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Personagens:
(Entra o narrador tocando o tema do sítio, dona Benta está sentada num canto do
palco, congelada)
NARRADOR: Boa noite, pessoal! Vocês conhecem essa música? Tenho certeza que a maioria
de vocês acabou de fazer uma viagem para o sítio mais amável que conhecemos. Isso mesmo!
O Sítio do Pica Pau Amarelo é famoso tanto no mundo de verdade como no chamado Mundo de
Mentira. O Mundo de Mentira, ou Mundo da Fábula, é como a gente grande costuma chamar a
terra e as coisas do País das Maravilhas, lá onde moram os anões e os gigantes, as fadas e os
sacis, os piratas como o Capitão Gancho e os anjinhos como Flor das Alturas. Mas o Mundo da
Fábula não é realmente nenhum mundo de mentira, pois o que existe na imaginação de milhões
e milhões de crianças é tão real como o que vamos contar nessa peça. O que se dá é que as
crianças logo que se transformam em gente grande fingem não mais acreditar no que antes
acreditavam.
Lá no sítio do Pica-pau Amarelo, mora uma senhora de mais de sessenta anos. Chama-se dona
Benta.
(Benta ganha movimento quando ouve o seu nome e começa a reagir às falas do
narrador)
Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na
ponta do nariz, segue seu caminho pensando: Que tristeza viver assim tão sozinha neste
deserto...
DONA BENTA: Mas se engana quem pensa assim desse jeito, viu moça? Pode deixar que
daqui pra frente eu conto essa história! Eu sou a mais feliz das vovós, porque vivo em
companhia da mais encantadora das netas — Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, ou
Narizinho como todos dizem e também da tia Nastácia, que mora com a gente desde que Lúcia
era bem pequena, e Emília, a boneca de pano que foi feita por tia Nastácia. Aqui no sitio, no
fundo do pomar passa um ribeirão, todas as tardes Narizinho leva a boneca e pra passear à beira
d’água, onde se senta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de pão aos lambaris., até que
tia Nastácia apareça no portão do pomar e grite na sua voz sossegada:
(Tia Nastácia grita da coxia) — Narizinho, vovó está chamando!...
Certa vez, depois de dar comida aos peixinhos, Lúcia sentiu os olhos pesados de sono. Deitou-
se na grama com a boneca no braço e ficou seguindo as nuvens que passeavam pelo céu e
acabou adormecendo.
Vim de lá
Trouxe a mais bela pérola do mar
Para te coroar
Vim de lá
Pela floresta de algas pude andar
Nem sei como eu vou contar
PRINCIPE ESCAMADO: Guardas, acompanhem a Dona Aranha e suas filhas até a sua casa!
(O principe vai pro trono. Os guardas saem escoltando a Dona Aranha. Narizinho se mostra
inquieta, anda pelo palco como procurando algo, pergunta pra platéia, vai em direção ao
trono e quase derruba o príncepe)
PRINCIPE ESCAMADO: O que é isso Narizinho, está ficando doida?
NARIZINHO: A Emilia sumiu, magestade. Desde a briga com a dona Carochinha que não a vi
mais, seria bom que o Sr. Princepe mandasse procura-la.
PRINCIPE ESCAMADO: Pelo visto, não será necessário.
GUARDAS: Dona Emília foi assaltada por algum bandido! Estava na gruta dos tesouros,
estendida no chão, como morta. (colocam a boneca no chão)
PRINCIPE ESCAMADO: Tragam o Dr. Caramujo! Imediatamente!
NARIZINHO: Amiga, o que foi que fizeram com você?
PRINCIPE ESCAMADO: Calma, Narizinho, ela está desacordada, mas o Dr. Caramujo já está
à caminho.
(entra o dr. Caramujo trazido pelos guardas, ele examina Emília e lhe dá um beliscão, a
boneca acorda, mas muda que é, só gesticula)
NARIZINHO: Coitadinha da minha Emília!... Quem será o monstro que fez isto para a coitada?
Não bastava ser muda?
PRINCIPE ESCAMADO: Impossível descobrir o criminoso. Só depois que o doutor Caramujo
curá-la da mudez é que poderemos descobrir alguma coisa.
NARIZINHO: Você acha que pode curá-la, doutor?
DR. CARAMUJO: Sim. As pílulas do besouro boticário curam todas as doenças.
NARIZINHO: Que maravilha! E onde estão essas pílulas maravilhosas?
DR. CARAMUJO: Estão no meu consultório, preciso buscá-las.
PRINCEPE ESCAMADO: Então vamos logo. Eu te acompanho.
(saem o príncepe e o Dr. Caramujo, acompanhados pelos guardas.. Major Agarra começa a
gemer na frente do palco)
NARIZINHO: Boa noite, Major Agarra! Que gemidos tão tristes são esses? Não está contente
com a sua sainha nova?
