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MANUEL PINTO, S. J.

V A L O R
O TEOLÓGICO

da LITURGIA
(EN SAIO DE UM TRATADO)

LIV 8AB I A CRUZ


BRAGA (PORTUGAL) 1952

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Volum e 27

SERI E D E C U LT U RA R EL I G I O S A

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I MP R I MI P O T E S T
Olyslpone, die 15 Ati(nsli 1952
JULIUS MARINHO, S. J.
Praep. Pro». Lasil.

I M P R I M A T U R
Bracarae, die 28 Auíusli 1952
+ A N T O N I U S
Archleplccopus Bracarenslt

DIREITOS RESERVADOS

OFICINAS GRÁFICAS DA
LIVRARIA CRUZ — BRAGA

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J , m eus fs a is
V

n a s su a s ko Ja s Je oito.

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EM a Liturgia atraído a afeição de muitos com á

T sua beleza. Mas a beleza vem a ser, segundo o pen­


samento de S.to Agostinho (cfr. v. g. De vera religione,
c. 3 2 , n. 59 — M L 3 4 , 148), o esplendor objectivo da rea­
lidade. Assim como, por exemplo, no dizer da Escritura
(Hab. 3 , 6 ), raios esplêndidos de luz velam a omnipotência
de Deus, assim os esplendores da Liturgia revelam que se
podem encontrar nela realidades fascinadoras.
Uma afeição reflexiva e longa pela sagrada Liturgia
levará, por certo, ao desejo de penetrar na sua essência e
de chegar até àqueles princípios com os quais se saibam
desvendar da sua luz as verdades que na Liturgia se contêm.
Está aí, porventura, uma origem remota e íntima desta dis­
sertação^

Veio a acontecer que se nos impôs elaborar uma tese


para a láurea em Teologia. Quando, pois, para a escolha
do assunto, fomos a aconselhar-nos com o R. P. José Antó­
nio de Aldam a, foi talvez por um instinto divinatório, que
o ilustre Professor, actualmente da Universidade Pontifícia
de Salamanca, nos sugeriu o mesmo tema que já nos ocor­
rera — a investigação do valor teológico da Liturgia. E na
Faculdade Teológica de Granada, começámos a trabalhar.
Mas um dia vamos pedir uma orientação ao R. P. M i­
guel Nicolau e informa-nos de que já traz entre mãos pre­
cisamente «m trabalho igual. Conhecíamos bem a compe­

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VIII

tência metodológica, teológica e litúrgica deste nosso insigne


Professor; no entanto, o que nos devia fazer logo desistir
do assunto e tomar outro rumo, foi afinal o que definitiva­
mente nos decidiu no mesmo caminho. É que, por generosa
deferência, renunciou o P. Nicolau em nosso favor ao seu
estudo já começado e, sob a humildade do nosso nome,
desejou ocultar algum fruto do seu trabalho. N o decurso da
nossa investigação, tivemos muitas ocasiões de avaliar
aquele nobilitante gesto, porque, para mais unidade, clareza
e concisão, também nós houvemos de renunciar a muitos
pormenores que sobre este problema tínhamos apontado.
Viemos a concluir em Roma a nossa investigação.
Aqui, utilizámos principalmente a Biblioteca da Universi­
dade Gregoriana e, em Roma também, a orientação superior
do P. Nicolau.
Apresentámos, por fim , a dissertação na Faculdade
Teológica de Granada, aonde fomos defendê-la, em acto
académico de S de Julho do ano passado, 1951.

Parece-nos que conseguimos, pelo menos, compreender


cedo as dificuldades do assunto. Desde o princípio vimos
que o problema era complexo. Eis uma das razões por que
sistematicamente mantivemos o empenho em sermos orde­
nado e claro. Poderia, um processo assim, fazer-nos correr
o risco de parecermos menos profundo; mas ele tem, na
verdade, até a vantagem de deixar a descoberto as próprias
deficiências na investigação.
Se não conhecêssemos aquela intuição com que o
P. A id ama penetra os problemas e as pessoas, não teríamos

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IX

começado o trabalho com alguma confiança em nós mesmo


e no assunto.
Sem o exemplo do rigor científico e da tenacidade no
trabalho, temperada por forte poder de renúncia, que no
P. Nicolau tínhamos observado, não poderíamos ter dei-
xado íia nossa dissertação, também um certo esforço de apli­
cação dessas virtudes.
Aproveitando esta oportunidade, comemoramos inti­
mamente a dedicação dos nossos antigos professores e a
solidariedade dos nossos colegas de estudo.
Ê-nos ainda particidarmente grato mencionar aqui a
atitude simpática do eminente professor da Universidade
Gregoriana, R. P. José Filograssi, que sob o edificante dis­
farce de quem se interessava pelo problema e desejava que
lhe comunicássemos o íio ss o método e conclusões, nos auxi­
liou também e nos confirmou com a autoridade do seu
muito saber e do seu apurado critério teológico.
Finalmente, não nos é possível dissociar esta disserta­
ção, do nome do R. P. António Soares Pinheiro, cujo apoio,
estímulo e ajuda efectiva, não apenas da sua inteligência,
mostraram até onde pode chegar uma dedicação entre
colegas.
Aos nossos antigos professores e colegas de estudo,
nomeadamente ao R. P. Nicolau, que não só foi para nós o
«pedagogo» (cfr. Gal. 3 , 24-2 5 ) que nos introduziu no
estudo da sagrada Teologia, mas também consentiu em
trazer-nos até o fim dessa carreira, o nosso reconhecimento
c a nossa estima.

Roma, 13 de M aio de 1952.

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INDICE

A presenta çã o................................................................... ^
IN D IC E ............................................................................................ xm

FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................... x .x -xl.


Fontes..........................................................................xxi-xxxi
Bibliografia............................................................. xxxm-xu

S I G L A S ............................................................................................

INTRODUÇÃO............................................... 1-9
1. — O problema. 2. — Ponto de partida. 3. — As duas
vias de solução. 4. — Actunlidude e novidade do pro­
blema. 5. — Proposição do assunto. 6. — Divisão do
assunto................................ 3

PRIMEIRA PARTE

DETERMINAÇÃO DAS N OÇÕES PRELIMI­


NARES ..........................................................

CAP. I — N O Ç Ã O DE LITURGIA........ 13-55

ART. I- Definição de L i t u r g ie ......................... 15-23


Dados do Magistério........................... 15
1 — Definição nominal histórica. I. — Pela Escritura.
2. - Pela Tradição. 3. — A definição.............. 20
II — Definição descritiva. 1. — Fundamento. 2. — A defi­
nição...................................................................... 21
III— D efin içã o e s s e n c ia l. |. — Fundamento filosófico.
2. - Fundamento teológico. 3. — A definição. . . . 23

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XII Indice

ART. 11 —DlvisSo e elem entos da Liturgia . . . .

Dados do Magistério............................................................
1 — DlvisSo da Liturgia. 1. —De instituição divinii. 2. —De
Instituição eclesiástica. 3. —O Ano Litúrgico. 4. —Objec­
to das festas...........................................................................
il — Os elem entos da L iturgia. I. —Objectos sensíveis.
2. — Actos. 3. — Fórmulas. 4. — Leis litúrgicas.

ART. 111 — Classificação d as iilu r g ia s ...........................

I —O quadro h istó ric o : I . —Séculos l-IV. 2. —Séculos


ÍV-VIII. 3. - Séculos IX-XI. 4. - Séculos XI-XV1.
5. — Séculos XV1-XX.............................................................
H—O quadro sistem á tic o : 1. — Ritos orientais. 2. —Ri­
tos ocidentais

ART. IV — Classificação dos livros lilúrg lco s . . .

I. — Documentos dos quatro primeiros séculos. 2. — Li­


vros litúrgicos orientais, Bizantinos actuais. 3. — Ro­
manos. Bracarcnses. 4. — Ambrosianos. 5.— Cinliconos.
6. — Mosárabes. 7. — Célticos............................................

CAP. I1 - O PRO CESSO TEO LO G ICO . . . . 57-78

ART. I - - Função do T e ó lo g o ........................................... bl-64

I. — A Teologia. 2. — O objectivo e método do Teólogo.


3. —A nossa questão....................................................... 61

ART. Il — Lugares Teológicos........................................... 85-72

I. — Fundamento. 2. — Noção e divisão. 3. — A n


questão.......................................................................

ART. 111 - Notas Teológicas

I. — Fundamento. 2. — Noção e divisão. 3. - A n


questão.......................................................................

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índicf. XIII

SE G U N D A PARTE

DETERMINAÇÃO DO VALOR TEOLÓGICO


DA L IT U R G IA ................................................................. 79-333

SECÇÃO I

DETERMINAÇÃO DO VALOR TEOLÚGICO DA LITU R ­


GIA PELA E S C R IT U R A ........................................... 81-91

CAP. I — O TESTEMUNHO DA SA G R A D A ESCRI­


TURA ........................................................................ 83-91
I. — Texto do principio geral: /oan., 4, 24. 2. — Textos
de determinações mais particulares: Math., 18,20; 28,20;
/oan., 14, 13-14. 3. — Textos de fórmulas litúrgicas:
Oração Sacerdotal, Pai Nosso, Ave Maria, Doxologia,
Salmos. 4. — Textos de Direito Litúrgico do Antigo Tes­
tamento. S. — C onclusões.................................................. 83

SF.CÇÃO II

DETERMINAÇÃO DO VALOR TEOLÚGICO DA LITU R ­


GIA PELA T R A D IÇ Ã O ........................................... 93-310

CAP. II — O TESTEMUNHO DA IG REJA UNIVERSAL 95-160

ART. I — O princípio enunciado no «Indículo» . . 97-123


l — O valor Intrín sec o do principio. I. —A Carta de
Celestino e o Indículo. 2. —Estrutura da Carta. 3. —Es­
trutura do Indículo. 4. — O texto do argumento litúrgico.
5. - Análise do te x to : parte material. 6. — Análise do
texto : parte formal. 7. —Sintese da análise ao texto.
8. —O principio: sua análise. 9. —Questões secundárias

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XIV ÍNDICP.

II — O valor e x trín seco do principio. |. —Na sua origem


(século V). 2. —Nos escritores eclesiásticos imediatos
(séculos VI-IX). 3. — Nos Pnpns mais recentes (séculos
III — C onclusses...........................................................................

ART. II — A Liturgia nas heresias, cism as e contro­


v é rs ia s ........................................................................... 125-160

I —Na Idade Antiga i I. -Judaism o e Cristianismo (sé­


culo I). 2. - Paganismo, unosticismo e outras heresias
e cismas (séculos 11-111). 3. — Maniqueus, Donatistas-
As grandes heresias : Arianismo c Mncedoniadismo, Nes-
torianismo, Monofisismo, Pelagianismo (séculos IV-V).
4.— Influências priscilinnistas. Diversificação das litur­
gias (séculos VI- VII).......................................... 126
II — Na Idade Média I 1. - No O riente: heresia iconoclasta,
cisma de Fócio. No Ocidente: controvérsias do Adop-
cianismo, da Predestinação, da Eucaristia (séculos Vlll-
-IX). 2. — Cisma do Oriente, heresias dos Valdenses e
Albigenses, heresia de Berengário (séculos XI-XIII). . 139
III - Na Idade Nova i I. - Cisma do Ocidente, tentativas de
reforma (séculos XIV-XV). 2. — Protestantismo e Re­
forma católica (séculos XVI-XVII).................. 146
IV—Na Idade M o d ern a■ I. —Jansenismo e Galicanismo,
Sínodo de Pistóia, I.iturgias neo-galicanas, Festa do
Coração de Jesus, Ritos chineses e malabares (sé­
culos XVII-XIX). 2. — Modernismo, Movimento litúr-
gico, o laicismo e a festa de Cristo Rei. 3. — Direito
Canónico, Encíclica «Mediador Dei» (séculos XIX-XX). 149
V - C onclusões.......................................................... 154

CAP. III - O TESTEMUNHO DO S CO N C ÍL IO S . 161-187

ART. I — O argum ento lltúrgico no Concilio de


Trento ......................................................................
I — Valor teológico da Vulgata. I. — O decreto. 2. —His­
tória do decreto. 3. — S e n tid o . 4. — Fundamentos.
5. — Valor te o ló g ic o da nova versão dos Salmos.
6. — Valor teológico da versão dos Setenta. 7. — Uma
dificuldade..............................................................................
II — Valor teológico do CAnon da Missa. I. — O decreto.
2. - História do decreto. 3. — Sentido e alcance. .

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Indice XV

Símbolo e dos Livros Sagrados. 2 . - 0 Dogma fi


mento dos ritos baptismais. 3. — E’ fundamento das ....
ções litúrgicas. 4. — E’ fundamento dos outros ritos
sacramentais : da adoração da Eucaristia ; das fórmulas
de contrição: do rito da Extremii-Unçâo. 5. — Especial­
mente dos ritos e oraçóes da Missa. 6. — Da questão
da língua litúrgica. 7. — Veracidade do rito da Orde­
nação. 8. — Veracidade do culto dos Santos, relíquias
e imagens. 9. —A reforma disciplinar litúrgica .
—Conclusões.....................................................................

I — O argum ente lltúrglco em outros eoncillos 189-197

tinopla (século IV). 2. —Concílios africanos: III e XVI


de Cartago (séculos IV e V). 3. — Concílios das Gálias:
de Vannes e II de Orange (séculos V e VI). 4. — Con­
cílios hispânicos: II e iß de Braga, IV e XI de Toledo
(séculos VI e VII). 5. — Concílios itúlicos: Trulano ou
Quinisexto (século VII). 8. — Concilio ecuménico II de
Niceia (século VIII). 7. — Concílios germânicos: de
Aquisgrano e Francfurt (século VIU). 8. —Sínodo Ro­
mano (século X). 9. — Concilios ecuménicos: de Cons-
tança e de Florença (século XV). 10. —Concilio ecumé­
nico do Vaticano (século XIX). II. — Conclusões. . .

CAP. I V - O TESTEMUNHO DO S R O M A N O S
P O N T ÍF IC E S ......................................................... 199-244

- O argum ento lltúrglco na doutrina de PloXII 201-226

rónea do princípio «lex orandi lex credendi». 2. — Inter-


pretação verdadeira. 3. — Prioridade entre Dogma, Li­
turgia e Teologia. 4. —Fundamento do Direito Litúrgico.
5. — Uso do argumento litúrgico na encíclica para fim
doutrinal. 6. — Uso para fim exortativo. 7. — Hermenêu­
tica litúrgica..........................................................................
- E m outros documentosi I. — Na encíclica «Mystici
Corporis». 2. — No «Divino nfílante». 3. — Na «Humani
Generis». 4. — Na Constituição Apostólica «Munificen-
tissimus Deus». 5. — Alguns casos de interpretação
litúrgica................................................................
- Conclusões.....................................................................

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XVI ÍNDICE

ART. ll — O argum ento litúrgico em outros Sumos


P o n t íf ic e s .................................................................
1. - Os Pnpas do «Liber Pontiíicalis». 2. —S. Gclásio I,
João XV, S. Gregório I, Leio IV, S. Gregório VII, Ale­
xandre III e Inocéncio IV (séculos l-X III). 3. — S. Pio V,
Sisto V, Gregório XIII, Clemente VIII, Paulo V, Urba­
no VIII, Uento XIV e Leão XIII. 4. - Pio VI. 5. - Pio IX
(séculos X VI X IX ). 6. - B. Pio X e Bento XV. 7. - Pio
XI (século XX). 8. — Conclusões......................................

CAP. V - O TESTEMUNHO DO S S A N T O S PADRES 245-276

ART. I — O argum ento litúrgico em S.»® Agostinho. 247-264


I ■ O argum ento da T radlçõo em g era l............................. 248
II — O s rito s lltúrg lco s. I. — O argumento da persuasilo
dos fiéis e o argumento litúrgico. 2. — Na primeira fase
anti-pclagiann : o baptismo. 3— Nu segunda fase anti-
-pelaginnn: os ritos baptismais dos exorcismos e exsu-
flações..................................................................................... 249
III — As o raç ões lltú rg lcas. I. - O pelagianismo e a neces­
sidade da grnçn. 2. — O argumento das orações da
igreja. 3. — A base deste argumento 25 i
IV —C onclusões.............................. 259

ART. II — O argum ento litúrgico em outros Santos


P a d r e s ...................................................................... 265-276
I — Nos P a d res A postólicos. Didnchc, S. Clemente c
S.to Inácio de Antioquia (século 1).................................... 286
II — Nos P ad res A pologistas e Polem istas. 1. —S. Justino,
S.to Irenen. 2. — Tcrtuliano e S. Ciprinno. 3. — Orige-
nes, Novnciano, S.to Atnnásio, S.lo Optnto de Milcvo,
Euscbio, S.to Hilário, Mário Vitorino (séculos U-IV). . 26f
III - Nos P a d res D ogm áticos. 1. — S. Bnsilio. 2. —S. Ci-
rilo de Jerusalem, Teodoro de Mopsucstin e S.to Am-
brósio. 3. - S. Joilo Crisóstomo e S. Leão Magno.
4. —S. Jerónimo, S. Próspero de Aquitánia; S. Vicente
de Lerias. 5. — O Pseudo-Diontsio, S.to Isidoro, [Ama-
lário e Estrabão —século /X ]. 6. — Leôncio Bizantino,
5. João Damasceno (séculos IV-VW )................................ 261
IV —Conclusões............................................................................ 27'

CAP. VI — O TESTEMUNHO D O S T EÓ L O G O S . 277-3K

ART. I — O argum ento litúrgico em S. Tom ás. . . 279-29«

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XVIII Índice

CONCLUSÕES.............................................................................. 335-351

1. — Recapitulação. 2. —Conclusões gerais. 3. —Fruto


teórico- 4- - Fruto prático. 5. —Sugestão de alguns
problemas..................................................... 337

ÍN D IC ES ........................................................................................... 353-369

índice Onomástico....................................................... 355-359


índice Analitico-Alfabótico..................................... 361-369

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ÍNDICE XVII

1. —Costume da Igreja e ritos litúrgicos. 2. —Textos


litúrgicos. 3. - Festas litúrgicas. 4. —Oficio do Corpo
de Deus. 5. — Conclusões................................................. 280

ART. II — O argum ento litúrgico em outros Teólogos 291-310


I — O uso do argum ento por alguns Teólogos. I. — Pri­
meiros continuadores dos Padres: Pedro DiAcono,
Alcuino, S. Remigio de Lião, Hincmaro de Reims, Guit-
mundo, Lanfranco, S. Bernardo (séculos VIII - XII).
2. —S.to Alberto Magno, Guilherme Durando, Duas Escoto.
3. — S. Pedro Canísio e S. Roberto Belarmino. 4. —Suá­
rez e Vázquez ( séculos XlIl-XV ll).................................... 292
II —A te o ria do argum ento em o u tro s Teólogos. I. —Ini­
ciadores: Cnrriere. Muratori. Gerbert, Köhler ( séculos
XVII-XVIII). 2. —Zaccaria : Divisão do tratado sobre o
uso dos antigos livros litúrgicos. 3. —Objecçõcs contra
esses livros. 4. —Razões do valor deles. 5. — Critério
nn escolha. 6. — Critério na interpretação. 7. — Dogmas
provados nesses livros. 8. — Resposta às objecçõcs.
Gener. (século XVIII). 9. — Dom Guérnnger, Bouix,
Oppenheim (séculos X IX -X X )........................................... 300
III - C onclusões............................................................................ 308

DETERMINAUÃÜ IX) VALOR TE0LÚG1C0 DA LITU R ­


GIA PELA RAZA0 T E 0 L Ú G IC A ........................... 311-333

CAP. VII — O TESTEMUNHO DA R AZÃO TEO ­


L Ó G IC A ....................................................................... 313-333

ART. I — Nexo entre Liturgia e Processo Teológico. 315-324


I. — Carácter expressivo da Liturgia. 2. — Posição da
Liturgia eutre os Lugares Teológicos. 3. — Qualificação
teológica da Liturgia. 4. —Psicologia do Corpo Místico
na Liturgia. 5. — C onclusões............................................

ART. II — Analogia com o tratado da Sagrada Es­


critura ...................................................................... 325-333
I. — Uma analogia. 2. —O tratado da Sagrada Escri­
tura. 3. — Um tratado análogo da Liturgia como fonte
teológica- 4. — Outros dois casos particulares de ana­
logia. 5. —C onclusões....................................................... 323

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FONTES E
BIBLIOGRAFIA

Sem pretenderm os ume o rg an ização com pleta das Fon­

tes e de Bibliografia, apresentamos apenas os elementos que

tivemos à mão. Enumeramos os autores que nos serviram e

especificam os sobretudo alguns dos docum entos e obres

em concreto, que estudámos mais de perto.

As c ita çõ e s no decurso do texto estão feitas segundo

a edição aqui indicada, que procurám os fo sse, quanto po s­

sível, a mais actualizada e comum.

Tanto as Fontes com o a Bibliografia, ordenám o-las s e ­

gundo a estrutura do nosso estudo, que vai esbo çada na In­

trodução.

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I - FONTES

1) Fontes mais gerais e co lecçõ es.


E, dispostos pela ordem cronológica :
2) Concílios,
3) Sumos Pontífices,
4) Santos Padres,
5) Teólogos.

IÍ-BIBLIOGRAFIA

1) Bibliografia mais geral (colecções bibliográficas).


2) Bibliografia indirecta, isto é:
a) Bibliografia de Liturgia,
b) Bibliografia de Processo Teo lógico .
Para não nos perdermos neste campo imenso,
seleccionámos aqui, quanto nos foi possível, uma
Bibliografia clássica e especializada/
3) Bibliografia directa.
Procurámos arquivar o que, digno de nota, co­
nhecemos, directamente sobre o problema.
4) Bibliografia subsidiária.
Das obras que incidentalmente nos serviram
também, juntamos sob este título só aquelas que
têm, pela sua natureza, alguma relação com o nosso
estudo,

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1-F O N T E S

i) Fontes mais gerais e c o le c ç õ e s:

b íb l ia S acka — Versão Vulgata (Edição de Sisto V e de Cle­


mente VIII).
— Versão dos Setenta (Edição Sistina).
i .ib k i : p s a l m o r u m cum Canticis Breviarii Romani (e Pont. Ins­

tituto Biblico) 2 ed., Romae, 1945.


CODEX IURIS CANONICI — CIC.
missa lê ROMANUM, ed. novíssima, 1927.
BKEviAuiuM ro m anu .m, ed. novíssima, 1928.
p o n t if ic a l !'! ro m anu m , ed. typica, 1 888.

r it u a l ]': ro m anum , ed. typica, 1952.


MISSALE BRACARENSE, e d . Vatic., I 9 1 9.
I.RKVIARIUM b r a c a r e n .s e , ed. Vatic., 1924.

N. B. Outros livros litúrgicos que são m a tiria acerca da qual versa


este estudo, mas não fo n te s dele, vid. infra, págs. 52-55.

Commentarium Officiale, Romae, 1909


a c t a a p o s t o l ic a e SEDis,
— A A S.
acta SANCTAE SEDis, (Ephemerides), 4.1 vols., Romae, 1865-1908
— A SS.

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JCXIt

coLLECTio l a c e n s is , Acta et Decreta Sacrorum Concilioruni


recentium, 7 It., Friburgi Brisgoviae, 1870-1890— CL.
scRiPTORUM e c c le sia st ic o r u m LATiNORUM, V in d o b o n a e ,
c o r pu s
1866 — C SE L .
DECRETA AUTHENTICA CONGREGATIONIS SACRORUM RITUUM, 6 VOlS.,
2 append., Romae, 1898-1927.
— coLLEcno DEciiETORUM ad Sacram Liturgiam spectan-
tium, ab anno 1927 ad annum 1946, 2 ed. (Ephe-
merides Liturgicae), 1947.
funk , Franciscus Xaverius — Patres Apostolici, 2 vols., Tu-
bingae, 1901.
MIGNE, Jacques Paul — Patrologiae Cursus Completus, Series
Graeca, 161 tt., 1857-1866 — MG.
— Patrologiae Cursus Completus, Series Latina, 221 tt.,
1844-1864 — ML.
Ma n s i , Joannes Dominicus — Sacrorum Conciliorum nova et
amplíssima Collectio, 53 It., Klorentiae, Venetiis, Parisiis,
Lipsiae, 1759-1927 — Msi.

2) C oncílios:

1 de ano 325 — Msi 2, 665-692; E S 54-56. Vid.


n ic e ia ,

tu rn er,Cutbertus Hamilton, — licclesiae Occidentalis Mo-


numenta I uris Antiquíssima, fa s c . 1, pars 2, Oxonii, 1904,
p p . 103-280.
I de CONSTANTINOPLA, 38 1 — Msi 3, 567-574; E S 85-86.
I ll de CARTAGO, 397 — Msi 3, 875-926; E S 92.
(Il de Milevo, 416),
X V I de CARTAGO, 418 — M si 4, 325-334; E S 101-108.

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XXIII

«Codex Canonum Ecclesiae Africanâe», coligido em 419 —


Msi 3, 699-844.
de v a n n e s , 461 (465?) — Mrz 7 , 9 5 1 - 9 55-
II d e o r a n g e , 529 — Msi 7 1 1- 7 1 8 ; E S 174-200.
II (I) de b r a g a , 5 6 3 — Msi 9 , 7 7 3 - 7 8 o ; E S 2 3 1 - 2 4 5 .
III (II) de b r a g a , 572 — Msi 9, 835-841.
IV de t o l e d o , 633 — Msi io, 6 11-6 4 1.
X I de t o le d o , 675 — Msi 1 1 , 129-146; E S 275-287.
TRULANO OU QUINISEXTO, 6 9 2 — Msi II, 9 2I-IO O 6 .
II de NiCEiA, 787 — Msi 13, 497-810; E S 3,02-310.
d e f r a n c f u r t , 7 9 4 — Msi 1 3 , 8 6 3 - 9 2 6 ; E S 3 1 1 - 3 1 4 .
de AQuiSGRANo (Aachen, Aix-la-Chapelle), 800 — Msi 13,
1033-1040.
romano , 9 9 3 — Msi 19 , 1 6 9 - 1 7 1 ; E S 3 4 2 .

d e c o n sta n ça , 1 4 1 4 - 1 4 1 8 — Msi 2 7 , 5 1 9 - 1 2 4 0 ; 2 8 , 1 - 9 5 8
E S 5 8 1- 6 9 0 .
d e F l o r e n ç a , 1 4 3 8 - 1 4 4 5 — Msi 3 1 , 4 5 9 - 1 9 9 8 ; E S 6 9 1 - 7 1 5 .
de TRENTO, 1545-1563 — Msi 33, 1-124 4 ; E S 782-992 —
ConciliumTridentinum. Diarioruin, Actorum,Epistularum,
Tractatuum Nova Collectio, 13 tt., Friburgi, 1901-1938
— CT.
do Vat ic a n o , 18 6 9 - 1 8 7 0 — M si 4 9 - 5 3 ; CL 7 ; A S S 5 , 2 2 5 -
- 3 4 7 . 4 4 9 - 4 7 1 . 5 1 3 - 5 5 0 ; 6, 3-55-65-67; E S 1 7 8 1 - 1 8 4 0 .

3) Sumos Pontífices;

PAPAS DO «LIBER PONTIFICALIS»


Vid. DUCHESNE, L. — Le Liber Pontificalis, 2 tt., Paris,
1886, 1892 ;

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XXIV

'm a rc h , Io s e p h M . (s . J . ) — Liber Pontificalis, B a r c in o n è ,


19 2 5 .
s. c e l e s t in o I — E p ís to la « A p o s t o lic i v e r b a p ra e c e p ti» — Msi
4, 4 5 4 -4 6 2 ; ML 50, 5 2 8 -5 3 7 ; ES 12 8 -1 4 2 .
s. GELÁsio I — E p ís to la 4 2 , « D e c r e ta lis d e r e c ip ie n d is e t n on
r e c ip ie n d is lib r is » , em :
— Epistolae Romano rum Pontificum. . . a
T h ie l, A n d r e a s
S. Hilario usque ad Pellagium II, 1 v o l., B ru n s b e r-
M L 59 , 15 9 - 16 4 ; E S 16 2 - 16 6 .
g a e , 18 6 8 , p p . 4 5 4 - 4 7 1 ;
s .T0 HORMiSDAS — E p ís to la « S ic u t R a tio n i» , ad P o s s e s s o r e m , em :
T h ie l, A n d r e a s — Epistolae Romano rum PontiJicum ... a
5. Hilario usque ad Pelagium II, 1 v o l., B r u n s b e r g a e ,
18 6 8 , p p . 9 2 6 - 9 3 1 ; M L 4 5 , 1 7 7 7 - 1 7 7 8 .
s. GKEGÓRio magno — L e a n d r o E p is c o p o d e S p a n iis , em — Mo-
"'numenta Cermaniae Ilistorica, E p is t ., t. 1 , B e r o lin i, 1 8 9 1 ,
p p . 5 6 - 5 8 ; ML 7 7 , 4 9 6 - 4 9 8 ; E S 2 5 0 .
JOÃO x v — • Deere turn pro canonizatiove Sancti Uldarici — Msi
19 , 1 6 9 - 1 7 1 ; E S 3 4 2 .
, IN0CÈNC10 i v — E p ís to la « S u b c a lh o lic a c » , ad O tton em C a rd i-
n a le m T u s c u la n u m — Msi E S 4 4 9 -4 5 7 .
23, 5 7 8 -5 8 2 ;
s. pio v — B u la « Q u od a n o b is » , em — Breviarium Romanum.
— B u la < Q u o p rim u m », em — Missale Romanum.
s is t o V — D e c re to « C u p ie n íe s » , em — « Ed. Sistina» da Ver­
são dos Setenta.
— C o n stitu iç ã o A p o s t ó lic a « Im m e n sa D ei P a tr is » , em —
Bullarium Romanum, v o l. 8 , A u g u s ta e T a u iin o r u m ,
18 6 3 , p p . 9 8 5-9 9 9 -
c le m e n te v iu — B re v e « C u m S a n c tissim u m », em — Missale
Romanum.
i.RUANO v iu — B re v e « S i q u id e s t » , em — Missale Romanum.

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XXV

paulo v — Constituição Apostólica «Apostolicae Sedi», em


— Rituale Romanum.
ben to xiv — De Servorum Dei beatificatione et Bento rum, cano-
nizatione, em — Opera Omnia, 1 8 tt., Prati, 1839-1847,tt. 1-7.
— De Sacrosancto Missae Sacrifício — Ibid., t. 8.
— De Festis D. N. I. Christi et B. M. V. — Ibid., t. 9.
— Institutiones Ecclesiasticae— Ibid., t. 10.
pio vi — Constituição Apostólica «Auctorem fid e i»— Msi
38, 1261-1280 ; F S 1501-1599.
l e ã o x iii— Epístola «Apostolicae curae » — .4 5 5 29 (1896-

-1897) 193-203; E S 1963-1966.


pio i x — Bula « Ineffabilis Deus» — CL 6, 836-843.
B. p io x — Motu proprio «Tra le sollecitudini» (texto oficial)
— A S S 36 (1903-1904) 329-339.
— «Inter plurimas» (v e rs ã o latina) — Ibid., 387-395.
— Encíclica «Pascendi» — A S S 40 (1907) 593-650; E S
2072-2078.
— Bula «Divino afflatu», em — Breviarum Romanum.
be n t o xv — Bula «Sedis huius Apostolicae», ein — Breviarium

Bracarense.
1*10 xi — Encíclica «Quas Primas» — A A S 17 (1925) 593-610.
— Encíclica «Miserentissimus Redemptor» — A A S 20
(1928) 165-178.
— Constituição Apostólica «Divini Cullus» — A A S 21
(1929) 33-41-
— Bula «Inter multíplices», em — Missale Bracarense.
PIO XII — Encliclica «Mystici Corporis» — A A S 3 5 ( 1 9 4 3 ) 1 9 3 -
-248.
— Encíclica «Divino afilante* — A A S 35 (1943) 297-326.
— Encíclica «Mediator Dei* — A A S 39 (1947) 521-600.

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XXVI

— Encíclica «Humani Generis» — A A S 42 (1950) 561-578.


— Constituição Apostólica « Sacramentum Ordinis» —
A A S 40 (1948) 5-7.
— Constituição Apostólica «Munificentissimus Deus» —
A A S 42 (1950) 753-771-
— Motu proprio «In cotidianis precibus» — A A S 37
(•945) 65-67.
— Suprema Sacra Congregatio S. Officii. Decretum —
A A S 43 (19 5O 2 I7-
— Sacra Congregatio Rituuin. Declaratio — A A S 40
(1948) 332.
— Decretum — A A S 42 (1950) 449-455.
— Decretum. De Solemni Vigilia Paschali instauranda.
— A A S 43 (195') 12 8 -137 ; 44 (1952) 48-63.
— Commissio Pontifícia de Re Biblica. Responsum—
A A S 39 (1947) 508.

4) Santos Padres e escritores eclesiásticos :

didachí: ou Doutrina dos doze Apóstolos, em


l i NK, f . — Patres Apostolici, Tubingae, 1901, vol. 1,
PP- 2-37-
S. CLEMENTE— • Ibid., pp. 9 8 - 1 8 5 .
s.T0 inácio — Ibid., pp. 212-295 ! MG 5.
s. .lusTiNO — MG 6; e particularmente:
— Apologia I — MG 6, 327-442.
S.™ IUENEIJ — M G 7.
TEim'LiANO— M L 1-2; C S L L 20, 47, 69.
NOVACIANO— M L 3, 861-970.

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XXVil

s. ciPRiANO—M L 4; CS E L 3 ; e particularmente:
— De Catholicae Ecclesiae Unitate — M L 4 , 4 9 3 - 5 2 0 ;
C SE L 3 , 2 0 7 - 2 3 3 .
— De Dominica oratione M L 4, 519-554; C SE L 3, 255-
-294
ORÍGENES— MG I I - 1 7 .
EUSÉBIO — M G 19-24.
S.T0 HILÁRIO — ML 9 -1 0 ; CSEL 22, 65.
MÁRIO VITOKINO— M L 8 , 9 9 9 - I3 IO
S.T0 ATANÁSIO — MG 2 5 - 2 8 .
S.T0 OPTATO DE MILEVO — M L I i ; C SE L 26.
S. BASÍLIO — MG 2 9 - 3 2 .
s. ciRiLO d e je r u s a l é m — Catequeses — M G 3 3 .
s .T0 AMBRÓsio— M L 1 4 - 1 7 ; C S E L 3 2 , 6 2 , 6 4 ; e e s p e c ia lm e n t e :
— De mysteriis, lib e r u n u s — M L 1 6 , 3 8 9 - 4 1 0 .
— De sacramentis, lib ri s e x — M L 16 , 4 1 7 - 4 6 2 .
Vid. a mu ROis e d e m il a n — Des Sacrements, Des Mystères,
te x te c r itiq u e , tra d u c tio n et in tr o d u c tio n de dom
b o it e , 0. s. b ., « S o u r c e s c h r é t ie n n e s » , P a r is , 19 5 0 .
TEODORO d e MOPSUÉSTiA — M G 6 6 , e s p e c ia lm e n te :
Homilias Catequéticas (h á d u a s d e z e n a s d e a n o s d e s c o ­
b e r t a s ; n ão v ê m p o is em M G).
Vid. t h e o d o r e d e MOPSUESTE— H o m élies cathéchêtiques,
texte critique, traduction de r . t o n n e a u , o . p ., Vati­
cano, 1949.
s. JERÓNiMo — M L 2 3 - 3 0 ; C S E L 5 4 -5 6 , 59 ; e s p e c ia lm e n t e :
Dialogas contra Luciferianos— M L 2 3 , 1 5 5 - 1 8 2 .
Contra Vigilantinvi, lib e r u n u s — M L 2 3 , 3 3 9 - 3 5 2 .
S. JOÃO crisó sto m o — M G 4 7 - 6 4 .

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XXVII1

S .'° AGOSTINHO — M L 32-47; C S E L 12-25, 2g. 33. 34, 36,


40-44, 51-53, 57, 58, 60, 63.

Utilizámos principalmente as seguintes obras:

1) D a l . a fa s e da luta contra os pelagianos (an.


411-4 18 ):

— De peccatorum meritis et remissione et de Baptismo


parvulorum, libri tres— ML 44, 109-200; C SE L
60, 1- 15 1.
— De natura et gratia, ad Timasium et Iacobum
contra Pelagium, liber unus — M L 44, 247-290;
C SE L 60, 231-299.
— De gratia Christi et de peccato origina/i, contra
Pelagium et Coelestium, libri duo — M L 44,
359-410; C S E L 42, 123-206.

2) D a 2 .“ fa s e d a luta, (an. 419-430):

a) CONTROVÉRSIA COM .IUI.IÃO DH KCI.ANA :

— De nuptiis et concupiscentia, ad Valerium comi-


tem, libri duo — M L 44, 413-474; C S E L 42,
2 11-3 19 .
— Contra duas epistolas pelagianorum, ad Bonifa-
cium Romanae Ecclesiae Episcopum, libri qua-
tuor — M L 44, 549-638; C S E L 60, 301-570.
— Contra Iulianum, haeresis pelagianae defensorem,
libri sex — M L 44, 641-874.

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XXIX

— Contra secundam Iuliani responsionem imperjectum


opus, se x libros com plectens — M L 45, 1049-
-160 8.

b) CONTROVÉRSIA COM OS SEMI-PELAGIANOS:

— De Gratia et libero arbitrio, ad Valentinum et cum


illo m onachos, liber unus — M L 44, 8 8 1-9 12 .
— De praedestinatione sanctorum, liber ad Prospe-
rum et Hilarium prim us — M L 44, 953-992.
— De dono per severantiae, liber ad Prosperum et Hi­
larium secundus — M L 44, 99 3-10 3 4 .

M encionam os também em esp ec ial:

— De Baptismo, contra donatistas, libri septem — M L


44, 10 7-2 4 4 ; C S E L 5 1 , 143-3 7 5 -
— Epistola 2 1 7 , ad Vitalem Carthaginensem —M L 33,
978-999; C S E L 57, 403-425-

S. CIRILO DE ALEXANDRIA — M G 68-77.


s. —- Commonitorium— M L 50, 637-678.
v ic e n te d e l e r i n s
s. p r ó s p e r o d e AQUITÂNIA — M L 5 1 e so b re tu d o :
— Praeteritorum Sedis Apostolicae Episcoporum Auctori-
tates de gratia Dei et libero voluntatis arbitrio —
M L 5 1 , 2 0 5 -2 12 .
— De vocatione omnium gentium, libri duo — M L 5 1
6 47-722.
S. LEÃO MAGNO — M L 54-56.
DIONÍSIO 0 MENOR — M L 67.

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XXX

LEÔNCIO BIZANTINO — M G 8 6 .
S. GREGÓRIO MAGNO— M L 7 5 *7 9 .
AREOPa g it a — M G 3 -4 . Em, e s p e c ia l :
p s e u d o - dionísio

— De ecclesiastica hirarchia — M G 3, 3 6 9 -5 8 4 .
— M L 8 1 • 8 4 . Em especial :
s .T0 Isid o ro
— De ecclesiasticis officiis, lib ri d u o — M L 8 3 , 7 3 7 - 8 2 6 .
BRAQUiÁRio (?) — De ecclesiasticis dogmatibus— M L 8 3 , 1 2 2 7 -
-12 4 4 .
S. JOÃO DAMASCENO— MG 9 4 -9 6 .

5) Continuedores dos Santos Padres, e T eó lo go s:

— Epistola * Per utile et necessariutn*— M L 45,


p e d r o diácono

1772-1776.
ALCUÍNO — M L IO O -IO I.
ESTRABÃO — M L II4.
AMALÁRIO— M L 105, 815-1359. Vid. Opera Hturgica omnia,
edita a Michaele Hanssens, 3 tt., Vaticano, 1948-1950.
LOPO DE FERRAItA — M L I I 9, 43I-70O.
S. REMÍGIO DE LIÃO — M L 12 1, 985-I I 34.
HINCMARO DE REIMS — M L I25.
GUITMUNDO — De Corpore et Sanguine Domini — M L 1 20,
1266-1350.
S. BERNARDO — M L 1 82-185.
d uran do d e MENDE, G. — Rationale Divinorum Officiorum, Nea-
poli, 1839.
s.T0 a l b e r t o magno (o. P .) — Opera Omnia, 21 vols., Lugduni,
1651.

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XXXI

S . TOMÁS DE AQUINO — Opera Omnia, iussu impensaque


Leonis XIII, P. M. edita, 16 tt., Romae, 1882-1948.
Em especial: Summa Theologica (tt. 4-12).
d u n s ESCOTO (0 . f . M .) — Opera Omnia, 2 6 tt., Parisiis, 1891-
-1894.
Vid. VEN. ioANNis d u n s scoTi, Summa Theologica .. . con-
cinata per Fr. Hieronymum de Monfortino, 6 vols.,-
Romae, 1900-1903.
Me l c h io r cano (0. p . ) — Opera, 3 vols., Romae, 1890. Em
especial : De Locis Theologicis, Ibid.
S. PEDRO CANÍSIO ( s. J . ) — Cateckismus Maior, Romae, 1933.
— Summa Aurea, Parisiis, i886.
— De Verbi Dei corruptelis, 2 ed., Ingolstadt, 1583.
s. Ro b er t o BELARMiNO ( s . J . ) — Opera Omnia, Parisiis, 12 tt.,
1870-1876.
v á z q u e z (s.J.) — Commentaria ac disputationes in Primam
Partem «Summae Theologicae » S. Thomae Aquinatis, 7
tt., Venetiis, 1600-1608.
— In Primam Secundae et in Tertiam Partem, 7 tt., Com-
pluti, 1598-1614.
S u á r e z (s. J . ) — Opera Omnia, 26 tt., Parisiis, 1856-1866.
c a r r iè r e , Franc. — Fidei Catholicae digestum singula eius dog­
mata et ritus Ecclesiae iuxta SS. Patrum et Conciliorum
doctrinam exacto declarans, 2 vols., Lugduni, 1657.
be n t o XIV — (Vid. Fontes: Sumos Pontífices, supra, p. x x v ) .
Za c c a r ia , Franc. Ant. (s. j.) — Thesaurus Theologicus, 12 vols.,
Venettiis, 1762.
,— Bibliotheca Ritualis, 3 vols., Romae, 1776-1781.

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XXXII

gen er , j. b . (s. j.) — Theologia Dogmatico-Sckolastiea. . . sa-


crae antiquitatis monumentis illustrata, 6 vols., Romae,
1767.
f r a n z e l in , J. Bapt. (s. J . ) — Tractatus de Divina Tradition?

et Scriptura, 4 éd., Romae, 1896.

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11— BIBLIOGRAFIA

i) Bibliografia mais geral (colecções bibliográficas):

DICTIONAIRK D ARCHÉOLOGIE CHRÉTIENNE ET DE LITURGIE(dir. de


Dom F. Cabrol), Paris, 1907 — DACL.
DicTioNAiRE d e THÉOLOGIE CATHOLIQUE (dir. de A. Vacant, E.
Mangenot, E. Aman), 15 lt., Paris, 1930-1950 — DTC.
ENCHIRIDION SYMIIOLORUM DEEINITIONUM ET DKCLARATIONUM de
rebus fidei et morum (comp, por H. Denzinger, C. Ban-
nwart, S. J., Umberg, S. J.), 24 ed., Barcelona, 1946 — E S.
(Deste citamos o número,. não a página).
iH.RTER, n. (s. J . ) — Nomcnclator Literarius Theologiae Catho-
licae, 5 tt., Oeniponte, 1903-1913.
l it u r g ia , Encyclopédie populaire des connaissances liturgi­

ques (dir. de R. Aigrain), 2 ed., Paris, 1947.

2) Bibliografia indirecta:

a) Bibliografia de Liturgia:

BARiN,Luigi Rodolfo— Catechismo liturgico, 3 vols., 5 éd.,


Rovigo, 1948.
BATIFFOL, Pierre — Leçons sur la Messe, 5 éd., Paris, 1920.
— Histoire du Bréviaire, 3 éd., Paris, 19 11.

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XXXIV

Bau d o t , Dom (ò. s. b.) — Le Bréviaire, Paris, 1929.


baum er, Dom Suitbcrl (o. s. b.) — Histoire du Bréviaire (Trad.
de Dom Réginald b ir o u , O. S. B.), 2 tt., Paris, 1905.
, cau k o l , Dom Ferdnand (o . s . b .) — Liturgie — DTC(), 787-844.
— Le livre de la prière antique, 7 ed., Tours, 1929.
c a l l e w a e r t , c. — Liturgicac Institutioncs, Tractatus Primus:

De S. Liturgia Universim, 3 ed., Brugis, 1933.


CAPELLE, Dom B. (0. s. b.) — Synthèse. Le visage de la Li­
turgie. Le vrai visage, le visage déformé, em: 'Cours et
Conférences des Semaines Liturgiques» 14(1938) 133-153.
CASKL, Dom Odon (0. s. b .) — L e mystère du culte dans le
Christianisme (Trad. de Dom j. h il d ), Paris, 1946.
c o e l h o , António (0. s. b .) — Cursode Liturgia Romana, 5 vols.,
Braga, 1926-1930.
— 0 que é a Liturgia -, Braga, 1928.
DALMAis, i.-H. (0. p.) — La Liturgie, em : Initiation Theologique,
par un groupe de théologiens, 2 vols., Paris, 1952, vol. 1,
pp. 95-136.
d u c h e s s e , l . — Origines du Culte Chrétien, Étude sur la Li­

turgie Latine avant Charlemagne, 5 ed., Paris, 1920.


E is e n h o f e r , Ludwig — Handbuch der katolischcn Liturgik, 2
vols., Freiburg im Brisgau, 1932-1933.
— Liturgie, em : Lexikon fü r Theologie und Kirche, Frei­
burg im Breisgau, 1934, vol. 6, cols. 605-613.
f e s t u g iè r e , Dom M. (o. s. b.) — L a Liturgie Catholique. Es­

sai de synthèse, Maredsous, 1913.


GOMÁ Y t o m á s , Isidro (Card.) — E l valor educativo de la L i ­
turgia Católica, 2 tt., 3 ed., Barcelona, 1945.
g u a r d in i , r . — Vom Geist der Liturgie, 14 ed., Freiburg im

Breisgau, 1934.

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XXxV

HANSSENS, J . M. (s. j .) — La définition de la Liturgie, em : Grc-


gorianum, Roma, 8 (1927) 204-228.
— Institutiones liturgicae de Ritibus orientalibus, (só edit.
o vol. 2 e 3), Roma, 1932.
ju n g m a n n , Joseph Andreas (s. J . ) — Was ist Liturgie?, em :

Zeitschrift fü r katolische Theologie, Innsbruck, 55 (19 3 1)


83-102; e em : Geiuordene Liturgie Studien und
Durchblicke, Innsbruck/Leipzig, 1941.
— Missarum Sollemnia. Eine Genetische Erklärung der
Römischen Messe, 2 vols., 2 ed., Wien, 1949.
JANIN, Raymond, —Les Églises Orientales et les Rites Orien­
taux, 3 ed., Paris, 1926.
l e f e b v r e , Dom Gaspar (0. s. b . ) — Liturgia, Saint André les

Bruges, 1922.
n ico l a u , Miguel (s. J . ) — La Liturgia en la espiritualidad con­

temporânea, em: Manresa, Barcelona, 15 (1943) 19"33-


— Liturgia y ejercicios, ibid., 20 (1948) 233-274.
OPPENHEIM, Philippus ( 0 . s. B.) — InstitutionesSystematico-His-
toricae in sacrant Liturgiam, 7 vols., Taurini, 1937-1946.
PUNIET, Dom Pierre de ( 0 . s. b .) — L e P o n t ific a l Rom ain.
Histoire et Commentaire, 2 tt., Louvain, 1930-1931.
ha e s , A . — Introductio in Liturgiam Orientalem, Roma, 1947.

RENAUDOT, Eusebius Parisinus — L it u r g ia r u m Orientalium


Collectio, 2 tt., 2 ed., Londini, 1847.
RiGHKTTi, M ario— Manuale di Storia Litnrgica, 3 vols., Ge­
nova, 1945.
S c h u s t e r , I. ( 0 . s. B.) — Note storiclte e liturgiche sul Messale
Romano, 9 vols., Torino, 1919-1929.
d e v á r i o s a u t o r e s — Le vrai visage de la Liturgie, em : Cours et
Conférences des Semaines Liturgiques, Louvain, 14, (1938).

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XXXVI

b) Bibliografia de Processo Teológico:

ALDAMA, j. a . de (s. J . ) — Problemas de metodologia teológica


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J. Marques de o l i v e i r a ) , Rio de Janeiro, 1938, pp. 106-113.
BERTHiER, Joachim (0. P .) — Tractatus de locis theologicis,Tau-
rini, 1900, pp. 429-440.
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b o u ix , d . — Tractatus de Iure Liturgico, 4 e d ., Parisiis,
18 8 6 , p p . 3 -8 8 .
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quelle, em: Ephemerides Liturgicae, Roma, 43 ( 1929) 44-51.
— Der dogmatische Beweis aus der Liturgie, em: Scien-
tia Sacra, Düsseldorf, (1935) 231-251. «
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visage de la L iturgie— <Cours et Cotife'rences des Semai­
nes Liturgiques», 14 (1938) 175-209.
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Science Religieuse, Paris, 37 (1950) 612-618.

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1952, vol. ï, pp. 236-261.
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em: Ephemerides Liturgicae, Roma, 47 (1933) 48-58.


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y Vida, México, 6 (1948) 47-65.
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seigneur L’Évêque d’Orléans, em :
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Ma l h e r d e , g . — La Liturgie comme source et comme méthode

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controvérsia pclagiana, M a d rid , 19 4 3 .
Liturgia Romana Vêtus, A r e z ­
m u r a t o m , L u d o v ic o A n to n io —
zo , 3 v o ls ., 1 7 7 1 - ï 7 7 3 , v o l. I , p p . 1 6 7 - 4 7 5 .
n i c o l a u , M ig u e l (s . J . ) — E t a p a s d e l p ro c e s s o te o ló g ic o , em
— Estúdios Eclesiásticos, M a d rid , 19 (1 9 4 5 ) 1 6 8 - 1 7 0 .
Op p e n h e im , P h ilip p u s (o. s. u .) — D e V a lo re L itu r g ia e D o g m á ­
tic o se u d e R e la tio n e L itu r g ia m in te r et F id e m , em :
Institutiones Systematico-Histo-
Op p e n h e im , P h ilip p u s —
ricae in Sacram Liturgiam, T a u r in i, 8 v o ls ., 1 9 3 7 -
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— L itu r g ie u n d D o g m a , em : Theologie und Glaube, 37
(19 35) 559-56 8 .
— C h r isti p e r s o n a et o p u s se c u n d u m te x tu s litu r g ic o s , em :
Ephemerides Liturgicae, R o m a , 4 9 ( 1 9 3 5 ) 3 6 7 - 3 8 1 ; 50
(1 9 3 6 ) 2 2 4 - 2 4 2 .
RENAUDiN, P a u lu s (o. s. D .) — D e au c to rita te s a c ra e L itu r g ic a e
iu r e b u s fid e i, e m : Divus Thomas, F r e ib u r g im S c h w ., 1 3
(1 9 3 5 ) 41-5 4 .
r e n a u d o t , E u s e b iu s P a r is in u s — D iss e rta tio de L itu r g ia r u m
O rie n ta liu m o r ig in e e t a u c to r ita te , em :
r e n a u d o t , E u s . P a r is in . — Liturgicaram Orientalium Col-
lectio„ 2 v o l., 2 e d ., L o n d in i, 18 4 7 , v o l. 1 , p p . i - l x x v i .
FORTALIÉ, E. — C é le s tin I. L e ttre c o n tre le s S é m ip é la g ie n s et
D T C 2,
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sa u r a s, Emilio (0. v .) — L a Asuncion de la Santisima Vir-
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cyclopédie populaire des connaissances liturgiques, 2 ed.,
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gicorum in rebus theologigis, em
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netiis, 1762, vol. 1,
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vol. ï, pp. Lv-Lxxxviii, e em
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XLI

4) Bibliografie subsidiéria:

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tact dans les documents liturgiques du moyen-âge, Paris,
1924.
b a r e Uj LE, g . — Donatisme — D T C 4, 1701-1728.

BARONius, Caesar — Annales Ecclesiastici, 19 tt., Lucae, 1738-


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BATiFKOL, p . — Aquariens — D A C L 1 , 2 6 4 8 - 2 6 5 4 .
b r u c h e r , J . — Rites Chinois — D T C 4, 2 3 6 4 - 2 3 9 1 .
c a b r o l , f . (0. s. b .) — Ariens— D A C L 1 , 2 8 1 4 - 2 8 1 9 .

— Célestin I — D AC L 2, 2794-2802.
— Charlemagne el la Liturgie — D A C L 3, 807-825.
c a p p u y n s , m. (0. s. b .) — L ’origine des Capitula Pseudo-Céles-

tiniens contre le Semipélagianisme, em : Revue Bénédi­


ctine, Maredsous, 41 (1 9 2 9 ) 1 5 6 - 1 7 0 .
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39 (1927) 198-226.
c o u t u r ie r , J . — The Book o f Common Prayer and the Angli­

can Church (Trad, do original francês — Le iBook o f


Common Prayer» et l'Eglise Anglicane, Paris, 1928, por
r . e . s c a n t l e b u r y ), London, 1930.

ERNEST, J . — Um die Definierbarkeit der leiblichen Himmel­


fahrt Mariae, em : Zeitschreft fü r Theologie und Seelsorge,
4 (1727) 329.
GORDILLO, Mauricius (s. J . ) — Compendium Theologiae Orien-
talis, 3 ed., Romae, 1950.

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XLII

HANSSENS, i. (s. j.) — De U n iv e rs a L itu rg ic a T r id e n tin i,


Opera, em : Periódica de Re M orali et Liturgica, Romae,
25 (1946) 209-240.
m adoz, 1 . (s. j . ) — E l concepto de Tradición en San Vicente, de
Lerins, Roma, 1933.
— Excerpta Vincentii Lirincnsis, Madrid, 1940 (Estudios
Onienses, Ser. 1, vol. 1).
MERCENiER, p. F .— L’antienne Mariale G re cq u e , la plus an-
• cienne, em : Le Musêon, Louvain, 52 (1939) 229-233.
PEiTZ, Wilhelm M. (s. J . ) — Das vorephesinische Symbol der
Papstkauzlei, em : Miscellanea Historiae Pontificiae, Ro­
mae, 1 (1939).
s a l a v il l e , s. — Épiclèse eucharistique— D T C 5, J94-300.

Sc h m id t , Hcrman A. (s. J . ) — Liturgie et langue vulgaire, Ro­


mae, 1950.
SERICOLI, c. — Immaculata B. M. V. Conceptio iuxta Xysti I V
Constitutiones, Romae, 1945.
TIXERONT, Joseph— Histoire des Dogmes dans l'antiquité chré­
tienne, 3 vols., 11 , 9 e 8 ed., Paris, 1928-1931.
sc h w a r t z , Das Nicaenum und das Constantinopolitanum auf

der Synode von Calcedon, em : Zeitschrift fü r neutesta-


mentliche Wissenshaft und die Hunde der alteren Kirche,
Giessen, 25 (1926) 38-88.
SPEDALiERi, Franciscus (s. J . ) — De Ecclesiae infallibilitate in
canonizatione Sanctorum, Romae, 1949.
d e v á r io s a u t o r e s — Institutiones Biblicae, 2 vols., 2 ed., Ro­
mae, 1927-1933.

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SIGLAS

AAS — Acta Apostolicae Sedis.


ASS — Acta Sanctae Sedis.
CIC — Codex /uris Canonici.
CL — Collectio Lacensis : Acta et Decreta Sacrorum Conci-
liorum recentium.
C SE L — Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum.
Cf — Concilium Tridentinum : Diariorum, Actorum, Epis
tolarum, Tractatuum Nova Collectio.
DACL — Dictionaire d ’Archéologie Chrétienne et de Liturgie
DTC — Lictionaire de Theologie Catholique.
ES — Enchiridion Sj'mboloruin
MG — üfigne, Patrologiae Cursus completus Series Graeca
ML — Misne, Patrologiae Cursus completus. Series prima
Latina.
Msi — ü/aim, Sacrorum Conciliorum nova et amplissima
collectio.
S. Th. — Summa TVieologica S. Thomae.

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INTRODUÇÃO

1. — O problema.
2. — Ponto de partida.
3. — As duas vias de solução.
4. — Actualidade e novidade
do problema.
5. — Proposição do assunto.
6. — Divisão do assunto.

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^ urgiu na Igreja, vai para m ais de meio século, o movi­
mento litúrgico. A encíclica «Meddastor Dei» veio
ultimamente reprim ir as extravagâncias de alguns entu­
siastas que o comprometiam e excitar os indolentes que se
tinham deixado ficar desinteressados O).
Mas o êxito daquela campanha há-de depender, afinal,
do valor doutrinal da Litu rgia e do conhecimento que dele
se tiver. São as ideias que, no andar do tempo, mantêm e
conduzem os factos. É a fé que está no fundo de toda a
vitalidade religiosa (2).
Quer dizer: o movimento litúrgico deve entrar no
campo da Teologia, se quer atingir o seu objectivo. Mas
interessa saber: para que .aquele movimento possa avan­
çar pela Teologia, poderá esta receber dele benefícios?
E como poderá a Litu rgia ser au xiliar do Teólogo? Mais
expressamente: Dado que a Liturgia seja «fonte teológica»,
quais são es condições do seu valo r? É este o problema.

2. — .Partimos de um facto certo e clero: a Litu rgia é,


pelo menos, um documento relacionado com o Dogma.
Desde há muitos séculos que é universalmente aceite na
Ig re ja o princípio de que «a lei da oração é lei da fé » : lex
oromM, lex credenéi.

( 1) PIO XII — ^ ,4 ^ 3 9 (1947) 524.


(*) Cfr. S. TOMÁS, In Boêtium Dt TriniiaU, 3, 3.

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INTRODUÇÃO

Às diversas religiões e heresias, correspondem, em


geral, liturgias diversas. Da Litu rgia se serve o Magisté­
rio da Ig re ja para o seu ensino ordinário através do Ano
Litúrgico, e também a tem utilizado para o ensino extraor­
dinário, como foi nas definições da Imaculada Conceição e
da Assunção de M aria; os Santos Padres e os Teólogos
aduzem o testemunho litúrgico; a Razão Teológica m ostra
fàcilmente também, que o culto não pode estar alheio à fé
em que se deve fundar. É, portanto, ponto assente e claro,
que existe, em geral, uma relação entre o Dogma e a
Liturgia.
Mas há juntamente dificuldades em determinar essa
relação. Quando se afirm a o valor dogmático da Liturgia,
não falta logo quem oponha exemplos como estes: e a festa
da Apresentação de Nossa Senhora, a da Trasladação da
Santa Casa do Loreto, as de Santos que provavelmente
nem existiram estão garantidas pela autoridade da Litur­
g ia? Há objecções, em aspecto diverso, porventura maio­
res que essas. Uma para exemplo: que em vários missais
antigos se encontre m issa especial para aliviar das penas
do inferno (3).
Aquela relação geral certa por um lado, estas e mui­
tas outras objecções que trazem dúvidas por outro, é que
fazem desejar uma determinação ampla e clara das rela­
çõe s entre a Liturgia e o Dogma.

3. — Apresentados estes dois aspectos, um claro ç

(3) Vid. ZACCARIA, De tisu lib r. litu rg. in reb, theol., i, e m —


ZACCARIA, B ibliotheca R itu alis, i, LVII.

