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REPRESENTAÇÃO DA TRANSIÇÃO DE COMPORTAMENTO FEMININO

SOB A ÓTICA DA AUTONOMA EM FOGO MORTO DE JOSÉ LINS DO


REGO

1
Janaira Caroline da Silva Rodrigues

RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar a representação da transição do comportamento das


personagens femininas na obra Fogo Morto de José Lins do Rego de 1936, não como
construção de uma autonomia propriamente dita, mas de comportamentos que
evidenciam vestígios de representação da autonomia da mulher na sociedade do século
XX. Este estudo terá embasamento na Crítica Feminista. A análise se dará por meio da
análise das personagens Dona Sinhá, sua comadre Adriana e Dona Amélia personagens
que ao longo da narrativa revelam comportamentos de contestação às condições que lhe
são impostas reivindicando voz, liberdade financeira e o desenvolvimento de funções
consideradas erroneamente tipicamente masculinas.

Palavras Chaves: personagens femininas - transição - autonomia

Independente da época escrita, grande parte das obras literárias apresenta pelo
menos uma personagem feminina, estas podem ser representadas de distintas formas
tomando como base diversos aspectos, dentre os quais, pode-se ressaltar o contexto
sócio-político e econômico no qual estão inseridas. Por isso cabe ressaltar que é
inverossímil esperar que as personagens tenham comportamentos muito diferentes do
contexto ao qual estão inseridas principalmente se esse personagem for feminino
devido, sobretudo aos estereótipos já carregados por estes ao longo dos séculos. A
autonomia feminina consiste em uns dos aspectos que tem sido amplamente discutidos
no contexto de representação de mulheres nas obras literárias contemporâneas e este
aspecto pode ser encontrado mais facilmente denominadas de neorregionalistas
,conforme demonstra Brito (2017) .

Comumente na maior parte das obras literárias a representação feminina


acontece de forma análoga ao contexto real, assim apesar da luta para desconstrução
deste estereótipo, percebe-se que a representação de personagens femininas ainda se dá
marcada pela subserviência, ou como coadjuvantes a personagens masculinos, sob
dominação deste, livre de alteridade por parte do sexo oposto ou na postura de mulher

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objeto , ou como sedutoras ( sendo consideradas imorais) , megeras , indefesas ou
incapazes . No entanto, atualmente também é possível graças à valorização dos
diversos estudos de representação da linha de Pesquisa de Crítica Literária Feminista,
ver na literatura mulheres sendo representadas de forma autônoma, por meio de um
perfil e comportamentos que revelam irreverencia e desconstrução dos padrões
“socialmente” pré-estabelecidos, mas não mais aceitos.

Dentre os movimentos literários e tendências onde esta característica de


representação feminina se mostra, mas evidente pode-se fazer referencia a tendência
neorregonalista que segundo Brito (2017) além de aspectos da tradição regionalista
brasileira vem trazer aspectos que a singularizam permitindo esta nova categorização
literária. Dentre estes aspectos analisados por esta nova tendência, este estudo se deterá
a autonomia das personagens femininas. O objetivo deste estudo é analisar a
representação da transição do comportamento das personagens femininas na obra Fogo
Morto de José Lins do Rego de 1936, não como construção de uma autonomia
propriamente dita, mas de comportamentos que evidenciam vestígios de representação
da autonomia da mulher na sociedade do século XX, visto que a autonomia é um
aspecto de obras mais recentes ( década de 1960).

A análise se dará por meio do estudo das personagens Dona Sinhá, sua
comadre Adriana e Dona Amélia esposas dos três personagens masculinos, os quais
intitulam os três capítulos que compõem a obra . Este estudo terá embasamento na
Crítica Feminista.

As questões relacionadas ao papel da mulher na sociedade é algo que remonta


uma época bem longínqua, mas de acordo com Zolin (2005) foi por volta da década de
60 que se deu o desenvolvimento do pensamento feminista, que de maneira mais
notável a mulher tem sido tomada como objeto de estudo de diversas áreas do
conhecimento, dentre os quais se pode citar a literatura. Trabalhos referentes a esta
temática tem grande relevância para o campo literário, pois contribui de forma
significativa para a consolidação da crítica literária feminista no país, que vem desde a
década de 1980 espalhando suas raízes.

