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Nathália de Castro Aggeu Ricardo

Trabalho apresentado à professora Vera Batalha da disciplina de Literatura infantil e


juvenil do curso de Pós-Graduação de Literatura.

Dom Quixote das Crianças – Monteiro Lobato

A obra “Dom Quixote das Crianças” foi publicada no ano de 1936 por Monteiro
Lobato através da Companhia Editora Nacional, editora que o próprio autor ajudou a
fundar. Esta obra foi publicada também por um desejo de Lobato de proporcionar às
crianças a chance de se aventurarem em uma versão do clássico Dom Quixote. A
história explora a obra original de maneira dinâmica, adequando-se ao público-alvo
sempre que necessário.

Tudo no livro é duplo: dois narradores, dois núcleos de personagens, dois


espaços e dois tempos que se misturam brilhantemente. Nisso também se encontra a
magia dessa obra: é possível acompanhar duas histórias distintas até o momento em que
elas se entrelaçam, transformando o imaginário e o real em algo único, prendendo o
público – infantil ou não – até o seu fim. O aspecto narrativo explorado por Lobato
também auxilia na aproximação com o leitor: o narrador observador fica em segundo
plano, abrindo espaço para os diálogos pelos quais somos levados por toda essa
aventura.

Na obra, Emília está em uma de suas peripécias quando derruba um enorme


livro da estante: Dom Quixote. Para alimentar a curiosidade das crianças do sítio, Dona
Benta adapta a história do cavaleiro andante aos ouvidos de seu público infantil depois
das queixas da boneca sobre a escrita original. Durante a leitura, a avó vai explicando
às crianças os significados de palavras desconhecidas.

— Nédias mulas quer dizer mulas ruças ou manas? — indagou


Pedrinho. — Não. Nédia quer dizer gorda, desse gordo que deixa os
animais lustrosos. — Pode-se dizer que fulana é uma moça nédia? —
Pode-se, mas é impróprio. Essa palavra se aplica quase que
só aos animais. — Mas a moça também é animal — objetou Emília. —
Vegetal não é... (LOBATO, 2010, s/p)

Por conta disso, existem duas histórias contadas simultaneamente. A primeira se


passa no sítio do Pica-Pau Amarelo e envolve personagens já conhecidos de Lobato,
enquanto a segunda se passa em “algum lugar da Mancha” e abarca personagens do
romance Dom Quixote. Cada uma tem suas próprias particularidades, mas interligam-se
no decorrer dos acontecimentos de maneira sensível e bastante lúdica. O narrador
também tem uma proposta interessante: o narrador observador, que conta a história do
sítio, e a Dona Benta, que funciona como narradora de Dom Quixote.

Algumas situações presentes na obra original foram abolidas por Dona Benta em
sua versão, de acordo com a maturidade de seus ouvintes, o que colabora para deixar a
história mais atrativa aos olhos das crianças. Outro recurso utilizado é a aproximação
entre o real e o imaginário, trazendo para a realidade do sítio as aventuras do cavaleiro.
Um exemplo é quando Emília compara Quixote alimentando-se com ajuda por estar
preso em sua armadura com um pinto cuidado por tia Anastácia no sítio.

O remédio foi ser ajudado pelo estalajadeiro e pelas "donzelas”, as quais


seguraram a tampa no alto, enquanto o homem ia, com o
garfo, enfiando no herói, pela fresta da ferramenta, pedaços de
bacalhau e batatas. A fim de despejar lá dentro vinho, teve de empregar
um funil. E o fidalgo da Mancha tudo suportava só para que não lhe
bulissem na fita verde que com certeza imaginava um presente da sua
Dulcinéia.
— Já vi Tia Nastácia encher assim o papo dum pinto doente —
observou Emília. — Mas esse pinto não era andante — não tinha
viseira. (LOBATO, 2010, s/p)

Outra ocasião é quando Emília expressa o desejo de encontrar um autor como


Cervantes que a faça tão famosa quanto Dulcinea del Toboso, a musa do cavaleiro
andante. No mesmo momento, Narizinho deixa claro seu desacordo, afirmando que o
próprio Lobato já faz da boneca a sua estrela principal.

— Exigente! Você já anda bem famosinha no Brasil inteiro,


Emília, de tanto o Lobato contar as suas asneiras. Ele é um
enjoado
muito grande. Parece que gosta mais de você do que de nós
— conta
tudo de jeito que as crianças acabam gostando mais de você
do que de
nós. É só Emília pra cá, Emília pra lá, porque a Emília
disse, porque a
Emília aconteceu. Fedorenta. . . (LOBATO, 2010, s/p)

Sendo assim, o livro é uma adaptação de um clássico feita de maneira primorosa


por Lobato, sendo bastante fiel a sua origem e contribuindo para a formação de novos
leitores de literatura, saindo do padrão do que se conhecia como Literatura Infantil na
época. Essa obra, como as outras do autor, não tem nada de moralizante, deixando de
lado o pedagógico e investindo no lúdico, dando voz aqueles que até então não a
tinham: o público infantil.

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