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íntbo dução è

outro obscuro, do problema, vemos dois caminhos simul­


tâneos de solução.
N a prim eira parte da questão — que a L iturgia seja,
de um modo geral, «fonte teológica» — é já uma certeza
que possuímos. O Magistério da Ig re ja diz-nos claramente
que sim. 0 que tem aqui o Teólogo que fazer, é unica­
mente verificar como esta verdade se contém, explícita,
implícita, ou virtualmente, nas fontes teológicas conhecidas
e clássicas — Escritura, Tradição, Razão Teológica. Com
aquele dado claro, recebido do Magistério, fa rá luz sobre
as fontes.
A segunda parte do problema — em que condições é a
L iturgia um lugar teológico — é que é o ponto obscuro que
o Magistério não nos declarou. Temos que investigá-lo nas
fontes. Esclarecidas elas com aquela prim eira verificação,
poderão simultaneamente revelar-nos algumas determina­
ções concretas daquele mesmo dado genérico, quer nos
contornos gerais quer no ponnenor.
São estas aliás as duas funções do Teólogo: verifica r
nas fontes o que já é conhecido e dado pelo Magistério, e
deduzir delas o que ainda é desconhecido (4). E ste é o
processo que nos sugere a recente encíclica «Humani Gene-
r.is»: com os dados claros — os do M agistério — explicar
os obscuros (5).

4. — Um trabalho assim poderá trazer vantagens tanto


para a Liturgia com o para a Teologia. A constituição ju ri­

t i Cfr. M. NICOLAU, In tro d u c tio in T/uologiam, nn. 7-10, 15-16,


ein — Sacrte T/teologia Sum m a, i, 17-18.22.
( 5) PIO x n — A A S 42 (1950) 56S-569.

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6 ÍNTiRODTJÇÁO

dica da L iturgia, a su a influência moral, ascética e peda­


gógica, hão-de fundar-se afinal no seu valor teológico.
É pois este um problema fundamental da actualidade
litúrgica.
Por sua vez, a Teologia sobrenatural, que depende dos
princípios mais altos e m ais certos — os da ciência de
Deus e dos Bem-aventurados — tem, na verdade, encadea­
das e dependentes de si todas as demais ciências; mas
sendo a ciência teológica, como diz S. Tomás (°), mais
especulativa do que prática, fica já a perder de vista das
ciências práticas e técnicas hoje em voga no mundo. Ora
são da actualidade entre os teólogos os problemas de meto­
dologia teológica, e têm recentemente brotado tendências
para salientar o valor prático da Teologia (7). Precisa de
se viver aquela ciência suprema que objectivamente subor­
dina a si, todas as ciências que interessam os homens.
Contribuirá, pois, sem dúvida, para o progresso da Teolo­
gia vivida, conhecer a Liturgia, que é vital na Igreja, e
saber utilizar o argumento litúrgico no seu justo valor.

Existem já alguns estudos sobre o valor desse argu­


mento (8). Sem mencionarmos os de carácter limitado,
como por exemplo a dissertação recente de fe d e r e r , Litur-
gie untd Glcmbe, que investiga o fundamento histórico

(«) S. Th, 1, q. l,a. 4.


(?) Vid. M. NICOLAU, Inirod. i/t Theol. nn. 18-21 em—
Sacra Theologia Summa, 1, 22-24;
—Etapas dei Proceso Teológico, em —
Estúdios Eclesiásticos, 19(1945) 192-196.
(®) Cfr. Bibliografia.

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I ntrodução 7

patrístico do célebre princípio da «lei da oração como lei


da fé», conhecemos estes tratados de plano mais geral,
embora todos eles sejam parcelas de obras mais vastas:
De usu librorum liturgicorum in rebus theologids, de
ZACCARiA, que dá normas para o uso, em Teologia, dos
Sacramentários e Rituais antigos; Deuxième lettre à
Monseigneur VÉvêque d ’Orléans, de DOM GUÉRANGER, que
trata o assunto em form a polémica; De liturgiae natura et
valore dogmático, de b o u i x , que é uma exposição sistemá­
tica do que o autor leu nos dois precedentes, e De valore
liturgiae dogmático seu De relations liturgiam inter et
Fidem , de o p p e n h e i m , compilação dos três anteriores e de
vários outros artigos dispersos (°).
Estudo do problema em conjunto e por aquelas duas
vias oientíficas — de verificação nas fontes e de investiga­
ção — não sabemos que se tenha feito. É esse que vamos
empreender.

5. — Desejamos ensaiar uma determinação do valor


teológico da Liturgia. Não é um estudo sobre as várias
liturgias em concreto para delas extrair o seu conteúdo
teológico, o que vamos fazer. Seria infindo esse trabalho.
Queremos apenas tentai* indicar ao Teólogo e determinar-
-lhe as condições em que ele pode avaliar o testemunho da
Liturgia. O campo é muito vasto. Vamos somente desbra­
var o terreno.

(9) A seu tempo e em lugar próprio, indicaremos o contributo destes


autores para a soluçSo do problema. Vid. infra, Parte II, cap. II, art. I,
§ III, nota; cap. VI, art. II, § II.

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8 INTRODUÇÃO

À luz da certeza que nos dá o M agistério sobre o


facto geral de uma relação entre o Dogma e a Liturgia,
debruçar-nos-emos sobre as «fontes teológicas». N a e s c r i ­
t u r a pouco mais poderemos que ju stificar aquele conheci­

mento já certo. N a t r a d i ç ã o poderemos além disso, des­


cobrir a teoria do argumento litúrgico no uso que dele têm
feito, a autoridade da Ig re ja universal, os Concílios, os
Sumos Pontífices, os Santos Padres e os Teólogos. Na
r a z ã o t e o l ó g i c a , pode a dedução, e a analogia com outros

conhecimentos, confirm ar aquela certeza inicial e comple­


tar a teoria que investigamos.
São dois estudos simultâneos: de verificação e de
investigação, — os que competem ao Teólogo. Tenciona­
mos pois fazer um ensaio de um tratado geral do valor
teológico de Liturgia. Não dizemos só «valor dogmático»:
achamos que a Litu rgia não é ünicamente testemunho do
Dogma, mas que poderá ter uma utilização mais vasta no
trabalho do Teólogo e por isso denominamos o objecto do
nosso estudo: «0 Valor Teológico da Liturgia», que é
designação mais completa do que «valor dogmático da
Liturgia».
Poderá parecer que o processo para obter um tratado
do valor teológico da Liturgia, há-de consistir em fazer-se
primeiro a análise dos muitos elementos particulares que
esse tratado implica, e só depois, a síntese. Assim o ju lga­
mos também; mas até lá reputamos útil e muito conve­
niente um ensaio ou introdução, como o trabalho que nos
propomos fazer, nem que não seja senão para localizar
diversos aspectos do problema. É complexo esse problema
do valor teológico da Liturgia. Quando ele se propõe a

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INTRODUÇÃO

quem não esteja iniciado, esse fàcitmente o ju lga segundo


o próprio aspecto, que é ordinariamente parcial e relativo,
mas que pode supor completo e absoluto. Uma iniciação é
o que empreendemos dar.

6. — Devendo pois averiguar como a Liturgia é para


o Teólogo um lugar teológico e com que valor ou nota
teológica se poderá qualificar o que nela se contém, vamos
verifica r e investigar a solução desse problema, nas fontes
teológicas gerais, conhecidas e clássicas — a tscritura. a
Tradição, a Razão Teológico — e formularemos por fim as
conclusões a que chegarmos.
Nesta proposição do problema, temos a divisão do
assunto:

PRIMEIRA PARTE

D e te rm in a çã o d as n o ç õ e s p relim in ares

I — Noção de Liturgia.
II — O Processo Teológico.
1 — Função do Teólogo.
2 — Lugares Teológicos.
3 — Notas Teológicas.

SEGUNDA PARTE

D e te rm in a çã o d o v a lo r te o ló g ic o d a Liturgia
I — Pela Escritura.
II — Pela Tradição.
III — Péla Razão Teológica.

C o n c lu s õ e s

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PRIMEIRA PARTE

DETERMINAÇÃO
DAS N O ÇÕ ES PRELIMINARES

A nossa queslão é a do em prego de


Liturgia no P rocesso T eológico. Assen­
temos pois es noções preliminares de
uma e outra coisa :

Capitulo I: Noção de Liturgia


C apitulo II: O Processo Teológico

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CA P ÍT U LO I

N O Ç Ã O DE LITURGIA

P a r a estabelecer uma base lógica a todo o nosso estudo,


precisamos de começar por dizer o que entendemos por
Liturgia. E como na finalidade prática do mesmo estudo
estão em causa os diversos elem entos da Liturgia, as várias
liturgias e os livros litúrgicos, faremos, como base metódica
uma exposição de cada um desses assuntos.

Dividimos, pois, assim este capítulo:

Artigo I — Definição de Liturgia


Artigo II — Divisão e elementos da Liturgia
Artigo III — Classificação das liturgias
Artigo IV — Classificação dos livros litúrgicos

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A R T IG O I

D efinição d e Liturgia

sum ário:
Dados do Magistério.
I — Definição nominal histórica. 1. —Pela Escri­
tura. 2. —Pela Tradição. 3. — A definição.
U — Definição descritiva. 1. —Fundamento.
2. —A definição.
III — Definição esaenclal. 1. —Fundamento filosó­
fico. 2. —Fundamento teológico. 3. —A definição.

r já um problema definir cientificamente a Liturgia.


Porque não havia dela uma noção uniforme, é que
nos últimas tempos o entusiasmo litúrgico de alguns atin­
giu a imprudência e a extravagância, e a indiferença de
outros perante o movimento litúrgico revelava a incom­
preensão que dele tinham.
0 Sumo Pontífice Pio X I I interveio; na Encíclica
«Mediator Dei» desfaz definições que corriam e eram afinal
preconceitos, e propôs autoritativamente a verdadeira defi­
nição. Os amantes sinceros da L itu rgia que naquele movi­
mento empregaram os seus esforços, podem dar-se por
satisfeitos, por se ter chegado a este ponto. «Não é noção

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16 NOÇÃO DE LITURGIA

exacta da sagrada Liturgia, diz Pio X II, a daqueles que a


têm como uma parte somente externa e sensível do culto
divino ou como um cerimonial decorativo; nem é menos
errónea a opinião daqueles que a consideram como mera
soma de leis e preceitos com os quais a Je rarqu ia eclesiás­
tica ordena a observância dos ritos» 0 ). Eram estas as
definições de preconceito, que não é difícil encontrar
pelos livros.
A definição ju sta foi assente nestes termos pela encí­
clica: «A sagrada L iturgia constitui, portanto, o culto
público que o nosso Redentor, Cabeça da Ig reja , rende ao
P a i e o que a sociedade dos fiéis rende ao seu Fundadoi’
e por E le ao E tem o P a i; constitui, para dizê-lo em poucas
palavras, o culto público todo do Corpo místico de Jesu s
Ciisto, isto é, da Cabeça e dos membros» (2).
Definição essencial da Liturgia que possa dizer-se
proposta pelo Magistério da Ig re ja e anterior a esta, conhe­
cíamos a que se podia form ar das primeiras palavras da
Constituição Apostólica «Divini Cullus» de Pio X I ; nelas
aliás, o Sumo Pontífice não propõe uma definição tão
declarada e intencional como a de Pio X II. Podia ela
contudo formular-se assim : «Tem o nome peculiar de
Liturgia-», «o m inistério augusto e público» do «cultc
divino» que consta substancialmente do «sacrifício e dos

( 1) À A S 39 (1947) 53J>
(2) «Sacra igitur Liturgia cultum publicum constituit, quem Redemptoi
noster, Ecclesiue Caput, cnelesli Patri habet; quemque christifidelium socie-
tas Conditori suo et per ipsum aeterno Patri tribuit; utque omnia brevitei
perstringamus, integrum constituit publicum cultum myslici lesu Christ
Cordoris, Capitis nempe membrorumque eius>. Ibid., 528-529.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA 17

sacramentos» e abrange também aquelas coisas prescritas


pela Ig re ja — «cerimónias, ritos, fórmulas, preces, ca/nto —
com que... ele... se reg e » (3).
Não podemos considerar senão como noção jurídica
em ordem ao Direifo Canónico, a que este já antes estabe­
lecia de culto público. «Chama>-se público, diz, o culto
exercido em nome da Ig re ja por pessoas para isso leg iti­
mamente deputadas e por actos, que pela instituição da
Igreja, somente a Deus, aos Samtos e aios Beatos se hão-de
prestar» ( ') . Não identifica o Código adequadamente,
como é manifesto, o culto público com a Liturgia, pois
nem sequer alude aos actos de instituição divina que são a
essência da Liturgia. Mas identifica parcialmente; quer
dizer, entende juridicamente por culto público, o culto
litúrgico de instituição eclesiástica (5).

(8) € Divini cultus sanctitatem tuendi cum Ecclesia n Condilore Christo


mu nu s acceperit, eiusdem est profecto, salva quidem sncrificii et sacrnmen-
torum substantia, ea praecipere — cafiremonins nempe, ritus, Formulas, preces,
cantum —, quibus ministerium illud nugustum et publicum optime regitur,
cuius peculiare nomen est Litu rgia, quasi actio sacra prsecellenter». A A S
í* (*929^ 3 31 E S 2200.
(*) «Cultus, si deferatur nomine Ecclesiae a personis legitime od hoc
deputatis et per actus ex Ecclesiz institutione Deo, Sanctis ac Beatis tantum
exhibendos, dicitur publicus; sin minus, privatus» (Can. 1256).
(5) Depreende-se isso melhor, confrontando o cân. 1256 com os câns.
1257 e 1259. Tendo-se distinguido no cân. 1256 o culto público do privado,
diz-se, logo a seguir, que o direito sobre a L itu rg ia está reservado à Santa
Sé (cân. 1257), e que sobre os exercícios de piedade têm direito os Ordiná­
rios (cân. 1259). Parece naturalmente entender-se que a Liturgia é aquele
culto público, e os exercícios de piedade o culto privado. Compreende-se
já o equívoco daqueles que, julgando de Liturgia, não lhe conhecem senão
o aspecto jurídico, que é, como se vê, muito parcial.

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NOÇÃO DE LITURGIA

Como definição de carácter descritivo, a m ais explí­


cita que conhecíamos, proposta pela autoridade da Sé
Apostólica para uma Ig re ja particular, é a que vem no
Missal B racarense: «L iturgia Bracarense é o complexo
de coisas, palavras e acções, que, estão ordenadas n a Ig re ja
mãe Bracarense, para p resta r o culto externo devido a
Deus e para a salvação das almas» (°).
Destas quatro noções de Liturgia, a mais importante
é sem dúvida a primeira, pela intenção doutrinal expressa
que a autoridade da Ig re ja teve ao propô-la. Mas as outras
também merecem atenção. São todas quatro as mais
explícitas que conhecemos em documentos doutrinais e ju ­
rídicos da Igreja.
Muitos são os autores que expuseram a noção da
Liturgia e buscaram a form a da sua definição (7). É sem­
pre arriscado tentar uma definição. No entanto, apro­
veitando alguns dados daqueles autores, por um processo
simples, científico, e julgamos que novo no seu conjunto.
vamos ensaiar a formulação da definição ou das defini­
ções de Liturgia, que deixem expresso o que ela é e decla­
rem este teimo fundamental do nosso problema.
Buscaremos a definição — nominal histórica,
— a descrifiva,
— e essencial.

( 6) * Liturgia Bracarensis est complexus rerum, verborum et aclionum,


quae in alma Ecclesia Bacarensi, ad cultum externum Deo debitum redden­
dum et ad salutem animaram, ordinantur». Missale Bracarense, Liturgia
Bracarensis, i, i.
(7) Alguns deles expõem a noção de Liturgia segundo o aspecto parti­
cular que estudam. Assim c alle w ae rt, por exemplo, sob o aspecto jurídico.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA

Todas elas têm que dar em expressão clara e breve no


seu género, a noção de tudo o que corwpebe à L itu rg ia e só
a ela. Antecipámos já os dados claros do Magistério, por­
que são eles que nos hão-de guiar. Teologicamente era
esse o processo que tínhamos de seguir.

Em geral, porém, não perdem de vista o aspecto teológico. Vejam-se os au­


tores enumerados na Bibliografia de Liturgia, particularmente:
l. darin, Catechismo Liturgico, i, 3-15.
d. noutx, Tractatus de lu r e Liturgico, 4-1 1 .
r. CABROL, Liturgie — D T C 9, 787-788.
c. CALLEWAERT, L itn rgicae Ittstitutioiies, Tract. I: De S. Lilurg. uni-
versim, 1-55.
a. coelho, Curso de L itu rgia Romana, 1, 3-9.
— O que i a L itu rgia ?
L. Eisenhofer, Liturgie, em — Lexikon f ü r Theologie und Kirche,
6, 605-606.
j. GOMÂ, E l Valor Educativo de la L itu rg ia Católica, 105-137.
j. HANSSBNS, La définition de la liturgie, em — Gregorianum, 8 (1927)
204-228.
j. jusGMANN, Was ist Liturgie?, em — Zeitschrift f ü r Katholische Theo-
'ogie, 55 (1931) 83-102, c em — Gewordene L itu rgie, 1-27.
m. RiGHETTi, Manuale d i Storia Litu rgica, 1, 1-13.
Como estudos de síntese, podem ver-se:
o. Capelle, Synthèse. Le visage de la Liturgie. Le vrai visage. Le
risage déformé., em — Cours et Conférences des Semaines L itu rgiques,
A ( 1938) *33"1 53-
M. festugière, L a litu rgie catholique. E ssai de synthèse.
Veja-se sobretudo o estudo profundo dos artigos coleccionados no
ivro de
r . GVARDiNi, Vom Geist der Litu rgie.

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20 NOÇÃO DE LITURGIA

I — Definiçfio nominal histórica

1. — No Antigo Testamento o vocábulo original he­


braico (’abodah) foi traduzido pelos Setenta pelo vocábulo
grego XeiTovpyía (liturgia,) (8).
No Novo Testamento aparece a mesma expressão com
o sentido de «serviço divino», «serviço do templo», «devo­
ção ao serviço divino». Cristo é designado por S. Paulo —
Ttàv áyuov ÁeiToiryóç: o «Liturgo das coisas sagradas» (®).
De um modo geral na Sagrada, E scritura, a palavra
designa, as mais das vezes, «funções sagradas» (,0).
E como função sagrada parece entender S. Paulo o
ministério público da caridade que designa com o mesmo
termo (n ).

2. — Geralmente entre os autores gregos o termo


«liturgia» diz-se de qualquer função pública. Mas a Igreja,
de acordo com o carácter sagrado que a palavra tem na
Escritura, restringiu-a desde os primeiros séculos à desi­
gnação do sacrifício eucarístico. Os Padres Gregos deno­
minavam-no «Liturgia sagrada» ou «Liturgia mística».
Os Padres Latinos simplesmente «Liturgia». E sta mesma
designação se usa ainda entre os Orientais para significar

(*) XeiTovpyla vem de XeTroi» ( = público, do povo) e ?pyov( = acção).


(») H ebr., 8 ,2 .6 .
(10) Num., 1,50 ; Luc., 1, 23; A d ., 13, 2; Rom., 15, »6; P h ilip .,
2 , 1 7 ; Hebr., 8, 1 . 2 . 6 ; 9 ,2 1 .
( U ) 2 Cor., 9, 12'; P hilip., 2, 30.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA 21

a missa, e assim, ■dizem: «Liturgia de S. Basílio», «Litur­


gia de S. João Crisóstomo», para especificarem o texto e
rito da missa.
Os liturgistas ainda hoje se exprimem assim, quando
chamam aos dias em que há missa, dias litúrgicos, e àque­
les em que não há missa, como actualmente, no rito latino
Sexta-Feira Santa, dias alitúrgicos, isto é, sem Liturgia,
querem dizer, sem missa.
N a Ig re ja Latina, desde o século X V I, o termo «litur­
gia» usa-se no sentido em que se costuma em pregar actual­
mente. Refere-se apenas a funções sagradas de carácter
público; m as não se restringe só à missa. Não se entende
e nunca se entendeu do culto meramente interno e privado,
mas sempre do culto externo e social ou público como tal,
isto é, legalmente determinado, o qual j á abrange essen­
cialmente o culto interno.

3. — Actualmente, pois, a noção vulgar de Litu rgia


compreende a prática do CULTO PÚBLICO OFICIAL.
A característica de «cullo público'» está expressa no
nome; a de « o ficial» no testemunho histórico sobre a
Liturgia. Parece-nos pois esta a sua definição norránol
histórica.

II - Definição

1. — Os elementos do culto público oficial são os que


entram na noção vulgar de Liturgia. E sta é a observação

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22 NOÇÃO DE LITURGIA

dos factos. Dela devemos partir em busca das causas que


de direito os constituem Liturgia. Observando juntamente
as noções de Litu rgia extraídas da Constituição Apostólica
«D ivini Cvltus» de Pio X I, do Direito Canónico, e do
Missal Bracai-ense, que são m ais de carácter descritivo,
esperamos aproximar-nos de uma definição descritiva da
Liturgia.
a) Verificam os primeiro que os elementos que inte­
gram a Litu rgia vêm a ser objectos, fórmulas, actos, como
exprime a definição bracwrense.
b) Mas hão-de eles entrar em acção sob o aspecto
público como frisa o Direito Canónico e explica —em
nome da Igreja e p o r pessoas para isso deputadas.

c) Os ritos essenciais integrados por aqueles ele­


mentos foram estabelecidos imutàvelmente por Cristo,
Mas há também muitas coisas acidentalmente prescritas
pela Igreja com as quais se rege o ministério daqueles
ritos. É o que nos dá a noção de Pio X I.
d) Tudo isto está assim disposto com o fim de culto
a Deus (aos seus Santos e Bem-aventurados) e salvação
das almas como nos diz de novo a noção bracarense.

2. — Podemos pois te n ta r um a fórm ula de definiçãc


descritiva: LITURGIA É O COM PLEXO DE OBJECTOS,
FÓRMULAS E ACTOS, ESTABELECIDOS OS ESSEN ­
CIAIS POR CRISTO E O R D E N A D O S TODOS PELA
IGREJA, PARA QUE EM NOME DELA E POR PESSOAS
PARA ISSO DEPUTADAS, SE DÊ O CULTO A DEUS E
A SANTIFICAÇÃO ÀS ALMAS.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA 23

Parece-nos que conseguimos d efinir a Liturgia pelas


suas causas:
a) Causa intrínseca material : complexo de objectos,
fórm ulas e actos;
b) Causa intrínseca form ei: enquanto exercício
público, — isto é — em nome da Ig reja , e por pes­
soas oficiais;
c) Causa e x t r í n s e c a eficiente: Jesu s Cristo e a
Ig re ja ;
d) Causa extrínseca fin al : a g lóiia de Deus e a
santificação das almas.
E sta definição, m ais prática, é a que mais convém
para a índole do nosso trabalho. Fizemo-la induzida do°
elementos que causam a Liturgia. Interessa ainda obter <.
definição deduzida dos princípios.

III — Definição essencial

1. — Nenhuma coisa pode existir fora de Deus que


não esteja objectivamente dependente dele, e todas devem
estar também subjectivamente dependentes, isto é, em
dependência teórica e pràticamente reconhecida pelos seres
conscientes. É nesse reconhecimento que consiste essen­
cialmente a homenagem ou culto a Deus.
As verdades que Deus nos m anifesta pela natureza ou
pela revelação sobrenatural, os preceitos naturais ou posi­
tivos, que ültimamente só dele vêm, tudo se ordena àquele
reconhecimento teórico e prático — o culto no seu sentido

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24 NOÇÃO DE LITURGIA

mais amplo. É pois o culto, a realidade religiosa que de


direito penetra a essência e a existência de tudo quanto há
fora de Deus.
Mas esta realidade tem uma expressão form al deter­
minada. A ela em concreto se costuma restringir a deno­
minação de culto: manifestação de homenagem. Neste
sentido é que os elementos da Religião se podem dividir
em Dogma, Moral e Culto. É uma divisão metódica porque
na realidade os três elementos compenetram-se. A vida no
seu aspecto religioso é habitual profissão de Dogma e
contínua observância da Moral, que de vez em quando têm
como expressão formal os actos do culto.

2. — No Antigo Testamento havia profetas, chefes e


sacerdotes, para manterem todos, no verdadeiro culto a
Deus, o povo escolhido. Os profetas ensinavam, os chefes
governavam, os sacerdotes exprimiam litürgicamente o
culto do povo. Jesu s era então profetizado como o Messias,
isto é, o Cristo, que quer dizer «Ungido». Ora costumavam
ungir-se os profetas os Reis (13), os sumos sacerdo­
tes (” ). Cristo seria, pois, o Ungido por excelência; jun­
tamente profeta ou mestre, rei e sacerdote. Como mestre
veio ensinar o Dogma, como rei impor a M oral; como
sacerdote, realizar e exprim ir no sacrifício da cruz o ver­
dadeiro culto a Deus, e dar a santificação às almas. P ara
esta função sacerdotal é que principalmente nasceu (15).

(12) i i9l i6,


( 18) Iudic., 9, 8; / Reg., 9, 16 ; 10, 1 ; 16, 12 - 13 ; 2
ReS> '< M» 2 I*
(H ) E x , 29, 7; Lev., 10, 7 ; 2 i, 10 ; N um ., 3, 3.
( 15) Cfr. £ Th., 3, q. 1, a. 3.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA

Ora a Ig re ja é a prolongação de Cristo: o seu Corpo


místico (10). Continua ela a missão messiânica de ensinar,
reger, e exprim ir o culto, santificando as almas, missão
que exerce com o seu poder de Magistério, de Jurisdição
e de Ordem.
Precisamos de não retirar desta realidade funda­
mental: que a Ig re ja é o Corgo místico de Jesu s C-risto.
Os seus membros não estão tão unidos entre si com Cristo,
que formem uma só pessoa físic a ; mas também não estão
apenas relacionados de maneira que formem somente um
ser moral. Estão sim enxertados em Cristo de tal modo
que formam com Ele um ser vivo real, único na sua espécie,
e que à falta de designação própria, porque é misterioso
se chama místico ( 17).
Cada membro conserva a sua personalidade própria,
física e independente, mas naquele Corpo místico é membro.
Não há vitalidade sobrenatural separada desse Corpo ou
que pelo menos não possa ou deva referir-se a esse Corpo;
dos que a ele pertencem, nenhum vive senão como membro.
Não há fé, não há moral, não há culto tão individuais que
possam prescindir da seiva sobrenatural comum do Corpo
místico. Por isso a Igreja, Corpo místico de Cristo, não
tem mais que dilatar-se e desenvolver-se dia a dia com
mais pujança em cada membro (1S). E la vive daquela vida
com que nasceu no sacrifício sacerdotal de Cristo (10).
«A Liturgia não é outra coisa senão exercício deste sacer-

(>«) Cfr. PIO XII, Encíclica «Mystici Corporis» — A A S 35 (1943) >99-


O7) lbid., 221-225.
( 18) Vid. pio xii, Encíclica «Medialor Dei» — A A S 39 (1947) 528.
( 19) Cfr. pio xii, Encic. «Mystici Corporis» — A A S 35 (1943) 204-207.

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26 NOÇÃO DE LITURGIA

dócio» (20). «É com ela sobretudo que a Ig re ja continua


o ofício sacerdotal de Jesu s Cristo» (2l).
E estamos de novo na visão sintética do começo.
O Salm ista no salmo 18 e sobretudo no 118 exprime cons­
tantemente esta síntese; o seu culto é repassar a alma e a
vida da lei do Senhor; refere-se não só aos preceitos mas
à palavra de Deus em geral, quer dizer, à Moral e ao
Dogma. É esse também o pensamento sintético de S. Paulo,
para quem o entendimento presta culto rendendo-se à ver­
dade (22) e a carne é hóstia litúrgica sujeitando-se à
moral (22).

3. — A nossa razão, porém, im perfeita, porque pre­


cisa de método, distingue na vida do Corpo místico, o
Dogma, a Moral e o Culto. Ora uma vez que se estabelece
esta distinção, julgamo-mos chegados à definição essencial
da Liturgia, que nos parece ser a de Pio X I I : «A LITUR­
GIA É O CULTO PÚBLICO DO CORPO MÍSTICO DE
JESUS CRISTO.-.
«O CULTO» é o elemento genérico, e quer significar
expressão formal da homenagem devida a Deus. Homena­
gem a Deus, sem ter sempre essa expressão formal, é em
realidade tributada constantemente na vida pela profissão
do Dogma e observância da Moral.
«PÚ BLICO » é a diferença específica, que distingue
do culto particular dos membi*os.

(*°) Clr. rio XM, lixciclica «Mediator Dei» — ^,46”39 (1947) 529.
(21) Ibid.. 522.
(22) 2 Cor., 10, 5; cfr. Rom., 12, 1.
(28) Rom., 12, r.

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DEFINIÇÃO DE LITURGIA 27

«DO CORPO MÍSTICO DE JE S U S CRISTO» pode­


mos dizer que é a diferença individiwmte porque determina
um ser que é único: Cristo cabeça, por meio do qual pres­
tamos culto a Deus, e nós todos, os membros, que também
a Jesu s Cristo que é Deus prestamos culto.
Vem a ser, pois, teologicamente L itu rgia o culto que é
tributado a Deus e a Jesu s Cristo pela Ig re ja ou seja pelo
Coi-po místico como tal. 0 culto dos membros não é por si
litúrgico parque não é do Corpo místico como tal; mas
porque é dos membros, não pode deixar de receber influxo
do culto litúrgico que é o do Corpo, e de nele influir tam­
bém. Por isso é notável que quando a encíclica «Mediator
Dei» se refere aos actos de culto dos membros, lhes chama
ordinàriamente, actos «não estritamente litúrgicos». P a­
rece querer significar que «latamente» o são.
Assim se exprime a Encíclica a propósito de práticas
religiosas e exercícios de piedade realizados fo ra do culto
público (-*), como certas devoções ao Coração de Jesus,
Coração de M aria, S. José (“ ), a meditação, o exame de
consciência, os retiros espirituais, a visita ao Santíssimo
Sacramento, o Terço (2C), o Mês de M aria e o do Coração
de Jesus, tríduos e novenas, a V ia-Sacra (27). Todas essas
práticas contribuem como a Litu rgia estritamente dita,
«para o progresso espiritual dos fié is e por isso para o
incremento de toda a Igreja» (2S). Hão-de ajudar a tornar

. O S 39 (1947) 533. 534.


(M) Ibid., 543.
(W) Ibid., 584.
(K ) Ibid., 586.
(**) Ibid., 587.

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NOÇÃO DE LITURGIA

mais vivida a Litu rgia (20) e não devem ser alheias às nor­
mas do culto divino (30).
Vemos, portanto, que, teologicamente pelo menos, há
culto mais e menos litúrgico. E como se pode distinguir?
Certamente, que, como norma geral, será m ais litúrgico
aquele que mads intensiva e extensivamente proceder do
Corpo místico como tal. É mais litúrgico o sacrifício euca­
rístico ou um sacramento, do que uma hora do ofício divino
ou um sacram ental; e teologicamente mais litúrgica uma
fóim ula da Liturgia universal ou mesmo só da Romana do
que outra da Litu rgia Bracarense.
É importante, p ara nós, esta observação; com as
noções que vamos expor nos artigos seguintes se poderá
ela completar.
Teremos em vista no nosso trabalho, a essência teoló­
gica da L iturgia, na sua definição essencial; na prática,
porém, será m ais utilizável a definição descritiva; uma e
outra aliás coincidem com a noção vulgar expressa na
definição nominal histórica — culto público oficial.
Vê-se já bem quão longe está a verdadeira noção de
Liturgia do preconceito de certas definições que corriam e
ao princípio referimos. A Litu rgia não é a mera soma de
preceitos rituais. Como o Teólogo difere do Canonista,
também o Liturgista se distingue do Rubricista.

(29) Ibid., 5S6-5S7.


(» ) Ibid., 586.

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A R T I G O II

Divisão e elem en to s da Liturgia

_________________ . —De instituição divina.


í. — De instituição eclesiástica. 3. — O Ano I-i-
túrgico. 4. — Objecto das festas-
II —Os elementos da Liturgia. 1. —Objectos scn-

jP a Litu rgia o exercício do sacerdócio de Cristo (*).


É por isso, culto aceite a Deus, e juntamente, como
conatural condição, santificação dos homens. Interessa
para uma visão m ais concreta da Liturgia, distinguir:
— as suas parles principais e
— os elementos de que elas se formam.

N a encíclica «Mediator Dei» encontramos a esse pro­


pósito esta orientação: compõe-se a L itu rgia de elementos

1) pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 529.

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20 NOÇÃO DE LITURGIA

divinos e elementos humanos ( -); e compreende o sa crifí­


cio, os sacramentos, o ofício divino (3), os sacramentais e
outros ritos (') e, conexo com o ofício divino, considera-se
o Ano Litúrgico

I — Divisão da Liturgia

1. — São de instituição divina, o Sacrifício e os Sacra­


mentos.
a) O SACRIFÍCIO, é primariamente ordenado ao
culto de Deus. Assim como a L itu rgia é a fonte donde
procede a vida sobrenatural da profissão do Dogma e
observância da Moral, assim o sacrifício eucarístico é o
manancial de toda a Liturgia e por isso «a suma e o centro
da religião cristã» ( ° ) ; a sua essência e os seus fins são
os mesmos do sacrifício da cruz: glorificação de Deus,
acção de graças, expiação e propiciação, impetração (7).
b) O S S A C R A M E N T O S , são por instituição de
Cristo ordenados primariamente à santificação dos ho­
mens. O sacrifício e os sacramentos são instituição de
Deus e, por vontade divina, operam por si mesmos «ex
opere operato». São estes elementos os que fazem que h aja
essencialmente uma só Liturgia.

(2) pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — .4^ 6" 39 (1947) 541.
(®) Ibid., 522.
(<) Ibid., 532.
(5) Ibid., 577.
(«) Ibid., 547.
(7) Ibid., 549-550.

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DIVISÃO E ELEMENTOS DA LITURGIA 31

2. — São de instituição eclesiástica, o Ofício Divimo e


os Sacramentais.
a) O O F ÍC IO DIVIN O , primàriamente está orde­
nado ao cullo de Deus. É esse Ofício um comentário e
contributo ritual humano à acção divina momentânea do
sacrifício. A maior parte do rito da missa é ofício ecle­
siástico . Desenrola-se ainda pelas várias horas do dia.
Mas pela eficácia vital do sacrifício eucarístico, quer
dizer, pela eficácia redentora da nossa Cabeça — Cristo, o
ofício divino não é acção puramente humana, pois ele é
«a oração do Corpo místico de Cristo dirigida a Deus em
nome de todos os cristãos e em benefício deles, feita pelos
sacerdotes, pelos outros ministros da Ig reja e pelos reli­
giosos, para isso deputados pela mesma Igreja» (“).
b) OS SACRAMENTAIS, primàriamente ordenam-
-se à santificação dos homens. «São coisas ou acções que a
Igreja, com alguma imitação des sacramentos, costuma
usar para obter pela sua própria impetração efeitos sobre­
tudo espirituais» (”), diz o Direito Canónico. É, como se
vê, um pouco indefinida a noção de Sacramentais. Nela se
poderão, pelo menos, latamente, incluir todos os OUTROS
R ITO S não enumerados antes.
O Ofício divino e os Sacram entais são só de instituição
eclesiástica; operam em virtude da I g r e ja — «ex opere
opem ntis Ecclesiae» ( ,0) . São estes elementos que pela sua
diversidade fazem com que se possam distinguir acidental-

(«) Ibid., 573-


(®) Can. 1 114 .
( 1°) Cfr. pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 53a.

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32 NOÇÃO DE LITURGIA

mente várias liturgias. Actualmente são todas elas da


autoridade do Sumo Pontífice (” ) ; mas para ju lgar do
valor dos antigos ritos no seu tempo, é preciso ter em
vista a autoridade de quem vinham : Apóstolos, Concílios,
Papas, Bispos, Prelados religiosos.

3. — 0 Ano Lihirgico é também importante institui­


ção .eclesiástica. Consta essencialmente do Próprio do
Tempo e do Próprio dos Santos.
a) O PRÓPRIO DO TEM PO é que é o principal;
nele «a celebração do sacrifício eucarístico e o ofício
divino... estão tão harmoniosa e convenientemente organi­
zados, que neles domina o Nosso Salvador pelos seus mis­
térios de humilhação, redenção e triunfo» (12).
b) O PRÓPRIO DOS SANTOS é secundário, mas
nele se presta a M aria Santíssim a o culto de «hiperdulia»,
e aos Santos o de «dulia», em duplo aspecto: pela conside­
ração das virtudes e pela invocação do seu valimento (13).
Dessa forma, os exaltamos em Deus, e nos incitamos e
somos ajudados a imitá-los.

4. — Das festas, o que sobretudo nos interessa é o seu


objeclo formal. 0 de algumas é bem claro, ou por si mesmo,
como o de Domingo da Ressurreição, ou por declaração
expressa, como o da festa de Cristo Rei ( " ) • O de outras

( 11) Cfr. C /C 1257.


(12) pio xii, EnciclicA «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 577.
( 18) Cfr. ibid., 581-582.
(H) Vid. n o xi, Encíclica «Quas primas» — A A S 17 (1925) 608.

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DIVISÃO E ELEMENTOS DA LITURGIA 33

porém não é tão fácil de determinar. A festa de 8 de Maio,


por exemplo, a guiar-nos pelo título e pela declaração que
vem no fim da sexta lição do ofício, tem por objecto a
Aparição de S. Miguel A rca n jo; mas pelo hino de Laudes
e pela bênção para a oitava lição — «Quorum festum coli-
m us...» e não «Cuius festum colimus...» — deveríamos
dizer que celebra todos os Anjos. No dia 29 de Setembro,
considerando só o título, é a Dedicação de S. M iguel A r ­
canjo o objecto da fe sta; atendendo, porém, a muitos
outros textos e àquela mesma sexta lição do ofício de 8 de
Maio, verifica-se que a festa celebra todos os Anjos.
Não se depreende, pois, só do título o objecto de uma
fe sta; na festa da Aparição de Nossa Senhora de Lourdes,
por exemplo, o título indica apenas a ocasião e o motivo de
se celebrar uma festa secundária em honra da Imaculada
Conceição de M aria. Este é que, pelo complexo do ofício,
parece ser o seu objecto próprio. A festa da Circuncisão
do Senhor, pelos seus textos litúrgicos e pelas rubricas (13)
sabe-se que é também uma festa de M a ria ; por sua vez a
da Purificação de Nossa Senhora, sabe-se da mesma form a
pelos textos e rubricas (,c) que é juntamente considerada
festa de Cristo.
Por outro lado, o título é elemento importante para a
designação do objecto da festa, ou das características do
mistério celebrado. Intencionalmente se mudou o antigo
título de «Puríssimo Coração de M aria» para «Imaculado
Coração de Maria». É intencional também a designação de

(l*i) Cfr. Missale Romanum, Add. et Var. in Rubr., 6, 8.


(16) D ter Auth. Congr. S. R it., 4093.

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34 NOÇÃO DE LITURGIA

«Sacratíssimo Coração de Je su s» ( ,r). O3 títulos «Sagrado


Coração, Preciosíssimo Sangue, Cruz, Paixão, Santíssimo
Redentor, Santíssimo Sacramento», distinguem também
objectos form ais diversos dentro do mesmo mistério a que
se referem (1S).
Mas além do título, outros elementos dão a conhecer
0 objecto da festa: a circunstância topográfica e cronoló­
gico da instituição dela, 0 conjunto dos seus textos litúr-
gicos, e muito em particular — referimo-nos à Litu rgia
Romana — a oração do dia, o prefácio da missa, 0 invita-
tório do ofício, e a antífona de Magnificat de segundas
Vésperas, como é do estilo tradicional (10). S. Tomás foi
fiel a esse estilo, encerrando na antífona «0 Sacrum Con-
vivium» uma síntese de génio, do mistério eucarístico que
se celebra na festa do Oorpo de Deus.

II — Os elementos de Liturgle

Dissemos já que são: objectos, fórm ulas e actos.


0 significado dos objectos é geralmente determinado pelor

( 17) Por isso não deve, no culto público, substituir-se esta denomina­
ção por outras como «Coração Misericordioso» (D ecr. Auth. Congr. S.
RU., 3346), e muito menos pela de «Coração Penitente* (S. Off., 5 Iun. 1893
— Collec., 1840).
( 1») Cfr. Decr. Auth. Congr. S. Rit., 3924, 4.
(19) Veja-se por exemplo a das Testas do Natal, Epifania, Domingo
de Pentecostes, Imaculada Conceição, S. Pedro e S. Paulo.

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DIVISÃO B ELEMENTOS DA LITURGIA 35

actos em que tomam parte, e uns e outros recebem a signi­


ficação das fórmulas litúrgicas (30).

1. —■Os objeeros sensíveis, entram na Litu rgia para


o duplo fim dela: para o culto de Deus, como as velas e a
lâmpada acesa, e para a santificação das almas, como os
que são m atéria dos sacramentos e dos sacramentais. Re­
presentam nessa dupla função toda a Natureza,
Estão os quatro elementos prim itivos: a água, por
exemplo na fonte baptismal, o fiogo que queima o incenso,
a terra, na pedra do altar e nas do templo e em geral nos
vasos e utensílios do culto, e o ar nas insuflações do
baptismo por exemplo, ou no agitar do véu durante o Credo
no Rito Bizantino para representar o Espírito Santo.
E ainda intervêm outros dentre os seres inanimados, rela­
cionados com aqueles — o sal, a luz e as cores.
Entram também na Liturgia os seres vegetativos,
como os ramos e as flores, os produtos das plantas como o
pão, o vinho, o azeite, o bálsamo, o incenso, o linho, e tam­
bém as cinzas daqueles seres.
A vida animal contribui tam bém : benze-se, por exem­
plo, o cordeiro pascal e outros animais (21). Utiliza ainda

(S°) Sobre os elementos da Liturgia, poderão consultar-se os livros


enumerados na Bibliografia respectna, nomeadamente:
r. CABROL, Liturgie — D T C 9, vid. 821-837.
a. coelho. Curso de L itu rgia Romana, i, 26-74.
L. EisF.NHOFER, Handbuch der L itu rgik , 1, 14 9-317.
M. Rir.HETTi, M anuale d i S toria L itu rgica, 1, 36-48 ; 141-203
278-322.
(l l ) Cfr. R ituale Romanum, tit. 9, cap. 5.

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36 NOÇÃO DE LITURGIA

a Litu rgia produtos da vida animal, como a cera das velas


e a seda dos paramentos.
Do homem emprega-se como elemento sensível, a sa­
liva no rito do baptismo.
De um modo geral, objectos inanimados, plantas e
animais, tudo são seres com uma tendência sacramental.
A Ig re ja tem bênção invocativa para todos eles (22). Se
servem o pecado é com violência feita à natureza; esta
espera também o seu resgate (23) para só ser utilizada
para o seu fim , a glória de Deus.
Aqueles elementos segregados para o uso litúrgico
têm o seu sentido: funda-se ele na função que desempe­
nham na Natureza e naquela a que a Ig re ja os eleva.
Há-de depreender-se pois o significado desses elementos,
dos actos litúrgicos em que a Ig re ja os emprega e das fó r­
mulas que sobre eles usa.

2. — Os aclos compreendem as atitudes e gestos do


corpo, que se chamam cerimónias, e juntos com as fórmu­
las constituem ritos. Uns actos estão determinados para
a ordem e esplendor do culto, como a atitude de sentado,
de pé, de joelhos, de prostração, de braços em cruz, de
mãos postas; os gestos de elevação de olhos e de mãos, de
inclinação de cabeça e de corpo, de genuflexão, de ósculos,
de bater no peito. Outros servem para santificação das
almas, como m atéria próxima de sacramentos e de sacra­
mentais; tais são as abluções, as unções, imposição de
mãos, entrega de instrumentos, insuflações, sinais da cruz.
(*i) Cfr. Rituale Romanum, til. 9, cup. 8, n, 21.
(>*) Rom., 8, 19-22.

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DIVISÃO E ELEMENTOS DA LITURGIA 37

Com fundamento no seu significado natural, recebem o


sentido convencional que lhes dá a Ig re ja e está expresso
muitas vezes nas fórm ulas que os acompanham.

3. — A s fórmulas têm mais importância prática no


nosso estudo. Será preciso um critério complexo e atento
para saber graduar o seu velor.
Assim, serão, em geral, mais litúrgicas as que estive­
rem a revestir actos em si mais litúrgicos, por exemplo:
m ais as da m issa e sacramentos que as do ofício divino e
sacramentais.
Dentro do mesmo acto litúrgico, serão mais litúr­
gicas aquelas que com ele estiverem mais intimamente
conexas, e também com as pessoas que nesse acto se podem
dizer m ais litúrgicas. A s fórm ulas de culto, por exemplo,
que de si competem ao celebrante, serão certamente mais
litúrgicas do que as que são próprias do coro ou do povo.
No Rito Romano aquelas são dirigidas unicamente a Deus
e ordinàriamente ao Pai. A s outras são por vezes dirigidas
aos Santos, por exemplo muitos hinos, embora sistemàti-
camente na doxologia final se recolha todo o culto para o
dirigir a Deus seu último termo.
Será preciso saber distinguir entre o texto da E scri­
tura que a Ig re ja apresenta como leitura da versão apro­
vada, e o que ela mesma toma da Escritu ra e modifica
para o adaptar com sentido diverso do lite ral; saber dis­
tinguir entre os textos que atribui a determinados escrito­
res eclesiásticos, como a leitura dos Santos Padres, e
textos que algum autor compôs mas que a Ig re ja apre­
senta como seus: hinos, antífonas, etc. N a Litu rgia Bra-

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NOÇÃO DE UTURGtA

oarense estes vêm, em casos determinados, encimados pela


elucidativa rubrica — «Ecclesiae vox».
Cada texto além disso, atinge diversos objectos; é
preciso distinguir o principal e antepô-lo aos secundários.

Querendo, porém distinguir, sistemàticamente as


várias fórm ulas litúrgicas, podemos distribuí-las por qua­
tro categorias:
a) as que se destinam à profissão de fé, funda­
mento de todo o culto — os símbolos;
b) as que primàriamente exprimem a glória de
Deus com
— louvores: salmos e cânticos da Escritura, respon-
sórios, versículos e antífonas, hinos e sequências,
doxologias, aclamações, etc;
— acções de graças: prefácios, anáfora eucarís­
tica, etc.;
— expiações e propiciações: muitas orações «secre­
tas» ;
— súplicas: orações, como a «colecta», e em geral as
de carácter litânico;
c) as que se destinam primàriamente à santifjcação
das almas em ritos sacram entais: «confiteor», absolvições,
bênçãos, exorcismos, fórm ulas dos sacramentos;
d) as que têm fim instrutivo e exortativo: lições,
e exortações.

O canto litúrgico, nomeadamente no rito latino o


canto gregoriano está em geral feito para a letra. A s
frases, membros, incisos, acentuação e pausas musicais,

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DIVISÃO E ELEMENTOS DA LITURGIA

particularmente nas melodias silábicas, correspondem, por


via de regra, a igual acentuação e divisões estruturais do
texto. Pode, pois, o canto ser um elemento de interpretação
do sentido do texto.

4. — A regular os objectos, actos e fórm ulas da L itu r­


gia, estão as leis litúrgicas que consistem em rubricas,
decretos e costumes. Não são elas a L itu rg ia; mas também
se pode investigar e apreciar o valor teológico que com­
portam.

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A R T I G O III

C la ssificação d as lirurgias

I —O quadro hlstõrlcoi 1. —Séculos I-IV.


2. - Séculos 1V-VIII. 3. - Séculos IX-XI.
4. -S éculos XI-XVI. 5. -S écu los XV1-XX.
II — O quadro sistemático t 1- — Ritos orientais.
2. —Ritos ocidentais.

S elementos divinos essenciais fazem com que seja


uma só a L itu rg ia; os de instituição eclesiástica é
que constituem os vários ritos em que ela se celebra e que
re chamam também «liturgias».
Vamos fazer uma exposição delas, breve e rudimentar,
de harmonia com as proporções e a índole do nosso es­
tudo. Bastará, num aceno apenas de análise e de síntese
indicar as linhas gerais — da sua evolução histórica e
de sua classificação sistemática.

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NOÇÂO DE LITURGIA

Teremos assim uma introdução ao conhecimento das


diversas liturgias (‘ ). É pràticamente para o seu exame
teológico que terá aplicação o complexo teórico que ensaia­
mos elaborar.
P ara essa apreciação teológica, será fundamental
saber-se a duração e extensão que tem ou teve o uso das
várias liturgias enquanto unidas à Sé Romana. Enquanto
separadas, poderão ser um testemunho de tradição histó­
rica, mas não de Tradição teológica. Será útil também
para o estudo comparativo das liturgias e para a sua inter­
pretação conhecer-lhes as relações de origem.

( I ) Mais ampla e pormenorizada descrição pode ver-se nos livros que


enumerámos na Bibliografia de Liturgia, sobretudo em :
L. darin, Catcchismo Liturgico, i, 69-132.
f. CABROL, La Liturgie Romaine, em — L itu rg ia (Encyclop.), 501-508.
— Liturgie — D T C 9, vid. 794-799.
c. cali.ewaert, L itu rg. fnstilutiones, Tract. I ; De S. Liturgid univer-
sim, 56-121.
a. coelho, Curso de L itu rg ia Romana, 1, 10 -17 ; 76-82; 197-297.
I. palmais , La Liturgie, em — Initiation Thiologique, 1, 116-139.
L. uucHESNE, Origines du Culte Chrétien, 47-109.
r . janin, L ’ Église Orientale et les Rites Orientaux.
k. renaudot, Disserlatio de Liturgiarum Orientalium origine et aucto-

— e renaudot, L itu rgiaru m Orientalium Collectio, 1, 1-LXXVI.


M. RiGHEiTi, Manuale d i Storia L iiu rg ic a , 1, 76-140.
s. sala ville, Les Liturgies Orientales — Les familles liturgiques, em
— L itu rg ia {Encyclop.), S73-8S8.
— De vários autores: Les Liturgies occidentales autres que la litur­
gie romaine, em — L itu rg ia (Encyclop.), 793-872.

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CLASSIFICAÇÃO DAS LITURGIAS 43

1— 0 quBdro histórico

1. — Nos primeiros três séculos, os das perseguições,


mantém-se a simplicidade dos ritos ensinados pelos Após­
tolos. Ficando para sempre imutáveis os elementos essen­
ciais, simplicíssimos, de instituição divina do Sacrifício e
dos Sacramentos, no resto deixa-se, por um lado, margem
è improvisação dos ministros do culto, e nota-se, por outro,
tendência para uma disciplina de uniformidade. É à volta
dos principais centros de cristandade que se vão formando
c unificando as liturgias — Antioquia de Síria, Cesareia
de Capadócia, Alexwruh-ia e Roma.

2. — Reconhecida por Constantino a liberdade civil à


Igreja, expande-se o Cristianismo com as manifestações do
seu culto.
Vai-se extinguindo o paganismo no Império, e apa­
recem as heresias na Ig re ja : a Litu rgia aproveita algu­
mas práticas do culto pagão, cristianizando-as, e enriquece
ainda com novos elementos de reacção contra as heresias.
Evangelizam-se povos, organizam-se as distintas cir­
cunscrições eclesiásticas. Assim se criam outras diferen­
ças litúrgicas territoriais e se definem aquelas que já se
vinham esboçando sobretudo no Oriente. Três ritos afins
se formam na zona de influência de a n t i o q u ia : na S íria
o siríaco, na Mesopotâmia e Pérsia o caldeu, no Líbano o
m aronita; dois com proveniência principalmente de c e s a ­
r e i a : o arménio na Arm énia e o bizantino na Á sia M enor;

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44 NOÇÃO BE LITUKGIA

com duas modalidades se apresenta também o rito de


a l e x a n d r i a : a do rito copta no Egipto e a do etiópico na
\biosinia.
No Ocidente caiu o Império, e depois das invasões
dos Bárbaros, nasceram novas nacionalidades, o que influiu
na formação de liturgias nacionais. Enquanto a Ig re ja de
Á frica manteve ao que parece a liturgia romana, ao norte
da Itália formou-se a müanesa, nas Gálias a galicana, na
Península Ibérica a mosárabe e provàvelmente também a
sueva precursora da actual bracarense, na Inglaterra e
Irlanda as liturgias célticas.

3. — A s liturgias orientais estacionaram. A s ociden­


tais foram-se substituindo pela Liturgia Rom ana: a gali­
cana, no século IX , por obra de Pepino e de Carlos Magno,
não do P ap a; a mosárabe, no século X I por empreendi­
mento de S. Gregório V II. A liturgia ambrosiana e as
célticas perderam terreno. Os anglo-saxões evangelizados
por monges romanos receberam a Litu rgia Romana.

4. — Desde o século X I até ao Concílio de Trento,


exceptuando quase só a liturgia de Milão, é a Romana que
se segue em todo o Ocidente, mas com muita variedade de
usos locais.

5. — O Concílio de Trento resolveu a unificação per­


feita. Deviam extinguir-se as diferenças locais que nãc
tivessem pelo menos duzentos anos de existência. Come­
çaram desde então os Papas a editar os livros litúrgicoí
reformados e unificados. Continuaram alguns ritos parti­

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CLASSIFICAÇÃO DAS LITURGIAS

culares de mais de duzentos anos, por exemplo o rito Bra-


carense.
Os protestantes, tendo-se separado, criaram as suas
liturgias. Em França o galicanismo e o jansenismo provo­
caram também as liturgias neo-galicanas que nada têm
que ver com a galicana .antiga. Durou esta anarquia em
França, do século X V II ao século X IX , em que, devido à
campanha feita por Dom Guéranguer, se voltou à unidade
da Liturgia Romana.
Com fundarn&nto nesta evolução histórica, podemos
agora apresentar o quadro sistemático.

II — O quadro sistemático

1. — RITOS ORIENTAIS. Além de complicada a sua clas­


sificação segundo as características doutrinais, discipli­
nares, litúrgicas e também topográficas que hoje apresen­
tam, é ainda confusa a história das suas origens. Para
metermos um pouco de ordem, vamos dispô-los segundo as
suas linhas históricas comuns, que nos parecem mais prin­
cipais. Teremos assim uma notícia mínima, mas que serve
de introdução, clara e simples quanto possível, ao conheci­
mento complexo destes ritos.
Três núcleos principais do Cristianismo no Oriente
deram origem aos três grupos de ritos que podemos dis­
tinguir hoje em todo o aglomerado de liturgias orientais:
Antioquia na Síria, Cesareia na Capadócia e Alexandria,
no Egipto.

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46 NOÇÃO DE LITURGIA

a) De ANTIOQUIA sobretudo, e também de Je ru ­


salém, procede o rito Caldeu, o Siríaco e o Maronita,

O Rito Caldeu, que se fixou a partir do século V e foi


reorganizado no século V II, é seguido ainda hoje em siríaco
na Mesopotâmia e Pérsia, pelos cristãos que no século V
caíram no n e s t o r i a n i s m o . Há também nestorianos com
o mesmo rito no Makíbar. Desde o século X V I vivem,
numa parte e noutra, pequenas comunidades c a t ó l i c a s
desse rito, alterado.
0 Rifo Siríaco organizou-se a partir do século IV na
S íria e é hoje ainda seguido, em siríaco e em árabe, nessa
região, que no século V caiu na heresia m o n o f i s i t a , e
existe também em comunidades jacobitas do Malabar.
Desde o século X V II há na S íria um grupo de c a t ó l i c o s
do rito siríaco, alterado. No Malabar, desde o ano 1930,
vive unido à Ig re ja de Roma um grupo cristão do chamado
rito Siro-Malancar.
O Rito Maronita fixou-se no século V II e é seguido
ainda hoje, em siríaco e e m árabe, só por c a t ó l i c o s , no
Líbano. Não há cismáticos neste rito. Recebeu no sé­
culo X V I influências latinas.

b) De CESA REIA principalmente, provém o rito


Arménio e o Bizantino.

O Rito Arménio q u e s e f i x o u n o s é c u lo IV, é a i n d a


h o je s e g u id o , n a s u a l í n g u a c lá s s ic a , p e lo s Arménios, os
quais n o fim do s é c u lo V Proce-
c a í r a m n o m o n o f i s is m o .

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CLASSIFICAÇÃO DAS LITURGIAS 47

dente principalmente de Cesareia, recebeu também influên­


cias de Antioquia e de Bizâncio. Desde as Cruzadas, pelos
fins do século X II formou-se um grupo CATÓLICO do
mesmo rito, alterado ainda por infiltrações latinas.
O Rilo Bizantino, fixou-se no século IV, em língua
grega; formou-se com elementos que lhe vieram de Cesa­
reia e com outros próprios. Foi adoptado pelas imensas
regiões que de Constantinopla receberam a fé católica e
que no século X I com o c i s m a de Miguel Cerulário, caíram
da verdadeira Igreja. Nas várias regiões adoptou a língua
e modalidades próprias.
É hoje seguido pelos vários grupos nacionais, na
Rússia, em algumas comunidades na Letónia, Estónia e
Finlândia, em regiões da parte oriental da Polónia, na
Geórgia, Roménia, Sérvia, Burgária, Albânia, Grécia, em
algumas cristandades da Ásia Menor e pelo grupo dos
Melquitas, isto é, o de pequenas comunidades do Egipto,
Síria e Palestina, que no tempo das heresias nestoriana e
monofisita se tinham mantido na fé católica.
É actualmente o Bizantino, o rito que depois do Ro­
mano tem maior número de cristãos: uns duzentos milhões
ao todo, dos quais só cerca de oito milhões são c a t ó l i c o s .
Este e os outros ritos orientais encontram-se disper­
sos também por outras partes, particularmente entre
populações emigradas, na América.

c) De ALEXANDRIA provêm as duas modalidades


actuais do Alexandrino primitivo — o rito Copta e o
Etiópico.

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NOÇÂO DE LITURGIA

O Rifo Copfa que se fixou no século IV entre os


egípcios, os quais no século V caíram na heresia m o n o f i -
, é hoje seguido, em copto e árabe, pelos cristãos que
s it a
ainda ficaram da invasão dos Árabes, e por um pequeno
grupo c a t ó l i c o que lá existe desde o século X V III.
O Rito Etiópico fixou-se no século V na Abissínia, a
qual no século IX aderiu definitivamente ao m o n o f i s is m o .
é seguido hoje na língua antiga pelos cristãos cismáticos
daquela nação, e por um pequeno grupo c a t ó l i c o que lá se
formou no século X V II.

2. —■ RITOS OCIDENTAIS. Formados geralmente segundo


as nacionalidades criadas no Ocidente da Europa, são
entre si bem distintos — o rito Romano, o Ambrosia/no, o
Galicano, o Mosárabe e os Célticos. O Rito Romano tem
origem própria; o Ambrosiano, o Galicano, o Mosárabe
e os Célticos, estão filiados segundo uns, nas liturgias
orientais, segundo outros na romana. São todos só de
c a t ó l i c o s ; os protestantes criaram as suas liturgias.

O Rito Romano formou-se em Roma a partir do sé­


culo I V ; entre o século IX e o século X I consegue dominar
praticamente no Ocidente. Depois dos Descobrimentos, a
evangelização levou-o à África, Ásia e Am érica. Chegou-se
à sua unificação perfeita no Concílio de Trento.

Claramente filiados no rito Romano, estão o Braca-


rense e o Lionês actuais e ainda outros ritos peculiares de
algumas Ordens Religiosas.

