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Caderno 1

Misalocattion
(Má Alocação de Recursos)?
O debate sobre produtividade e
os caminhos para o crescimento
econômico no Brasil
Brasília, Julho de 2020

José Augusto Ruas


Coordenador Adjunto e professor do Curso de
Ciências Econômicas da Facamp, pesquisador do
Núcleo de Estudos de Conjuntura da Facamp, Dou-
tor em Economia pela Unicamp.

Saulo Cabello Abouchedid


Economista, Doutor em Economia pela Universi-
dade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor
das Faculdades de Campinas (Facamp)
Expediente

Realização:
Fórum Nacional Permanente
de Carreiras Típicas de Estado
(Fonacate)
(Julho, 2020)

Autores:
José Augusto Gaspar Ruas
Saulo Abouchedid

As opiniões aqui emitidas são


de responsabilidade dos auto-
res e colaboradores.

Diagramação:
Diego Feitosa

Apoio:

Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público


Presidente: Deputado Federal Professor Israel Batista (PV-DF)

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Misalocattion
(Má Alocação de Recursos)?
O debate sobre produtividade e os caminhos
para o crescimento econômico no Brasil

José Augusto Gaspar Ruas1 tura do sistema monetário e financeiro, na


Saulo Abouchedid2 organização da operação e estratégias de
grandes grupos transnacionais e na divisão
internacional do trabalho.
1. Introdução
As recorrentes mudanças de estratégia
e objetivos prioritários para o país, assim
O objetivo desse breve artigo é analisar os como a desorganização das relações virtuo-
determinantes da produtividade, suas rela- sas entre Estado Nacional e capitais priva-
ções com o desenvolvimento econômico e as dos que, mesmo em intensidades distintas,
principais recomendações de política em re- estiveram presentes ao longo das últimas
lação ao tema. Este texto parte da hipótese quatro décadas, são colocadas para explicar
na qual o estímulo à produtividade depende o persistente declínio brasileiro - permeado
fundamentalmente da capacidade, em cada por avanços e retrocessos pontuais e pouco
contexto histórico, de mobilizar parcelas es- duradouros.
tratégicas do setor produtivo, modificando
as estruturas econômicas em direção a se- Sem a pretensão de ser exaustivo sobre o
tores de maior valor agregado, dinamismo tema, o presente estudo discute aspectos
intersetorial e tecnológico. teóricos da produtividade e crescimento, se-
guido de análises sobre a pertinência de po-
Esse esforço se insere em um conjunto de lítica industrial, creditícia e de regulamen-
iniciativas para discutir os entraves estrutu- tações relativas ao mercado de trabalho.
rais e conjunturais para retomada do desen-
volvimento econômico brasileiro que, desde Neste esforço, pretende-se colaborar para
o final dos anos 1970, teve sua trajetória o debate público acerca das iniciativas de
interrompida por mudanças nas condições liberalização recentemente propostas e par-
internacionais na lógica de acumulação de cialmente implementadas no último quin-
capital, conduzidas por mudanças na estru- quênio, mas que foram especialmente in-
tensificadas nos dois últimos anos.

1  José Augusto Ruas: Coordenador Adjunto e professor do Curso de Ciências Econômicas da Facamp, pesquisador do
Núcleo de Estudos de Conjuntura da Facamp, Doutor em Economia pela UNICAMP.
2  Saulo Cabello Abouchedid, Professor da Facamp, Coordenador do Núcleo de Estudos de Conjuntura da Facamp, Dou-
tor em Economia pela UNICAMP.
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2. Determinantes da produtividade ilustram os limites desse arcabouço para
orientar de maneira unívoca decisões de po-
O debate acerca dos determinantes da pro- lítica econômica em que a apreciação de re-
dutividade é multidisciplinar e apresenta alidades históricas distintas, aspectos regio-
inúmeras discordâncias entre as diversas nais e de dinâmica de concorrência setorial
correntes da teoria econômica. De maneira se impõem como guia indispensável.
sintética, a discussão pode ser organizada
em duas visões: a primeira, originária da Há pouco mais de uma década a abordagem
teoria mainstream, parte da análise de pro- convencional tem recebido contribuições
blemas de dotação de fatores e sua alocação. em um campo específico da mensuração
Para essa vertente a baixa produtividade é da produtividade graças à crescente quan-
resultado da má alocação dos recursos pro- tidade de dados disponíveis sobre receitas
dutivos (trabalho e capital) entre empresas/ e emprego em empresas dos mais variados
setores. Em geral, tais modelos se baseiam países. Esse novo nicho da literatura, que
em funções de produção e modelos de equi- ganhou notoriedade por meio do trabalho
líbrio geral, se ancoram nas hipóteses de fir- seminal de Hsieh & Klenow (2009), impul-
mas representativas (com tecnologia e alo- sionou a ideia de que as diferenças de pro-
cação eficiente) e analisam a relação entre dutividade (produtividade total dos fatores
produtividade, progresso técnico e cresci- - PTF) e crescimento dos países estariam as-
mento econômico predominantemente sob sociadas a problemas de misallocation (má
a ótica da oferta. alocação). De maneira sintética, nesse mé-
todo a má alocação poderia ser visualizada
Por outro lado, existe um segundo conjun- por desvios na oferta ótima de empresas em
to abrangente de análises que, de maneiras um mesmo setor, em geral como resultante
distintas, buscam compreender a produ- de distorções e interferências externas ao
tividade a partir de outros determinantes funcionamento das forças de mercado.3 Esse
e suas transformações dinâmicas. Nestas método científico foi aplicado inicialmente
contribuições são destacadas a composi- para os casos da China, EUA e Índia, e teria
ção da estrutura produtiva; suas relações explicado um potencial “perdido” de cresci-
com inovação e mudança tecnológica; com mento nestas economias. Ainda de acordo
a dinâmica do investimento; e com as con- com o autores supracitados, a eliminação do
dições da demanda e distribuição de renda, misallocation nos três países geraria ganhos
sem desconsiderar aspectos institucionais e de produtividade significativos – 43% nos
sistêmicos, mesmo que em intensidade e ar- EUA (em 1997), 115% na China (em 1998) e
ticulações diferentes. 127% na India (127%). De maneira similar,
Vasconcelos (2017) utiliza essa metodologia
Vale ressaltar que as divergências entre os para mensurar um potencial ganho de pro-
fatores preponderantes, mesmo dentro de dutividade de 146% no Brasil em 2011, em
cada conjunto de visões, ilustram as dificul- caso de eliminação do misallocation.
dades de apreender as relações entre produ-
tividade e crescimento econômico através Apesar da ampla difusão, o método
de modelos matemáticos. Mais do que isso, utilizado por Hsieh & Klenow (2009) vem

3  Conforme Borges (2020), a metodologia criada por Hsieh & Klenow (2009) indica que, “quanto maior a dispersão de
produto marginal do trabalho e do capital entre as firmas de um mesmo setor ou produtoras de um mesmo produto, maior
seria a ineficiência alocativa”. Dessa forma, a maior eficiência alocativa passa necessariamente pela “morte” das firmas menos
produtivas, reduzindo ao máximo a dispersão entre os produtos marginais.
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sendo criticado dentro do próprio campo capital e trabalho - com determinantes exó-
convencional por sua baixa robustez. Bor- genos de progresso técnico - são fundamento
ges (2020) chama atenção para discrepân- explicativo para os ganhos de produtividade
cias causadas pelo método utilizado de e crescimento econômico (no caso de Solow,
cálculo da Produtividade Total dos Fatores a poupança prévia cumpre papel importan-
(PTF). De acordo com o autor, para viabilizar te), as mesmas fragilidades dos modelos de
comparações internacionais, a literatura de equilíbrio estático são compartilhadas.
misallocation tradicional utiliza hipóteses
simplificadoras (presentes em abundância Desde as contribuições iniciais de Kaldor
na maioria dos estudos da teoria conven- (1957), parte importante das análises da
cional). Uma delas, por exemplo, a supo- evolução do crescimento passam a tentar
sição que o estoque de capital está sempre explicar os ganhos de produtividade a partir
sendo 100% utilizado, o que distorceria o da incorporação de estoques adicionais de
cálculo da produtividade e o próprio resul- capital em relação ao trabalho (VERSPAGEN,
tado final da análise. Haltiwanger, Kulick 2000; 2007). Na esteira desta e de outras
& Syverson (2018) e Bils, Klenow & Ruane contribuições seminais, a análise da evo-
(2020) – artigo que inclui, portanto, o pró- lução da produtividade se desdobra em um
prio autor do artigo seminal – sugerem que conjunto distinto de correntes alternativas,
as distorções mensuradas pelo método do além das próprias tentativas de revisão de
misallocation podem, adicionalmente, não modelos derivados da visão convencional.
indicar ineficiência alocativa. As hipóteses
Um primeiro conjunto de contribuições
sobre demanda isoelástica4, custos margi-
busca compreender as mudanças na estru-
nalmente constantes e suas relações com a
tura produtiva. Grosso modo, as análises
PTF podem levar a constatações opostas à
pioneiras identificam a evolução da produ-
realidade. Em outras palavras, o que o mo-
tividade nacional com a transição entre se-
delo denomina distorções na produtividade,
tores de baixa produtividade para setores de
na verdade, pode indicar simplesmente a
maior produtividade. O crescimento relati-
busca do empresário pela maximização do
vo da indústria, pela sua maior intensida-
seu lucro e ou mesmo movimentos de am-
de de capital, passou a receber importância
pliação de produtividade. De modo geral,
fundamental para explicar os processos de
seria prudente evitar, dadas as importantes
crescimento e convergência da produtivida-
dúvidas quanto à sua robustez, o uso de tais
de entre países no pós guerra, sendo incor-
estudos como referência para elaboração de
porado como elemento fundamental em dis-
políticas públicas, como o faz, por exemplo,
tintas perspectivas teóricas (VERSPAGEN,
a recente nota técnica da Secretaria de Polí-
2001; DIEGUES, 2020).
tica Econômica (SPE, 2020).
No campo pós keynesiano, contribuições
Parte das dificuldades da metodologia do
baseadas em Kalecki e Steindl elaboraram
misallocation em explicar as questões re-
modelos em que o grau de capacidade utili-
lacionadas à dinâmica da produtividade e
zada assume comportamento endógeno, e o
crescimento repousa, adicionalmente, em
investimento e a distribuição de renda (e em
sua origem neoclássica. Como destaca Nel-
alguns casos a taxa de lucro) recebem papel
son (2007), os modelos derivados de Solow,
central na trajetória de crescimento. Para
em que as condições estáticas de alocação de
estas vertentes, o regime de crescimento

