaratória de autenticidade ou falsidade de documento é
a demonstração mais evidente de que não há qualquer proble­
ma jurídico na adoção de uma ação meramente declaratória de
fatos, de forma a ser absolutamente admissível uma proposta,
de lege ferenda para a modificação do art. 4Qdo CPC, que pas­
saria a permitir, expressamente, a ação meramente declaratória
de fatos jurídicos.
103. O art. 55 do CPC trata dos fenômenos da imutabilida­
de e da indiscutibilidade da justiça da decisão para o assistente.
Se não ocorrer, no caso concreto, nenhuma das hipóteses pre­
vistas pelos dois incisos do artigo mencionado — exceptio male

528
gesti processus —, o assistente não poderá em processo futuro
voltar a discutir os fundamentos de fato e de direito que emba-
saram a sentença transitada em julgado. O instituto ora analisa­
do apresenta interesse ao objeto deste trabalho pela imutabili­
dade e pela indiscutibilidade que o assistente suporta com rela­
ção aos fatos decididos pelo juiz. Isso demonstra, de maneira
bem clara, que o ordenamento brasileiro já conta com dois fe­
nômenos processuais — o outro é a declaração de falsidade ou
de autenticidade de documento —, em que a declaração de um
fato torna-se, para determinados sujeitos, imutável e indiscutível
Embora não se deva confundir a justiça da decisão com a coisa
julgada, não resta dúvida de que a declaração incidental a res­
peito de um fato vinculará outros juizes em outros processos que
envolvam o assistente e uma das partes do processo no qual a
prova foi produzida e o fato, declarado.
104. Além de todos os benefícios já apontados com a ado­
ção de uma ação probatória autônoma, a adoção de ação me­
ramente declaratória de fato, ao permitir a obtenção da certeza
jurídica a respeito dos fatos, vincularia juizes em outros proces­
sos a adotar a conclusão da sentença, em aplicação do efeito
positivo da coisa julgada. Essa circunstância tem, pelo menos,
dois benefícios claros ao ordenamento processual: evitar decisões
contraditórias em razão de diferentes valorações a respeito do
mesmo fato, em nítida garantia de harmonização dos julgados;
e prestigiar a economia processual, ao impedir a nova produção
de prova.
105. Há espaço, no ordenamento processual, para a exis­
tência concomitante da ação probatória autônoma e da ação
meramente declaratória de fatos, entre as quais é possível apon­
tar três diferenças básicas que justificam sua positivação conjun­
ta: (i) na ação probatória autônoma busca-se a produção de uma
prova, enquanto na ação meramente declaratória a produção de
prova é apenas o instrumento para a obtenção da certeza jurí­
dica a respeito do fato, que é o bem da vida pretendido; (ii) a
ação probatória autônoma poderá ter como objeto tanto fatos
simples como jurídicos, enquanto na ação meramente declara­
tória somente se admitirão os fatos jurídicos; (iii) a ação proba­

529
tória autônoma será de jurisdição voluntária, com procedimen­
to nitidamente simples e abreviado, enquanto a ação meramen­
te declaratória de fatos pertence à jurisdição contenciosa, de
modo a desenvolver-se por processo de conhecimento, com as
dificuldades e complexidades procedimentais próprias dessa
espécie de processo.
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