Para a sociedade embora exista a consciência de que é bastante difícil,


conforme afirmou Zolin (2005) desafiar os valores instituídos e arraigados no
inconsciente coletivo, é importante conhecer e permitir a comunidade acadêmica este

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direito de conhecer trabalhos que revelem o papel da literatura como uma forma de
explicitar, questionar e de mudar os estereótipos que foram ao longo do tempo
carregados pelo sexo feminino e que como antes, mas ainda mais hoje já não fazem
sentido.

A narrativa de Fogo Morto se dá no inicio do século XX o espaço é o


município de Pilar, Zona da mata da Paraíba, distante cerca de 50 km de João Pessoa,
maior parte do romance é narrado no engenho Santa Fé (primeira e segunda parte) que
aos poucos vai entrando em decadência até que chegue ao estado de fogo morto (eis o
motivo do nome da obra) , e somente a parte final corresponde ao espaço da cidade .

Historicamente a obra se insere no contexto da sociedade brasileira nordestina


do início do século XX marcada pelo processo de decadência dos engenhos da Zona da
Mata Nordestina, pois começava o processo de instauração do capitalismo social por
meio do processo de industrialização que atingia diversas áreas de serviços
manufaturados, chegando também a cultura e produção do açúcar, pois os engenhos
tornavam-se meros oferecedores de matéria prima .

A partir da leitura da obra, pode-se perceber que em Fogo Morto o contexto é o


mesmo em que se dá o início das manifestações de cunho feminista no Brasil, que se
deu concomitantemente ao processo de abolição da escravatura. A obra retrata uma
sociedade marcadamente patriarcal e machista, onde a mulher não tem nem se quer
direito a voz. Pode-se perceber isso por meio dos pais que ainda escolhem com quem
suas filhas casariam, conforme ilustra diversas partes da obra pela forma que os
personagens homens como, por exemplo, na obra José Amaro esperava e idolatrava um
filho homem em relação a uma filha mulher, outro aspecto deste tipo de sociedade é a
obrigação que é colocada sobre as personagens femininas para que elas entendam como
único e promissor futuro ou destino para a mulher é o casamento( fato que se não
cumprido poderia levá-las à loucura ,como aconteceu a duas personagens da narrativa ) ,
para isso elas devem ser prendadas e se envolver apenas com atividades socialmente
aceitas como femininas . As mulheres eram vistas como responsáveis apenas por fazer
tarefas domésticas e nunca reclamar , não tinham direito de escolha , não tinham direito
a voz , sem que isso fosse solicitado, conforme retrata o trecho abaixo:

(...) Cala a boca Zeca! A gente não está aqui pra ouvir besteira.

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- Eu não digo besteira mulher. Se não quiser me ouvir que se retire. Estou
falando a verdade. É só isto que me acontece ouvir mulher fazer má criação.

Aí o mestre José Amaro levantou a voz.

- Nesta casa mando eu. Quem bate sola o dia inteiro, quem está amarelo de
cheirar sola de amansar couro cru ? Falo o que quero seu Laurentino. Isso
aqui não é casa de Vitorino Papa Rabo ,isso aqui é casa de homem .

(REGO 1936, pág. 14)

Pela análise do trecho acima, embora exista a predominância de


comportamentos claramente machistas e de uma sociedade marcadamente patriarcal, na
qual a mulher não tem voz nem vez, temos três personagens femininas que ao longo da
narrativa começam a ter comportamentos que podem ser caracterizados como iniciais
ou de resposta combativa ao processo de construção da autonomia feminina são elas :

DONA SINHÁ

A velha Sinhá é a esposa do seleiro José Amaro uma mulher que leva a vida
dedicada aos serviços de casa e a sua família, no entanto a pesar de sempre tentar
agradar ao esposo e a filha vive levando patadas, seu esposo tratava-lhe de forma fria
como se esta fosse uma mera empregada. Sinhá sofra pelo desgosto que seu marido
tinha por ela não conseguir lhe dar um filho homem. E a filha por vezes, cansada das
brutalidades do pai descontava seu remorso na mãe. Esta forma de se ver como superior
em relação a sua esposa pelo seleiro é expressa em diversos trechos ao longo do
primeiro capítulo da obra.

