Você está na página 1de 35

Rodolfo Viana PeReiRa

Thiago Coelho SaCCheTTo


ORGANIZADORES

ADVOCACIA PÚBLICA
EM FOCO
PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO
CPC: A BUSCA PELA TUTELA JURISDICIONAL
EFETIVA, ADEQUADA E TEMPESTIVA

Thais Rodrigues Coelho Terra1

1. INTRODUÇÃO

O Processo Civil Brasileiro vem mostrando-se como um instrumento lento e


insatisfatório, ligado ao formalismo excessivo e incapaz de proporcionar uma tutela
tempestiva e efetiva.
A nova realidade da sociedade brasileira, diferente daquela fincada no mito li-
beral que se mostrava indiferente aos reclames sociais – onde havia a abstração dos
bens e pessoas – anseia em adequar o processo às necessidades de direito material.
Nessa perspectiva o Código de Processo Civil (1973) passou por um conjunto
de reformas. A primeira em 1994-1995, depois 2001-2002, 2005 e 2006 tendo, como
um dos enfoques a preocupação em estabelecer instrumentos para possibilitar um
processo civil de resultados – efetividade.
Contudo as reformas não se mostraram suficientes diante da nova ordem cons-
titucional (foi através da Emenda Constitucional 45/2004 que a “Razoável Duração do
Processo” foi elevada ao nível constitucional – inciso LXXVIII do artigo 5º da Consti-
tuição Federal). O processo civil atual deve ser compreendido dentro do quadro das
teorias dos direitos fundamentais.
Surge, portanto, a necessidade de repensar diversos conceitos jurídicos e su-
perar, inclusive, alguns dogmas entranhados no sistema; surge o novo Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).
O Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 – foi promulgado em
16 de março de 2015 e entrou em vigor decorrido um ano da data da sua publicação.

1 Pós-Graduada em Advocacia Pública pelo Instituto para o Desenvolvimento Democrático – IDDE, Minas
Gerais-BH e Faculdade Integrada – AVM, Belo Horizonte-MG. Bacharel em Direito pelo Centro Universi-
tário do Pará – CESUPA-PA, Belém-PA. Procuradora Geral do Estado do Amapá.
TERRA, Thais Rodrigues Coelho. Prerrogativas da fazenda pública no novo CPC: a busca pela tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
In: PEREIRA, Rodolfo Viana; SACCHETTO,Thiago Coelho (Orgs.). Advocacia pública em foco. Belo Horizonte: IDDE, 2017. p. 395-428. ISBN
978-85-67134-03-1. Disponível em: <http://bit.ly/2n2TP26>
A aplicação de suas normas foi imediata aos processos pendentes. Dessa forma,
imperioso compreender suas modificações e inovação no regramento da atuação da
Fazenda Pública em Juízo.
Este artigo tem como objetivo analisar as modificações introduzidas pelo Novo
Código de Processo Civil no que diz respeito às prerrogativas processuais da Fazenda
Pública, em especial: os prazos processuais diferenciados, a intimação pessoal do
representante judicial para a prática dos atos processuais e a remessa necessária.
Mas não só isto, o objetivo principal é confrontar os motivos que conduziram
à reforma do CPC e as modificações no que diz respeito a Fazenda Pública, uma vez
que as suas prerrogativas processuais vêm sendo amplamente discutidas pela dou-
trina que não consegue estabelecer um entendimento pacífico, em especial quando
confrontadas com a ideia de tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
Pois bem, todo esse debate fez surgir o interesse em abordar o tema, como
ponto principal deste artigo, que tem a pretensão, justamente, de tentar, após expor
conceitos e correntes doutrinárias, dirimir as discussões que os cercam, procurando,
ao final, indicar a solução que entender como a mais razoável, respondendo o se-
guinte problema: As modificações trazidas pelo novo CPC, no que concerne as prerro-
gativas da Fazenda Pública, estão em consonância com a ideia de Tutela Jurisdicional
Efetiva, Adequada e Tempestiva?
Desse modo, afirma-se que a pesquisa realizada é importante para demonstrar,
não apenas aos curiosos da ciência processual, mas também, aos estudantes de
direito, operadores do direito e magistrados, que a reforma do CPC se encontra em
sintonia com os fundamentos constitucionais que regem o moderno processo civil
de resultados.
O objetivo geral é analisar as alterações das prerrogativas processuais da Fa-
zenda Pública diante do atual contexto constitucional. Já os objetivos específicos são:
definir as modificações relativas aos prazos processuais, a remessa necessária e a
intimação pessoal do representante judicial para, ao final, demonstrar que estão em
conformidade com a ideia de Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva e a
nova ordem constitucional.
A temática que por hora propõe-se não necessita de pesquisa de campo. Isto
porque para respaldar o tema é necessário, apenas, as pesquisas bibliográficas, ou
melhor, a análise da lei, o conhecimento das posições doutrinárias, a partir de livros,
artigos de revistas e sites na internet.

396 Thais Rodrigues Coelho Terra


O presente estudo encontra-se dividido em três capítulos. No primeiro será abor-
dado o tema “Jurisdição e o tempo do processo”, discorrendo-se acerca da evolução
processual, seguindo pela indicação da visão passada e presente acerca do processo
e elucidando, o significado, hoje, dos princípios, “acesso à Justiça”, “direito de de-
fesa” e “tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva”.
No segundo capítulo abordar-se-á “As prerrogativas processuais da Fazenda
Pública no novo CPC” através da dissertação dos fundamentos que justificam a
necessidade de conferir suas prerrogativas processuais, bem como de demonstrar
as modificações introduzidas pelo novo Código de Processo Civil no que tange aos
prazos processuais, a intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública
e a remessa necessária.
No terceiro capítulo, “Paradoxo entre as prerrogativas processuais da Fazenda
Pública e a Tutela Jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva” demonstrar-se-á se
de fato as modificações trazidas pelo novo CPC estão em consonância com o orde-
namento constitucional e a ideia do processo civil de resultados.
Acredita-se e espera-se com esta pesquisa, não solucionar o tema – devido
à sua complexidade – mas fazer considerações fundamentais afim de demonstrar
que as Prerrogativas da Fazenda Pública se encontram em sintonia com os preceitos
constitucionais modernos.

2. JURISDIÇÃO E O TEMPO DO PROCESSO

O Estado ergueu-se da necessidade de convivência entre os indivíduos e grupos


sociais. Inicialmente não tinha força para superar os ímpetos individualistas dos ho-
mens e impor-se acima da vontade dos particulares, deixando a mercê dos seus
sujeitos à proteção do que se passou a chamar Direito – os titulares valiam-se de
instrumentos e meios particulares para garantir o que era reconhecido pelo Estado,
não garantindo a Justiça, mas a vitória do mais forte (autotutela).
Ocorre que, com a evolução das relações sociais, o sistema de proteção privada
demonstrou-se incapaz de manter a ordem nas comunidades organizadas. O Estado
se fortaleceu e passou a ser o responsável pela ordem social, retirando dos particu-
lares e transferindo-a para si a legitimidade para a solução dos conflitos de interesse.
A intervenção do Estado, na solução dos conflitos surgidos, é motivada pela
provocação dos interessados, o que configura o exercício da jurisdição. É através da
jurisdição que o Estado – na pessoa do juiz – examina as pretensões e regra o con-

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 397


flito, de modo imparcial, submetendo-o, imperativamente, ao que dita a lei e às suas
decisões, buscando, agora sim, o real significado de Justiça.
A ação, por sua vez, é o direito ou poder ao exercício da atividade jurisdicional.
Pelo seu exercício provoca-se a jurisdição, nascendo o direito ao provimento juris-
dicional – favorável ou não, justo ou não – que por sua vez se exerce através do
complexo de atos que é o processo.
A ação tem natureza constitucional (art. 5º, inc. XXXV), e como se esclarecerá
nos tópicos seguintes, tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes
o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da CF/88).
Processo1 é justamente o instrumento para a positivação do direito ou poder à
atividade jurisdicional. É o meio pelo qual os órgãos jurisdicionais deixam de perma-
necer inertes e atuam, pacificando e eliminando os conflitos e, ainda, fazem cumprir
o preceito jurídico pertinente a cada caso (direito material). Distingue-se do Procedi-
mento que é apenas a manifestação extrínseca do processo, são os atos de instau-
ração, desenvolvimento e término.
O processo civil brasileiro tradicional está fincado na mais ampla busca da
verdade e da segurança jurídica. O procedimento ordinário foi adotado como procedi-
mento padrão de tutela de direitos que compreende uma cognição plena e exauriente
e fez surgir a preocupação com a morosidade do processo, a dificuldade de acesso à
justiça e ainda a efetividade – institutos importantes que inspiraram o novo CPC/2015
desde o seu esboço.
No Estado Liberal Clássico o Poder Judiciário limitava-se a mostrar o que con-
tinha a lei (boca da lei). Preocupava-se com a mínima intervenção do Estado na esfera
privada e a ideia eminentemente patrimonialista reduziu o processo ao funcionamento
do mercado (bens), através ou do equivalente ou do ressarcimento em dinheiro e,
portanto, havendo a abstração das pessoas e dos bens, por acreditar que tudo era
igual, sem necessidade de tutelas diferenciadas.
Porém, a sociedade vive em constante transformação e com ela advêm novas
necessidades. A ideia liberal, foi superada. Brotam novas Constituições, Novo Código
de Processo Civil seguido de reformas. O Estado assumiu o papel de garantidor da
liberdade por meio de proteção às necessidades sociais. Agora, há necessidade cons-
ciente de que bens e pessoas merecem tratamentos diferenciados.