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CLASSIFICAÇÃO DAS LITURGIAS

O Rito Bracarense actual, da arquidiocese de Braga,


é o Romano, lá usado desde o século X I, com usos litúr-
gicos regionais. A form a da liturgia de B rag a do tempo
dos Suevos, isto é, anterior à extensão do rito mosárabe a
toda a Península, não é ainda de todo conhecida.
O Rito Lionês que se observa na arquidiocese de Lião,
é também o rito Romano, implantado nas Gálias no século
IX em substituição do galicano.
Os Ritos de algumas Ordens Religiosas são outras
tantas modalidades do Romano que sobreviveram à unifi­
cação litúrgica feita depois de Trento por S. Pio V. Entre
esses estão: o dos Cónegos Regulares Premonstratenses,
o dos Dominicanos, o dos Carmelitas, o Rito Monástico só
quanto ao ofício e o Rito Cartusiano só para a m issa entre
os Cartuxos, os quais para o ofício seguem o rito mo­
nástico.

O Rito A m b r o s ia n o formado entre os séculos IV


e V III no norte da Itália, recebeu influências romanas a
p artir do século IX e é hoje seguido na arquidiocese de
Milão, exceptuando algumas paróquias que são de rito
Romano. É usado ainda em outras determinadas paróquias
das dioceses de Lugano, Bérgamo e Novara.
O Rito Galicano foi formado entre o século IV e o
o século V III nas Gálias; foi substituído no século IX pelo
Romano. Pode dizer-se representado hoje, mas só simbo­
licamente, no rito Lionês, que é afinal, como foi dito, o rito
Romano antigo que no tempo de Carlos Magno foi substi­
tuir o Galicano.
O Rito Mosárabe formou-se na Península Ibérica

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NOÇÃO DE LITURGIA

depois da invasão dos Bárbaros e foi substituído pelo


Romano no século X I. Existe hoje como relíquia, o que,
restaurado antes de Trento, é observado pelo cabido da
capela do «Corpus Christi» na Sé de Toledo; e às vezes
celebrado também numa capela mosárabe da Sé Velha de
Salamanca.
Os Ri lo s C é lt i c o s antigos são diferentes e pouco
conhecidos (2).

(*) Pode ver-se deles alguma noticia e bibliografia em:


L. G odgmjd, Les Liturgies celtiques, em — L itu rg ia (E u cyclop.),
822-827.

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A R T I G O IV

Classificação dos livros litú rgico s

1— Documentos dos quatro primeiros séculos.


2. - Livros litúrgicos orientais. Bizantinos actuais.
3. — Romanos. Bracarenses. 4. — A m b ro sian os.
5. —Galicanos. 6. —Mosdrabes. 7. — Célticos.

, A R A o seu emprego na Teologia precisam os livros li­


túrgicos de ser examinados com crítica histórica
ara se saber se são autênticos, e com crítica teológica,
ito é, tendo-se em conta a duração, extensão do seu uso e
atoridade eclesiástica de que dependem. Damos por isso

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NOÇÃO DE LITURGIA

como no artigo precedente, uma introdução sumária ac


conhecimento dos principais livros das várias liturgias 0 ).

1 . — Até ao século IV, para só enunciarmos os do­


cumentos principais e de data mais determinada, sãc
importantes para o conhecimento da Liturgia prim itiva:
a DIDACHÉ, a APOLOGIA I DE S. JU STIN O , a TRADIÇÃO APOS­
TÓLICA de St.° Hipólito, o e u c o l ó g io d e s e r a p i ã o , e a
PEREGRINAÇÃO DE ET ÉRIA AOS LU G A RES SANTOS.
A s c o n s t i t u iç õ e s a p o s t ó l i c a s , embora dos princípios
do século V, reflectem também, nos livros V II e V III a
Litu rgia do século IV.

2 . —'D as liturgias orientais tem primeira importân­


cia o texto mesmo da m issa chamado «Liturgia», como o
que entre o s Bizantinos leva o nome de l i t u r g i a d e s . b a -

( I ) Informação mais pormenorizada pode ver-se nos vários livros de


Liturgia que na Bibliografia enumerámos, especialmente :
L. Baris , Catechtsmo L itu rgico , 1, 24-33.
p. batiffol, Leçons sur la Messe, 65-66.
f. cadrol, Liturgie — D T C 9, vid. 799-818.
c. c a lle w ae rt, Liturgicac Institutiones, Tract I ; De S. Liturgia uni
vcrsim, 69-81 ; 123-139.
a. coelho, Curso de L itu rgia Romana, 1, 18-25.
L. Duchesse, Origines du C ulie Chrélien, 124-170
0. DURET, Les Livres Iiturgiques, em — L itu rgia (Encyclop.), 397-435
L. Eisenhofer, Handbuch der L itu rgik , 1, 5 7 -1 11.
PH. Oppenheim, Inst it. Syst.-Hist. in Sacr. L it., 4, 3-177.
p. puniet, L e Pontifical Romain, 1, 13-42.
m. RiGHKTTi, Manuale d i Storia L itu rgica, 1, 204-277.
1. schuster, L ib er Sacramentorum, 1, 3-9.

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CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS UTÚRGICOS 53

s í L i o , e d e l i t u r g i a DE s. JOÃO c r i s ó s t o m o . O e s t i lo o r ie n ­
ta l é e x u b e r a n te e fig u r a d o .
Os livros de uso actual nas liturgias orientais, corres­
pondem geralmente aos da liturgia rom ana: um Missal
com os livros acessórios para as leituras e o canto, um
Ritual para os sacramentos e sacramentais, e vários livros
para o ofício divino.
Concretamente na liturgia bizantina, pela sua exten­
são a principal hoje entre as orientais, usam-se actual­
mente os seguintes livros litúrgicos: para a missa e admi­
nistração dos sacramentos mais frequentes o Aenovpyucóv
ou 'lepaTucóv, com o livro das epístolas 'AtróaroXoq e o dos
evangelhos GvayyéXiov; como Ritual completo para os
sacramentos e sacramentais o €vxo\óyiov, manual de pre­
ces o AyiaapaTáptov, e como Pontifical o ApytepaTiKÓv;
p ara o ofício divino, o tyáXrijpiov, o 'QpoXóyiov (Comum do
Tempo e dos Santos), a flapaKXtiTiicti (Próprio do Tempo
«per annum»), a 'Okt(Í»ixoç (excerpto do precedente para
os Domingos), o TpiéStov (Próprio das três semanas que
precedem a Páscoa), o flevTeKocrrápiov (Próprio do Tempo
Pascal), os Miivcâa (Próprio dos Santos), o GippoXóyiov
(livro de cantos) e o QeoroKÚpiov (livro especial de cantos
em honra da Mãe de D e u s); finalmente como livro ceri­
monial O T v tv ikó v .

3. — Da lirurgia romena antiga, o s a c r a m e n t á r i o


é de data, uso e autor incertos. O s a c r a m e n t á ­
l e o n ia n o

r io , provàvelmente dos fins do século V, com


g e l a s ia n o
adições posteriores, foi um livro oficial da Ig re ja romana
usado na Itália, Gálias, Inglaterra e outras regiões. O s a -

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64 NOÇÃO DE LITUBGIÀ

CRAM ENTÁRio g r e g o r i a n o , com fundo do Gelasiamo, tra­


balhado certamente também por S. Gregório Magno, e com
adições de fórm ulas galicanas que foi recebendo, foi o que
veio dar no missal romano actual. O s o r d i n e s r o m a n i são
cerimoniais do século IX ao século X V , e não livros de
fórm ulas litúrgicas. O estilo romano é sóbrio, jurídico.
Da litu r g ia r o m a n a a c t u a l, foram oficialmente enume­
rados estes liv ro s: o m i s s a l , o b r e v i á r i o e m a r t i r o l ó g i o ,
O PO N TIFICAL, O R IT U A L, o PRÓPRIO DAS DIO CESES E ORDENS
como livros de textos litúrgicos; o c e r i m o n i a l
r e l ig io s a s ,
DOS BISPO S, O MEMORIAL DOS RITOS, a colecção dos DECRETOS
e a i n s t r u ç ã o Cl e m e n t i n a , como livros de leis litúrgi­
cas (2). São também livros litúrgicos actuais, os do c a n t o
GREGORIANO.
Da litu r g ia b r a c a r e n s e foram restaurados e retoca­
dos o Breviário em 1919, e o M issal em 1924. Missais
braicarenses antigos, já impressos, conhecemos: o de
de D. Jo rge da Costa, impresso em Lisboa em 1498, o de
D. Diogo de Sousa editado em Salamanca em 1512, e o de
D. F re i B altasar Limpo, impresso em Lião em 1558.

4. — Da litu r g ia a m b r o s ia n a , os antigos livros ma­


nuscritos, estão ainda, quanto sabemos, por editar.

5. — Da litu r g ia g e lic a n a são principalmente o M IS-


S A L E GOTHICUM, O M ISS A L E GALICANUM V ETU S, O M ISSA LE
FRANCORUM e o m i s s a l DE BÓBIO, todos eles, sobretudo O
«Missale Francorum» com infiltrações da liturgia romana.

( 1) D ter. Auth Congr. S. Rit-, 4266, 9.

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CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS LITÚRGICOS 55

São livros que não testemunham bem a antiga liturgia gali-


cana, pelas infiltrações que receberam e erros dos copistas
e por se desconhecer o uso e autoridade que os garantia.
E rros doutrinais galicanos que se reflectem nesses livros,
são a retribuição retardada depois da morte e a separação
entre a divindade e o corpo de Cristo no túmulo. O estilo
galicano não tem o recorte sóbrio do romano e é prolixo.

6. —• Da liturgia mosérebe antiga, dão testemunho


bastante completo: o c o m e s ou l í b e r c o m i c u s , o l í b e r
ORDINUM, o LIBER MOZARABICUS e O LIBE L LU S ORATIONUM.
O missal e breviário aotuais estão retocados, e esperam
reforma segundo o primitivo rito que já é bastante conhe­
cido para se poder reconstituir. A liturgia mosárabe foi
eiquivocadamente suspeita de heresia na controvérsia do
Adopcianismo (3). O estilo dela é também prolixo à seme­
lhança do galicano.

7. — Das liturgias céliicas há só testemunhos fra g ­


mentários particularmente no m i s s a l s t o w e ; são nelas
características as fórm ulas de bênção e exorcismos, ladai­
nhas, apologias e hinos.

(* ) Vid. infra, Parle II, eap. II, art. II, g II; cap. III, art II, 7-8.

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CAPlTULO II

O PROCESSO TEOLÓGICO

que pretendemos é saber a utilidade da Liturgia no


processo de trabalho do Teólogo. Expusemos o que enten­
díamos por Liturgia. Precisamos de dizer como entendemos
o processo teológico. Prescindimos das divergências recentes
neste assunto, e basta-nos, guiados pelas normas do Magis­
tério na encíclica «Humani Generis», seguir a linha central
traçada por S . Tomás, estabelecida por Melchior Cano, o
organizador da Metodologia teológica, e comummente admi­
tida e continuada pelos Teólogos.
Mais do que fazer uma análise crítica, o que aqui inte­
ressa, para uma noção preliminar, é tentar um arranjo sinté­
tico, fiel, da teoria do processo teológico que até hoje har-

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58 0 PROCESSO TEOLÓGICO

mònicamente se vem construindo através daquela linha his­


tórica (')•

(1) Não julgamos necessário pnrn o nosso trabalho referir as vArias


tendências modernas de processo ou método em Teologia, as quais chegaram
a ter alarmante desvio na chamada «Teologia Nova». A encíclica iH um ani
Generis» (A A S 42 [1950] 561-56S), veio reconduzirão verdadeiro caminho.
O que í . Tomás deixou sobre a noção de Teologia {S. Th., 1, 1) e sobre o
processo teológico (S. Th., 1, q. 1, a. 8, ad 2) cremos que são as linhas se­
guras e claras do esboço fundamental que os modernos estudos terão de
preencher. Melchior Cano tornou clássico aquele processo nos 12 livros do
seu «De Locis Theologicis».
Na nossa exposição, temos contudo em conta estudos ulteriores, funda­
dos nas mesmas bases. Enunciámos esses estudos na Bibliografia, e cha­
mamos particularmente a atenção para os seguintes:
j. aenTHten, Tractatus de Locis Theologicis, — que completa, moder­
niza e adapta ao uso escolar a obra de Melchior Cano;
*. iANG, D it Loci Theologici des M. Cano, — uma das obras que
inaior contributo deram para a moderna metodologia teológica.
Não tanto sobre o método, quanto sobre os principios que ontològica-
mente lhe dão base, são clássicos:
j. raiNZKLiN, Tractatus de D ivina S crip tura et Traditione, e
d. PALMiERi, De Romano Pontífice.
Merece ainda menção:
j. oviNVEL, De Magistério Vivo et Traditione.
Estudos modernos sobre o método em Teologia, salientamos:
j. aldau.v, Problemas de Metodologia Teológica Moderna.
em — L a s Ciências, 6 (1941) 4 11-4 16 ;
m. NicoLfcU, Etapas dei proceso teológico,
em — Estúdios Eclesiásticos, 19 (1945) 145-205.
— Introductio in Theologiam,
em — Sacrae Teologiae Summa, 1, 15-28, que nas notas cita abun­
dante e actualizada Bibliografia.

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0 PROCESSO TEOLÓGICO 59

Tratando-se de investigar como a Liturgia é para o


T eólogo um Lugor Teológico, e com que Notas se poderá
qualificar a doutrina que nela se encontra, impõe-se, por
motivo de lógica e de método, uma exposição preliminar, que
vamos fazer assim dividida:

Artigo I — Função do Teólogo


Artigo II — Lugares Teológicos
Artigo III — Notas Teológicas

Sobre a «Teologia Nova», depois da Encíclica «Humani Generis», tem-


-se escrito bastante. Anteriormente & Encíclica, chamamos o atenção para os
dois criteriosos artigos:
i. itu rrio z, Nueva Teologia, em — Raziti y F é, 141 (1950) 43-67 ;
m. NicoLAU. La Novedad en Teologia, em — E st. Ecles., 24 (1950) 5-42.
Sobre as Notas Teológicas, citamos especialmente:
s. cartechisi, De Valore Notarum Theologicarum;
r. SALAViRRt, De Ecclesia Christi.em — Sacrae Teol. Summa, 1, 763-775.

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ARTI GO I

Função do T eólogo

I. —A Teologin. 3. — O objectivo e método do


Teólogo. 3. — A nossa questão.

sa g ra d a Teologia, como ciência, é um a ciência h u ­


m ana. São hom ens os Teólogos. 0 seu processo é
p o rtan to de raciocínio (2), que é m an e ira de conhecer espe­
cífica do homem. A ciência deduz das causas ou princípios
p a ra conhecer. Os princípios aceitam -se p o r serem certos.
Ou neles b rilh a a evidência da su a objectividade que
su bjuga o entendim ento, ou então, estão provados ou ju s ­
tificados em o u tra ciência s u p erio r (3).
Os princípios da Teologia são as verdades reveladas
p o r Deus (*). São verdades d a ciência p ró p ria de D eus e

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0 PROCESSO TEOLÓGICO

dos Bem-aventurados (5). São pois princípios verdadeiros


justificados em si mesmos: os mais certos e infalíveis de
todos os princípios (°). Portanto é a Teologia uma ciência
humana, sobrenatural, imediatamente encadeada à ciência
do mesmo Deus através dos princípios que dela recebe.
Deus revelou verdades que a razão humana ü ã: podia
por si descobrir, como a Santíssim a Trindade, e revelou as
que o nosso entendimento pode atingir, como a existência
de Deus. Todas as verdades são susceptíveis de ser revela­
das ou directamente por afirmação explícita de Deus, ou
indirectamente, quer por afirmação im plícita, quer por
dedução de outras verdades directamente reveladas. Todas
as verdades, pois, podem ser consideradas como revelá­
veis (7) e nesse sentido a todas se estende o campo da
Teologia. Não importa que elas tenham sido descobertas
por outras ciências, contanto que o venham a ser por meio
da revelação directa ou indirecta, pois «o meio de conhecer
diverso induz a diversidade das ciências» (8).
«A doutrina sagrada é ciência, pois deriva de princí­
pios conhecidos à luz de uma ciência superior, a saber, a
de Deus e a dos Santos» (“). É nela que a m etafísica toma
contacto directo com a ciência de Deus. Portanto todas
a>s ciências humanas que ultimamente tiram os princípios
da m etafísica vêm com ela objectivamente encadear-se na
Teologia sobrenatural e por esta na ciência eterna de Deus.

(5) .£ Th., i, q. i, a. 2 ; a. 6 nd 1 et ad 3.
(«) Ibid., a. 5 ad 1 ;cfr. Ps. 18, 10.
(») lbid., a. 3.
(8) Ibid., a. i ad 2.
(») Ibid., a. 2.

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FUNÇÃO DO TEÓLOGO 83

2. — Verificando as verdades explicitamente revela­


das, o Teólogo obtém, ao combiná-las umas com outras,
novas verdades que podem dizer-se implicitamente, ou de­
dutivamente reveladas. É o entendimento humano em
busca da f é : é isso Teologia positiva. Mas o entendimento
humano, por ser humano, não está afeito à ciência divina,
e por exigência conatural utiliza as ciências inferiores
humanas e fá-las servir a Teologia (10). Combina pois o
Teólogo as verdades reveladas, também com as verdades
da razão. É neste caso a fé que busca o entendimento.
Vem a ser isso a Teologia escolástica.
Todo o homem de ciência, o que por fim pretende,
é ordenar conhecimentos, que sabe apreciar ou julgar.
Ordener e julger é o objectivo do sábio, no conceito de
Aristóteles perfilhado por S. Tomás (” ). O caminho
porém não pode ser senão invesMqar para poder concluir,
e ir ajuizando sempre para poder propriamente conhecer.
É o processo de toda a ciência, que é conhecimento através
das causas.
É função portanto, do Teólogo, deduzir da combinação
de verdades reveladas, entre si e com as verdades de razão,
outras verdades, ou verificar como estas se deduzem da­
quelas, que é afinal a mesma coisa por caminho inverso.
Vem a ser .pois o objectivo final do Teólogo, acabar
por ordenar conhecimentos, que sabe apreciar ou julgar,
acerca de Deus e de todas as coisas, enquanto se relacio­

(10) lbid., a. s-
(11) lbid., a. 6.

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0 PROCESSO TEOLÓGICO

nam com Deus ( 12) : «respondeo dicendum» — é a expres­


são sintética da função teológica.
P ara lá se chegar, impõe-se um método de trabalho:
um processo para investigar ou encontrar, e um processo
para julgar. P ara o primeiro, servem os Lugares Teo ló ­
gicos que sistematizam os princípios; para o segundo
servem, além deles, sobretudo as Nofas Teológicas que
qualificam as premissas e são argumentos de aprovação
das conclnsões às quais também qualificam.

3. — Temos pois os primeiros delineamentos da nossa


queslão: a Litu rgia é, pelo menos, um documento ou teste­
munho do Dogma nas mãos do Teólogo. Qual o seu alcance?
Quer dizer: até que ponto é L ugar Teológico? Quais as
condições do seu valor? Isto é : com que Notas Teológicas
se podem m arcar os dados fornecidos por ela?
É preciso, por isso, ter um conhecimento do que são
Lugares Teológicos e Notas Teológicas.

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A R T I G O II

Lu ga res T eo ló gico s

1. —Fundamento. —Noção e divisão.


3. —A nossa questão.

^ ^ s s i m como o Verbo incarnou, assim a palavra de Deus


desceu também à terra e anda entre os homens.
No Verbo incarnado distingue-se o elemento divino e o ele­
mento humano; um e outro são da mesma Pessoa divina
— o Verbo. A ciência eterna de Deus, tomou corpo em
palavra humana, a qual por isso passou a ser coisa divina.
A palavra original da Sagrada E scritura é toda palavra
de Deus. A doutrina que os Apóstolos receberam de Cristo
ou do Espirito Santo, é também toda palavra de Deus, e
chama-se Tradição, quer dizer, doutrina ou objecto da
tradição.

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0 PROCESSO TEOLÓGICO

A verdade da Escritu ra e da Tradição foi confiada


por Cristo à Ig re ja que tem autoridade para a transm itir
aos homens (*). Por essa garantia divina, não pode haver
engano quando o corpo docente dos Bispos, ou só o Sumo
Pontífice, impõem à Ig re ja a mesma verdade como reve­
lada (2). Mas nem sempre eles assim procedem.
Anda portanto a ciência pura de Deus, incarnada em
palavra humana, no meio dos homens, e envolta em outros
elementos humanos. A purar a palavra revelada, e elaborar
com ela estes elementos humanos é, segundo dissemos,
função do Teólogo. P ara um e outro trabalho encontra ele
subsídios nos Lugares Teológicos.

2. — São os Lugares Teológicos, diz Melchior Cano,


• como domicílios onde os Teólogos encontram todos os seus
argumentos» (*). Assim como Aristóteles dividira em dez,
as categorias dos seres, e Rodolfo Agrícola classificara no
seu «De Inventione Dialéctica» os tópicos da Retórica ou
lugares dialécticos, assim também Melchior Cano, o fun­
dador e o Doutor universal da Metodologia teológica, achou
que convinha distinguir dez Lugares Teológicos, para o
método em Teologia. E enumerou os seguintes:

( 1) Cone. Trid., Sess. 4 — C T 5, 9 1-92; M si 33, 22-23; ^ 7 8 3 -


--86 ; C/C 1322, 1.
(*) Cone. V atic, Sess. 3, cap. 3 ; Sess. 4, cap. 4 — C L 7, 252.487;
E S 1792, 1839.
(8) m. cano, De Locis Theologicis, 1, 3, em —Opera, 1, 6.

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LUGARES TEOLÓGICOS 67

1) a autoridade da Sagrada Escritura,


2) a autoridade das tradições de Cristo e dos Após­
tolos,
3) a autoridade da Ig re ja católica,
4) a autoridade dos Concílios,
5)' a autoridade da Ig re ja romana,
6) a autoridade dos Santos Padres,
7) a autoridade dos Teólogos c dos Ju ristas canó­
nicos,
8) a autoridade da razão natural,
9) a autoridade dos filósofos, e
10 ) a autoridade da história humana (4).

Não menciona expressamente a L itu rg ia; mas a di


são de Melchior Cano não é adequada nem homogénea. Ele
mesmo confessa que outros podem divididos em mais, e
outros em menos (s). De facto, a prática moderna do
método teológico reduziu-os a três:

1) Escritura,
2) Tradição,
3) Razão Teológica.

A Teologia, com efeito, usa os princípios de fé que


estão na Escritu ra e Tradição, e os princípios de razão, a
qual serve a Teologia.

(*) Ibid. — Opera, i, 6-7.


(S) Ibid. — Opera, 1, 6.

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o rnocESSO teológico

Coligindo as várias form as de divisões geralmente


admitidas, podemos organizá-las num só quadro sinóptico,
cuja explicação damos a seguir.

Quadro dos Lugares Teológicos

1 - ESCRITURA | Fundamentais
( Conslilulivos
. 2 —TRADIÇÃO

, 3 - AUTORIDADE \ Intrínsecos
DA IGREJA /I Próprios
4 -C O N CÍLIO S > Essenciais
i 5-ROM ANOS Y (fundados
PONTÍFICES ) Órgãos
) Declarativos j
6 -SANTOS (Subjectivos)
Auxi­

I
\ Secu n-1 PADRES liares
dérios j 7-TEÓ LO G O S
( - O s Fiéis)
(prová-

; 8-R A Z Ã O Extrínsecos

Í
, \ NATURAL Impróprios
9— FILOSOFIA Subsidiários
TEOLÓGICA 110 — HISTÓRIA
(fundados
I (— As Ciêncins)
nn razío)

Há uma só fonte de conhecimento da verdadeira reli­


gião positiva — a palavra revelada que é a do texto origi­
nal da ESCRITURA e a da t r a d i ç ã o objectiva — conjunto
de verdades comunicadas por Cristo ou pelo Espírito
Santo aos Apóstolos. São estes afinal os dois Lugares
Teológicos fundamentais, objectivos e conslilulivos do
Dogma.

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LUGARES TEOLÓGICOS

Mas o original inspirado da Escritu ra não se conserva.


Pode hoje, é certo, cientificamente averiguar-se com bas­
tante aproximação. Mas esse é um trabalho crítico e indi­
vidual que não garante a firm eza da homenagem séria e
universal da fé da Igreja. Por outro lado o coipo de ver­
dades divinas da Tradição não é transmitido senão por
elementos humanos de umas gerações a outras.
Quem pode, pois, garantir o acerto da homenagem da
fé de toda a Ig reja? Não a razão frág il humana, nem era
conveniente que o fosse, pois se trata de religião sobrena­
tural e não da puramente natural (°).
Assim como Deus criador conserva os seres que criou,
assim Deus revelador mantém as verdades que revelou e
fá-lo pelo poder de Magistério que deixou na Igreja.
A AUTORIDADE docente DA IGREJA é o órgão directivo do
conhecimento do Dogma. Exercem-na ordinàinamcnte para
toda a Igreja, os Bispos dispersos pelo mundo; extraordi­
nária e solenemente, reunidos em CONCÍLIO» tanto ordi­
nária como solenemente, exerce-a o ROMANO p o n tIfice .
Não constituem eles a doutrina revelada; são órgãos que
a conservam, a interpretam e a transmitem. São pois
Lugares Teológicos declarativos e não constitutivos da
revelação. São a chamada Tradição subjectiva. Desta ma­
neira a Escritu ra está incluída também na Tradição. São
pois todos estes os Lugares Teológicos primários. De si
provam eficaz e necessariamente.
Deus revelou e a Ig re ja com o seu Magistério indica o
que Deus disse. É o Magistério a norma autêntica da fé.

(«) Cfr. S . TU , i , q. 1, a. i .

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70 0 PUOCESSO TEOLÓGICO

A verdade revelada e autênticamente declarada é recebida


nos fiéis que a professam, e ecoa solenemente nos SS. PA­
DRES e nos TEÓLOGOS. Os Santos Padres, homens exímios em
santidade e doutrina nos primeiros sete séculos, reconhe­
cidos como tais pela Igreja, são preclaro testem unho da fé
da Ig reja discente que representam, e da Ig re ja docente
que os aprova e à qual muitos pertencem. Os Teólogos que
lhes sucederam, são entre a Ig re ja discente os mais dis­
tinguidos no conhecimento da fé, e têm também mandato
tácito ou explícito da Ig re ja docente para a ensinarem.
De si, os Santos Padres e os Teólogos, enquanto tais, não
enquanto porventura Bispos que foram, não são norma
autêntica da fé, mas são excelente testemunho dela. São
também órgãos declarativos da palavra revelada, e Luga­
res Teológicos secundários e auxiliares para o conheci­
mento dela. Fornecem normalmente princípios prováveis,
e se são unânimes em questão grave ou de fé, fornecem
princípio certo, porque essa unanimidade importa parecer
solidário com o M agistério infalível (7).
Estão pois enumerados segundo a lista tradicional de
Melchior Cano, os Lugares Teológicos intrínsecos ou pró­
prios e essenciais à Teologia Dogmática. É neles que se
encontrará a palavra revelada que está no mundo, isto é,
os Dogmas, ou sejam, os princípios próprios da Teologia.
Mas a graça não destrói a natureza, nem a religião
sobrenatural destrói a religião natural. Como o Teólogo é
homem, serve-se dos seus conhecimentos humanos, para,
combinando-os com os divinos revelados, elaborar um

('•, u. cano, op. cit., 7, 3; 8, 4, em — Opera, 2, 56-81 ; 92-96.

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LUGARES TEOLÓGICOS 71

corpo de doutrina divino-humana — a Teologia Escolás­


tica. Recorre assim à r a z ã o t e o l ó g i c a , e busca tam­
bém argumentos, como em Lugares Teológicos subsidiá­
rios, extrínsecos ou impróprios, na RAZÃO NATURAL, nos
FILÓSOFOS, e na h istó r ia humana que são os três últimos
enumerados ,por Cano. Hoje teríamos de incluir entre eles
de um modo mais explícito as ciências, que no tempo de
Melchior Cano estavam compreendidas na Filosofia.
J á S. Tomás, génio na síntese e no método, deu de
uma form a sintética e metódica, em uma simples resposta
a uma objecção, o fundamento e a doutrina do tratado
sobre os Lugares Teológicos (s). Melchior Cano ampliou.
Cremos ter sido fiéis ao pensamento de ambos, sem que
(s ) Merece bem a pena ver esse tratado em gérmen, nas mesmas pa­
lavras de S. Tomás (.S. TA., i, q. i, a. S ad a):
*É sumamente próprio desta doutrina argumentar por au toridade,
uma vez que os princípios são obtidos pela REVELAÇÃO. Pelo que, é
mister acreditar na autoridade daqueles a quem a revelação foi feila. Nem
isso derroga á dignidade de tal doutrina; pois, embora fragilíssimo o lugar
da autoridade lundada na razão humana, é contudo cficacissimo o lugar da
autoridade que assenta na revelação divina.
Mas a doutrina sagrada também usa da RAZÃO humana, não, por
certo, para provar a fé, o que lhe suprimiria o mérito, senão para manifestar
alguns outros ensinamentos desta doutrina. Pois, como a graça não telhe,
mas aperfeiçoa a natureza, importa que a razão humana preste serviços à
fé, assim como a inclinação natural da vontade serve a caridade. Por isso
diz o Apóstolo (2 Cor. 10, 5): Reduzindo a cativeiro todo o entendimento
p a ra que obedeça a Cristo. Daí provém que a doutrina sagrada até lança
mão da autoridade dos filósofos, nos assuntos em que pela razão natural
puderam conhecer a verdade. Assim Paulo (Act, 17, 2S) alega a palavra de
Arato: Como disseram ainda alguns dos vossos poetas: somos linhagem
divina. De tais autoridades porém se aproveita a doutrina sagrada como de
argum entos estranhos e p ro v á v e is; ao passo que emprega as aulorida-

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72 0 PROCESSO TEOLÓGICO

deixássemos de ter também em vista a prática do uso


moderno entre os Teólogos, dos Lugares Teológicos.

3. — J á se pode agora delinear mais distintamente a


nossa questão. Sabemos que a Litu rgia é de alguma ma­
neira testemunho do Dogma, isto é, um L u gar Teológico.
Sabemos ainda que ela consta de elementos divinos e jun­
tamente de elementos humanos.
Sendo assim, constituirá a Litu rgia um L ugar Teo­
lógico autónomo, diferente dos enumerados? Ou estará
incluída em algum deles? Parece até que está dividida por
vários, pois ela contém, por exemplo, testemunhos da E s ­
critura, dos Romanos Pontífices, dos Santos Padres, dos
Teólogos, da História. Mas em que coincide com esses
Lugares Teológicos? Convirá contudo considerar-se fo r­
malmente como um Lugwr Teológico àparte? Nesse caso
com que N ota Teológica se pode qualificar o que nela se
contém?
Para esclarecei* esta última pergunta, vem a exposição
do artigo seguinte.
des dos ESCRITORES CANÓNICOS como argum entos próprios e n eces­
sários.
Quanto às autoridades dos OUTROS DOUTORES DA IGREJA, delas
usa como de argum entos próprios, mas de valor p ro vável. Porque a
nossa fé funda-se na revelação feita aos Apóstolos e Profetas, que escreve­
ram os livros canónicos; não, porém, na revelação porventura feita aos de­
mais doutores. Por isso diz Agostinho na carta a Jerónimo (19, cap. 1) :
Somente aos livros da E scritu ra, chamados canónicos, aprendi a prestar a
honra de crer firmemente que nenhum dos seus autores errou em coisa al­
guma ao escrevê-los. Os outros, porém, p o r mais eminentes que sejam na
santidade ou na doutrina, leio-os de tal maneira que não tenho p o r verda­
deira uma coisa, só porque eles assim pensaram ou escreveram.»

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A R T I G O III

N otas T e o ló g icas

s u m á r io :
1. —Fundamento. 2. — Noçüo e divisão.
3. - A nossa questão.

Q bom Teólogo sab e rá sobretudo propor a questão e


qu alifica r a conclusão. A questão e a conclusão
vêm a ser a m esm a coisa: um a em fo rm a de p e rg u n ta e
o u tra em fo rm a de resposta (')• A ssim procede S. T om ás:
« í/ín m ...» , «Respondeo dicendum...» N a conclusão, porém ,
t que está o fru to do trabalho teológico. P rec isa o Teólogo
de saber encontrá-la; m as não basta, é necessário aju iza r
sobre ela.
P rim e iro os juízos gerais feitos sobre os L ugares
Teológicos geram juízos sobre proposições p articulares,
de lá ex tra íd a s; e estes dão base p a ra se ju lg a r e qualifi­
c a r por fim a conclusão do raciocínio. A qualificação que
(l) u. caso, De LocD Tluologicis, 12, 4, em — Opera, 3, 30.

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74 0 PROCESSO TEOLÓGICO

dá o Teólogo a qualquer proposição, deve ser feita, colo­


cando essa proposição no seu posto de referência à fé
católica. É que a verdade mais certa é a que Deus revelou,
e a Igreja, com a autoridade que recebeu de Deus, propõe
como revelada.
Tudo o que «está contido na palavra de Deus escrita
ou transmitida», é de fé divina. Encontra o Teólogo estas
verdades nos dois prim eiros Lugares Teológicos de Mel-
chior Cano, que são fundamentais e constitutivos da dou­
trina revelada: a E S C R IT U R A e a T R A D IÇ Ã O . Quando
alguma dessas verdades, a Ig re ja a «propõe, quer com
definição solene, quer com o magistério ordinário e uni­
versal, para se crer como revelada por Deus», é então,
também de fé católica. Verdades desta categoria, tem o
Teólogo que buscá-las nos Lugares Teológicos a seguir,
que são órgãos declarativos da revelação: primòriamenle
c como direcção certa, na autoridade da IGREJA UNIVERSAL,
nos CONCÍLIOS, e nos ROMANOS PONTÍFICES — terceiro,
quarto e quinto L ugar Teológico de Cano; secundària-
mente, com o auxílio do testemunho dos SANTOS PADRES e
TEÓLOGOS — sexto e sétimo Lugar Teológico de Cano.
Portanto «com fé divina e católica se há-de crer tudo
aquilo, que está contido na palavra de Deus escrita ou
transmitida, e que a Igreja, ou com definição solene, ou
com o magistério ordinário e universal propõe para se crer
como divinamente revelado» (2). Correlativamente, a fir­
mação contrária à verdade assim proposta como revelada,
é pela Igreja, classificada de heresia.

(2, Cone. Vol., Sess. 3, cup. 3 — C L 7, 252; E S 1792; C /C 1323, 1

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NOTAS TEOLÓGICAS 75

Tudo aquilo, pois, que é «de fé católica», é necessaria­


mente «de fé divina». Mas nem tudo o que é «de fé divina»
é «de fé católica». Um Teólogo que nas fontes da revela­
ção descobre com toda a certeza um Dogma, ainda não
proposto pela Igreja, para se crer como revelado, tem
diante de Deus pecado contra a fé se não crer, mas jurid i­
camente à face da Ig re ja não é tido como herege (3). Se a
Igreja, porém, o declarasse herege, declarava correlativa­
mente como revelado aquele Dogma.
Mas o Teólogo utiliza também verdades que encontra
nas FO N T E S PURAMEMTE HUM AN AS — o oitavo, nono e
décimo L ug ar Teológico de Melchior Cano. Combinando
essas verdades com o Dogma, obtém conclusões relaciona­
das com a fé.

2. — A s expressões que qualificam as proposições na


sua situação de relação com a fé católica ou com a heresia
é que vêm a ser as Notas Teológicas. Portanto a nota teo­
lógica positiva de máximo valor é a «de fé divina e cató­
lica», ou prática e simplesmente «de fé católica». A nota
negativa m ais marcada de uma proposição é a contradi­
tória, a saber, a de «heresia» (') .
Mas o Teólogo prudente e caridoso não deve aventurar
estas netas ou as que mais se lhes aproximam, se não está
bem seguro do que ju lg a ; poderia assim restringir ao
pensamento o justo campo da sua liberdade, ou ofender a
caridade. Assim como o canonista não legisla mas inter­
preta a lei, também o Teólogo não ensina autênticamente
( 3, C/C • 3- 5* 3-
(«) C/C 1323, I. 2 ; 1325, 2.

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76 0 PROCESSO TEOLÓGICO

m as ajuíza fundado na doutrina autêntica do Magistério.


Ainda que descubra nas fontes da revelação um Dogma,
se a Ig re ja ainda o não ensinou como tal, poderá cientifi­
camente qualificá-lo, a seu juízo, de fé divirta; não tem
direito a qualificá-lo juridicamente de fé católica. Crê-se,
não no Teólogo que julga, m as na Ig re ja que ensina.
Nos seus juízos científicos, depende o Teólogo do en­
sino da Igreja, e precisa de critério para o interpretar;
assim, por exemplo, para discernir uma definição dogmá­
tica, não é precisamente ao que as palavras materialmente
dizem, que se deve atender, mas àquilo que a Ig re ja fo r­
malmente quer dizer e isso depreende-se não só das pala­
vras em si mesmas consideradas, mas juntamente das
causas e das circunstâncias em que foram ditas.
Há, pois, só um ponto de referência para a sistemati­
zação das Notas Teológicas — a fé católica; uma só norma
autêntica do valor delas — o M agistério; norma científica
é a Teologia que as classifica no seu posto de referência à
fé católica proposta pelo Magistério.

Com fundamento nos documentos do Magistério da


Igreja, e no uso comum dos Teólogos, pode-se organizar
uma lista das várias Notas Teológicas. Pondo de parte
divergências em pormenores secundários, enumeramos as
Notas principais e m ais universalmente admitidas (5).

(6) Cfr. C IC 1324. Estabeleceu o próprio Melchior Cnno, nos Luga­


res Teológicos base para a classificação das Notas Teológicas (Vid. op. cit.,
12, 5, em — Opera, 39-51). Mas a terminologia da qualificação teológica

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NOTAS TEOLÓGICAS 77

Quadro geral das Notas Teológicas

De f6 divina é a verdade form alm ente rev ela da , ieto é, explícita


ou im plicitam ente contida na Escritura ou na Tradição.
— A proposição contrária é erro n a fé.
De fé divina e ca tó lica é a verd ade form alm ente revelada,
quando proposta com o tal pela Igreja, quer so len em en te, quer no seu
m agistério ordinário universal.
— A proposição contrária é he re sia .
De [ó divina e c ató lica definida é a verdade form alm ente r ev e ­
lada, quando proposta com o tal pelo M agistério so le n e m en te , isto é,
em C oncílio ecum énico, ou « e x cathedra» p elo Sum o Pontífice.
— A proposição contrária é h e re sia .
Próxima da fé é a verdade que segun do parecer comum entre
o s T e ó lo g o s, vem na Escritura ou Tradição.
— A proposição contrária é p ró x im a d e erro na fé, ou d e h eresia.
De fé eclesiástica é a verdade não form alm ente revelada, m as
conexa com a r evelação e proposta com o infalível pela Igreja.
— A proposição contrária é e rro na f é e c le siá stic a .
Há d ivergên cias na qualificação d e sta s verd ades porque diverge
também entre o s te ó lo g o s a determ inação do objecto da fé. Para
algu ns não há a fé « eclesiá stica » .
Doutrina ca tólica , em um sentido am plo, é a verdade que s e
ensin a em toda a Igreja, por e xem plo p elo conjunto do s B isp o s, ou
p elo Papa numa encíclica, e não é proposta sem p re de m odo infalí­
ve l. Por isso toda a verdade de fé católica é doutrina católica, mas
nein toda a doutrina católica é verdade de fé católica.
— A proposição contrária é e rro na d o u trin a c a tó lic a .
T eolo gicam ente certa é a verdade que nas e sc o la s teo ló g ica s se
r econh ece com certeza, com o necessà ria m en te conexa com a s verda­
d e s reveladas.
— A proposição contrária é erro em T eo lo g ia .
Com um e certa em T eologia é a doutrina que entre o s T e ó lo g o s
d as diversas e sc o la s teo ló g ica s é proposta com um m ente com o certa.
— A proposição contrária é tem erá ria .

evoluiu e aperfeiçoou-se desde entiio. Como quadros mais actualizados das


Notas Teológicas, e aos quais particularmente nos atemos, lembramos:
S. Castechisi, De Valore Notarum Theologicarum, 1 3 4 - 1 3 5 ; a
Sacrae Theologiae Suma, 1, 7-8.772.

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78 0 PROCESSO TEOLÓGICO

A doutrina que numa d io ce se e x p ressa m en te ensin a o B ispo, ou


o Sum o P ontífice, que em cada d io ce se tem jurisdição ordinária im e­
diata, não é frequ en te qualificá-la com nota teo ló g ica própria. M as
o s m em bros d e ssa d ioce se têm norm alm ente obrigação de admiti-la.

3. — Podemos agora acabar de m arcar os traços fun­


damentais da nossa questão. É a L iturgia um testemunho
para o Teólogo. É preciso colocá-la no campo dos Lugan-es
Teológicos e determinar-ihe quanto possível o seu posto.
Solucionada essa parte do problema, surge a outra
complementar: que nota ou qiudificação merecem, comc
tais, as verdades contidas na L itu rgia? Será preciso dis­
tingui-las em diversas categorias, às quais correspondam
diversas Notas Teológicas? É o que vamos estudar.
Passamos, pois, ao duplo trabalho, de verificar nos
Lugares Teológicos conhecidos o dado inicial, claramente
admitido pelo M agistério — que a Liturgia é de algum
modo testemunho da f é ; e de investigar simultâneamente
nos mesmos Lugares Teológicos as condições do valor
deste testemunho. Levamos em m ira esclarecer como con­
clusão, o problema de conjunto, mas necessàriamente só
nos seus contornos gerais, embora possamos atingir ainda
algum ou outro pormenor. Fazer um ensaio ou uma sim­
ples introdução a estudos mais vastos e profundos deste
interessante problema, é que vem a ser a pretensão limi­
tada e modesta do nosso trabalho.

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SEGUNDA PARTE

DETERMINAÇÃO DO VALOR
T E O L Ó G IC O DA LITURGIA

Fizemos prei
sobre lilurgie <
lógico eslebeleci
menlols, que :s Teológicos:
Escritura, Tradi
slor teológico
de lilurgie

- pela ESCRITURA - S.cçio I,


- pela TRADIÇAO - Socçlo II,
- pela RAZAO TEOLÓGICA — S.cçJo III.

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SECÇÃO I

D ETERM IN A ÇÃ O DO VALOR TEOLÛGICO


D A LITU RGIA PELA ESCRITURA

O s Santos Padres e os Teólogos usem o argu­


mento lítúrgico; mas não costumam expor a teoria
dele nem muito menos o seu fundamento bíblico.
O Magistério da Igreja também não,- só elude ao
testemunho da Liturgia e afirma o seu valor.
Alguns textos, porém, da Escritura, espontanea­
mente ocorrem , os quais, se, por si sós, pouco p o­
d erão adiantar sobre as determinações particulares
d o valor teológico da Liturgia, são sem dúvida fun­
damento daquele facto geral abon ado pelo M agis­
tério, de que e Liturgia tem um valor no processo
teológico.
Sugerimos, pois, com o ensaio de solução a este
aspecto d o nosso problema, o testemunho de a l­
gun s textos da Escritura.
£ o assunto do capítulo I desta segunda parte e
único da secção I.

Capítulo I : O Testem unho da S ag ra d a E scritu ra.

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CAPlTU LO I

O TESTEMUNHO DA SAGRADA
ESCRITURA

1. —Texto do princípio gerai: loan., 4, 24.


2. —Textos de determinações mais particu­
lares: Math.. 18, 20 : 28, 20: loan., 14, 13-14.
3. —Textos de fórmulas litúrgicas: Oração
Sacerdotal, Pai Nosso, Avè Maria, Doxolo-
gia, Salmos. 4. —Textos de Direito Litúr-
gico do Antigo Testamento. 5 —Conclusões.

j- X índole do nosso estudo não requer, nem admite uma


*■ análise exaustiva dos textos. Pouco m ais farem os
que sugerir aqueles que podem ser uma base escriturística
do valor teológico da Liturgia. Não conhecemos do M agis­
tério, declaração autêntica sobre o sentido deles e vimos
em vários comentadores algumas divergências na sua
interpretação. Evitá-las-emos e restringimo-nos à linha
essencial comum, que focaremos pelo aspecto que nos
interessa.

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84 0 TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA

1. — Saiu dos próprios lábios de Cristo este princípio


g e r s l : «Em espírito e verdade é que tem de se adorar» (*)•
Uma mulher que tivera cinco maridos e vivia agora com
um que não era seu marido, ao falar com o Judeu des­
conhecido que, pelo calor do meio dia, encontrou sentado
■a descansar junto à fonte de Jacob e que lhe pediu de beber,
■viu que Ele lhe sabia da vida, e desviou logo a conversa:
«Senhor, vejo que sois profeta. [Dizei-me então:] Os nos­
sos pais foi neste monte que adoraram, e vós dizeis que é
em Jerusalém o lugar onde se deve adorar» (2). E r a a velha
questão entre judeus e samaritanos, que uma mulher do
■povo não ignorava, sobre o lugar do culto legal. Mas havia
■uma razão dogmática sobretudo que separava uns dos
outros: os samaritanos só reconheciam o Pentateuco; os
judeus reconheciam também os outros livros da Escritura.
■Aquela evasiva da sam aritana comprometida foi ocasião de
■impox*tantes declarações messiânicas de Jesus. Opondo Ele
a religião dos judeus à dos samaritanos, sintetizou numa
só resposta a verdade religiosa que estava do lado dos
judeus: Os samaritanos adoravam sem saber; os judeus
adoravam sabendo. «Vós adorais o que não sabeis; nós
adoramos o que sabemos; pois é da parte dos judeus que
está a salvação» (3).
A divergência m ais acessível a uma mulher do povo,
era a do lugar do culto — a lei da oração; mas esta era
indício de diferença no dogma — ou na lei da fé. Jesus
falara como judeu; mas ia já manifestar-se como Mes-

(!) Ioan., 4, 24.


(*) lbid., 19-20.
(») lbid., 22,

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Ó TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA 85

s ia s ; é como tal que opõe logo a seguir o culto novo messiâ­


nico ao culto judaico da lei velha: — «Crê em mim, mu­
lher, chegou a hora, em que não é neste monte nem em
Jerusalém que adorareis o P a i... Chegou a hora e é já, em
que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito
•e verdade. Pois o Pai quer homens tais que o adorem.
<Deus é espírito; e aqueles que o adoram é em espírito e
verdade que devem adorar» (4).
Vê-se bem o sentido essencial da resposta de Cristo.
Ao formalismo legal do Antigo Testamento que era som­
b ra do Novo (5), opõe agora a realidade espiritual do
culto cristão. Se o culto não pode deixar de ser conatu­
ral àquele donde procede, e portanto no homem tem que
ser interno e externo, é preciso sobretudo que seja acomo­
dado Aquele a quem se dirige: portanto espiritual e ver­
dadeiro, visto que Deus é espírito e verdade. Ora nenhum
culto na Ig re ja há mais cristão que o culto da mesma
■Igreja como tal, ou seja a Liturgia. Esta é que deve ter,
m ais que nenhum outro culto, aquelas características: In
spirihu et veritate.
Atingimos possivelmente o fundamento bíblico mais
geral e mais íntimo do nosso problema.

2. — Falando, não já à samaritana, mas aos Apósto­


los, revelou Jesu s algumas determinações mais particula­
res acerca da verdade essencial do culto cristão. A razão
funda dessa verdade é a presença mística de Jesu s na
Igreja. «Em toda a acção litúrgica, juntamente com a

(*) lbid., 2i e 23-24.


(*) Cfr. Co!., 2, 17. Ilcbr., 10, 1.

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86 Ò TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA

Ig re ja está presente o seu divino fundador: Cristo está


presente no augusto sacrifício do altar..., nos sacramen­
tos..., nos louvores e súplicas feitas a Deus, como está
escrito: onde estão dois ou três reunidos em meu nome,
■aí estou eu no meio deles» ('•).
É à oração, e, na opinião comum, à oração social da
Ig re ja que se refere este texto de S. Mateus. Dois ou três
são o mínimo que se requer para form ar sociedade. «Se
dois de entre vós concordarem sobre a terra para pedirem
qualquer coisa, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está
nos céus. Porque, onde estão dois ou três reunidos em meu
nome, a í estou eu no meio deles» (7).
Que quer dizer aquela expressão: «em meu nome»?
É certamente condição essencial. Não acertam os comen­
tadores na determinação última e precisa do seu sentido.
Mas uma coisa é certa e essa basta. Se alguma oração
está nestas condições, é a oração litúrgica, a da Ig re ja
como tal. Imediatamente antes, referira o Evangelista o
texto clássico do poder de jurisdição dos Apóstolos: «Tudo
o que ligardes na terra será ligado no céu»(s). Quer dizer:
a lei disciplinar eclesiástica é sancionada por Jesu s no céu.
A lei da oração é-o também, e a razão é a mesma; a pre­
sença de Jesu s nos aotos sociais da Igreja. Divergem 03
intérpretes quanto ao grau de relação entre ambos os
texto s; mas estão de acordo em que os dois se referem ao
aspecto social da Igreja.
Expressão paralela teve Cristo na última Ceia. Junto

(<>) Pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 528.


1
( ) M a th , iS, 19-20.
(8) Ibid. 18.

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0 TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA 87

do Pai influiria para que os Apóstolos realizassem no


mundo coisas maiores que as dele (°), expandindo até bem
longe da Palestina o reino messiânico, e garantiu : «Tudo
o que pedirdes ao Pcui em meu nome, fá-lo-ei: para que o
Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa
ao Pai em meu nome, fá-la-ei» ( lü). De novo a mesma pro­
messa e a mesma condição: promete ouvir as súplicas,
com a condição de serem feitas em seu nome. Qualquer que
se ja a interpretação precisa desta cláusula, o certo é que
nela terá de caber pelo menos a prece oficial da Igreja.
O objecto dessas preces tem promessa de realização. Poderá
falh ar o efeito nos indivíduos, que são personalidades li­
vres, mas não podem falhar no Corpo místico, os efeitos da
oração do mesmo Corpo místico. Logo o objecto da prece
litúrgica é expressão duma verdade. Por exemplo: pede
a Ig re ja na Litu rgia aumento de fé, esperança e ca­
ridade ( " ) ; como o pede em nome de Jesus, obtém; se
obtém, quer dizer que a fé, a esperança e a caridade
podem aumentar. É o raciocínio implícito do Concílio de
Trento ('-). A razão é a presença de Jesu s junto do P ai e
na Igreja.
Segundo S. Mateus, depois da Ressurreição, Jesus
enviou os Apóstolos pelo mundo, com estas palavras: «Ide
e ensinai a todos os povos, baptizai-os em nome do Pai e
■do Filho e do Espírito Santo e ensinai-os a guardar tudo o

( e ) Ioatt, 14, 12.


(10) Ibid., 13-14.
(U) M issale Romanum, Dom. 13 post Pentecosten.
(U) Sess. 6, cap. 10 — C T 5, 794. E S 803.

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0 TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA

que vos mandei» (13). Bela síntese do Apostolado cristão:


pregar o Dogma, com o carácter baptismal marcai1 as
alm as para o Culto da Santíssim a Trindade, e ensinar-lhes
a observar a Moral. «E eis que eu estou convosco todos os
dias até à consumação dos séculos» (“ ). É já clássico este
texto para demonstrar a indefectibilidade da Ig re ja pelo
que diz respeito à segurança do Dogma. Com fundamento
no mesmo contexto, se deve ele entender em condições
paralelas, da garantia de verdade no Culto e na Moral.
E julgamos lançada uma base escriturística da ver­
dade expressa pelo Culto.

3. — Poderia dar-nos ainda luz a análise de textos, ou


de natureza litúrgice, ou de facto utilizados expressamente
para esse fim . Entre eles estaria a oração sacerdotal de
Je su s ('■'•). J á S. Cirilo de Alexandria faz notar que Cristo
fa la aqui como Sacerdote e como Vítim a (I0). Jesu s Cristo,
de facto, se ora, ora como homem, não como Deus; mas
tem aqui expressões que só fazem sentido nos lábios do
Homem-Deus, o Mediador, o Supremo Sacerdote.
Seria extenso o exame do conteúdo doutrinal desta
oração litúrgica de Jesus. Nela aliás, se Cristo se expri­
miu com palavras, foi como Ele mesmo declarou, para
•instrução dos que o ouviam ( 17)-
0 protótipo das fórmulas de oração, ensinado por

(IS) Math., 2S, 19-20.


(H) lbid., 20.
(15) loan., 17.
(1«) In loan., 17, 9 -11, Lib. 11 — M G 74, 505-512.
(1") Vid. loan., 17, 13 ; cfr. loan., i i , 42.

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0 TESTEMUNHO DA SAGRADA ESCRITURA 89

Jesus, o P a i Nosso, condensa em brevíssimas palavras


abundante doutrina. Seria longo, não digo já explorá-la,
mas enumerar os Santos Padres e Teólogos que de lá a
desentranharam. Sobretudo desde o Catecismo do Con­
cílio de Trento, constitui a explicação do Pai Nosso, a par
do Credo, Mandamentos e Sacramentos, parte importante
da doutrina cristã.
N a simples fórm ula com que o A n jo venerou a Maria,
está uma profissão de verdades fundamentais da doutrina
mariológica.
A s breves doxologias frequentes em S. Paulo, são a
súmula do culto trinitário, e vieram, com outras fórmulas
do mesmo estilo, dar na fórm ula sintética litúrgica, de
origem e uso eclesiásticos, «Gloria Patri».
Os Salmos foram parte importante na Litu rgia ju ­
daica, e são-no também na Liturgia cristã. Alguns deles
são históricos, outros didácticos, e outros proféticos; mas,
em geral, com variada gama de sentimentos exprimem
aspectos múltiplos dos quatro fins do culto: adoração e
louvor, acção de graças, propiciação e expiação dos peca­
dos, súplicas. Não é fácil, porém, quanto à form a e ao
fundo, distribuí-los por categorias determinadas (18). N a
vida não há simetria matemática das ideias nem de senti­
mentos. Mas a sua irregularidade reveste princípios rigo­
rosos. N a variedade dos Salmos pode descobrir-se abun­
dante e variada riqueza de verdades vividas. É assim o
estilo litúrgico.

( 15) Cfr. L ib er Psalmorum cum Canticis B re v ia r ii Romani, Romae


(E Pont. Inst. Bibi.), t ed., 1945, VIII-X.

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Ó TESTÊMÜNHÔ DA SAGRADA ESCRITURA

4. — Muitas são as passagens da Escritu ra no Antigo


Testamento que se referem à organização do culto no tempo
de Moisés (10), dos Reis (20) e no tempo de Esdras (21).
Apesar de buscarmos na sombra do Antigo Testamento, lá
se poderia surpreender certamente a mesma característica
fundamental do culto. A Liturgia da lei antiga era essen­
cialmente, segundo S. Paulo, uma representação longínqua
e antecipada da futura Litu rgia da Ig reja terrestre e da
celeste (22).
A Liturgia enfim tira principalmente os textos da
Escritura, quer para leitura sistemática, quer para cantar
o louvor divino. A razão disse-a bem S. Agostinho: «Para
•Deus ser bem louvado pelo homem, louvou-se a si mesmo
Deus; e porque se dignou louvar a si, por isso achou o
homem maneira de o louvar» (2:1).

5. - Conclusões.

1) Pelo que disse Jesu s à Sam aritana se vê que o


culto marca uma diferença dogmática, concretamente entre
a religião sam aritana e a judaica e entre esta e a cristã.
No culto verdadeiro há-de haver consciência da ver­
dade objectiva em que ele se funda.

( w ) Vid. E x ., 25-31: 36-4°- Lcv., 1-27.


(20) Vid. 2 Reg., 6-7; 3 Reg., 5-9; 4 Reg., 23; 1P a ra i., 16 -17 :
22-26: 28-29; 2 P a r a i, 2-7; 23: 29-31: 34-35-
( 21) Vid. i E s d r ., 3-6: 9; 2 E sd r., 8-9; 12.
(22) Col., 2, 1 7 ; Hebr., 8, 5; 10, 1.
8a) In Ps. 144, n. r. Cfr. Pio x, Bula .Divino Afflatu» em— B re-
viarium Romanum.

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0 TESTEMUNHO Í)A SAGRADA ESCRITURA 01

2) O culto cristão há-de ser sobretudo e essencial­


mente conforme à natureza de Deus conhecida pela revela­
ção cristã: mais interno que externo; mais real que fi­
gurado.
3 ) A verdade do culto cristão tem garantia de ivuLe-
fectãbilidade; essa garantia funda-se, em concreto, na pre­
sença de Jesus nos actos do culto social.
4 ) Em particular, o objecto das preces da Ig re ja é
expressão de uma verdade.
5) O estilo das fórmulas de tipo litúrgico na Escri­
tura, consideradas no conjunto, é de abundante, conden­
sado e variado conteúdo doutrinal. A verdade nelas toma
uma expressão vital, e as mais das vezes não vem apre­
sentada sob a forma de uma exposição didáctica.

Há, pois, uma base na Escritu ra daquele dado geral


do M agistério da Igreja, que a Liturgia tem estreita rela­
ção com o Dogma.

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S E C Ç Ã O II

DETERM IN A ÇÃ O DO VALOR TEOLÛGICO


D A LITU RGIA PELA T R A D IÇ Ã O

O testemunho do Trodição, é notural que nos for­


neço mais elementos e rnols elab orado s do que a
Escritura- Vamos sabê-lo daqueles que no divisão
dos Lugares Teológicos, de M elchior Cano, são os
(ó rg ã o s declarativos» da Tradição.
A ordem deles, que é a decrescente no volume
de autoridade, é o que vai dividir esto secção nos
cinco capítulos seguintes:

Capítulo II : OTestemunho da Igreja Universal


Capítulo III: OTestemunho dos Concílios
Capítulo IV: OTestemunho dos Romanos Pontífices
Capítulo V : OTestemunho dos Santos Padres
Capítulo VI: 0 Testemunho dos Teólogos.

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CA P IT U LO II

O TESTEMUNHO DÁ IGREJA
UNIVERSAL

A determinar de um modo muito geral as relações entre


a Liturgia e a Fé, há na Igreja um dito muito corrente que
melhor se coloca neste lugar teológico — autoridade da
Igreja Universal — do que nos outros que se lhe seguem.
É o princípio célebre enunciado no «Indículo sobre a graça»:
«que a lei da oração estabeleça a lei da fé » ; ou, mais abre­
viado pelo u so: «a lei da oração é lei da fé» (').
Os factos que mais podem revelar o sentir de toda a Igreja
sobre o mesmo problema, são as heresias, cismas e contro­
vérsias que tiveram origem ou consequências litúrgicas.
Vamos tentar descobrir o que do valor teológico da
Liturgia pensa a Igreja nestes dois testemunhos:

Artigo I — O princípio enunciado no «Indículo»


Artigo II — A Liturgia nas heresias, cismas e controvérsias.

(I ) Cfr. pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 540, 541.

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ARTI GO I

O p rincipio en u n ciado
no «In d ícu lo »

Carta. 3. — Estrutura do Indículo. 4. —O t(


do argumento litúrgico. 5. — Análise do tex io:
parte material. 6. — Análise do texto : parte
formai. 7. — Síntese da análise ao texto.
8. —O princípio: sua análise. 9. — Questões
secundárias na interpretaçáo.

III —Conclusões.

V Ão é este princípio a questão toda, mas é porção im-


' portante do terreno que temos de explorar. Vamos
pois averiguar que sentido tem ele em si e no contexto
original; que autoridade ele reveste na sua origem e que
autoridade foi acumulando pelo uso através dos tempos.
Por outras palavras: — o seu valor intrínseco e
— o seu valor extrínseco.