Sinhá era mais velha que José Amaro, casou-se para não ficar sem casamento,
já tinha idade avançada, como as demais moça da época,sua união era um casamento
arranjado do qual ela não se agradara desde o inicio , o mestre Amaro não tinha boa
aparência e sua saúde também não era das melhores devido ao trabalho que exercia,
mas para não ficar com fama de moça solteirona ,casou-se . No entanto, ela não
suportava nem se quer o cheiro que seu esposo exalava, mas com o tempo acabou por
acostumar-se:

Ela mesma, no começo de casada, sofrera muito para se


acostumar com aquele cheiro dentro de casa. Quando o marido se
chegava para ela, sentia como se fosse nojo. E lembrava-se
quando ficara grávida de Marta o quanto padecera para poder

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aguentar a companhia de Zeca. Era o cheirar da sola, a inhaca
medonha de que não podia se separar. Por fim acostumou-se.
Teria que viver ali, mas custou-lhe um pedaço da sua vida.

(REGO, 1936, pág.46).

Sinhá era o fardo da vida de Zé Amaro, pois não tinha cumprido com o absurdo
papel imposto ás mulheres naquela época, de lhe dar um filho homem, por conta dela o
filho homem não viera e todos os planos do seleiro foram frustrados (REGO 1936, pág.
13). Ela sempre respondona tomava as dores e a filha que chorava feito manteiga
derretida eram a causa de seus problemas e de toda sua raiva (REGO 1936 pág. 13-14).

(...) A velha Sinhá correu para ver passar o carro. O mestre José Amaro
olhou para a mulher com seus olhos amarelos com uma raiva mortal nas
palavras que lhe saíram da boca:

- A maluca já parou de chorar?

– Cala a tua boca, homem infeliz cala a tua boca. Deixa a desgraçada da
tua filha sofrer quieta. . O mestre sentou-se outra vez. O martelo estrondou
na paz da tarde que chegava . (REGO, 1936 pág. 19).

Todo este contexto poderia fazer com Sinhá fosse vista como uma pobre
mulher sofrida, digna de pena por todos, no entanto com seu jeito simples de reclamar
as grosserias do marido, ao longo da narrativa diversas vezes, sendo isso não apenas no
momento em que estavam a sós mas mesmo diante dos outros ,embora na maioria
delas, o mestre Zé Amaro tente lhe fazer calar-se , demonstram que Sinhá inicia sua
luta por sua autonomia de expressão contestando os xingamentos do marido e sua
tentativa de insultá-la e diminuí-la juntamente com sua filha. Sinhá é uma mulher
simples e sem instrução, mas consciente que mulher não é para aguentar insultos e
humilhações de homem como se fosse animal. E esta atitude muita das vezes ,conforme
se percebe ao longo da narrativa é o que causa a irritação de seu esposo que como
membro de uma sociedade marcadamente machista e patriarcal considera inadmissível
que mulher ou negro segundo ele mesmo pondera , tenha direito a expor sua opinião ou
mesmo sua voz sem que lhe seja pedido.

Sinhá já que não tinha um casamento feliz almejava liberdade, queria ser como
sua comadre Adriana, dona de sua casa e suas decisões, desejava que José Amaro fosse,
mais humano como era seu compadre Vitorino (REGO, 1936 pág.46). Apesar de sua

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dedicação como esposa seu marido sempre se mostra um ignorante, bruto que
algumas vezes até lhe dava pena. Sua insatisfação só aumentava e tornou-se anda
maior quando sua filha começa a ter crises convulsivas e o pai na ignorância tenta lhe
conter com agressões físicas frequentes, que a deixam mais transtornada e faz com
Sinhá tome a atitude de não mas permitir que isso aconteça, pois se ver como
juntamente com seu esposo com culpados pelo adoecimento da pobre jovem .

Ainda que timidamente, Sinhá vai ganhando forças para tomar atitudes que
modiquem o seu futuro; seu indicio de autonomia se dá quando seu esposo é preso por
ajudar o bando do capitão Antônio Silvino, tempos depois da internação de sua filha.
Momento em que ela decide abandoná-lo de vez. E esta atitude era muito severa para a
época e traria para ela como mulher diante da sociedade, diversas formas de
preconceitos os quais a personagem demonstra não estar tão preocupada, a prisão de seu
esposo representou para ela a oportunidade de libertar-se de um casamento que não deu
certo e que acabou por levar a loucura sua única filha, constituindo assim um primeiro
momento de demonstração da transição do comportamento feminino na construção do
que posteriormente será denominada autonomia feminina.