4  Elasticidade constante ao longo da curva de demanda.


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econômico seria responsável pela expansão tecnológico, aprendizado e externalidades,
dos mercados e das condições para amplia- que permitem a investigação da interdepen-
ção do investimento e da produtividade. Ver- dência da produtividade dos setores, mas
sões mais contemporâneas, adicionalmen- que também comportam visões distintas
te, incorporam elementos institucionais, acerca da capacidade de planejamento e po-
seja para compatibilizar questões relativas lítica industrial.
às expectativas, seja para ampliar também a
análise de determinantes da produtividade De certo, a multiplicidade de quadros ana-
pelo lado da oferta (AMITRANO, 2016). líticos distintos, muitos deles escorados
em ferramentais estatísticos, ilustra as di-
A investigação do progresso técnico e do ficuldades para compatibilizar determinan-
crescimento da produtividade também re- tes tão variados – os distintos aspectos da
cebe aportes oriundos da literatura evolu- realidade – e modelos matematizados. Em
cionária neo-schumpeteriana. Neste con- outras palavras, a mensuração de relações
junto abrangente de trabalhos, a inovação formalizadas entre produtividade e desen-
desempenha papel primordial para com- volvimento não somente se mostra sujeita
preender os ganhos de produtividade. Uma a equívocos e incompletudes, mas ilustra a
das contribuições decisivas dessa corren- importância do entendimento de determi-
te é o reconhecimento da heterogeneidade nantes específicos à sua estrutura histórica
como elemento estrutural na composição peculiar e transformações multidimensio-
dos setores. Incorporar a permanente bus- nais ao longo do tempo.
ca por diferenciação como característica
central da concorrência não só diminui a Por esta razão, as contribuições que deri-
validade dos modelos baseados em firmas vam das concepções pioneiras da CEPAL e
representativas, mas também permite a in- seus precursores (Prebisch, Furtado, Ani-
trodução de referências adicionais para a bal Pinto) a partir de meados do século XX,
investigação da dinâmica interna de trans- permanecem como referências inescapá-
formação dos setores econômicos. Modelos veis para entender problemas associados
analíticos desta vertente permitem estimar à produtividade em economias em estágio
efeitos esperados da saída e entrada de em- de subdesenvolvimento. A experiência do
presas, bem como de processos de apren- século XX reforçou a constatação de que a
dizado internos às empresas incumbentes capacidade de incorporar setores dinâmi-
(LUNA et al, 2015). Outro grupo de trabalhos cos, com maior potencial de inovação intra
investiga as relações entre gastos com P&D e e intersetorial, com encadeamentos produti-
produtividade. Neste ramo de estudos, o pa- vos e perspectivas de crescimento no longo
pel distinto de iniciativas conduzidas pelo prazo, estiveram no centro das trajetórias
Estado, empresas privadas, de capital nacio- bem sucedidas. Mais do que isso, esta tran-
nal e estrangeiro, também compõe o leque sição, especialmente após a constituição de
de variáveis relevantes sob análise (SOETE, estruturas industriais avançadas no centro
VERSPAGEN & ZIESEMER, 2020). Por fim, capitalista, não se daria de maneira natu-
a literatura neo-schumpeteriana também ral, como resultado da livre concorrência ou
aborda questões relacionadas a aspectos como um processo que decorre automatica-
transversais, tais como educação e suas re- mente de alocações corretas de fatores de
lações com a capacidade de inovação (em produção.
conceitos que, em alguns autores, se inter-
A análise dos sucessos e insucessos nos
cambiam com o de capital humano presente
processos de desenvolvimento tardio in-
na literatura convencional contemporânea),
dicam que a capacidade de desenvolver e
bem como os conceitos de transbordamento
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articular virtuosamente fatores sistêmicos tema monetário e financeiro internacional,
-como educação, infraestrutura, distribuição ciclos econômicos globais), que se impõem
de renda, sistema financeiro desenvolvido e à revelia dos esforços nacionais em econo-
atrelado ao processo de expansão de setores mias periféricas. Deste modo, os arranjos
modernos - se fez presente em conjunto a que favorecem a evolução da produtivida-
condições macroeconômicas adequadas ao de e do desenvolvimento econômico devem
investimento (câmbio, juros, sistema tribu- se transformar ao longo de cada conjuntu-
tário, política comercial e perspectivas posi- ra histórica, exigindo renovada capacidade
tivas e estáveis de demanda intersetorial); de promover investimentos empresariais e
bem como de capacitações empresariais e articulação e suporte do Estado (SALAZAR-
inovativas em setores econômicos comple- -XIRINACHS et al, 2014; ANDREONI; CHANG,
xos, com relações intersetoriais abrangentes 2018; GIMENEZ; SABBATINI, 2020).
e capacidade de transbordar conhecimento
para outras atividades e renovar-se no lon- 3. Quais os desafios para impulsionar a
go prazo. Essas capacitações, que em últi- produtividade nos dias atuais?
ma instância garantem a produtividade e a
possibilidade de desenvolvimento, sempre Como visto, as recomendações para pro-
são resultantes de investimentos. Por essa moção de ganhos de produtividade variam
razão, sua construção e permanente renova- conforme as diferentes concepções acerca
ção estão diretamente associadas a aspec- de seus determinantes fundamentais. De
tos da concorrência setorial, da demanda maneira geral, os adeptos da teoria conven-
efetiva e preços relativos internacionais, e cional - como a recente vertente do misallo-
também das condições de custos e, especial- cation e outras associadas à defesa do livre
mente, de crédito. mercado - condenam políticas de planeja-
mento e coordenação que estimulem setores
Em outras palavras, o ajuste das condições específicos, estabeleçam regulações com pa-
macroeconômicas sistêmicas e os desafios râmetros para o funcionamento de merca-
da concorrência setorial devem ser enfren- dos, incluindo o mercado de trabalho, renda
tados de maneira simultânea. Um esforço e crédito. Suas sugestões, via de regra, se as-
dessa monta, observando as experiências de sociam à promoção de liberalização de mer-
desenvolvimento recente, não pode ser rea- cados, redução dos papéis do Estado Nacio-
lizado sem a presença ativa do Estado Nacio- nal, abertura internacional, investimentos
nal, com instrumentos sofisticados de pla- em educação, ciência e elevação da poupan-
nejamento, coordenação, financiamento e ça (com ênfase na austeridade e poupança
investimento (GIMENEZ; SABBATINI, 2020). pública). Por outro lado, o reconhecimento
de que a composição do setor produtivo é
Certamente, a presença efetiva dos deter- decisiva para produtividade e crescimento,
minantes supracitados se mostrou, ao lon- via de regra, acompanha defesa de um Esta-
go da história, restrita a um conjunto rela- do atuante, ainda que em dimensões e graus
tivamente pequeno de países. Em muitos distintos. De modo geral, neste conjunto de
casos, as tentativas esbarraram em insufici- contribuições, as sugestões de políticas en-
ências, ou mesmo em mudanças históricas volvem adequação entre fatores sistêmicos,
do capitalismo. De certo, o desenvolvimen- macroeconômicos e o próprio arranjo de po-
to nacional sempre será simultaneamente lítica industrial e tecnológica (ANDREONI;
influenciado pelas referidas capacitações e CHANG, 2018).
articulações domésticas, mas também por
mudanças nas condições internacionais (di- Como já discutido, a adequação dos instru-
nâmica de concorrência, estrutura do sis- mentos de política prescinde de avaliação

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sobre as condições históricas para avanço TABELA 1: Participação chinesa no total do
da indústria nacional. É preciso reconhecer, PIB e Valor Agregado Manufatureiro (MVA)
em primeiro lugar, que as mudanças de com- Global (em %)
posição de estruturas produtivas nacionais
também configuram, mesmo que em dimen- Ano 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2018
sões reduzidas, algum grau de reposiciona-
mento na divisão internacional do trabalho. PIB 2,2% 3,5% 4,5% 6,1% 9,2% 11,7% 13,2%
Elas exigirão mudanças no perfil das impor-
tações e exportações e, nos casos mais bem MVA 3,3% 6,2% 8,2% 11,5% 18,3% 22,9% 24,9%
sucedidos, do papel produtivo e tecnológico Fonte: Xavier (2019)
de filiais de empresas estrangeiras.
A experiência chinesa ilustrou, adicional-
Essa constatação se tornou ainda mais mente, que as possibilidades de transitar
relevante nas últimas décadas, quando a para uma estrutura industrial complexa,
mundialização do capital promoveu inten- garantir reposicionamento na estrutura de
sificação das estratégias de reorganização empresas globais, com ampliação de capa-
da produção ao redor do globo. As chama- citações tecnológicas em setores dinâmicos,
das cadeias globais de valor integraram, via estão associadas a combinações exitosas en-
investimentos, processos de fusões e aquisi- tre forças de concorrência e parâmetros de
ções e terceirização de atividades, distintos planejamento, coordenação, investimento
arranjos industriais nacionais sob comando e crédito estatais. A capacidade de articu-
centralizado dos grandes grupos transnacio- lar os interesses de empresas estrangeiras
nais (CHESNAIS, 1996, LALL, 2003; HIRA- e estratégia nacional foram decisivos para
TUKA & SARTI, 2015). ampliar consistentemente a participação
no valor agregado e exportações industriais.
Os trabalhos de Lall (2003) e Akyuz Conclusões similares já tinham sido extraí-
(2005), há quase duas décadas, reforçavam das nos trabalhos supracitados, explicitan-
as conclusões já apresentadas sobre possi- do a fragilidade do receituário convencional
bilidades de avanço industrial. A despeito pró liberalização (LALL, 2003; HIRATUKA &
de esforços generalizados de liberalização SARTI, 2015).
comercial e abertura ao capital estrangeiro
desde finais dos anos oitenta, os perfis de O caso chinês apresenta, ainda que sob
integração às cadeias globais de valor foram condições particulares para sua economia,
muito distintos entre economias asiáticas e um poderoso exemplo para compreensão
latino-americanas. dos desafios da superação de subdesenvol-
vimento sob a égide da mundialização do
Em relação aos casos de destaque positivo, capital. Os instrumentos utilizados foram
é imprescindível reconhecer o sucesso da es- inúmeros. A utilização de seu mercado do-
tratégia chinesa de industrialização. Como méstico e exportações para ampliação de
ilustra a tabela 1, a expansão da participa- sua escala industrial, a baixa carga tribu-
ção chinesa na estrutura global é impressio- tária, os custos favoráveis de mão de obra,
nante. Em pouco menos de 30 anos, saltou as vantagens de custo oriundas do adensa-
de 2,2% do PIB global para 13,2%. Esse mo- mento e integração de cadeias, e os massi-
vimento esteve inequivocamente associado vos investimentos em educação e ciência
ao papel da indústria: de uma participação estiveram presentes. Adicionalmente, o ar-
de cerca de 3,3% em 1990, a indústria chi- ranjo cambial estável e coordenado garantiu
nesa passou a ocupar ¼ de todo o valor agre- preços relativos favoráveis às estratégias e
gado manufatureiro mundial. investimentos para internalização da pro-