1 Etimologicamente, processo significa “marcha avante”, “caminhada” (do latim procedere = seguir
adiante) (DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 277).

398 Thais Rodrigues Coelho Terra


Viu-se, assim, que era necessário adequar o processo ao direito material uti-
lizando mecanismos que atendam a aplicação do direito no caso concreto. Surge o
Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/1973). Depois nasce a Constituição
Federal de 1988.
No Brasil, a exemplo dos demais Estados Democráticos de Direito, algumas ga-
rantias tomaram aparência constitucional, a exemplo do acesso à justiça. O Código de
Processo Civil de 1973, que surgiu apto para aquele momento histórico, mostrou-se
em desconformidade com as necessidades do mundo atual, em especial depois da
constituinte de 1988, e mesmo enfrentando várias reformas, perdeu sua originalidade
não sendo mais capaz de satisfazer as necessidades atuais.
Luiz Guilherme Marinoni2 assevera que a combinação do artigo 5º, inciso XXXV
(acesso à Justiça) e inciso LIV (direito de defesa) da Constituição Federal:

[...] abre a oportunidade para que se afirme o direito de ação não mais como
um direito a sentença, como as teorias clássicas sobre a ação dispunham,
mas como direito à tutela jurisdicional adequada efetiva e tempestiva mediante
processo justo.

Ademais, a Emenda Constitucional nº 45/2004 elevou expressamente a patamar


de direito fundamental a razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII) e reforçou
a necessidade de mudança na sistemática do Código de Processo Civil.
A preocupação com a duração razoável do processo se mostra mundial, na me-
dida em que outros diplomas normativos tratam do tema, a exemplo do artigo 8º, item
I da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
O novo CPC/2015 foi elaborado com a finalidade de atender aos anseios da
população em geral que clama por uma Justiça rápida, isonômica e efetiva sem des-
cuidar das garantias processuais constitucionais. Criam-se novos institutos, aper-
feiçoam-se outros. Simplificam-se os procedimentos, padronizam-se os prazos e
diminuem-se os incidentes e recursos; prestigia-se a jurisprudência firmada. E mais,
o processo passa a dar efetividade à Constituição Federal; dá vida aos princípios fun-
damentais, como o acesso à justiça (art. 3º)3, a duração razoável do processo (art.
4º)4, entre outros, tudo na ânsia desenfreada de garantir a tutela jurisdicional efetiva,
adequada e tempestiva.

2 MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo Curso de Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2015, p. 238.
3 Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
4 Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 399


Mais uma vez, Luiz Guilherme Marinoni5 ao tratar das teorias da ação e da po-
sição do novo CPC/2015 aduz:

[...] diante do novo Código de Processo Civil, é possível afirmar que o direito
de ação é um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva
mediante processo justo. Este direito não se submete as velhas condições
para a sua existência. É um direito de natureza processual totalmente abstrato
e independente da efetiva existência do direito material alegado em juízo.

O slogan que já vem desde Chiovenda no entendimento de que o processo


deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele
tem direito de obter, se mostra atual (contemporânea) e por isso, como diz Cândido
Dinamarco6:

A maior aproximação do processo ao direito, que é uma vigorosa tendência


metodológica hoje, exige que o processo seja posto a serviço do homem, com
o instrumental e as potencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço
de sua técnica.

Este artigo procura discutir as modificações trazidas pelo novo CPC, no que
concerne as prerrogativas da Fazenda Pública e demonstrar se elas acompanharam
os anseios de Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva.
Dessa forma, compreendido de forma simplificada as necessidades atuais, pas-
sa-se a melhor explicar a ideia de ‘Acesso à Justiça’, o ‘Direito de Defesa’ e ‘Tutela
Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva’.

2.1 Acesso à Justiça

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV7 consagra o


princípio do acesso à Justiça, firmando a responsabilidade do Estado em garantir o
acesso igualmente a todos e em produzir resultados justos.
O novo CPC, mesmo que com grande atraso, considerando que se trata de
uma garantia constitucional há décadas, trouxe redação praticamente idêntica (art. 3º,
caput), a qual é louvável e contem, na sua essência, inúmeras outras garantias, como

5 MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo Curso de Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2015, p. 205. [grifos no original].
6 DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.
297.
7 Art. 5º. [...]

XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

400 Thais Rodrigues Coelho Terra


por exemplo o devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição e o resultado
justo e efetivo.
Aqui, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, não pode ser res-
trito, apenas, a assegurar o acesso aos Tribunais, pois engloba, também, o entendi-
mento pela real reparação do direito lesionado ou ameaçado e pelo acesso à justiça
efetivo e tempestivo que garanta a proteção contra qualquer forma de denegação da
Justiça.
O Professor José Henrique Mouta Araújo8, ao tratar dos obstáculos existentes
no ordenamento jurídico pátrio para o acesso à Justiça, afirma que:

Muito se fala, nos dias atuais, em acesso efetivo à Justiça. A efetividade per-
feita, no entanto, poderia ser expressa como a completa igualdade de armas,
como garantia de que a conclusão final dependeria apenas e tão somente dos
méritos jurídicos relativos às partes litigantes, sem relação com quaisquer di-
ferenças estranhas ao direito e que, no entanto, afetem a reivindicação dos
próprios direitos.

Continua, no texto, demonstrando que essa igualdade não pode ser alcançada,
pois as diferenças, entre as partes, dificilmente serão eliminadas. Aduz ser necessário
superar os óbices responsáveis pela ameaça ao bom desempenho da função estatal
de eliminar os conflitos e define, baseado no autor Cândido Dinamarco9, como: a
admissão ao processo (eliminação de desigualdade que desestimula as pessoas ao
litígio), o modo de ser do processo (observação da ordem legal dos atos, possuindo
o juiz papel ativo) e a justiça e utilidade das decisões.
Surgem, concomitantemente, diversas preocupações que podem ser, primeira-
mente, definidas com o custo do processo, seja pela onerosa/difícil constituição de
um advogado, adiantamento de custas para o andamento do processo e até mesmo
a sucumbência. Essas preocupações afloram quando se trata das classes menos
favorecidas, tendo fundamental importância, para uma justiça mais acessível, o papel
da Defensoria Pública ou defensor dativo (art. 5º, inc. LXXIV, da CF/88) e a isenção
de algumas custas.
Outro fator determinante ao acesso à justiça e que tem tirado, inclusive, a cre-
dibilidade do Poder Judiciário é a duração do processo. O tempo tem sido o grande
inimigo dos indivíduos que buscam a reparação ou proteção do seu direito.

8 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à justiça e efetividade do processo. Curitiba: Juruá, 2001, p.
47.
9 DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 401


As razões da dilação excessiva do processo são as mais variadas, podendo
ser utilizados aqui, a título de mera exemplificação, o número grande de processos
se balancearmos com o número pequeno de juízes, a falta de domínio técnico destes
últimos e dos serventuários, sem contar, o custo financeiro, já supracitado.
Assim, não basta, a garantia da apreciação do Poder Judiciário, entendido aqui,
apenas, como o direito de ação, mas o manejo de técnicas – meios de ingresso
menos oneroso, atualização dos profissionais, agilidades na tramitação dos processos
– que permitam atender às diversas necessidades do direito substancial.
Falar em acesso à justiça vai além do direito de obter uma resposta do Poder
Judiciário, pois é imprescindível que o Estado assegure meios para que se concretize
em sua plenitude.
Acontece que o acesso à justiça, por si só, não é suficiente. Não basta tão so-
mente garantir o acesso, é necessário que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado
seja efetiva, adequada e tempestiva.

2.2 Direito de Defesa

Como já demonstrado, o indivíduo, ao pleitear amparo do Estado-Juiz, se de-


para com um sistema extremamente burocrático. O lapso temporal exige uma espera
demasiadamente longa.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV10, garante o direito
à defesa, englobando o contraditório e a ampla defesa. Contudo, a concepção deste
preceito não pode ser entendido como o de primeiro esgotar todas as possibilidades
para respeito ao devido processo legal (art. 5º, inc. LIV)11 e só depois o juiz dar proce-
dência ou não ao(s) pedido(s). Ela deve ser entendida de forma razoável, distribuindo
racionalmente o processo e inibindo a defesa abusiva.