MAJOR AGARRA: Não caçoe, menina, que o caso não é para caçoada (responde com voz
chorosa), não lembra que o príncipe me condenou a engolir cem pedrinhas redondas. Já engoli
noventa e nove. Não posso mais! Tenha dó de mim, gentil menina, e peça ao príncipe que me
perdoe.
NARIZINHO: Me desculpe, Major, vou agora mesmo falar com o príncipe!
(o príncipe vem chegando)
PRINCIPE ESCAMADO: Narizinho, o doutor Caramujo logo estará de volta com suas pílulas
milagrosas.
NARIZINHO: Não era sobre isso, Príncepe! Quero que perdoe ao pobre do Major Agarra.
PRINCIPE ESCAMADO: Perdoar de quê?
NARIZINHO: (Ri para a plateia) Esqueci que tem memória de peixe. Pois não o condenou a
engolir cem pedrinhas redondas? Já engoliu noventa e nove e está engasgado com a última. Não
entra. Não cabe! Está lá no jardim, de barriga estufada, gemendo e chorando. que não me deixa
dormir.
PRINCIPE ESCAMADO: É muito estúpido o Major! Eu falei aquilo de brincadeira. Diga-
lhe que desengula as pedrinhas e não me incomode. (O Princepe vai até o proscenio ver onde
está o Major.
PRINCEPE ESCAMADO: Major, desengula já as pedrinhas e volte imediatamente ao serviço!
MAJOR AGARRA: Impossível! O único jeito é o doutor Caramujo abrir minha barriga com a
sua faquinha e tirar as pedras uma por uma com o ferrão de caranguejo que lhe serve de pinça.
PRINCEPE ESCAMADO: Você é um sapo de sorte, Major. O Doutor Caramujo já está a
caminho. Venha!
(O Major sobe ao Palco com dificuldade, o Dr. Caramujo vem entrando aborrescido)
DONA BENTA: No outro dia a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca ao
consultório do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido um urutu
recheado de escorpiões.
NARIZINHO: Que cara é essa, doutor, parece que engoliu um Urutu recheado de escorpiões?
DOUTOR CARAMUJO:Há que encontrei o meu depósito de pílulas saqueado. Furtaram-me
todas...
NARIZINHO: Puxa Vida! Mas não pode fabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar.
DOUTOR CARAMUJO: Impossível. Já morreu o besouro boticário que fazia as pílulas, sem
haver revelado o segredo a ninguém. A mim só me restava um cento, das mil que comprei dos
herdeiros. O miserável ladrão só deixou uma e imprópria para o caso porque não é pílula
falante.
NARIZINHO: E agora?
DOUTOR CARAMUJO: Agora, só fazendo uma certa operação. Abro a garganta da boneca
muda e ponho dentro uma falinha (respondeu o doutor, pegando na sua faca de ponta para
amolar) Já providenciei tudo.
(grande barulheira na coxia)
NARIZINHO: Que será?
DOUTOR CARAMUJO: É o papagaio que vem vindo
NARIZINHO: Que papagaio, homem de Deus? O que vem fazer aqui esse papagaio?
DOUTOR CARAMUJO: Como não encontrei minhas pílulas, mandei buscar um papagaio
muito falador que havia no reino. Vamos tirar dele a falinha que vou pôr dentro da boneca.
NARIZINHO: Então não quero! Eu não admito que se mate sequer uma formiga! Prefiro que
Emília fique muda toda a vida a sacrificar uma pobre ave que não tem culpa de coisa nenhuma.
( Entram os guardas, arrastando um pobre papagaio)
PAPAGAIO: Eu juro que sou inocente, não fui eu quem comeu aquele milho, foi o periquito, eu
juro!
(Narizinho espanta os caranguejos e solta o papagaio que sai correndo)
NARIZINHO: Não quero! Não admito que judiem dele.
DOUTOR CARAMUJO: Então não sei mais como posso te ajudar
NARIZINHO: Já que não pode fazer nada pela Emilia, por favor, ajude ao Major Agarra.
MAJOR AGARRA: Doutor, por favor me ajude. Parece que as pedras que engoli cresceram em
minha barriga, estou muito estufado!
DOUTOR CARAMUJO: Mas que ideia foi essa de comer pedras, Major Agarra? Além de
parecer uma velha coroca, está caduco? Vamos dar uma olhada nisso aqui... (Doutor Caramujo
abre a barriga do Major) Não é pedra, não! São minhas queridas pílulas! Mas como foram
parar na barriga deste sapo? (vai retirando as bolinhas da barriga do sapo e jogando pelo
palco, os caranguejos vão catando) Podemos agora curar a senhora Emília (vai falando
enquanto costura o sapo. Os guardas saem acompanhando o sapo para a coxia. Narizinho se
aproxima com a Emília)
NARIZINHO: Engula duma vez! E não faça tanta careta que se bate um vento, você fica com a
cara torta!