DONA ADRIANA

Adriana era o nome da esposa do capitão Vitorino Carneiro de Cunha, uma


senhora que era como intitulava sua comadre Sinhá dona de sua casa e de sua vida
,trabalhava na castração de frangos e faz isso com grande excelência naquela região.
Teve um filho Luís, o qual deu para Sinhá e mestre Amaro como afilhado, este fora
enviado por ela para a Marinha, como forma de evitar que sofresse com o pai que tinha ,
pois este não seria bom exemplo para o menino ,levava uma vida de
irresponsabilidades, da qual Adriana se envergonhava, ela vivia a sentir saudades, no
entanto sabia que aquela distancia que viviam era para o bem deste. Chegou ainda moça
em Santa Fé , com sua humilde família :

(...) Trabalhava a mulher de Vitorino na castração dos frangos de d. Amélia.


Só ela por aquelas bandas tinha mão e ciência para aquele serviço. Vivia de
engenho a engenho à espera da lua nova, ou do quarto minguante, para
operar com sucesso. Ali estava ela desde manhã, como uma cirurgiã que
confiava no seu talho. Com ela não morria uma cria. Tinha boa mão, tinha
força de verdade para fazer as coisas (...) (REGO, 1936, pág. 37).

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Em alguns momentos vê-se Adriana idealizando ter um marido que fosse mais
dono de sua casa, mais responsável por sua família, coisa que capitão Vitorino não era,
apesar de considera-lo de bom coração, sentia no fundo a falta de carinho e atenção por
parte do esposo, que eram compensados pelo filho que apesar de distante por cartas se
fazia sempre presente. Ela fazia de tudo para que o comportamento de seu marido fosse
diferente, no entanto, nada mudava. Este fato talvez seja o fator que faz com que dona
Adriana não se constitua uma mulher de autonomia propriamente dita, o fato de desejar
ter sua vida atrelada a de um homem como exigência da sociedade, pois não sentia-se
feliz em sua vida conjugal. No entanto, expressa muito bem a conquista da autonomia
ou independência financeira, de uma mulher que além de decisões relativas à sua casa,
também era responsável pelo sustento de sua família , mostrando que uma mulher
mesmo naquela época poderia viver do suor de seu rosto.

(...) Lembrou-se então do seu filho Luís que o mestre José Amaro apadrinhara nas missões.
Estava longe daquela vida, da desgraça do pai. O menino era tão diferente de Vitorino, tão calmo, tão
cheio de carinho para com ela. Quis que ele fosse para a Marinha para que não sofresse com o pai que
tinha. A saudade do filho apertou o coração de sinhá Adriana. Já devia andar ele de mar afora. Escrevia
de vez em quando, mas nunca mais que voltava para a casa. Fora-se para a escola de grumetes do Rio,
devia já ter o seu posto. Luís fugia do pai. Não era por ela não. Era pelo pai. E o andar vagaroso, com a
estrada quase no escuro, ia ela pensando no seu filho querido que se fora, que nunca mais veria. Luís
sofrera muito com a vida do pai. Não era para menos. Um pai com um apelido, um pai mangado,
servindo de graça para todo o mundo. Pobre do Vitorino! Ela às vezes perdia a paciência, era bruta para
com o marido. O mestre José Amaro, o seu compadre, lhe dizia: “Comadre Adriana, um homem como o
seu marido dá dor de cabeça.” Mas o que fazer para mudar a vida de Vitorino? Tudo que uma mulher de
paciência podia fazer ela fizera. Tinha que trabalhar para sustentar a casa. Vitorino levava dias sem
aparecer, sem dar notícias, correndo o mundo, dando desgosto. Só em pensar que o filho crescesse com
aquele exemplo doía-lhe a alma. Botara o coração de lado, mas mandara o menino para a Marinha.
Ouvira muita censura, muito agravo por isto. Como era que se mandava um filho único para a Marinha!
Chorou muito, perdeu noites, ficou velha, mas mandou o menino. Agradecia ao povo do Santa Rosa pelo
que fizera para a entrada de Luís na escola da Paraíba. Não se arrependeria nunca. Deus e a Virgem
Maria protegessem o seu filho por este mundo de perdição (REGO 1936, pág. 41).