10 Art. 5º. [...]



LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados
o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
11 Art. 5º. [...]

LIV – Ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

402 Thais Rodrigues Coelho Terra


Ademais o Novo Código de Processo Civil também inovou ao tratar do tema em
seus artigos 9º12 e 1013.
Luiz Guilherme Marinoni14 trata deste assunto afirmando:

Imaginar – em uma concepção narcísica e romântica de devido processo legal


– que as garantias nada retiram de alguém é desprezar o “lado oculto e feio” do
processo, o lado que não pode ser visto (ou não quer ser visto) pelo proces-
sualista que tem “olhos” apenas para o plano normativo ou para o plano das
abstrações dogmáticas

É difícil não lamentar, mas a afirmação é prudente posto que em diversas


situações a parte que não tem razão utiliza deste preceito com o objetivo de protelar
a decisão, ou melhor, a efetiva justiça.
E mais, em certas ocasiões, esperar o momento da sentença pode não trazer
utilidade para o titular do direito porque simplesmente o direito já pereceu, devendo,
esses meios, serem respeitados pelo ordenamento.
A plenitude da ampla defesa e o contraditório nem sempre são imprescindíveis
quando se leva em consideração que existem casos em que o direito é evidente ou
verossímil ou ainda, como defendem alguns doutrinadores, quando a própria tutela em
parte já pode ser concedida e o processo, como já afirmado diversas vezes, precisa
ser adequado à realização do direito material.
Na concepção de Humberto Theodoro Júnior15 o processo devido é o “processo
justo, apto a propiciar àquele que o utiliza uma real e prática tutela” e cita no seu livro,
ao tratar especificamente de Tutela Antecipada, Calmon de Passos que expõe:

Aqui dois valores conflitam. O da efetividade da tutela e o do contraditório e


ampla defesa. Caso a ampla defesa ou até mesmo a citação do réu importe cer-
teza de ineficácia de futura tutela, sacrifica-se, provisoriamente o contraditório,

12 Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I – à tutela provisória de urgência;

II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no artigo 311, incisos II e III;

III – à decisão prevista no artigo 701.
13 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do
qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício.
14 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado. Parte Incontroversa da
demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2002, p. 15-16.
15 THEODORO, Humberto Junior. Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. 33. ed. Rio de Janeiro: Foren-
se, 2002, p. 557.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 403


porque recuperável depois, assegurando-se que a tutela que, senão antecipada,
se faria impossível depois.

Necessário, portanto, se faz que o devido processo legal fique, em determi-


nadas situações, em segundo plano, pois a prioridade quando se procura o Poder
Judiciário é fazer Justiça e exaltando tão só o devido processo legal não haverá esta
materialização.
O direito de defesa não é o único vetor para uma tutela jurisdicional efetiva, ade-
quada e tempestiva. Existem outros. Haverá momentos em que será sacrificado para
assegurar o resultado útil do processo a exemplo das tutelas provisórias (art. 300, do
CPC/2015). Contudo isto não importa na eliminação de um direito, mas, repisa-se, na
mitigação de um deles e na valoração diante da proporcionalidade.

2.3 Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva: Da Razoável Duração


do Processo

De início registra-se que antes de ingressar neste tópico foi necessário trazer
ao debate o direito ao acesso à justiça e o direito de defesa, pois como se viu a com-
binação dos dois trouxe o entendimento de que a ação não é mais vista como um
simples direito a sentença, mas como direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e
tempestiva mediante processo justo.
Pois bem, quando se pensa em efetividade logo vem a ideia de tempo, da
morosidade do processo, e isso ocorre por ele ser um dos maiores obstáculos na
pacificação dos conflitos. Deve-se, entretanto, arredar a concepção reducionista de
identificar efetividade apenas com celeridade/rapidez, por que nem sempre esta ga-
rante a obtenção daquela. Veja o exemplo extraído das lições de João Batista Lopes16:

Assim, por exemplo, se a complexidade da matéria exigir provas periciais, o


julgamento antecipado da lide não garantirá a efetividade da jurisdição, mas
traduzirá precipitação e incompletude da tutela jurisdicional.

O artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal foi amplamente dissertado,


inclusive no que concerne a obrigação do Estado em garantir a prestação jurisdicional
adequada a cada situação concreta. É certo que à adequada tutela deve ser somada
à efetividade, proporcionando, neste caso, o mínimo de sacrifício individual e o má-
ximo resultado (direito usufruído de forma plena). Há, portanto, a constante busca do

16 LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 34.

404 Thais Rodrigues Coelho Terra


acesso à Justiça que como visto está intimamente ligado a efetividade e esta deve
englobar a adequada e tempestiva tutela.
Tutela adequada é capaz de produzir o resultado que seria obtido se, esponta-
neamente, observado o preceito legal, ou seja, tutela hábil para realização do direito
e não somente um direito abstrato de ação. Já a tutela tempestiva diz respeito, como
o próprio nome induz, ao tempo que além de ser fundamental na vida humana, no
processo desempenha função idêntica, pois o processo também é vida.
O tempo não pode ser definido com precisão, pois cada demanda é composta
por uma situação fática diferente e, por isso, deve ser o suficiente para que a demora
processual não prejudique a parte que tem razão.
Consultando mais uma vez a obra de João Batista Lopes17, uma importante
ressalva foi feita ao citar Marcacini quanto à relação efetividade, adequação e tem-
pestividade e que merece ser destacada:

É necessário confrontar os ideais buscados pelo sistema processual – ideias


que irão variar no tempo e no espaço – com os resultados alcançados. O
vocábulo efetividade contém um significado aberto, a depender do que quere-
mos realizar por meio de um processo [...] falar na efetividade do processo im-
plica previamente estabelecer o que queremos obter do sistema, para só então
podermos aferir com que grau de intensidade estes objetivos foram atingidos.

O processo efetivo é indispensável para a sobrevivência do próprio direito subs-


tancial e para eliminar a inefetividade do processo buscaram e ainda buscam técnicas
à eliminação/reparação do dano, causado pela lentidão do processo/procedimento.
No que tange a tempestividade da prestação da tutela dos direitos merece des-
taque, mais uma vez, o direito à duração razoável do processo que, como afirmado
no início deste capítulo foi agregado à Constituição Federal através da EC nº 45/2004
passando a ser direito fundamental (princípio regido como cláusula geral).
Luiz Guilherme Marinoni18 dissertando sobre a razoável duração do processo
adverte:

O tempo já foi visto como algo neutro ou cientificamente não importante. Certa-
mente por isso foi jogado integralmente nas costas do autor, como se a demora

17 LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 33. [grifos no original].
18 MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo Curso de Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2015, p. 267.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 405


fosse exclusivamente problema seu. Acontece que o tempo é uma necessidade
[...].

Por estar ligado ao contraditório o tempo deve ser distribuído entre as partes.
Essa é a grande questão do direito contemporâneo.

Nesse diapasão, surge o Código de Processo Civil de 2015 e diversos disposi-


tivos que consagram o direito contemporâneo. O aproveitamento dos atos processuais
(arts. 188, 277 e 282) e a ordem cronológica ao julgamento do processo (art. 12) são
exemplos da tentativa de o legislador cumprir os preceitos constitucionais e garantir
que o processo tenha razoável duração.
Resta analisar se as modificações das prerrogativas atribuídas à Fazenda Pú-
blica também representaram um avanço e estão de acordo com o direito contempo-
râneo, fato que será tratado nos capítulos seguintes.

3. DAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC

Não é de hoje que se discute acerca do regime diferenciado dispensado à Fa-


zenda Pública de maneira que é preciso perquirir os fundamentos constitucionais e
infraconstitucionais que motivam o seu tratamento diferenciado em juízo para, depois
de compreendido, esmiuçar as modificações trazidas pelo novo CPC.
Nesse compasso, é preciso, desde o início, definir se o tratamento diferenciado
dispendido à Fazenda Pública é considerado como “prerrogativa” ou “privilégio”.
Aqui, adota-se o entendimento de que é uma “prerrogativa”, uma vez que não
se trata de uma discriminação sem fundamento a qual proporciona uma situação de
vantagem descabida (se assim fosse tratar-se-ia como “privilégio”); pelo contrário,
contém tem dupla finalidade: assegurar a igualdade substancial e a observância da
supremacia do interesse público sobre o privado.

