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Para Schleiermacher a tradução tem o poder de ligar homens separados pelo tempo

e pelo espaço geográfico. Mesmo homens pertencentes a uma mesma sociedade ou classe social
recorrem à mediação ou interpretação para se fazerem entender, pois cada ser humano possui uma
personalidade.

A principal diferença entre interpretação e tradução consiste no fato que a primeira é


usada no comércio, nos negócios, enquanto o tradutor trabalha no campo da ciência e da arte. A
interpretação de uma negociação é feita apenas para seus participantes, os quais conhecem bem estas
relações, isto é, a expressão das mesmas está determinada em ambas as línguas.

O tradutor chega ao seu domínio mais próprio, à sua essência mesmo, que é das
artes e das ciências (produções intelectuais). Neste ponto, onde o objeto é dominado pelo
pensamento /mente/espírito, o que é considerado são:

 A capacidade própria de livre combinação do autor;


 O espírito da língua com seu sistema de compreensão e de nuances das
disposições da alma (sombreamento, matização).

Em que consiste a diferença entre intérprete e tradutor? A vida comercial/negocial


trata em geral de coisas concretas/objetos visíveis/determinados aritmética ou geometricamnte, onde
as palavras assumem um uso fixo, pois já determinadas/fixadas pela regra ou costume. Raramente há
espaço para dúvida, ou seja, quase sempre haverá uma correspondente na língua que se quer traduzir
(translação, tradução, transposição). É uma atividade mecânica cujo pouco conhecimento de ambas as
línguas é necessário.

Se nas produções literárias (de arte) e da ciência, cada palavra encontrasse uma
correspondente (com mesmo conceito, mesma abrangência de sentido, mesmas relações nas flexões,
mesmos modos de articulação/ligação) na língua para a qual está sendo traduzida, então aqui, não
haveria diferença em relação a tradução (interpretação) que se faz no mundo negocial/comercial. O que
haveria seria apenas uma diferença no som/entonação/ritmo.
No campo pertencente à arte e à ciência, onde o pensamento domina e se identifica
com o discurso, diferentemente do campo negocial/comercial onde cada palavra é um signo – designa
uma coisa concreta, a tarefa torna-se infinitamente difícil e complicada.
Quanto conhecimento exato e quanto domínio de ambas as línguas isso requer? E
mesmo com todo o conhecimento alcançado, não se chega a um consenso, por exemplo, sobre uma
expressão equivalente em ambas as línguas.
O homem é produto da língua que fala, mas também, sendo livre intelectualmente
independente, forma por sua vez a língua, produzindo novas formas à matéria formadora da língua.
Todo discurso livre e superior quer ser compreendido de dois modos:
 Pelo espírito da língua de cujos elementos ele é constituído;
 Pela alma/sensibilidade do enunciador.
“só se entende o discurso como ação do enunciador, quando, ao mesmo
tempo, se sente onde e como a força da língua o dominou, para onde, na sua condução, os raios
do pensamento se direcionaram, onde e como, em sua forma, a fantasia vagueante foi
preservada”.
Se os leitores, para terem a mesma compreensão e o mesmo prazer que tem o
tradutor de uma obra, precisarem captar o espírito da língua própria do autor e intuir sua forma de
pensar e de sentir, não seria a tradução um ato tolo/insensato? Já que o tradutor nada mais pode
oferecer que sua própria língua, que nunca coincide com aquela.
Para atingir este objetivo e abandonando por completo a idéia de tradução que será
proposta a seguir, tem-se: a paráfrase e a imitação.
A Paráfrase quer dominar a irracionalidade das línguas, mas somente de forma
mecânica. Quanto não se encontra uma palavra correspondente em ambas as línguas, deve-se buscar
aproximar o mais possível de seu valor por meio do acréscimo de complementos limitadores e
ampliadores. Produz uma exatidão limitada, mas não há impressão (abdica-se da impressão). O
parafraseador lida com elementos da língua como se fossem sinais matemáticos, que se reduzem a um
mesmo valor, por meio da adição e subtração. Na paráfrase, nem o espírito da língua original, nem o
espírito da língua traduzida aparecem/manifestam-se. É mais utilizada no ramos da ciência.
Na Imitação há a impossibilidade total de reproduzir uma imagem de uma obra de
arte do discurso em uma outra língua que correspondesse fielmente em seus elementos ao elementos
da língua original. Na imitação quer se preservar a impresssão, considerando a diferença da língua, dos
costumes e da cultura, isto é, a impressão semelhante que teria tido os contemporâneos (falantes da
língua do modelo) da obra original. Foca-se no EFEITO que a obra vai gerar no receptor. Abdica-se da
identidade da obra. É mais utilizada no domínio das belas artes.
Nem a Paráfrase, nem a imitação são suficientes para transmitir a verdadeira
tradução, se é que ela pode existir com este sentido, que é o que realmente interessa à Schleiermacher.
Então que caminhos deve tomar o tradutor na tentativa de aproximar autor e leitor,
sem no entanto obrigá-lo (o leitor) a sair de sua língua materna e proporcionando-lhe uma compreensão
e apreciação completa da obra?
Schleiermacher propõe dois caminhos:
 O tradutor leva o leitor ao autor: o tradutor se empenha em substituir, através
de seu trabalho, a compreensão da língua de origem, que falta ao leitor. Ele tenta transmitir aos
leitores a mesma imagem, a mesma impressão que ele próprio teve através do conhecimento
da língua de origem da obra. Será perfeita quando se puder dizer que o autor tivesse aprendido
tão bem alemão quanto o tradutor aprendeu romano, então aquele não teria traduzido sua
obra original composta em romano de forma diferente de como o tradutor realmente o fez.
 O tradutor leva o autor ao leitor: ocorreria quando o autor
soubesse/conhecesse tão bem a língua para a qual vai ser traduzida a obra, que a teria escrito
originalmente daquele maneira. O autor se transformaria num alemão.

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