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Universidade de Brasília

Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães

Cálculo II
Notas da Aula 07 ∗

Existência e Unicidade
As equações exatas permitem estudar as famílias de curvas ortogonais, um fenômeno importante em
várias áreas, inclusive no eletromagnetismo. Também os fatores integrantes, visto no caso das equações
separáveis, podem ser adaptados para serem usados com as equações exatas. Veja os exemplos a seguir.

Fator Integrante
Considere o problema de determinar uma função y(t), com t ≥ 0, com as seguintes propriedades:
i) o gráfico de y(t) passa por (1, 1/2), isto é, y(1) = 1/2
ii) a tangente ao gráfico no ponto (t, y(t)) intercepta o eixo Oy no ponto 2ty2 (t)

2ty2 (t)
θ α
y(t) y(t)
α θ
2
2ty (t)

t t

A figura do lado esquerdo ilustra a condição ii) no caso em que a tangente tem inclinação positiva, e
a do lado diretio o caso em que a inclinação é negativa. Em qualquer caso, a inclinação é igual à tangente
do ângulo θ indicado na figura, e, portanto, tan(θ ) = y′ (t).
Por outro lado, a tan(θ ) pode ser calculada da seguinte maneira. No caso da figura da esquerda, com

y (t) > 0, tem-se que tan(θ ) = tan(α ), pois os ângulos θ e α são opostos pelo vértice e as tangentes têm
o mesmo sinal. Assim,

cateto oposto y(t) − 2ty2 (t)


y′ (t) = tan(θ ) = tan(α ) = =
cateto adjacente t

Para o caso da figura da direita, com y′ (t) < 0, os ângulos θ e α são também opostos pelo vértice,
mas as tangentes têm sinais contrários. Logo,

cateto oposto 2ty2 (t) − y(t) y(t) − 2ty2 (t)


y′ (t) = tan(θ ) = − tan(α ) = − =− =
cateto adjacente t t

Assim, em qualquer caso, y(t) é solução da equação y′ (t) = (y(t) − 2ty2 (t))/t. Reescrevendo, e
usando a condição em i), segue-se que y(t) é solução do PVI
(
y(t) − 2ty2 (t) − ty′ (t) = 0
(1)
y(1) = 1/2

Agora a equação está da forma padrão

M(t, y(t)) + N(t, y(t))y′ (t) = 0 (2)

com M(t, y) = y − 2ty2 e N(t, y) = −t, mas não é uma equação exata! Com efeito, basta notar que
1 − 4ty = My (t, y) 6= Nt (t, y) = −1. No entanto, multiplicando a equação por 1/y2 , e donotando por
b y) = M(t, y)/y2 = 1/y − 2t e N(t,
M(t, b y) = N(t, y)/y2 = −t/y2 , a equação escreve-se como
∗ Texto digitado e diagramado por Kelly Nunes a partir de anotações de sala de Olaia Diniz
1 t b y(t)) + N(t,
b y(t))y′ (t) = 0
− 2t − 2 (t)y′ (t) = M(t, (3)
y(t) y
que agora é exata! Com efeito, basta notar que
−1 bt (t, y) = −1
by (t, y) = N
2
=M
y y2
Por esse motivo, a função µ (y) = 1/y2 é dita um fator integrante. Como as equações (2) e (3) têm as
mesmas solução, basta agora resolver (3), que é uma equação exata. Ótima ideia.
Mais adiante será feito um comentário em como encontrar um fator integrante. Mas, agora, o impor-
b y) e fy (t, y) = N(t,
tante é resolver (3). Sendo exata, existe uma função f (t, y) tal que ft (t, y) = M(t, b y).
Integrando ft com respeito a t obtém-se
Z Z Z  
1 t
b
f (t, y) = ft (t, y) dt = M(t, y) dt = − 2t dt = − t 2 + c(y)
y y
onde c(y) é a constante de integração com resteito a t, mas pode depender do parâmetro y. Derivando a
expressão acima na variável y segue-se que fy (t, y) = −t/y2 + c′ (y). Por outro lado, tem-se também que
b y) = −t/y2 . Daí segue-se que c′ (y) = 0, e, portanto, c(y) = c0 é constante. A conclusão é
fy (t, y) = N(t,
que pode-se escolher f (t, y) = t/y − t 2 , e as solução de (2) e (3) são dadas implicitamente pela equação
t
y f (t, y(t)) = − t2 = k
y(t)
Nesse caso, é fácil isolar a expressão de y(t) para obter
1/2
2/5 que y(t) = t/(k + t 2 ). Finalmente, impondo a condição inicial
y(1) = 1/2, a solução do PVI (1) é
4/25
t
y(t) =
1/2 1 t 1 + t2
A figura acima ilustra o gráfico da solução juntamente com a reta tangente no ponto (1/2, y(1/2)).
Com essa reta pode-se fazer uma verificação da propriedade ii), de que a reta tangente no ponto (t, y(t))
intercepta o eixo Oy no ponto 2ty2 (t). Com efeito, para t = 1/2, tem-se y(t) = 2/5, e, portanto
2ty2 (t) = 2(1/2)(2/5)2 = 4/25. Ora! Um cálculo simples mostra que a reta tangente em t = 1/2 tem
equação y − 2/5 = (12/25)(t − 1/2), reta que intercepta o eixo Oy no ponto 4/25, como devia!
Bem, agora que o problema foi resolvido, pode-se perguntar como o fator integrante foi encontrado.
O lema a seguir esclarece a esse respeito.