3.1 Das Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública como Instrumentos para


a Concretização dos Princípios da Igualdade e da Supremacia do Interesse
Público

3.1.1 Princípio da Igualdade Processual

Quando se pensa no termo “prerrogativas” logo indaga-se acerca de eventual


ofensa ao Princípio da Igualdade, diante da aparente vantagem de uma parte em re-

406 Thais Rodrigues Coelho Terra


lação a outra (como ver-se-á o tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública
em relação aos particulares não obedece ao rígido critério da isonomia formal estabe-
lecido pela Constituição Federal). Diz-se isto porque na qualidade de princípio consti-
tucional (art. 5º, da CF/88) entoa a premissa de que “todos são iguais perante a lei”.
O Princípio da Igualdade também tem reflexos no Direito Processual, razão pela
qual o artigo 7º do Novo Código de Processo Civil assegura paridade de tratamento às
partes ao passo que o 139, inciso I prevê que incumbe ao juiz “assegurar às partes
igualdade de tratamento”.
Contudo, referido princípio requer uma leitura sob duas óticas: a formal e
a material. A formal já foi citada e encontra-se prevista no caput do artigo 5º; a
material (substancial) remonta à clássica lição de Aristóteles segundo a qual se deve
“tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua
desigualdade” como forma de estabelecer equilíbrio entre as partes em uma demanda.
Ora, impossível de se afirmar que o particular, como parte em um processo,
seja igual ao Poder Público, o que, por si só, já justificaria o seu tratamento diferen-
ciado como forma de superar as desigualdades. Entretanto, esse tratamento diferen-
ciado não pode prevalecer de forma irrestrita, sendo necessário estar em lei e existir
uma verdadeira ponderação.
Em outras palavras é preciso assegurar tratamento que supra as desigualdades
naturais existentes entre os jurisdicionados, garantindo, por conseguinte, o desenvol-
vimento de um processo justo.
Gustavo Binenbojm19 ao tratar sobre o tema aduz que:

As hipóteses de tratamentos diferenciados conferido ao Poder Público em re-


lação aos particulares devem obedecer aos rígidos critérios estabelecidos pela
lógica do princípio constitucional da Igualdade. É dizer: qualquer diferenciação
deve ser instituída por lei, além de sujeitar-se, no seu contexto específico e na
sua extensão, aos testes da proporcionalidade.

Portanto, para que um privilégio instituído em favor da Administração Pública


seja constitucionalmente legítimo, é mister que:

(I) a compressão do princípio da isonomia (isto é, a discriminação criada em


desfavor dos particulares) seja apta a viabilizar o cumprimento, pelo Estado,
dos fins que lhe foram cometidos pela Constituição ou pela lei;

19 BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e


Constitucionalização. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 114.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 407


(II) o grau ou medida da compressão da isonomia (isto é, a extensão da discri-
minação criada em desfavor dos particulares) deve observar o limite do estrita-
mente necessário e exigível para viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins
que lhe foram cometidos pela Constituição ou pela lei;

(III) por fim, o grau ou medida do sacrifício imposto à isonomia deve ser com-
pensado pela importância da utilidade gerada, numa análise prognóstica de
custos para os particulares e benefícios para a coletividade como um todo.

Leonardo Carneiro da Cunha20 por sua vez afirma:

O princípio da razoabilidade finca a aplicação do princípio da isonomia. E nem


poderia ser diferente, pois o princípio da isonomia revela-se como corolário do
devido processo legal, em cujo espectro se insere o princípio da razoabilidade.

Traçados os limites que garantem o tratamento diferenciado em consonância


com o princípio da igualdade, tem-se, em termos práticos, que o Poder Público se vê
em desvantagem diante do particular, em razão de sua estrutura burocrática composta
por diversos órgãos e departamentos, o que dificulta o tráfego de informações e docu-
mentos ao advogado público, por vezes prejudicando até a elaboração de uma defesa.
Além disso o volume de trabalho e a drástica diversidade de demandas que
o dia a dia impõe ao advogado público justificam um tratamento diferenciado a seu
favor, em especial aos prazos processuais diferenciados.
Não se pode esquecer que a Fazenda Pública atua em Juízo defendendo o Erário
Público e, sendo vencida na demanda, quem acabará dissipado serão os cofres pú-
blicos, causando um prejuízo a toda ordem social e não apenas à pessoa jurídica de
direito público.
O advogado da União, Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues21, ao analisar a
igualdade material afirma que:

Não raro, em casos como os tais, o Advogado da União depende da remessa de


informações e documentos por parte de todos os órgãos nos quais o servidor
tenha servido, sob pena de não conseguir elaborar uma defesa consistente e
eficaz.

20 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialé-
tica, 2011, p. 31.
21 RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. As prerrogativas processuais da Fazenda Pública no Projeto
de novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2638, 21 set. 2010.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17425>. Acesso em: 15 out. 2015.

408 Thais Rodrigues Coelho Terra


Tais dificuldades revelam-se aptas a justificar o tratamento processual diferen-
ciado em favor da Fazenda Pública, especialmente no que tange à concessão
de prazos mais dilatados para oferecimento de contestação.

Com efeito, tomando por base as lições de Gustavo Binenbojm, além da prévia
instituição por lei (artigo 188 do atual do Código de Processo Civil), a discri-
minação em tela parece resistir ao teste da proporcionalidade, uma vez que a
compressão do princípio da isonomia na hipótese viabiliza uma eficaz defesa
dos interesses do Estado em juízo, sem ultrapassar os limites do estritamente
necessário, e também representa medida que preza pela boa relação custo-be-
nefício, já que o sacrifício imposto à ideia de isonomia formal reverterá em prol
de toda a coletividade, diante da redução dos riscos de condenação do Estado
por mera falta de informações, documentos ou provas.

Por fim, cita-se trecho da ADIn nº 1753/DF em que o Ministro Sepúlveda Per-
tence traça de forma clara os limites da igualdade processual conferida à Fazenda
Pública, vejamos:

EMENTA: [...] 2. A igualdade das partes é imanente ao procedural due process


of law; quando uma das partes é o Estado, a jurisprudência tem transigido com
alguns favores legais que, além da vetustez, tem sido reputados não arbitrá-
rios por visarem a compensar dificuldades da defesa em juízo das entidades
públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da propor-
cionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais [...] (ADIn nº 1753/DF
– Tribunal Pleno – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 12-06-1998 – pp-00051
– Ement vol-01914-01 – pp-00040 – RTJ vol-00172-01 – pp-00032 – julg. em
16.04.1998)

3.1.2 Supremacia do Interesse Público

É ressabido que a Administração Pública deve atuar segundo regras e princípios


preestabelecidos em lei dentre os que mais se destaca o princípio da supremacia do
interesse público sobre o particular o qual não só inspira o legislador mas vincula a
autoridade administrativa em sua atuação.
A professora Fernanda Marinela22 ao discorrer acerca da supremacia do inte-
resse público ensina:

O princípio da supremacia determina privilégios jurídicos e um patamar de su-


perioridade do interesse público sobre o privado. Em razão do interesse público,

22 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 24.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 409


a Administração terá posição privilegiada em face de terceiros, além de prerro-
gativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares.

Não é difícil compreender os motivos pelos quais se encontram previstos ar-


tigos diferenciadas à Fazenda Pública, uma vez que, quando estiver atuando em juízo,
o ente público defende o erário – o que a Fazenda Pública protege não é o interesse de
um ou outro indivíduo ou governante, mas de toda coletividade – o interesse público.
Lucas Buril de Macêdo e Ravi Peixoto23 destacam que:

O interesse público está relacionado com o interesse geral e nunca com o in-
teresse dos entes públicos em específico. Apenas a ele cabe a tutela desses
interesses [...] Em razão dessa característica é que a Fazenda Pública osten-
ta uma situação diferenciada, quando comparada com a situação dos outros
atores processuais, Quando um ente público atua processualmente, não está
defendendo o seu interesse, mas sim, o interesse público a quem ele compete
tutelar processualmente.

Leonardo Carneiro da Cunha24 identifica o interesse público “com a ideia de bem


comum e reveste-se de aspectos axiológicos, na medida em que se preocupa com a
dignidade do ser humano”.
Prossegue afirmando que:

Com efeito, a Fazenda Pública revela-se como fautriz do interesse público, de-
vendo atender à finalidade da lei de consecução do bem comum, a fim de
alcançar as metas de manter a boa convivência dos indivíduos que compõem
a sociedade. Não é que a Fazenda Pública seja titular desse interesse, mas se
apresenta como o ente destinado a preservá-lo25

O procurador federal Luiz Antônio Miranda Amorim Silva26 ao escrever sobre a


Fazenda Pública e o novo CPC destacou:

[...] a boa defesa da Administração Pública privilegia o interesse público. Es-


clareça-se, uma resposta judicial digna em patrocínio judicial da Administração
afora sua grande importância na proteção do erário, o que é de interesse geral,

23 PEIXOTO, Ravi et al. Tutela Provisória contra a Fazenda Pública no CPC/2015. Advocacia Pública.
Bahia: Juspodivm, 2015. (Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 3), p. 212-213.
24 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialé-
tica, 2011, p. 33.
25 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialé-
tica, 2011, p. 34.
26 SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim Silva. A Fazenda Pública e o Novo CPC. In: PAVIONE, Lucas dos
Santos; SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim. (Orgs.). Temas Aprofundados AGU. Salvador: Juspodi-
vm, 2012, v. 1, p. 801-858.