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dução e exportações competitivas. Contu- percentual de trabalho precário.
do, o diferencial fundamental na estratégia
chinesa reside na permanente complemen- Assim, as transformações na divisão in-
taridade entre a estrutura produtiva estatal ternacional do trabalho ilustram, simulta-
e bancos públicos - garantindo condições neamente, as deficiências de nossas estra-
favoráveis para a demanda efetiva e investi- tégias econômicas nas últimas décadas, e a
mento – e empresas mistas e privadas. Esta dimensão do esforço necessário para recu-
sinergia permitiu, simultaneamente, capa- perar a importância de nosso dinamismo in-
cidade de superar os problemas de interrup- dustrial. Esse distanciamento em relação ao
ção prematura de ciclos de investimento, sucesso asiático se torna ainda maior quan-
promover estímulos setoriais ao desenvolvi- do considerado o contexto atual, em que se
mento no setor produtivo, lastrear políticas somam a rápida transformação tecnológica
específicas de transferência e apropriação e o renovado acirramento da concorrência
tecnológica, sempre com progressiva evolu- internacional.
ção institucional para lidar com os desafios
Como destacam Hiratuka e Sarti (2015),
de sucessivas transições estruturais. A sim-
a crise internacional de 2008 reduziu o di-
biose dos fatores supracitados tornou o caso
namismo global e ampliou a disputa por
chinês um exemplar único de industrializa-
mercados. A China acelerou o processo de
ção em um período de intensificada mobili-
internacionalização de suas empresas, am-
dade de capitais e concorrência intercapita-
pliando sua presença no rol de maiores gru-
lista (GIMENEZ; SABBATINI, 2020).
pos internacionais e sua participação no vo-
A ascensão chinesa e de seu parque indus- lume global de fusões e aquisições (XAVIER,
trial é a faceta mais explícita da vigorosa 2019; GIMENEZ; SABBATINI, 2020). Esse
transformação na divisão internacional do avanço chinês vem desencadeando medidas
trabalho nas últimas décadas. O aprofunda- defensivas na Europa e EUA, com restrições
mento de suas relações econômicas com as ao comércio, à aquisição de empresas con-
demais economias do leste asiático reforça o sideradas estratégicas e outras disputas no
caráter desta concentração regional e se co- campo político internacional.
necta ao amplo movimento de desindustria-
Essas medidas defensivas, apesar de atí-
lização no ocidente, nos quais ocorre uma
picas quando postas em perspectiva histó-
pronunciada ampliação da participação dos
rica recente, ilustram um movimento mais
serviços na estrutura produtiva. Esse pro-
abrangente de ampliação do uso de instru-
cesso se explicita em todas as economias
mentos de planejamento e coordenação es-
mais avançadas, mas também em países da
tatal.
América Latina. Como destacam inúmeros
trabalhos sobre este último processo, países O debate sobre o “retorno da política in-
como o Brasil passaram por essa desestru- dustrial” recebeu destaque na academia e
turação antes de atingir níveis de renda per fóruns internacionais desde a virada para
capita de países avançados, sofrendo con- a década de 2010 (SALAZAR-XIRINACHS et
sequências mais dramáticas para emprego al, 2014; CALCAGNO et al, 2015; ANDREONI;
e dinamismo econômico. Ademais, sem as CHANG, 2018). Em termos teóricos, como
mesmas capacitações tecnológicas e empre- apresentam Andreoni e Chang (2018), parte
sariais dos países centrais, a estrutura do do destaque, após a década de 2000, teve
setor de serviços em economias subdesen- origem em uma série de contribuições em
volvidas é marcada pela presença mais pro- um campo mais próximo da literatura con-
nunciada de atividades de baixa produtivi- vencional. Mas é certamente após a crise
dade, capacidade dinâmica inferior e maior de 2008 que o uso de políticas de estímulo
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econômico ganhou espaço, nos mais varia- pacitações empresariais e tecnológicas por-
dos países, por conta das disputas em um tadoras de futuro, articuladas com suas es-
mercado internacional reduzido, ou ainda truturas empresariais existentes, buscando
pela tentativa de recuperar empregos do- fortalecê-las e habilitá-las para a transição
mésticos. Mas essas questões tornaram-se em curso. Tais programas são conduzidos
menores conforme a década evoluiu e as di- por elevadas autoridades do poder executi-
mensões reais em disputa tornaram-se mais vo, com fundos públicos de centenas de bi-
evidentes. lhões de dólares e com capacidade de adap-
tação permanente às mudanças inexoráveis
A década de 2010 apresentou ao mundo do processo de inovação e concorrência.
um grande potencial de inovações embrio-
nárias com capacidade de mudar significa- Pelos motivos expostos, o momento histó-
tivamente a estrutura de grandes empresas, rico atual agrega dimensões peculiares para
seus modelos de negócio, configurações de elaboração de políticas de transformação es-
importantes setores de infraestrutura e a trutural capazes de conduzir a uma trajetória
própria sociabilidade humana ao longo do consistente de elevação da produtividade: o
presente século. Reunidas na alcunha “In- acirramento competitivo internacional e as
dustria 4.0”, estas inovações estão inscritas mudanças na divisão internacional do tra-
no campo da nano e biotecnologia, no cam- balho atingiram um novo estágio em que a
po da energia (energias renováveis e bate- China crescentemente disputará espaços de
rias), no campo da manufatura (robótica, acumulação produtiva no ocidente, gerando
manufatura aditiva) e em diversos segmen- novos desafios, mas também oportunida-
tos da vida humana e do setor produtivo des. Há de se levar em conta, além de seu
em que a internet das coisas permita coleta reconhecido poder competitivo (industrial
de informações em massa e, através de al- e financeiro), que a articulação de empre-
goritmos, a identificação de diagnósticos, sas chinesas com sua estrutura doméstica
procedimentos e soluções automatizadas se fará de maneira distinta aos tradicionais
de prevenção, planejamento, operação e in- capitais ocidentais. Além disso, o IDE chinês
tervenção a partir de inteligência artificial. é apenas uma das dimensões de expansão
Mais importante do que cada um destes pa- chinesa, e planejar as condições desse cres-
cotes de tecnologias de grande potencial, é cente relacionamento político e econômico
justamente a interconexão entre esse grupo é indispensável para obtenção de resultados
expressivo de mudanças que vem se apre- favoráveis ao longo do presente século. Esse
sentando como fonte de inovações disrupti- planejamento, por fim, deve compatibili-
vas a serem desenvolvidas ao longo das pró- zar permanente avaliação e aprimoramen-
ximas décadas (IEL et al, 2018; IEDI, 2018). to institucional para que as oportunidades
e desafios tecnológicos e empresariais, em
Com potencial de redefinir a estrutura de um contexto de rápida mudança tecnológi-
liderança industrial e de serviços associa- ca, sejam adequadamente reconhecidos e
dos – que cada vez mais se tornam indis- aproveitados. É preciso ter ciência de que,
tintos na composição dos modelos de negó- se não formos capazes de superar a regres-
cios – esse conjunto tecnológico mobilizou são industrial em nossas últimas décadas,
empresas e Estados Nacionais em projetos inviabilizaremos a retomada de nosso de-
para garantir posicionamento competitivo. senvolvimento econômico e social.
Assim, os programas Manufatura Avançada
(EUA), Iniciativa Industria 4.0 (Alemanha) Sem a pretensão de ser exaustivo sobre os
e Made in China 2025 (China) são exemplos diversos temas para uma estratégia de am-
de políticas com pretensão de construir ca- pliação da produtividade e da retomada do