O que destaca a personagem Adriana como uma senhora que tinha um


comportamento diferente e que já marcava esta transição entre o comportamento servil e
autônomo é que ela não esperava pelo marido para sobreviver, para tomar decisões,
conforme ilustra o trecho acima . E este comportamento é bem perceptível quando
Adriana recebe o convite de seu filho para ir embora de Santa Rosa, era a oportunidade
de largar toda aquela vida, mas por se preocupar com seu esposo, longe de sua presença

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, diante daquela gente que tanto o zombava , acaba por decidir ficar. Ao contrário de
Sinhá, geralmente Adriana é que era bruta com o esposo devido à vida que este levava,
ela não tinha medo do pensamento das pessoas de como ela era vista como uma mulher
tinha um coração nobre e de compaixão o que a prendia naquele lugar.

DONA AMÉLIA

Dona Amélia é a mulher do senhor Lula de Holanda, filha de um dos grandes nomes
daquela região seu pai fora o dono da Santa Fé , um grande senhor de Engenho que
sonhava em encontrar para a filha um partido à sua altura . Ela ao contrário das moças
da região além de muitas prendas era uma moça de instrução, que estudou fora ,lia
muitos livros e sonhava em encontrar alguém compatível com suas qualidades que a
tratasse como uma mulher deve ser tratada , este também era o sonho de sua mãe
Mariquinha para a filha. Assim Amélia representa a mulher que não mas se limita a
aprender tarefas domésticas, mas que estuda , que busca conhecimento, que sabe
dialogar sobre diversas coisas e conhece outras artes como, por exemplo a música .
Amélia sonhava com um casamento diferente, quem sabe um casamento por amor, no
entanto fora seu pai que lhe escolheu por esposo o primo de sua esposa Lula de
Holanda, esta, contudo teve afeção pelo rapaz.

Amélia não era como as outras senhoras, de viver enfiada em cozinhas, era
moça de educação, muito fina (REGO, 1936, pág, 37). Enquanto tinha seu pai vivo ela
teve um bom casamento, fato que logo mudou, e tornou-se por após o nascimento de
sua filha. Amélia tinha tudo para ser uma mulher satisfeita , mas iludiu-se com seu
casamento que embora totalmente fracassado , com uma esposo interesseiro e que não
se importava com os negócios de família, tratou sua mãe mal até a morte , era arrogante
, tratava mal os seus trabalhadores e gastava todo o dinheiro que seu pai havia lhes
deixado anda por cima passa a fazer como seu sogro desfeitas com todos os rapazes que
se interessam por sua filha, julgando-lhe superior a todos da região .Passando depois a
deixar de se importar com toda a vida do Santa Fé que aos poucos a ruína. Fazendo com
que sua esposa Amélia tome as rédeas ainda que de maneira implícita busque formas de
manter as despesas da casa :

(...) Tudo havia passado. Tudo era agora aquela mansidão, a pobreza de uma
casa-grande que se escondia das vistas dos outros. Sim, todos ali viviam a se
esconder dos ricos e dos pobres. E ela mesma é quem mais força fazia para