410 Thais Rodrigues Coelho Terra


apresenta relevância basilar para que a Administração, quando equivocada pos-
sa voltar aos trilhos da juridicidade.

É fundamental que o advogado público consiga compreender o posicionamento


administrativo em cada caso concreto, pois além da necessidade de conferir
ao Poder Público uma defesa robusta, esse entendimento se faz necessário
para que o procurador, quando constatada a ilegalidade do ato, possa realizar
propostas de acordo e orientar a Administração sobre como proceder
futuramente.

Dessa forma, mesmo não sendo a titular do interesse público, mas o destinado
a preservá-lo, a Fazenda Pública deve sempre conciliar os interesses contrapostos
e buscar o bem comum, lutando pelo cumprimento da ordem jurídica posta e pela
probidade administrativa. Surge, nesse contexto, as prerrogativas processuais da Fa-
zenda Pública com a finalidade de garantir melhores e adequadas condições para a
representação dos entes públicos.
Por outro lado, há quem defenda que a existência de referidas prerrogativas pro-
move, indistintamente, um processo menos célere, o que compromete a efetividade.

3.2 Das Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública no Novo CPC

Compreendida a tendência do Direito Processual contemporâneo preocupado


com a tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva, bem como a necessidade de
se conferir prerrogativas à Fazenda Pública, passa-se a esmiuçar algumas mudanças
pontuais trazidas pelo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), quais sejam: os
prazos processuais, a intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública
e a remessa necessária. Encontram-se fora de abrangência deste artigo as prerroga-
tivas instituídas por leis extravagantes e outras relativas a procedimentos próprios/
especiais.

3.2.1 Dos Prazos Processuais

O Código de Processo Civil de 1973 reproduziu o sentido do que já havia sido


tratado pelo CPC de 1939 em seu artigo 3227 e manteve o prazo diferenciado à Fa-
zenda Pública – artigo 188 (prazo em quádruplo para contestar e dobro para recorrer).

27 CPC/1939 – Art. 32. Aos representantes da Fazenda Pública contar-se-ão em quádruplo os prazos para
a contestação e em dobro para a interposição de recurso.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 411


Esta prerrogativa foi historicamente criticada e apontada por muitos como uma
das principais razões para a falta de celeridade processual.
Surgiram, no decorrer dos anos, tentativas de mudança pelo legislador, a
exemplo do PLC nº 61/2003 de autoria do Deputado Federal José Roberto Batochio
que buscava revogar o artigo 188 do CPC/1973 acabando de vez com as prerroga-
tivas processuais da Fazenda Pública. Entretanto, a Comissão de Constituição Justiça
e Cidadania – CCJC do Senado opinou pela rejeição do Projeto de Lei da Câmara,
tendo sido arquivado em 2009.
Interessante transcrever as justificativas apresentadas no Parecer da CCJC do
Senado e que ensejaram na sua não aprovação, vejam-se:

Com relação ao mérito, contudo, após muita reflexão e ampla consulta aos
setores interessados, com a oitiva de diversos especialistas, em reiteradas reu-
niões promovidas em nosso gabinete, concluímos que a proposta em exame
não deve prosperar, a despeito dos louváveis preocupações de seu autor e da
aparente contribuição desta iniciativa para a consolidação do estado democrá-
tico de direito em nosso país. Embora reconheçamos a relevância e nobreza
dos propósitos em prol da celeridade e efetividade na entrega da jurisdição, en-
tendemos que algumas das soluções defendidas como de fácil implementação
para reduzir a morosidade do Poder Judiciário não podem ser levadas a efeito
sem a necessária cautela e indispensável crítica, sob pena de, desconsideradas
as peculiaridades da máquina estatal brasileira, causarem pesados prejuízos ao
Erário e à sociedade. Entendemos, igualmente, que a contagem diferenciada
de prazo a favor da Fazenda Pública não constitui, como consta da justificação
da proposta, “resquício da ditadura”, vez que se acha inserida em nosso or-
denamento jurídico desde 1939 (Decreto-Lei nº 1.608). Não nos parece que o
projeto encerre a potencial efetividade vislumbrada, pouco contribuindo para a
erradicação da lentidão judiciária, tendo em vista que, no universo burocrático
em que se encontra imersa a processualística brasileira, repleta de alternativas
protelatórias, o decurso diferenciado de prazo concedido à Fazenda Pública e
ao Ministério Público se revela insignificante, especialmente quando compara-
do aos anos necessários para o julgamento de uma lide na Justiça pátria. Ao
contrário, tal medida, a nosso ver, tornaria ainda mais tormentosa a defesa dos
interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, em razão do grande
número de processos e da sabida deficiência de recursos humanos e materiais
enfrentados pelo MP e pela Fazenda. Todos sabemos que, em decorrência da
própria estrutura do Estado, a defesa judicial de seus interesses não é leva-
da a efeito da mesma forma instantânea que a dos particulares. Diante disso,
cabe a indagação: a quem interessa que a Fazenda Pública seja mal defendida
judicialmente? Decerto, os maiores beneficiários serão os grandes devedores
do Erário, que terão a possibilidade de ver a Fazenda perder os prazos proces-

412 Thais Rodrigues Coelho Terra


suais, onerando ainda mais os cofres públicos. Tendo em vista, portanto, as
conhecidas restrições, das mais diversas ordens, experimentadas pela Fazenda
e peio Ministério Público, é forçoso concluir que a manutenção dos privilégios
processuais ora em discussão representa medida não apenas conveniente para
o interesse público, mas fundamental para que a igualdade material seja alcan-
çada. Assim, depois de ponderarmos as coerentes manifestações dos atores
consultados, formamos nossa convicção de que, tanto o conteúdo jurídico do
princípio da igualdade, quanto da insignificância do resultado prático da medi-
da, indica-nos como sensata a rejeição do projeto. (PLC nº 61/2003)

Vê-se, portanto, a necessidade de manter prerrogativas processuais para a Fa-


zenda Pública. Todavia, interessante destacar que a realidade atual é bem diferente da
década de 1970, quando entrou vigor o antigo CPC, em especial devido ao fenômeno
da globalização e os modernos meios de comunicação, o que facilitou a troca de
informações pelos meios eletrônicos.
Surge o Novo Código de Processo Civil. Faz-se um parêntese para enaltecer que
a Advocacia Pública ganhou título próprio no novo Código de Processo Civil (Titulo
VI). Não que isto represente uma inovação legislativa, já que a Constituição Federal
há tempos previu a Advocacia Pública como função essencial a Justiça, mas repe-
tição no plano infraconstitucional em termos mais amplos, o que certamente fortalece
essas carreiras públicas.
No que tange aos prazos processuais o artigo 183 (substituiu o artigo 188) veio
com a seguinte redação:

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respec-


tivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para
todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da
intimação pessoal.

[...]

§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer,


de forma expressa, prazo próprio para o ente público.

Percebe-se a padronização dos prazos processuais. Diminuiu-se de modo signi-


ficante o prazo para contestar e, por outro lado, todos os prazos dobram (não apenas
o para recorrer).
E não é só. O artigo 21928, do CPC/2015 mudou a forma de contagem dos
prazos processuais. Agora computam-se apenas os dias úteis. De certa forma essa

28 CPC/2015 – Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão
somente os dias úteis.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 413


mudança minimiza o impacto na diminuição do prazo para contestar da Fazenda
Pública.
E mais, o benefício de prazo em dobro aplicam-se para todas as fases proces-
suais em qualquer grau de jurisdição, excetuado que a lei fixar especialmente para a
Fazenda Pública, consoante se extrai do parágrafo 2º do artigo 183 do CPC/201529.
Por fim colacionam-se os Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas
Civis, responsável por criar centenas de enunciados com a finalidade de elucidar
temas e institutos tratados no Novo CPC acerca da matéria:

400. (art. 183) O artigo 183 se aplica aos processos que tramitam em autos
eletrônicos. (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública)30

416. (art. 219) A contagem do prazo processual em dias úteis prevista no arti-
go 219 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública.
(Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública)31

3.2.2 Da Intimação Pessoal do Representante Judicial da Fazenda Pública

O artigo 183 do novo CPC além dos prazos processuais trata sobre a intimação
pessoal do representante judicial da Fazenda Pública, veja-se:

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respec-


tivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para
todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da
intimação pessoal.

§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

Pois bem: As intimações de todos os atos processuais do representante judicial


da Fazenda Pública passam a ser pessoais e dar-se-ão de duas formas: a) processo
eletrônico: a intimação será feita diretamente na caixa do Procurador vinculado ao pro-
cesso e/ou ao login da Procuradoria do ente público; b) processo físico: a intimação

29 CPC/2015 – Art. 183. [...]



§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa,
prazo próprio para o ente público.
30 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 52.
31 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 54.