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

1 -0

1. — No ano 431, Próspero de Aquitânia e Hilário,


fervorosos discípulos de S.10 Agostinho, denunciam ao
Papa Celestino I o movimento semi-pelagiano das Gálias.
Movido por essas informações, o Papa escreve então uma
carta aos Bispos daquelas regiões. Sempre junta a essa
carta, tem costumado andar nas edições, uma lista de pro­
posições, que determinam os pontos essenciais de doutrina
da Sé Apostólica, opostos ao semi-pelagianismo. É nessa
lista que vem incidentalmente o célebre prolóquio: «.que a
lei da oração estabeleça a lei da fé» (2).
Tanto a carta como a série de proposições doutrinais,
eram tidas como um só documento do mesmo S. Celestino,
enviado aos Bispos das Gálias. Mas já no século X V I havia
quem os julgasse deis documentos independentes (3). Uma
leitura simples revela, de facto, que são dois documentos,
cada um deles completo, com princípio, meio e fim. Têm
de comum, que ambes têm em vista a região semi-pela-
giana do Sul das G álias; mas o autor do segundo, pelo que
hoje se sabe, não é o Papa Celestino.

(*) Ep. * Apostolici verba praecepti» — « Praeteritonim Sedis Aposto-


licae Episcoporum Auctoritates de Gratia Dei (et libero voluntatis arbítrio)»
— Msi, 4, 454-4 62; M L 50, 528-5 3 7; 5 1 , 205- 2 1 2 ; 67, 267-2 74 ; E S
1 128- 1142.
( 8) Vid. c. rarónio, Annalts Ecclesiatici, 7, 407-409.
Vid. ibid. notam Antonii Pagii.
f. SDAREz, Tract. de Gratia Dei, prol. 6, cap. 1, 1 1 — Opera, 7, 277.

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O PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 00

2. — A carta é pequena e simples. Depois de o Papa


dizer, como introdução, que escreve movido pelas informa­
ções que lhe deram Próspero e Hilário, repreende os Bispos
pela negligência em reprim ir a audácia semi-pelagiana Je
alguns clérigos; faz, em contraposição, o elogio dos escri­
tos de S.<° Agostinho (') , e termina desejando ver desapa­
recidos os males do semi-pelagianismo.

3. — A lista de proposições, que nas edições acom­


panha esta carta, é conhecida pelos títulos de «.Indíctdo
sobre a graça de Deus», «Cwpítulos» ou «Autoridades dos
Bispos da Sé Apostólica sobre a graça de Deus», que são
termos extraídos do próprio documento (’ ). Ele é, de
facto, um indículo dos capihdos de doutrina sobre a graça,
garantidos pelas autoridades dos Papas e das instituições
apostólicas dc carácter litúrgico.
A sua estrutura é bastante clara e perfeita. J á que
os semi-pelagianos admitem a autoridade da Sé Apostólica
( i n t r o d u ç ã o ) , aduzem-se contra eles «as regras eclesiás­
ticas» das declarações pontifícias (I p a r t e ) , e confirma-se
a mesma doutrina católica, com «os testemunhos de auto­
ridade divina»(°) da Litu rgia (n p a r t e ) . Faz-se um apa­

(4) Falecera no ano anterior, 430


(®) « .. .compendioso manifestamus in d ic u lo ... ex liac subditarum
auctoritatum p e n d e re ...» M L 50, 531 ; E S 129. a ...q u o d scilicet tcrtio
c a p itu lo ... et iterum quarto capiiulo. . . » M L 50, 5 3 2 ; E S 136, 137.
(6) « His ergo eeclesiasticis rtRtdis, et ex droina sumptis auetoritait
documtntis. . . » M L 536; E S 14 1.

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100 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

n h ad o g e ra l d a d o u tr in a s ã ( r e c a p i t u l a ç ã o ) , e d e ix a m -se,
p o r fim , o u tr a s qu estõ es à liv r e d is cu ss ã o ( c o n c l u s ã o ) ( 7).
Desenvolvamos um pouco a exposição deste plano.
A i n t r o d u ç ã o refere-se à ocasião que provoca a compila­
ção dos «capítulos» que se vão seguir. Depois das lutas
pelagianas em que se batera triunfalmente a pena de
•S.‘° Agostinho, agruparam-se ainda ao Sul da França, em
torno do Abade Cassiano, uns tantos clérigos que eram
contrários, é certo, à doutrina de Pelágio e Celéstio, a qual
fazia depender todo o processo salvífico só do livre arbí­
trio humano; mas, em reacção contra algumas expressões
fortes de S.10 Agostinho, as quais aliás já eram nele reacção
contra opiniões próprias anteriores não de todo exactas,
estabeleceram posição que era sobretudo anti-augustiniana,
e defendiam que o «início da conversão» procedia só do
livre arbítrio, independentemente da graça. E ra o semi-
-pelagianisino, e, fixados nessa posição protestavam acei­
tar somente como autoridade, a da Sé Romana. A Intro­
dução do Indículo refere-se àqueles factos e a esta posição,

(7) Esta nossa divisão estrutural do Indiculo, podemos fazê-la assim


sobre o texto que citamos de Migne e do Enchiridion Symbolorttm:
in tr o d u ç ã o : -Q uia nonnulli, q u i . . . » até « ...c r c d a t et dicat»
[cap. Ill (41] — E S 129.
PRIMEIRA PARTE: «In praevaricatione A d a e ...» até « . . . nihil po-
testis facere» [cap. IV (5) — cap. X (11)] — E S 130- 138.
SEGUNDA PARTE: « Praeter has a u te m ... » até « . . .d a t dona homi-
nibus» [cap. XI (12) — cap. XII ( 13)] - E S 139- 140.
RECAPITULAÇÃO: « 1lis ergo ecclesiasticis r e g u lis ...» até « . . . s e d
libera nos a maio» [(14)] — E S 141.
CONCLUSÃO: «Profundiores v e ro ...» até 0 fim (cap. XIII U 5)] —
E S 142.

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Ò PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 101

e é por isso que se apresentam nos Capítulos de doutrina


que seguem, as autoridades dos Sumos Pontífices.
E vem a i p a r t e . Aduzindo declarações dos Papas e
dos Concílios aprovados pelos Papas, exprime o autor
desta compilação, habilmente, sem o dizer, a síntese da
doutrina de S.to Agostinho sobre a graça.
Estabelece primeiro, como fundamento da necessidade
da graça, o pecado original, onde foi precipitado o homem
pelo seu livre arbítrio.
Declàra depois, a universalidade da necessidade da
graça, isto é, a necessidade para todos, e para todo o pro­
cesso do acto salutar, quer dizer, para o começo, o aumento
e a perseverança até o fim.
E sta a doutrina expressa da autoridade «eclesiástica»
da Sé Romana.
Passa-se à li pa p . t e , e a mesma doutrina vem agora
confirmada de um modo geral pela autoridade «divina»
das súplicas prescritas pelos Apóstolos; confirmada ainda
com os louvores e acções de graças que se fazem na Ig re ja
pelos efeitos obtidos com essas súplicas, e confirmada
também com os actos liiúrgicos sacramentais. Esta se­
gunda Parte do Indículo é a que tem para nós todo o inte­
resse, visto que é ela ó texto onde vem o celebrado princí­
pio do valor teológico da Liturgia. Por isso a havemos de
analisar à parte.
Faz-se depois uma r e c a p i t u l a ç ã o que m arca a posi­
ção da doutrina católica: o processo da salvação depende
todo — princípio, meio e fim — necessàriamente da graça.
Refere-se por fim , em c o n c l u s ã o , o documento, inde-
terminadamente a outras questões mais profundas e difí­

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

ceis, levantadas na agitação das polémicas; sobre elas não


se pronuncia a Autoridade da Sé Apostólica, mas deixa-as
à livre discussão.
f: este o contexto geral que im portava conhecer para
situarmos o nosso campo de análise. Passamos ao estudo
particular da segunda Parte do Indículo, onde se argui
contra o semi-pelagianismo com a autoridade da Liturgia.

4. — Esse texto, traduzido, diz assim : «Além destes
decretos invioláveis da Santa Sé Apostólica... atendamos
também aos mistérios sagrados das orações saoerdotxuis,
que, transmitidos pelos Apóstolos, são celebrados unifor­
memente em toda a Ig re ja Católica no mundo inteiro, a fim
de que s lei de oração estabeleça a lei da fé. Desempe­
nhando pois os prelados dos povos fiéis a missão que lhes
foi confiada, tratam ante a divina clemência dos interes­
ses do género humano, e em união com os gemidos de toda
a Igreja, pedem e suplicam ...» Vem a seguir a referência
à graça que nessas orações se pede para os infiéis, idóla­
tras, judeus, hereges, cismáticos, pecadores e catecúmenos.
E continua: «Que estas petições não se fazem a Deus
em vão e inutilmente, demonstram-no os seus efeitos: pois
Deus se digna arrancar a muitos de toda a sorte de erros...
E isto é de tal sorte reconhecido como obra divina, que pela
iluminação e correcção daqueles, se dão sempre a Deus, seu
autor, testemunhos de louvor e acções de graças.
E aquilo que em todo o mundo pratica a santa Ig reja
com os que se vão baptizar, não é para nós um espectáculo
ocioso. Quando, tanto as crianças como os adultos, vêm ao
sacramento da regeneração não se aproximam da fonte da

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 103

vida sem que primeiro com os exorcismos e exsuflações dos


clérigos seja expulso deles o espírito imundo; para que
então se manifeste como «o príncipe deste mundo é posto
fo m » ...» (8).
Sublinhámos as expressões que mais vão chamar a
nossa observação.

5. — Como se vê, apresenta-se nesta segunda Parte


do Indículo, em confirmação da doutrina da Sé Apostólica,
que, contrária à doutrina pelagiana, atribui à graça de
Cristo «o começo da boa vontade, o aumento e perseverança
até o fim» ("), outra autoridade diferente das dos Sumos
Pontífices. É a autoridade da Liturgia. A matéria de
argumentação são dois elementos da L itu rg ia: fónnulas
e ritos.
A s fórmulas a que principalmente se alude, são as das
orações litânicas, muito semelhantes às que ainda hoje na
Litu rgia Romana se fazem em Sexta-Feira Santa (10). Os
ritos são os da administração do Baptismo.

6. — Mas o que mais importa, é averiguai* em que


consiste formalmente esta argumentação com a autoridade
da Liturgia, ou seja, por que aspectos é que aquela m atéria

(«) M L 50 ,535-536 ; E S 139-140.


(#) M L 50, 535 ; E S 139.
(1®) Vid. HiNCsiARO Bispo de Reims, De Praedestinatione Dei et
Libero Arbitrio, Dissert. 2, 24 — M L 125, 213-214.
Este género de orações litânicas na missa, muito usado no século V
continuou uas liturgias orientais. Na romana a partir do século VIII ficou
reservado para o dia de Sexta-Feira Santa.

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104 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

se apresenta como argumento. Nisso é que está o nó da


questão.
Um exame atento pode distinguir na construção da
argumentação todos estes elementos:

1) actos de súplica que pedem a graça para as várias


classes de homens que dela carecem ;
2) celebrados uniformemente em toda a Ig re ja ;
3) transmitidos pelos Apóstolos;
4) verificaçção dos efeitos dessas súplicas;
5) testemunhos de louvor e acções de graças por
esses efeitos;
6) tributados a Deus constantemente;
7) ritos — exorcismos e exsuflações;
8) praticados em toda a Ig re ja ;
9) expressão de uma verdade evangélica mediante
esses ritos — a expulsão do espírito imundo pela
graça.

Todos estes elementos estão atados em um só argu­


mento por este duplo laço, que vem a ser, parece-nos, o
nervo da argum entação: uma lei, que não pode ser coise
vã. Quer dizer: tanto as fórm ulas, de súplica, de louvor,
de acção de graças, como os ritos [1, 5, 7], estão postos
por lei. Os actos de súplica, pelo menos, por lei apostó­
lica [3], tanto assim que são celebrados uniformemente em
toda a Ig re ja [2] ; quanto aos outros, está latente a mesma
ideia de lei: são coisa que se faz e está estatuída na
Ig re ja [6, 8]. Ora uma instituição assim não é uma coisa
vã, inútil ou ociosa [4, 9]. E la é portanto argumento das

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULOi lOS

realidades que necessàriamente supõe. A conclusão, pois,


é o princípio expresso: «Que a lei da oração estabeleça
a lei da fé».

7. — Toda aquela m atéria e form a de argumentação,


nos parece que podíamos ordenar em um silogismo assim :

— Uma lei que prescreve determinadas fórm ulas e


ritos e igualmente uma prática universal da Igreja, são
argumento da existência de outra lei que manda crer no
que aquela primeira lei ou prática supõem;
— ora, há na Ig re ja lei que prescreve fórm ulas de
oração para alcançar a fé e a graça para os infiéis, idóla­
tras, judeus, hereges, cismáticos, pecadores e catecúmenos,
e ritos que exprimem a expulsão do espírito imundo dos
catecúmenos pela graça de C risto; existe prática universal
de louvor e acção de graças por aqueles efeitos, e tudo isto
supõe que eles são obra da graça;
— logo há lei que manda crer que tais efeitos são obra
da graça, que é o que negavam os semi-pelagianos.

A prova que no mesmo documento se dá para a pri­


meira premissa, é esta: as súplicas, louvores e acções de
graças, «não se fazem em vão e inutilmente», e os ritos
«não são pare nós um espectáculo ocioso». Quer dizer,
aquele princípio assenta na infalibilidade da Ig re ja em
seus decretos disciplinares universais.
A prova da segunda premissa será a verificação
mesma e análise dos factos aduzidos e do alcance do seu
significado. Que se verifique melhor ou pior, isso não pode

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IOÔ ô té s t ê M t j nh o O a íC r e í a u n i v e r s a l

desvirtuar o valor da primeira. Trata-se nesta segunda


premissa de aplicação de um princípio a um caso concreto.
A primeira é que é a expressão desse princípio; nela pro­
curámos recolher o que na análise do texto buscávamos
— o princípio do valor teológico da Litu rgia no Indículo.

8. — Se quisermos sintetizar ainda mais referindo


tudo àquele princípio «que a lei de oração estabeleça a lei
da fé», ou mais brevemente ainda, «a lei da oração é lei
da fé», havemos de entendê-lo assim :
Visto no seu lugar, o princípio está formulado para
abranger um caso particular da Liturgia. O sentido mí­
nimo que lá pode ter será este: uma lei apostólica que
prescreve súplicas dá-ncs a conhecer verdades em que
devemos crer, a saber, aquelas que essas súplicas supõem.
Mas, na continuação do texto, argui-se da mesma
form a com outros actos de culto além das súplicas: com
actos de louvor, de acção de graças e com os ritos baptis­
mais. Esses actos de culto, segundo o texto, ou são prática
constante da Igreja, ou coisa estatuída na mesma Igreja.
Em qualquer dos casos podem dizer-se lei. Ora, segundo o
mesmo texto, tais práticas, ou tal lei, não são «em vão»
nem «espectáculo ocioso». A maneira de argumentar é a
me3ina. Aquele princípio de cima, que lá se refere ao caso
particular das súplicas, é legitimamente extensivo a estes
outros casos particulares enunciados no texto.
E ainda aquela formulação do princípio, se a liber­
tarmos do sentido restrito da expressão «lex supplicandi»
que no seu lugar se refere só às súplicas de lei apostólica,
e que projectado sobre o resto do texto, abrange também

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Ò PRINCfPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULÓ» lü?

Outros actos, de lei, tanto apostólica como da Igreja, tê-lo-


-emos arvorado cm princípio mais genérico, que compre­
ende todos os' outros elementos da Liturgia. E legitima­
mente, porque, dada a essência da Liturgia, culto oficial,
sempre se poderá arguir da mesma form a: trata-se de
uma coisa estabelecida na Igreja, isto é, de lei, que não
pode ser coisa vã ou ociosa, seja ela lei divina ou eclesiás­
tica. Trata-se da Ig re ja formalmente tal, portanto da
Ig reja universal; não se trata de uma instituição privada
e da responsabilidade de uma parte da mesma Igreja.
Parece-nos, pois, que estamos diante do princípio
geral do valor teológico da L itu rg ia: «a lei da o ração é
lei da fé » , que, em conclusão e em síntese, julgamos ter
este sentido: o que é litúrgico, por .isso mesmo que é esta­
belecido na Igreja , seja por lei divina seja por lei eclesiás­
tica, tem um valor teológico correspondente aio sentido
dessa lei, e à competência do autor dela — Deus ou
Ig re ja — no assunto de que se trata..
O princípio em si parece-no3 seguro e claro. A aplica­
ção, dada a multiplicidade de elementos particulares de
instituição eclesiástica que entram na Liturgia, é que se
nos afigu ra complexa e dificultosa.
Nos outros testemunhos da Tradição — Concílios, Ro­
manos Pontífices, Santos Padres e Teólogos — teremos em
geral de extrair a teoria, do uso que dela fazem. Aqui,
temos já, além do uso a teoria expressa.

9. — Pela análise que fizemos, fica por si esclarecido

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108 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

que a Litu rgia não cria o Dogma, mas, porque nele se


funda, é um testemunho a seu favor ( “ ).
Agora uma dificuldade, mas que vem a ser de ordem
secundária. Refere-se o autor do Indículo às orações litâ-
nicas usadas naquele tempo nas Gálias ( ,2), e diz que
aquelas preces se fazem «uniformemente em toda a Ig re ja
católica no mundo inteiro» e que foram «transmitidas pelos
Apóstolos».
Suporia ele erradamente, como alguém faz notar ( 13),
que aquelas fórm ulas eram usadas em toda a Ig reja?
Suporia ele além disso que teriam sido ensinadas assim
pelos Apóstolos? Falha por isso aqui o argumento?
Pouco importa e é secundário que a tanto chegasse a
suposição do autor. Com o que se argui c com a lei, em
virtude da qual «na Igreja, em todo o mundo», se fazem
preces daquelas. Basta que a uniformidade dessas preces
esteja no objecto delas, e não é preciso que esteja nas fó r­
mulas. B asta também para a exactidão do argumento,
que essas súplicas sejam substancialmente, quanto ao
objecto, não quanto às palavras, de origem apostólica. De
resto, o argumento litúrgico invocado, não ficaria desvir­
tuado em si, mas só na aplicação a este caso concreto.
Mas por onde julgava o autor do Indículo, aquelas
súplicas, de origem apostólica? Ocorrem fàcilmente aqui
as palavras de S. Paulo quando prescreve orações por
todos os homens ( " ) • Mas há a esse propósito, num livro

(11) Vid. infra, cap. IV, art. 1, § I, 1-3.


( 1*) f . cadrol, Céleslin I — D A C L 2, 2797.
( 18) Vid. ibid.
(H) I Tim., 2, 1-2.

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 109

da mesma época, se não for do mesmo autor, um texto


inteiramente paralelo ao do argumento litúrgico do Indí-
culo. Ei-lo: «Prescreveu, pois, o Apóstolo, melhor, por
meio do Apóstolo, o Senhor, que falava no Apóstolo, súpli­
cas, preces, acções de graças por todos os homens, pelos
reis e por aqueles que estão no poder. E esta lei de oração
de tal sorte a cumpre unanimemente a devoção de todos os
sacerdotes e de todos os fiéis, que nenhuma parte há no
mundo em que estas orações não sejam celebradas pelos
povos cristãos» E continua o texto, referindo-se a
orações como as do que fala o Indículo.
Trata-se, portanto, como no Indículo, da «autoridade
divina» das ■s úplicas e acções de graças prescritas pelos
Apóstolos, por exemplo, por S. Paulo, a quem o texto se
refere (I0), as quais, se fazem em toda a Ig re ja uniforme­
mente quanto ao objecto das súplicas, não necessàriamente
quanto às fórmulas usadas. Os dois textos, quase idên­
ticos, não o são por acaso. O autor do Indículo sabia bem
que aquelas preces em substância eram de origem apostó­
lica e se faziam por isso em todo o mundo.
Este esclarecimento ilustra o caminho que seguimos,
mas é, como dizíamos, secundário.

Outra questão, complementar ainda, mas também

( 15) De Vocatione Omnium Gentium, i, 12 — M L 51, 664.


Vid. M. CAPPUYNs, L ’auteur du «De vocatione omnium gentium», em
— Revue Bénédictine, 39 (1927) 19S-226.
( 16) M L 5 1, 664. O texto de S. Paulo, I Tim., 2, 1-2, vem no mesmo
livro I de 1 De vocatione omnium gentium», citado imediatamente antes do
texto que transcrevemos.

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110 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

secundária para a interpretação do texto do Indículo: a


autoridade da Litu rgia é enunciada ali num princípio
geral, mas para se aplicar a um caso particular; que valor
probatório tem, pois, ela neste caso? De facto, as autorida­
des aduzidas dos Sumos Pontífices — que para os semi-
-pelagianos eram também argumento «ad hominem» — são
as que asseguram todos os pontos de doutrina. A autori­
dade que depois se aduz, da Liturgia, não se estende a todos
e cada um deles. É na intenção do autor, ao que parece,
uma confirmação valiosa: «.além destes decretos inviolá­
veis da Sé Apostólica., diz,... atendamos também aos misté­
rios sagraúdos...-» ( ,7). Foi também uma maneira de meter
um argumento repetido por S.to Agostinho ( 18), a quem os
semi-pelagianos repudiavam.
Mas há um aspecto em que de direito, o argumento
litúrgico como está usado no Indículo é mais excelente que
o daqueles decretos. Quer dizer: o testemunho litúrgico,
neste caso de autoridade directamente apostólica, é em si
mais excelente que o das autoridades dos Papas: a estas
chama o Indículo «regras eclesiásticas»; àquela, «.do­
cumentos divinos» ( 10).
Mas o que o autor do Indículo nos deu, no uso que fez
do argumento litúrgico e no princípio que enunciou, foi
uma t e o r i a do mesmo argumento litúrgico. Que no caso
concreto do Indículo, esse argumento não tenha de facto
a força probatória que de direito revela, isso não desvirtua
o valor do argumento, mas adverte o cuidado ou a dificul-

(» ) M L 50, 535; E S 139.


(») a r . infra, cap. V, art. I.
(» ) M L 50, 536; E S 14 1.

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 111

dade que pode haver na sua aplicação aos problemas con­


cretos da Teologia.

A análise que fizemos da teoria em si mesma, enun­


ciada no Indículo, verifica que esta assenta na in falibili­
dade do proceder universal da Igreja. Mas, pelo que hoje
se sabe, o Indículo não é do Papa Celestino. Que autori­
dade recebe porventura da Igreja, o que nele se contém e
em particular aquele princípio? Importa muito ao Teólogo
esta questão.

II — O valor extrínseco do princípio

1. — 0 Indículo é actualmente atribuído a S. Próspero


de Aquitânia que o deve ter compilado em Roma, já
depois da morte de S. Celestino, entre os anos 435 e 4 4 2(20).
Nesse caso, origmàriamente não é mais do que um escrito
de um Padre da Igreja. É certo que é todo ele um entrete­
cido de decisões dos Papas e instituições apostólicas. Mas
ainda assim, o valor do documento em si, e na sua origem
não é autêntico ou jurídico, senão histórico; quer dizer:
terão as citações a autoridade correspondente, se forem
exactas. Algumas não estão feitas com fidelidade verbal.
O valor autoritativo do documento, quanto aos capí­
tulos da primeira Parte, é o das autoridades neles fiel-

(I«) Vid. u. cappuyns, L ’ origine des Capitula Pseudo-Célestiniens


contre le Semipélagianisme, em — Revue Bénédictine, 41 (1929) 156-170.
k. pedïrir , L itu rgie und Glaube, 9-10.

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112 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

mente citadas. Não é este o que nos interessa. Quanto aos


da segunda Parte, é o da instituição apostólica verificada
a respeito dos actos litúrgicos referidos. J á a discutimos.
Quanto a todos om conjunto, recebem ainda a autoridade
que extrmsecamcnte lhes advenha da aprovação da Igreja.
É esta que nos interessa saber, para avaliarmos o valor
todo do célebre princípio.

2. — J á no século V I, Dionísio, o Menor, porque ju l­


gava de S. Celestino este documento, o incluiu na célebre
colecção dionisiana, oficialmente aceite pela Ig re ja de
Roma (21). Parece que deve ter sido esta a origem da equi­
vocada suposição que se manteve daí em diante (22). E em
todas as outras colecções de documentos oficiais foram
estes capítulos sempre juntos à carta de Celestino; mas
foram-no «por vontade e aprovação da mesma Sé Apos­
tólica» (23).
Em carta de 13 de Agosto do ano 520, ao Bispo Pos­
sessor, faz o Papa S .to Hormdsdas, referência a estes capí­
tulos e considera-os como doutrina expressa da «Igreja
Católica Romana» (2J). Sem dúvida porque eles referem
doutrina textual de Pontífices Romanos; mas o do­
cumento que a contém é reconhecido em globo pelo Papa.
Ainda nesse século, mais ou menos à volta do mesmo
ano, Pedro Diácono com os três companheiros, em carta

(21) Vid. Ccllcct. Decret. Pontif. Roma». — Decr. Caelestini Papae


— M L 67, >67-274.
(» ) M L 5 1, 201-202.
(*8) Vid. M L 50, 527.
(M) Ep. 3 — M L 45, 1777-1778.

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 113

que, acerca da questão pelagiana, enviaram aos Bispos


africanos exilados na Sardenha, transcrevem boa parte do
texto do Indículo que se refere à Liturgia, e dizem expres­
samente que é de Celestino, «na carta enviada aos das
Gálias» (25).
No bem conhecido livro «De Ecclesiasticis Dogmati-
bus» atribuído a tão diversos autores que podiam ter v i­
vido do século V ao século V II (26), há dois capítulos que
são substancialmente o texto todo do Indículo (2T), e onde
vem o que se refere às orações e actos litúrgicos. Não se
apresentam como do Papa Celestino, mas colocam-se a par
de todos os outros textos como capítulos da doutrina da
Igreja.
No século IX , Lopo Abade do mosteiro beneditino de
F errara, em França, revela a mesma persuasão quando diz
que «o Papa Celestino, que se deve contar entre os grandes
doutores, instruiu a todos, como convinha a tão grande
Pontífice, sobre o livre arbítrio» (28), e transcreve a seguir,
algumas frases do Indículo.
N a mesma época, S. Rem ígio, Bispo de Lião, ao citar
uma passagem do fim do Indículo, diz que foi «o Papa
Celestino quem assim brevemente ensinou» (2tl).

(26) 8, 7 — M L 45, 1775.


(2«) Foi atribuído, por exemplo, a S.to Agostinho, a S. Próspero de
Aquil&nia, a Genédio de Marselha, a S.to Isidoro de Sevilha, e a Braquiário,
Arcebispo de Sevilha, que parece gozar de maiores possibilidades. Cfr.
Isidorisna, 33 — M L 8 1, 595-608; 508, 987-988.
(27) 30 e 31 — M L 58, 987-988; 8 3 ,12 3 4 .
(28) Collectaneum de tribus çuaestionibus — M L 119 , 661-662.
(28) L ib tr de tribus Epistolis, 23 — M L 1 2 1, 1026.

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114 O TESyjSMUNHO PA ÍGBEJA UMVERSAP

Mais interessante, já no declinar desse mesmo sé­


culo IX , é o testemunho de Hinemaro, Arcebispo de Reims,
escrevendo sobre a predestinação e livre arbítrio, contra os
predestinacianos: da «carta decretai» que «o Papa S. Ce­
lestino, como ele diz, escreveu a Venécio e aos outros B is­
pos das Gáli.as», transcreve o texto do argumento litúrgico
do Indículo, desde o princípio até à enunciação do proló-
quio, que transcreve também: «Além destes decretos invio­
láveis da Sé Apostólica... que a lei da oração estabeleça a
lei da fé». E faz este comentário: «Qual seja a lei da ora­
ção, explica-o ele [S. Celestino] no mesmo capítulo, e a
Igreja , de um modo especial no dia da crucifixão de Nosso
Senhor Jesu s Cristo, mostrando por quem fo i ele cru cifi­
cado e quais quer salvar, manifesta-o com súplicas e gemi­
dos comuns, orando por todos os homens, particular e dis­
tintamente por todas as ordens, graus, dignidades, cismá­
ticos e hereges, judeus e pagãos...»
Refere-se Hinemaro a orações semelhantes na súplica,
às citadas no Indículo, mas diferentes nas fórmulas. O In-
dículo referia-se às da Liturgia Galicana, que era a das
Gálias no tempo do autor do Indículo; Hinemaro refere-se
às da Litu rgia Romana que era já no seu tempo a que 6e
observava nas Gálias ( !1). Ainda hoje se recitam pela
mesma ordem que ele indica e no dia que ele diz, Sexta-
-Feira Santa. Argui até expressamente com o texto que
ainda hoje vem no missal, nesse dia, com ligeira alteração
verbal: «Deus qui salvos omnes et neminem vis perire...»,
e conclui: «Que a lei, po‘r ianto, da oração estabeleça a lei

(W>) Dissert. 2, 24 - Mi v i?S> í l 3‘í * 4-


( 81) Vid. supra, p4gs. 44 e 49.

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO CINDÍCULO» 115

da fé, como manda Celestino, de sorte que, porque a Ig reja


Católica suplica a Deics por todos, acreditemos que Deus
quer que todos os homens se salvem» (32).
Toda esta citação e comentário de Hincmaro ao texto
do Indículo, além de corroborar a opinião comum de do­
cumento pontifício, confirma sem dúvida a interpretação
que acima lhe demos (33).
Não admira, depois de todos estes testemunhos, que o
Indículo fosse considerado pelos tempos fora, a partir do
século V I como um escrito de Celestino. Ainda que criti­
camente, já no século X V I se tenha duvidado do seu autor,
e se tenha averiguado depois que ele não foi o Papa Celes­
tino, pode dizer-se que, jundicm vente, continuou a sê-lo.
Quer dizer, o Indículo é atribuído universalmente e através
de tantos séculos pelos escritores eclesiásticos à autoridade
da Sé Apostólica. E la não o repudiou. Logo é um do­
cumento pontifício. Ainda neste século, Pio X I, evo­
cando-o, atribui-o simplesmente a Celestino I (3<). Teolo­
gicamente, de facto, é como se fosse dele.

3. —' E se atendermos particularmente ao princípio


mesmo do valor teológico da Liturgia, enunciado no Indí-
culo, que é o que mais nos interessa, vários Papas recentes,
o confirmam expressamente com a sua autoridade (3S).
N a Bula «In effa bilis Deus», refere-ise Pio I X ao facto

(**) Dissert. 2, 24 — M L 2 15.


(88j v id. supra, págs. 108-109.
(«) Constituição Apostólica «Divini Cultus» — A A S 21 (1929) 33.
(85) h . SCHMIDT, I.ex orandi lex crede.idi in recentioribus documentis
pontificijs, em — Periódica de Re M o r a li ei Liturgica. 40 (1951) 5-28-

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

de os seus predecessores terem instituído e fomentado o


culto da Imaculada Conceição, e de terem declarado M aria
Imaculada, expressamente no Prefácio e na Ladainha de
Nossa Senhora, e acrescenta, que assim, com essa lei de
oração se estabelecia a lei da fé (30). Se esse princípio não
é originàriamente de Celestino, se ele não tivesse sido aceite
antes pela Igreja, era agora de Pio IX . E ao enunciá-lo,
interpretou-o certamente numa amplitude maior que a que
tinha no Indículo. Estende-o não só ao objecto da súplica,
mas ao objecto do culto. Trata-se de um objecto relacio­
nado com o Dogma, em que a Ig re ja tem autoridade de
Magistério. A L iturgia, é, nesse caso, sinal do Dogma.
Portanto Pio IX , ao citar aquele princípio, aceita-o impli­
citamente no sentido que ele tem, no contexto original, e ao
fazê-lo seu, dá-lhe o sentido mais vasto que tem no con­
texto da Bula.
A Encíclica «Quas pi'imast> com a qual institui Pio X I
a festa de Cristo Rei, gira à volta deste mesmo princípio.
A doutrina da realeza de Cristo, que consta da Escritura,
está consequentemente proclamada na Liturgia, tanto la­
tina como oriental, pelo que, também neste caso, é bem
patente que «a lei da oração estabelece a lei da fé». E já
que assim é, como nestes tempos é tão necessária esta dou­
trina, por isso se colige toda ela, e se exprime em uma
festa. Julgou Pio X I que ó processo mais prático de tom ar
conhecida a lei da fé na realeza de Cristo, era a lei da
oração, ou seja, a instituição da festa de Cristo Rei (37).
Parece-nos que é esta a linha do pensamento de Pio X I na

(#«) C L 6 ,8 37 .
(a?) Vid. A S S 17 (19*5) 603.

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0 PRtNCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 117

Encíclica. Corrobora, pois, a mesma extensão do princí­


pio, feita por Pio IX .
O mesmo Pio X I, na Constituição Apostólica «Divm i
Cultus», recorda em geral, a conexão entre a Litu rgia e
a Fé, cita como de Celestino I o célebre prolóquio e inter­
preta-o dizendo que «as fórmulas da Liturgia, são um
cânone expresso da fé» (3S).
Finalmente Pio X II, que já na encíclica «Divino
afflamte» se referira ao mesmo princípio, insinuando que
ele requer recta interpretação (30), interpretou-o depois
expressamente na encíclica «Mediator Dei» invertendó-lhe
os termos: disse que «a lei de crer é que estabelece a lei
de orar» ( ,0). Quer dizer, é o princípio, que no Indículo
está expresso segundo a ordem lógica, visto do lado inverso,
pela sua ordem ontológica.

III-O

Podemos já form ular algumas.


£ $ >. .f ■ '
1) O Indículo, quem quer que tenha sido o seu autor,
é, para os efeitos teológicos, um documento da S é Romana.
A través de tantos séculos, ela o reconheceu, quer tácita
quer expressamente.

( “ ) A A S 2i (1929) 33-34.
(M) ^ . £ 3 5 ( 1 9 4 3 ) 3 1 1 .
( « ) i4i4.?39 (1947) 541.

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

2) Pelo que diz respeito à doutrina sobre a graça,


que ele contém, é de fé católica, pelos «decretos invioláveis
da Sé Apostólica» que no texto se citam com exactidão
substancial (41). Além disso, o mesmo Indículo, por título
próprio, faz essa doutrina de fé católica, como consta tam­
bém das suas palavras finais, pois nele se compilou tudo o
que é indiscutível sobre o assunto dogmático da graça e se
deixaram de parte outras questões de livre discussão.
É certo que foi por longo tempo tido como de Celestino
dirigido só a uma parte da Ig re ja ; mas, pelos testemunhos
que aduzimos, a sua doutrina passou a ser considerada
como da Sé Romana.

3 ) Pelo que diz respeito à tecnia sobre o argumento


litúrgico, enunciada no prolóquio, deduzida do uso que no
texto se faz desse argumento, corroborada e amplificada
com as aprovações e interpretações posteriores, podemos
classificá-la simplesmente como doutrina católica. Por um
lado ela é aceite em geral em toda a Ig re ja e autoritativa-
mente enunciada pela Sé Apostólica; por outro, não
é imposta essa teoria em termos que requeiram qualifica­
ção mais rigorosa.

4 ) Há um conjunto dc elementos p a ra construção da


TEORIA do argum ento litúrgico, que podemos e x tra ir:
— do princípio enunciado no Indículo a propósito de
um caso particular, o das súplicas;

(<l) Cfr. K. suarez, Trai. de G ratia .Dei, prol 6, cap i, 12 —


Opera, 7, 277.

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0 PRINCIPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» II»

— da extensão desse princípio aos outrois casos adu­


zidos, o dos actos de louvor e acção de graças e o dos ritos
baptism ais; da sua extensão ainda aos demais actos da
da L iturg ia;
— das citações e interpretações do Indículo, aceites
ou dadas pela Sé Romana.

A ) Como princípios mais gerais:


"5 # , • ' • .. | .
a) Tudo o que é litúrgico universal, isto é, o que
constitui o culto da Ig reja Católica como tal considerada,
não é em vão. Como, filosoficamente, pois, os actos se
especificam pelos seus objectos, tudo o que é objeclo da
actuação litúrgica universal da Igreja, tem no seu campo
próprio, de fé e costumes, um valor real, quer dizer, é
uma verdade.
b ) Portanto uma lei ou prática universal, que ofi­
cialmente estabelece um elemento da Liturgia, revela outra
lei que manda crer no que aquela supõe.

B) Como princípios mais particulares:

No campo da competência doutrinal da Igreja, isto é,


em m atéria de fé e costumes,
a) o objecto das súplicas estabelecidas em toda a
Ig reja é uma verdade: há súplicas estabelecidas univer­
salmente, por exemplo para pedir a graça da conversão;
k)go a conversão é uma graça;
b) o objecto dos actos de louvor e acção de graças,
é também nas mesmas condições uma verdade: louva-se

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120 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

sempre e se dão graças a Deus na Ig re ja pelas conversões


dos homens; logo essas conversões são uma graça;
c) o objecto dos ritos da Ig re ja é igualmente uma
verdade: os exorcismos e exsuflações nos catecúmenos
fazem-se para significar a expulsão do demónio pela graça
de C risto; logo o demónio é expulso pela graça de C risto;
d) o objecto das festas da Ig re ja universal, é nas
mesmas condições uma realidade: celebra a Ig re ja univer­
sal a Imaculada Conceição de M aria e a realeza de C risto;
logo M aria na sua Conceição foi Imaculada e Cristo é Rei.
E sta é só uma conclusão geral que se deduz do que disse­
mos. Ocorrem fàcilmente dificuldades como a do valor das
festas da Apresentação de M aria, da Aparição de S. Miguel
Arcanjo, da Trasladação da Santa Casa do Loreto, de
Santos que não existiram talvez. No objecto das festas,
assim como no das fórmulas e ritos, é preciso atender ao
seu aspecto form al visado pela Igreja, ver se ele é do culto
da Ig re ja universal, e ainda se é m atéria acerca de fé e
costumes. <

5) Está-se a ver, que a dificuldade não está tanto


na teoria do argumento litúrgico, quanto na APLICAÇÃO
dela. Também para a aplicação nos parece que podemos
concluir do nosso estudo uma norma fundamental de
orientação. Como a raiz do valor teológico da Liturgia
está no elemento lei, em virtude do qual a Litu rgia é uma
instituição que não pode ser vã, a noi-ma fundamental de
aplicação será esta: a lei da fé que se funda na lei da
oração, valerá
a) segundo a com petência ou origem de quem pro-

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 121

cede essa lei de oração: Cristo ou a Igreja. Se provier de


origem divina, será sempre verdadeiro o que estiver assim
expresso pela Liturgia, pois Deus é infalível em tudo. Se
provier de origem eclesiástica, terá valor objectivo a L itu r­
gia universal em assuntos de fé e costumes ou com eles
conexos, pois sobre esses tem competência o Magistério
universal da Igreja. Há-de interpretar-se nesses casos
segundo o sentido pretendido pela Ig re ja na lei ou institui­
ção litúrgica. Têm autoridade parcial as liturgias parti­
culares. Em assuntos estranhos ao âmbito do Magistério
da Igreja, por exemplo nos puramente históricos, a lei da
oração não garante por si a verdade.
b) Segundo o senlido pretendido pela Igreja, e den­
tro só desses limites, é que terá valor de lei da fé, o objecto
sensível, acto, fói-mula ou festa litúrgica.
c) A qualificação leológice que se há-de dar a uma
afirmação assim da Liturgia, deverá depender da naiureza
do que se afirm a, do modo eomo está expresso e da intenção
da Ig re ja em afirmá-lo.

6) Havendo de dispor nos L ugaresTeológicos conhe­


cidos, a Litu rgia como instituição divina ou eclesiástica,
entre os chamados constitutivos na lista de Melchior Cano,
tanto poderá estar no de e s c r i t u r a , como no de t r a d i ç ã o .
Entre os deckvrativos está sem dúvida no da a u t o r i d a d e
d a i g r e j a . Poderá incluir ainda a Litu rgia elementos que
devam dispor-se pelos outros Lugares Teológicos: contém,
por exemplo, textos de c o n c í l i o s (o símbolo), de s u m o s
p o n t í f i c e s , SANTOS p a d r e s , e t e ó l o g o s Doutores d a Ig re ja
(lições).

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m 6 TE9TE*ftNH0 &A IGREJA UNIVERSAL

Ma» esses elementos enquanto lítúrgicos não deixam


de revestir uma formalidade espeelal como de um L u gar
Teológico autónomo embora complexo — a Liturgia, de
autoridade divina e eclesiástica. E ainda nela se poderiam
distinguir a l i t u r g i a u n i v e r s a l e as l i t u r g i a s p a r t i -
CU LA RE9 .

7> O célebre princípio do valor teológico da L itu rg ia,


emboTa essencialm ente um só, é m ateria lm e n te enunciado
pelas seguintes fórm ulas diversas, todas elas de aprovação
p o n tifícia:

LEGEM CREDEND1 LEX S TATU AT SUPPL1CANDI


7
- Indicuto, P ia X í , P io X I I , Cfr. P io I X (« :

( « ) M si 4, 4 6 1; M L 50, S 3S ; 5 1 ,2 0 9 ; 6 7 ,2 7 3 ; E S \ y ) .
« Divini Coltus » — A A S 21 (1929) 3 4 ; E S 2200.
«Mediafor B e i* — A A S 39 (1947 ! 54*-
Cfr, « Ineffabilis Deus»— C L 6r S37.
Ao estudo deste principio clássico é que muitos autores pràticament»
têm reduzido a questão do valor do argumento litúrgico (Vid. Bibliografia
directamente do assunto). Para nós é só uma parte, ainda que importante
do vasto campo que traçámos. Explorámo-la, parece-nos que com alguma
novidade no seu conjunto', em ordem á finalidade geral. Os estudos mais
recentes que conhecemos, com alguns pontos de coincidência no nosso
objectivo, sSo:
H. scmtiDT, Lex orandi lex credendi in recentioribus docomentis ponti-
ficiis, em— Periódica de Re M o ra li et L itu rgica 40 (1951) 5-28, que, exa­
minando as citações feitas pelos Papas contribui para a determinação do
valor extrínseco do principio;
k . fh kr er , Litttrgie und Glaube, onde fixendo-se sobretudo no
aspecto histórico do principio, contribui para a determinação do seu valor
intrínseco de origem, em S. Próspero de AquitAnia a quem o atribui (9-18)',
em S.to Agostinho, de quem pròximamente depende S. Próspero (19 -4 1;

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0 PRINCÍPIO ENUNCIADO NO «INDÍCULO» 123

LEGEM CRED ENDI LEX STATUIT SU PPLIC A N D I


- P i o X I (**)-,
LEX PRECANDI LEX CRED ENDI EST
— Pio X I I (**)■,
LEX ORANDI LEX CRED ENDI
— P io X I I (a )\ e, inversamente!

LEX CRED ENDI LEGEM STATUAT S U PPLIC A N D I


- P i o X I I (K ).

É, parece-nos, em síntese, quanto se pode concluir


deste nosso estudo, sobre o princípio enunciado no Indículo.

104-109', naqueles de quem S to Agostinho depende — S. Ambrósio (43*54),


S.to Optato de Mileve (54-58), S. Cipriano (59-74), Tertuliano (75-103) — e
ainda, logo depois de S. Próspero, em S. Vicente de Lerins (110-122).
(48) cQuas primas* — A S S 17 (1925) 598.
(M) «Divino amante» — A A S 35 (1943) 3 1 1 .
(45; «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 540.
(*>) Ibid , 541.

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A R T I G O II

A Liturgia nas h eresias, cism a s


e co n tro vé rsia s

1 — Na Idade Antiga: I. —Judnismo e Cristia­


nismo (século I). 2. — Paganismo. Gnosticismo
e outras heresias e cismas (séculos I/-//1).
3. —Maniqueus, Donatistas- As grandes here­
sias : Arianismo e Macedoninnismo, Nestoria-
nismo, Monofisismo, Pelagianismo (séculos IV- V).
4. —Influências priscilianistas. Diversificação
das Liturgias (séculos VI- VII).
II —Na Idade MAdla: I. —No Oriente: heresia
iconoclasta, cisma de Fócio. No Ocidente: con­
trovérsias do Adopcianismo, da Predestinação,
da Eucaristia (séculos VIII-IX). 2. —Cisma do
Oriente, liercsias dos Valdenses e Albigenses,
heresia de Uerengário (séculos XI-XIIl).
III — Na Idade Nova t I. — Cisma do Ocidente, ten­
tativas de reforma (séculos XIV-XV). 2. — Pro­
testantismo e Reforma católica (séculos XVI-
-XVII).
IV — Na Idade Moderna ■ I. —Jansenismo e Gnli-
canismo. Sínodo de Pistóin, Liturgias neo-gali-
canas, Festa do Coração de Jesus, Ritos chine­
ses e malabares (séculos XVII-XIX). 2. - Mo­
dernismo, Movimento litúreico, o laicismo e a
festa de Cristo Rei. 3. — Direito Canónico, En­
cíclica «Mediator Dei» (séculos XIX-XX).
V — Conclusões.

I I s factos de ordem Iitúrgica que mais fàcilmente reve-


^ lam o que pensa a Ig re ja da nossa questão, são cer­
tamente os que se deram por ocasião de heresias, de cismas
e de controvérsias, pois é nesses momentos que o Dogma
está mais em foco.

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

Observá-los-emos nas quatro épocas da História da


Ig re ja : — na Idade Antiga (séculos I-V II),
— na Idade Média (séculos V III-X III),
— na Idade N ova (séculos X IV -X V II),
— na Idade Moderna (séculos X V III-X X ).

I — Na Idade Antiga

1. — 0 primeiro facto que se apresenta é a diferencia­


ção litúrgica entre a Ig re ja e o Judaísmo. Não veio Cristo
«abolir a Lei e os Profetas» (’ )• Não admira, pois, que
os Apóstolos continuassem entre os Judeus a observar
prescrições rituais da Lei (2), e cora'o eles, os primeiros
cristãos (■’ ).
Ainda hoje boa parte da Litu rgia cristã é celebrada
segundo o estilo da Litu rgia judaica, como o conjunto de
orações, leituras e cânticos da chamada «missa dos cate-
cúmenos», e as linhas gerais da «missa dos fiéis» (*). Está
«severamente reprovada a tem erária ousadia daqueles
que»... em nossos dias, excluíam «dos livros legítimos de
orações públicas, as Sagradas Escrituras do Antigo Testa­
mento, reputando-as pouco apropriadas e oportunas para

( 1) Math., 1 , 1 7 .
(*) Cfr. Act., 3, i ; io, 9 ; )6, 3.2 5.
(8) Cfr. Act., 2. 46; 5 ,4 8 .
(<) Cfr. a. copLHO, Curso de L itu rgia Romana, 2, 63-68.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 127

os nossos tempos» (5). A Ig re ja continua a chamar-se na


sua Liturgia «a raça, a fam ília, o povo de Deus» (“).
Mas Cristo, se não veio abolir a Lei, veio dar-lhe o
seu complemento anunciado pelos Profetas (7). Aparece
logo na Liturgia esse complemento. A s reuniões dos pri­
meiros cristãos tinham de especial o ágape eucarístico (a).
E r a ele sobretudo que santificava o primeiro dia depois do
sábado (°), que é já o dia de maior relevo na semana
cristã ( 10). Chamam-lhe o «Domingo» isto é, «o dia do
Senhor» < ").
E ra o dia cristão por excelência, porque fora o pri­
meiro da criação, e o dia da ressurreição do Senhor O2).
N a versão dos Setenta, «o Senhor», é a tradução de « Ja v é » ;
nas cartas de S. Paulo, e consequentemente entre os pri­
meiros cristãos, é sabido que designa a Cristo reconhecido
como Deus. E aí está a expressão litúrgica de outra carac­
terística essencial do Cristianismo: além do culto a Deus
por meio do sacrifício eucarístico, o culto da divindade

(*) pio xii, Encíclica »Mediator Dei» — A A S 30 (1947) 545.


(6) »Pamilia tua» «Plebs tua». Vld. Missalc Romanum,Canon
MiBsae: «Hanc igitur«..» e «Unde ot memores.
(?) Vid, Mat/i., 5, 17.
(®) Cfr. A d ., 2, 4 2 ; / Cor., 1 1 , 17-34.
(») Cfr. Act., 20, 7 -12.
(«>) Cfr. Act., ibid.; 1 Cor., 13, 2.
(11) Vid. Apoc, 1, 10.
• Didachi», 14, 1 — r. funk, Patres Apostolici, 1, 32.
s.™ inAcio, A d Magnesios, 9, 1 ; A d Smyrnacos, 8 — f funk, op. cit.,
236-238; 282; M G 5 ,6 6 9 ; 7 13.
(U ) Cfr. s. jusTiNO, Apologia Prim a, 67 — M G 6, 429.
eusébio, Comm, in Psal., 2 1, 30 — M G 23, 213.

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128 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

de CHsto expresso no dia santo da semana que se lhe


dedica.
Salvaguardadas estas duas características — culto da
Ig re ja a Cristo, e a Deus por meio de Cristo — que são a
essência da Litu rgia cristã (13), podiam de si, admitir-se
práticas Htuais judaicas. Mas havia aí um ponto impor­
tante e delicado: admitissem-se essas práticas rituais,
mas não quando elas significassem profissão do antigo
Judaismo.
Nenhum Apóstolo viu o problema tão claro como
S. Paulo, que, como cristão, reagia apaixonadamente con­
tra o seu próprio zelo de judeu fanático de outros tem­
pos (“ ). Por isso deu logo pela inconsideração de S. Pedro
em Antioquia, o qual se retraía de comer com os gentios
quando chegavam os judeo-cristãos. Advertiu-o, pois, enèr-
gicamente. Reconheceu-lhe S. Pedro a razão, e o concílio
dos Apóstolos em Jerusalém decretou sobre o assunto ('*).
E stá na base de toda esta questão aquele princípio
moral que proíbe participar nos actos rituais que, pelas
circunstâncias, signifiquem profissão de falso dogma. Com
o mesmo princípio resolverá S. Paulo depois a dificuldade
que os Coríntics lhe proporão sfobre as carnes sacrificadas
aos ídolos ( '“). £ ainda esse princípio, o fundamento da
norma geral positiva, traçada no Direito Canónico sobre
a participação em actos de culto não católico ( Ir). Qutr

(18) Cfr. pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 52S.


(l<) Cfr. G a l„ 1, 13-14-
(15) Vid. Act., 15, 1-3 2 ; J Cor.,2,11- 14 .
( 1«) Vid. I Cor., 10, 14-33-
(li) Can. 1258

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 129

dizer, uma prática ritual, está de si relacionada com uma


doutnna.
S. Paulo parece aludir já a «uma ordem» disciplinar
própria da assembleia Iitúrgica (,8). Surgem tendências
judaizantes na prim itiva Igreja. Por isso, além dos ritos
essenciais, totalmente novos, do Baptismo e da Eucaris­
tia (10), estabelecem-se as seguintes práticas rituais, com
propósito declarado de se fazer distinção dos Ju d eu s: a
santificação do domingo em vez do sábado (20), o jejum
da quarta e sexta-feira em vez da segunda e quinta (21), e
a recitação do Pai Nosso com a doxologia final, três vezes
ao dia (22) em vez da oração judaica também três vezes
ao dia (23).
Afirm am-se desde o começo, não só as leis litúrgicas
novas, m as a autoridade jerárquica donde procedem.
O Papa S. Clemente repreende os cristãos de Corinto por
não se subordinarem aos presbíteros detentores do «minis­
tério sagrado» dos Apóstolos É bem sabido como
S.to Inácio de Antioquia nas suas cartas põe em relevo o
Bispo como centro da comunidade cristã. R egra geral,
nada se deve fazer sem o Bispo (2S) ; e em concreto, com a
sua autoridade se há-de contar para a administração do

( 18) I Cor., 14,40.


( 1®) Vid. tD idachit, 7; 9-10 — f. funk, P atres Aßostolici, 16-18; 20-24.
(20) Vid. ibid., 14 , 1 — f . funk, op. cit., 32.
(21) Vid. ibid., 8, 1 — f . funk, op. cit., 18.
(22) Vid. «D id ach it, 8, 2 .3 — f. funk, op. cit., 18-20.
(28) Cfr. Dan., 6, 10.
(21) Vid. Prim a ad Corinthios, 44-77 — f.funk, op. c it, 154-156, 160.
(25) A d Magnesios, 4 ; A d Philadclphmses, 7, 2 — f .funk, op. cit.,
232-234; 270; M G 5 ,6 6 5 ; 703.

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130 O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

Baptismo e da Eucaristia (2#), assim como convém que se


deva contar também para o Matrimónio (27).
E aqui temos como «a acção litúrgica começa com a
mesma fundação da Ig re ja ... O culto organiza-se e desen­
volve-se segundo as circunstâncias e as necessidades dos
cristãos» (28). A Litu rgia do Antigo Testamento tinha
que ceder à do Novo (29). Em conclusão, logo desde o pri­
meiro século, a diversidade da fé estabelece o fundamento
da diferenciação no culto, e inversamente por esta d ife­
rença essencial do culto se dá a entender a diversidade
da fé.

2. — Também perante o paganismo se invoca como


característica e distintivo da religião cristã, a sua Liturgia.
Foi nesse sentido que já no século II, o filósofo S. Justino,
lançou pela primeira vez ao conhecimento do público, os
ritos essenciais da Litu rgia — a iniciação por meio do
Baptismo e o Sacrifício Eucarístico (3#).
Por essa declaração se sabe que já estava então cons­
tituído um núcleo de cerimonial, que permaneceu, para a
celebração da missa, comum a todos os ritos que depois se
form aram : leituras do Antigo e Novo Testamento, prega­
ção, oração geral dos fiéis, ofertório, a grande prece euca­
rística do celebrante com o «Amen» final a exprim ir o
(!0) A d Magnésios, 9, 1 ; A d Smyrnacos, 8 — r. fukk, P aires Apos-
tolici, 736-238; 282; M G 5, 669; 7 13.
(s7) A d Polycarpum, 5, 2 — f. fusk, op. cit., 292 ; M G 5, 723.
(28) p,o xii, Encíclica «Meaiator Dei» — A A S 39 (1947) 5*9-
( 29) «Et antiquum documentum novo cedat ritui» — (Hino: «Pange
lingua gloriosi Corporís»).
(30) Apologia Prim a, 65-67 — M G 6, 428-429.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 131

assentimento da assembleia, e por fim a comunhão. A im­


provisação litúrgica a que então se dava margem, era
limitada (3l). Vai-se determinando a lei da oração; e se ela
enriquece com elementos .aproveitados do culto pagão (32),
estes não vão contagiar a pureza da fé. São justo contri­
buto da natureza, que a graça eleva e não destrói.
Quando houve abalos na fé, houve em geral subversões
na Liturgia. A s extravagâncias doutrinais dos Gnósticos
no século II, fizeram-nos cair em extravagâncias litúrgi-
cas (33). Entre eles Valentim servia-se dos hinos litúrgicos
para neles vasar as suas doutrinas, como refere Tertu-
liano (3‘ ).
Por outro lado um autor cristão do século III citado
por Eusébio (35>, provava contra um certo Artemas, a
divindade de Cristo com 03 hinos em que os cristãos O lou­
vavam como Deus. E Paulo de Samosata que de Artem as
recebeu a heresia (30), fez suprim ir aqueles cânticos para
instituir outros (3:).
Por essa época, defendendo S. Cipriano a unidade da
Igreja, incluía na noção de herege esta acusação essencial,
que pode ser a síntese da observação que vimos fazendo:
«ousa constituir outro altar, fazer com palavras ilegítimas

(81) f. cabrol, Liturgie — D T C 9, 794.


( 32) Ibid., 791-793-
(88) s.to ireneu, Contra Haereses, lib, 1, 13, 2 — M G 7, 580-581.
tertuliano, De Praescriptionibus, 41 — M L 2, 56-57.
(81) De Carne Christi, 17 — M L ?, 781.
(86) H ist. Eccles., 5, 28 — M G 20, 513-514
t 8«) j. tixekont, Histoire des Dogmes, 1, 352.
(S?) eusîbio , Hist. E ccles, 7, 30 — M G 20, 713-7 14.

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132 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

outm oração» (3S). E aqui passa S. Cipriano do facto para


o direito, pois faz questão expressa da lei da oração.
J á nos séculos II e III se debaiteram sérias controvér­
sias a propósito da lei da oração, com graves repercussões
na fé e na disciplina. Baste recordar a questão da data da
Páscoa no tempo do Papa S. V ítor (30), a questão dos
aquários que pretendiam consagrar só água (*°), e a dos
rebaptizantes (41).

3. — A Litu rgia continuou a ser distintivo da fé. Os


Maniqueus, consideravam a m atéria como princípio do
m al; o emprego do vinho para m atéria da Eucaristia era
em si pecado e a missa não era sacrifício. Contra eles é
que, na opinião de Duchesne, se devem ter acrescentado ao
Cânone da missa aquelas palavras «sanctum sacrificium,
immaculatam hostiam», que o «Liber Pontificalis» atribui
a S. Leão (*2) e que declaram a realidade e santidade do
sacrifício eucarístico.
Os Donatislas para desacreditarem os católicos, espa­
lharam que estes tinham mudado o rito da missa, e
S.to Optato Milevitano responde a essa calúnia, dizendo
simplesmente que basta que venham ver para verificarem

(33) De Catholieae Ecclesiae Unitate, i ^ — M L 4 ,5 15 ; C S E L 3, 2 26.