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que vivessem longe de tudo. Lula era como se não soubesse das dificuldades
por que passavam. Só ela tinha os olhos para ver o Santa Fé como estava, na
petição de miséria em que vivia. Lula, naquela devoção, no seu rezar, era
como um homem de outro mundo, fora de tudo que fosse da Terra,
indiferente ao seu tempo. Podia chover e fazer sol, podia o rio descer nas
enchentes, e a seca queimar a folha da cana, que ele não tomava
conhecimento do tempo. Mas ela via tudo, sentia tudo. Todos os pedaços de
miséria que a família sofria, era ela quem mais sofria. Todos em sua casa
pareciam de um mundo que não era o seu. Até Neném perdera a noção das
coisas. Naquele jardim, no meio das rosas, mudando plantas, aguando a terra,
não queria saber de mais nada. Seria somente ela quem teria coração, quem
teria olhos para ver, ouvidos para ouvir, que era a ruína do Santa Fé. O
engenho na última safra quase que não moera por falta de animais. Fora ela
quem, às escondidas de Lula, mandara comprar, com dinheiro que tinha
guardado, uma parelha de éguas no Gurinhém. E assim puderam fazer
aqueles sessenta pães de açúcar que deram um preço compensador, e
descaroçar as dez sacas de lã que conseguiram alguma coisa para o plantio de
cana daquele ano. Ela nunca, em sua vida, tivera tempo para pensar naquelas
coisas. Agora só ela pensaria no Santa Fé. Lula parecia um homem que não
tinha tempo para olhar o engenho. E pelas suas mãos começavam a passar as
contas dos trabalhadores. Eram férias pequenas dos eitos de cinco homens.
Mas, mesmo assim, o engenho moía. Uma vez, quando se furara a tacha do
cozinhamento, alarmara-se. O mestre de açúcar foi ele mesmo ao Santa Rosa
e trouxe de lá o auxílio necessário. Lula não sabia destas coisas. Se não
fossem as suas galinhas, não teria recursos para, no inverno , mandar o
boleeiro Macário fazer a feira no Pilar. O marido, se soubesse que ela vendia
ovos para a Paraíba, a Neco Paca, daria o desespero. A sua criação lhe dava
este auxílio. Sempre gostara de tomar conta de suas galinhas. E agora era
delas que se servia. Às segundas-feiras chegava ali o comprador e as dúzias
de ovos lhe pagavam os quilos de carne verde da feira do Pilar. Nos tempos
de seu pai, a despensa vivia cheia. Mas não pensava no passado. Tinha a sua
vida difícil para viver. ( REGO,1936 ,pág.172).

O que destaca o comportamento de Amélia como indício de autonomia


feminina, é esta usar de seus dotes e prendas em um momento em que sua família
precisa de sua ajuda para tentar manter sua casa, muitas mulheres ao contrário dela
teriam reclamado e jogado a responsabilidade para o homem já que o comum para a
época é que o homem tome a frente das decisões. Ela, no entanto mostra que uma
mulher é capaz de sabiamente gerir negócios, que uma mulher bem instruída pode
exercer papéis exercidos por homem. Apesar de seus defeitos, Amélia gostava de seu
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marido e respeitava-o como chefe de sua família, em nenhum momento mesmo quando
este errava ela colocava suas falhas como instrumento de rivalização, mas exercia seu
papel de mulher, que queria manter seu casamento e a ajudar nas despesas de sua casa,
no sustento de sua família, já que as condições dos seus não lhes permitia sem que com
isso seu marido fosse envergonhado diante da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessa abordagem a análise das personagens baseou-se sobre tudo em


uma vertente da critica feminista com ênfase no feminismo de Kate Millet em que se faz
uma discussão da opressão feminina pela sociedade patriarcal, onde a mulher é
representada secundariamente como subordinada ao masculino.

Cabe ressaltar que esta visão de subserviência, no entanto não é própria apenas
de homens, mas de muitas mulheres. O objetivo primordial foi avaliar a representação
feminina na referida obra, mostrando que autonomia feminina não se deu da noite para
o dia, mas foi construída ao longo do tempo, que ao contrário do que muitos pensam,
ela não é um aspecto de vertente feminista radical, em que mulheres e homens vivem na
literal guerra dos sexos, ela não cabe a rivalizações, mas é uma característica presente
em mulheres que embora possam ter valores influenciados, pela sociedade, não se
deixam, contudo, ser reféns desta.

A autonomia feminina consiste no direito dado as mulheres de serem senhoras


de si e de suas escolhas, sem que estas venham ser feitas por obrigação ou por meio de
imposições sociais. Conclui-se que embora em um contexto marcado pelo
patriarcalismo em Fogo Morto já é possível perceber nas três personagens femininas
analisadas características que as diferenciam das demais personagens da obra,
representado assim vestígios de luta de mulheres comuns que já expressam o desejo de
autonomia, ainda que relativa de voz, de decisão, de ter acesso ao ensino e por meio
deste chegar ao lugar em que desejarem, ou de ocupar os papéis que julgar conveniente.

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REFERÊNCIAS

BRITO Herasmo Braga de Oliveira. Neorregionalismo brasileiro: análise de uma nova


tendência da literatura brasileira .Teresina : EDUFPI,2017.
REGO, José Lins do. Fogo Morto. São Paulo: Klick, 1936.
Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas / organização
Thomas Bonnici, Lúcia Osana Zolin. 2.ed.rev.e.ampl.-Maringá : Eduem,2005 .

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