414 Thais Rodrigues Coelho Terra


será feita através da remessa dos autos à Procuradoria do ente federado ou carga do
processo pelo Procurador.
Trata-se de inovação positiva apresentada pelo novo CPC. Diz-se isto porque
pelo CPC/1973 as intimações não se davam através da remessa ou carga dos autos,
o que prejudicava demasiadamente a defesa do erário.
Ademais, não são poucos os casos em que o texto do mandado judicial se
mostra insuficiente para a prática de ato processual eficaz. Além disso, o mandado ju-
dicial geralmente vem desacompanhado de documentos, o que impossibilita a defesa
antes da vista dos autos. Situação que se agrava para aqueles que trabalham com
processos de comarcar longínquas, os quais grande parte do prazo era consumido
para se obter vistas e tirar cópia dos autos.
Dessa forma, a prerrogativa de intimação pessoal através do meio eletrônico,
carga ou remessa dos autos representou inovação positiva contribuindo para que o
advogado público cumpra seus prazos e primando pela qualidade das manifestações
dos representantes judiciais dos entes públicos.
Mais uma vez transcrevem-se os Enunciados do Fórum Permanente de Proces-
sualistas Civis acerca do tema:

400. (art. 183) O artigo 183 se aplica aos processos que tramitam em autos
eletrônicos. (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública) 32

401. (art. 183, § 1º) Para fins de contagem de prazo da Fazenda Pública nos
processos que tramitam em autos eletrônicos, não se considera como intima-
ção pessoal a publicação pelo Diário da Justiça Eletrônico. (Grupo: Impacto do
novo CPC e os processos da Fazenda Pública)33

32 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-


alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 52.
33 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 52.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 415


3.2.3 Da Remessa Necessária

O Código de Processo Civil de 1939 previa a apelação necessária em seu artigo


822 . Depois, o CPC/1973 (artigo 47535) retirou a feição recursal para abriga-la no
34

capítulo da coisa julgada e teve nova redação dada pela Lei nº 10.352/2001 (uma das
micro reformas do CPC/1973).
A Remessa Necessária, que no Código de Processo Civil de 1973 era tratada
dentro da Seção “coisa julgada”, ganhou Seção própria (Seção III, do Capítulo VIII) e
que também pode ser chamado de reexame necessário, remessa obrigatória ou duplo
grau de jurisdição.
Há quem defenda que sua natureza jurídica é de recurso de ofício, embora a
esmagadora doutrina trate não como recurso, mas condição de eficácia da sentença
que não produz efeitos até ser confirmada pelo Tribunal.
Pois bem, a remessa necessária ganhou roupagem moderna com o novo CPC
através do artigo 496, vejam-se:

Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas


respectivas autarquias e fundações de direito público;

34 CPC/1939 – Art. 822. A apelação necessária ou ex-officio será interposta pelo juiz mediante simples
declaração na própria sentença. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 4.565, de 1942).

Parágrafo único. Haverá apelação necessária: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 4.565, de 1942).

I – das sentenças que declarem a nulidade do casamento; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 4.565, de
1942).

II – das que homologam o desquite amigável; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 4.565, de 1942).

III – das proferidas contra a União, o Estado ou o Município. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 4.565, de
1942).
35 CPC/1973 – Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e
fundações de direito público; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda
Pública (art. 585, inc. VI). (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não
apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de
valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos
embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurispru-
dência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

416 Thais Rodrigues Coelho Terra


II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução
fiscal.

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo
legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presi-
dente do respectivo tribunal avocá-los-á.

§ 2º. Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa


necessária.

§ 3º. Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito


econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e


fundações de direito público;

II – 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as


respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que cons-
tituam capitais dos Estados;

III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respecti-


vas autarquias e fundações de direito público.

§ 4º. Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver
fundada em:

I – súmula de tribunal superior;

II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal


de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas


ou de assunção de competência;

IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito


administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer
ou súmula administrativa.

Assim, estão sujeitos a remessa necessária a sentença proferida contra a União,


os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e funda-
ções de direito público e a que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos
à execução fiscal.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 417


Os §§ 3º e 4º do artigo 496 versam as hipóteses em que haverá dispensa da
remessa necessária pelo juízo. Aqui, sem dúvida, residem as grandes alterações e
inovações trazidas pelo legislador acerca do tema.
A primeira delas, tratada pelo § 3º, refere-se ao valor da condenação ou pro-
veito econômico obtido, estabelecendo valores diferenciados quando for a União e
suas respectivas autarquias e fundações de direito público (inferior a mil salários);
o Estado, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público
ou o Município que constitui capital de estado (inferior a quinhentos salários) ou o
Município e suas respectivas autarquias e fundações de direito público (inferior a
cem salários) – O CPC/1973 trazia um único indicador monetário que era o valor não
excedente a 60 salários mínimos.
Ademais consignou o legislador que a sentença deve ser líquida e certa, em
consonância ao que dispõe a Súmula 490 do STJ36, alterando-se apenas os limites
legais. Sendo ilíquida, não é possível ocorrer a dispensa da remessa necessária.
O § 4º versa sobre os demais casos de dispensa da remessa necessária,
quando a sentença estiver fundada em:
a. súmula de tribunal superior;
b. acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c. entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou
de assunção de competência; e,
d. entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito ad
ministrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer
ou súmula administrativa.
Pois bem, os incisos II e III podem ser resumidos a um só a dizer: os casos
em que a decisão judicial (sentença) estiver fundada em entendimento firmados em
casos repetitivos. O artigo 928 do CPC/2015 considera casos repetitivos a decisão
proferida em: a) incidente de resolução de demandas repetitivas; b) recursos especial
e extraordinário repetitivos. Já o artigo 97637 versa as hipóteses de cabimento de
incidente de resolução de demandas repetitivas.

36 Súmula nº 490 – 28.06.2012.



A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for infe-
rior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas. (DJ-e 01.08.2012 – STJ).
37 CPC/2015 – Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quan-
do houver, simultaneamente:

418 Thais Rodrigues Coelho Terra


O inciso III trata, ainda, da hipótese de dispensa de remessa necessária quando
a sentença estiver fundada em entendimento firmado em assunção de competência –
matéria tratada pelo artigo 947 do CPC38.
Por fim, o inciso IV inova ao reconhecer a dispensa da remessa necessária pelo
juiz quando houver orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio
ente público, através de manifestação expressa, consolidada em parecer ou súmula
administrativa.
Explica Leonardo Carneiro da Cunha no livro ‘Breves Comentários ao Novo Có-
digo de Processo Civil’39:

Se, no âmbito interno da Administração Pública, houver recomendação de não


se interpor recurso, tal recomendação vincula o advogado público, não devendo
haver remessa necessária, que deverá ser dispensada pelo juiz. Em razão do
princípio da lealdade e boa-fé processual, cabe ao advogado público informar
ao juiz para que haja expressa dispensa da remessa necessária, evitando-se o
encaminhamento desnecessário dos autos ao respectivo Tribunal.


I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de
direito;

II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1º A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá
assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de
seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente
novamente suscitado.

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores,
no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão
de direito material ou processual repetitiva.

§ 5º Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.
38 CPC/2015 – Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de
remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito,
com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento
da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou
o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.

§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originá-
ria se reconhecer interesse público na assunção de competência.

§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários,
exceto se houver revisão de tese.

§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual
seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.
39 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Título II – Da tutela de urgência. Capítulo XIII – Da sentença e da coisa
julgada. Seção II – Dos elementos e dos efeitos da sentença. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al.
(Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 1261-1262.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 419


Ainda sobre o tema, interessante transcrever os Enunciados do Fórum Perma-
nente de Processualistas Civis:

164. (art. 496) A sentença arbitral contra a Fazenda Pública não está sujeita à
remessa necessária. (Grupo: Arbitragem)40

311. (arts. 496 e 1.046). A regra sobre remessa necessária é aquela vigente
ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos
da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica
os reexames estabelecidos no regime do artigo 475 do CPC de 1973. (Grupo:
Direito intertemporal e disposições finais e transitórias; redação alterada no V
FPPC-Vitória)41

312. (art. 496) O inciso IV do §4º do artigo 496 do CPC aplica-se ao proce-
dimento do mandado de segurança. (Grupo: Impactos do CPC nos Juizados e
nos procedimentos especiais de legislação extravagante)42

432. (art. 496, § 1º) A interposição de apelação parcial não impede a remes-
sa necessária. (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda
Pública)43

A bem da verdade o dia a dia despontou o sentimento de frustração do parti-


cular que se vê impedido de uma eficácia imediata de sua sentença diante da neces-
sidade de reapreciação da decisão judicial pelo Tribunal nas demandas ajuizadas em
face de entes públicos.
A reforma neste aspecto mostrou que o legislador foi sensível a questão e al-
terou consideravelmente os valores sujeitos ao duplo grau de jurisdição obrigatório,
restringindo para aquelas sentenças de maior vulto (preservando o interesse público)
e limitando-os aos casos, a grosso modo, ainda não “pacificados” pela jurisprudência
ou no âmbito administrativo (consagrando o princípio da duração razoável do pro-
cesso e a efetividade).