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desenvolvimento, este artigo se propõe a progressiva implementação de políticas,
discutir três temas/instrumentos que vem desde a organização do orçamento público,
sendo sistematicamente atacados ao longo até o estudo e desenvolvimento de setores
dos últimos anos, quando aprofundou-se a pioneiros na indústria de base. Getúlio Var-
agenda neoliberal no país: as bases de uma gas também seria crucial para a posterior
política industrial altiva, os desafios de polí-
criação da Petrobras, BNDE e embriões do
tica creditícia e as regulamentações do mer-que viriam a ser importantes empresas es-
cado de trabalho. As subseções seguintes tatais em outros setores importantes. Para
abordarão aspectos importantes de cada um compreender a magnitude das transforma-
destes temas no Brasil, bem como algumas ções implementadas por Vargas é preciso
questões-chaves para sua evolução. constatar que foram realizadas com ampla
oposição de políticos ligados às oligarquias
3.1 Notas sobre desenvolvimento, polí- tradicionais, por influentes economistas
tica industrial e descaminhos atuais no liberais, como Eugênio Gudin, que defen-
Brasil diam veementemente nossa vocação agríco-
la, criticando o planejamento estatal como
O processo de industrialização brasileiro “stalinista” ou mesmo apoiando campanhas
esteve entre as maiores transformações eco- contra novos setores como “Volta Redonda é
nômicas do século XX. Grande Demais”.
Em meio século, entre 1930 e 1980, a socie- No Plano de Metas, segundo momento cru-
dade brasileira logrou um salto de grandes cial, o grande salto seria comandado por
proporções, impossível de ser imaginado a ambiciosas metas de transformação da in-
partir das dotações de recursos e capacita- fraestrutura nacional e industrial. A orga-
ções existentes em seu início. Apesar das nização da entrada de capitais estrangeiros,
etapas diferentes e momentos políticos dis- articulados com empresas de capital priva-
tintos, a convicção de que o Brasil do futuro do nacional, ambos conduzidos pelo inves-
seria construído pela incansável busca por timento público, permitiu internalizar parte
uma ampliação de sua estrutura industrial importante da indústria pesada, com forte
esteve presente nas principais ações na- avanço em setores de bens de consumo du-
cionais durante décadas. Transformar um rável, bens de capital e indústria química,
país tipicamente agrícola, atrasado, recém como ilustra a tabela 2.
egresso de séculos de escravidão e com uma
estrutura de poder historicamente ligada O terceiro e último momento chave ficou
à atividade agrário-exportadora envolveu por conta da modernização fiscal, financei-
esforço expressivo na consolidação de ins- ra e administrativa empreendida pelos mi-
trumentos de planejamento, coordenação e litares no final dos anos 1960. A criação do
ação do Estado (CARDOSO DE MELLO, 1982; Banco Central, a organização jurídica das
GIMENEZ; SABBATINI, 2020). entidades de governo, a criação de holdings
estatais, a modernização e ampliação da car-
Para Gimenez e Sabbatini (2020) três mo- ga tributária, a criação de fundos públicos,
mentos são importantes para entender o de normas e regulamentações para amplia-
referido salto. O primeiro remonta à cons- ção do sistema financeiro, a criação do IPEA,
trução das estruturas do Estado Nacional da FINEP, dentre outras inúmeras medidas
brasileiro, especialmente após 1937. A cria- e iniciativas, deram potência para o Estado
ção do Departamento Administrativo do Ser- conduzir as etapas finais de implementação
viço Público (DASP) e do Conselho Federal de de um parque produtivo típico da segunda
Comércio Exterior (CFCE) permitiram uma revolução industrial, como ilustram as úl-

12
timas colunas da tabela 2 (GIMENEZ; SA- e 1985, o emprego industrial cresceu a uma
BBATINI, 2020). Pra se ter uma dimensão taxa de 4,2% ao ano, enquanto a população
da importância do Estado na dinâmica do brasileira crescia a 2,7% a.a. A urbanização
período, a participação de Estatais e Admi- havia atingido níveis bastante abrangentes
nistração Pública na composição total da e a migração regional havia mobilizado
Formação Bruta de Capital Fixo foi de 31% grande contingente de famílias em direção
em média entre 1950-1967, 36% entre 1968 aos grandes centros, especialmente da Re-
e 1979 e, na segunda metade dos anos 1970, gião Sudeste. Sem sombra de dúvidas, os
em alguns anos chegou a superar a casa de novos setores econômicos criados foram
43% de todo investimento executado (REIS, capazes de impulsionar a produtividade da
2008). economia, como ilustra o gráfico 1.

A industrialização, objetivo central das O gráfico 1 ilustra a grande redução de


transformações econômicas empreendidas, nosso diferencial de produtividade em rela-
transformou o país por completo. Entre 1939 ção aos EUA, especialmente nos anos 1970,

TABELA 2: Estrutura da indústria produtiva brasileira – Participação no Valor da


Transformação Industrial – 1939 – 1985 – anos selecionados

Setor 1939 1949 1959 1970 1980 1985


Indústria extrativa 2% 2% 2% 3% 2% 9%
Indústria de transformação 98% 98% 98% 97% 98% 91%
Produtos de minerais não-metálicos 5% 7% 6% 6% 6% 4%
Metalúrgica 7% 9% 12% 11% 11% 11%
Mecânica n.d. 2% 3% 7% 10% 8%
Material elétrico e de comunicações 5% 2% 4% 5% 6% 7%
Material de transporte n.d. 2% 7% 8% 7% 6%
Madeira 3% 4% 3% 2% 3% 1%
Mobiliário 2% 2% 2% 2% 2% 1%
Papel e papelão 1% 2% 3% 2% 3% 3%
Borracha 1% 2% 3% 2% 1% 2%
Couros e peles e produtos similares 2% 1% 1% 1% 0% 1%
Química 6% 5% 8% 10% 14% 16%
Produtos farmacêuticos 3% 3% 2% 3% 2% 2%
Perfumaria, sabões e velas 2% 2% 1% 2% 1% 1%
Produtos de matérias plásticas n.d. 0% 1% 2% 2% 2%
Têxtil 21% 19% 12% 9% 6% 5%
Vestuário, calcados artefatos de tecidos 5% 4% 3% 3% 5% 5%
Produtos alimentares 23% 20% 16% 13% 10% 11%
Bebidas 4% 4% 3% 2% 1% 1%
Fumo 2% 1% 1% 1% 1% 1%
Editorial e gráfica 3% 4% 3% 4% 3% 2%
Diversas 1% 2% 2% 2% 2% 2%

Fonte: Elaboração Própria – Dados: Censo Industrial IBGE

13
Gráfico 1 - Brasil: Hiato de Produtividade* em relação aos EUA: 1950-2018 (em %)

* Percentagem da Produtividade do trabalho por pessoa empregada em relação à produtividade do trabalho nos
EUA em dólar constante de 2018.

Fonte: IEDI (2019)

período em que se acelera o crescimento do central a incapacidade de manter o Estado


PIB e a própria importância do Estado na como grande dinamizador, quando este se
coordenação da economia nacional. Ilustra viu drenado pela necessidade de enfrentar
também, contudo, a completa incapacidade a restrição externa, lidar com a exposição
de manter essa mesma dinâmica ao longo da fragilidade financeira de nossa econo-
das décadas subsequentes. mia, com o endividamento externo público
e também privado, crescentemente transfe-
Apesar do vigoroso salto, da diversifica- rido em um movimento de “estatização de
ção e constituição de um parque industrial dívida”. (GIMENEZ; SABBATINI, 2002; DIE-
complexo e denso, importantes lacunas per- GUES, 2020; HIRATUKA; SARTI, 2015; CAR-
duraram e limitaram a capacidade nacional NEIRO, 2002).
de enfrentar as dificuldades impostas pela
vigorosa reversão do ciclo de crédito inter- A reversão do arranjo positivo entre Esta-
nacional nos estertores dos anos 1970. A do e capitais privados para a transformação
ausência de grandes grupos nacionais con- estrutural tornou nosso crescimento instá-
solidados com capacidade de concorrência vel, de baixa magnitude, numa média mui-
global, as fragilidades na estrutura de fi- to inferior àquela apresentada pelo restante
nanciamento de longo prazo, na estrutura do mundo. Como consequência, exceto em
do capital financeiro nacional e a ausência curtos ciclos expansivos, nossa participação
de independência tecnológica se fizeram no PIB mundial apresentou tendência decli-
barreiras incontornáveis no cenário adverso nante que completa 40 anos em 2020.
pós-1979. A ruptura do modelo, a despeito
de suas inúmeras dimensões, tem como eixo

14
Gráfico 2 - Participação do PIB Brasileiro no PIB mundial: 1820 – 2020*

Fonte: Alves (2015)

* Projeções 2015 a 2020

Como se pode imaginar, a queda da produ- acompanhada de uma relação câmbio va-
tividade e do crescimento econômico, medi- lorizado e juros elevados, havia conduzido
da pela capacidade de ampliar nossa parti- parte importante dos setores industriais de
cipação na economia global (gráfico 3), está maior complexidade tecnológica para uma
associada a um processo de desindustriali- situação insustentável. A redução ou virtual
zação. Além da crise dos anos 1980, marca- extinção de elos das cadeias produtivas na-
da pela completa ausência de capitais pri- cionais produziu um parque produtivo cres-
vados internacionais e pela crise do aparato centemente dependente de importações,
estatal, principais responsáveis pela anemia com difusão de estratégias defensivas. Nem
do investimento industrial naquele período, todo processo de retração esteve associado
os anos 1990 deram início a uma nova etapa a ineficiências. A ampliação vigorosa das
deste processo. A liberalização financeira e importações também veio acompanhada
comercial produziu efeitos adicionais sobre de desnacionalização de empresas com va-
o processo de desindustrialização e redução liosas capacitações, mas insuficiente porte
da importância destes setores dinâmicos no econômico para enfrentar grandes grupos
PIB. internacionais sob condições macroeconô-
micas adversas. As privatizações extingui-
Coutinho (1997) apresentou uma das me- ram importantes conexões entre universida-
lhores caracterizações para o processo em de, centros de pesquisa de antigas estatais
curso sobre a estrutura produtiva: cunhou o e empresas de engenharia básica e de P&D
termo “especialização regressiva” para ilus- privados nacionais.
trar de que maneira a abertura comercial,

15
Gráfico 3 - Manufatura (% PIB) a preços constantes de 2010: Brasil x Mundo


Fonte: IEDI (2019)

Nem todos os setores apresentaram re- O “engenheiro que virou suco” tornou-se
gressão. As montadoras de automóveis, uma figura interessante para descrever os
contempladas por um Regime Automotivo anos 1980 e 1990. Demitido no início da
do Mercosul, promoveram estratégias de crise da dívida, o engenheiro abriu uma loja
reorganização regional, e aproveitaram as de suco. Bem sucedido, optou por mudar de
vendas crescentes no ciclo de crescimento ramo: abriu uma loja de roupas que teve que
do triênio 1993-1995. O setor automotivo é fechar após dois assaltos. Nos anos 1990,
exemplo mais bem acabado de um conjun- tentou uma construtora no Amapá, mas em
to de setores que conseguiram avançar com 1998 retornou pra São Paulo como vendedor
investimentos em modernização de plantas, de carros.5
preservaram suas exportações regionais e
ampliaram o conteúdo importado de partes De certo, a separação/terceirização de
e peças. atividades de serviços industriais ajuda a
explicar parte da vigorosa queda da parti-
De todo modo, parte importante das capa- cipação da indústria no PIB ilustrada pelo
citações industriais e tecnológicas remanes- gráfico 3. Contudo, não é suficiente para dar
centes do período de expansão, incluindo conta da maior parte de sua dimensão.
vínculos intersetoriais de P&D, foram pau-
latinamente reduzidos. O desemprego e a Na década subsequente, o movimento de es-
precarização do trabalho mostram sua nova pecialização regressiva ganharia contornos
faceta, promovendo uma primeira onda de adicionais. Apesar do crescimento econômi-
expansão de serviços e ocupações de baixís- co, do retorno de programas públicos (PIT-
sima produtividade. CE, PDP, Brasil Maior), alguns instrumentos

