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28/08/2019
João André Cardoso tem em si vários mundos que moldam a sua maneira de ser e de
estar na vida. Em Londres, interiorizou a pontualidade britânica. Em São Paulo, tornou-
se mais emocional na partilha do que lhe vai na alma. Em São Francisco, percebeu o
valor do pragmatismo nos negócios. Em Paris, aprendeu a ser direto na forma de
comunicar. Nunca perdeu a arte do desenrasque de Portugal, aquele jeitinho de dar a
volta. “A minha forma de ser e de trabalhar acaba por ser um resumo dos países onde
estive.” É um exemplo da nova vaga da emigração portuguesa.
Sai de Leiria aos 18 anos para estudar Economia em Lisboa. Aos 21, está a estudar em
Bruxelas, e hoje, aos 36, lidera uma start-up de seguros em Paris, a Lovys, conhecida
como a Netflix dos seguros em França e que acaba de receber uma injeção de capital de
3,3 milhões de euros. Gere uma equipa de 18 pessoas, de oito nacionalidades, tem
centenas de clientes. E é o acionista maioritário da Tá Certo, start-up que fundou no
Brasil em 2011, primeiro fornecedor de seguros numa plataforma digital e que permite
subscrições mensais, procedimento inédito num país com mais de 200 milhões de
habitantes.
“Vivemos num Mundo maravilhoso. O único limite é a própria imaginação.” Aos 22 anos,
está em Londres como analista no melhor banco de investimentos do Mundo, na
Morgan Stanley. Na altura, sabe que é uma “ave rara”. “Há tanto Mundo por descobrir,
vou desafiar-me ao máximo para ser a melhor versão de mim mesmo.” Assim pensou,
assim foi. Quatro anos na banca, dois anos num fundo de investimento em Londres e,
enquanto isso, a apalpar terreno para instalar o seu próprio negócio no Brasil. Aos 28
anos, aterra em São Paulo e cria a Tá Certo.
Muda a agulha no país habituado a comprar seguros a corretores, a empresa cresce
rapidamente, uma média de mil novos clientes todos os meses, 150 funcionários no final
de 2014. “Inovámos neste mercado, criámos um modelo de distribuição diferente,
baixámos os preços, tornámos o negócio mais transparente e seguro para os clientes.”
O colapso do real no início de 2015 coloca tudo em perspetiva. Cria uma plataforma
tecnológica com imobiliárias para vender seguros no momento da compra de habitação.
Não corre mal. Nos últimos seis meses de 2016, muda-se para São Francisco, Estados
DELEGAÇÃO REGIONAL DE LISBOA E VALE DO TEJO
CENTRO DE FORMAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DE ALCOITÃO
Unidos, para analisar novos territórios e decide apostar na Europa. Muda-se para Paris
com vontade de ser disruptivo num “mercado mais sofisticado” com o mesmo produto
do Brasil, mas com novas tecnologias.
A emigração é um fenómeno que marca Portugal. De várias formas e feitios. A
percentagem de emigrantes portugueses a viver na Europa tem aumentado: de 16% em
1960 para 53% em 1990, de 62% em 2015 para 66% em 2017, nas estimativas das
Nações Unidas. No final de 2017, Portugal é o país da União Europeia com mais
emigrantes em proporção com a população residente. Nesse ano, 22% dos portugueses
vivem fora do país.
João Cardoso é um deles e um dos rostos de uma nova vaga de emigrantes, diferente da
dos anos 1960 e 1970. “Já não há o sentimento de inferioridade. Os portugueses que
estão fora vibram com o nosso sucesso, têm orgulho.” As saudades atenuam-se todos
os dias num ecrã, num telemóvel, numa chamada em tempo real, em vídeos e
mensagens. A distância deixou de ser um peso no coração. E França, onde João Cardoso
tenciona ficar algum tempo, continua a ser o país do Mundo onde vive o maior número
de emigrantes nascidos em Portugal, mais de 615 mil em 2017.
Paula Tulha não se sente a emigrante típica, que se encaixa no perfil do antigamente. É
engenheira geotécnica, tem 43 anos, é do Porto, trabalha em todo o Mundo. Faz análises
de solo para fundições em água, estudos para companhias petrolíferas. Este ano, esteve
no Brasil e na Guiana. No ano passado, no Senegal, no Azerbaijão, no Gana e no Brasil.
Passa quatro a seis meses do ano fora de Portugal, sobretudo em plataformas
petrolíferas. Se não fosse engenheira, seria hospedeira/assistente de bordo. Sempre
gostou de viajar.
Em 2001, vai para Holanda tirar o mestrado na Universidade de Delft. Era para ficar dois
anos, ficou 11 anos. Arranja trabalho numa multinacional holandesa da indústria de
exploração e produção de petróleo e gás. Em 2012, vai para o Rio de Janeiro, Brasil, e
trabalha no mesmo setor. No início de 2016, regressa a Portugal. Adora o que faz,
mesmo que a mala não tenha sossego, e prefere usar a palavra “desafiador” à palavra
“complicado” quando fala da vida e das suas opções.
O Mundo é global, o distante se faz perto, os emigrantes de ontem não são os mesmos
de hoje. “É muito diferente, as razões são outras. Os emigrantes desta nova geração vão
mais pelas oportunidades geradas, não tanto por questões económicas. Não somos
escravos do trabalho da maneira como era antigamente. Gastamos o dinheiro que
ganhamos, temos um horizonte diferente, outras informações, novas tecnologias. Não
nos acomodamos, temos de criar as nossas próprias oportunidades”, acrescenta Paula
Tulha. E, quando se sai, percebe-se o valor de Portugal. “É o melhor país do Mundo.”
Ontem, hoje, sempre.