40 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-


alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 27.
41 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 43.
42 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 43.
43 FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de Processu-
alistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/
wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2017, p. 55.

420 Thais Rodrigues Coelho Terra


E mais, com as inovações evitam-se recursos desnecessários, desafogando em
parte o Poder Judiciário e permitindo a concentração de esforços dos Tribunais com
matérias mais importantes. Prestigia-se o processo de resultados.

4. DO PARADOXO ENTRE AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚ-


BLICA E A TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, ADEQUADA E TEMPESTIVA

De tudo o que foi analisado, resta perquirir se as alterações trazidas pelo novo
CPC, no que concerne as prerrogativas da Fazenda Pública, estão em consonância
com a busca do legislador da Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva uma
vez que em um primeiro momento parece inexistir a convivência harmônica entre os
dois.
Como se viu, as prerrogativas conferidas a Fazenda Pública geram a sensação
de morosidade processual e de desigualdade processual, o que em tese iria de en-
contro com a busca pela tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
Contudo foi amplamente dissertado no item 2 (Jurisdição e o Tempo do Pro-
cesso) o significado do princípio “razoável duração do processo” através do acesso
à justiça, do direito de defesa e da tutela jurisdicional efetiva adequada e tempestiva
para demonstrar que o direito de ação não se limita mais ao direito a uma sentença
e também não se reduz a busca apenas pela celeridade e/ou pela rapidez processual.
Vai muito além: demonstrou-se que o tempo não pode ser definido com precisão
restando necessário a prestação jurisdicional adequada a cada caso concreto e cuja
duração deve ser medida de acordo com o uso racional do tempo processual.
Viu-se ainda que uma das maiores dificuldades reside em compatibilizar a se-
gurança jurídica e a celeridade processual, o que só é possível através da ponderação
dos valores envolvidos. Trata-se de análise sob a ótica da razoabilidade e propor-
cionalidade de cada benefício conferido pelo legislador, pois, como se viu no item 3
(Das Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública no Novo CPC), o benefício criado
sem fundamento razoável reveste-se de “privilégio” e traz desiquilíbrio para a relação
processual.
As demandas que envolvem a Fazenda Pública possuem uma realidade muito
diferente do particular, em especial porque visam a proteção do interesse público – da
coletividade – e, para tanto, é necessário conferir armas processuais diferenciadas
com o fito de garantir a igualdade substancial.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 421


Neste diapasão faz-se necessário analisar se as modificações trazidas pelo novo
CPC rompem ou não com a lógica constitucional de princípios voltados ao processo
e com a ideia do processo civil de resultados.
Este artigo tratou de três modificações substanciais referente a Fazenda Pública
discorridas no item 3.2 (Das Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública no Novo
CPC), quais sejam: prazos processuais, intimação pessoal do representante judicial
da fazenda pública e o reexame necessário.
No que tange aos prazos processuais viu-se a manutenção de prerrogativas da
Advocacia Pública para que seja possível a melhor defesa de seu cliente, o Estado.
Defesa ineficiente, em prazo extremamente curto, redundará em prejuízo a toda socie-
dade. Ademais não são estes prazos diferenciados que prolongam demasiadamente
a duração do processo.
Contudo, o legislador optou por reduzir o prazo para contestar e em contrapar-
tida os demais prazos aumentaram, unificando os prazos e a sua forma de contagem.
Percebe-se, assim, a unificação dos prazos que passam a ser em dobro para todas
as manifestações. Por outro lado, mudou a forma de contagem dos prazos uma vez
que agora computam-se apenas os dias úteis, regra aplicável à fazenda pública e ao
particular.
A unificação mostra-se de acordo com a intenção do legislador de simplificação
de regras. É o que se extrai na exposição de motivos do anteprojeto do CPC44:

O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais


célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos
complexo.

A simplificação do sistema, além de proporcionar-lhe coesão mais visível, per-


mite ao juiz centrar sua atenção, de modo mais intenso, no mérito da causa.

Observa-se, portanto, a busca pela simplificação e padronização dos prazos


o que coaduna com a ideia de regras claras que regem o processo e almeja-se que
isto conduza a um trâmite processual próximo do razoável em questão de duração do
processo. Ao ponderar a razoabilidade e a proporcionalidade vê-se que maior prejuízo
se teria com a extinção dessa prerrogativa do que a sua permanência, o que também
se tratou nas justificativas que levaram a rejeição do PLC nº 61/2003 (item 3.2.1).

44 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de
Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Fe-
deral, Presidência, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.
pdf>. Acesso em: 10 set. 2015, p. 14.

422 Thais Rodrigues Coelho Terra


Outra inovação foi a intimação pessoal do representante judicial da Fazenda
Pública, modificação de extrema importância aos que militam na advocacia pública.
Diz-se isto porque, como tratado no item 3 (Das Prerrogativas Processuais da
Fazenda Pública no Novo CPC), não são raros os casos em que as informações do
mandado judicial e os documentos que o instruem se mostram incompletos para a
prática de ato processual de qualidade e eficaz. Em paralelo, viu-se que a tutela ade-
quada, efetiva e tempestiva se dá através de processo justo.
Dessa forma a intimação pessoal do representante judicial se apresenta como
um mecanismo para salvaguardar não apenas a boa defesa, o que privilegia o inte-
resse público, mas também de garantir um processo de resultados justo, na medida
em que garante o acesso aos autos desde o início do prazo o que contribui para a
busca da verdade real e o interesse público primário.
Por fim, verificou-se a expressiva mudança na remessa necessária (reexame
necessário) – importante instrumento de salvaguarda do patrimônio público – o qual
representou, sem dúvida, uma das maiores alterações e que coaduna com a ideia
do chamado processo de resultados e da tutela jurisdicional efetiva, adequada e
tempestiva.
Isto porque limitou-se as hipóteses de cabimento, a começar pelo valor (1.000
salários no âmbito federal, 500 salários no âmbito estadual, Distrito Federal e muni-
cípio que constitui capital de estado e 100 salários para o âmbito municipal) reduzindo
em grande parte os processos sujeitos ao duplo grau de jurisdição obrigatório. E
mais, procurou-se prestigiar as demandas ainda não pacificadas pela jurisprudência
ou no âmbito administrativo do ente federado.
A medida se mostra eficaz não apenas para dar efetividade aos direitos discu-
tidos nas ações que a Fazenda Pública figura, mas também garantirá celeridade ao
próprio sistema do Poder Judiciário, liberando os Tribunais de Justiça para se con-
centrar em matérias mais importantes. Evitam-se recursos protelatórios; amplia-se o
acesso à Justiça uma vez que desafoga o Judiciário; prestigia-se a tutela jurisdicional
efetiva, adequada e tempestiva.
Nesse contexto percebe-se que embora algumas alterações tenham se mos-
trado tímidas ao que muitos doutrinadores esperavam, afinal de contas quando se
estuda o tema é comum encontrar quem defenda a abolição das prerrogativas da
Fazenda Pública, viu-se que as alterações tratadas aqui, alvo de mudança com o
novo CPC, caminharam em consonância com a busca pela tutela jurisdicional efetiva,
adequada e tempestiva e a nova ordem constitucional, uma vez que além da razoável

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 423


duração, o processo deverá assegurar a plena satisfação e proteção do direito material
e processuais, o que só é possível com a manutenção das prerrogativas, mesmo que
adaptadas ao processo civil contemporâneo.

5. CONCLUSÃO

É imprescindível conhecer a história para compreender a realidade de cada


época e as necessidades de adequação que sobrevém com as transformações
sociais. A nova realidade constitucional atual impõe a adaptação do processo civil a
teoria dos direitos fundamentais.
Nasceu o novo CPC/2015, promulgado em março de 2015 e que entrou em
vigor decorrido um ano de sua publicação. Sua aplicação será imediata de forma que
é imprescindível compreender as modificações das prerrogativas da Fazenda Pública
e analisar se de fato elas caminharam em conjunto com a nova ordem constitucional
– a ação não é mais vista como direito a uma sentença, mas como direito à tutela
jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva mediante processo justo.
A pesquisa limitou-se a mudanças pontuais referentes a Fazenda Pública, quais
sejam: prazos processuais, intimação pessoal do seu representante judicial e o ree-
xame necessário. Ficaram fora da abrangência deste artigo as prerrogativas instituídas
por leis extravagantes e outras relativas a procedimentos próprios/especiais.
Pois bem: Desde logo se responde a indagação proposta neste estudo e de-
fende-se que as modificações do CPC, no que concerne as prerrogativas da Fazenda
Pública, embora tímidas em alguns aspectos, caminharam em consonância com
a busca pela Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva e a nova ordem
constitucional.
Isto porque embora as prerrogativas conferidas a Fazenda Pública acendem a
sensação de morosidade processual e de desigualdade processual não significa, ne-
cessariamente, que vai de encontro a busca pela tutela jurisdicional efetiva, adequada
e tempestiva.
A tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva é aquela adequada a situ-
ação concreta, capaz de proporcionar o mínimo de sacrifício e o máximo de resultado
e está intimamente ligada a duração razoável do processo, ao acesso à justiça e ao
direito de defesa. E mais, não se limita a celeridade (rapidez), entretanto o tempo deve
ser o suficiente para que a demora processual não prejudique a parte que tem razão.