5  Folha de São Paulo, “Engenheiro que fazia suco agora vende carro” (22/03/1998). Disponível em https://www1.folha.
uol.com.br/fsp/cotidian/ff22039825.htm (acessado em 12/04/2020)
16
de política industrial (FNDCT, PROMINP, Lei direção a produtos de menor sofisticação.
do Bem, fortalecimento do BNDESPar, uso
progressivo de compras governamentais e Por fim, Diegues (2020) e Roselino e Die-
conteúdo local), do crescimento da indús- gues (2020) buscam apresentar uma visão
tria e da evolução da participação do inves- distinta sobre o movimento recente de de-
timento no PIB, já em 2006 alguns sinais de sindustrialização. Assim como Hiratuka e
desindustrialização apareciam no comércio Sarti (2015), incluem aspectos importantes
exterior e na inserção na divisão internacio- da dinâmica de concorrência, mudanças nas
nal do trabalho, reacendendo o debate so- cadeias globais de valor e impactos do forta-
bre o tema (HIRATUKA; SARTI, 2015; STEIN; lecimento chinês sobre a divisão internacio-
HERRLEIN JUNIOR, 2016). nal do trabalho.

No campo convencional, as principais ava- Assim como Maia e Maia (2019), Diegues
liações do processo aparecem em trabalhos (2020) avaliou o desempenho da indústria
que se valem de argumentos na linha dos brasileira no período recente, buscando
modelos de Solow, como discutido em seção identificar padrões por agrupamentos de
anterior. Tais modelos enfatizaram proble- setores. Maia e Maia (2019) identificam,
mas na poupança doméstica, como fator através de uma análise fatorial, quatro gru-
explicativo para a entrada de capitais es- pos de setores alocados entre “vencedores”
trangeiros, valorização cambial e desindus- e “perdedores” - segundo desempenho em
trialização. Na virada da década, proliferam- valor da transformação industrial, empre-
-se os argumentos em torno a um desajuste go, receita líquida e suas interações com co-
entre crescimento de salários e produtivi- mércio. Apesar da redução significativa do
dade como sinal de intervenção excessiva desempenho comercial e a estagnação na
e desajustes alocativos. Via de regra, estes produtividade entre 1998 e 2014, o referido
trabalhos buscam reforçar a ideia de que estudo aponta para um desempenho bastan-
somente políticas industriais chamadas de te positivo de setores ligados ao crescimen-
horizontais (infraestrutura, educação, po- to da demanda doméstica, incluindo linha
lítica científica) seriam válidas. Quaisquer branca, aparelhos eletrônicos, vestuário, au-
esforços de direcionamento e promoção de tomobilístico, carnes e setor sucroalcooleiro.
setores seria fadado aos erros de um Estado Outros setores com desempenho positivo no
submetido à corrupção, equívocos de ava- período, apesar do menor destaque, seriam
liação, distorções na alocação de poupança o setor de bebidas, medicamentos e óleos ve-
(CANÊDO-PINHEIRO et al, 2008). getais. Outro conjunto, que inclui setores de
maior conteúdo tecnológico, como parte do
Um segundo conjunto de avaliações sobre setor químico, ou ainda setores intensivos
o período deriva das análises de Bresser Pe- em trabalho, como têxteis, teriam figurado
reira (Bresser Pereira e Marconi, 2010). Para entre os setores de pior desempenho.
estas avaliações, o problema crucial estaria
associado à valorização cambial que, grosso Diegues (2020) também reconhece a hete-
modo, decorreria da expansão das exporta- rogeneidade de desempenho da indústria.
ções de commodities, infladas por um cres- Porém, ao analisar as características desse
cimento de quantum, mas principalmente movimento recente, avaliando sua capaci-
preço internacional destes produtos. A per- dade de acumulação e relação com mudan-
manência do câmbio em patamar valorizado ça estrutural, identificou um padrão para
seria a razão chave para explicar o processo o qual atribuiu o nome de “doença brasi-
de desindustrialização doméstico e a espe- leira”. Apesar de verificar um potencial de
cialização da pauta comercial brasileira em lucratividade ampliado entre 2003 e 2010

17
(em relação aos indicadores do período políticas horizontais (SOUSA, 2019). O re-
1996-2002), a relação Ativo Total/Pessoal torno desta dicotomia ao banco de desenvol-
Ocupado, que denotaria maior intensidade vimento nacional é, certamente, um equívo-
de capital e, portanto, mudança estrutural co histórico de grandes proporções, dada a
em direção aos ganhos de produtividade, urgência em aprimorar os instrumentos de
mostrou-se positiva apenas para os setores ação setorial.
intensivos em recursos naturais.
Ciente das dificuldades em lidar com ca-
Nos demais, Diegues (2020) e Roselino e deias globais de valor caracterizadas pela
Diegues (2020) teriam observado um novo maior mobilidade e capacidade de subjugar
perfil de inserção da indústria brasileira nas Estados Nacionais - o que denominam es-
cadeias globais. Neste novo padrão, a de- truturas fluidas da organização industrial
pendência por importações, seja como par- contemporânea - Roselino e Diegues (2020)
te dos insumos para o processo produtivo, propõem um arcabouço para elaboração de
seja como bens acabados, teria dissociado um conjunto contemporâneo de política in-
crescimento das vendas, potencial de acu- dustrial. Grosso modo, o referido ferramen-
mulação e seus impactos sobre a mudança tal indica: avaliação da dinâmica de con-
estrutural. Em outras palavras, nesse pa- corrência setorial, cada vez mais indistinta
drão, que exclui somente os setores inten- entre indústria e serviços, como já apresen-
sivos em recursos naturais, maiores ganhos tado; análise dos condicionantes da política
não promoveram ampliação da estrutura de industrial (tecnológicos, instituições, estru-
capital, responsável por elevações de pro- tura empresarial, competitividade sistêmi-
dutividade. Ademais, como ilustra a análise ca); e, por fim, construção de tipologias de
para parte da década de 2010, a utilização diretrizes de políticas (nível de competên-
de desvalorizações cambiais, ao contrário cias dos agentes locais, grau de efetividade
do que indica a versão sobre doença holan- e transversalidade das atividades fomen-
desa, teria afetado a própria capacidade tadas), como formas de direcionar instru-
de acumulação dessa nova estrutura mentos adequados para setores, levando em
empresarial internacionalizada, seja pelo conta metas factíveis para cada dinâmica
lado de seus custos, seja pelo impacto em setorial e, em casos específicos, sugerir libe-
empresas endividadas em dólar. ralização comercial.

A incapacidade de produzir resultados po- De certo, assim como em Andreoni e Chang


sitivos, especialmente nos anos 2010, pro- (2018), os autores enfatizam a percepção de
duziu profundo desgaste político dos instru- que as instituições devem ser moldadas ao
mentos de política industrial. Mais do que longo do tempo, adaptando-se às mudanças
isso, o avanço recente do neoliberalismo no na dinâmica de concorrência, à própria evo-
Brasil provocou descrédito sobre a capacida- lução da estrutura produtiva nacional e das
de nacional de planejamento e uma ojeriza condições macroeconômicas nacionais e in-
sem precedentes históricos sobre impor- ternacionais.
tantes estruturas e símbolos do desenvol-
vimento nacional, como Petrobras, BNDES De qualquer modo, como indicam Stein e
ou construtoras e empresas de engenharia Herrlein Junior (2016), a capacidade de arti-
nacionais (RUAS, 2019). culação das instituições de planejamento e
execução destas políticas, bem como o grau
No período recente, como ilustra artigo re- de importância que estas recebem no pla-
centemente publicado no site do BNDES, há nejamento e projeto político nacional são
uma pretensão explícita de focar apenas em cruciais para o sucesso da transformação

18
estrutural. co e impacto sobre a estrutura produtiva te-
nham condições de se desenvolver. O crédito
Como mostra a experiência chinesa, e o direcionado é um recurso amplamente utili-
próprio caso brasileiro no século XX, é pre- zado em países desenvolvidos e periféricos
ciso priorizar a transformação estrutural em suas políticas voltadas ao desenvolvi-
como objetivo central, organizando o pla- mento econômico. A despeito das insufici-
nejamento centralizado, as instituições ências e dificuldades, o Sistema Financeiro
públicas e privadas, as empresas estatais e Brasileiro se concentra, estruturalmente, no
os instrumentos de política em um projeto mercado de crédito, especialmente no cré-
de longo prazo, organizando a política in- dito direcionado, concedido em sua maioria
dustrial de maneira coordenada às demais por bancos públicos. Esse direcionamento
ações do Estado Nacional, e não como um pode ocorrer com base em recursos fiscais
apêndice de outros objetivos, que passam e parafiscais ou em recursos captados junto
a operar como políticas setoriais dispersas ao sistema bancário.
e desarticuladas. A garantia das perspecti-
vas de demanda, não apenas pela expansão O primeiro caso é baseado na poupança
da renda e do emprego, mas principalmen- do setor público, mobilizada por meio de
te pela garantia de investimentos em seto- mecanismos compulsórios e utilizada para
res impulsionadores de demanda de bens e financiamento de setores ou projetos prio-
serviços domésticos em setores dinâmicos, ritários. No caso dos recursos fiscais - de
abastecidos por uma estrutura de crédito propriedade do governo e composto por
adequada aos investimentos de longo prazo contribuição fiscal obrigatória -, o principal
e em nova capacidade produtiva e tecnológi- exemplo é o Fundo de Amparo ao Trabalha-
ca são condições sine qua non para o sucesso dor (FAT), cuja parte dos recursos é adminis-
de instrumentos específicos de transforma- trada e utilizada pelo BNDES. Já os recursos
ção setorial. parafiscais - que, embora sejam arrecada-
dos de maneira compulsória, não são de
A coesão de objetivos, metas e um proje- propriedade do Estado - são representados
to que seja capaz de vislumbrar para além principalmente pelo Fundo de Garantia por
de mandatos eletivos, que se solidifique na Tempo de Serviço (FGTS), cujos recursos
composição da burocracia estatal e no ima- são utilizados principalmente pela Caixa
ginário político são imprescindíveis para Econômica Federal para o financiamento
trilhar os desafios que se colocam para nos- habitacional (Torres Filho, 2006).
sa transformação em direção ao desenvolvi-
mento econômico. Já em relação aos recursos captados jun-
to ao sistema bancário, o direcionamento se
3.2 Política creditícia brasileira e desa- concentra principalmente nos mecanismos
fios para o desenvolvimento compulsórios - direcionamento dos depó-
sitos para setores e modalidades definidas
Como ilustram as seções anteriores, a ga- pelo governo6 -, já que os mecanismos vo-
rantia de condições de crédito favoráveis ao luntários (equalização das taxas de juros e o
investimento configura condição chave para seguro de crédito) explicam muito pouco do
que setores de maior dinamismo tecnológi- volume de concessão de créditos dos bancos