(®>) EusÉmo, Hist. Eccles., 5, 23-25 — M G 20, 489-509.
(40) Vid. p . ihtiffol, Aquariens — D A C L 1, 2648-2654.
(H) Cfr. o. dareille, Donatisme — D T C 4, 17 0 1-17 2 8 ; vid. 1722.
(<2j Origines du Culte Chrétien, 19 7; cfr. l. puchksne, L e L ib er
Pontificalis, 1, 239.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 133

que não é assim (43). Contra os erros donatistas canta­


vam-se na Ig re ja de Á frica hinos dogmáticos compostos
por S.*° Agostinho (“ ).
A s grandes heresias que nos séculos IV e V sacudiram
a Igreja, buliram também com a Liturgia. A questão trini-
tária saiu das lutás arianas e macedonienes perfeitamente
clara, e ficou estabelecida em fórmulas litúrgicas: as
doxologias e os símbolos. Uma palavra do Símbolo de
Niceia — ófioovsiov — «consubstanciai», foi a bandeira do
Dogma contra a heresia (43).
De parte a parte durante o agitar da luta se lançava
mão de fórmulas litúrgicas. Em defesa da doutrina cató­
lica invocavam S.10 Hilário e S.'° Ambrósio o testemunho
de hinos que celebravam a Divindade de Cristo (4,i). Mas
há um pormenor digno de atenção. Sabido é como os aria­
nos levantavam como expressão da sua doutrina a fórmula
«.pelo Filho no Espírito Santo». Daí concluíam que o Pai
era Deus, o Filho não. Pois apesar disso, através da con­
trovérsia e passada ela, as liturgias mantiveram essa
mesma expressão e semelhantes. Até mesmo liturgias com
intenções anti-arianas, como as «Constituições Apostó­
licas» ( " ) . O mesmo se diga das de S. Marcos, de S. Tiago,
de S. Basílio, de S. Gregório Nazianzeno, de S. João Cri-

(43) Contra Donatistas, 3, 12 — M L 1 1 , 1025-1028; C SEL 26,


99-101.
(•*■*) pu. oppcNHEiu, Inst. S ys t.-H is t. iu Sacr. L itu rg . 7, 26.
(« ) Vid. F. CADROL, Ariens - Ü A C L 1, 2814-2819.
(*G) PH. oppenhbim, ínst. Syst. - JJist. i/t Sacr. L itu rg., 7, 92.
( 47) f . punk, D idascalia et Conslituliones Apostolorum, 1,492-494.
4 9 6 .5 ° 7 • S °9 • 5 10-

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134 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

sóstomo, e da Litu rgia Romana que conserva a ideia da


mediação de Cristo, por exemplo nos prefácios, e da inabi-
tação do Espírito Santo, em outras fórm ulas (■*8).
A mesma disputa porém, é sinal claro de que essas
expressões não têm o sentido ariano, mas simplesmente o
sentido tão frequente em S. Paulo, de que o nosso culto
sobe a Deus Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Não deixou
contudo dc então se completar a doutrina estabelecendo-se
a par daquela expressão 0 uso da que reúne em um só o
louvor e «glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo» C 9).
É expressamente para refutar o sentido que os arianos
davam a fórmulas como «Per Christum Dominum nos-
trum», que a Liturgia Romana desc-nrola esta terminação
breve das orações na terminação longa «Per Dominum...
qui. tecum vivit... in unitate... per omnia saecula...» (50).
Debelada a heresia enriqueceu-se a L itu rgia com pre­
ciosos textos que declaram e celebram a Santíssim a Trin­
dade e a Divindade de Jesu s Cristo. Nos fins do século V é
rocebido na Liturgia Antioquena o símbolo niceno-constan-
tinopolitano, e no século V I em Constantinopla e na Penín­
sula Ibérica. O hino trinitário «Gloria in excelsis» encon­
tra-se já no Sacramentário Gregoriano. Orações dirigidas
ao Filho como a Deus, parece que só se usavam no culto
privado. Em réplica ao arianismo, começaram a usar-se no

(*s ) M. cappuyns, Liturgie et Théologie, em — Cours et Conférences


des Semaines Liturgiques, L e V rai Visage d e là L itu rgie, 14 (1938) 194-209.
(**) PH. Oppenheim, Inst. Syst. - Hist, in Sacr. L itu rg ., 7, 23.
(50) Cfr. a. coelho, Curso de L itu rg ia Romana, 1, 93-94.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 135

culto litúrgico. N a Liturgia Galicana há muitas orações


assim, mesmo no Cânone da m issa (M)-
O Nestorianismo quando levantou escândalo não foi
propriamente ao proclamar-se a essência da heresia — a
distinção de duas pessoas em Cristo; foi quando Nestório
em Constantinopla declarou uma das primeiras consequên­
c ia s— que M aria não era Mãe de Deus, mas da pessoa
humana de Cristo. É que estavam os ouvidos dos fiéis
acostumados «à expressão— deoTÓKoç — «Mãe de Deus»,
nas suas orações
Contra as alterações heréticas feitas no rito da missa
por Nestório ou Teodoro de Mopsuéstia, insurge-se S. Leôn-
cio Bizantino (“ ). Por outro lado os nestorianos reconhe­
ciam o valor e a veneração devidos à Liturgia, e defen-
deram-na zelosamente de outras inovações. Por isso a
Liturgia da hoje reduzida igreja nestoriana da Pérsia,
pondo de parce aquelas alterações, tem para o Dogma,
apreciável valor histórico (*■•).
Os Eutiquianos ou Monofisitas para favorecerem a
sua heresia, modificaram na missa as palavras que acom­
panham a m istura das duas espécies depois da fração da

(51) PH. OPPENHEIM, Inst. Syst. - H ist, in S acr. L ilu rg ., 7, 24-25.


Sobre as influências das lutas arianas na Liturgia, vid. particularmente:
j. JUNC.MANN, Die Stellung C hristi im liturgischen Gebet.
(5i) Já no século III estava esta expressão no original grego da
antífona t Sub tuum praesidium », a invocação grega mais antiga que se
conhece, a Nossa Senhora. Vid. p. f. mercinier, L'Antienne Mariale Grecque,
la plus ancienne, em — L e Musion, Louvain, 52 (1939) 229-233.
(58) Adversus Nestorianos, 3 — AIG 86, 1603-1650.
(M) r. CABROL, Liturgie — D T C 9, 841.

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130 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

hóstia (” ). E ainda hoje os Arménios monofisitas não


lançam as gotas de água no vinho do cális, para não signi­
ficarem com isso a distinção das duas naturezas em
C risto (5C). Esse rito, porém, convém notar que tem ofi­
cialmente na Ig re ja a razão histórica de Cristo assim ter
feito na última ceia, e o significado simbólico da partici­
pação do povo (57) na abundância dos méritos do sangue
de Cristo, e recorda ainda o sangue e água que saíram do
lado de Jesu s (58).
Um dos principais representantes do monofisismo na
Síria, do século V, foi o Patriarca de Antioquia, Pedro de
Fulão. Ficou célebre precisamente por uma inovação litúr-
gica pequena, mas que levantou grande controvérsia: aio
triságio que hoje cantamos em Sexta-Feira Santa «Sancüis
Deus, Sanctus Fortis, Satnctus Immortalis», acrescentou a
expressão equívoca «qud crucifixws es pro nobis». Daí a
controvérsia que levou a pôr a todos os monofisitas o nome
de «teopasquitas» (de Oeóq e iráaxeiv) porque no sentido
equívoco daquela expressão cabia o suposto de que a Divin­
dade padecera (50).

(•") r. cabrol, Liturgie — D TC 9, 841.


(66) p. rknaudin, De auctoritatc Sacr. Liturg. in rebus fidei, em —
Divus Thomas, 13 (1935) 52.
(67) Apõe*, 17, 15.
(68) Concil. Florent., Deer, ad Armen.— A/si, 3 1 , 1056-1057; E S 698.
Concil. Trident., sess. 1 2, cap. 7 — C T 8, 961 ; E S 945.
A/issale Romanian, vid. a oração que acompanha esta cerimónia.
Missale Bracarense, vid. a oração que acoinpanha esta cerimónia na
missa solene.
(69) r. CABROL, Liturgie — D T C 9, 841.

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A LITURGIA NAS HÉRÉSÍAS, CÍSMAS E CONTÈOVÉRSIAS 137

Contra o arianismo reagira o culto trinitário, e contra


o nestorianismo o da Mãe de Deus. Contra o monofisismo
reagiu também o culto do Verbo Incarnado, que deu à
Liturgia do tempo do Natal, a riqueza dogmática que ainda
conserva C°).
N as lutas pelagianas, a defesa da doutrina da Ig reja
empreendida por S.l° Agostinho, uma das m ais brilhantes
na história dos dogmas, apoiava-se toda ela no argumento
litúrgico. É com o rito baptismal das crianças, e com as
orações da Ig re ja que b Bispo de Hipona prova contra o
Pelagianismo, o pecado original, a necessidade da graça,
e a doutrina da predestinação í 01)-
Muitas orações do Missal Romano no tempo pascal e
depois do Pentecostes, são a condenação, um por um, dos
erros pelagianos e semi-pelagianos, e parecem ser, em fór­
mula litúrgica, a expressão de decretos dos Concílios ante­
riores (02).

(M) i. SCHUSTER, L ib er Sacramentorum, Domenica I D’Avvento, 2, 109.


(c l) Vid. infra, cap. IV, art. I.
(os) Alguns exemplos: « .. .quia sine te niliil potest mortalis iníir-
mitas» (Oração do I Dom. depois do Pentecostes).
« ...u t petentibus desiderata concedas, fac eos, quae tibi sunt placita,
poslularc » (Oração do I X Dom. depois do Pentecostes).
«Tua nos, quaesumus, Domine,gratia semper et praeveniat et sequatur:
ac bonis operibus iugiter praestet esse intentos» (Oração do X V I Dom.
depois do Pentecostes).
No «Missale Visigothorum» encontra-se esta fórmula com ressaibos
muito augustinianos: < Domine Jesu, qui beatíssimas Virgines Justam et Rufi-
nam de vasis irne fecisti vasa misericordiae, dum originalis peccati traduce
conligatae sacrosanctae generationis meruerunt deulburi baptismo...» .
Cfr. PH. Oppenheim, Inst. Syst. - H ist, in Sacr. L it., 7, 26.

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138 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

Á invocação «Deus in adjutonum », extraída dos Sal­


mos (M), e colocada no começo das horas canónicas parece
ser também uma reacção litúrgiea contra o semi-pelagia-
nismo (ai).

4. — N a Península Ibérica os erros do Priscilianismo


começavam já a penetrar na Liturgia. É por isso que o
Bispo de B raga, Profuturo, pede a Roma instruções litúr-
gicas. O Papa Vigílio manda-lhe em 538 o ritual do
Baptismo e o Cânone da Missa Romana, que são depois
impostos pelo I Concílio de B raga (os). Integrado o reino
suévico em 585 no império visigótico, os concílios nacionais
de Toledo, zelosos da unidade litúrgica, acabam por obri­
gar toda a Península a adoptar o Rito Mosárabe, e a
razão que lá se deu para a unidade de rito, foi a unidade
da fé (fiC).
Evoluía então em todo o Ocidente a form a da Liturgia.
Mas na diversidade das liturgias regionais permanece o
princípio da unidade em cada região (,iT), pelo mesmo
motivo.

(Oí) P s. 69, 2.
(W) Cfr. ph. 01'Penheiu, lusí. Syst. -Hist. in Sacr. L it., 7, 26.
(06) Vid. infra, cap. 111, urt. II, 4.
(00) Vid. ibid. Cfr. a. coklho, Curso de L it. Rom., 1,228-229.
(0!) Vid. supra, págs. 43-44.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 130

II — Na Idade Média

1. — Nos séculos V III e IX as controvérsias mais


importantes que se debatem na Igreja, todas elas têm rela­
ção muito próxima com a Liturgia.
No Oriente a heresia dos iconoclastas, e a definição
do II Concílio de Niceia que os condenou, são directamente
litúrgicas no seu objecto: o culto dos Santos e das ima­
gens (°").
O primeiro forte abalo cismático, causado à Ig re ja por
Fócio no século IX , teve como grande pretexto uma peque­
nina adição litúrgiea, a do «Filioqtie», pelo valor dogmático
que necessariamente implicava, no Credo da missa. O Credo
com essa adição cantava-se no Ocidente, pelo menos desde
o IV Concílio de B rag a no ano 675 (co) se é que não se
cantava já também em Roma (?H).
A controvérsia do Adopcianism o na Espanha era tam­
bém litúrgiea no seu fundamento ou pretexto. «Um con­
cílio... reunido em F ran cfort... em 794, condena o adopcia­
nismo e afirm a terem sido a sua principal causa as passa­
gens do missal gótico. Assinala o perigo das liturgias

(*>) Conc. Nietn. I I , Actio 7 — M si 13, 377-380; E S 302-304.


(<u) Cfr. e. s h w \ rtz, Das Nicaenum und das Constaniinopolitanum
auf der Synode von Calcedon; Zeiltschrifl für ncuteslamentl, em —
Wissenschaft, 25 (1926) 38-88; vid. 63.
( 70) Vid. Wilhelm m. peitz (s . ).), Das vorephesinische Symbol der
Papslkanzlei, ein — Miscellanea Historiae Pontificiae, Romae, 1 (1939) 46.

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140 O TESTEMUNHO DA ICnEJA UNIVERSAL

nacionais, e preconiza a unidade da Liturgia como a m ais


segura garantia da unidade da fé» (71).
N a controvérsia da predestinação, Hincmaro, Bispo
de Reims evoca o valor que o Indículo atribui ao argu­
mento litúrgico (T2).
A controvérsia da Eucaristia em que Escoto Erígena
começa a negar a presença real, é também no seu objecto,
do domínio litúrgico.

2. — Vem o século X. A Ig reja está constrangida pelos


caprichosos interesses políticos do feudalismo. É um
século de esterilidade doutrinal, moral e litúrgica, o «século
de ferro» como o classificou Barónio
Quando no século seguinte se expandiu a vitalidade
da Ig re ja no pontificado de S. Gregório V II, levou-se a
cabo a unificação litúrgica do Ocidente e a Liturgia Mosá-
rabe, outrora suspeita de heresia, é suplantada pela
Romana.
Mas o facto mais retumbante que já neste século X I
se dera, foi o cisma do Patriarca de Constantinopla, Mi­
guel Cerulário, que renovou e consumou o de Fócio. B as­
tantes foram as razões dogmáticas e disciplinares que
alegou para a separação; mas na tentativa de união que
mais tarde se fez no Concílio de Florença em 1438, pude­
ram reduzir-se a quatro, os pontos de divergência de ca-

(H) A. coelho, Curso de L itu rgia Romana, i, 230-231. Cfr. infra,


cap. III, art. II, 7.
(Ti) R e Praedest. D ei et Libero A rbítrio, Disserl. 2, 24 — M L 125,
213 -215 .
(7*) Annales Ecclesiaslici, 15,500.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 141

rácter dogmático que daí em diante têm sido considerados


clássicos:
— a questão eclesiológica da primazia, do Papa.
— a questão trinitária do «Filioque».
— a questão eucaristica do pão ázimo e da epiclese, e
— a questão escatológica do purgatório e da retrib u i­
ção defin itiva e im ediata depois da morte (M).
Em todos estes quatro pontos a questão é litúrgica ou
no seu objecto, ou nos seus pretextos. A questão da p r i­
mazia do Papa foi para os Orientais agravada no século
passado, pela definição de Infalibilidade pontifícia e da
Imaculada Conceição, e agora também naturalmente pela
da Assunção.
Mas no século X I, Miguel Cerulário arguia assim :
embora primaz da Ig re ja por origem divina, o Papa caiu
em heresia admitindo um novo artigo no Credo — que o
Espírito Santo procede também do Filho; e prova de que
o admitira era, que o Credo com a adição do «Filioque» se
cantava nas igrejas de Roma (” ). Em consequência foi
riscado da Litu rgia Grega o nome do Papa (78). Arguía-se
pois com alterações feitas na Litu rgia latina, e em confor­
midade com a nova posição tomada faziawse inovação na
Litu rgia grega. Deixaram ficar, é certo, os textos que se
referem à primazia de S. Pedro; mas isso não é incom­
patível com o pensamento de Miguel Cerulário; esse teste­

( M) Cfr. u. GORDiLLo, Compendium Theologiae Orient alis, 48.


(75) Cfr. Id., op. cit., 57-58 ; 107.
( ’6) T. vaqubro, Valor Dogmático da Liturgia, em — Revista Ecle­
siástica B rasileira, 9 (1949) 352.

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142 0 TESTEMUNHO DA IGUEJA UNIVERSAL

munho, contudo, quando apontado por autores católicos,


tem incomodado os teólogos greco-eslavos (77).
O grande pretexto era portanto a questão trm itária
provocada por aquela adição litúrgica do «Filioque» (7S).
Notemos, porém, para complemento da observação, que a
Ig reja requer, é claro, dos Orientais, a profissão desse
dogma; mas, por declaração de Clemente V III, confir­
mada por Bento X IV (7D), não os obriga a acrescentar o
«Filioque» ao símbolo nas suas liturgias. N a própria L i­
turgia Romana se em textos posteriores à controvérsia se
exprimiu naturalmente que o Espírito Santo procede do
Pai e do Filho (80) não se julgou contudo até hoje necessá­
rio completar outros textos em que só se faz menção que
procede do Pai (81).
A questão eucarística entre os católicos e os cismá­
ticos greco-eslavos, vem principalmente a se r: a do pão
ázimo, quanto à m atéria do sacramento, e a da epiclese,
quanto à forma. A questão do pão ázimo começou no
século X I e tornou-se muito acesa no século X I I ; reque­
riam então para a validez o pão fermentado; hoje pensam,
afinal, como os católicos, que é uma questão disciplinar
apenas, e não dogmática. A da epiclese começou no sé­

(77) Vid. M. GORDILLO, Op. Cit., 97.


( 7®) Vid. supra, pôg. 139.
(7Í) DESKDicTus xiv, Const. «Etsi pastoralis» § 1 De fide catholics.
Cfr. M. GORDILLO, Op. CÍI., 136.
(SO) «Teque utriusque Spiritum» (Na 6.a estrofe do hino «Veni Crea­
tor Spiritus»),
( 81) Por exemplo: «Mentes nostras, quaesumus, Domine, Paraclitus
qui a teprocedit, illuminet: et inducat in omnem sicut tuus promisit Fi­
lius, veritatem» ( Oração da Q u arta-Feira das Têmporas do Pentecostes).

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 143

culo X IV , e depois de várias oscilações, fixou-se como


opinião comum entre os cismáticos greco-eslavos, a p artir
do século X V III, que para a form a da consagração se re­
querem, além das palavras da Instituição da Eucaristia,
as da epiclese, ou seja, da oração em que pouco depois da
fórmula da Instituição, se psde ainda a transubstancia-
ção das espécies. Entre os católicos é doutrina de fé que,
proferidas as palavras da Instituição, a transubstanciação
está efectuada.
Argumentam os cism áticos: N.a Litu rgia há uma ora­
ção a pedir a transubstanciação; logo quer dizer que nesse
momento ainda não está realizada. Além disso a Litu rgia
de S. Basílio o confirma quando, depois das palavras da
Instituição, chama às espécies eucarísticas — avrmnra —
«antítipos», ou figuras.
Os católicos argúem : Há na Liturgia as palavras da
Instituição da Eucaristia que afirmam a transubstancia­
ção; logo uma vez pronunciadas está efectuada a tran­
substanciação. Tanto assim que, apenas pronunciadas as
palavras, logo se adora a Eucaristia. Mas têm de explicar
os católicos aquela oração da epiclese; e explicam-na de
várias maneiras. A mais completa parece se r resumida­
mente esta: O texto dessa oração pretende directamente
declarar a nossa santificação pela comunhão da Hóstia,
feita Corpo e Sangue de Cristo; mas como o facto tão
grande da transubstanciação se realizou em um momento,
retoma-se, como desenvolvimento dramático, o processo da
consagração já realizada. E quanto à outra dificuldade do
nome dado às espécies na Litu rgia de S. Basílio, uma
coisa é Cristo realmente presente, outra as espécies sacra­

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144 0 TESTEMUNHO DA ICIIEJA UNIVERSAL

m entais; nada impede que as espécies possam dizer-se


fig u r a s — avrÍT vira — da realidade que ocultam (82).
Discordam pois, cismáticos e católicos, na doutrina e
nos argumentos com que a defendem; mas estão de acordo
na mesma suposição fundamental desses argumentos, que
ó aquela que já observámos na análise do Indículo: uma
acção ou oração Iitúrgica não pode ser coisa dogmatica­
mente vã; tem que ser verdadeiro o que elas exprimim.
Onde está portanto muitas vezes a dificuldade, é na inter­
pretação ou determinação do objecto das orações ou dos
ritos.
A questão escatológica, pelo que se refere ao purgató­
rio começou no século X II. Não admitiam os gregos o pur­
gatório ; mas tinham de explicar a sorte dos que morriam
com pecados veniais. A explicação estava, para eles, nas
preces da Ig re ja pelos defuntos: por elas lhes perdoava
Deus aqueles pecados (83). Não deixa de chamar a atenção,
que na Ig re ja latina, onde foi e é clara a realidade do pur­
gatório, seja tão exuberante a liturgia dos defuntos, e na
Ig re ja grega onde esse dogma não esteve nem está assim
esclarecido, a Litu rgia seja nesse ponto, mais pobre.
A retribuição imediata e defin itiva e, quanto à alma,
completa, logo depois da morte, já Fócio a negara. Quando
depois da efémera união do Concílio Florentino tom aram a
separar-se os greco-eslavos, rejeitaram a definição do
Concílio, e hoje nem todos pensam uniformemente a esse
respeito, nem sustentam a imutabilidade da sentença divina

(8J) Cfr. M. GORDiLi.o, Compendium Theologiae Orientalis, 174-184.


s. salaville, Épiclise eucharistique — D T C 5, 194-300.
(88) Vid. M. GORDILLO, Op. Cit., 187-I95.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 145

depois da morte. A s razões, muito débeis, são litúrgicas:


fundam-se num texto de S. João Damasceno, onde vem
metido um caso em que um condenado, o imperador Tra-
jano, é libertado da condenação por meio de S. GregóriO
Magno. Parece autêntico o escrito de S. João Damasceno,
mas espúria esta passagem. A Sagrada Congregação man­
dou-a suprim ir do rito católico bizantino. Evocam ainda
em seu favor os greco-eslavos, uma prática ritual que se
usou no século X I I I : sete sacerdotes recitavam sobre o
morto as preces da Extrema-Unção, para que Deus lhe
livrasse a alma do inferno. Mas no mesmo século, o Pa­
triarca de Constatinopla reprovava essa cerimónia (M).
Há também na Liturgia Romana dos defuntos, textos
que literalmente poderiam significar que a retribuição
depois da morte não é imediata nem definitiva. Poderiam
notar-se esses ressaibos de mentalidade greco-eslava, por
exemplo, na antífona para o ofertório da m issa dos defun­
tos (sr) e na oração da m issa de corpo presente (NU). É bem
claro que a Ig re ja não pronuncia essas fórm ulas em sen­
tido contrário à doutrina hoje esclarecida. Mas vê-se que
podem textos litúrgicos, em form a menos perfeita, ies-
sentir-se da época em que a doutrina que eles supõem
estava menos clara. Ainda que as circunstâncias não
tenham feito deles pedra de escândalo, nada perderiam se
(M) Cfr. Id., op. cit., 200-202.
(85) « ...lib e r a animas omiiium fidelium defunctorum de paenis in-
fe r n i, et de profundo lacu; libera eas de ore leonis, ne absorbeat eas tarta-
rus, ne cadant in obscurum. . . fac eas, Domine, de morte transire ad
vitam . . . »
(88) «...exoram us pro anima famuli t u i. .. ut non iradas eam in
manus inimici, neque oblivisvaris in finem , . . . >

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14S O TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

literalmente fossem hoje mais adaptados ao Dogma. En ­


tretanto, não valem os textos pelo que materialmente
soam, mas pelo que formalmente querem dizer.
Os hereges dos séculos X II e X III, Valdenses e Albi-
genses, em consequência dos seus princípios gnósticos e
maniqueus, segundo os quais a m atéria é origem do mal,
impugnavam radicalmente o culto sensível da Igreja. São
as heresias que Dom Guéranger classificou de anti-litúr-
gicas (sr).
No século X II também, Berengàrio, suscita de novo o
erro de Escoto Erígena, sobre a presença real de Cristo na
Eucaristia. Ao mesmo tempo alguns teólogos ousam a fir­
mar que a .presença real de Cristo na Eucaristia só se dá
depois de feita a consagração do cális. A Ig re ja introduz
a elevação da Hóstia, para ser adorada pelos fiéis, antes
de começar a consagração do cális (8R). Como afirmação
de fé instituiu também a festa do Corpo de Deus.

Ill — Nb Idade Nova

1. — A perturbação do Cisma do O cidente, reflectiu-se


na Liturgia onde se repercutiu também a confusão (80).
E a incubação do espírito anárquico que havia de eclodir
com Lutero, despertava já na Ig re ja vontade de reabilita­

(87 ) Institutions Liturgiques, i, 394-395.


( ® ) a. CORLHO, Curso de L itu rg ia Romana, 1, 94.
( *9 ) s. DAUMER, H istoire du B réviaire, 90.94-95.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 147

ção cla vicia católica, e a par desse esforço esboçavam-se


tentativas isoladas de reforme na Liturgia (,J0).

2. — Estalou, por fim, o Protestantismo, a mais revo­


lucionária das heresias. Subverteram os protestantes o
Dogma tradicional, e logicamente também o Culto esta­
belecido.
Lutero, na reform a cla missa em 1523, conservou as
partes essenciais, que a confissão de Augsburgo manteve
ainda. Calvino foi menos conservador. Por força da ló­
gica da doutrina, rejeitada a autoridade unificadora do
Papa, o protestantismo fracciona-sc em seitas, e a Liturgia
diversifica-se em vários tipos de serviço protestante, em
língua vulgar (01).
N a Inglaterra a evolução da Liturgia é também para­
lela à evolução da doutrina. Como Henrique V III começa
simplesmente por separar-se de Roma, mantém as cerimó­
nias católicas, mas corta do Pontifical o juramento dos
Bispos de fidelidade ao Papa (°2).
Amputados da Ig re ja Romana os anglicanos, começa
a decompor-se o corpo da sua fé, e no tempo de Eduardo V I
já não é uma só a doutrina da presença de Cristo na Euca­
ristia. São a este propósito para nós muito elucidativas
as alterações que então se fizeram na fórmula da comunhão.
Como a antiga «Corpus Christi», à qual o comungante
respondia «Amen», também a fórmula contemporânea

( 90) Foi nessa altura a tentativa de reforma do Breviário, do Cqrdeal


Cisnoros. Vid. s. daumer, op. cit., 2, 114 .
( 91) Vid. ». CADROL, Liturgie, — D C T 9, 842.
(M) Id., ibid.

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148 0 TESTEMUNHO DA ICiKEJA UNIVERSAL

«Corpws Dom ini N . J . C. custodiat...» era expressão clara


da presença real. Alteraram-na, pois, de maneira que
ficasse ao sabor das duas opiniões, e modificaram-na nes­
tes termos na primeira edição do «Book of Common
Prayer», de 1549: «O Corpo de N. S. J. C., que por ti
■se deu, guarde o teu corpo e a tua alma para a vida
eterna» (o:i). E para a comunhão do cális: «O sangue de
N. S. J . C., que por ti fo i derramado, guarde a tua aima
para a vida eterna».
Prevaleceram depois os que negavam a presença real,
e na segunda edição, três anos depois, cm 1552, aquele
texto aparece já assim mudado: «Toma e come isto em
memória de que Cristo morreu por ti, e nutre-te dele no
teu coração pela fé, com acção de graças». «Bebe isto em
memória de que por ti foi derramado o Sangue de Cristo,
e dá graças» (“')• É a expressão fiel da doutrina a que já
se tinha chegado.
Eduardo V I introduziu ainda mudanças no rito da
ordenação e a tal ponto que as ordenações anglicanas pas­
saram a ser inválidas, como declarou Leão X III ("“).
A evolução doutrinal trouxe mais variantes ao «Prayer

(» 3) «The Body of our Lord Jesus Christ, which was given f o r thee,
preserve thy body and soul unto everlasting life».
( f t ) «Take and eat th is in remembrance that Christ died for thee,
and feed on him in thy heart by faith with lhaksgiving». «Drink th is in
remembrance that Christ's blood was shed for thee, and be thankful. Vid.
j. co u tu rier, The Book o f Common P ra y er a n d the Anglican Church, 71.
(®5) Vid. leão xni, Ep. « Apostolicae curae» — A S S 29 (1896-189;)
198-200; E S 1963-1968.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 149

Book» nas edições que se seguiram nos anos de 1559, 1604,


1662, 1927 e 1928 (M).
A reacção católica litúrgica contra a heresia protes­
tante, está compreendida na grande obra de reforma no
Concílio de Trento. Empreendeu o Concílio uma determi­
nação do Direito Litúrgico, que tende desde então para cá,
a estabelecer-se cada vez m ais uniformizado. E ra um dos
meios para meihor se exprimir e defender a unidade da fé.
A partir de então, começaram os Papas a editar, reform a­
dos e unificados, os livros litúrgicos, que vieram a consti­
tuir o corpo do Direito Litúrgico, actualmente em vigor(0T).

IV — Na Idade Moderna

1. — Do rescaldo da heresia protestante acenderam-se


ainda na Igreja o Jansenism o e o Galicanismo, que vieram
a eclodir no conjunto de erros proclamados no Sínodo de
Pistóia em 1786, alguns acerca da Liturgia. Todos eles
foram condenados na Constituição «Auctorem Fidei» de
Pio V I (U8). Os erros litúrgicos são directamente contrá­
rios à disciplina da Ig re ja ; no fundo porém, são contrá­
rios à doutrina, e foi sobretudo nesse sentido que cies
foram condenados.
Reflexo dos princípios jansenistas e galicanos foi a
anarquia litúrgica cm que se viram envolvidas as dioceses

( 9C) j. cOUTUKIKIt, op. Cit.


(*7) Vid. D ter. A ui/i. Congr., S acr. R i/., 4266, 9.
( 98) Msi 38, 1261-12S2; E S 1501 -1599. Vid. infra, cap. IV, arl 11,4.

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150 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

de França, do século X V II ao século X IX . N a tentativa


de diminuir o culto de Nossa Senhora, o «Breviário P ari­
siense» de 1680, por exemplo, suprimiu no ofício da Assun­
ção de Nossa Senhora as palavras das lições de S. João
Damasceno que se referem à Assunção corporal; omitiu a
festa da V isitação; a da Anunciação restringiu-a a uma
festa ünicamente de Cristo. N a edição de 1736 já nenhuma
das festas de M aria aparece com rito de primeira classe.
Atenuaram mesmo expressões litúrgicas que despertam a
confiança do povo cristão na poderosa intercessão de
M aria (00).
Nas suas «Institutions Liturgiques», demonstrou o
Abade de Solesmes, a ilegitimidade daquelas liturgias, por
estarem contra o direito litúrgico vigente desde Trento,
e desvendou os erros jansenistas e galicanos de que esta­
vam inoculadas ( " l0).
Para ju stificar o proceder dos Bispos galicanos que
em França introduziram novas liturgias houve ainda quem
pretendesse — peregrina excepção na História — que não
havia conexão alguma entre o Dogma e a Litu rgia ( 101 )•
IUJ) Veja se por exemplo como mudaram a 3.“ estrofe do liino «Ave
Maris stc lla » :
«Solve vincla reis, para : «Cadanl vincla reis,
profer lumen csecis, lux reddatur cæcis
mala nostra pelle, mala cuncta pelli,
bona cuncta poscc» bona posce duri».
Cfr. ph. Oppenheim, Inst. Sysl.-Hist. in Sacr. Lit., 7, 60-61.
(100) ViJ. Lettre à M onseigneur l'Archevêque de Rheims, sobre 0
direito da Liturgia, em — Institutions Liturgiques, 3, 553-590.
(lot) Mgr. FaYet (Bispo de Orléans), Examen des Institutions litur­
giques du rivirend père abbé de Soiesmes; vid. p. guéiusger, Institutions
Liturgiques, 4, 336. 352.

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A LITURGIA NAS HERÉStAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS iS l

Mas essa mesma afirmação pfe d sava de supor um funda­


mento doutrinal, onde tivesse apoio a liberdade de liturgia.
Uma reacção contra o Jansenismo foi o culto litúrgico
do C o ração da Jesus.
A quéstão dos ritos chineses — acerca do nome de
Deus, das festas de Confúcio e do culto dos antepassados —
assim como a questão paralela dos ritos msiabares, eram
no fundo um caso de interpretação doutrinal desses ritos,
isto é, se eles supõem ou não profissão de paganismo

2. — O Modernismo, por fim , que é na expressão de


Pio X «a síntese de todas as heresias» (103), tem já a sua
resposta no conjunto da Liturgia católica ( 10‘ ). E se nos
últimos tempos se deu, no Corpo Místico de Jesus Cristo,
a supuração mais deletéria, que foi segundo Pio X a here­
sia modernista, suscitou-se também o movimento mais
são — o movimento litúrgico, que é, segundo o mesmo
P io X, o recurso à «fonte primeira e indispensável do ver­
dadeiro espírito cristão» O05).
Modernamente também contra o laicismo, foi a insti­
tuição da festa de Cristo Rei, uma reacção litúrgica com
expresso intuito doutrinal (10°).

(102) Vid. j. BKUCKER, Rites Cliinois — Ü T C 4, 2364-2391.


( 103) Motu proprio «Praestantia Scripturae» - A S S 40 (1907) 725;
E S 214.
(101) pode ver-se um esboço de confronto entre a doutrina da Litur­
gia e a do Modernismo, em
1. gosiA, E l Valor Educativo de la Liturgia Católica, 2, 173-175.
( 105) Motu [proprio «Tra le sollecitudini» — A S S 36 (1-903-1904) 331.
(10«) pio xi, Encíclica «Q uas primas» — 17 (1925) 603, 608.

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3. — O C ó d igo de Direito Canónico, em princípio, não


pretendeu tocai- nas leis litúrgicas (107). Mas em alguns
cânones que de facto se referem ao culto, é fácil ver o seu
motivo doutrinal.
«Só à Santa Sé compete ordenar a sagrada Litu rgia e
aprovar os livros litúrgicos» (108) f e «no exercício do
culto, os ministros da Ig re ja devem depender unicamente
dos Superiores eclesiásticos» (10°). É este o termo da evo­
lução das controvérsias sobre o direito litúrgico.
Da parte dos súbditos da Igreja, a assistência a actos
.de culto não católico é regulada também no Direito Canó­
nico, fundamentalmente segundo o significado de profissão
de fé que essa assistência pode ou não im plicar (no).
O culto supõe um dogma e a participação nesse culto pode
exprim ir ou não esse dogma.
Vários cânones que vigiam a disciplina litúrgica, para
além dela vigiam sobretudo a doutrina. A s fórm ulas de
orações não estritamente litúrgicas que se hão-de recitar
em público, têm que ser aprovadas pelo Ordinário (*” )•
Orações em form a de Ladainha, tão aptas para em títulos
sintéticos, exprimirem doutrinas, verdadeiras, falsas, ou
inconvenientes, requerem já, para se recitarem em público,
a aprovação da Santa Sé O17). A s imagens, que por serem
expressões, podem supor «falsas doutrinas» ou «ser para

Can. 2
(108) Can. 1257.
( 109) Can. 1260.
(110) Can. 1258.
(H I) Can. 1259,
(112) Ibid., 2.

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 153

os simples ocasião de erro» (113) estão sujeitas à inspecção


do Ordinário ( '“ )• A s relíquias para se exporem ao público
requerem a autenticidade jurídica, a qual se deve fundar
na autenticidade histórica (115). De um modo geral, os
Ordinários do lugar hão-de vigiar pelo cumprimento das
leis litúrgicas e sobretudo por que «nada se admita alheio
à fé» ( 110).

3. — Ponto culminante de toda a reacção litúrgica da


Ig re ja que fomos observando através da História, é a
encíclica «M edielor Dei*. N ela encontramos expressa a
base doutrinal do direito litúrgico disciplinar, sintetizada
nestas palavras: «Portanto, sendo a sagrada Litu rgia
exercida sobretudo pelos sacerdotes em nome da Igreja, a
sua organização, regulamento e forma, não podem depen­
der senão da autoridade da Igreja. É esta não só uma
consequência da própria natureza do culto cristão, mas
está também confirmada pelos testemunhos da História.
Este direito indiscutível da Jerarqu ia eclesiástica é de­
monstrado ainda pelo facto de que a sagrada Litu rgia tem
estreitas relações com aqueles princípios doutrinais que a
Ig re ja propõe como formando parte de verdades certíssi­
mas, e por conseguinte deve conformar-se com os ditames
da fé católica, proclamados pela autoridade do supremo ma­

(118) Can. 1279, 3.


(1H) Ibid., 2.
(H3) Cans. 1283-1284.
( 118) Can. 1261.

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♦E4 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

gistério para tutelar a integridade da religião reve'ada


por Deus» ( 117).

Apresentámos neste artigo um conspecto geral dos


factos litórgicos relacionados com as heresias, cismas e
controvérsias m ais importantes da História. Em trabalhos
limitados ao estudo de cada facto, o processo teria que ser
a observação de todas as causas circunstantes, para deli­
m itar © campo litúrgieo e depois avaliá-lo. Pela índole e
proporções do presente trabalho, só foi possível fazer em
cada caso, ou análise sumária, &a necessàriamente incom­
pleta; mas não inútil, pois, pairece-nos, acenámos para
m uitos problemas que merecem estudo particular, e apre­
sentámos também um conjunto que permite tira r algumas
conclusões.

Do profundo se n tir da Ig reja, corroborado pelos p ró ­


prios hereges e cism áticos, podem deduzir-se elementos
p a r a a TEORIA do argum ento litúrgieo.

1) Tanto os católicos como os hereges e õs cismá­


ticos, estão comummente de acordo em que há estreita
relação entre a L iturgia e o Dogma. Sinal de que essa
relação se deve fundar na natureza mesma da Liturgia.
Nem os modernistas destroem de todo esse nexo, pois
(u<) 4 ^ 3 9 (19 4 7 )5 4 0 .

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A LITURGIA NAS HERESIAS, ClSMAS E CONTROVÉRSIAS l5 j

colocam a Liturgia como a Fé, na mesma linha agnóstica,


com fundamento relacionado mutuamente, na indigência
imanentista do divino. Só esporadicamente em França no
século X IX , houve quem, para ju stificar atitudes, negasse
a relação da Liturgia com a Fé. Os Albigenses e os Val-
dehses no século X II, eram radicalmente adversários dà
L iturgia, porque negavam as verdades que a sua parte
sensível supõe.
Porque reconhecem essa relação estreita, é que, assim
os católicos como os herejes e cismáticos, ou argúem com a
Liturgia vigente dando-lhe o sentido da própria dou­
tr in a — assim fizeram os arianos e os católicos com a
expressão «pelo Filho», e tanto os gregos cismáticos como
os católicos com a epiclese— ou modificam a Litu rgia
pára exprimirem a sua doutrina, como fizeram por exem­
plo os gnósticos, e em Inglaterra Eduardo V I, ou a man­
têm no seu próprio sentido — os católicos mantêm a
expressão «pelo Filho» em sentido diverso do dos arianos.

2) Nos vários elementos da Liturgia se verificam


expressões da fé : nos objectos sensíveis, como as imagens
impugnadas pelos iconoclastas; nos actos, por exemplo,
nos ritos baptismais com que arguiu S.l° Agostinho; nas
fórm ulas como as que a S.‘° Agostinho serviram também
de argumento, e á da epiclese que deu origem a contro­
vérsias. A s festas, como a de Cristo Rei, exprimem tam­
bém o Dogma.
A razão que está no fundo, é que tais elementos esta­
tuídos e usados ,pela Igreja, não podem ser em vão.
Confirmam este ponto a anarquia litúrgica que houve

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156 0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

nos dois séculos antes de Trento, e a que houve em França


nos três séculos de Jansenismo e Galicandsmo, as quais
exprimiam nesse caso a perturbação da fé.

b) A Liturgia é em geral meio apto para exprim ir e


divulgar o Dogma. Verifica-se em particular, que são
muito a propósito certas fórm ulas — os símbolos, ex­
pressões como QeorÓKoq, ófioovcrioq, «Filioque», os títulos
nas Ladainhas, hinos para o povo, como os que faziam os
gnósticos, S.to Hilário e S.*° Am brósio; e certas festas,
como a de Cristo Rei.

4 ) A L itu rgia é numa dada época, índice da fé da


Ig re ja universal ou das igrejas particulares que a usam:
as liturgias grega e latina por exemplo podem indicar o
respectivo estado da fé quanto à doutrina dos novíssimos.

5 ) A evolução da Liturgia é igualmente, por vezes,


índice da evolução do Dogma. São muitos os casos em que
O Dogma influiu directamente na L itu rg ia: no culto tnni-
tário depois das lutas arianas, no culto da Mãe de Deus
depois das nestorianas, no tempo do Natal depois das
monofisitas, no tempo pascal e depois do Pentecostes após
as pelagianas, no culto da Eucaristia depois de Berengário,
do protestantismo e do jansenismo, no do Coração de Jesu s
também depois do jansenismo, no de Cristo Rei depois do
laicismo.

6) A evolução subjectiva do Dogma, por sua vez, em


outros casos, também recebeu influxo da evolução da L i­

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A LITURGIA NAS IIERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 157

turgia: a doutrina da processão do Espírito Santo desen­


volveu-se com ocasião da adição do «Filioque».

7) O progresso da L iturgia em todos os seus aspectos


não acompanha sempre o progresso do Dogma e muito
menos o progresso teológico. A reacção litúrgica dá-se
pelo ponto mais vital e simples das questões, dada a índole
social e pública da Liturgia. Por ocasião da heresia nes-
toriana a reacção deu-se a respeito duma consequência
simples da doutrina herética, isto ó a respeito da negação
da QeoTÓKoq.
Além disso o Dogma pode evoluir no conhecimento da
Igreja, sem que a Autoridade tenha de pronunciar-se. P ara
a evolução da Liturgia tem que intervir em cada caso a
Autoridade eclesiástica. Assim por exemplo, depoi.s da
definição da Assunção de M aria é que a liturgia da festa
se refunde.
N a evolução do complexo da Liturgia entram outras
causas, diferentes das doutrinais. Foi por motivos his­
tóricos e não dogmáticos que se deu a diferenciação dos
vários tipos de liturgia. É por esses motivos históricos
que a Litu rgia Romana actual difere muito da Litu rgia
Romana do século V, mais ainda da Mosárabe e da Gali-
cana, e muito mais ainda das Orientais. A ordem do culto
aperfeiçoou-sc primeiro do que a restante disciplina ecle­
siástica, pois S. Gregório Magno é muito anterior ao De­
creto de Graciano e Decretais de Gregório IX . Mas ulti­
mamente não foi assim ; o Direito Canónico chegou à
perfeição de um Código, o Direito Litúrgieo ainda não.

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

8) O elemento lei que regula a oração, é base que dá


à Liturgia um valor de argumento da fé. Parece ser essa
a razão principal da constante reivindicação do direito
litúrgico para a competente Autoridade eclesiástica, como
se verifica: na I Carta de S. Paulo aos Corí.utios, na
«Didaché», na I Carta aos Coríntios de S. Clemente, nas
Cartas de S .to Inácio de Antioquia, na questão da data da
Páscoa, na dos rebaptizantes, em Concílios como o I de
B raga, o IV e o X I de Toledo, na expansão da Liturgia
Romana por S. Gregório V II, no Concílio de Trento e
edição dos livros litúrgicos, na obra de Dom Guéranger,
por ocasião da anarquia litúrgica em França, na encíclica
«Mediator Dei».
Mas fácil é de ver que nem todas as leis disciplinares
litúrgicas têm uma intenção ou suposto dogmático nem
mesmo doutrinal. Só deveremos admitir essa intenção ou
esse suposto, quando conste pela natureza mesma da lei,
por exemplo a que manda adorar a hóstia consagrada antes
da consagração do cális, ou pelas circunstâncias: assim,
por declarações expressas consta dos significados conven­
cionais que tem a gota de água que se lança no cális.

9 ) Nem todo o Dogma precisa de estar explícito na


L itu rg ia ;, e por conseguinte muito menos precisa de lá
estar toda a Teologia. Não impõe a Ig reja aos Orientais a
adição m aterial do «Filioque» ao Credo; a verdade explí­
cita nessa expressão, professa-se também implicitamente
nas palavras anteriores. Podem mesmo ter ficado na
Liturgia fórmulas imperfeitas na expressão de uma dou-

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A LITURGIA NAS HERESIAS, CISMAS E CONTROVÉRSIAS 199

trina, sem que por isso sejam formalmente contrárias a


essa doutrina.

10) Quanto à A PL I CA Ç Ã O da teoria, que é o problema


difíçil, que praticamente está ligado ao problema da H E R -
M E N Ê U T I C A da Liturgia, é preciso distinguir na mesma
Liturgia o essencial e o necessário, do acidental e contin­
gente. O que é acidental pode variar «segundo as circuns­
tâncias de conveniêneia e necessidade dos cristãos»
Perante o Judaismo era essencial na Litu rgia o sacrifício,
os sacramentos e a adoração de C risto ; era acidental a parte
laudativa: nesta havia adaptação ao princípio (Actos dos
Apóstolos) e depois diferenciação propositada (Didaché).
Perante o paganismo, além daqueles mesmos elementos
essenciais (I Apologia de S. Justino) havia juntamente o
uso acidental de certos elementos do paganismo que se
aproveitaram para se eristianizarem.
É natural que na parte essencial da Litu rgia se
exprima mais necessariamente o Dogma. Mas também se
verifica — o que dá m ais força àquele primeiro aspecto —
que ainda no que é acidental há cuidado com a verdade
objectiva. Suprime-se a passagem espúria e peregrina de
S. João Damasceno sobre a libertação da alma de Trajano,
urge-se a autenticidade das relíquias.

1 1 ) O sentido das fónnidas, actos e objectos litúr-


gicos não depende apenas deles mesmos em si, mas junta­
mente das circunstâncias de que se revestem.
Vimos que estão nesse caso: os elementos da Liturgia
(li®) Cfr. pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — A A S 39 (1947) 529.

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0 TESTEMUNHO DA IGREJA UNIVERSAL

judaica na Litu rgia cristã, os do paganismo, o proceder de


S. Pedro em Antioquia desaprovado por S. Paulo, o caso
das carnes sacrificadas aos ídolos que S. Paulo resolvi na
I Carta aos Coríntios, a fórm ula «per Filium» com diverso
sentido para católicos e hereges arianos, a gota de água
que se junta ao vinho do cális por um motivo e que os
hereges arménios não juntam por outra suposição muito
distinta, a opiclese com sentido diverso para Orientais e
católicos, o texto da antífona para o ofertório da m issa
dos defuntos e o da oração da m issa de corpo presente, a
questão dos ritos chineses e malabares, várias sentenças do
conciliábulo de Pistóia, a questão da participação nos de
ritos não católicos, tratada no Direito Canónico.

12 ) Vemos por este Artigo que a Liturgia, cimo


Lugar T eológico equivale à a u t o r i d a d e d a i g r e j a que a
exerce. Das circunstâncias depende o valor doutrinal dos
seus elementos, c portanto as Notas teológicas com que se
hão-de qualificar.
Nos exemplos referidos temos uma amostra da difi­
culdade da Hermenêutica da Liturgia.

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C A P lT U lO III

O TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

O C oncílio deTrento t e v e q u e r e a g ir à m a io r s u b v e r s ã o
n o D o g m a e n a L itu r g ia q u e a t e e n t ã o s e d e r a . P e la v a s t a
e p r o f u n d a o b r a de r e f o r m a q u e e m p r e e n d e u , p a r e c e - n o s q u e
é, d o s concílios, o q u e p o d e p r e s ta r m e lh o r e s e le m e n t o s pa r a
a c o n s t r u ç ã o d a t e o r ia d o v a lo r t e o ló g i c o da L itu r g ia .

P o r is s o d iv id im o s a s s im e s t e c a p ít u lo :

A r t ig o I — O argumento Htúrgico no Concílio de Trento


A r t ig o II — O argumento litúrgico em outros concílios.

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ARTIGO I

O argu m en to litúrgico
no Concílio de Trento

2. —História do decreto- 3- —Sentido. 4. —Fun­


damentos. 5. — Valor teológico da nova versão
dos Salmos. 6. —Valor teológico da versão dos
Setenta. 7. — Uma dificuldade.
II - Valor teológico do Cânon da Missa. 1. - O de­
creto. 2. — História do decreto. 3. —Sentido
e alcance.
III — Outras passagens do Concfllo. I. — Uso
a dQS Livros Sagrados.

É fundamento dos oi-------------------- -----


da adoração da Eiicnristia; das fórmulas de
contrição; do rito da Extrema-Unção. 5. — Es­
pecialmente dos ritos e orações da Missa.
6. — Da questão da língua litúrgica. 7. — Vera­
cidade do rito da Ordenação. 8. —Veracidade
do culto dos Santos, relíquias e imagens.
9. — A reforma disciplinar litúrgica.
IV — Conclusões.

Jj^ ÊM um fundamento no uso litúrgico estes dois decretos


do Concílio: o da imunidade de erro na Vulgata e o
da imunidade de erro no Cânon da Missa. E ‘ em várias

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164 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

outras passagens se utiliza ou se insinua o valor do argu­


mento litúrgico. Observaremos portanto:
— o valor leológico da Vulgala (Sess. 4 ),
— o do Cânon da Misse (Sess. 22, cap. 4 ),
— outras passagens do Concílio, que têm relação
com o argumento litúrgico.

A observação propriamente litúrgico-dogmática da­


queles dois importantes decretos, não a vimos ainda estu­
dada pelos teólogos ou liturgistas; muitas das restantes
passagens que reunimos, não as vimos também aduzidas
por outros.

I — Valor reológico da Vulgala

1. — O d e c r e t o está formulado nestes t e r m o s :


«O mesmo santo Sínodo considerando a muita utilidade
que pode advir à Ig re ja de Deus, se dentre todas as edições
latinas, que circulam, dos livros sagrados, constar qual
há-de ser tida por autêntica: estatui e declara que esta
mesma edição antiga e vulgarizada, que pelo longo uso de
tantos séculos foi aprovada na mesma Igreja, se ja tida
por autêntica nas lições, disputas, pregações e exposições
públicas, e que ninguém por qualquer pretexto ouse ou
presuma rejeitá-la» (')•

(i) C r 5 ,9 1 ; E S 785.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 163

2. — Tinha este decreto os seguintes precedentes: J á


antes do Concílio de Trento, nas edições, se pretendeu
reduzir a versão Vulgata, criticamente, ao seu estado pri­
mitivo. Esse trabalho não bastava, pois o que sobretudo
interessa nos livros inspirados é o texto original. Começou
pois a corrigir-se aquela versão segundo o original, mas
acabou por se prescindir da Vulgata, como base, para se
tentarem outras versões, feitas totalmente de novo. Come­
çou daí a pensar-se que a Vulgata não era uma versão
genuína, mas corrompida.
Foi então que o Concílio atalhou, decretando a auten­
ticidade da versão Vulgata, e que se imprimisse emendada
e aperfeiçoada (-)■

3. — Que senlido d ar a este decreto? Primeiramente,


devemos dizer que é directamente disciplinar. O texto
mesmo o dá a entender: convém de entre todas as versões
ccrrentes estabelecer uma para se usar nos actos públicos
da Ig re ja ; estatui-se a Vulgata.
O contexto confirma esse mesmo carácter. A s sessões
do Tridentino seguem este plano: dão primeiro decreto
sobre o Dogma, depois sobre a disciplina. N a sessão IV foi
assim que se procedeu. Deu-se primeiro o decreto dogmá­
tico sobre as fontes da revelação — Escritu ra e Tradição;
no segundo lugar pôs-se o decreto da autenticidade da

Vid. a. vaccahki, De Texlu, em — InsíUutiones Biblieae, Romae,


r ((9 27) 215-216 .
m. NicOLAU, De Revelatione Christiana, n. ; 12 em — Sacrae Theologiae
Summa, I, 196-197.

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136 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

Vu lgata; esta posição e além disso o testemunho claro das


Actas (3) declaram a sua índole disciplinar.
Trata-se portanto de uma autenticidade não propria­
mente crítica, mas jurídica. Tem este valor: para os actos
públicos da Ig re ja latina é esta a versão que se há-de usar,
e «naquilo que se refere a fé e costumes... no sentido que
a Santa, Madre Ig re ja susteve e sustêm» (*) do texto da
versão, é um documento válido e seguro. E sta mesma
interpretação do decreto tridentino foi declarada por Pio
X II na encíclica «Divino afflante» (5).

4. — Mas como base para este decreto disciplinar,


implicitamente se pressupõe a autenticidade crítica da ver ■
são, e expressamente a im unidade de erro.
A autenticidade ciútica que se supõe é pelo menos uma
conformidade substancial com o texto principal. Senão,
não se ju stificaria a denominação de versão, nem o seu
emprego como documento de palavra inspirada. Pode não
corresponder em tudo exactamente ao texto. Assim pen­
savam de facto os Padres do Concílio, e por isso onde ela
difci*e do original, pc-r este deve ser esclarecida (°).
A imunidade de erro que explicitamente se pressupõe,
restringe-se a questões de fé e costumes. Só estas questões

(3) C T 5, 29-30.
(<) Cone. T rid, sess. 4, decr. 2 — C T 5, 92; E S 786.
Vid. m. nicolau, De Sacra Scriptura, nn. 149-152, em — Sacrae Theolo-
giae Summa, 1, 100S-1009.
(6) A A S 35 (1943) 309.
(«) Vid. C T 10,470.507.519; cfr. 8,752.
u. nicolau, De Sacra Scriptura, nn. 154-165 em — Sacrae Theologiae
Summa, 1, 1009-1014.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 167

estavam no intuito do Concílio (7). O texto original da


Escritura, como teve a Deus por autor tem que ser verda­
deiro em tudo; mas da versão é que se trata e essa ga­
rante o Concílio que é verdadeira em m atéria de fé e
costumes. E em que se funda? Di-lo no decreto: é a
versão «que pelo longo uso de tantos séculos foi aprovada
na mesma Igreja». Este é que é o ponto que mais nos
importa. Onde se usou essa versão através de tantos
séculos? Não só na Liturgia, m as principalmente na
Liturgia. São as suas reuniões as de carácter mais antigo,
mais comum e mais frequente na Igreja.
Vemos portanto que um uso litúrgico universal e
duradouro, tem pelo menos a garantia negativa de imuni­
dade de erro pelo que se refere a questões de fé e costumes,
e positivamente se deve interpretar o texto naquele sentido
que lhe deu e mantém a Igreja . Entrevê-se o alcance que
tem este caso particular da versão Vulgata, com relação a
tantos outros usos admitidos.

5. — Uma breve amplificação ainda para esclarecer.


Introduziu-se recentemente o uso facultativo em todos os
actos litúrgicos fora da missa, da nova versão dos Sal­
mos (8). Criticamente é mais autêntica que a versão Vul­
gata: é mais conforme com o texto original; equivale
portanto mais do que a Vulgata, à palavra inspirada. E o
seu valor dogmático é também m aior? Cremos que não.

( 7) Cfr. C T io, 519.


(8) Cfr. pio xii, Motu proprio «In cotidianis precibus» — A A S 37
(1945) 65-67:
Commissio Pontifícia de Re Biblica, Resp. — A A S 39 (1947) 508.

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168 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

Em Teologia sobrenatural, conta mais a autoridade do


Magistérfo sobrenaturalmente assistida, do que a investi­
gação científica de particulares. Não basta portanto ser
a nova versão mais crítica, para em Teologia ter mais
valor que a Vulgata. Dar-lhe-á pelo menos o mesmo valor
autoritativo o M agistério da Ig re ja? Julgam os que não,
por enquanto. Em primeiro lugar é uma versão de uso
facultativo (9) ; ainda nunca foi obrigatória; não está
apresentada como definitiva (10) ; não está consagrada
com um decreto como o de Trento, nem pelo longo uso.
Presentemente, pois, ainda que tem mais valor crítico do
que a Vulgata, não tem por enquanto mais valor teológico.

6. — J á agora, para complemento do assunto, outra


observação. O texto do Antigo Testamento da versão ole-
xendrina dos Seienfa segundo a edição «sistina», decre­
tou Sisto V, que «assim revisto e trabalhado se ja recebido
e mantido por todos» ( " ) . É esse o chamado «textus
receptus». Não há dúvida que as muitas variantes desta
versão nos códices antigos, tornavam difícil reconstituir o
texto px-imitivo. Mas era aquele o texto usado na Litu rgia
grega e em muitas orientais, e foi usado na Igi'eja latina
até o século V II ( 1=).
Cfr. i-io xii, àlulu propiio «In colidianis prccibus» — A A S 37
(1945) 65-67.
(10) Cfr. L ib er Psalmorum cum Canticis B rev. Rom. Romae. (e Pont.
Inst. Bibl.) 2 cd., 1945 Praef. in alteram ed., IV.
(11) Decr. «Cupientes» aposto na ed. «Sistina» da versão dos Setenta.
(I*) Vid. a. vaccari, DeTextu, em —In st.B ib l., Romae, 1 (1927) 215-2:6.
M. KicoLAU, De Sacra Scriptura, n. 166, em — Sacrae Theologiae Summa
1, io id -10 15.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 186

Naquele ambiente imediatamente posterior a Trento


em que tanto importava firm ar as bases da revelação, o
valor teológico desta versão, pelo menos quanto ao aspecto
negativo de imunidade de erro em matéria de fé e costumes,
não se funda senão no seu longo e extenso uso. A Ig reja
a reconheceu no exercício da sua função habitual, e o Papa
a aprovou expressamente no decreto que manda aceitar a
versão.

7. — Resta lembrar, também para complemento e


esclarecimento, aquela dificuldade clássica do texto de
S. Paulo que diz claramente na versão Vulgata: «Todos,
pois, ressuscitaremos, mas nem todos nos transform are­
mos» (13). É assim que se lê na Epístola da primeira missa
da Comemoração de Todos os F iéis Defuntos. Ora o texto
original para muitos criticamente autêntico, é: «Nem
todos morreremos, mas todos seremos transformados» ( M).
Trata-se de um assunto da fé, e a versão juridicamente
autêntica, diz o contrário da versão crítica. Como preva­
lece o decreto tridentino? Pelo texto do mesmo decreto e
pelas razões em que ele se funda.
No texto se diz que nesses assuntos de fé e costumes
deve subsistir «o sentido que a Ig re ja sempre teve e
mantém». O fundamento é «o longo uso» com aprovação
im plícita ou explícita da Igreja. Ora este texto particular
teve-o a Ig re ja como duvidoso no sentido literal. B astaria
até, dentro da mesma Liturgia, para levantar a dúvida,
outro texto que se lê, bem próximo deste na mesma liturgia

( 13) i C«r. 15, 51.


(M) flávreq ov KOt/inOri&ófieda. irái>reç Se aXXaytitrófteda.

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170 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

dos defuntos, na missa de corpo presente. Diz S. Paulo,


referindo-se ao mesmo momento da ressurreição universal:
«Depois, os que tínhamos ficado vivos, seremos arrebata­
dos com eles ao encontro de Cristo» ( 13). Trata-se de uma
questão de interpretação de textos, e nestes casos é sabida
uma lei geral que manda atender a lugares paralelos ( 10).
Mais uma vez verificamos a dificuldade da interpre­
tação da Liturgia. Não se pode argu ir com um texto iso­
lado, ou mesmo no seu contexto. Pode, ainda assim, aquele
ficar duvidoso. É preciso saber o sentido que ele extrinse-
camente recebe da Igreja.

II — V alor teológico do Cânon da Missa

1. — Diz o texlo do Concílio: «E como convém admi­


nistrar santamente as coisas santas, e este sacrifício [da
missa] é entre todos santíssimo, a Ig re ja católica, para
que ele se oferecesse e fosse participado digna e reveren­
temente, instituiu o sagrado Cânon desde há muitos sécu­
los, de tal maneiVa puro de todo o erro, que nada nele se
contém que não reseenda sobretudo santidade e piedade e
que não levante para Deus as mentes dos que o oferecem.
Consta ele, com efeito, tanto das mesmas pal-avras do
Senhor, como das tradições dos Apóstolos e piedosas insti­
tuições dos Santos Pontífices» ( " ) •

( 18) I Ttss., 4 .17 -


1
(16) Cfr. C C i8
( 11) Sess. 22, cap. 4 — C T S , 960-961; A/si 33, 13 0 ; E S 942-

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Ò ARGUMENTO LITURGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO

E o cânon correspondente a este capítulo diz: «Se


alguém disser que o cânon da m issa contém erros e deve
por isso sei' abrcgado, seja anátema» (18).