424 Thais Rodrigues Coelho Terra


Em paralelo demonstrou-se a necessidade de conferir prerrogativas processuais
da Fazenda Pública. Diz-se “prerrogativas” porque não se trata de uma discriminação
sem fundamento a qual proporciona uma vantagem descabida (caso contrário seria
“privilégio”) e possui dupla finalidade: assegurar a igualdade substancial e a supre-
macia do interesse público sobre o privado.
Uma das maiores dificuldades do legislador reside em compatibilizar a segu-
rança jurídica e a celeridade processual, o que só é possível através da ponderação
dos valores envolvidos. Trata-se de análise sob a ótica da razoabilidade e proporciona-
lidade de cada benefício conferido pelo legislador, pois o benefício criado sem funda-
mento razoável reveste-se de “privilégio” e traz desiquilíbrio para a relação processual.
Dessa forma, viu-se que as demandas que envolvem a Fazenda Pública pos-
suem uma realidade muito diferente do particular, em especial porque, repisa-se visam
a proteção do interesse público – da coletividade – e, para tanto, é necessário conferir
armas processuais diferenciadas com o fito de garantir a igualdade substancial.
Para responder a pergunta proposta nesta pesquisa, dissertou-se sobre três
alterações processuais atinentes à Fazenda Pública: prazos processuais, intimação
pessoal do representante judicial da fazenda pública e o reexame necessário e che-
gou-se a seguinte conclusão:
Dos prazos processuais: Os prazos foram unificados e passam ser em dobro
para todas as manifestações processuais, exceto quando a lei estabelecer de forma
expressa prazo próprio para o ente público. Aqui o legislador optou por reduzir o prazo
para contestar e em contrapartida os demais prazos aumentaram, simplificando o
sistema e a sua forma de contagem, uma vez que agora computam-se apenas os dias
úteis, regra aplicável à Fazenda Pública e ao particular.
A busca pela simplificação e padronização dos prazos encontra-se em harmonia
a ideia de regras claras que regem o processo e almeja-se que isto conduza a um
trâmite processual próximo do razoável em questão de duração do processo, o que
condiz com a busca pela tutela efetiva, adequada e tempestiva.
Ademais, como já discorrido no item 4 (Do Paradoxo entre as Prerrogativas
Processuais da Fazenda Pública e a Tutela Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempes-
tiva), ao ponderar a razoabilidade e a proporcionalidade, viu-se que maior prejuízo se
teria com a extinção da prerrogativa do prazo diferenciado do que a sua permanência,
o que também se tratou nas justificativas que levaram a rejeição do PLC nº 61/2003
(item 3.2.1);

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 425


Intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública: como se viu no
item 4 (Do Paradoxo entre as Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública e a Tutela
Jurisdicional Efetiva, Adequada e Tempestiva), referida modificação mostrou-se como
um mecanismo para salvaguardar não apenas a boa defesa, o que privilegia o inte-
resse público, mas também de garantir um processo de resultados justo, na medida
em que garante o acesso aos autos desde o início do prazo o que contribui para a
busca da verdade real e o interesse público primário;
Remessa Necessária: Sem dúvida o maior dos avanços com a ideia do cha-
mado processo de resultados e da tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva,
uma vez que as hipóteses de cabimento foram reduzidas de forma significativa, a
começar pelo valor sujeito ao duplo grau obrigatório que aumentou significativamente
o que, certamente, diminuirá em grande parte os processos sujeitos ao reexame
obrigatório. E mais, procurou-se prestigiar as demandas ainda não pacificadas pela
jurisprudência ou no âmbito administrativo do ente federado.
A medida se mostra eficaz para dar efetividade e garantir celeridade ao Poder
Judiciário, liberando os Tribunais de Justiça para se concentrarem em matérias mais
importantes, uma vez que se evitam recursos protelatórios; amplia-se o acesso à
Justiça pois desafoga o Judiciário e prestigia-se a tutela jurisdicional efetiva, adequada
e tempestiva.
Por tudo o que se demonstrou ao longo deste artigo, percebeu-se que, embora
algumas alterações tenham se mostrado tímidas ao que muitos doutrinadores espe-
ravam, afinal de contas quando se estuda o tema é comum encontrar quem defenda a
abolição das prerrogativas da Fazenda Pública, viu-se que as alterações tratadas aqui,
alvo de mudança com o novo CPC, caminharam em consonância com a busca pela
tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva e a nova ordem constitucional, uma
vez que além da razoável duração, o processo deverá assegurar a plena satisfação e
proteção do direito material e processuais, o que só é possível com a manutenção das
prerrogativas, mesmo que adaptadas ao processo civil contemporâneo.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à justiça e efetividade do processo. Curitiba: Juruá,
2001.
BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Demo-
cracia e Constitucionalização. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

426 Thais Rodrigues Coelho Terra


BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elabo-
ração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Bra-
sília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/
novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 10 set. 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera
dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114,
115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A,
103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 2004, p. 9. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm>. Acesso em: 31 ago. 2015.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, 191-A, Brasília, DF, 05 out. 1988, p. 1. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 31 ago. 2015.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, RJ, 13 out. 1939. Seção 1, p.
24369. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.
htm>. Acesso em: 10 ago. 2015.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. (Revogada
pela Lei nº 13.105, de 2015). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17
jan. 1973, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso
em: 10 ago. 2015.
BRASIL. Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001. Altera dispositivos da Lei nº 5.869, de 11
de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, referentes a recursos e ao reexame necessário.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 2011, p. 1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10352.htm>. Acesso em: 10 ago. 2015.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Seção 1,
p. 1-51. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.
htm>. Acesso em: 10 ago. 2015.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº 61/2003. Revoga o artigo 188 da Lei nº 5869, de 11 de
janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, (Dispõe sobre cômputo em quádruplo do prazo para
contestar e em dobro para recorrer, quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público).
Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/61184>. Acesso
em: 01 set. 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Súmula nº 490. A dispensa de reexame necessário,
quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mí-
nimos, não se aplica a sentenças ilíquidas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/
SumulasSTJ.pdf>. Acesso em: 07 set. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADIn nº 1753/
DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, 16.04.1998. Disponível em: <http://
stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14698872/medida-cautelar-na-acao-direta-de-inconstitucio-
nalidade-adi-1753-df>. Acesso em: 31 ago. 2015.

PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO NOVO CPC: 427


CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9. ed. rev. e atual. São Paulo:
Dialética, 2011.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Título II – Da tutela de urgência. Capítulo XIII – Da sentença e da
coisa julgada. Seção II – Dos elementos e dos efeitos da sentença. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim et al. (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 1261-1262.
DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros,
2001.
FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis. Enunciados do Fórum Permanente de
Processualistas Civis. São Paulo, 18, 19 e 20 de março de 2016. Disponível em: <http://portal-
processual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf>. Acesso em:
10 jan. 2017.
LOPES, João Batista. Tutela Antecipada no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo Curso de Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória e Julgamento Antecipado. Parte Incontroversa
da demanda. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2002.
OEA – Organização dos Estados Americanos. Pacto de San José de Costa Rica. San José:
Organização dos Estados Americanos, 1969.
PEIXOTO, Ravi et al. Tutela Provisória contra a Fazenda Pública no CPC/2015. Advocacia
Pública. Bahia: Juspodivm, 2015. (Coleção Repercussões do Novo CPC, vol. 3).
RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. As prerrogativas processuais da Fazenda Pública no
Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2638,
21 set. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17425>. Acesso em: 15 out. 2015.
SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim Silva. A Fazenda Pública e o Novo CPC. In: PAVIONE, Lucas
dos Santos; SILVA, Luiz Antonio Miranda Amorim. (Orgs.). Temas Aprofundados AGU. Salvador:
Juspodivm, 2012, v. 1, p. 801-858.
THEODORO, Humberto Junior. Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. 33. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Pro-
cesso Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

428 Thais Rodrigues Coelho Terra

Você também pode gostar