6  Conforme Torres Filho (2006) e Spilimbergo & Srinivasan (2019), em relação aos depósitos à vista 2% devem ser
direcionados ao microcrédito, enquanto 65% dos depósitos em caderneta de poupança devem ser direcionados ao setor imo-
biliário e rural.
19
comerciais. Dentre os depósitos compulsó- especialmente entre 2008 e 2015, esteve
rios, os principais operadores para o crédito integrada em sua maioria às diretrizes de
imobiliário e rural (principais áreas de dire- política industrial dos governos Lula –
cionamento de crédito) são bancos públicos. principalmente o Plano de Desenvolvimento
Assim, a participação dos bancos privados Produtivo (PDP), que visava impulsionar a
no volume de crédito direcionado é estrutu- atividade econômica e setores nos quais as
ralmente baixa (Torres Filho, 2006). empresas brasileiras já eram consideradas
competitivas; e Dilma – Plano Brasil Maior
Com base no ciclo de crédito recente (PBM), que possuía como objetivo aumen-
(2003-2015), pode-se destacar o crescimen- tar a competitividade nacional por meio da
to expressivo do crédito direcionado, em maior inserção internacional de grandes
relação ao crédito livre, após a crise finan- empresas brasileiras. Ademais, o BNDES
ceira global de 2008 (gráfico X) – saltando também atuou – via BNDESPar – no mer-
aproximadamente de 12% para 26% do PIB. cado de debêntures, estimulando o funding
Conforme mencionado, grande parte desse nos mercados de capitais.
aumento se deve à ação de bancos públicos,
em especial a Caixa Econômica Federal – por A partir de 2015, houve uma profunda al-
meio do crédito imobiliário, o BNDES e, em teração na política creditícia brasileira, que
menor escala, o Banco do Brasil – dedicado passou a privilegiar o mercado de crédito li-
especialmente ao crédito rural (Gráfico 4). vre, as emissões corporativas nos mercados
O desempenho do crédito direcionado nos de capitais e as taxas de juros de mercado.
últimos anos é justificado principalmente Tal mudança, somada à crise econômica de
por políticas anticíclicas e/ou programas 2015 e 2016, provocou diminuição expressi-
setoriais específicos, como, por exemplo, o va do volume de crédito imobiliário e espe-
programa Minha Casa Minha Vida e os pro- cialmente do financiamento do investimen-
gramas ligados ao BNDES. A ação do BNDES, to concedido pelo BNDES (Gráfico 4).

Gráfico 4 - Saldo de crédito por tipo de recurso e controle de capital (eixo direito)

35 60%

30 50%

25
40%
Em % do Total
Em % PIB

20
30%
15
20%
10

5 10%

0 0%
mai/15
dez/15

fev/17
set/17
abr/18
nov/18
mar/07

set/10
abr/11
nov/11

ago/13
mar/14

jul/16

jun/19
jan/20
out/07
mai/08
dez/08

fev/10
jul/09

jun/12
jan/13

out/14

Controle Público Controle Nacional Controle Estrangeiro


Recursos livres Direcionado

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria

20
Gráfico 5 - Saldo de crédito direcionado: principais modalidades (em R$ milhões)

700.000 80.000

600.000 70.000

60.000
500.000
50.000
400.000
40.000
300.000
30.000
200.000
20.000

100.000 10.000

0 0

set/17

nov/18
set/10

jan/20
nov/11

jan/13

dez/15

jun/19
jun/12

mar/14

abr/18
out/14
mai/15

jul/16
dez/08

abr/11

fev/17
mar/07
out/07
mai/08

jul/09
fev/10

ago/13

BNDES Imobiliário Rural (eixo direito)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Deflator: IPCA jan/2020

3.2.1 A visão convencional agronegócio) limita e onera a oferta de crédi-


to livre, pressionando o spread bancário.
A mudança recente na política creditícia é
sustentada, do ponto de vista teórico, pela Essa visão é reforçada por organismos mul-
teoria econômica convencional – usualmen- tilaterais, como o Fundo Monetário Interna-
te mencionada nos manuais e Universidades cional (FMI). De acordo com Spilimbergo &
de Economia. Conforme essa corrente, uma Srinivasan (2019), subsídios no mercado de
das principais razões da alocação ineficien- crédito são ineficientes, geram custos fiscais
te de recursos é o direcionamento de crédito relevantes e comprometem o canal de trans-
sem critérios de mercado. missão do crédito da política monetária. Em
relação à eficiência, os autores sugerem que
A concentração do crédito em algumas em- os créditos concedidos pelo BNDES (princi-
presas escolhidas para liderar o desenvol- pal instituição no mercado de crédito dire-
vimento econômico - como, por exemplo, a cionado) não se direcionam para empresas
política de campeões nacionais - favoreceria com acesso restrito ao mercado de crédito
setores com menor produtividade. Carvalho e possuem impacto modesto ou insignifi-
(2018) sugere ainda que firmas financiadas cante sobre os investimentos, exportações
por bancos públicos expandem o volume de e produtividade total dos fatores. A respeito
emprego principalmente em regiões politi- dos custos fiscais, Spilimbergo & Srinivasan
camente atrativas perto dos períodos eleito- (2019) estimam um impacto de aproxima-
rais. Ademais, conforme aponta a Secretaria damente 2% do PIB em 2016, que incluem
de Política Econômica (2020), o direciona- a rentabilidade - calculada a partir da dife-
mento dos depósitos bancários para o crédi- rença entre as taxas subsidiadas e o custo de
to a setores específicos (principalmente ao funding (CDI) - dos fundos fiscais e a isen-