2. — N a elaboração do texto da doutrina sóbre o sacri­


fício da missa que foi promulgado na X X II sessão do Con­
cílio, houve discussões, e muito acesas por vezes; scbre
este ponto particular da imunidade de erro no Cânon da
Missa não se altercou; propuseram-se contudo opiniões de
pormenor na perfeição da redacção.
O texto, até chagar à sua redacção definitiva aprovada
em 17 de Setembro de 1562, passou por toda esta evolução
de dois meses. A 19 de Julho de 1562, entregaram-se aos
Teólogos, para os examinarem e discutirem, treze artigos
sobre o sacrifício da missa. O sétimo era: «Se o Cânon
da missa contém erros e deve ser abrogado» (I0). Pouco
depois de duas semanas, já estava elaborado um esquema
geral sobre a doutrina do sacrifício da missa, que a 6 de
Agosto se propôs ao exame dos Padres do Concílio (20).
Interessa-nos só o capítulo IV desse esquema (21). O que
lá se dizia do Cânon da Missa era bastante mais extenso do
que o texto que veio a ficar d efinitivo; mas era substan­
cialmente a mesma coisa: negava esse texto que houvesse
erros no Cânon, no qual tudo concorre para a verdadeira
piedade, e dizia: «E se nele há acaso lugares obscuros,

( 18) Can. 6 — C T 8, 962; Msi 3 3 , 1 3 1 - 1 3 2 ; E S w


( 19) C T 8,719 -
(*>) Vid. C T 8, 751-755-
(9!) Vid. ibid., 753-754-

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172 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

que precisem de explicação (como muitos que do mesmo


gênero se encontram nas sagradas E scrituras), devem
entender-se da maneira como piedosamente os interpreta­
ram os Padres ortodoxos» (22).
E o cânon correspondente era assim : «Se alguém
disser, que o Cânon da M issa abunda em erros e deve ser
abrogado, seja anátema» í 23).
Foi na manhã do dia 11 de Agosto, terça-feira, que os
Padres, reunidos, começaram a discussão de todo o es­
quema, e tratando-sc dos termos deste cânon, propôs o
Patriarca de Jerusalém uma alteração: que em vez de se
escrever «Se alguém disser, que... abunda em erros», se
fosse mais além e se dissese: «Se alguém disser, que...
contém erro algum» (-M). Talvez para que se não supusesse
que a definição excluía também os erros que não fossem de
fé e costumes, por exemplo, erros históricos, prevaleceu
depois uma redacção menos avançada mas su ficiente: «Se
alguém disser, que... contém erros». N a congregação
geral que houve dali a oito dias, no dia 19, sugeriu o Bispo
de Módena este pormenor que de facto prevaleceu no texto
definitivo: em vez de se dizer «... e que deve ser abro­
gado», se escrevesse: «... e que por isso se deve abro-
g ar» (25).
Recolheram os Teólogos a refundir o esquema todo
segundo as censuras feitas pelos Padres. No dia 5 de

(* ) C r 8,753-
(*«) Ibid., 754.
(» ) Ibid., 755.
(» ) ibid., 768.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 173

Setembro estava o trabalho pronto e começou o seu exame


no dia 7 (20).
O caipítulo IV desse novo esquema tem já sensivel­
mente o mesmo texto que depois ficou oficialmente apro­
vado. Dignas de nota fizeram-se apenas duas adições:
especificou-se a instituição do Cânon da M issa «desde há
muitos séculos» e acrescentou-se a razão final, para nós
também im portante: «Consta ele, com efeito, tanto das
mesmas palavras do Senhor, como das tradições dos Após­
tolos e piedosas instituições dos Santos Pontífices» (27).
E assim o texto definitivo que, em versão demos ao
princípio, foi aprovado pelo Concílio com todo o da dou­
trina sobre o sacrifício da missa, em 17 deste mesmo mês
de Setembro de 1562, como texto da sessão X X II do Con­
cílio (2S).

3. — Estes dados revelam a menle do Concílio sobre


o decretò. Podia o Concílio contra as acusações protestan­
tes limitar-se a examinar as expressões do Cânon e, ao
verificá-las ortodoxas, pronunciar-se sobre a isenção de
erros. Não fez só isso, mas declarou que não só não conti­
nha erros de facto, mas não os podia conter de direito,
pois dá a razão, naquelas duas adições intencionalmente
feitas: é que o Cânon da M issa foi estabelecido pela Ig reja
desde há muitos séculos, e consta de elementos instituídos
por Cristo, pelos Apóstolos, e pelos Pontífices Romanos.

(S6) Vid. o texto do esquema já refundido, em — C T 8, 909-912.


( ii) Vid. esse texto do esquema refundido— C T 8, 9 10— e compare-
-se com o definitivo — C T 8, 960-961.
( » ) C T 8, 9S9-963-

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174 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

É do Cânon romano que se trata. E cá nos reaparece,


como fundamento da inerrância da Liturgia o elemento lei
que procede daqueles que não podem errar, ou por si, ou
dadas as devidas circunstâncias.
E is vislumbrado ao menos, nos decretos sobre o valor
teológico da versão Vulgata e do Cânon da Missa, o
alcance da mente do Concílio com respeito ao valor teoló­
gico da Liturgia.
Passemos para amplificação de ciados, a enumerar
sequer outras passagens do mesmo Concílio, que porven­
tura nos poderão confirm ar ou dar mais esclarecimentos.

III — Ou

1 .— No seu trabalho de consolidação doutrinal, começa


o Concílio por «lançar o alicerce da profissão de fé» (2P)
e exprime-a no «Símbolo da fé que usa a Santa Ig reja
Rom ana... com todas as palavras com que se lê em todas
as igrejas» (30), e para que «todos entendam o processo que
vai seguir o mesmo Sínodo», declara as duas fontes do
Dogma, a Escritu ra e a Tradição, e manda aceitar como
sagrados e canónicos, depois de os enumerar, «os mesmos
livros íntegros com todas as suas partes, tais como se
costumaram ler na Ig re ja católica» (31)- O uso litúrgico

(») C T 5, 91; Msi, 33,22; E S 784.


(80) C T 4 ,5 7 9 : Msi 33,19: E S 782.
( 81) C T 5,91; A/si 33, 2 2 ; E S 784.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 175

constante e universal serviu pois de apoio ao Concílio para


estas decisões.

2. — E stá na mente dos Padres do Concílio que é a


verdade da fé que funda a verdade dos ritos e orações
litúrgicas e também a dos objectos do culto. Inversamente
portanto, esses ritos, orações e objectos, poderão d ar sinal
do Dogma. Ora percorramos com esta ideia as várias
sessões, por sua ordem.
A s crianças recém-nasoidas têm que trazer do pecado
original de Adão, qualquer coisa que precisa de ser lavada,
senão a form a do Baplismo não seria verdadeira, mas
falsa (32).
A doutrina de que aquela fé que une perfeitamente a
Cristo e faz membro vivo do mesmo Cristo é a que opera
pela caridade, acha-a o Concílio, depois de verificar o tes­
temunho da Escritura, expressa por extenso no primeiro
interrogatório que se faz ao catecúmeno na liturgia baptis­
mal e na última recomendação que se lhe faz depois le
baptizado.
— «Que pedes da Ig re ja de Deus?
— A fé.
— E a fé o que te dá?
— A vida eterna.
— Pois se queres entrar na vida eterna hás-de guardar
os mandamentos».
No fim do Baptismo, recebida no sacramento a justiça
cristã, como que uma veste nova dada por Cristo, em vez

(« Sess. 5, can. 4 — C T 5 . 2 3 9 ; /J/» 3 3 , 2 8 ; E S 791.

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176 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

da que Adão nos perdeu, manda-se ao neófito que a con­


serve cândida e «imaculada, para com ela se apresentar no
tribunal de Jesu s Cristo e ter a vida eterna» (33).

3. — De uma maneira semelhante, como testemunho de


que a graça que se recebe na justificação pode aumentar,
cita o Concílio, depois da Escritu ra a Liturgia Romana:
«É este aumento da justiça que a santa Ig re ja pede quando
ora: «Dai-nos, Senhor, o aumento da fé, da esperança e
da caridade»» ('■).
E não são os pecados veniais os que fazem perder a
graça: a razão é, diz o Concílio, que é a boca de justos
que profere com verdade aquelas palavras: «perdoai-nos,
Senhor, as nossas ofensas» (35). Pode o argumento ser
fundamentalmente escriturístico, porque se apoia numa
prece da E scritu ra ; mas formalmente parece que é litúr-
gico: trata-se aqui do facto de que na Ig re ja assim se reza.

4. — Não é certamente fora da sua persistente inten­


ção dogmática que o Concílio defende de um modo geral
«os rifos recebidos e aprovados pela Ig re ja católica que se
costumam usar na administração solene dos sacramen­
tos» (30).
É a presença real de Cristo na Eucaristia que funda
(88) Sess. 6, cap. 7 ; C T 5 ,7 9 4 ; M si 33, 35 ; E S Soo.
Cfr. Rituale Romanum, tit. 2, cap. 4, 5. 42.
(8*) Sess. 6, cap 10 — C T 5, 794; M s i 33, 36; E S S03.
Cfr. Missale Romanum, Dum. 13 post Pentecosten.
(85) Sess. 6, cap. 11 - C T 5, 795; M si 33, 37 ; E S S04.
Cfr. M a / A 6, 12.
(88) Sess. 7,'can; 13 — CT S. 99S : Msi, 33, 53; £ £ 856.

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0 ARGUMENTO UTÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 177

o culto de latria que sempre se lhe tributou, e uma festa


especial destinada a esse culto. Não era em absoluto neces­
sário exprim ir a verdade da presença real por uma festa;
tanto m ais que não se instituiu o Santíssimo Sacramento
única e principalmente para ser adorado, mas para ser
comungado ( ,;). Contudo, o facto de que a Ig re ja o adora
com essa festa solene, sinal é de que Cristo está lá real­
mente presente. E é essa festa um meio apto e oportuno
para «a verdade vitoriosa, reportar da mentira e da heresia
o seu triunfo» (1S).
Que a contrição seja não só propósito para o futuro,
mas também detestação do passado, depois de o declarar o
Concílio com texto expresso da Escritura, declara-o com
outros textos também escriturísticos, mas de carácter li-
túrgico, que exprimem essa mesma detestação (30).
E a x*espeito da ExtremorUnção condena-se a heresia
daqueles «que dizem que o rito e uso que a santa Igreja
Romana observa na administração deste sacramento não
corresponde ao pensamento de Tiago Apóstolo» C°).

5. — Mas é na doutrina sobre o sacrifício da Missa


onde o Concílio mostra, naturalmente, mais de perto o seu
pensar sobre o aspecto doutrinal da Liturgia. O sacrifício
é propiciatório também pelos defuntos; por isso «se oferece
(S7) Vid. M a t h 26, 26-2S.
(38) Sess. 13, cap. 5, can. 6, — M si 33, 82.8 5 < 8,888.
(89) Ooctrina de Sacramento Paenitentiae: Sess. 14, cap. 4 —
M si 33, 93; E S 897.
(40) Doctrina de Sacramento Extremae Unctionis: Sess. 14 cap. 3,
can. 3 — M si 33, 9 9 .10 2 ; E S 910, 928.
Cfr. Ias., 5, 14.

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178 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

por eles segundo a tradição dos Apóstolos» (*'). O sacri­


fício não se oferece aos Santos, mas pode oferecer-se em
honra deles. «Daí que o sacerdote não costuma dizer:
ofereço a Sacrifício a ti Pedro e Paulo, mas dando a Deus
graças pelas vitórias deles, implora o seu patrocínio «para
que se dignem interceder por nós no céu aqueles que come­
moramos cá na terra» (42).
A pompa exterior da Liturgia, na sua última razão de
ser, não é no sentido modernista, manifestação da subjec­
tiva indigência do divino; não é a satisfação dos sentidos
nem sentimento; é um meio «de nos elevarmos à medita­
ção das coisas divinas... e de as mentes dos fiéis se excita­
rem à contemplação das coisas altíssimas» (*3). Poderia
talvez ocorrer aqui este pensamento platónico: a Liturgia
terrestre, comandada por Cristo, que «visivelmente conhe­
cemos por Deus», é imagem que nos arrebata a am ar o
seu protótipo, a Litu rgia celeste (“ ).

6. — A questão de língua vulgar na Litu rgia ocidental


foi posta em Trento, perante a indisciplina protestante
neste particular. O assunto tem importância e também
hoje é agitado ( ,5). Podemos apontar, em síntese, duas
opiniões extremas, como de costume, e uma intermédia.

(41) Sess. 22, cap. 2 — C T 8,960; M si 3 3 , 1 2 9 ; E S §40.


(4â) Ibid., cap. 3 — C T 960; jl/ri 33, 129 ; E S 941.
Cfr. Missale Romanum, Ordo Missae: «Suscipe Sancta Trinitas».
( « ) Sess. 22, cap. 5 — C T S, 961 ; ^ « ', 3 3 , 1 3 0 ; E S 943.
(44) «Dum visibiliter Deum cognoscimus, per hunc in invisibilium
amorem rapiamur» — Missale Romanum, Praelatio Nativitatis.
(45) Vid. h . scmidt (s. j.) L itu rgie et Langue Vulgaire, Romae, 1950.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 170

A s extremas são: toda a Liturgia em latim ; toda em lín­


gua vulgar. Intermédia podia ser: mantenha-se o latim,
mas digam-nos em vulgar pelo menos aquilo que se nos diz
para entendermos, como é por sua natureza, a parte cate-
quética da Liturgia, por exemplo as leituras.
Todos supõem como fundamento: a Litu rgia é um
depósito doutrinal. Mas daqui conclui cada qual para seu
lado: é preciso zelar a sua conservação incorrupta; man­
tenha-se portanto o latim. É preciso distribuir essa riqueza
doutrinal pelos fié is ; traduza-se-lhes para vernáculo. F i­
nalmente, atendendo-se a um e outro aspecto, um parecer
intermédio pode ser aproximadamente este: o que é pró­
prio e directamente litúrgico, e exclusivo do sacerdote
mediador, fique em latim ; o que é directamente catequese
dos fiéis ponha-se em vulgar, por exemplo, as leituras da
m issa: lições, epístola e evangelho.
Em Trento deu-se decreto disciplinar sobre o assunto;
assenta ele nestes dois pontos fundamentais reconhecidos
expressamente pelo Concílio: admite-se, por um lado, que
«a Missa contém grande erudição do povo fie l» ; não se
acha, por outro, oportuno, mandá-la celebrar em vul­
gar (4C). A s alazões principais por que se manteve o latim,
consta que foram além de maior reverência, a ortodoxia,
pois, «correr-se-ia o grande risco de nascerem vários
erros nas muitas versões, os quais fariam com que os m is­
térios da nossa fé, que são simples, viessem a parecer
diversos» (<7).

( « ) Sess. 22, cap. 8 — C T 8, 9 6 1; M si 33, 13 0 -13 1: E S 946.


{i l ) Vid. 0 esquema da sessão 22 apresentado ao exame dos Padres
* 6 de Agosto de 1562 — C T 8, 753.

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180 O TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

Perante isto decretam-se conjuntamente duas solu­


ções: a primeira é que se mantenha «em toda a parte o
rito antigo de cada igreja e aprovado pela santa Ig reja
Romana, mãe e m estra de todas as Igrejas». Mas «para
que as ovelhas de Cristo não fiquem sem o seu alimento...
manda-se que... sobretudo nos domingos e festas... se
explique qualquer coisa das leituras da Missa» ( ,s).
P ara facilitar a execução deste decreto os autores do
«Catecismo para os Párocos» mandado elaborar pelo Con­
cílio, distribuíram pelos setenta e três domingos e festas
de então, acomodada aos evangelhos desses dias, a dou­
trina exposta sistemàticamente no Catecismo.
Pela maneira como trataram esta questão, viu-se bem
que na mente dos Padres do Concílio a Liturgia é por um
lado um depósito sagrado e inviolável da f é ; por outro,
um me.'o excelente de vulgaHmção da mesma fé.
Pio X II, na encíclica «Mediator Dei» também se
ocupou deste assunto. Manteve o critério prático de

(48) Scss. 22, cap. 8 — C T Z , q b i \ M si 33, 1 3 1 ;. E S 946.


Aquela cláusula « Mãe e M estra de todas as ig rejas », acrescentou-se
ao texto à última hora. Foi até, neste capitulo 8.°, a única alteração que os
Padres fizeram ao texto apresentado pela última vez pelos Teólogos a
5 de Setembro de 1562 para ser examinrdo e aprovado depois no dia 17.
Com esta cláusula, que aliás é muito antiga e quase com as mesmas palavras
já se usara também no IV Concilio de Latrão (Caps. 2 e 5 — M si 22, 986.
990-991; B S 433, 436), insinuam os Padres do Concilio de Trento a pe­
culiar autoridade da Liturgia Romana, e declaram que a autoridade das ou­
tras liturgias se recebe da Igreja Romana que as aprova. Entende-se, é claro,
quando está o direito lilúrgico reservado só á Santa Sé.
Vid. o texto do esquema da Sessão 22 refundido e apresentado pela
última vez ao exame dos Padres em 5 de Setembro de 15 6 2 — C T S , 9 11 , nota.

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0 ARGUMENTO LITÚROICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 181

Trento: só a Santa Sé tem direito de legislar sobre o caso.


Mas na teoria parece que vai um pouco mais além e se
coloca na posição média entre aquelas duas extrem as:
«O emprego da língua latina, que vigora em uma grande
parte da Igreja, é um claro e nobre sinal de unidade e um
eficaz antídoto contra toda a corrupção de pura doutrina.
Por outro lado o emprego da língua vulgar pode ser bas­
tante útil para o povo, mas só a Santa Sé tem poder pava o
autorizar» ( ,0).

7.— Falando da sagrada Ordenação, reivindica Trento


a veracidade do rito litúrgico. É certo que nele se dá o
Espírito Santo, porque não é «em vão que os Bispos dizem:
Recebe o Espírito Santo» (f,°).

8. — Finalmente, na última sessão, tratando do objecto


secundário do culto da Igreja, o culto absoluto tributado
aos Sanlos, e o culto relativo prestado às suas relíquias e
imagens (“ ), o que sobretudo o Concíiio faz é ju stificar e
d eclarar a verdade desse culto: invocam-se os Santos por­
que eles intercedem por nós (M) ; presta-se culto às relí­
quias; logo não é um actõ «in ú til» nem «em vão» (53).
O culto das imagens depende do seu sentido: como

(«> A A S 39 (1947) 545-


( 50) Sess. 23, can. 4 — C T 9,622 ; M si 33, 140; E S 964.
( 51) Cír. C IC 1255, 2.
( 52) Sess. 25, «De invocatione,veneralionc et reliquiis Sanctorum et
sacris imaginibus» — C T 9, 1078: M si 33, 17 1 ; E S 984.
(M) « . . . e a s . .. a fidelibus inu tiliter honorari, atqu e . . . fr u s t r a
frequentari» — C T <), 1078; M si 33, 1 7 1 ; £ £ 9 8 5 .

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0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

culto absoluto, isto é, dirigido à imagem como tal, é idola­


tria ; como relativo, quer dizer, culto daqueles que elas re­
presentam, que é o sentido em que a Ig re ja as venera, é
legítimo (“ ).
São além disso as imagens usadas no culto, um bom
meio de erudição do Dogma (55), assim como pode haver
também «imagens de falso dogma» (50).

9. — N a reforme disciplinar litúrgico, que Trento


também empreendeu, eram os Padres levados em duas
correntes opostas: queriam uns a uniformidade em toda a
Ig re ja ; queriam outros que se mantivessem os privilégios
das igrejas particulares. Vieram ao meio termo Com pre­
domínio da primeira corrente. Mas fazer uma síntese le
todas as liturgias, vinha a dar na criação de uma liturgia
nova e não era isto o que se pretendia — criar uma liturgia
nova. Ir-se-ia até, provocar descontentamento nas igrejas
de que não se tivessem aproveitado elementos. U rgia aca­
bar o Concílio, e o trabalho de revisão litúrgica tinha que
ser acurado. Acabou por se adoptar a solução mais pru­
dente e a mais sábia. Deixou-se a questão ao Papa. E ra
melhor que Roma e a sua Liturgia ficassem como norma e
regra para todo o Ocidente ( ” ).
(M) «...quon iam honos, qui eis exliibelur, referlur ad protolypa
quae illae repraesentant» C T g , 107S; M si 33, 1 7 1 ; E S 986.
(M) CT1 9, 1078; M si 33, 17 1 ; E S 987.
(w ) « . . .nullae falsi dogmatis im agines.. . statuantur» — C T 1078;
M si, 33, 17 2 ; E S 987.
(67) s. baumer, Histoire du B riv ia ire , 2, 166*167.
Vid. 1. hanssbns (S. J . ), De universa litúrgica Tridenlini opera, em
— Periódica de Re M o rali et L itú rgica, Romae, 25 (1946) 209-240.

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0 ARGUMENTO LlTÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO

Analisados dois importantes decretos, coligidas várias


outras passagens do Concílio, podemos reunir agora e
form ular as conclusões.

IV — Conclusões

1) Reaparece o fundamento, já conhecido, da TEORIA


do argumento litúrgico — o elemento lei. O valor, pois, de
uma instituição litúrgica ou lei de oração, depende da
competência donde dimana.
Se a instituição é divina, a autoridade de Deus garante
\ sua verdade em todos os elementos, por exemplo a do
:exto original da Escritura.
Se a instituição é eclesiástica, isto é, definitivam ente
aprovada, ou explicitamente por um decreto, ou im plicita­
mente no longo uso na Igreja, essa instituição assenta em
fundamento dogmático; tem por isso consequências dou­
trinais, seguras, em matéria de fé e costumes — é só este
o campo da competência doutrinal autoritativa directa da
Igreja. É o caso da Vulgata, do Cânon da M issa e do texto
íntegro dos Símbolos.
Se não é definitivamente aprovada, não tem o mesmo
valor autoritativo, como sucede por ora com a nova versão
dos Salmos.

2) É a verdade da fé, fundamento ontológico do que


se exprime na Liturgia. Encontram-se no Concílio exemplos
dos elementos da L iturgia que enumerámos na prim eira

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184 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

p a rte : os objectos sensíveis, como os usados na celebração


da m issa e as im agens; os actos litúrgicos, como em geral
os ritos sacramentais, e em concreto o da Extrema-Unção,
a adoração da Eucaristia, e a prática litúrgica das missas
pelos defuntos; as fórm ulas: a form a dos sacramentos, em
concreto a do Baptismo e a da Ordenação, as leituras por
exemplo da versão Vulgata da Escritura, os diálogos e
recomendações da Liturgia, por exemplo no Baptismo, e
as preces no seu objecto assim directo como indirecto, nas
quais o Concílio viu declarado, o aumento das virtudes, o
pecado venial na alma dos justos, a detestação e o propó­
sito na contrição, o sacrifício da missa oferecido não aos
Santos, mas em honra deles; por fim , as festas, como a
do Corpo de Deus.

3 ) Inversamente os elementos da Liturgia são sinal


lógico da verdade dogmática em que se fundam. Muitos
dos exemplos aduzidos, emprega-os o Concílio neste sentido
de demonstrações da verdade dogmática.

4 ) A Liturgia tem que conservar-se por isso sempre


pura quanto à verdade dogmática que exprime ou supõe.
É esse um dos aspectos da questão da língua litúrgica.

5 ) A Liturgia é meio aplo para exprim ir e divulgar


o Dogma: o Concílio refere-se expressamente às festas
como a do Corpo de Deus, às imagens, às leituras da missa,
à pregação litúrgica, isto é, no acto litúrgico da missa.

6) No problema da APLICAÇÃO daquela teoria e

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 185

INTERPRETAÇÃO das instituições litúrgicas deve-se reparar


primeiro se a instituição ou lei de oração se pode dizer
da com pelência da Igreja, quer pela aceitação tácita do
seu longo e extenso uso, quer por decreto explícito. Assim
se julga o valor teológico do Cânon da Missa, das versões
Vulgata e dos Setenta, e da nova versão dos Salmos.

7 ) Deve advertir-se depois, que a garantia de imuni­


dade de erro que a Ig re ja pode dar a essa lei de oração é
só no campo da fé e coslumes.

8) O sen lido que há-de dar-se a esses assuntos de fé


e costumes, há-de s e r :
a) em primeiro lugar naturalmente o sentido óbvio
do texto, acto ou objecto litúrgico em si. Nem sempre é
determinado, e por isso precisa de ser ilustrado por
outro meio.
b) Deve atender-se também aos lugares paralelos
por exemplo na questão do texto de S. Paulo sobre a morte
e ressurreição dos que viverem no fim do mundo.
c) É preciso ainda saber-se o fundamento crítico
desse texto, acto ou objecto litúrgico. A Vulgata, por
exemplo, há-de interpretar-se também pelo texto crítico
original.
d) Mas sobretudo, serve de norma o sentido que tra­
dicionalmente lhe dá a Igreja. Em Teologia sobrenatural
tem naturalmente mais valor essa autoridade pública
sobrenatural, que o trabalho crítico e natural de particula­
res. Assim se deve entender por exemplo o texto da Vul­
gata, e o sentido do culto das imagens.

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0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

Ainda para a interpretação do sentido da Liturgia


poderia notar-se a propósito do que diz o Concílio das ceri­
mónias da m issa que ela pode talvez considerar-se na terra
uma imitação da futura Litu rgia celeste. J á vimos que dum
modo semelhante a Litu rgia do Antigo Testamento figu­
rava a do Novo.

9 ) Deve advertir-se ainda que há na Litu rgia ele­


mentos não necessários mas só convenientes, por exemplo
a festa do Corpo de Deus. Da sua existência se argui a
verdade que supõem; da sua omissão, porém, não se pode­
ria arguir a negação da doutrina que de facto exprimem.

10 ) Mas quando a Liturgia necessàriam ente se devia


pronunciar e não se pronuncia, pode arguir-se com a omis­
são, por exemplo: do facto de as fórm ulas da missa, a
cuja essência pertence a oblação, nunca dizerem que ela é
oferecida aos Santos, conclui-se que não se oferece aos
Santos, mas só como consta do texto litúrgico, em honra
deles.

1 1 ) Quanto ao valor das principais liturgias: a


Liturgia Romana, pelo facto de ser a romana, tem valor
especial e preeminente dignidade. É disso testemunho o
critério que acabou por prevalecer na reform a litúrgica de
Trento.
Enquanto liturgia de longo uso e universal — como
moralmente se pode considerar depois do cisma grego —
parece deduzir-se do Concílio, que tem imunidade de erro
em matéria de fé e costumes. É nisso que se fundam os

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NO CONCÍLIO DE TRENTO 187

decretos da Vulgata, e mais determinadamente do Cânon.


Dão-se como da Ig re ja universal, orações que são da Litu r­
gia Romana. Sobretudo à volta da Litu rgia Romana, é que
anda a questão do latim na Liturgia.

12) A Liturgia G rega, do tempo em que os Orientais


eram católicos, pela extensão do seu uso na Ig re ja é forte
garantia de pureza doutrinal, pelo mesmo motivo. E stá
nisso um fundamento da autoridade da versão dos Setenta.

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A R T I G O II

O arg u m en to litúrgico
em outros con cílio s

1. — Concílios ecuménicos : 1 de Niceia e I de Cons­


tantinopla (século IV). 2. — Concílios africanos:
III e XVI de Cartago (séculos IV e V). 3. - Con­
cílios das üálias: de Vannes e II de Ornnge (sé­
culos V e VI). -I. — Concílios hispânicos: II e III de
Braga, IV e XI de Toledo (séculos VI e VII).
5. — Concílios itálicos : Trulano ou Quiuisexto (sé­
culo VII). 6. — Concilio ecuménico II de Niceia
(século VIII) 7. —Concílios germânicos: de Aquis-
grano e Franclurt (século VIII). 8. — Sínodo Ro­
mano (século X). 9. — Concílios ecuménicos : de
Constança e de Florença (século XV). 10. — Concilio
ecuménicodoVaticano (século XIX). II.-C onclusões.

p ouco mais poderá acrescentar às conclusões que tirá-


mos do Concílio de Trento, o testemunho dos outros
concílios. Mas pede confirmá-las e ilustrá-las. Muito de­
cretaram os concílios sobre a disciplina litúrgica enquanto
ela não se estabilizou nos vários tipos de liturgias que
hoje vigoram. Coligimos aipenas aqueles decretos que se
referem de perto ao aspecto dogmático da Liturgia.

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0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

1. — A parte mais substancial das definições dos dois


primeiros concílios ecuménicos — o símbolo niceno-cons-
tantinopolileno — passou a ser um texto litúrgico na
Ig re ja Oriental, depois dos concílios de Éfeso e dc Calce-
dónia; começou depois no século V I a introduzir-se também
nas liturgias do Ocidente (') .
Mas o símbolo, como fórmula litúrgica pertence desde
os primitivos tempos ao rito baptismal. N a missa, porque
a acção eucarística era já ao mesmo tempo profissão de fé,
não se recitava. Perdido este sentido assim expresso do
rito eucarístico, veio a necessidade e a razão de se intro­
duzir o símbolo na m issa (2).

2 .— Fizemos já referência e mais adiante no seu


lu g ar O1) exporemos o pensamento de S.“* Agostinho sobre
o valor dogmático das orações litúrgicas. J á antes e tam­
bém depois dele há essa ideia na Ig re ja de África.
Em 397 o III Concílio de C arlago quer que as preces
correspondam fielmente ao Dogma, as quais devem para
isso ser revistas por quem tenha competência ( ')•
Em outro cânone da Ig reja de África, dentre os que
foram codificados em 419, se decreta que as fórmulas
'litúrgicas que se hão-dc usar sejam as aprovadas em con­
cílio, e «de forma alguma se admitam outras contra a
fé» (»).

(1) Vid. supra, págs. 134. ! 39-


(2) Vid. j. jungmann, Missarum Solemnia, 1, 569-5S4.
(8) Vid. infra, cap. V, art. I.
(«) Concilium Carihaginense I I I , cap. 23 — M si 3, 922.
( 5) Codex Canonum Ecclesiae AO-icanac, can. 11 3 — M si 3, 807,

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS CONCÍLIOS 191

O XVI Concílio de Cerlago de 418, api’ovado pelo


Papa S. Zósimo, consagra oficialmente a doutrina e a
argumentação litúrgica de S.10 Agostinho (°). Também os
justos têm necessidade da graça e do perdão de Deus.
A razão é o facto de que também eles dizem: «perdoai-nos,
Senhor, as nossas ofensas». E dedara o Concílio a inter­
pretação que a Ig re ja dá a este p lu ral: nele estão incluídos
os justos, que orando assim, pedem a graça também para
si e não unicamente para os outros que são pecadores.
Ora sendo este o sentido oficial da prece da Igreja, não
pode admitir-se que os santos orem desta maneira por
humildade e não com verdade. «Pois quem pode admitir
que ore, mentindo não aos homens mas a Deus, aquele que
diz com os lábios que se lhe perdoe, e com o coração diz que
não tem dívidas para serem perdoadas?» (7).

3. — Semelhante fidelidade ao pensamento de S.*°


Agostinho na controvérsia sobre a graça, professa o II C o n ­
cílio de O range, em 529, confirmado pelo Papa Bonifá­
cio II. Muitos dos seus decretos estão formulados com
frases de S.10 Agostinho (s).
No Concílio de Vannes em 461, ou possivelmente em
465, decretara-se dentro da Província eclesiástica a uni­
dade da liturgia, que corresponda à unidade da fé (°).

(8) Vid. w. de vRiES, Lex suplicandi — lex credendi, em — Epheme-


rides Liturgicae, 47 Ü933' 57-
(7) Codex Canonum Ecclesiat Africanae, cans. 115 , 1 16 ; M si 2, S 15 ;
E S 107, 10S.
(8) Vid. E S 1 74-199.
(») Concilium Vtncticum, can. 15 — M si 7, 955.

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192 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍLIOS

4. — A mesma mentalidade se nota um século mais


tarde nos Concílios da Península Hispânica. B raga, capital
do reino suévico, impõe nele a sua liturgia que é substan­
cialmente a Romana. Absorvido o reino suévico de Por-
tucale pelos Visigodos, Toledo, pelo mesmo princípio de
unidade de liturgia onde há unidade da fé, decreta a sua
para todo o império visigótico da Península.
O II Concílio de Brege em 56 3 decreta expressamente
a uniformidade de rito no ofício divino ( 10), a uniformi­
dade de leituras nas vigílias nocturnas e na m issa O1), o
mesmo rito para a celebração da missa, que era já afinal
o rito romano que o Bispo Profuturo pedira e recebera do
Papa Vigílio ( ,2) e o mesmo ritual do baptismo que Pro­
futuro recebera também do Papa Vigílio ( u ). Com estes
decretos não só pretende o Concílio exprim ir e assegurai’
na unidade de liturgia a unidade da fé, mas, com o mesmo
espírito do Bispo Profuturo de vinte e cinco anos atrás, a
unidade da fé romana cuja liturgia se impõe ( " ) . É talvez
o primeiro Concílio que espontaneamente impõe em subs­
tituição da sua liturgia anterior a Liturgia Romana ( “ ).
Nove anos mais tarde, em 572, o III Concílio de
Braga, manda vigiar a observância daqueles decretos
sobre o rito da missa e do baptismo ( 1C). Expressamente

(1°) Concilium Bracarense I I , can. i — M si 9, 777.


(li) Can. 2 — Ibid.
(I*) Can. 3 — Ibid.
(18) Can. 4 — Ibid.
(H) Cfr. supra, pág. 138
(1*) ph. oppekhein, Inst,S y s t-H is i. in S. L it., 2, 196.
(16) Concilium Bracarcnsc I I I , can. 1 —M si g, 838.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS CONCÍLIOS 193

para que a liturgia concorde com a fé, decreta o IV C o n cí­


lio de Toledo em 633 a unidade de liturgia em toda a Pe­
nínsula, mesmo na região do antigo reino suévico (1T),
decreto que é confirmado pelo XI Concílio, quarenta e dois
anos mais tarde, em 675 ( 1S).

5. — Em 692 o Concílio Truleno ou Quinisexto aduz o


testemunho das liturgias de S. Basílio e de S. Tiago contra
os Arménios que não lançavam água no vinho do cális
para a consagração ( l0). J á referimos o motivo doutrinal
por que eles ainda omitem esse rito (20).

6. — O II Concílio de N iceie, em 787, defende contra


os iconoclastas o culto dos Santos, das imagens e das relí­
quias, e interpreta o sentido justo que a Ig re ja dá a esse
culto, que não é idolátrico (21)-

7. — Dissemos já que nas Gálias se conteve a anarquia


litúrgica em tempo de Carlos Magno, com a imposição de
um só rito, que foi o rito romano. Pelas actas do Concílio
de Aquisgrano (22) em 789, consta que assim se fez «para

( 17) Concilium Tolctanum IV , cap. 2 — A/si io, 616.


( 18) Concilium Tolctanum X I , cap. 3 — M si 1 1 , 138.
(I®) Concilium Trullanum , can. 23 — M si 1 1 , 957.
( 80) Vid. supra, pág. 136.
(11) Concilium Nicacnum I I , Actio 7 — M si 13, 378 ;E S 302.
(**) A Capital no tempo de Carlos Magno, hoje Aachen (Aix-la-
•Chapelle).

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194 0 TESTEMUNHO DOS CONCÍUOS

que tivessem a mesma lei de oração os que tinham a mesma


lei da fé» (23).
Interesse mais particular tem neste mesmo século a
declaração enviada pe>los Bispos da Gália e da Germânia,
reunidos no Concílio de Frencfurt em 794, aos Bispos da
Espanha contra a doutrina adopciana de Elipando, Bispo
de Toledo, e Félix, Bispo de Urgel. Tinham argumentado
os Bispos adopcianos da Espanha com textos da liturgia
mosárabe, liturgia que foi de Bispos como Eugênio, Ilde-
fonso e Juliano que ocuparam a Sé de Toledo (2t). Respon­
dem-lhes os Bispos do Concílio de F rancfurt com estas
razões: o testemunho da Escritu ra (-5) está contra a vossa
litu rgia; essa vossa liturgia não é da Ig re ja universal; se
ela chama a Cristo Filho adoptivo e é garantida pela auto­
ridade do vosso Bispo Ildefonso, a nossa chama-lhe sempre
Unigénito, e é garantida pefla autoridade de Gregório,
Pontífice romano (2G) .

8. — Os heresiarcas, adopcianos tinham alterado o


texto da liturgia mosárabe; onde ela dizia «.adsumptio-
nem, adswmpti», puseram eles «adoptíonem, adoptivi». Os
( 28) « . . . ut non esset dispar ordo psallendi quibus erat compar ordo
ciedendi». Tomamos este texto de ph. oppenheim, In si. Syst.-Hist. in Sacr.
L it., 2, 201.
p. cabrol, Charlemagne et Ia Liturgie — D A C L 3 , 807-825; Vid. 810-813.
(28) Concilium Francfordiensc, Synodica Concilii ab Episcopis Galliae
et Germaniae ad Praesules Hispaniae missa — M si 13, 886.
( 25) Citam íoatt., 1 7 , 1 ; Math. 3, 17 ; Rom., 8, 32.
(26) E citam a seguir as orações colectas que ainda hoje se conser­
vam no Missal Romano, de Segunda e Quarta-Feira Santas e do dia da
Ascensão, e ainda outra da Santa Cruz que já se não conserva no Missal
Romano. Concilium Françfordicnse, ibid. — M si 13, 886-887.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS CONCÍUOS 195

Bispos em Aquisgrano interpretaram-na como aqueles a


citavam, e assim a reprovaram. Mas, averiguado o texto
exacto, o Sínodo Romano de 924 aprova a liturgia mosá-
rabe (27).

9. — O Concílio da Constença, de 1414 a 1418, ao


definir em 1415 a legitimidade da comunhão sob uma só
espécie e em jejum , apesar de Cristo ter instituído o sacra­
mento depois da ceia e administrado aos discípulos sob as
duas espécies, baseia-se expressamente no costume litúr-
gico da Ig re ja que tem a sua justificação na presença real
de Jesu s Cristo inteiro sob cada uma das espécies (28).

10. — E o Concílio de Florença de 1438 a 1445, ao


definir para os gregos em 1439 a existência do Purgatório
declara que os ofícios litúrgicos pelos defuntos, assim como
outras obras que segundo o costume estabelecido pela
Ig re ja se fazem em sufrágio deles, não podem ser em
vão (20).
No Co n cílio do Vaíicano, por fim, aberto em 1869,
chegou a tratar-se da reforma do Breviário. No aspecto
doutrinal e mesmo histórico, fez-se reparo às lições histó­
ricas e a passagens de exegese duvidosa (30).

Resumimos agora todos estes dados, nas conclusões que


deles se podem tirar.
( 27) Assim diz a. coelho, Curso de L itu rgia Romana, i, 231.
(*s) Concilium Constantiense, Sess. 13 — M si 27, 727; E S 626.
(22) Concilium Florentinum, Bula «Laetentur caeli» — M si 3 1, 1032;
E S 693.
(8°) s. bavmek, Histoire du B réviaire, 2, 404-408.

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11. — Conclusões

1) Confirmam-se conclusões passadas que dizem res­


peito à TEORIA do valor teológico dos elementos da L i­
turgia:
a) P ara apreciar o valor dos objectos sensíveis usa­
dos na Liturgia há-de dar-se atenção ao que a Ig re ja com
eles quer significar. Temos um exemplo, no culto das
imagens, que é bem claro que não tem um sentido ido-
látrico.
b) Os actos ou prática tradicional litúrgica, quando
cobertos com a autoridade competente, garantem no campo
da fé e costumes a verdade que querem significar, como o
uso de lançar a gota de água no cális; garantem também
a verdade que supõem ou em que se fundam, por exemplo a
comunhão sob uma só espécie, os ofícios pelos defuntos.
Sendo actos da Igreja, não podem ser em vão.
c) A s fórm ulas litúrgicas, devem em geral confor­
mar-se com o Dogma e exprimem-no, mais ou menos direc­
tamente e com mais ou menos garantia de veracidade, con­
soante a sua índole e autoridade donde procedem. Em
concreto:
— Os símbolos são fórm ulas litúrgico-dogmáticas, com
o fim explícito de se professar neles a fé que no culto se
pratica e vive.
— As orações devem assentar em suposto dogmático
porque senão mentiriam a Deus (Concílio de C artago);
devem por isso ser revistas e aprovadas pela autoridade
competente (Concílios A frican o s); têm mais autoridade
as da Litu rgia Romana que as da mosárabe, porque a

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS CONCÍLIOS

autoridade das liturgias corresponde à daqueles que as


instituíram e por cuja lei subsistiam em determinada
época (Concílio de Fran cfu rt).

2 ) A unidade da fé pede a uniformidade substancial


na Liturgia. Por exemplo, as preces mosárabes não devem
conter expressões contrárias às da Ig reja universal como
advertem os Bispos do Concílio de Fra/ncfurt. Mas mesmo
a uniformidade acidental dos ritos contribui popularmente
para a expressão da unidade da fé (Concílios de Braga-,
Toledo, Vannes, Aquisgrano).

3 ) Mesmo fora do campo de fé e costumes tem a


Ig re ja solicitude pela verdade na Liturgia, por exemplo
pela verdade histórica. Daí as intenções de reform a expres­
sas no Concílio do Vaticano.

4) Para a APLICAÇÃO do argumento litúrgieo, deve


predominar no critério de INTERPRETAÇÃO da Liturgia
o sentido tradicional da Igreja, que terá de constar fora
do texto, acto ou objecto considerados em si mesmos. Está
nesse caso a recta interpretação do culto das imagens no
Concílio I I de Niceia, e daquele plural «perdoai-nos as
nossas ofensas», no Concílio X V I de Cartago.

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C A P ÍT U LO IV

O TESTEMUNHO DOS ROMANOS


PONTÍFICES

V Á R io s d o c u m e n t o s p o n t if í c io s f a z e m r e f e r ê n c ia e u s o d o
a r g u m e n to lit ú r g ic o e p a r e c e m m o s tr a r p r o g r e s s o n o c o n h e ­
c im e n t o d o s e u v a lo r . P io X I I t r a t o u e x p r e s s a m e n t e o p r o ­
b le m a n a e n c íc lic a « M c d ia to r D e i» , f'. e s s e o d o c u m e n t o m a is
im p o r t a n t e a q u e s e c h e g o u a t é h o j e s o b r e o a s s u n t o . É t a m ­
b é m o m a is im p o r t a n t e s o b r e a L itu r g ia .
E x a m in a r e m o s o a r g u m e n to lit ú r g ic o n a d o u t r in a d e
Pio XII e d e p o is n a d e outros Sumos Pontífices p e la s u a
o r d e m c r o n o ló g ic a .

D a í a d iv is ã o d o c a p ít u lo :

A r t ig o I — O argumento litúrgico na doutrina de Pio XII


A r t ig o I I — O argumento litúrgico em outros Sumos Pon­
tífices.

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ARTI GO I

O argu m en to litúrgico
na doutrina d e Pio XII

I — Na encíclica «M edlator Del». I. - Interpre­


tação errónea do principio «lex orandi lex cre-
dendi>. 2. — Interpretação verdadeira. 3. —Prio­
ridade entre Dogma. Liturgia c Teologia.
4. — Fundamento do Direito Litúrgico. 5. —Uso
do argumento litúrgico na encíclica para fim
doutrinal. 6. —Uso para fim exortativo. 7. —Her-
meniutica litúrgica.
II— Em outro a d o cu m en to st I. — Na encíclica
«Mystici Corporis». 2. — Na «Divino afflante».
3 .— Na «Humani Generis». 4. — Na Consti­
tuição Apostólica «Munificentissimus Deus».
5. —Alguns casos de interpretação litúrgica.
III — ConcluaOes.

f - \ encíclica «Media/tor Dei», nas circunstâncias ocasio-


■L nais que a provocaram, poderia parecer um do­
cumento de intuito sobretudo disciplinar. Contudo, ainda
que tem de interpretar-se naturalmente enquadraJda naque­
las circunstâncias, ela é na sua quase totalidade, doutrinal.

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202 Ó TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

Pio X II pronuncia-se na encíclica sobre pontos fun­


damentais do argumento litúrgico e das condições do seu
valor, e nessas condições faz dele uso abundante.
Examinaremos o pensamento de Pio X II, primeiro
— na «Mediaíor Dei», e depois
— em outros documentos.

I — Na encíclica «Mediator Dei»

O texto que na encíclica se refere ao enunciado clássico


do valor teológico da Litu rgia — «que a lei da oração estar
beleça a lei da fé» — poderia levar a pensar que o Papa
lhe destrói o sentido tradicional, porque lhe inverte os
termos e parece dizer que se deve entender às avessas:
«que a lei da fé estabeleça a lei da oração» (') . Vamos
expor com a brevidade e clareza possível, o que nos parece
que, em verdade, diz o Sumo Pontífice.

1. — Denuncia primeiro S. S. Pio X II uma interpre-


ação errónea daquele princípio. A Liturgia, segundo essa
interpretação, é uma experiência que leva a discernir as
verdades do Dogma. Se a doutrina expressa nos ritos sa­
grados produzir frutos de vida espiritual, é aceite na
Ig re ja ; a que os não produzir é rejeitada. E neste sentido
é que a lei da oração constitui a lei da fé, quer dizer, as
verdades que se hão-de professar (2).

( 1) pio xii, Encíclica «Mediator Dei» A A S 39 (1947) 54*-


(*) Vid. ibid., 540.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 203

Está-se a ver a feição modernista desta interpretação


condenada na encíclica. O Modernista tem de explicar o
fenómeno religioso com a filosofia dos seus princípios pre­
concebidos — o da imanência vital, e o do agnosticismo de
tudo quanto está fora do homem. Admite que a fé é a base
da religião, mas a fé é para ele um sentimento que por
imanência vital surge dos esconderijos d a subconsciência.
A inteligência elabora esse sentimento em fórmulas pri­
meiro simples e vulgares, deipois mais polidas e reúne-as,
por fim , em um corpo de doutrina. Corresponde este corpo
doutrinal à consciência colectiva; o M agistério sanciona
as proposições que lá se contêm, e temos os dogmas (3).
Mas aquele sentimento religioso inicial fomenta-se
com o culto ( ') ; dessa m aneira contribui a Liturgia para
a elaboração dos dogmas, produ-los, e este é o sentido
modernista daquela sentença: «a lei da oração é a lei da
fé». E is a interpretação que o Papa repele (°).

2. — Como conclusão que é, traz ela o erro das duas


premissas que a g e raram : a imanência e o agnosticismo.
Sabemos porém que a fé não é um sentimento, e que
existem realidades sobre-humanas. A fé é um acto da
inteligência feito sobre essas realidades. Nesse sentido,

(8) pio x, Enciclica «Pascendi dominici g re gis» — A A S 40 (1907)


596-602; .ES" 2072-2078.
(*) Ibid. — A S S 40 (1907) 6 12 ; £ £ 2 0 8 9 .
( 6) Neste sentido modernista entendia o valor da oração
G. Tyrrell, L e x orandi or p rayer and creed, London, 1903.
— Through Scylla an d Charybdis or de old Theology and the new,
London, 1907, onde o autor inclui a dissertação «Lex orandi lex credendi»,
que em 1907 publicou no «The Month».

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204 O TESTEMUNHO t)OS ROMANOS PONTÍFICES

«é a fé, diz S. Tomás, princípio e causa da religião» (9).


Há-de ser, pois, a fé o princípio ontológico do culto reli­
gioso. É esta a posição do objectivismo católico contra o
subjectivismo modernista. Neste sentido é que «a lei da fé
estabelece a lei da oração». E porque .assim é, vale também,
mas na ordem lógica o princípio inverso: «a lei da oração
estabelece a lei da fé», quer dizer, leva-nos logicamente ao
conhecimento da fé em que ontològicamente se funda. Vem
a ser esta a interpretação tradicional na Igreja, que
Pio X II não rejeitou, mas expressamente confirmou e
declarou.
«A sagrada Lilturgia, portanto, diz o Sumo Pontífice,
não determina nem constitui num sentido absoluto por
virtude própria a fé católica; mas sendo também uma
profissão das verdades celestiais, profissão submetida ao
supremo magistério da Igreja, pode proporcionar argu­
mentos e testemunhos de não escasso valor para esclarecer
um ponto particuiar da doutrina cristã. Daí que, se que­
remos distinguir e determinar de maneira absoluta e geral
as relações que existem entre a fé e a Liturgia, possamos
afirm ar com razão: «a lei da fé deve estabelecer a lei da
oração»» (7).
«Toda a Litu rgia tem, pois, um conteúdo de fé cató­
lica, enquanto testemunha publicamente a fé da Igreja» (8) ;
e essa profissão le fé, recorda a encíclica, faz-se nomeada­
mente no sacrifício, nos sacramentos, no canto ou recita-

(«) Tm Boetium, De Trinitate, q. 3, a. 2.


( 7 ) ^ £ 3 9 (1947) 5 4 «•
(*) Ibid., 540.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE FIO XII 205

ção do símbolo e na leitura da E scritu ra e de outros do­


cumentos (#).
É, por isso, a Liturgia uma «fonte teológica», diz
a encíclica, aonde muitas vezes se vieram buscar argu­
mentos, como procediam os Santos Padres nas controvér­
sias, e como fez Pio IX para a definição da Imaculada
Conceição de M aria ( 10).
São estas, pairece-nos, as linhas fundamentais, auto-
ntativam ente declaradas pelo Sumo Pontífice, do valor
teológico da Liturgia. J á na introdução da encíclica enun­
ciara semelhantes princípios a respeito da ciência litúr-
gica: «A pureza da fé e da moral, dizia, deve ser a norma
característica desta sagrada disciplina, que tem de con­
formar-se absolutamente, com o sapientíssimo ensina­
mento da Igreja» (:1).

3. — Temos, portanto, também resolvida e esclarecida


autoritativamente a questão de prioridade enfre Liturgia
e Dogma. Ontològicamente, é primeiro o Dogma e depois
a L itu rg ia; a ordem lógica é muitas vezes a inversa: pri­
meiro a Liturgia e depois o Dogma ou a Teologia (12).

(» ) Ibid.
(10) Ibid., 540-5 4 1,
(1 1 ) Ibid., 524.
(12) Este aspecto particular do problema já o víramos um ano antes
da Encíclica, cientificamente tratado por miguel nicolau, s. j., em um estudo
particular ainda não publicado. Dizemo-lo aqui, por um dever, pois Sua Rev.,
desprendida e gentilmente nos cedeu essa dissertação, que de facto nos
serviu de guia. Quando, embora depois da enciclica, queira o Autor publicar

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206 O TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

Eis, por conseguinte, as linhas mestras do valor teoló­


gico da L itu rg ia:
— o Dogma é fundamento da L itu rg ia;
— por isso mesmo é a Liturgia um testemunho da fé ;
— é portanto para o Teólogo uma «fonte teológica»
onde ele pode vir a buscar argumentos para a sua
ciência, a Teologia.

4. — «A estreita relação da L itu rgia com os princípios


doutrinais da Igreja» é ainda um dos fundamentos do
Direito Litúrgico que reside na Jerarqu ia eclesiástica ( 13).
«Ao arbítrio dos particulares, mesmo que sejam membros
do clero, não pode deixar-se... o regular neste campo acções
externas que estão intimamente conexas... muitas vezes
com a mesma integridade da fé católica» ( u ). Portanto,

aquelas mesmas páginas, elas serão ainda um antecipado comentário fiel, e


um esclarecido desenvolvimento do pensamento de Pio XII.
Damos um brevíssimo apontamento de sintese da parte que lemos,
para completar este ponto particular do nosso estudo. O Dogma tem priori­
dade de natureza e de tempo sobre a L itu rg ia . De direito assim £; de Tacto
consta històricamente que assim tein sido. A L itu rg ia por sua vez, é geral­
mente anterior, em natureza e tempo à Teologia; é fonte de argumentação
teológica, visto que contém o Magistério de uma, de várias, ou de todas as
igrejas.
Reconhecem-se contudo, casos particulares em que é a Teologia que
influi na Liturgia, pois esta deve condizer não só com o Dogma mas tam­
bém com os dados teológicos certos para poder ser aprovada.
Eis a ordem e relação real das coisas. Tratando-se, porém, da ciência
litúrgica, pertence ela mais à Teologia prática, e como tal, depende então
da Teologia especulativa.
(M) A A S 39 (1947) 54°-
(W) Ibid., 544-

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 207

também por esse motivo, urge a encíclica a disciplina


litúrgica.

5. — Na encíclica «Mediator Dei» se enunciam como


vimos, os princípios; no decurso de toda ela se aplicam
abundantemente.
É no Dogma que se funda a L itu rg ia; por isso, observa
Pio X II, o progresso da doutrina sobre a Incarnação, a
Eucaristia, a Mãe de Deus, contribuiu para a adopção de
novos ritos (,5) ; as dores de Cristo, porque constituem o
mistério da Redenção, é muito consentâneo com a fé que se
exprimam na Litu rgia cujo centro é a representação e
renovação desse mistério no sacrifício eucarístico (16) ;
por isso ainda, como para os antigos ritos, também para a
instituição dos modernos assiste e influi o Espírito
Santo ( 17)-
É a Liturgia, por conseguinte, testemunho e argu­
mento do Dogma; por isso a encíclica se serve de textos do
«Ordo Missae» do M issal Romano, para comprovar os fin3
da mesma Liturgia ( 1S), a unidade da Ig re ja militante com
a triunfante (ie), a função do sacerdote como oferente na
missa em representação conjuntamente de Cristo e dos
fiéis (2Ü), a função de oferentes que também os fiéis exer­

(15) Ibid., 542.


( 16) Ibid., 580.
(li) Ibid., 545-
( 18) Ibid., 549-550.
( 19) Ibid., 589-590.
(» ) Ibid., 557.

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208 O TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

cem (21) ; usa o texto dc orações «colectas» e «secretas» e


de orações «depois da comunhão», extraído do mesmo
Missal Romano para comprovar a necessidade da acção
de graças particular depois da comunhão (22), o valor do
sacrifício eucarístico (22), a eficácia da oração (24), o fim
do culto dos Santos (25) ; cita textos da «Salve-Rainha»,
pai’a realçar o culto especial devido a Nossa Senhora (26),
e textos do Pontifical Romano para declarar os efeitos da
Ordenação (2T).
E não só os textos, mas também os factos e práticas
litúrgicas são argumentos referidos na encíclica. A varie­
dade de ritos orientais e ocidentais é testemunho da vida
exuberante da Ig re ja (2S) ; o facto de se porem nos livros
litúrgicos orações para antes e depois da missa, e o de
indulgenciá-Ias são recomendação im plícita da preparação
e acção de graças particular (20) ; a prática litúrgica da
missa em que só o celebrante comunga, assegura a sua
legitimidade teológica (30) ; os ritos de adoração do Corpo
de Cristo sob as espécies sacramentais no sacrifício da
missa, demonstram a legitimidade da adoração eucarís-

(21) A A S 39 (1947) 554. Pio XII completa a este propósito a citação


litúrgica com a interpretação que lhe dá a Igreja.
(23) Ibid., 566-567.
(**) Ibid., 551.
(«)■ Ibid., 574.
(» ) Ibid., 581-5S2.
( * ) Ibid., 582.
( » ) Ibid., 539.
(tt) Ibid., 542.
(2») Ibid., 567.
( » ) Ibid., 563.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 209

tica (31) ; a própria celebração das festas de Cristo, refuta


a consideração de Cristo «pneumático» que exclui a consi­
deração do Cristo «histórico» (32).

6. — A encíclica veio também de encontro a certas


tendências na Igreja, comprometedoras da Moral, e da
Ascética tradicional cristã, tendências que se apresenta­
vam com aparências e pretextos de vida mais litúrgica.
E hábil e oportunamente se repeliram essas tendências
com a declaração da essência da mesma Liturgia. A reli­
gião funda-se na fé, e a fé é profissão do Dogma. A religião
vivida em pleno há-de ser a profissão da verdade — da
verdade que se crê com a fé, que se vive e exprime no culto,
e, segundo a expressão de S. Paulo, da verdade que se rea­
liza na vida m oral: «fazer a verdade na caridade» (33).
Contra aquelas tendências pseudo-litúrgicas, exorta-
-nos o Papa à verdadeira vida litúrgica, para que a
Liturgia não só especulativamente, mas também prática
e vitalmente seja sempre verdadeira. Que participemos no
sacrifício eucarístico, para que ele seja mais plenamente
realizado, portanto mais verdadeiro. A isso nos exortam
implicitamente alguns textos da m issa(3)) ; expressamente,
textos da Ordenação sacerdotal e da consagração dos alta­
res no Pontifical Romano (30). Que os templos estejam
abertos, mesmo fora dos actos litúrgicos, para com as

(81) Ibid., 569.


( 3*) Ibid., 579-580.
(88) Ephts., 4 , 1 5 .
(84) ^ ^ 3 9 ( 1 9 4 7 ) 5 5 8 ,5 5 9 - 5 6 0 ; ibid., 564, 568.
(85) Ibid., 558.

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2 10 O TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

visitas dos fiéis, poderem realizar mais plenamente o seu


sentido de lugares do culto (30).
A mesma Liturgia para não ser um exercício vão
exige a prática de actos de piedade não estritamente litúr-
gicos (3T). O ciclo dos mistérios de Cristo no Ano Litúrgico
traça um program a de vida cristã: «crer com o espírito
o que se canta com a boca e traduzir na prática dos costu­
mes privados e públicos aquilo que se crê com o espí­
rito» (3S). É, em síntese, a verdade da vida litúrgica, e
aquilo que também nós dissemos, tratando da definição
essencial da Liturgia (30). É este o objectivo ideal da vida
d a sociedade, segundo a encíclica: quando «com união de
mentes e de coração se cante o hino da esperança e do
am or: « — Bom pastor, pão verdadeiro, — tende Jesus
m isericórdia; — Alimentai-nos, defendei-nos, — Fazei-aios
ver a felicidade, — N a terra dos viventes»» í-10).
Dado este valor exortativo vital da Liturgia, não
admira que o desenvolvimento dela «tenha contribuído de
um modo admirável para a fé» ( " ) da Igreja.

7. — Registemos por fim algumas observações sobre


interpretação litúrgica, na encíclica.
Recorda ela, a par da presença real sob as espécies
eucarísticas, o significado das mesmas espécies que «sim­
(88) 39 (1947) 571.
( 87) Ibid., 5S4.
(89) Ibid., 577.
(89) Vid. supra, págs. 23-27.
(40) Ibid., 571-572. Cfr. Missale Romanum, Sequcntia «Lauda Sion»
(In festo Ssmi Corporis Chrisii).
( « ) A A S 39 (1947) 57o-

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 2 11

bolizam a cruenta separação do Corpo e do Sangue» ( ,2).


Dá a interpretação da despedida dos fiéis no fim do sacri­
fício. A letra do texto despede a assembleia litúrgica ( " ) ;
o espírito quer dizer que essa reunião pública está oficial­
mente dissolvida; não quer precisamente mandar os fiéis
para suas casas. Podem ficar, se quiserem, no templo para
a acção de graças (*')•
Admite a encíclica que a investigação das origens his­
tóricas em Liturgia «não é pequeno contributo para se
compreender o significado das festas, e para indagar com
mais profundeza e perfeição o sentido das cerimónias» (“ ).
Passemos a outros documentos do mesmo Sumo Pontí­
fice Pio X II.

II — Em outros documentos

1. — A encíclica m ais conexa com a «Mediator Dei» é


a «Myslici Corporis». A Litu rgia é afinal o culto da Ig re ja
Corpo Místico. Foi o progresso dos estudos litúrgicos uma
das causas que contribuíram para melhor conhecimento da
doutrina do Corpo Místico (<0). E o nascimento deste
Conpo, do lado aberto do Salvador, encontrou-o Pio X II já
expresso num hino da Litu rgia ( " ) •
(42) Ibid., 548.
(48) <Ite, missa est». Ide, é a despedida.
(“ ) Ibid., 566.
(45) Ibid. 545.
(46) pio xii, Encíclica «Mystici Corporis Christi» — A A S 35 (1943) 196.

<<J ) Officium.Ss™i Cordis, Ad Vesperas. A A S 35 (1943) 248.