Lema 1 Suponha que M e N possuam derivadas parciais contínuas em uma região


D = (a, b) × (c, d). Suponha ainda que a função [Nt (t, y) − My (t, y)]/M(t, y) = P(t, y) seja tal que
P(t, y) = P(y) só dependa da variável y. Então a equação
M(t, y(t)) + N(t, y(t))y′ (t) = 0
R
possui um fator integrante na forma µ (y) = e P(y) dy . 

Foi esse lema quem permitiu encontrar o fator integrante do exemplo anterior. Com efeito, para as
funções M(t, y) = y − 2ty2 e N(t, y) = −t, tem-se que

Nt (t, y) − My (t, y) −1 − (1 − 4ty) −2 + 4ty −2(1 − 2ty) 2


= 2
= = =−
M(t, y) y − 2ty y(1 − 2ty) y(1 − 2ty) y
só depende de y. Logo, de acordo com o lema, a equação possui um fator integrante na forma
R −2 )
µ (y) = e (−2/y) dy
= e−2 ln(y)+c = ec eln(y = ec y−2

onde c é constante. É claro então que pode-se escolher o fator µ (y) = 1/y2 , como feito acima.
O próximo lema é um resultado complementar ao do lema anterior.

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Lema 2 Suponha que M e N possuam derivadas parciais contínuas em uma região
D = (a, b) × (c, d). Suponha ainda que a função [My (t, y) − Nt (t, y)]/N(t, y) = P(t, y) seja tal que
P(t, y) = P(t) só dependa da variável t. Então a equação
M(t, y(t)) + N(t, y(t))y′ (t) = 0
R
possui um fator integrante na forma µ (t) = e P(t) dt . 

 Exemplo 1 Detrmine a solução geral da equação (t + 1) sen(y(t)) + t cos(y(t))y′ (t) = 0. 

Solução. Com a notação M(t, y) = (t + 1) sen(y) e N(t, y) = t cos(y), é fácil verificar que My (t, y) 6=
Nt (t, y), e, portanto, a equação não é exata. No entanto, a função

My (t, y) − Nt (t, y) t cos(y)


= =1
N(t, y) t cos(y)
R
não depende de y. Logo, de acordo com o lema acima, a equação possui um fator integrante µ (t) = e dt =
et+c = ec et , onde c é constante. Pode-se então escolher µ (t) = et para obter a equação equivalente

b y(t))y′ (t) = 0
b y(t)) + N(t,
M(t,

b y) = et (t + 1) sen(y) e N(t,
onde M(t, b y) = et t cos(y). Agora é fácil verificar que

by (t, y) = N
M bt (t, y) = (1 + t) et cos(y)

e, portnto, a nova equação é exata. Sendo exata, a solução geral é dada na forma implícita f (t, y(t)) = k,
b e fy = N.
onde f (t, y) é uma função tal que ft = M b Integrando ft na variável t obtém-se
Z Z Z
f (t, y) = ft (t, y) dt = b y) dt =
M(t, (t + 1) et sen(y) dt = t et sen(y) + c(y)

onde c(y) é a contante de integração com respeito a t, mas pode depender de y. Seguindo o procedimento
b conclui-se que c(y) = c0 é uma constante.
padrão (calculando fy e usando a igualdade fy = N),

Depois de renomear várias constantes, como nos exem- y


plos anteriores, chega-se à conclusão que a solução geral
da equação é dada implicitamente pela equação

f (t, y(t)) = t et sen(y(t)) = k

A figura ao lado ilustra o gráfico de algumas soluções. t 

Existência e Unicidade
Em geral, uma equação da forma y′ (t) = f (t, y(t)) define a lei de evolução da quantidade y(t), e a
condição y(t0 ) = y0 estabelece o valor inicial dessa quantidade. Ora! Sabendo a lei de evolução e a
quantidade inicial, é de se esperar que a quantidade y(t) fique inteiramente determinada em qualquer
instante futuro. De outra forma, espera-se que o PVI
( ′
y (t) = f (t, y(t))
(4)
y(t0 ) = y0
tenha solução única. Nos exemplos estudados essa espectativa de fato se verificou porque, em cada caso,
a solução foi obtida explicitamente, e é claro que daí segue-se a existência e a unicidade. No entanto, é
curioso o fato de que existem exemplos em que o PVI em (4) não tem, ou, então, tem várias, soluções.
Por exemplo, o PVI ( ′
y (t) = f (t, y(t))
y(t0 ) = y0

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 Exemplo 2 Use separação de variáveis para verificar que, se f (t, y) = y1/3 e a condiçao inicial é
y(0) = 0, então (4) possui mais de uma solução. 