21
ção tributária concedida a títulos específi- de recursos livres e estimular o crédito por
cos, como as Letras de Crédito Imobiliário e meio de recursos captados junto ao mercado
Agrícola. Ademais, a volatilidade do CDI em de títulos do agronegócio (SPE, 2020).
relação às taxas subsidiadas torna os custos
fiscais crescentes, principalmente nos mo- 3.2.2 Críticas à visão convencional
mentos de crise e elevação da taxa básica de
juros. Por fim, as taxas de juros reguladas A discussão sobre a eliminação (rápida ou
do mercado de crédito direcionado afetam gradual) do crédito direcionado revela uma
a transmissão da política monetária, já que compreensão distorcida e abstrata sobre a
são pouco sensíveis à variação da taxa bá- estrutura do sistema financeiro brasileiro e,
sica de juros (Selic). Assim, a existência de de maneira mais abrangente, sobre o modus
taxas subsidiadas implica maior variação da operandi do financiamento do investimento
Selic para afetar as taxas de juros do mer- e desenvolvimento.
cado de crédito livre (Spilimbergo & Sriniva- Do ponto de vista teórico, Keynes (1937)
san, 2019). ressalta que a dinâmica das relações finan-
ceiras não se dá por meio da determinação
A partir desta abordagem crítica à partici-
do investimento pela poupança, mas sim
pação do Estado no direcionamento do cré-
pelo circuito Finance-Investimento-Poupan-
dito, parte dos autores recomenda a reforma
ça-Funding. Neste arcabouço, o investimen-
do mercado de crédito direcionado, com di-
to não necessita de poupança prévia para
minuição gradual da participação do Estado
se concretizar, já que os bancos comerciais
no volume de crédito. Por exemplo, Spilim-
possuem capacidade de iniciar o processo
bergo & Srinivasan (2019) sugerem que a
(finance), por meio da criação de moeda.
intervenção governamental no setor imobi-
Após a efetivação do investimento e a conse-
liário e rural se concentre na diminuição do
quente criação de emprego e renda, gera-se
risco de crédito dos tomadores, por meio de
a poupança, que é alocada nos mercados fi-
adiantamentos aos beneficiários – no caso
nanceiros. Neste momento, é fundamental a
do crédito imobiliário – de subsídios e auxí-
oferta de instrumentos financeiros de longo
lio no gerenciamento dos riscos – no caso do
prazo para a manutenção do financiamento
setor agrícola.
dos investimentos, já que o horizonte tem-
O governo brasileiro vem propondo e ins- poral das inversões é geralmente maior que
tituindo mudanças importantes no mercado os prazos dos empréstimos bancários (Finan-
de crédito direcionado e, para defendê-las, ce). Assim, a poupança financeira é funda-
tem-se utilizado de hipóteses como as supra- mental para o Funding dos investimentos
citadas. As principais alterações se deram produtivos (Biancarelli & De Conti, 2015).
no BNDES: a criação da Taxa de Longo Prazo
A partir deste arcabouço, observa-se que,
(TLP) – que segue a taxa de risco do mercado
na perspectiva keynesiana, os dilemas dos
de títulos de cinco anos do Tesouro; a des-
Sistemas Financeiros não estão centrados
montagem de programas anticíclicos seto-
na garantia de mercados eficientes – confor-
riais; e a antecipação dos empréstimos con-
me recomenda a visão convencional –, mas
cedidos pelo Tesouro Nacional ao Banco: R$
na funcionalidade do Finance e do Funding,
100 bilhões somente em 2016 (Torres Filho,
para que a criação e alocação de recursos
2017 e 2018). Ademais, a equipe econômica
sejam capazes de impulsionar o investimen-
do governo Bolsonaro propõe alterações no
to e a produtividade.
crédito direcionado rural por meio da Medida
Provisória do Agronegócio, que visa aumen- Do ponto de vista do Finance, os bancos
tar as garantias em operações no mercado comerciais não são meros intermediadores
22
entre poupança e investimento. Assim como vre. Em outras palavras, na ausência dos me-
qualquer empresa capitalista, tomam suas canismos compulsórios e de um mercado de
decisões de portfólio de acordo com sua pre- capitais líquido e profundo, o financiamento
ferência pela liquidez e suas avaliações da de longo prazo privado não preencheria essa
riqueza financeira (De Paula & Junior, 2017). lacuna. A partir desta lógica, os elevados
Neste contexto, o volume de crédito está su- spreads bancários no mercado de recursos
jeito ao ciclo econômico (que impacta a pre- livres pouco se relacionam com as taxas de
ferência pela liquidez) e à institucionalidade juros subsidiadas dos recursos direcionados.
do Sistema Financeiro (que impacta a avalia- De fato, o spread médio das operações de
ção da riqueza financeira e, portanto, a deci- crédito com recursos livres ainda se encontra
são de criação de moeda). No caso brasileiro, acima de 2015, quando se inicia a redução
o crédito bancário privado ao investimento é, do saldo de crédito direcionado. No primeiro
estruturalmente, insuficiente e instável, por semestre de 2019, por exemplo, o spread no
conta das elevadas taxas de juros de curto mercado livre aumentou de 29,6 p.p para
prazo, que tornam as operações no mercado 31,0 p.p, mesmo num cenário de queda da
monetário (títulos públicos de curto prazo e taxa de juros básica e contração do crédito
operações compromissadas) mais rentáveis direcionado.
que operações de crédito junto ao setor pro-
dutivo. Considerando a estrutura do Sistema Fi-
nanceiro brasileiro, não há estímulo à pro-
Do ponto de vista do funding, o horizonte de dutividade sem a participação do crédito
curto prazo dos agentes financeiros e a baixa direcionado, impulsionado nos últimos anos
liquidez e profundidade dos mercados de tí- pelos bancos públicos, com destaque para as
tulos públicos e privados tornam o financia- ações supracitadas do BNDES. Portanto, as
mento de longo prazo privado insuficiente. medidas recentes de redução dos desembol-
Neste cenário, o papel do Estado brasileiro sos do BNDES, bem como a mudança da TJLP
– por meio da oferta direta de crédito de lon- para a TLP, impactam negativamente a pro-
go prazo e estímulos aos mercados de dívida dutividade, já que as opções no mercado de
corporativa e títulos de longo prazo – é funda- crédito privado e no mercado de capitais não
mental para o financiamento do investimen- conferem estabilidade nem previsibilidade
to. Portanto, os mecanismos compulsórios aos tomadores, nem tampouco o volume ne-
de direcionamento do crédito relatados aci- cessário para o gasto com a produção corren-
ma são cruciais para garantia do funding das te e com novos bens de investimento. As pos-
inversões, já que os mecanismos voluntários síveis revisões à atuação do banco devem ser
são menos rentáveis para as instituições pri- feitas preservando seu papel de garantidor
vadas em relação a instrumentos financeiros do funding de longo prazo.
de curto prazo. Ademais, medidas pontuais e
indiretas – como, por exemplo, os estímulos 3.3 Regulação do mercado de trabalho
para a redução do risco de crédito, sugeridos
acima por Spilimbergo & Srinivasan (2019) A relação entre a regulação do mercado de
e SPE (2020) – para impulsionar o crédito trabalho e produtividade é tema recorrente
concedido pelos bancos privados são insufi- na teoria econômica, pois está relacionada
cientes para atender às inversões e conferir a um ponto central de divergência entre as
estabilidade às concessões de crédito. correntes de tradição clássica e keynesiana:
a determinação do emprego e da renda.
Dessa forma, o crédito direcionado – con-
cedido em sua maioria por bancos públicos Conforme o modelo clássico (e suas deri-
– não concorre com o mercado de crédito li- vações: novos clássicos, novos keynesianos,

23
etc), o salário (real) regula a oferta e deman- Contrariamente ao previsto, este momento
da de trabalho e, portanto, o nível de empre- de inflexão não estimulou o crescimento e
go de uma economia. Para que a economia resultou no avanço da informalidade - tra-
atinja o pleno emprego dos fatores de pro- balhador sem carteira e por conta própria -,
dução, é necessário que os salários reflitam terceirização e precarização do mercado de
a produtividade (marginal) do trabalho, ga- trabalho (SANTOS & GIMENEZ, 2018; KREIN
rantindo eficiência alocativa, assim, o lucro & MANZANO, 2014).
dos empresários. Essa condição de equilíbrio
é satisfeita somente se o mercado de traba- Entre 2004 e 2014, os preceitos keynesia-
lho não for impactado por intervenções do nos foram parcialmente incorporados pelos
Estado e dos sindicatos, já que a ação desses governos Lula e Dilma, que reconheceram
agentes pode provocar divergências entre o a importância da demanda agregada na ge-
nível de salário e produtividade, impactando ração de emprego e renda e lançaram mão
negativamente o nível de emprego e produto de políticas sociais (dentre elas a regra de
da economia. ajuste do salário mínimo), industriais, cre-
ditícias, tecnológicas e de desenvolvimento
Em contraposição à teoria clássica, Keynes regional. Apesar do avanço na terceirização
(1936) ressalta a importância do gasto na e de formas atípicas e ilegais de trabalho ao
determinação do emprego e da renda. Des- longo do período supracitado, tais políticas
sa forma, o nível de emprego não reflete a contribuíram para o aumento do emprego
livre negociação entre empresários e traba- formal entre a população ocupada, demons-
lhadores, mas a decisão de investimento do trando que o crescimento não fora impedido
capitalista, que depende, por sua vez, das pelo padrão de regulação trabalhista (SAN-
expectativas de sua receita de vendas e da TOS & GIMENEZ, 2018).
taxa de juros. A demanda agregada espera-
da, portanto, torna-se fator determinante Mesmo diante de resultados satisfatórios,
do nível de emprego e produtividade, como as propostas de desregulamentação no mer-
visto em seção anterior. Neste contexto, as cado de trabalho voltaram a ganhar destaque
políticas públicas seriam relevantes para após a crise econômica de 2015 e 2016, nos
impulsionar o gasto e a dinâmica econômica governos Temer e Bolsonaro, sob a mesma
em setores com elevada produtividade. justificativa lançada nos anos 1990: as in-
tervenções estatais (em especial a política de
Historicamente, até os anos 1980, a insti- ajuste do salário mínimo acima da inflação)
tucionalidade do mercado de trabalho brasi- e a rigidez das leis trabalhistas dificultam o
leiro seguiu um curso de estruturação positi- emprego da mão de obra em firmas que pos-
va das relações e condições de trabalho, com suam maior produtividade, comprometendo
reforço, inclusive, da constituição cidadã de a competitividade das empresas brasileiras
1988, apesar do aumento das adversidades e e, portanto, o nível de produto. A Reforma
arrocho salarial que vigoraram nos anos de Trabalhista, aprovada em 2017, ratifica esse
ditadura. No entanto, a partir dos anos 1990, posicionamento teórico por meio da flexibi-
a adoção dos preceitos liberais – dentre eles, lização da contratação de trabalhadores, for-
os ideais clássicos supracitados – pelos go- talecimento do arbítrio patronal e minimi-
vernos Collor e Fernando Henrique Cardoso, zação do papel da justiça do trabalho e dos
implicou críticas à regulação vigente do mer- sindicatos na garantia dos direitos dos traba-
cado de trabalho e medidas de flexibilização lhadores (FILGUEIRAS, BISPO & COUTINHO,
das leis trabalhistas, com o intuito de reduzir 2018). Ademais, a recente nota técnica da
os custos salariais, gerando impactos positi- SPE (2020) recomenda um aprofundamento
vos na produção, emprego e produtividade. das reformas por meio do “novo FGTS” – que

24
institucionaliza o saque-aniversário e extin- sa de rendimento cresceu de maneira mais
gue a multa de 10% sobre a demissão – e da pronunciada no setor informal. Ademais, o
revisão das normas de segurança de trabalho crescimento do rendimento médio real dos
(dentre elas as normas que regulamentam o ocupados entre 2018 e 2019 se concentrou
trabalho insalubre). no mercado informal. O resultado ruim do
rendimento médio das ocupações com car-
No entanto, as alterações da legislação tra- teira assinada pode ser explicado pelo per-
balhista não produziram o efeito desejado fil das vagas criadas em 2019. Conforme o
ao longo da tímida recuperação entre 2017 e Caged, 82% das vagas foram criadas nos se-
2019. A comparação de 2019 com 2014, ano tores de comércio e serviços - a maioria no
com menor taxa de desocupação da série do comércio varejista, serviços imobiliários,
IBGE, reforça o avanço mais pronunciado da transporte, alimentação e serviços médicos/
informalidade em relação às ocupações com odontológicos -, que possuem como caracte-
carteira assinada. O aumento expressivo da rística principal a baixa remuneração. Seto-
subocupação da força de trabalho e da taxa res com remunerações mais elevadas – como
composta de subutilização da força de traba- a indústria e a construção – tiveram tímida
lho reflete um aumento da mão de obra des- criação de vagas no ano. De fato, conforme
perdiçada e dos trabalhos de tempo parcial Borges (2020), o crescimento da ocupação se
estimulados pela Reforma Trabalhista (Bor- concentrou nos setores que mais contribuí-
ges, 2019). ram para a queda da produtividade agregada
do trabalho entre 2017 e 2019, como o setor
Essa mudança de perfil das ocupações no
de transporte,7 inundado pelo fenômeno dos
mercado de trabalho brasileiro se reflete
aplicativos de transporte/entrega.
nos rendimentos: entre 2015 e 2019, a mas-

Gráfico 6: Massa de rendimentos setor formal e informal

Formal Informal - Eixo esquerdo

156,0 57,0
FORMAL – EM BILHÕES

INFORMAL – EM BILHÕES

154,0 55,0
152,0 53,0
150,0 51,0
148,0 49,0
146,0 47,0
144,0 45,0
IV. TRI 2019
II. TRI 2019
III. TRI 2019
IV. TRI 2017
I. TRI 2018
II. TRI 2018
III. TRI 2018
IV. TRI 2018
I. TRI 2019
IV. TRI 2015
I. TRI 2016
II. TRI 2016
III. TRI 2016
IV. TRI 2016
I. TRI 2017
II. TRI 2017
III. TRI 2017

Portanto, o “novo” mercado de trabalho triais. Ademais, o avanço na flexibilização


contribui para queda da produtividade ao do trabalho afeta negativamente o potencial
estimular a informalidade, o subemprego, a de crescimento econômico, comprometendo
fuga de cérebros e os empregos no setor de o rendimento médio do trabalhador e, con-
serviços em detrimento dos empregos indus- sequentemente, a demanda agregada.