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0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

Reconhece a encíclica à confissão geral litúrgica do


começo da missa a eficácia de perdoar os pecados veniais,
embora enumere mais sete vantagens à confissão sacra­
mental feita por motivo ascético(48) . A liás ambas são actos
litúrgicos, e a segunda é de instituição divina.
Os erros relativos à oração nascidos sob pretexto de
Liturgia, são repelidos com razões e testemunhos litúr­
gicos. Se a oração estritamente litúrgica é m ais excelente,
a oração particular não deixa de ter repercussão no Corpo
Místico em virtude da comunhão dos santos (40).
Em bôra a oração na missa seja ordinariamente diri­
gida ao Pai por meio de Cristo, e de facto convenha que em
geral assim se faça, porque ali Cristo é sobretudo Media­
dor, pode contudo a oração dirigir-se ao Filho, pois Ele é
Deus. A E scritu ra é bem expressa sobre a legitimidade
dessa oração, e o M agistério da Ig re ja também a declara
implicitamente na liturgia da m issa onde há de facto
algumas orações dirigidas a Jesu s Cristo (50).
Exorta por fim a encíclica a amar a Ig re ja como
Cristo a quis: «sacramentos, solenidades, canto, liturgia,
sacramentais e outros exercícios de piedade, e a autoridade,
aquela autoridade que «sujeita as nossas inteligências em

( « ) A A S 35 (1943) 235-
( « ) Ibid., 235-236.
(50) ibid., 236-237. Bem entendidos os textos e as suas circunstân­
cias, não se opõe esta doutrina de Pio XII ao decreto do Concilio III de
Carlago (cap. 32): *U t nano in precibus, vel P alrem p ro Filio , vel Filium
pro P a lre nominet. E i cum a lta ri assistitur, semper ad Palrem dirig atur
oratio» ( — M si 3, 922.). É esta questão, paralela & da adoração eucarís­
tica. Veio Cristo principalmente para Mediador, e o mesmo fim exerce na
Eucaristia; rqas coqo de facto é Deus, justamente se invoca e 5# adora.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 213

homenagem a Cristo» (51). É a norma que se dá para


evitar ilusões (52). Circunscreve portanto o campo da ver­
dade; embora distinguindo os elementos que enumera, todo
ele vem a ser o âmbito da L iturgia, entendida no sentido
mais lato que lhe deu depois a encíclica «Mediator Dei».

2. — Quando a encíclica «Divino efflanle» sobre a


Sagrada Escritu ra esclarece o decreto Tridentino acerca
da autoridade jurídica e dogmática da Vulgata, confirma
o fundamento dessa autoridade enunciado já por Trento:
o longo uso (53), que foi em grande parte o uso litúrgico.
E ao falar do sentido espiritual que além do literal tem a
Escritura, declara que ele se pode ju stificar e descobrir no
«uso muito antigo da Liturgia, onde quer que rectamente
se possa aplicar aquele conhecido enunciado: a lei da ora­
ção é a lei da fé» (M).

3. — A «Humani Generis» nada diz directamente do


argumento litúrgico, mas, suposto o valor dele, estabelece
importantes bases para o seu uso, que referimos já, ao
falarm os do processo teológico.

4. — Mas é entre os documentos de Pio X II a Consti­


tuição Apostólica «Munificenlissimus Deus» a que depois
da encíclica «Mediator Dei» pode d ar m ais esclarecimentos.
Expõe de uma maneira muito condensada o processo do

( 51) Cfr. 2 Cor., 10, s-


(62) A A S 35 (1943) 238-
( 63) no xii, Encíclica «Divino afllanle» — A A S 3$ (1943) 309.
(6i) íbid., 3 1 1 .

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214 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

dogma da Assunção de M aria. Estava ele nos primeiros


séculos provavelmente apenas implícito em outros; mas
«esta comum fé da Ig re ja ... vai-se manifestando através
dos tempos com mais abundante luz» (3a).
E o testemunho que a Bula apresenta em primeiro lugar
e ccmo mais importante é o culto (r,c), e no culto, sobretudo
a festa (ST). Nos livros litúirgicos antigos tinha ela o título
de «Dormição», ou «Assunção de Santa Mearia-». E tanto
a sobriedade da Liturgia Romana, como a exuberância da
Oriental, já davam a entender que ele queria significar a
glorificação de M aria em cerpo e alma (58) ; não decidiam
porém definitivamente esse significado que se foi defi­
nindo e afirmando cada vez mais através dos séculos.
Teologicamente, julgamos que cabe dentro da doutrina
da Bula uma observação que vamos fazer sobre a evolução
do objecto da festa de 15 de Agosto e que, pelo menos, não
é frequente encontrar na abundante literatura assuncio-
nista dos últimos tempos. Tem este pormenor um interesse
particularmente português.
Todas as velhas catedrais de. Portugal se consideram
dedicadas em honra da Assunção de M aria (50) e em con-

(M) pio xii, Constituição Apostólica « Munificentissimus D eus»—


AAS 42 (1950) 757-
(« ) Ibid., 758-760.
<«> 758.
(G8) Ibid., 758-759-
(K>) Igrejas catedrais de Portugal continental, que não estejam consa­
gradas em honra da Assunção, são, que saibamos, a de Vila-Real e a de Beja,
ambas dedicadas recentemente, a primeira, em honra da Imaculada Concei­
ção e a outra em honra do Coração de Jesus.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO X n 215

formidade com as leis litúrgicas (co) celebram elas de


facto o seu Titular a 15 de Agosto. Não consta porém,
quanto sabemos, de documentos certos que historicamente
mostrem ter sido cada uma delas consagrada precisamente
em honra da Assunção. Provavelmente foram-no, sim­
plesmente em honra de Santa Maria. Do templo da B ata­
lha, que se tem como dedicado em honra da Assunção,
declara o Mestre de A vis no seu testamento, que prometera
na batalha de 14 de Agosto fazê-lo «a honra da dita Nossa
Senhora Santa Maria, cuja véspera entonces era» (01).
Desde que existe a festa de 15 de Agosto, tem sido ela
considerada como a primeira entre as festas de M aria. E la
é que é propriamente o dia de Nossa Senhora. A s festas
prim itivas dos M ártires e depois geralmente as dos Confes­
sores são no dia em que terminou a sua peregrinação
terrestre e eles nasceram para a vida etern a— «o dia nata­
lício», como lhe chamam os calendários antigos e hoje o
Martirológio. A festa de Santa M ariq era também no dia
da sua «Doinnição». Aparece depois o título de Assunção.
Ainda actualmente as rubricas decretam que se um
determinado título de Nossa Senhora não tem festa pró­
pria e é contudo o Titular de um templo consagrado ou
solenemente benzido, a sua festa litúrgica terá que ser a
da Assunção (t:!). É provàvelmente assim que hoje em
Portugal inúmeros templos antigos se consideram jurid i­
camente dedicados em honra da Assunção, e originària-

(<S0) Cfr. C IC 1168, 2-


(61) Testamento d'el-rei D. João I, em
azurara, Gomes Ganes D’ — Chronica de el-rei D. João I, 3, 14S, Lisboa, 1900.
( Gí) Dccr. Auth. Congr. S. RU., 2529, 1-2.

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216 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

mente o foram talvez em honra de outro título, ou simples­


mente em honra de Santa M aria.
A festa foi crescendo em importância: fez-se preceder
de vigília com jejum e prolongai- por uma oitava. O título
de Assunção vai-se definindo cada vez mais, para a mente
dos fiéis, no sentido de glorificação em corpo e alma, e é
esclarecido com ocasião da festa, pela pregação da Ig re ja
docente (03), pelos estudos dos Teólogos (Ci), afirmado nas
imagens, no título que se dá a igrejas e a institutos reli­
giosos, no patrocínio que escolheram cidades, dioceses e
regiões, no quarto mistério glorioso do rosário (0G).
Todos aqueles templos primitivamente de Santa Maria,
que celebravam a sua festa titulai- no dia da Assunção,
depois desta evolução no pensamento da Ig re ja discente,
juntos com estes testemunhos posteriores, vêm avolumar
o conjunto de circunstâncias que constitui poderoso e deci­
sivo comentário ao título «Assunção». Ao princípio inde­
finido, tomou este título na mente dos fiéis e sob a vigi­
lância e aprovação do Magistério o sentido nítido e indis­
cutível de glorificação em corpo e alma, que hoje tem.
A tradução portuguesa universalmente adoptada sob a
aprovação do Magistério para o título da Ladainha «Regina
in caelum assunvpta», exprime agora esse sentido preciso:
«Rainha elevada ao céu em corpo e alma».
A festa ultimamente era já profissão de fé comum e
m anifesta no dogma da Assunção. De dogma se tratava,

(63) A A S 4 2 (1950) 762.


(M) Ibid., 762-767.
(65) Ibid., 758.

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0 ABGÜMENTO LITÚBGICO NA DOUTRINA DE FIO XII 217

.pois pelo menos quanto à glorificação do corpo de Maria,


só pela revelação podia constar (oe).
J á antes da definição a festa constituía argumento do
M agistério ordinário e universal da Ig re ja sobre uma ver­
dade revelada que por isso «deviam crer fiel e firm e­
mente todos os filhos da Igreja» (C7). Não foi a L itu r­
g ia que produziu este dogma, mas nela apareceram con­
sequências dele, do qual, «assim como da árvore os frutos»
procedeu o conjunto de manifestações do culto à Assunção
de M aria (°8).
A definição não trouxe novidade. «Esta verdade con­
tida nas sagradas letras, estava absolutamente no ânimo
dos fié is ; o culto eclesiástico desde tempos muito antigos
o comprovava; e como estava em suma consonância com as
outras verdades reveladas, o estudo dos Teólogos, com
ciência e sabedoria ilustradamente a explicara e escla­
recera» (c0).
Porque veio então a definição? Porque se julgou ter
chegado o momento da Providência (70). O que já se devia
crer em virtude do M agistério ordinário e universal da
Igreja, convinha que o definisse nestes tempos o seu M agis­
tério solene e extraordinário «para glória de D eus..., honra
de seu Filho..., glória de sua Mãe, gozo e alegria de toda

(°°) Ibid., 757.


(67) Ibid. Cfr. Coneilium Vaticanum, Sess. 3, Constitulio dogmática de
fide catholica, cap. 3 — C L 7, 252; E S 1792.
(68) ^ ^ 4 2 ( 1 9 5 0 ) 7 6 0 .
(O») Ihid., 769.
( 70) ibid., 769-770.

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218 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

a Igreja» (71). Quer dizer teve-se mais em vista um fim


moral que doutrinal.
O título da festa, que antes não constituía um argu­
mento, ültimamente já o era porque, com o andar do tempo,
adquirira da autoridade da Ig re ja o significado que depois
foi expresso nos termos da definição dogmática.
P ara se interpretar a Liturgia é preciso atender sem­
pre ao significado que ela extrinsecamente recebe da inten­
ção da Igreja.

5. — Nem sempre, porém, têm os textos um sentido


d e f inido na interpretação da Igreja. Perguntada a Sagrada
Congregação dos Ritos sobre a significação das expressões
«perfid i Judaei», «judaica perfidia» nas orações litânicas
de Sexta-Feira Santa, limitou-se a declarar que não se re­
provam os que as traduzirem por «infiéis judeus», «infide­
lidade dos judeus na fé» (72).
No rito latino da ordenação até há pouco tempo, não
estava determinado sequer quais eram as palavras da
form a do sacramento. A partir da Constituição Apostólica
«Sacramentum Ordinis» de 30 de Novembro de 1947 (73)
já se ficou a saber quais dali em diante «são tomadas e
usadas como tais pela Igreja» (” ). No Pontifical Romano
vinha até então uma rubrica que dizia assim ao Bispo:
«Advirta os ordinandos de que toquem os instrumentos em

(71) ^ ^ 4 2 (1950) 770.


( 72) J . R it. Congr. Declaratio — A A S 40 (1948) 332.
(73) y M ^ o (1948) 5-7.
(7«) Ibid. 6.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 219

cuja entrega se imprime o carácter» (76). A afirmação


doutrinal da rubrica correspondia a uma opinião que, para
o tempo anterior à Constituição Apostólica, era e ainda é
admissível na Igreja. Para as ordenações conferidas depois
da Constituição não seria já admissível. A Sagrada Con­
gregação dos Ritos mandou, por isso, suprim ir do Pontifi­
cal, a rubrica (70).
Mas pode até evoluir o sentido dos textos e mudar
completamente. Temos um exemplo muito recente na
restauração da Vigília Pascal. A fórm ula com que agora
se benze o círio é a prim itiva; substancialmente a mesma
com que ultimamente se benziam os grãos de incenso (77).
N a expressão «Vem at... super hoc incensum», o termo
«incensum» queria ultimamente significar o incenso dos
grãos; mas primitivamente, e agora de novo na V igília
restaurada, quer dizer afinal o círio que acaba de se
acender (7S). Readquiriu assim a fórm ula toda, o seu sen­
tido próprio e claro. Anteriormente tinha-o diferente e
obscuro.
O valor de um texto depende, pois, do contexto onde se
situa e sempre da interpretação que lhe dê a Igreja.
O mesmo deve dizer-se de qualquer acção litúrgica. Um
decreto da Sagrada Congregação do Santo Ofício declarou
que a «grande prostração» no rito bizantino se deve man­

( '" ) «Moneat ordinandos quod instrumenta in quorum traditione


character im primitur, tangant».
( 76) Decretum — .4.4.S'42 (1950) 449.
( 77) .S’. Rit. Congr. decretum: De Solemni Vigilia Paschali instau-
randa. Rubricae— .d.d.S’ 43 (19 5 1) 13 2 ; 4 4 (19 52 ) 56.
(7S) Cfr. i. Schuster, L ib er Sacramentorum, 4,48.

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220 O TESTEMUNHO DOS BOMANOS PONTÍFICES

ter logo depois das palavras da consagração e não depois


da epiclese(T0). Sabemos as consequências dogmáticas desta
cerimónia ali situada (so) e tanto mais que foi neste caso
o Santo Ofício o que interveio e não a Sagrada Congrega­
ção para a Ig re ja Oriental.
O ajudamte da m issa «faz as vezes de todo o povo
católico» como afirm a S. Tomás (S1) ; mas esse mesmo
significado consta com certeza historicamente e teologica­
mente «se depreende claro, também da doutrina concorde e
universal dos liturgistas e moralistas», como se lê numa
Instrução da Sagrad a Congregação da disciplina dos Sa­
cramentos (82).

III — Conclusões

Vamos abranger numa síntese, sistematizadas, as


considerações sobre o testemunho importante que recolhe­
mos dos documentos do Papa Pio X II, primeiro no que
respeita a teoria do valor do argumento litúrgico, e depois
a sua aplicação prática.

1) Pelo que diz respeito à TEO RIA, temos que assen­


tar antes de mais nada, que na ordem ontológica é o
Dogma fundamento da Liturgia. Nesse aspecto a norma

(’ ») ^ ^ 4 3 (19 5 1) 2 17 .
(80) Vid. supra, págs. 143-144-
(81) S . Th., 3, q. 83, a. 5 ad. 1 2.
(8») 4 4 .S 41 (1949) S°6.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XH 221

dominante é a da «pureza da fé e da morai, em absoluta


conformidade com o Magistério-». A Liturgia portanto
contém o Dogma, e nomeadamente, segundo afirm ação da
«Mediator D ei»: no sacrifício, nos sacramentos, nas leitu­
ras da Escritu ra e documentos da Tradição e «ex professo»
nos símbolos.

2) Inversamente, na ordem lógica, a Litu rgia tem


valor teológico enquanto testemunha a fé da Igreja, pre-
fessada à sombra do Magistério. É pois uma «fonte teo­
lógica»; está garantida pelo uso que dela fizeram os San­
tos Padres, e os Sumos Pontífices, como Pio IX e Pio X II
quando definiram os dogmas da Imaculada Conceição e da
Assunção de Maria.

3 ) Há por conseguinte esta relação de prioridade:


o Dogma está necessàriamente primeiro que a Liturgia,
como fundamento dela; a L iturg ia por sua vez, como fonte,
é normalmente anterior à Teologia.
A mesma natureza da Litu rgia como fonte teológica,
é ainda um dos fundamentos do Direito lÂtúrgico que com­
pete àqueles que têm o poder de Magistério. No Sumo
Pontífice reside portanto o supremo direito litúrgico e por
determinação positiva está-lhe hoje todo reservado. Inver­
samente é esse direito que estabelece a L itu rgia na sua
form a concreta. Temos assim Liturgia de direito divino e
de direito eclesiástico; esta noutros tempos podia ser de
direito diocesano, hoje é só de direito pontifício.

4) A Litu rgia como «fonte teológica» coincide mate-

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222 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

rialmente com vários dos lugares teológicos enumerados


por Cano, pois contém leituras da e s c r i t u r a e de documen­
tos da t r a d i ç ã o , c a autoridade do m a g i s t é r i o d a i g r e j a .
Formalmente os seus elementos considerados como litúr-
gicos pode dizer-se que são de um lugar teológico especi­
f ic o — a LITURGIA. E a qualificação teológica que se lhes
■há-de dar, depende também de indícios extrínsecos à ex­
pressão material da Liturgia, como acontecia no caso do
significado da «Assunção».

5) A evolução do Dogma influi muitas vezes na


Litu rgia da qual é fundamento ontológico, como aconteceu
com os dogmas da Incarnação, Eucaristia, Maternidade
divina. A Liturgia contribui também como ocasião para o
progresso do Dogma, como influiu na definição da Assun­
ção de M aria e também da Imaculada Conceição. Mas,
sobretudo no caso típico da Assunção de M aria, o fenó­
meno parece ter-se dado assim : a festa litúrgica foi a oca­
sião da evolução do dogma na pregação dos Pastores e na
consciência dos fiéis, que neste caso precederam a espe­
culação dos Teólogos. E sta evolução foi enriquecendo o
sentido form al da festa sem que a mesma festa m aterial­
mente recebesse modificações; completada a evolução do
conhecimento do dogma e chegado esse conhecimento à sua
maturidade, modificou-se então materialmente também a
L iturgia, que passou a exprimir-se em termos claríssimos.
O Dogma evoluciona portanto lentamente sem que a
autoridade da Ig re ja tenha positivamente de pronunciar-se.
O significado form al das festas correspondentes pode
dizer-se que evoluciona a p ar; mas a parte m aterial da

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO XII 223

Liturgia não. P ara isso já se requer intervenção declarada


da autoridade eclesiástica. É pois só em determinados
momentos que a Liturgia se modifica.

6) Da prática dos ritos universalmente instituídos é


lícito deduzir: a Ig re ja fá-lo; lego pode f.azê-lo; logo é
verdadeiro o fundamento teológico que para isso necessà-
riamente tem de supor-se. Assim deduz Pio X II dos ritos
de adoração eucarística, da m issa em que só o celebrante
comunga, das orações dirigidas ao Filho.

7 ) Pelo que diz resipeito à A P L IC A Ç Ã O do argumento


litúrgico e conexa INTERPRETAÇÃO da L itu rgia podemos
naturalmente ter em vista de um modo geral, que cada
acto litúrgico é principcdmente fonte daquela doutrina teo­
lógica, que por sua natureza directamente lhe diz respeito.
Assim, para a doutrina da missa apresenta Pio X II teste­
munhos do Missal, sobretudo do «Ordo M issae»; para a
dos sacramentos, por exemplo da Ordem, apresenta teste­
munhos dos seus ritos; para a do culto de Cristo, de M aria
e dos Santos, aduz testemunhos das suas festas; para a
doutrina dos fundamentos da Liturgia argui com a mesma
•Liturgia considerada em geral.
Em dependência desta linha principal do sentido da
Litu rgia é que se hão-de interpretar as secundárias.

8) N a argumentação litúrgica, é preciso atender


tanto ao objecto da Liturgia (fórmula, acto, ou elemento
sensível) com que ae argúi, como ao objecto da doutrina
sobre que se argúi.

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224 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

No caso da Assunção por exemplo: quer arguir-se com


a festa, templos, patrocínio de lugares, quarto mistério
glorioso. Deve averiguar-se primeiro se a Assunção está
contida no objecto da festa, do título dos templos, do pa­
trocínio dos lugares, do quarto mistério glorioso; deve
verificar-se depois se está contida no campo do Magistério,
ou por outra, se é m atéria de fé e costumes ou com eles
conexa; deve exaiminar-se ainda se o testemunho da Litu r­
g ia visa esse objecto como pertencente ao campo da fé e
costumes.
N.a prova litúrgica da morte de Nossa Senhora, parece­
mos que hão-de assegurar-se igualmente estes três passos:
que a morte de M aria é objecto de afiim ação litúrgica;
que é assunto do campo da fé e costumes ou com ele relacio­
nado; que nesse sentfdo é afirm ada pela Liturgia, e não
por exemplo no sentido de um facto puramente histórico.

9) Tem também aqui interesse essencial este pro­


blema: qual o critério para discernir o que na Liturgia é
matéria de fé e costum es? Não o podemos determinar só
com a investigação feita neste artigo. E parece-nos que não
é unicamente pela Liturgia que ele se pode decidir; é pre­
ciso ir também a outras fontes. Pelo que toca à Litu rgia
para a formação daquele critério, parece-nos que deixámos
já alguns elementos na prim eira parte onde ao tratarmos
da noção de Liturgia distinguíamos que havia coisas mais
e menos litúrgicas (83).

(88) Vid. supra, págs. 28, 37.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO NA DOUTRINA DE PIO Xn 225

10 ) Continuando porém com o que diz respeito à


interpretação da Liturgia, não se há-de pretender encon­
trar sempre o objecto duma festa no seu rífulo. Ele vale
aliás segundo o contexto litúrgico da festa e sobretudo
segundo o sentido que lhe reconhece a Ig re ja (8<). O do
título da Assunção, não era ao princípio tão claro como
ültimamente.

11) A mesma norma vale para os demais lexlos e


cerimónias litúrgicas. Devem interpretar-se segundo o
espírito vivo e não segundo a letra morta, como no caso
do sentido oficial dado à fórm ula de despedida «Ite, missa
est». Deve .atender-se à posição que ocupam e ao signifi­
cado com que as usa a Ig re ja ; assim se conhece, por exem­
plo, o valor dogmático que tem no rito bizantino logo
depois da consagração, a grande prostração, cerimónia
essa que assim interpretada, dirime a controvérsia da
epiclese.

12) Nem sempre é claro o sentido dos textos. A Santa


Sé, consultada, não decidiu positivamente o sentido exclu­
sivo das expressões «perfidi judaei», «judaica perfidia»,
em Sexta-Feira Santa.
Mas pode ele tornar-se claro ou adquirir um sentido
determinado e por ventura novo, por uma decisão da
Igreja. E stá hoje bem determinada a form a do sacramento
da Ordem e as palavras essenciais dela.
O conhecimento histórico contribui para a interpre­

(« ) Cfr. supra, págs. 32-34-

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226 0 TESTEMUNHO DOS HOMANOS PONTÍFICES

tação dos textos, como diz Pio X I I ; mas não a decide,


visto que o sentido deles pode evoluir e pode mesmo mudar
de todo, como sucedeu com aquela fórm ula do Sábado
Santo que se aplicou à bênção do círio e à dos grãos de
incenso.

13) É pi*eciso atender também ao estilo litúrgico:


o que o Rito Romano, por exemplo, exprime em fórmulas
sóbrias de feição jurídica, os Ritos Orientais exprimem-no
cem exuberância de imagens.

14) A Liturgia é por sua vez, nas devidas condições


intérprete autêntico do sentido espiritual de Escriture,
como disse Pio X II.

Notemos por fim, embora de si já fora do nosso in­


tento, o valor morei e exortetivo da Liturgia. Tem-no
pelo mesmo princípio de que o tem teológico, isto é, porque
ela não é em vão; exprime a verdade doutrinal do Dogma
e exorta a edificar a verdade na vida moral. N a mente da
encíclica «Mediator Dei», a Litu rgia vivida na sua pleni­
tude, vem a ser a suma e o sumo da vida cristã.

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A R T I G O II

O arg u m en to litúrgico em outros


Sum os Pontífices

riJ VII. Alexandre III e Inocêncio IV. 3. - S. Pio V,


Sisto V, Gregório XIII, Clemente VIII, Paulo V,
Urbano VIII, Bento XIV e LeSo XIII. 4 - P i o VI.
* o :. ,v c ° “ :- v eB entoX V . 7 ,- P io X I .

I I EPOis de Pio X II, são sobretudo Pio I X e Pio X I os


^ Papas que m ais directamente se referiram ao argu­
mento litúrgico. Mas vários outros nos seus actos e escri­
tos o supõem também.

1. — Os decretos litúrgicos dos aniigos Papas que vêm


no «Liber Pontificalis», apesar da reserva que se deve ter
quanto à autenticidade desses decretos, testemunham a

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228 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTIFICES

tendência da Ig re ja para a unidade litúrgica, quanto pos­


sível (').

2. — S. G e lisio I tem peculiar cuidado com a ortodoxia


e até com a verdade histórica do que se há-de ler na Ig re ja :
devem ler-se os escritos dos Padres ortodoxos, mas não as
actas dos M ártires, de fonte duvidosa; mantém contudo o
culto de todos os m ártires, «que são mais conhecidos de
Deus que dos homens» (2). A verdade principal nesse culto
dos m ártires e de suas relíquias é Deus confessado por
eles, como ensinou João XV (3).
S. G regório Magno ordena a Liturgia Romana, mas
consente nas liturgias locais, contanto que sejam confor­
mes com o Dogma. Que se baptize com três imersões ou
com uma só, aprova o costume, porque no primeiro caso
se exprime a Trindade das Pessoas, no segundo a Unidade
da Essência (•*)■
Mas a L iturgia Romana tende a impor-se como norma
das demais. N a carta a Honorato, de Leão IV, deseja o
Papa que com o rito de Roma se conformem os outros,

( 1) f. CABROL, Liturgie — D T C 9, 795.


(*) Concilium Romanum, (an. 495), Epist. 42, « Decretalis de reci-
plendis et non recipiendis libris » 3, 4, em
— Thiel , Andreas, Epistolas Romanorum P o n tifica m .,, a S. H ilá­
rio usque a d Pelagium I f , i vol., Brunsbergae ( 1868) 459; M L 59,
160-161 ; E S 165.
( 8) Concilium Romanum, (an. 933), na canonização de S.lo Udalrico,
a primeira que se fez na Igreja — M si 19, 17 0 ; E S 342-
{*) Epistola Leandro Episcopo hispalensi. 43, em
— Menumenta Gtrm aniac histórica. Cregorii 1 Papae registnup. epis-
tolarum, 2 Vols.-, He'nolini ( 1S91-1E99) i, 57'; M L 77,497 ; B S 250.

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Ò ARGUMENTO UTÚKGICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 22Ü

mesmo nos cantos e leituras, «pois convém seguir salutar-


mente o que a Mãe e Mestra de todos não rejeita, mas apre­
cia e indissolüvelmente mantém» (5).
S. G regório VII consolida o poder efectivo do Sumo
Pontificado, empreendendo também uma extensão maior da
L iturgia Romana. É no seu tempo que ela se estabelece
definitivamente na Península Ibérica.
À competência exclusiva da Sé Apostólica reserva
Alexandre III as causas de beatificação e canonização para
que na ordenação do culto dos santos nada se faça em de­
trimento da fé (°).
Inocêncio IV ao intervir numa controvérsia entre lati­
nos e gregos, salvaguarda a unidade litúrgica nos elemen­
tos essenciais, permitindo a variedade nos acidentais (7).

3. — Pelo que respeita à Litu rgia latina, a sua unifi­


cação está na mente da reform a de Trento, expressa por
S. Pio V na edição do Missal e do B reviário. Toda a L itu r­
gia latina é, pois, unificada na L iturg ia Romana por ser
esta Ig re ja «a Mãe e M estra de todas» as ou tras; respeita-se
contudo a liberdade de conservar liturgias com antiguidade
de pelo menos duzentos anos (8). Liturgia que se mantém
duzentos anos em comunhão com a Sé Romana não é fàcil-

(6) Tomamos este texto de


PH. OFPBNHEiM, Jiist. Syst.-Hist. in Sacr. L it., 51.
(®) Cfr. Id., ibid., 52.
( ') Epist. cSub catholicae» ad Ottonem Cardinalem Tusculanum —
M si 23, 578-582; 449-457.
(8 ) s. pio v, Bula «Quod a nobis», em — B rtviarium Romanum.
— Bula «Quo primum», em — M issalt Romanum.

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230 O TESTEMUNHO DÓS ROMANOS PONTÍFICES

mente suspeita de erros. A unidade da Liturgia contudo,


quanto mais universal, mais segura garantia oferece da
unidade da fé.
É pois, entre outras razões, porque a Litu rgia «contém
a protestação da verdadeira fé» (fl) que Sisto V institui a
Sagrada Congregação dos Ritos para velar pela integri­
dade destes.
Com o fim de ir realizando o empreendimento Tri-
dentino unificador da Liturgia, impõe Gregório XIII a
toda a Ig re ja latina o Martirológio Romano; Clem eníe VIII
edita o Po ntifical Romano e o Cerimonial dos Bispos.
E quando surgem desmandos da rigorosa unidade litúrgica,
cs Sumos Pontífices intervêm, como o mesmo Clemente V III
e Urbano V III que por causa desses desmandos reeditam
expurgados, o Missal e o Breviário (10). Urbano VIII
também, unifica o uso dos hinos, e propõe o Oitavário
Romano.
Ao publicar o Ritual Romano, declarou Paulo V que a
mente é a mesma de S. Pio V e de Clemente V I I I : «que a
Ig re ja católica junta na unidade da fé sob uma só cabeça
visível o Romano Pontífice sucessor de S. Pedro, tenha
quanto possível uma só ordem ou lei de oração». E como
«todos são filhos da Ig re ja Romana, Mãe e M estra de
todas as igrejas, impõe-se por isso o Rito Romano» (“ ).

( 0) Constituição Apostólica «Immensa aeterni Dei», em — Bulla-


rium Romanum, 8, 989.
( 10) Vid. clemente viu, Breve «Cum Sanctissim um », cm — Missalc
Romanum. urbano viu, Breve «Si quid est», em — Missalc Romanum.
<ll) paulo v, Constituição Apostólica « Apostolicae Sedi», em — Ri­
tuale Romanum.

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0 ARGUMENTO LITÚRCICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 231

A mente pessoal de Benlo XIV é que pode na Liturgia


ha-ver erros históricos (’ 2). O campo do Magistério é o
camipo da fé e costumes não o da história. Contudo também
nesse campo, consoante a competência humana científica
dos que governam a Igreja, se busca a perfeição da ver­
dade toda na Liturgia. O próprio Bento X IV projectou
nesse sentido uma refundição do Calendário litúrgico e
do B reviário (13), e Leão XIII corrigiu algumas lições
históricas (“ ).

4.— N a Constituição «.Auetorem fidei», condena pio Vi


oitenta e cinco proposições do conciliábulo de Pistóia:
m uitas delas são de carácter litúrgico. Sobre essa impor­
tante Constituição Apostólica, parecem-nos essenciais estas
observações:
a) Não se condenam as proposiçõs como m aterial­
mente soam. Condena-se o seu sentido jansenista, ou me­
lhor, a suposição jansenista das proposições — o que a
Constituição aliás tem o cuidado de declarar. Algumas
poderão até vir um dia a ser realizadas pela Igreja, por
exemplo, maior simplificação da Litu rgia e o uSo da língua
vulgar que queriam os jansenistas. É esse um dos casos em
que o Papa repele propriamente não aquele desejo mas a
sua suposição jansenista, a saber: que a ordem vigente da
Liturgia provenha do esquecimento na Ig re ja dos princí­
pios por que aquela ordem se deve regular (15).
(12) Dc Servorum Dei Beatificatione et Beatorum Canonizatione,
i,4, p. 2, cap. 17, 11. 9 — Opera, 4, 564-566.
( 18) s. baumer, Histoire du Breviaire, 2, 372-401.
(U) Id., op. cit., 2, 416.
( 15) Propositio 33 — M si 38, 1269 ; E S {$33.

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232 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

b) A s proposições de carácter litúrgico são rejeita­


das, geralmente, enquanto contrárias ao costume aceite na
Igreja, ou induzido pela Autoridade eclesiástica. É sob
este aspecto que o Papa condena a doutrina que insinua
fa lta r o essencial ao sacrifício nas missas em que ninguém
assiste ou ninguém comunga (10) ; a que diz que convém
haver um só altar em cada templo, que no altar não se
devem colocar relíquias nem flores (” ) ; que não se deve
adorar a Humanidade de Cristo ( 18), nem admitir a devo­
ção ao Coração de Jesu s (10) ; que é supersticiosa a deter­
minação de certo número de preces ou acções externas
para lucrar as indulgências, cumprir penitências ou orde­
nar o culto (20), que as preces públicas hão-de ser só em
língua vulgar (21), que não se devem admitir imagens da
Santíssim a Trindade (22), nem especial culto a certas ima­
gens de preferência a outras (21) ; que não se devem distin­
guir com vários títulos as imagens de Nossa Senhora (24) ;
que aos Bispos cabe o livre direito litúrgico (25).
Como base para se interpretarem estas condenações
convém reparar no que diz o mesmo Pio V I : que «o, Igreja,
regida pelo Espírito de Deus não pode instituir uma disci-

(10) Propositio 28 — A lsi 1268; E S 1528.


( 17) Prop. 32 — A fsi 1269; ^ 1 5 3 2 .
( 10) Prop. 61 — A lsi 1264; E S 1561.
(10) Props. 62, 63 — A lsi 1274; E S 1562. 1563.
(50) prop 64 — A fsi 1274 a 1275; E S 1564.
(51) Prop. 66 — A lsi 1275; E S 1566.
(Si) Pi op. 69 — A lsi 1275; ■££ 1569.
(S3) Prop 70 — A lsi 1275; E S 1570.
(Sl) Prop. 71— Alsi 1275: E S 1571.
(SO) Prop. 74— Alsi 117 6 ; E S 1574.

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Ô ARGUMENTO LITÚRGICO EM OÜTROS SUMOS PONTÍFICES 2 3Í

plina inútil, e mais pesada do que possa suportar a liber­


dade cristã, nem perigosa, prejudicial, ou que leve à supers­
tição e materialism o» (20).
c) «A ordem vigente da Liturgia, aceite e aprovada
pela Igreja, não pode provir nem sequer em parte do
esquecimento dos princípios, com os quais ela se deve
reg er» (27). E assim por exemplo, é falso e injusto para
com a Igreja, afirm ar «que a instituição de novas festas
teve origem na negligência em observar as antigas e em
falsas noções da natureza e fim das mesmas solenida-
des» (2S).
Aqui estava um dos erros mais característicos do
conciliábulo de P istóia— o «.arqueologismo». É preciso
porém distinguir os ritos que se usaram na antiguidade
dos que se usam desde a antiguidade. Não é por um rito
ter sido antigo que ele é melhor que o moderno. N a anti­
guidade como nos tempos modernos, assiste o Espírito
Santo à Igreja. Ao arqueologismo dos de Pistóia, que pre­
fere os ritos antigos por serem antigos, opõe Pio V I insis­
tentemente a preferência pelos ritos aceites, aprovados e
usados desde antigamente (20). Estes têm mais garantia de
verdadeiros.
A estas três observações nos pareceu reduzir tudo o
que da Constituição «Auctorem fidei» para o nosso estudo
podíamos tirar.

(í8) prop. 78 — Msi 1276-1277; E S 1578.


( 27) Prop. 33 — Msi 1269; .ES 1533.
( 28) Prop. 73 — Msi 1276; E S 1573.
( 29) Cfr. pio xii, Encíclica «Mediator Dei» — .d /iS 39 (1947) 546.

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234 0 tESTEÜÜNHO DÖS ROMANOS PONTÍFICES

5. — N a Bula «In effa bilis Deus» de Pio IX, a prova


litúrgica da Imaculada Conceição, embora menos distin­
guida, parece-nos paralela nos seus traços gerais, ao argu­
mento litúrgico da Assunção de M aria na «Munificentissi-
mus Deus» de Pio X II.
O título da festa da Imaculada Conceição era em si,
desde o princípio, mais claro que o da Assunção; o seu
significado porém, na interpretação da Ig reja , era mais
duvidoso. Sisto IV ao conceder a igrejas particulares
aquela festa advertia que a Conceição Imaculada de M aria
desde o primeiro instante, não era tida como de todo certa
na Ig reja (30). Não parece que se h aja removido de todo
esta reserva essencial simplesmente com o facto de a festa
da Imaculada Conceição ter sido pouco depois estendida a
toda a Igreja,
Aconteceu porém que a mesma festa assim estabele­
cida deu ocasião a que se esclarecesse e afirm asse o dogma
com o andar dos tempos na mente dos fiéis, persuasão que
era sancionada pelo consentimento do Magistério (31) e
reforçada por certos actos da mesma Autoridade eclesiás­
tica: o dia 8 de Dezembro fez-se dia santo, deu-se-lhe oi­
tava, celebrava-se nove meses precisos antes da N atividade;
constituiu-se M aria Imaculada, Padroeira de Nações (32),
de lugares, Titular de templos, altares, associações cató­
licas; admitiram-se estatutos que prescreviam, como na
Universidade de Coimbra, o juramento de a defender;

( 30) Vid. c. SKRicoLi, Immaculata B .M . V. Conccptio iuxta Xysti I V


constitutioncs, Romae (1945 ) 70-95.
(81) Vid. pio ix, Bula clnelTabilis Deus» — C L 6, 836.
( 83) Por exemplo de Portugal e também de Espanha.

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Ò ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 235

passa a exprimir-se já claramente o mistério na Ladainha


e no Prefácio da M issa; aiceita-se na Liturgia o sentido
acomodatício à Imaculada Conceição, das passagens da
E scritu ra referentes à Sabedoria. A Santa Sé reprimira,
proibindo de ensinar e pregar, aqueleis que com a distinção
arguta entre o primeiro e o segundo momento da conceição
frustravam o verdadeiro culto prestado a M aria Imaculada.
O culto da Imaculada Conceição, tal como por fim se
celebrava, era já sinal do dogma (33), e pelo menos nas
vésperas da definição já, por meio da Liturgia, a Conceição
Imaculada de M aria «se afirm ava muito declaradamente»,
de tal maneira que neste caso «a lei da oração indicava a
lei da fé» (3‘ ). Finalmente, porque era oportuno, e, para
empregarmos expressão clássica em outro assunto, para
que os fiéis pudessem crer «com facilidade, com firm e
certeza e sem mistura de erro» (35), define-se a Imaculada
Conceição; e o dogma com os seus fundamentos teológicos
é então vasado no formulário da nova m issa e novo ofício.
Tratava-se neste caso, em resumo, de determinar o
objecto do culto da Imaculada Conceição, porque — obser­
vação importante de Pio IX — «o que pertence ao culto,
está absolutamente e intim amente ligado com o objecto
dele e não pode fic a r ratificado e fixo, se esse objecto fo r
duvidoso e ambíguo» (3C). O Magistério fixou a festa,
( 83) « . . . ipSa Ecclesia luculentissim e significavit, c u m ... publico
iidelium c u ltu i.. . proponere non dubitavit». pio ix, ibid., 837.
(»*) Vid. ibid.
(88) « . . . ab omnibus expedite, firma certitudine et nullo admixto
errore». Concilium Vaticanum, Sess. 3, Constitutio dogmatica de fide ca-
tholica, cap. 2 — C L 7,251; E S 1786.
(88) Bula « Ineffabilis Deus » — C L 6,837.

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230 Ò TESTEMUNHO í)OS ROMANOS PONTÍFICES

fixando-lhe o objecto extraordinária e solenemente pela


definição dogmática; e já antes se podia dizer fixo pelo
exercício ordinário do mesmo poder, ao menos, com apro­
vação implícita.
Importa, pois, muito, saber distinguir o que é que no
culto se pode dizer «ratificado e fixo» ou, por outra, pro­
priamente «lei de oração». Passagens houve em livros da
própria Liturgia Romana que, se não estivessem já supri­
midas, não condiriam com o Dogma, hoje m ais escla­
recido (37). Tais passagens não podiam dizer-se «ratifica­
das e fixas» com a estabilidade de «lei de oração». Corres­
pondiam no seu tempo a opiniões que então não estavam
condenadas na Ig re ja ; ao passo que o que fo r estabilizado,
sinal é de que corresponde ao sentir permanente da Ig re ja
in falível. Mas qual o critério para discernir então na
L itu rg ia o que é estável? Nem sempre isso se pode saber

(OTt Do Breviário Romano foi suprimido um trecho indevidamente


atribuído a S. Jerónimo, onde se punha em dúvida a Assunção corporal de
Maria. Cfr. j. krnest, Um die Delinierbarkeit der leiblichen Himmelfahrt
Mariã, em — Zeitsch rift f ü r Theologie u n d Seelsorge, 4 (1927) 329.
Do Pontifical Romano do século XIII, desapareceu uma rubrica que
afirmava a conversão do vinho no Sangue de Cristo pelo contacto com a
Hóstia consagrada. Cfr. x. andrieu, Im m ixtio et consecratio. L a consécra-
tion f a r contact dans les documents liturgiques d u tnoyen-âge, 15 1.
Recentemente, no Pontifical em vigor foram as rubricas no rito d a cola­
ção das Ordens ajustadas ao que fora disposto na Constituição Apostólica
«Sacramentum Ordinis» [4.45 40 (1948) 5] e suprimiram-se nas Rubricas
gerais aquelas palavras que já referimos (Vid. supra, págs. 218-219) e Pel°
menos para as ordenações a partir da Constituição, nem como opinião pode­
riam ficar: «Moneat ordinandos quod instrumenta, in quorum traditione
character im frim itu r, tangant». Cfr. A A S 42 (1950) 448.

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só pela Liturgia, mas pode constar também extrinseca-
mente por declaração explícita ou im plícita da Igreja.

6. — A Litu rgia deve conter o mais essencial da fé,


visto que «o verdadeiro espírito cristão» tem, segundo
Pio X, que ser «haurido na sua prim ária e indispensável
origem, que é a participação activa dos santos mistérios e
da oração pública e solene da Igreja» (3S).
E Bento XV, na Bula com que apresenta o Breviário
Braca/rense, reconhece na L itu rgia um conjunto praticar
mente completo dos dogmas: «Extrai-se, com efeito, das
várias liturgias, em admirável consonância, contra as here­
sias, a fé acerca de quase cada um dos dogmas da Igreja
católica: daí que os Teólogos tenham reconhecido nas
liturgias uma abundante fonte teológica, donde a doutrina
da Ig re ja profusamnte se declara» (39).

7. — Dos textos de Pio XI, os mais importantes para


nós são a Constituição Apostólica «Divini cultus», e a E n ­
cíclica «Quas primas».
N a Constituição «D ivini cultus» temos apenas teste­
munho de princípios muito gerais que podem orientar e
confirm ar pelo menos, observações já feitas. Depois de

( ® ) Motu proprio «Tra le sollecitudini» — 36 (1903-1904) 331


É neste «Motu proprio» que o Sumo Pontífice enuncia os que podía­
mos chamar principios teológicos da Música Sacra e em primeiro lugar do
Canto Gregoriano. Pode com efeito, sem cair cm exageros, explorar-se o
interesse teológico, moral e ascético especialmente do Canto Gregoriano.
Vid., neste ser.tido, d. delalaki>e, Le chant grégorien, em — In itiatio n Tbio-
logique, 1, 236-261.
(*>) «Sefdis huius Apostolicae », em V Breviaritent Qracarenst.

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238 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

dar e explicar a noção de Liturgia, dizendo que por ela


testemunhamos a nossa fé» (40), enuncia logo duas con­
clusões : há uma conexão íntima entre o Dogma e a Litur­
gia, e entre esta e a santificação do povo (41).
Podemos dizer que a Encíclica «Qttas prim as» assenta
toda ela naquelas duas conclusões. Institui-se a festa de
Cristo Rei, para nela exprim ir o dogma da realeza de Cristo,
e para por meio dela santificar a sociedade cristã. J á
observámos noutro lugar (42), que era esta a linha directriz
do pensamento da Encíclica.
Mas o que mais -de perto nos interessa é a relação que
têm na Encíclica o dogma da realeza de Cristo com a L i­
turgia. Em consequência de v ir expresso na Escritura, era
já esse dogma, diz a Encíclica, proclamado na Litu rgia sob
diversas form as e expressões, na antiga salmodia e sacra-
mentários, e na missa actual, tanto no rito latino como nos
orientais, de tal maneira que também neste caso era pa­
tente que m lei da oração estabelecia a lei da fé» (43).
Porque se instituiu então uma festa especial? Porque
as festas litúrgicas, melhor do que quaisquer outros do­
cumentos, são meio apto para a divulgação do Dogma. Os
outros documentos só chegam em geral aos eruditos, e ainda
nestes só lhes atinge a inteligência; as festas litúrgicas

(w ) « . . . per eam. . . , fidem nostram testamur » — A A S 2 1 (1919) 33.


(M) «Hinc intima quaedam necessitudo inter dogma et Liturgiam
sacram, itemque inter cultum christianum et poputi sanctificationem» —
A A S 21 (1929) 33.
(taj Vid. supra pág. 116 .
<«*) AAS : 7 (<92's) 598.

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0 ARGUMENTO UTÚRGICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 239

influem em todo o povo cristão, nas suas mentes e na vida


toda (“ ).
O que faz nascer as fesitas é a oportunidade delas, ou
seja a sua necessidade ou utilidade para o povo cristão;
instituíram-se as dos M ártires, nos tempos das persegui­
ções, para que fossem «exortações ao martírio» (45) ; as
dos outros Santos e de Nossa Senhora pelos frutos que
produzem; algumas de Cristo, em reacção contra as here­
sias, como a festa do Corpo de Deus e a do Coração de
Jesu s (46).
Ora chegara o momento oportuno que reclamava a
festa de Cristo Rei — a época do laicismo. Ainda que
várias outras festas incluem no seu objecto material a
realeza de Cristo, nenhuma tem como objecto form al a
Jesu s Cristo Rei. Por isso instituiu-se a festa especial (4T).
Neste sentido ou aspecto prático da «Quas primas», é
que, julgamos, se há-de entender uma frase de Pio X I dita
em uma audiência privada, e que depois foi posta a cir­
cular: «A Liturgia, disse o Santo Padre,... é o órgão mais
importante do Magistério ordinário da Ig r e ja ...; não é o
ensinamento de tal ou qual, mas é o ensinamento da
Igreja» (48).

( « ) Ibid., 603.
(tó) s.to agostikho, Sermo 47 de Sanctis, citado na Enciclica —
A A S 17 ( 19 2 5) 604.
( « ) Ibid.
( « ) Ibid., 60S.
(4®) Em audiência de 12 de Dezembro de 1935 concedida a Dom B.
Capelle, O. S. B., Abade coadjutor de Mont-César.
Vid. B. Capelle, Le Vrai Visage de la Liturgie, em — Cours et Confé­
rences dés Semàirfes Liturgiques, Lou'vain, 14 (1937) .236-358.

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240 O TESTEMUNHO DOS BOMANOS PONTÍFICES

Vários outros testemunhos de Pio X I se têm aduzido,


de carácter também privado ou menos oficial. Porque são
desse género, e porque nada mais nos parecem acrescentar
não os tratamos aqui (40).
N a Encíclica «Miserentissimus Redemptor-», diz ainda
Pio X I que além dos documentos dos Sumos Pontífices, é a
Liturgia mesma um testemunho de que a reparação tem
lugar principal na devoção ao Santíssim o Coração de
Jesu s (50). Mostra isso mesmo dizendo que Cristo se queixa
pela Litu rgia da falta de reparação actual. O texto que

(<8) Podíamos no entanto enumerar, desse género, os seguintes do­


cumentos de Pio X I :
1) A Bula clnter multíplices gravesque curas* com que apresenta o
Missal Bracarense, em — M issale Bracarense. Nela diz que «os missais
foram sempre tidos em grande conta como monumentos da piedade cristã e
da remota antiguidade, nos quais a Ig reja afirm a a sua f l viva».
2) Carta enviada em nome de Sua Santidade pelo Cardeal Pacelli ao
Cardeal Minoretti Arcebispo de Génova, por ocasião do I Congresso Nacio­
nal Italiano de Liturgia, reunido em Génova, de 27 a 29 de Novembro de 1934.
Vid. o texto da carta em — Ephtmerides Liiu rgicae, 49 (19 35) 56-57.
3) Resposta por intermédio do Cardeal Pucelli ao telegrama enviado
ao Santo Padre, no primeiro dia do Congresso de Génova, 27 de Novembro
de 1934. Vid. o texto dessa resposta em— R ivisia L itu rgica, 21 (1934) 355.
4) Carta enviada em nome do Santo Padre pelo Cardeal Pacelli ao
P. Gemelli, por ocasião de uma nova publicação litúrgica popular. Vid. o
texto da carta em — R ivisia L itu rgica, 21 (19 3 4 ) 380.
5) Resumo textual da audiência concedida a Dom B. Capelle, Abade
Coadjutor de Mont César, a 12 de Dezembro de 1935. Vid. 0 texto em —
Questions L iturgiques et poroissiales, 21 (19 3 6 ) 4.
6) Autógrafo de S. S. Pio XI enviado a Dom B; Capelle, depois da
audiência de 12 de Dezembro de 1935. Vid. — Questions L iturgiques .et
paroissiales, 21 { j 936) 3.
( » ) A A g z o l i y t f ) 174-

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 241

cita é da E scritu ra (fll), o qual escolhido pela Ig reja para


antífona do ofertório da missa do Coração de Jesus, re­
veste um sentido mais pleno dado pela Liturgia, a que
chamaríamos o seu sentido litúrgico. É ele aqui insinuado
por Pio X I ; já vimos que a ele se referiu depois também
Pio X II (” ).
Recolhamos agora todos estes testemunhos dos Sumos
Pontífices nas conclusões que deles podemos tirar.

8. — Conclusões

1) Primeiramente, como um princípio muito geral


em que assenta a TEORIA sobre o argumento litúrgico, uma
instituição disciplinar universal na Ig reja , não pode ser
prejudicial nem mesmo inútil pelo que diz respeito à fé e à
moral (Pio V I). Trata-se daquilo que se deve ter como
«ratificado e fixo» no culto ou seja propriamente «lei de
oração» (Pio I X ) . É que ao estabelecê-la e conservá-la, não
pode a Ig re ja esquecer os princípios que hão-de regei* essa
instituição (Pio V I).
Daí a máxim a garantia das instituições de longa du­
ração r.a Igreja. Os costumes antigos não valem por terem
vigorado na antiguidade; valem pelo seu carácter de insti­
tuição e permanência desde a antiguidade, pois trazem con­
sigo o peso da aprovação contínua da Ig re ja (Pio V I).

2 ) Um dos fundamentos dõ Direito Litúrgico, é a


protestação da fé contida na Litu rgia (Sisto V ).
|«l °S. 68.21.
t®l Encíclica «Divino amante» — A A S 35 (19 4 31 3 1 1 , V iJ. supra,
pág. 213.

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242 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

3 ) A Liturgia é o órgão principal do Magistério


ordinário da Ig re ja (Pio X I ) .
Quando os Bispos tinham o exercício do direito litúr-
gico nas suas dioceses, as liturgias tinham o valor de Ma­
gistério dessas dioceses; o conjunto delas era sinal da fé
comum. A Romana tinha a sua superioridade.
O exercício do direito litúrgico está hoje reservado ao
seu detentor supremo, a Sé Apostólica, e a Liturgia Ro­
mana é hoje moralmente universal na Ig re ja unida. É a
L iturgia Romana .portanto o órgão principal do Magistério
universal do Sumo Pontífice. A s liturgias particuUvres,
como especificamente aprovadas pelo Papa, são hoje insti­
tuições do Sumo Pontífice e órgão do seu M agistério ordi­
nário para essas porções da Igreja. Mas a L itu rgia é o
órgão principal não como o mais definitivo doutrinalmente
— é mais decisiva uma definição dogmática, uma Encí­
c lic a — mas como o mais apto para instruir e educar cris­
tãmente o povo, e particularmente o é o Ano Litúrgico
(Pio X I ) . A Litu rgia contudo, como fonte essencial da
vida cristã (Pio X ) tem que conter pelo menos o essencial
ao Dogma. Contém mesmo praticamente o testemunho de
todos os dogmas contra as heresias (Bento X V ).
4 ) Insinua-se o valor moral e pedagógico da L itu r­
g ia (Pio X I ) . É fonte indispensável do verdadeiro espírito
cristão (Pio X ) .
5 ) A s leituras, no seu carácter doutrinal ou moral
usadas na Liturgia, são em princípio seguras, pois só se
devem ler os escritores ortodoxos (Gelásio I) . O seu valor,
porém, puramente histórico não é, de si, garantido pelo

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS SUMOS PONTÍFICES 243

M agistério, que acerca dele não recebeu de Cristo compe­


tência directa. Pode portanto haver erros históricos na
Liturgia. A Igreja, contudo, procura empregar nesse
campo a sua competência humana, científica (Gelásio I,
Bento X IV , Leão X I I I ) .
Quando, porém, já parecesse que se pretendia levar à
prática da moral por caminhos de mentira histórica, isso
seria imoral ; a Ig re ja teria obrigação de intervir, e inter­
vém de facto oportunamente, de tal modo que consciente­
mente não se usem meios formalmente im orais para fins
honestos.
6) No culto dos Santos, há da parte da Ig re ja o
cuidado de nada perm itir com detrimento da fé (Alexan­
d re I I I ) ; a verdade principal desse culto não consiste
precisamente em facto histórico, pois é m ais referente a
Deus, do que aos Santos (Gelásio I, João X V ).
7 ) A unidade da Liturgia é bom indício e meio de
m anter a unidade da fé. No essencial é necessária (Ino­
cência I V ) ; no acidental é ainda conveniente para o mesmo
fim (Paulo V ). Por isso ela se tem procurado na medida
do possível (Papas do «L iber Po ntificalis», Gregário V II,
Inocêncio IV , S. Pio V, Clemente VITI, Paulo V, Ur­
bano V III). Pode haver outros aspectos que não permitam
fàeilmente esta unidade acidental, como havia no tempo de
S. Pio V com respeito a algumas liturgias ocidentais; e
pode até por esses motivos ser na prática, mais conve­
niente a variedade, como acontece com as liturgias orien­
tais, que por reiteradas declarações dos Papas, há intenção
de conservar. Mas nas diferenças consentidas a liturgias

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244 0 TESTEMUNHO DOS ROMANOS PONTÍFICES

particulares, requere-se ou que exprimam outras verdades


do Dogma, ou as mesmas de outra maneira (S. Gregário I,
Inocêncio IV ).

8) Liturgias particulares que se mantiveram du­


zentos anos em comunhão com Roma, não deve fàcil-
mente presumir-se que contenham erros de fé e costumes
(S. Pio V ).

9 ) Pelo que toca ao recto USO da Liturgia como


argumento, e à INTERPRETAÇÃO particularmente das festas,
é preciso sobretudo determinar bem o seu objecto. Muitas
verdades poderão estar incluídas no objecto material, como
a realeza de Cristo em várias festas antigas (Pio X I ) .
O que im porta principalmente é definir o objecto form al
da festa.

10) Determ inar esse objecto form al, é coisa fácil no


caso de uma declaração expressa da Santa Sé. Está nesse
caso a festa de Cristo Rei, e agora após a definição dogmá­
tica e o novo ofício e missa, a da Imaculada Conceição e da
Assunção de M aria. Não é fácil porém durante o pro­
gresso dogmático, porque juntamente com este, sem mudar
materialmente a Liturgia, progride e pode modificar-se o
seu sentido formal. Assim acontecia com as festas da
Assunção e da Imaculada Conceição, antes das definições
•dogmáticas.
No primeiro caso, são as festas óptimo instrumento
de proclamação da doutrina (F io X I I ) ; no segundo, são
favorável ocasião de progresso na investigação e conheci­
mento do Dogma (Pio IX , Pio X I I ) .

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c a p It u lo V

O TESTEMUNHO DOS SANTOS


PADRES

E n t r e os Santos Padres foi, sem dúvida, S.to Agostinho o


*iue se tornou mais célebre 110 uso do argumento litúrgico.
Foi com ele precisamente, que fez, contra o pelagianismo, a
'defesa do Dogma, uma das mais brilhantes na história da
Igreja. Vamos, pois, estudar à parte e em primeiro lugar,
o testemunho de S.r° Agostinho tanto mais que dele depende
«i doutrina do Indículo que já analisámos (’ ). Passaremos
depois cm revista testemunhos de outros Santos Padres,
«a impossibilidade de uma análise de cada um.

Será, pois, esta a divisão do capitulo:

Artigo I — O argumento litúrgico em S .t0


Agostinho
1
Artigo II — O argumento litúrgico em outros Santos Padres.
t 1 ) Vid. supra, pigs. 9 8 -111.
k. fedeker, L itu rgic und Glaube, 10-41: investiga o Autor o funda­
mento do argumento litúrgico do Indículo, e encontra-o em S.to Agostinho.

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ÁRTI GO 1

O arg u m en to litúrgico
em S .to A go stin h o

Os ritos lltúrglcos. 1. — O argumento da


persuasAo dos fieis e o argumento litúrgico.
2. — Na primeira fase anti-pelagiana: o bap­
tismo. 3. —Na segunda fase anti-pelagiana :
os ritos baptismais dos exorcismos e exsu-
As orações lltúrglcas. I. — O pelagianismo
e a necessidade da graça. 2. — O argumento
das orações da Igreja. 3. — A base deste
argumento.
IV — Conclusões.

argumento, não dissertou sobre


^ ^ a n t o A g o s t i n h o u so u o
^ a teoria dele. E sta é que nós procuraremos extrair
daquele uso (2). Seguiremos, por ordem, o argumento
— de Tradição em geral,
— o dos rilos de Igreja, e
— o das orações lilúrgicas.
(*) F.mbora o aspecto formal, que focamos, do pensamento de
S.to Agostinhopossa parecer novo, o uso do argumento litúrgico neste
Santo Padre, é bem conhecido, e tem sido tratado, por exemplo, pelo citado
k. federer, L itu rgie und Glaubc, e pelo apreciável estudo de
g. mArtil, L a Tradición en San Agustin.

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

1— 0 a rg u m en to da T ra d içã o em g e r a l

Julião de Eclana negava o pecado original por irra­


cional e absurdo. S.10 Agostinho prova que não é irracional
nem absurdo, porque, se não consta pela razão, consta pela
fé catóiica, que longe de ser contrária à razão, é fonte de
conhecimento ainda mais segura (3). É pois a fé católica
uma fonle de conhecimento. E sta mesma base se assentou
muito depois também, no Concílio do Vaticano 0 ).
A fé católica, é para S.l° Agostinho um conjunto de
verdades depositadas na Igreja. Aquilo que não é fornecido
pela razão e é mantido na Igreja, sempre, em toda a parte
e por todos, sinal é de que pertence àquele depósito da
fé (B), pois «a Ig re ja não aprova, nem cala, nem faz coisa
que seja contra a fé ou vida honesta» (6). Requer afinal
S.*° Agostinho aquela mesma universalidadade de lugar,
de tempo, e de pessoas, expressa no conhecido princípio de
S. Vicente de Lerins sobre a Tradição — «o que é acredi­
tado por todos, sempre e em toda a parte» (7). S. Vicente

( 3; Contra Iulianum, 6, 11 — M L 44, S/S.


(M Sess. 3, cap. 4 — C L S, 248; E S 1795.
(8) De Bnpismo contra Donatistas, 4, 31 — M L 43, 17 4 ; C S E L
5 1, 259. Cfr. Contra Iulianum , 6, 11 — M L 44, 82S.
(6) «Ecclesia quae sunt contra fidem, vel bonam vitara, nonapprobat,
nec tacet, nec facit». Epist 55 (ad inquisitionemIanuarii), 35— M L 33,
221-222.
(?) «Quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est».
Commonilorium, 1 , 2 — M L so, 639.

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0 AKGUMENTO UTtjRGICO EM SANTO AGOSTINHO 248

de Lerins aliás, segundo hoje se sabe, depende muito de


S.40 Agostinho (8).
O conjunto das verdades da fé está todo contido na
e s c r i t u r a e na t r a d i ç ã o oral dos Apóstolos e sob a vigi­
lância e cuidado da S É a p o s t ó l i c a , desenvolve-se o conhe­
cimento delas que vão m anifestar-se no testemunho dos
PAD RES, dos CONCÍLIOS, do MAGISTÉRIO DOS BISPO S, das
p r á t i c a s e o r a ç õ e s litúrgicas, e da PERSUASÃO d o s f i é i s .