Solução. A equação é y′ (t) = y(t)1/3 e, separando variávies, ela escreve-se como y(t)−1/3 y′ (t) = 1.
Integrando essa igualdade na variável t obtém-se 23 y(t)2/3 = t + c, e a condição y(0) = 0 garante que
c = 0. Assim, qualquer solução do PVI satisfaz 32 y(t)2/3 = t, ou, ainda, y(t)2 = ( 32 t)3 .
Finalmente, extraindo a raiz, segue-se que |y(t)| = ( 23 t)3/2 .
y
Obtém-se então que y1 (t) = ( 32 t)3/2 e y2 (t) = −( 23 t)3/2 são solu-
ções, pois satisfazem à equação e à condição inicial y(0) = 0.
t A figura ao lado ilustra essas soluções juntamente com o campo
de direções. Do campo percebe-se ainda que que a função nula
y(t) = 0 é também uma solução! A conclução é que o problema
possui pelo menos três soluções. 
Esse exemplo é interessante porque a função f (t, y) = y1/3 é bem comportada. Por exemplo, ela é
contínua em todos os pontos. O exemplo mostra, então, que a continuidade de f não é suficiente para
garantir unicidade de solução.
1
Mas, olhando para a derivada fy (t, y) = 13 y2/3 , percebe-se que fy não está definida em y = 0, o mesmo
ponto da condição inicial y(0) = 0. Isso sugere que alguma condição nas derivadas de f seja necessária
para garantir unicidade de solução. E, de fato, pode-se mostrar o

Teorema 1 — Existência e Unicidade. Supor f e fy contínuas em um retângulo D = [a, b] × [c, d] e


(t0 , y0 ) ∈ (a, b) × (c, d). Então existe h > 0 tal que (t0 − h,t0 + h) ⊂ (a, b) e, além disso, o PVI em (4)
possui solução única para t ∈ (t0 − h,t0 + h).

A figura ao lado ilustra a notação do teorema. y


Nesse caso geral, em que se supõe apenas a continuidade d
de f e fy , não é possível obter uma solução explicita, como
foi obtida nos exemplos anteriores. No entanto, pode-se mos- y0

trar que a solução existe construindo um sequência de funções


c
y1 (t), y2 (t), y3 (t), . . . , yn (t), . . . e de forma que elas se aproxi-
( )
mem da solução y(t) à medida que n → ∞. a t0 − h t0 t0 + h b

Esse processo, conhecido como o método das aproximações sucessivas, é muito interessante, mas
foge ao alcance dessas notas. Sobre esse teorema será feito apenas os comentários a seguir.
 Exemplo 3 Verifique que, se a condição inicial for mudada para
3/2
y(0) = 1 no Exemplo 2, então o PVI em (4) possui solução única. 
1
Solução. A diferença é que, agora, tanto f como fy são contínuas,
por exemplo, no retângulo D = [−1, 1]×[1/2, 3/2] (que exclui o eixo
1/2
y = 0), e o Teorema 1 garante a unicidade. Veja a figura ao lado.
−1 1
E, com efeito, dos cálculos anteriores obtém-se que 23 y(t)2/3 = t + c, onde a condição inicial garante
que c = 23 . Assim, as soluções são tais que 23 y(t)2/3 = t + 23 , ou, ainda, y(t)2 = ( 23 (t + 23 )3 . Extraindo a raiz,
segue-se que |y(t)| = ( 23 (t + 23 ))3/2 . Até aqui, tudo praticamente igual ao exemplo anterior. Mas, agora,
a possibilidade y(t) = −( 23 (t + 23 ))3/2 deve ser excluída, pois não satisfaz à condição inicial y(0) = 1.
Fica-se então apenas com a possibilidade y(t) = ( 23 (t + 23 ))3/2 , que é a única solução do problema. 
Vale salientar uma consequência importante do Teorema 1. Nas condições do teorema, duas soluções
do PVI em (4) não se cruzam. Com efeito, suponha y1 (t) e y2 (t) soluções da equação y′ (t) = f (t, y(t))
definidas em um intervalo [a, b]. Caso elas se cruzem, então y1 (t0 ) = y2 (t0 ) = y0 para algum t0 ∈ [a, b].
Mas então, pelo Teorema 1, elas devem coincidir em uma vizinhança de t0 . Repetindo esse argumento, se
necessário, conclui-se que y1 (t) = y2 (t) para todo t ∈ [a, b].

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