7  Dados do observatório de produtividade do IBRE/FGV.


25
TABELA 3: Variação na ocupação (em 1000 pessoas) e Rendimento Médio Real dos
ocupados, por posição na ocupação. Trimestre composto pelos meses de outubro a
dezembro dos anos de 2014, 2018 e 2019.

  Variação na Ocupação Rendimento Médio Real (R$)


  2019/14 2019 /18 2014 2018 2019
Total 2156 1816 2267 2256 2261
Empregado -746 1237 2180 2211 2213
Empregado no setor privado -1246 1093 2007 2001 2001
Com carteira de trabalho assinada -2682 726 2198 2203 2197
Sem carteira de trabalho assinada 1435 367 1338 1421 1442
Trabalhador doméstico 405 100 920 910 904
Com carteira de trabalho assinada -143 -9 1223 1276 1267
Sem carteira de trabalho assinada 547 108 776 764 763
Empregado no setor público 96 45 3532 3716 3758
Empregador 519 -78 6021 5651 5977
Empregador com CNPJ - 20 - 6211 6449
Empregador sem CNPJ - -99 - 3413 3849
Conta própria 2920 782 1839 1729 1711
Conta própria com CNPJ - 412 - 3326 3115
Conta própria sem CNPJ - 370 - 1337 1343

Fonte: IBGE. Elaboração própria

Gráfico 7: Taxa de desemprego, Taxa composta de subutilização da força de traba-


lho* e Percentual das pessoas desalentadas (eixo direito)

29 4,5

4,0
24
3,5
19 3,0
%

14 2,5

2,0
9
1,5

4 1,0
set/19
set/18

dez/19
set/16

set/17

dez/18
dez/16

dez/17

mar/19
jun/19
set/14

set/15
dez/15

mar/17

mar/18
jun/18
set/13

dez/14

mar/16
jun/16

jun/17
set/12

dez/13

mar/15
dez/12

mar/14
jun/14

jun/15
mar/13
jun/13
mar/12
jun/12

Taxa de Composta de Subutilização Taxa de Desocupação


Desalento (eixo direito)

* Os dados dos trimestres móveis de ago-set-out 2015 e set-out-nov 2015 não foram divulgados.
Fonte: IBGE. Elaboração própria

26
4. Considerações finais: política indus- questionável sobre queda de produtividade,
trial ativa é a única alternativa para identificando sua origem em diferenças de
aumento da produtividade estruturas empresariais em setores econô-
micos e atribuindo-as, sem qualquer trata-
A nota informativa “Redução da má alo- mento adicional, à presença de elementos
cação de recursos (misallocation) para a re- exógenos às forças de mercado.
tomada do crescimento da produtividade na Em outras palavras, abordagens microe-
economia brasileira” – publicada pela Secre- conômicas do misallocation se prestaram,
taria de Política Econômica em fevereiro de no documento supracitado da SPE, ao papel
2020 – pretende se apresentar como base de incluir qualquer iniciativa de redução do
teórica para um conjunto heterogêneo de Estado e seus instrumentos de ação como
propostas de políticas recentemente defen- fonte de ineficiência e, consequentemente,
didas pela equipe econômica. de redução de produtividade. De certo, as
A heterogeneidade das propostas ali inclu- medidas defendidas pela equipe econômica
ídas, que transitam pela extinção do DPVAT, apontam para uma visão neoliberal funda-
pelas normas de publicação dos balanços mentalista: qualquer ação do Estado está su-
contábeis das empresas, passando pela re- jeita a equívocos maiores do que as decisões
forma administrativa, privatizações, MP do impessoais do mercado.
Agronegócio, dentre outras, explicitam, logo O presente estudo, por seu turno, identifica
em uma primeira apreciação, seu aspecto na história do desenvolvimento econômico
crucial: trata-se de um esforço para justifi- e nas teorias (estruturalistas) que analisam
car as medidas a posteriori. Vale dizer: uma as peculiaridades da superação do subde-
vez tomadas certas medidas de inspiração senvolvimento, a prescrição imediatamen-
microeconômica, sem estudos prévios nem te inversa. Durante o século XX, a história
prognósticos claros ou fundamentados, bus- ilustrou que promoção dos ganhos de pro-
ca-se uma pretensa legitimidade para tais dutividade só foi possível mediante a trans-
atos (ideológicos), enquadrando-os nessa formação da estrutura produtiva em direção
narrativa questionável segundo a qual a má a setores com maior intensidade de capital
alocação de recursos públicos, induzida por e com maior dinamismo tecnológico. A in-
algumas das regras vigentes, seria a causa dustrialização esteve no centro das trajetó-
principal da baixa produtividade da econo- rias de sucesso, viabilizando redução de as-
mia brasileira, portanto, a causa a ser elimi- simetrias em relação aos países na cúspide
nada visando a recuperação do crescimento do sistema econômico. Essas experiências
(macro)econômico. são abundantes em economias atrasadas na
De certo, o pragmatismo na execução de Europa, asiáticas e latino-americanas, ain-
política econômica pode ser uma virtude da que, como em nosso caso, esse processo
desejável, mas não é esse o caso. A atual tenha sido interrompido ou permanecido
equipe econômica tem se notabilizado pelo incompleto em algumas de suas etapas fun-
ataque sistemático às instituições que per- damentais.
mitem planejamento, coordenação, finan- Assim, a queda de produtividade da econo-
ciamento, investimentos e ação econômica mia brasileira nas últimas décadas, a des-
do Estado. Nesse sentido, os modelos que peito de importantes análises conjunturais,
analisam a redução da ineficiência alocativa deve-se fundamentalmente à nossa incapa-
(misallocation) se tornam aliados importan- cidade de reorganizar as relações virtuosas
tes por não se prestarem a qualquer tipo de entre o Estado Nacional - como planejador,
avaliação destes instrumentos. Ao contrá- coordenador, financiador, investidor e agen-
rio, oferecem um indicador pouco robusto e
27
te ativo na promoção das condições para o Mais do que isso, ignoram as possibilidades
avanço industrial - e o próprio investimento e desafios de uma estrutura em mudança,
privado no país. com avanço da internacionalização de gru-
pos chineses, e respostas assertivas de pa-
De certo, enfrentamos dificuldades de íses centrais para defesa de suas grandes
grandes proporções para refazer essas co- empresas e reposicionamento em um qua-
nexões. As condições de nossa estrutura in- dro de revigoramento global dos múltiplos
dustrial, hoje menos densa e integrada de instrumentos de coordenação de mercados.
maneira pouco virtuosa às cadeias globais
de valor, tornam mais complexas e especí- Do mesmo modo, a visão da equipe econô-
ficas as necessidades de política industrial. mica de que o ataque ao crédito direcionado
A força da concorrência internacional, espe- garantiria uma redução de ineficiências e
cialmente da estrutura produtiva asiática, um automático reposicionamento das insti-
impõe dificuldades soberbas, por vezes in- tuições privadas em relação ao financiamen-
transponíveis, em uma série de segmentos to do investimento ignora não somente as
importantes. As fragilidades de um Estado práticas adotadas em diversas experiências
fragmentado pelas soluções adotadas para internacionais exitosas de desenvolvimen-
enfrentar a crise dos anos 1980, e pela ado- to, mas as próprias fragilidades estruturais
ção, desde os anos 1990, de um receituário de nosso sistema financeiro.
neoliberal para a estabilidade inflacionária
como eixo central da política econômica, Como consequência, a incerteza nas condi-
tornam a construção de um novo projeto de ções de crédito tende a limitar o alcance do
desenvolvimento algo economicamente bas- investimento, tornando-o ainda mais instá-
tante complexo e politicamente custoso. vel e submetido às oscilações domésticas e
internacionais de mercado, em contexto de
Desde meados da década de 2010, um con- abertura e acirramento da competição fi-
junto de medidas de liberalização econômica nanceira.
radical vem sendo adotadas. Desde a adoção
da austeridade fiscal, passando pelas pro- A mesma instabilidade afeta, de maneira
postas da Ponte para o Futuro, patrocinadas dramática, as condições de um mercado de
pelo MDB já em sua fase golpista, e chegan- trabalho desestruturado e desregulamenta-
do às medidas recentemente apresentadas do. As consequências desta fragilização se
pelo governo Bolsonaro-Guedes, projetou-se tornaram evidentes ao longo das últimas dé-
um novo espectro de orientações teóricas e cadas, com especial intensidade nos últimos
de políticas públicas à indústria, ao merca- anos. A proliferação de atividades de baixa
do de trabalho e de crédito. qualificação, baixa remuneração e produti-
vidade, acompanha uma maior vulnerabili-
Como mostra este estudo, o conceito pre- dade da demanda esperada em cenários de
valecente nas instituições públicas, atual- retração cíclica.
mente, o da pertinência apenas de política
industrial horizontal, ignora os desafios de Em síntese, as medidas propostas pela re-
criar condições específicas para apropriação cente nota da Secretaria de Política Econô-
tecnológica em segmentos portadores de mica, a despeito de serem correlacionadas à
futuro. Ainda que possam contribuir para promoção de ganhos de produtividade, cer-
ganhos sistêmicos, contam com uma capa- tamente contribuirão para o aprofundamen-
cidade natural, e inexistente, das forças de to da instabilidade e da própria regressão de
mercado para promover mudanças em nos- nossa estrutura produtiva, amplificando o
sa estrutura industrial e posição geoestra- declínio econômico e social apresentado ao
tégica na divisão internacional do trabalho. longo das últimas quatro décadas.

28
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