(Emília engole a pílula e começa a falar no mesmo instante)
EMÍLIA: Estou com um horrível gosto de sapo na boca! Não tinha uma com um gostinho
melhor não? Ora vá. E eu sou obrigada agora a ficar com esse gosto ruim na boca? (entra no
jogo de blablação)
NARIZINHO: Doutor, não é melhor fazê-la vomitar e dar uma pílula mais fraca?
DOUTOR CARAMUJO: Não é preciso. Ela que fale até cansar. Daqui a pouco sossega e fica
como toda gente, com a “fala recolhida”, que tem de ser botada para fora.
(Emília cala)
NARIZINHO: Graças a Deus! Podemos agora conversar como gente e saber quem foi o
bandido que assaltou você?
EMÍLIA: Pois foi aquela diaba da Dona Carocha. A coroca apareceu na gruta das cascas...
NARIZINHO: Que cascas, Emília? Você parece que ainda não está regulando...
EMÍLIA:Cascas, sim. Dessas cascas de bichos moles que você tanto admira e chama conchas.
A coroca apareceu e começou a procurar aquele boneco...
NARIZINHO: Que boneco, Emília?
EMÍLIA: O tal Polegada que furava bolos e você escondeu no fundo do baú. Começou a
procurar e tirando tudo o que tinha no bau. E tanto procurou que achou. Agarrou o pobre e foi
saindo com ele debaixo do cobertor...
NARIZINHO: Da mantilha, Emília!
EMÍLIA: Do CO-BER-TOR.
NARIZINHO: Mantilha, boba!
EMÍLIA: COBERTOR. Foi saindo com ele debaixo do COBERTOR e eu vi e pulei para cima
dela. Mas a coroca me unhou a cara e me bateu na cabeça, com tanta força que dormi. Só
acordei quando o doutor Cara de Coruja...
NARIZINHO:Doutor Caramujo, Emília!
EMÍLIA: Doutor CARA DE CORUJA. Só acordei quando o doutor CARA DE
CORUJÍSSIMA me pregou um liscabão.
NARIZINHO: Beliscão. Sua fala ainda tá bem desregulada, ne? Mas o tempo da jeito, nisso...
(olha pra boneca) Será que você vai ser assim pra sempre, falastrona e asneirenta? (se volta pra
plateia quebrando a quarta parede) Melhor que seja assim, ne? As idéias da vovó e tia
Nastácia a respeito de tudo são tão sabidas que a gente já as adivinha antes que elas abram a
boca. As idéias de Emília hão de ser sempre novidades.
TIA NASTÁCIA: Narizinho, Narizinho... (Grita NASTÁCIA em um eco que se escuta no Reino
das Águas Claras, black out no palco. Narizinho e Emília voltam pra posição inicial, mudança
no cenário, Dona Benta e Tia Nastácia vem chegando)
NARIZINHO: Chamou, vovó?
DONA BENTA: Ah, você está aí! Você não vai acreditar em quem está de volta, Narizinho!
NARIZINHO: Quem? O Príncipe Escamado? O Doutor Caramujo? Eu nem consegui me
despedir direito.
DONA BENTA: Que príncipe, menina? É o Pedrinho que está chegando! E a Emília, por que
está desse jeito?
EMÍLIA: Narizinho tirou meu vestido para vestir o Major Agarra, Dona Benta! (diz com a fala
embolada)
DONA BENTA: Emília! Você está falando!
NARIZINHO: E falando pelos cotovelos, vovó!
TIA NASTÁCIA: Credo, mas isso é impossível
EMÍLIA: Impossível é seu nariz!
TIA NASTÁCIA: Mas boneca não fala!
EMÍLIA: Eu falo sim! Eu era muda de nascença, mas o Doutor Cara de Coruja me deu uma
pílula da barriga do sapo e eu comecei a falar, e hei de falar a vida inteira!
TIA NASTÁCIA: Credo, esse mundo está mesmo é de perna pro ar, uma boneca de pano que
fala!
(Entra Pedrinho com Barnabé)
NARIZINHO: Pedrinho! Você chegou! (corre para abraçá-lo)
PEDRINHO: Narizinho! Vovó! Tia NASTÁCIA! Senti tanta falta de vocês!
EMÍLIA: Ei, menino! Esqueceu de mim, foi? Eu tô aqui, tá? E cadê meu presente, hein? Hein?
Hein??
PEDRINHO: Calma, bonequinha de pano, eu não me esqueci de você! E tome aqui o seu
presente (lhe entrega uma caixinha bem embrulhada)
EMÍLIA: Boneca de pano nada! Eu sempre fui uma bela de uma mocinha, e posso até falar!
Agora vou poder brincar por todos os lugares com Narizinho, e quem sabe até mesmo voltar ao
Reino das Águas Claras um dia!
NARIZINHO (empolgada): É verdade, Emilia, isso vai ser incrível! (para a plateia) Mas isso,
já é outra história!
(Toca a música da Narizinho, voltam todos os personagens pelo palco. A peça se encerra)