Interessa-nos ver particularmente como os Htos e


•orações litúrgicas testemunham, segundo S.10 Agostinho,
<a fé da Igreja. É com os actos da Litu rgia que ele esta­
belece o dogma do pecado original; e com as orações, o da
necessidade dos auxílios da graça.

II — O s r ilo s litú rg ico s

S.l° Agostinho quando argúi com as práticas litúrgi-


gicas, enlaça por vezes um no outro o argumento do con­
sentimento das f iéis, e o da L iturgia. É que estão mutua­
mente conexos e são recíprocos; mas, em si, são distintos.

1. — Com a persuasão dos fiéis prova S .10 Agostinho a


necessidade do Baptismo e a existência do pecado original.
Mas, para que esse argumento possa utilizar-se, precisa de

Cl'r. i. mvdüz — E l concepio de Tradiciôn en San Vicente de L e­


rins, Roma, 1933; e mais pròpriuniente: — Excerpta Vincenfii Lirincnsis,
Madrid, 1940.

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25Ö 0 TEãTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

estar contido nestas condições que não deixem escoar-se o


seu valor, e que o Santo Doutor bem soube estabelecer:
— que se trate de uma questão de tal m aneira funda­
mental e rudimentar, que não possa ignorá-la a
massa do povo cristão ( ° ) ;
— que aquela persuasão seja absoluta, total e uni­
versal (,0) ;
— que esteja sancionada, pelo menos tacitamente, pelo
consentimento da Ig re ja (n ).
É esta terceira condição afinal, a fonte do seu valor.
Mas o argumento, como se vê, fixa-se na voz da massa
universal da Igreja, ou, em termos escolásticos, na voz da
Ig re ja materialmente tal. O argumento litúrgico porém,
como veremos, sintoniza também com a voz da Igreja, mas
da Ig reja form almente tal, quer dizer, no que ela tem de
específico — o seu culto oficial. É pois um argumento
m ais fino, de ordem m ais elevada. Foi a grande arm a de
S.“» Agostinho nas lutas pelagianas.

2. — Negavam os pelagianos o pecado original. O génio


profundo e arguto de S.10 Agostinho lançou mão de um

(0) c . . . quia non esl talis quaestio quae possit etiam cognitionem
lugere populärem*. Conira lulianum, i , 3 1 — M L 44, 662 ; rfr. op.
cit., 2, 36 — M L 44, 699.
( 1°) « . . . Quasi parva sit eius assertio quod in hoc fidei firmissimo
et antiquíssimo fundamento ipsa toto orbe diffusa non a se discrepet multi-
tudo». Op. cit., ï , 32 — A IL 44, 662.
(H) » . . . et non eis in Ecclesia dicitur : auferte hinc innocentes
istos». De peccatorum meritis, ï , 23 — M L 44, 1 2 2 ; C S E L 6o, 2 3 ; cfr.
Sermo 176, 2 — M L 38, 950.

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ô Argu m ento lit ú r gic o ém santo agóstínhò

argumento simplicíssimo e de carácter popular — o bap­


tismo das crianças (12). Se não !h á pecado original, que faz
o baptismo das crianças? Que é o que ele lava? Em bora a
disciplina usual fosse nos primeiros séculos baptizarem-se
os catecúmenos, adultos, contudo, em perigo de vida por
exemplo, «a mãe corria com o filhinho a baptizá-lo à igreja,
e a Santa Madre Ig re ja recebia-lho para o lavar» na sua
fonte baptismal. «Que há que dizer contra este testemunho
de tão grande Mãe?» (13). «Sempre assim procedeu a
Igreja» ( M) e «nunca disse àquelas m ães: retirai daqui
estes inocentes» ( 15).
Trata-se pois, de uma questão de fé, não de razão
humana. Se não vem clara na Escritura, se não foi posi­
tivamente prescrita pela Igreja, por exemplo em um Con­
cílio, e ela contudo é asseverada pela prática constante e
universal da Ig re ja infalível, não há, segundo S.*° Agos­
tinho, não pode haver outra origem senão a Tradição
apostólica (10).
A doutrina do pecado original pertence portanto à

( ls ) Cíí. Enchiridion, 51 — M L 40, 256.


( 18) Sermo 2 9 3 ,10 — M L 3 8 ,1 3 3 3 ; cfr. Scrmo 1 8 3 ,1 —M L 38, 992;
Strm o 174, 7-9 — M L 38, 943-944.'
(14) Sermo 176, 2 — M L 38, 950.
( 15) De pcccatorum merit is, 1 , 23 — M L 44, 12 2 ; C S E L 6o, 23.
(t®) « . . . multa non inveniuntur in litteris eorum [scl. Apostolorum]
neque in conciliis posterorum, et tamen, quia per universam custodiuntur
Ecclesiam, nonnisi ab ipsis tradita et commendata creduntur». De baptismo
contra donatistas, 2, 12 — M L 43, 1 3 3 ; C S E L 51, 18 7; cU. De pcccato­
rum meritis, 1, 39 — M L 44, 1 3 1 ; C S E L 60, 3 8 ; De Genesi ad litteram,
10, 39 — M L 34, 426; De baptismo contra donatistas, 4, 9 . 3 1 ; 5, 31 —
M L 43, 1 5 9 .1 7 4 . 1 9 2 ; C S E L 5 1, 2 32 .2 5 9 .2 8 9 .

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252 0 TESTEMUNHO SOS SANTOS PASRES

revelação pública, promulgada pelos Apóstolos. Temos á


prova na prática do baiptcsmo da.s crianças. Foi este o
estandarte de combate, que S.10 Agostinho nunca arreou
•na contenda, mas defendeu até o fim.

3. — O argumento era muito simples e muito lúcido.


Os pelagianos buscam o subterfúgio de uma distinção:
o baptismo é necessário cie facto, mas para a inserção em
'Cristo, a qual nos constitui com Ele herdeiros do céu; não
p ara lavar o pecado original, que não existe (” )• Entra
S.to Agostinho na segunda fase da luta e argumenta ainda
com o baptismo, e sempre na mesma form a simples e clara.
Se não há pecado original e a alma não nasce sob o
jugo do demónio, que querem então dizer na administração
do baptismo os exorcism os e as exsuflações? Esse ritual
é «falso ou enga/nadon; palavras e acções «em vão», pois
nada existe do que elas querem significar ( 18).

(tf) «Sed illi movent et aliquid consideratione ac discussione dignum


videntur ufferre qui dicunt párvulos recenli vita editos visceribus matrum
non propter rcniittendum peccatum perciperc buptismum, sed ut spiritalem
procreationem habentes, creentur in Christo . ..» De peccatorum meri-
tis, 1,23 — M L 44, 1 2 1 : C S E L . 60,22.
( 18) <Falsam igitur vel fallacem tradi parvulis baplismulis formam
in qua sonaret ntque agi videretur, c-t tamen nulla fieret rcmissio peccato­
rum». De peccatorum mertíis, 1, 63 — M L 44, 14 6 ; C S E L 60,63-64;
cfr. Epist. 2 17, 1-7 — M L 33, 978-1)81; C S E L 57, 403-408.
Poderão parecer neologismos os vocábulos exsu flar, exsu/lação, que
faltam em bons dicionários e vocabulários da lingua portuguesa. São regis­
tados, contudo, por exemplo no G rande Dicionário da Lingua Portuguesa
de António de morais silva, 10 ed., Lisboa, 1948. Parecem-nos, com efeito,
necessários para exprimir o que em latim quer significar S.<o Agostinho por

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0 ARGUMENTO LITÚRCICO EM SANTO AGOSTINHO 253

Não seria só vã a Igreja, mas também criminosa nos


seus rito s: cometeria a irreverência sacrílega de exorcizar
e assoprar imagens vivas de Deus, se nas crianças recém-
-nascidas nenhum influxo houvesse diabólico que possa ser
exorcizado ( 10).
Está pois em causa, não só a autoridade, mas também
a santidade da Ig re ja toda, na sua completa universalidade
de pessoas, de espaço e de tempo (20). Mas os mistérios ou
ritos da Ig re ja são a demonstração de que as crianças
recém-nascidas trazem o pecado original, do qual são liber­
tadas pela graça de Cristo
Nem só a razão, por conseguinte, é fonte de conheci­
mento; também a fé. E um lugar teológico onde esta fé se
encontra professada, é sem dúvida a prática dos ritos da

exsuflare, exsuflatio e não podiamos traduzir por insu flar, insuflação,


O mesmo rito material de assoprar, pode formalmente ter duas significações
opostas: no rito baptismal c exsuflado do catecúmeno o demónio; no dia
de Páscoa insuflou Cristo nos discipuU.s o Espírito Santo (Cfr. Ioan., 20, 22).
( 10) Opus imperfcctum, 2, : S 1 — M L 45, 1220; cfr. op. cit. 1 , 5 0 : 1 7 ;
2 .12 0 .2 2 4 : 3> '-»4: 4 . 7 : 5-64- - M L 45. 1073- 112 5 .1 14 2 .2 4 1.130 5.
1343.1606. Vid. ainda op. cit., 3 ,1 9 9 ; 4 .7 7.10 8 ; 6 , 2 3 — M L 45, 1333-
1383.1404.1557.
(K>) < Ac sic accusat [scl. lulianus] Ecclcsiam toto orbe diffusam in
qua ubique omnes baptizandi infantuli, non ob aliud exsuflantur, nisi ut ab
eis princeps mundi eiiciatur foras». De nupliis et concupiscentia, 2, 3 3 - »
M L 44 .4 53: C S E L 42,286-287; vid. op. cit., 2, 50-51 — M L 44,465-466;
C S E L 42, 305-308; Contra Iulianum, 3, 8 — M L 44, 705.
(21) «Ipsa, inquam. sanctae Ecclesiae sacramenta satis indicant pár­
vulos a partu eliam recentissimos per g atiam Christi de diaboli servitio
liberari». De g ra tia C hristi et de peceato originali, 2,45 — M L 44, 408;
C S E L 4 2 ,2 0 3 ; cfr. De nuptiis et concupiscentia, 1, 22 — M L 44, 427;
C S E L 42, 235-236.

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254 0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

Ig re ja (22). É ela um critério da fé, comum a todos: aos


rudes, e aos eruditos eminentes e respeitáveis como S.to
Ambrósio, os quais «como os pelagianos seriam expulsos
também da Igreja», se não aceitassem esses ritos e esse
critério simples da fé (2S).
Para S.‘° Agostinho, portanto, são claras estas três
co isas:
— Por toda a Igreja, em toda a parte e em todos os
tempos costumam baptizar-se as crianças: são
exorcizadas, exsufladas, lavadas.
— Em crianças sem uso da razão, tais ritos só têm
sentido se nelas há qualquer coisa que exorcizar,
que exsuflar, que lavar, ou seja, o pecado original.
— Logo existe o pecado original.
O que ele supõe necessariamente nesta argumentação
e o diz, é:
a) Além do conhecimento pela razão há o Conheci­
mento pela fé.
(H) € Sed etsi nulla ratione indagetur, nullo sermone explicetur:
venim tamen est quod antiquitus veraci Rde catholica praedicatur et creditur
per Ecclesiam totam, quae filios fidelium nec exorcizaret, nec exsuflaret, si
non eos de potestate tenebrarum, ct a príncipe mortis erucret». Contra
Iulianum, 6, 11 — M L 44, 828.
(*») «Si ad causam venire voluisses [scl. tu, pelagiane] cur bapti-
zandi et exsuflentur et exorcismo mundenlur, ibi apertissime, non solum
eruditis, verum etiam idiotis catholicis christianis novus haereticus appare-
res». Opus imperfeclum, 3, 182 — M L 45, 13 2 3 : cfr. op. cit., 3, 124; 5,9
— M L 45, 1300. 1438.
«Si fieri prohiberet [scl. exsorcizare] Ambrosius, vobiscum de Ecclesia
catholica pellerelur». Op. cit., 4, 12 0 ; M L 45, 1 4 14 ; cfr. op. cit., 4, 108 —
M L 45, 1404; Epist. 194 (Sixto presbytero Romano, 43-46 — M L 33, 889-
-890; C S E L 57, 210-213,

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM SANTO AGOSTINHO 255

b) E sta consta da Escritu ra e da Tradição dos


Apóstolos.
c) Uma instituição da Ig reja toda, referente à fé,
não é em vão; é infalível. Se não consta da Escritura, se
não consta que seja instituição eclesiástica, tem que ser
Tradição apostólica.
d) Entende e admite aqui a Tradição teoiogica,
mesmo que não se conheça nem haja a par a tradição
histórica.

III — As oraçfies litúrgicas

1. — O pelagianismo não afirm ava apenas a bondade


radical da natureza humana, sem pecado original e por
isso sem necessidade da infusão da graça no baptismo.
Ia m ais longe: a mesma naítureza humana tinha em si a
capacidade integral de adquirir a fé , de pem everar nela
sem o auxílio sobrenatural de Deus, e sem incorrer em
faltas veniais, e por conseguinte os justos não precisavam
do perdão de Deus. Nem a boa intenção de oposição ao
pessimismo maniqueu, adverte S.‘° Agostinho, justificava
este excesso pelagiano, pois com ele se opunham às orações
da Ig re ja (2í)-
(**) Contra duas epis tuiaspelagianorum, 4,17 — M L 44,621; C S E L
60, 540-541; cfr. Opus imperfectum, 6, 41 — M L 45, 1606; Epist. 217
(Vitali Carthaginensi), 1 — M L 33, 978: C S E L 57, 403; Depeccatorum meri-
tis, 2, 2.6 — M L 44, 1 5 1.1 5 4 ; C S E L 6o, 72. 7 6 ; De natura et g ratia, 39
— M L 4 4 ,2 6 6 ; C S E L 6 0 ,261-262; Contra Iulianum , 3 , 2 ; 4 , 1 5 —
ML 44. 7o2 • 744-

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

2. — J á para provar a necessidade da graça santifi-


cante, argumentava S .10 Agostinho não só com as cerimó­
nias baptismais, mas também com as fórm ulas que as
acompanham. Aqui, para provar a necessidade da graça
actual, argumenta com os textos das oroções em que ela se
suplica.
Lança mão também do argumento mais popular, que
vem a ser o mais simples e o m ais fo rte : «não precisa neste
caso a Ig reja de estudos muito trabalhados e discutidos;
basta atentar nas suas orações diárias. Pede ela que os
incrédulos creiam : Deus portanto converte à fé. Pede que
os crentes perseverem: logo Deus dá a perseverança até
o fim» (L5).
Diz ainda S .10 Agostinho: «Oxalá... [os pelagianos]
de tal modo atendessem — ou não atendessem — às nossas
dissertações, que rcflectisem antes nas suas orações que
sempre teve c há-de ter a Ig re ja ... Pois a este respeito
nunca a Ig re ja se calou nas suas orações, muito embora,
por não terem surgido adversários não tenha exposto
esta doutrina na pregação... Não oraria a Deus para pedir
a fé ... e a perseverança... se não cresse que é Deus quem
as dá... Se a Ig re ja julga que ela a si mesma as pode dai’,
são então coisa vã e não verdadeira as suas orações, o que
para nós é absurdo» ( ,;).
E quase no fim do livro que estamos citando conclui:
'«poderá então dizer que a Ig reja nunca incluiu na sua fé
esta verdade [da predestinação]... aquele que ouse a fir­
m ar que ela nunca orou, ou não orou com veracidade para
(íS| De dono perseverantiae, 15 — M L 45, 1002.
(») Ibid., 63 — M L 45, 10 3 1.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EH SANTO AGOSTINHO 257

que os infiéis cressem e 03 fiéis perseverassem» (27).


Orando assim, diz noutro livro, «procederíamos absoluta­
mente em vão, se não crêssemos justificadamente» (28), que
Deus nos pode dar 0 que pedimos.
Parece que S.*° Agostinho se refe ria a orações con­
cretas e conhecidas. Em gerai é das orações litúrgicas que
fala, e das do estilo das orações litânicas a que 0 Indículo
também aludia (20).
Que também os justos têm pecados — as faltas veniais,
que aliás não fazem perder a graça — prova-o ainda a
oração da Ig re ja que nos lábios dos justos pede assim
constantemente: «perdoai-nos as nossas ofensas» (30). Não
é de argumento escriturístico que se trata, mas de Tradi­
ção, ou seja, da prática da oração da Ig re ja (31).
A mente de S .10 Agostinho nesta parte da contenda,
■foi persistentemente a mesma. Quando contra ele reagi­
ram os semi-pelagianos no Sul das Gálias, escreveram-lhe
(J7) Ibid., 65 — M L 45, 1032.
(W) «Quod prorsus faceremus in a n iler nisi rectissime crederemus.. .»
De g r a tia et libero arbitrio, 2 9 — M L 44, S9S; D e praedestinatione
sanctorum , 22 — M L 44, 976; De n a tu ra et g ra iia , 62 — M L 44, 277;
C S E L 60, 278-279.
( » ) Confira-se com os textos acabados de cilar, a «secreta» que
ainda hoje vem no Missal Romano, no Sábado depois do IV Domingo da
Quaresma: « .. .e t ad te nostras etiam rebelles compelle voluntates».
f 80) « . . .et sancta Gcclesia etiam in talibus suis membris ubi macu­
lam criminis et rugam non habet falsitatis, licet contradicente superbia vestra,
non desinil Deo dicere: dimitte nobis debita nostra» Contra lu lia n u m ,
4, 29 — M L 44, 753.
(91) «Ecce veniet hora orationis, oratura est tota Ecclesia: et tu
quidem foris es; veni ad trutinam, veni, dic: Patcr noster qui es. iu cuelis».
Sermo 18 1, 6 — M L 38, 981.

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

Próspero e Hilário a dizer que ali se estranhara a novi­


dade da doutrina sobre a predestinação e o começo da
fé. Foram estas notícias as que provocaram os dois livros
de S.to Agostinho «De praedestinatione sanctorum» e «De
dono perseverantiae» (32) e neles responde simplesmente:
não são novas estas doutrinas; estão nas orações da
Igreja.

3r — Sempre assim arguiu e a veracidade dos ritos e


orações da Ig re ja eram na contenda o ponto assente e indis­
cutível. Se poi-ém, ainda fo ra da contenda buscássemos
mais fundo a base desta veracidade, não seria difícil des­
cobrir este pensamento de S.to Agostinho: os ritos e ora­
ção litúrgica são actos do Cristo místico — a L itu rgia vem
a ser o culto do Cristo místico. Dentro do seu âmbito pró­
prio, não poderá errar nem agir em vão: «quer baptize
Pedro, quer baptize Judas, Jesus é quem baptiza» (33). A s
vozes que se ouvem nós Salmos são para S.*° Agostinho
também, as vozes de Cristo místico — de Jesu s e da sua
Ig re ja (M).

(82) Vid. Epist., 225 e 226 — M L 33, (002-1012; C S E L 55,


454-481.
(88) «Petrus baptizet, Iudas baptizet; hic [scl. Iesus] est qui baptizat»,
In Ioannem, 6, 7 — M L 35, 1428.
(at) E narrationes in Ps, 59, x — M L 36, 715.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM SANTO AGOSTINHO 259

I V — Conclusões

A s conclusões que deste estudo podemos tirar são im­


portantes. Trata-se de um dos grandes Padres da Igreja,
e precisamente numa controvérsia em que ele a representa,
e em que o argumento litúrgico é a arma de defesa.
A Ig re ja aprovou expressamente a doutrina defendida por
S.*" Agostinho, e a consagrou nos Concílios. A argumen-
ção com as palavras do Pai Nosso, por exemplo, vimos que
a fez sua o Concílio X V I de Cartago, aprovado pelo Papa
S. Zósimo, e também o de Trento. Com proposições de S.'°
Agostinho, está elaborado em grande parte o texto do
Concílio de Orange.
A doutrina contida no Indículo que teologicamente se
deve dizer da Sé Apostólica, vem a ser a doutrina de S.to
Agostinho. A form a de a apresentar é-o também. Lá, como
nos textos de S.to Agostinho, se argúi com fórm ulas das
orações litânicas, com os ritos baptismais, exorcismos e
exsuflações, e se diz que tais orações e ritos não podem ser
em vão, «perfunctorie», e que se assim se ora, assim se
'há-de crer.
Nem deve deixar de se ter em conta, o talento pessoal
de S .10 Agostinho, sobretudo quando todo ele se emprega
numa argumentação não subtil, mas simples, clara e
popular.
Parece-nos pois, que do uso que S.to Agostinho fez do
argumento litúrgico se podem tirar conclusões valiosas.

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADBES

1) E primeiro, quanto à TEORIA geral, convém assen­


tar como base na doutrina de S.to Agostinho, que além da
razão, temos outra fonte de conhecimento — a fé calólica,
ou seja, o conjunto de verdades reveladas. Encontra-se
esta fonte na e s c r i t u r a e na t r a d i ç ã o oral dos Apóstolos.
Sob a vigilância da s é a p o s t ó l i c a , sobrenaturalmente
assistida, manifesta-se nos c o n c í l i o s , no m a g i s t é r i o o r d i ­
n á r io , na l i t u r g i a , na persuasão dos f i é i s , nos s a n t o s
PADRES.

2 ) A L itu rgia é pois, um lugar leológico onde se


manifesta, vivida nos actos e expressa nos textos, a fé
católica. Se a Liturgia fo r da Ig re ja universal, usada em
toda a parte, sempre e por todos (universalidade de lugar,
de tempo e de pessoas), tem no campo próprio, de fé e
costumes, uma autoridade irrefragável, porque ela vem a
ser o proceder e a voz da Ig re ja formalmente tal.
a) É este argumento superior em qualidade ao do
consentimento dos fiéis, ou seja, da Igreja, materialmente
considerada. Quando os fiéis, em questão sempre rudi­
mentar, têm uma persuasão absoluta, total e universal, a
Autoridade da Igreja, se pelo menos não se opõe, quer
dizer que consente, pois dadas aquelas circunstâncias teria
de falar se dissentisse.
b) Aquele testemunho litúrgico universal, é mais
valioso que o de um Santo Padre que tem de o aceitar e
que seria expulso da Ig re ja se o não aceitasse.
c) É um «lugar teológico» em geral simples e aces­
sível a todos.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM SANTO AGOSTINHO 261

3 ) N a base deste argumento assim considerado está,


a garanti-lo, a infalibilidade da Ig re ja universal naquilo
que ela, como tal, diz e faz em m atéria em que tem essa
prerrogativa de infalibilidade — a m atéria de fé e costu­
mes. Nessas condições a Ig re ja não pode falar nem agir
em vão: poria em jogo a sua veracidade e santidade.
M ais profundamente, segundo S.to Agostinho, essa
infalibilidade tem as raízes no Corpo místico de Jesus
Cristo. Actos e palavras do Cristo todo que é a Igreja, na
Litu rgia terão que ser santos e verdadeiros.
Trata-se da Litu rgia propriamente dita, que recebe a
sua força da autoridade que nela tem direito. No tempo de
S.l° Agostinho, o exercício d'o direito em Litu rgia não era,
como hoje, exclusivo da Santa Sé. É portanto hoje mais
fácil de averiguar o que é litürgicamente universal.

4 ) Há dogmas que se proclamam, porque surgiram


adversários que os negaram. A L itu rgia vive serena­
mente, também a fé que não se negou. A ela se poderá
recorrer com êxito, simplicidade e brilho, quando surjam
os erros, como procedeu S .10 Agostinho contra o pelagia-
nismo.

5 ) Mais em particular, os ritos da Ig re ja universal,


em matéria de fé e costumes, segundo o sentido como os
entende a massa dos fiéis (parte m aterial), e como é aceite
pela Ig re ja (aspecto form al), são norma segura e infalível
de doutrina revelada, ou certa. É que uma vez que o objecto
desses ritos não consta pela razão, nem claramente pela
Escritura, nem por declaração expressa da Igreja, não

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262 0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

tem outro fundamento senão a Tradição oral apostólica,


pois a Ig re ja é nesse caso, in falível, e o campo dessa in fa­
libilidade é a revelação pública que termina nos Apóstolos
e aquilo que necessariamente está em conexão com ela.
A prática de tais ritos é garantia da verdade do seu
objecto e do que com ele está necessariamente conexo.
S .10 Agostinho arguia com o baptismo das crianças, e
com os exorcismos e exsuflações do rito baptismal.

6 ) A s oraçõ es da Ig re ja têm um valor em tudo pa­


ralelo ao dos ritos. T rata S .10 Agostinho da oração prati­
cada na Igreja, e muito declaradamente da oração litúrgica
do sacerdote ao altar. É a essa que dá sobretudo valor.
Argúi directamente com o facto de que se fazem tais sú­
plicas; não com análises do texto. Quer dizer, argúi com
o sentido que lhes dá a Ig re ja ; com o espírito, não com a
letra. É sempre o que importa: — o objecto tido em vista
pela Igreja.

7 ) Daí a importância do que chamámos HERMENÊU­


TICA da Litu rgia para a APLICAÇÃO do argumento litúrgico.
Neste campo é preciso atender primeiro ao que quer dizer
ou significar a Igreja, ou por outra é preciso focar o
objeclo. Os ritos secundários no mesmo acto litúrgico
ajudam à interpretação do rito principal. A S.to Agosti­
nho os exorcismos e exsuflações declararam melhor o
significado do baptismo.

8) É necessário verificar depois, se o assunto é de


fé eco slum es. E qual o critério? Não se encontra exclusi-

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Ò AftGUBÍÉNTO LITÚRGICO EM SANTO AGOSTINHO 263

vãmente dentro da Liturgia. Nem será fácil determiná-lo


completamente. De S.to Agostinho tiramos esta norma:
quando um assunto expresso na Litu rgia não consta pela
razão, nem pela Escritura, nem por declaração explícita
da autoridade eclesiástica, por exemplo em Concílio, sinal
é de que pertence à Tradição, não à tradição histórica, que
pode não coexistir, mas à Tradição teológica, que está su fi­
cientemente garantida pelo testemunho da Ig re ja na sua
Litu rgia.

9 ) A Litu rgia tem este valor relativo: acto ou ora­


ção litúrgica universal, são testemunho da Ig re ja univer­
sal ; acto ou oração litúrgica particular são testemunho de
igreja ou igrejas particulares. Pode pois dizer-se que
S . to Agostinho equipara o lu g a r feológico l i t u r g i a , ao
lugar teológico a u t o r i d a d e d a i g r e j a .

10 ) Em m atéria de fé e costumes, a qualificação das


proposições, incluídas nos ritos e orações litúrgicas da
Ig re ja universal, depende pois da form a como a Igreja
neles as considera: se como coisa de fé, isto é, de uma
maneira clara e óbvia, como verdade professada e vivida
por ela, serão proposições de fé ; se como doutrina corrente
católica, serão doutrina católica; se como coisa certa,
serão doutrina certa; se como coisa provável, serão dou­
trina provável. A absolvição a distância, e a absolvição
ao moribundo sem sentidos, praticadas na Ig re ja como de
provável eficácia, são um argumento da probabilidade
dessa eficácia.

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

11) O consentimento universal das diversas litur­


gias tem mais valor que o consentimento geral dos Teólo­
gos, e ainda, que o dos Padres. Teólogos e Padres, são
nesse caso, um sinal unânime do M agistério da Ig re ja ; as
liturgias, são a voz mesma da Igreja.

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A R T I G O II

O arg u m en to litú rgico em


outros San to s P ad res

I — Nos Padres Apostólicos. Didaclié, S. Cle­


mente e S.to Inácio de Antioquia (século /).
II — Nos Padres A p o lo g ista s e Polemistas.
1. —S Justino, S.to Ireneu. 2. —Tertulinno e
S. Cipriano. 3. —Orígenes, Novncinno, S.to Aw-
násio, S.to Optato de Milevo, Eusébio, S.to Hilá­
rio, Mário Vitorino (séculos ll-IV).
III - Nos Padres Dogmáticos. I. - S. Bnsillo.
2. —S. Cirilo dc Jerusnlém, Teodoro de Mop-
suéstia e S.to Ambrósio. 3. —S. João Crisós­
tomo e S. LeSo Magno. 4. —S. Jerónimo, S.
Próspero de Aquitánia, S. Vicente de Lerins.
5. — O Pseudo-Dionísio, S.to Isidoro, fAmalário
e Estrabão - século IX]. 6. — Leôncio Bizan­
tino, S. João Damasceno (séculos IV-VIII).
IV — Conclusões.

I Á que não nos podemos deter na análise de cada um dos


Santos Padres e outros escritores eclesiásticos da
época patrística, vejamos ao menos como é comum entre
eles considerarem a Litu rgia como um testemunho do
Dogma. Faremos essa observação
— nos Padres Apostólicos,
— nos Padres Apologistas e Polemistas, e
— nos Padres Dogmáticos.

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26è 6 TÉSTÉMIÍNIIO DOS SANTOS PADRES

Poderá este artigo insinuar investigações que se pos-


saih fazer em alguns deles e dar m atéria para algumas
conclusões do conjunto.

I — N os P a d re s A p o stó lico s

Fizemos já menção noutro lugar das leis litúrgicas da


Didaché que exprimem a fé cristã e a distinguem da ju ­
daica. Dissemos juntamente que S. Clem ente Romano e
S.to Inácio de Antioquia reivindicam nas suas cartas a
autoridade do Bispo em Direito Litúrgico, com o fim de
manterem os fiéis na comunhão do culto e da disciplina, e
na unidade da fé. (').

II — N os P a d re s A p o lo g ista s e P o le m ista s

1. — J á mencionámos também o testemunho de S. Jus-


tino, que para m anifestar aos imperadores pagãos o essen­
cial da fé católica, lhes revelou o essencial da L itu rgia (2).
S .'° Ireneu, como a generalidade dos Padres, para
demonstrar a Santíssim a Trindade e a Divindade de Cristo,
apela para o rito baptismal, a form a do sacramento e o

( 1) Vid. supra, pág. 129.


( 2) Vid. supra, pág. 130.

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0 ARGUMENTO LITÚRCICO ÉM OÜTROS SANTOS PADtlÉS 26?

símbolo que se recita lios actos rituais preparatórios do


baptismo, e para outras fórm ulas (3).

2 . — Para Terfuliano tem particular importância a


Litu rgia como testemunho da Tradição ( ')•
Do sacramentalismo cristão conclui o valor da m atéria
contra os gnósticos (5) ; com as fórm ulas como a do
baptismo, comprova a Santíssim a Trindade (°). Reconhece
na L itu rgia um testemunho da fé das ig rejas (7) ; com o
que se diz na Liturgia do ágape eucarístico, se alimenta
essa fé (8).
É a Litu rgia meio apto também para os hereges espa­
lharem e alimentarem a heresia, como fez o gnóstieo Va-
lentim através de hinos litúx’gicos (°). Particularmente o
que Tertuliano escreveu sobre o baptismo (10), tem inte­
resse para o estudo litúrgico e teológico do baptismo e da
Confirmação.
Além de Tertuliano, foi muito principalmente S. Ci-
priano na Ig re ja de Á frica precursor de S.10 Agostinho no

(8) Vid. Adversus hocreses, i, i o — M G 7, 549.


Demonstratio pracdicalionis evangelicae, 3-4, 6-7.
(<) Vid. k . fedkkeu, L itu rgie und Glaube, 75-103.
( 5) Id., op. eil., 78. Vid. Adversus Mareionem, I, 1 4 . 2S — M L 2,
261-262.278-280; C S E L 47, 308. 3:9 . De carnis ressurectione, 8 — M L 2,
S06: C S E L 47, 36-37.
(U) Adversus Mareionem, 4, 9 —M L 2, 374-377 ; C S E L 47, 440-444.
(7) Apologeticum, 35 — M L i, 451-459.
(•) cl'idem sanctis vocibus pascimus». Ibid.,39 — M L 1, 532.
( 9) De carne Christi, 17 — M L 2, 781.
(10) De baptismo — M L 1, 119 7-12 2 4 ; C S E L 20,201-218.

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0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

emprego do argumento litúrgico (” ). Do sacramentalismo,


como Tertuliano, argúi também contra os gnósticos, o
valor da matéria. P ara S. Cipriano porém, que não usa
muito da Tradição, o fundamento probatório é que a «Li­
turgia é a expressão da presença viva do Espírito na
Igreja» (12).
No livro que escreveu de comentário ao Pai Nosso (13)
expõe a doutrina que essa oração encerra. Este livro fo r­
neceu também a S.10 Agostinho a força dos argumentos
com as orações da Igreja, das quais ele se valeu contra os
pelagianos: a oração subjectiva da Igreja, não é acto vão;
o objecto, portanto, expresso nos termos das orações da
Igreja, tem valor real, quer dizei-, é uma verdade como as
que S. Cipriano desentranhou da oração dominical (14).
De um modo geral, aponta S. Cipriano, como a expres­
são e o distintivo tanto da Ig re ja verdadeira como da cis­
mática e da herética, o altar e a oração, ou se ja a L itu r­
gia ( !!i). E assim, pela interpretação que ele dava ao inter­
rogatório, prévio ao baptismo, pretendia comprovar a
invalidez do baptismo dos hereges (,0).

(11) Vid. K. FBDERER, L itu rgie und Glaube, 59-74.


( 12) Id., op. cit., 62.
(13 ) De dominica oraíione — M L 4, 519-543; C S E L 3, 265-294.
(M) s .to Agostinho — E pist. 215 (Valentino eiusque monachis), 3
— M L 33, 972; C S E L 57, 390; De g ratia et libero arbítrio, 26 —
M L 44, S97.
( 15) «Hostis altaris, adversus sacrificiuin Christi re b e llis... audet
aliud altare, precem alteram illicitis vocibus facere». De catholicae Eccle-
siae unit ate, 17 — M L 44, 515 ; C S E L 3, 226.
(1B) Epist. 70, 2, — C S E L 3, 768. Ein M L^,^o% , vem referência a
esta carta mas não o texto dela.

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0 ARGUMENTO UTÚRGICO EM OUTROS SANTOS FASBES 269

. 3 . — O rígenes encontra também na Litu rgia teste­


munho da Santíssim a Trindade (17) e da Divindade de
Cristo (1S). Igualmente N oveciano, pelo que se refere à
Divindade de Cristo (10).
N as lutas arianas em que heróica e vitoriosamente
se bateu S .10 Átanásio, já vimos como se agitavam os
textos litúrgicos trinitários (20), e contra os donatistas
citámos o testemunho de S.'° O pialo de Milevo, sobre a
liturgia ortodoxa (-1)-
Referimos já a propósito da influência dos hinos li­
túrgicos na fé do povo o testemunho do historiador Eusébio
e de S.to Hilário (22). Também o autor africano Fábio
Mário Vilorino, do século IV, opõe aos arianos uma fór­
mula litúrgica que se usava na m issa nas igrejas de
África (23).

III — N os P a d re s D o g m á tico s

1. — Precioso nos parece o depoimento deS.Besílio.


Duas são para ele as fontes do Dogma — a E scritura ea
Tradição litúrgica, ambas com igual autoridade. Refere-se,
é claro, naquele tempo, à Tradição litúrgica divino-apos-
(U) £)e oratione, 15, t — M G 1 1 , 465.
( 1B) Contra Celsum, 8, 67 — M G ix, 16 17 .
(I9) De Trinitatc, 14 — M L 3,939.
(»>) Vid. supra, págs. 133-134-
(->l) Vid. supra, pág. 132. Cfr. k. fsusrek, L itu rgie und Glaube, 54-58.
( » ) Vid. supra, págs. 13 1-13 3 .
(28) Adversus Ariutt, 1, 47 — M L 8, 1077.

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270 O TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

tólica. E is as suas p alavras: «Dos dogmas e ensinamentos


conservados na Igreja, uns temo-los da doutrina posta por
escrito, outros, entregues a nós no ministério sagrado, os
recebemos da tradição dos Apóstolos; uns e outros têm a
mesma eficácia para a piedade, e ninguém os contradiz...
A s palavras da invocação, quando se perfaz o pão eucarís­
tico e o cális de bênção, qual dos santos no-las deixou por
escrito?... Benzemos também a água baptismal e o óleo
da unção e ainda, aquele que é baptizado; e por que
Escrituras?» (2J). Há pois para S. Basílio a Tradição
iitúrgica divino-apostólica que tem o mesmo valor da
Escritura.
M as reconhece também o valor de autoridade pura­
mente eclesiástica da L iturgia. Um canto litúrgico lhe
serve de testemunho da Divindade do Espírito Santo que
nele se louva juntamente com o Pai e o Filho. Não sabe
dizer quem é o autor deste cântico; mas ninguém tem por
ímpio o povo quando o canta e isso basta (25).

2. — Têm um interesse de conjunto, outros Padres,


mais ou menos contemporâneos, que deixaram escritos de
importância capital para a Teologia do culto cristão dos
primeiros tempos. Entre eles S. Cirilo de Jerusalém com
as suas «catequeses», por exemplo a 23.* (28), em que faz
uma explicação das cerimónias da missa.
T eodoro de Mopsuéstia, reabilitado modernamente do
campo suspeito onde o lançaram as suas responsabilidades

(M) De S p irit u Santo, 27, *6 — M G 32, 188.


(K ) Ibid., 29 — M G 32, 205.
(*6) A 5.* das Mistagógicas — M G 33, 1109 -1128 .

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS SANTOS PADltES 271

no nestorianismo, contém nas «Homilias catequéticcbs»,


matéria importante de Teologia litúrgica. P ara ele o sim­
bolismo sacramental assenta essencialmente no princípio
de sabor platónico, de que a Litu rgia visível é fig u ra da
invisível. Diz expressamente que «todo o sacramento ou
mistério litúrgico é indicação em sinais e símbolos, das
coisas invisíveis e inefáveis» (27), e cita a Carta aos He­
breus a qual, por sua vez, na Liturgia do Antigo Testa­
mento vê a figu ra do futuro (28).
N a mesma categoria de obras capitais para a Teologia
do culto nos primeiros séculos dò Cristianismo está o tra­
tado de S.'° Ambrósio, «De mysteriis» (2D) e o atribuído
ao mesmo Santo Padre, «De sacm m entis» (;,°). Fizemos já
referência ao recurso de S.to Ambrósio aos hinos litúrgicos
para a defesa do Dogma (31). No seu conceito de oração,
inclui a confissão dos louvores divinos por onde ela em boa
ordem deve começar (3-). É pois a oração, antes de mais,
uma profissão de fé nas verdades divinas.
(*7) Catequese 12 ( i .a sobre o baptismo), 2, em
— Thiodort de Mopsueste, Homélies cathichitiqucs (trad. de r . tox-
REAU, O. P.) 325.
(*S) Hebr., 8, 5 ; 10, 1. Cf. d -nielou, Liturgie et Théologie, em
— Reeherches de Science Religieusc, 37 (1950) 6,15-616.
( 29) M L 16, 389-410. — Ambroise de M ilan, Des Sacrements. Des
mystères (Texte critique, traduction et introduction de Dom Botte) «Sources
Chrétiennes », Paris, 1950.
( ® ) M L 16, 417-462. — Vid. op. cit.
( 81) Vid. supra, pág. 133.
(82) De Sacramenlis, 22-24 — M L 16, 459-460;
De instituiione Virginis, 8 — M L 16, 307.
Vid. k . federer, L itu rgie und Glaube, 43- 54, sobre o argumento litúr­
gico em S.1» Ambrósio.

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272 0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADBES

3. — Também a Litu rgia é uma fonte doutrinal para


os Santos Padres oradores como S. Jo ão Crisóstom o (33) e
S. Leão Magno (31) claro e profundo na exposição do
dogma contido nas festas do ano litúrgico, e nas alusões
que faz às vezes aos ritos litúrgicos.

4. — Mas entre os Santos Padres merece-nos especial


atenção S. Jerónim o. Tal como S. Basílio, coloca a par da
autoridade da E scritura a da Tradição litúrgica divino-
-apostólica, a propósito da confirmação (3‘ ). Mas dá o
correspondente valor também aos usos litúrgicos espon-
tâneamente nascidos e mantidos na Igreja, como o das
festas dos Santos. A esse propósito foi S. Jerónimo talvez
o primeiro apologista da Liturgia na defesa que sustentou
do culto dos Santos contra Vigilâncio (36).
5. Próspero de Aquitânia, nas lutas contra os semi-
pelagianos, perfilhou a doutrina e os processos de S.to
Agostinho. Nomeadamente na elaboração do Indículo,
pois já dissemos que se lhe atribui, e num texto muito
paralelo, no livro «De vocatione omnium gentium» (37) que
também se diz ser dele.
N as duas linhas gerais clássicas do campo da fé, cla-

(88) vid. por exemplo, Homilia iS — M G 6 i, 527-528.


(84) Vid. por exemplo, Sermo 3 :, 1 (i.° da Epifania) — M L 54, 235.
(85) «An nescis, etiam ecclesiarum liunc esse morem, utbaplizatis
postea manus imponantur, et ita invocetur Spiritus Sanctus ? Exigis ubi
scriptum sit? In Aclibus Apostolorum. Etiamsi Scripturae auctorítas non
subesset, totius orbis in liac parte consensus instar praecepti obtinet».
Dialogus contra Lucifcrianos, 8 — M L 23, 164.
( 8«) Contra Vigilantium — M L 23, 339-352.
( 87) De vocatione omnium gentium, 12 — M L 5 1, 664.

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0 ABGUMENTO UTÚRGICO EM OUTROS SANTOS PADRES 273

ramente traçadas por S. Vicente de Lerins— a autoridade


da lei divina e a tradição da Ig re ja católica— fàcilmente
se reconhece im plícita a L itu rgia naqueles elementos «que
em toda a parte, sempre e por todos foram aceites» (38).

5. — No livro «De Ecclesiatica Hierarchia», impor­


tante p ara a interpretação da Liturgia, m ostra o Psevdo-
-Dionísio a tendência necwplatónica p ara entender o culto
terrestre como imitação do celeste (30). J á vimos a mesma
tendência em Teodoro de Mopsuéstia.
Mas, em parte também pelo desconhecimento das ori­
gens históricas dos ritos, alastra a tendência para inter­
pretação alegórica. No Ocidente são nesse gosto o «De
Ecclesiasticis O fficiis» de S.'° Isidoro de Sevilha (*°), e
uma exposição da m issa galicana falsamente atribuída a
S. Germano de Pai~is ( " ) , e depois no século IX m ais de-
senvolvidamente, Amalário (42). Desvia-se do exclusivismo
simbólico a importante obra de Valfredo Estrabão, no
mesmo século IX ( ,3).
I 88) « . . . duplici modo munire fidem suam . . . primum scilicct divi-
nae 1eg<s auctoritute, tum deinde Ecclcsiac calholicac traditione. , . In ipsa
item catholica Ecclesia magnopere curandum est, ut id teneamus, quod ubi-
que, quod semper, qtiod ab omnibus crédit um est ».
Commonitorium, 2 — M L 50, 63g.
Vid. k. FEDERER, L itu rgie und Glaube, 110 - 12 1.
( ® ) M G 3, 1 19-5S4.
(<0) M L 83, 737-S2O.
( « ) M L 72, SS-gS.
(<2) «De Ecclesiasticis O fficiis» — M L 105, 985-1242.
«De ordine antiphonarih — M L 105, 12 43-1316.
( M) De ecclesiasticarum rerum exordiis et incrémentis — M L 114 ,
919-966.

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274 0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

6. — Tornando aos Padres Gregos, já nos referimos


também áo testemunho de L e ô n c io B iz a n t in o , que se
insurgiu contra as alterações nestorianas feitas na L itu r­
gia da m issa (“ ).
A estrénua defesa que fez S. Jo io Damasceno contra
os iconoclastas é uma defesa da Litu rgia do culto dos
Santos, e fundada nesse uso da Ig re ja (<s).

IV - C <

1) Ficámos, naturalmente, longe de caracterizai* a


Teologia litúrgica de cada Padre. Parece-nos porém que a
nossa observação pode insinuar a ideia de estudos especia­
lizados de interesse, sobre o argumento litúrgico em P a ­
dres como por exemplo S. Cirilo de Jerusalém , S .10 Arrvbró-
sio e o escritor eclesiástico Teodoro de M opsuéstia; em
S. Jerónim o, em S.to Optato de Milevo, em S. Cipinano e
em Tertidiano.

2 ) Do conjunto observado, no entanto, podemos em


ordem à TEORIA geral, reconhecer conforme com a tradição
dos Padres da Igreja, a tendência moderna para apreciar
o valor teológico da Liturgia, ou seja, para considerá-la
como «fonte teológica» de valor.

3 ) A Liturgia é distintivo da religião que a exerce


(Dida>ché, S. Justino, S. Cipriano, Leôncio Bizantino).

{**) Vid. supra, pág. 135.


(15) Adversas tos quisacras imagines abiiciunt — M G 94, 1231-1420.

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O ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS SANTOS PADRES 275

4 ) A Liturgia católica é, pois, um testemunho da fé


da Igreja, portanto uma «fonte teológica» muito à mão.
Garantem a segurança deste testemunho:
a) a Tradição divino-apostólica, naqueles elementos
da Litu rgia que se sabe, segundo a expressão de S. Vicente
Lerinense, terem-se usado sempre, em toda a parte, e por
todas as ig re jas; neles tem a Liturgia uma autoridade
igual à da Sagrada Escritura, embora nesta não se encon­
trem (S. Basílio e S. Jeró n im o );
b) a Tradição puramente eclesiástica, legitimamente
estabelecida assegura também o valor da L itu rgia (S. B a­
sílio e S. Jerón im o), e a razão funda desta garantia é a
que dá S. Cipriamo; a presença do Espírito Santo na
Igreja, ou seja, a infalibilidade da Ig reja universal nas
suas instituições.

5) São também na devida proporção, as liturgias


particulares, testemunho da fé das igrejas particulares
(Tertuliano).

6) Havendo tão íntima relação entre ó Dogma e a


Liturgia, testemunha ela em primeiro lugar os dogmas
fundamentais. Assim verificam os Santos Padres o da
Santíssim a Trindade, e o da Divindade de Cristo.

7 ) É a L itu rgia um meio ajpto para a difusão da


doutrina, sobretudo nos elementos em que o povo participa,
como é o canto dos hinos (Eusébio, S .10 H ilário, S .to Am -
brósio).

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276 0 TESTEMUNHO DOS SANTOS PADRES

8) Quanto à IN TERPRETAÇÃO da Liturgia, aquela


norma de que a L iturg ia terrestre é uma imitação da
celeste, temo-la aqui em Teodoro de Mopsuéstia que alude
à Epístola aos Hebreus, e vemo-Ja também no Pseudo-
-Dionísio.

9 ) O sentido alegórico da Litu rgia presta-se a arbi­


trariedade. Pode porém em alguns pontos ser convencio­
nalmente determinado e reconhecido pela Igreja. É nesse
caso que tem valor. Deve isto ter-se em vista na interpre­
tação da Litu rgia da Idade Média, como na que deu S .t0
Isidoro e o Pseudo-Gennano e na dos tempos earolíngios
sobretudo, em que a interpretação alegórica era mais fre ­
quente e quase exclusiva, como em Am alário.
Deve, porém, ter-se também em conta para a interpre­
tação completa dos ritos, o conhecimento histórico deles.

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C A P IT U L O VI

O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

P ara sc d e t e r m in a r o v a lo r d o a r g u m e n t o lit ú r g ic o em
T e o lo g ia , m u it o c o n t r ib u ir á s a b e r c o m o t e m s id o e le u s a d o
a t é h o j e p e lo s T e ó lo g o s . I n v e s t ig a r e m o s p r im e ir o c o m o o
u t iliz o u o príncipe d e t o d o s e le s . O m é t o d o d is c u r s iv o e
e s c o lá s t ic o q u e c a r a c te r iz a a s u a v a s t a o b r a p o d e m le v a r a
su p o r q u e q u a s e n e m s e s e r v iu d o s d a d o s p o s it i v o s d a L i t u r ­
g ia . V e r e m o s q u e n ã o fo i b e m a s s im ; a p r e s e n to u -a m u it a s
v e z e s , c o m o a o s o u t r o s t e s t e m u n h o s da T r a d iç ã o (*)•

( 1) Cfr. h. HERiNG, De loco thcologico Liturgiae apud S. Tliomam, em


— Pastor bonus, 5 (19 4 1) 456-464.
m. PROCAcciANTi, L e x orandi-lex credendi, (MS Romae) 39-41.
PH. oppENHEiu, Instit. Syst.-H ist. in S a cr. L it., 7, 98-106.

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276 0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

D e p o is , r e s t r i n g ir - n o s - e m o s d e n t r o d o s lim it e s e in t e n ­
ç õ e s d e s t e e s tu d o , a a lg u n s a p o n t a m e n t o s a p e n a s d e v á r io s
outrosTeólogos q u e u s a r a m o a r g u m e n t o lit ú r g ic o e d i s s e r ­
ta r a m sob re e le . P oderem os a s s im s u g e r ir in v e s t ig a ç õ e s
p a r t ic u la r e s , e tir a r d o c o n j u n to d a s n o s s a s o b s e r v a ç õ e s p a r ­
c ia is a lg u m a s c o n c lu s õ e s j u s t a s .

D iv id im o s p o is o c a p it u lo , c o m o o s a n t e r io r e s :

A r t ig o I — O argumento litúrgico em S. Tomás


A r t ig o TI — O argumento litúrgico em outros Teólogos.

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ARTIGO I

O arg u m en to litúrgico
em S. Tom ás

s u m Ar i o :
1. - Costume da Igreja e rites litúrgicos. 2. —Tex­
tos litúrgicos. 3. — Festas litúrgicas. 4. — Oficio
do Corpo de Deus. S. — Conclusões.

/ / /A fé, diz S. Tomás, é causa e princípio da reli-


gião» (2). No fundo, portanto, do exercício do
culto hão-de estar as verdades da fé. Mas costumam elas
aparecer também à superfície. Para estas é que S. Tomás
aponta muitas vezes na sua argumentação (3).
(*) In Bottium, Dt Trinitatc, 3, 2.
(8) «Sed contra est quod Ecclesia celebrai.. . » S. Th., 3, q. 27, a. 1 ;
« . . . sed contra est quod secundum ritum Ecclesiae. . . » S. Th., 3,
q. 68, a. 7 ;
«Sed contra est, quod in collecta dicitur...» S. Th., 2-2, q. S2, a. 4 ;
3. q- 73. “ ■ «•
« . . . dicitur enim in collecta.. . » S. 7’//., 3, q. 3 1, a. 5 ; q. 373, a. 2.
« ...c o n tr a quod in praefatione cantatur...» S. Th., 1, q. 28, a. 2.
« . . . et hoc etiam patet ex ipso modo quo Ecclesia utitur in orando.. . »
i 1. Th., 2-2, q. 83, a. 4.
« . . . secundum illud quod cantat E c c le sia ...« Th., 3, q. 2, a. 5;
cfr. q. 25, a. 4.

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0 TESTEMUNHO DOS TEÓI.OGOS

1. — «O costume da Igreja, diz o Doutor Angélico,


tem uma autoridade máxima a qual deve ser sempre em
tudo preferida, pois a própria doutrina dos Doutores cató­
licos é da Ig re ja que recebe autoridade; portanto deve-se
estar m ais pela Autoridade da Ig re ja do que pela autori­
dade de um Agostinho, de um Jerónimo, ou de qualquer
outro Doutor» (4).
Ora prática ou costume essencial na Ig re ja é a L itu r­
gia. Nos ritos litúrgicos estão expressas e comprovadas
muitas verdades da fé.
«Segundo o rito da Igreja, os que vão ser baptizados
declaram que pedem da Ig re ja o baptismo. É assim que
eles declaram a intenção de receber o sacramento» (5).
A form a da consagração do vinho é a que convém, porque
assim a usa a Ig re ja (c). A form a da Extrema-Unção é
deprecativa, como se vê no costume da Ig re ja Romana que
só a usa nesses termos (7).
A liturgia dos defuntos comprova a existência do
Purgatório (s). Da prática das Ladainhas conclui-se que
Deus é quem concede, e os Santos intercedem, pois, à San­
tíssim a Trindade pedimos «que tenha piedade de nós», aos

(4) «Maximam habet nuctoritatem Ecclcsiae consuetudo, qune est


semper in omnibus aemulandn: quia et ipsa doctrina cntholicorum Docto-
rum ab Ecclesia aucloritatem habet ; unde magis stnndum est auctoritati
Ecclesiae, quam auctoritati vcl Augustini, vcl Hieronyini, vcl cuiuscumque
Doctoris» .£ Th., 2-2, q. 10, a. 12 .
(0) Ä 77;., 3, q. 58, a 7.
(0) S. Th., 3. q. 78, a. 3, ad 1.
( 7) Suppl., q. 29, a. 8.
(8) Opusculum de rationibus fid e i, 9.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM S. TOMÁS 281

Santos «que orem por nós» (e). É nesse sentido que deve­
mos invocá-los (l0).
Contra os que diziam que Cristo só se fazia presente
na hóstia uma vez terminada a consagração do vinho,
prova S. Tomás que realmente se faz presente logo após as
palavras da consagração do pão: «de outra forma, diz, se
aí não estivesse já o Corpo de Cristo, pecaria o sacerdote
ao elevar a hóstia logo depois das palavras da consagração
para o povo a adorar, pois induzi-lo-ia assim à idola­
tria» ( ” ).
Sohre o valor doutrinal dos rilos litúrgicos em geral,
expõe S. Tomás o seu pensamento quando discute várias
questões da Litu rgia da A ntiga Lei (*2). Assim como o
corpo está ordenado para Deus mediante a alma, assim o
culto externo está em função do culto interno; ora este
culto tem o seu fundamento no conhecimento da verdade;
os ritos hão-de ser, pois, a tradução exterior da verdade
do culto interior.
No Antigo Testamento não estavam m anifestadas nem
a verdade da glória futura nem a do caminho para ela que
é Cristo, embora estivessem reveladas em sombra. Os ritos
eram fig u ras de uma e de outra (“ ). E r a pois o valor dos
ritos de então, um valor moral enquanto eram expressões
do culto devido a Deus, um valor alegórico enquanto figu ­
ravam Cristo e a Igreja, e um valor anagógico enquanto

( 9 ) «Miserere nobis», «Ora pro nobis» — .S’. Th., 2-2, q. 83, a. 4.


(W) Suppl., q. 72, a 2.
(H) Commentarium in l Cor., i r , 1 : 6.
(1*) S. Th., 1-2, qq. 101-103.
(18) .S’. Th., 1-2, q. 10 1, a. 2.

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282 0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

figuravam o estado da glória fu tu ra ( “ ). Aquele valor


moral verifica-se também, sem dúvida, nos ritos cristãos.
Exprimem eles o culto como presentemente é devido a
Deus. A alegoria do Antigo Testamento desvaneceu-se na
Litu rgia do Novo com a presença da realidade (15). Mas a
glória futura pode ainda ser figurada na L itu rgia presente.
Assim como reconhece S. Tomás nos ritos da An tiga Lei o
valor anagógico, vê também no principal dos ritos da Lei
Cristã uma prelibação da Litu rgia celeste (10). Poderia
aqui talvez pensar-se, mesmo tratando-se de S. Tomás,
num aspecto da Liturgia, de uma tonalidade platónica,
mas em que o exemplar não é preexistente senão futuro.

2. — Apresenta S. Tomás como testemunhos de ver­


dades dogmáticas ou como expressões que derivam dessas
verdades, lexlos litúrgicos de prefácios e outras orações
do M issalO7) ; de antífonas(18), responsórios(10), hinos(20),

( 14) 77/ , 1-2, q. 102. a. 2.


(15) «Et antiquum documentum novo cedat ritui » ( Hino «Pange lin­
gua gtoriosi Corporis» composto por S. Tomás).
( 16) « . . . et futurae gloriae nobis pignus datur » (Antífona: « O sacrum
convivium» composta por S. Tomás).
( li) Do «Ordo Missae»: S. Th„ i, q. 28, a. 2; 2-2, q. 8 2,0. 3 ad 1 ;
3. q- 79. 7-
De orações colectas, secretos, depois da comunhão: S. Th., 1, q. 23, a. 7;
2-2, q. 30, a. 4; 3, q. 73, a. i ; 3, q. 79. «• 3.1 ; 3, q. 83, a. 1 ; Suppl.,
q 7 1, a. 8, ad i.
Do Precónio Pascal: í . 77/., 3, q. 1, a. 3, ad 3.
(IS) & 7* „ 3, q. 25.
( 1») 51. 77/., 3, q 49, a. 3, ad 1; cír. 3, q. 22, a. 5, ad 1 ; Suppl.,
q. 69, a. 5.
(2°) Opusculutn de fo rm a absolut ionis, 1.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM S. TOMÁS

orações do Breviário (21) e até lições históricas, com as


quais argúi, não pelos dados históricos, mas pelo conteúdo
teológico.
Assim, diz, não é da essência do m artírio a efusão de
sangue; basta por exemplo, o tormento da prisão. S. M ar­
celo Papa morreu no cárcere, e é m ártir. Melhor m artírio
é para uma mulher perder pela fé de Cristo, a integridade
virginal, que a vida corporal: assim o depreende S. Tomás
de uma frase de S.1“ Luzia admitida nas lições do B reviá­
rio ( " ) . É possível o gozo sobrenatural do espírito junto
com os tormentos do corpo: S. Tibúrcio pisando os carvões
acesos, sentia também «o gozo de quem caminha sobre
rosas em nome de Jesu s Cristo» (23). A s devoções que
tiveram os Santos, tais como a Ig re ja as comemora, têm
particular aprovação ('-')•
Argum enta também S. Tomás com os títulos e o texto
das Ladainhas ('") e com os textos litúrgicos próprios da
sua Ordem (26).
Se alguns textos da Litu rgia fazem dificuldade à dou­
trina que expõe, resolve essa dificuldade, interpretando o
texto, mas nunca negando-lhe o valor (27).

(*i) S. Th., i .q . 52, a. ..


( ) Cfr. Breoiarium Romanum, Die 16 Januarii, Ad Mat., lect. 6.
Die 13 Decembris, Ad Mal., lect. 6. S . Th„ 2-2, q. 124, a. 4, ad 2 et 3.
(28) Cfr. Breoiarium Romanum, Die 11 Augusti, Ad Mat., lect. 3 ;
S . Th., 1-2, q. 38, a. 4; cfr. 2-2, q. 123, a. 8.
(**) Quodlib., 12, 9, 2.
(28) S . Th., 2-2, q. 83, a. 4; Suppl.,q. 72, a.2; q. 96
( í,;) Suppl., q. 69, a. 4, ad 3 ; q. 7 1, a. 2,
(21) «y. Th., 1, q. 25, a. 3 ; 1 , q. 3 1, a. 4, ad 4; Suppl., q. 69,
a. 4, ad 3.

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0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

3. — A s festas litúrgicas são também para S. Tomás


argumento positivo do objecto que elas exprimem. N a
festa da N atividade de Nossa. Senhora, esse objecto era
claro. «Ora como não se celebram na Ig re ja festas senão
de Santos, segue-se que Nossa Senhora na sua Natividade
era santa. Foi portanto santificada no seio de sua Mãe» (2S).
É o mesmo argumento já antes feito por S. Bernardo (20).
Nem faz dificuldade para o pensamento de S. Tomás
sobre o valor teológico das festas, mas até o esclarece, o
caso da festa da Imaculada Conceição. Poderia parecer
que assim como a da Natividade era prova de que Nossa
Senhora era santa quando nasceu, a da Imaculada Concei­
ção devia provar que era santa quando foi concebida. No
estudo porém da Teologia deste dogma naquele tempo, o
objecto da festa da Conceição Imaculada de M aria não era
tão claro, e S. Tomás raciocinou como podia e como devia
raciocinar. A ciência daquele tempo distinguia na geração
o momento da conceição e o da animação, ou infusão
da alma. Só neste segundo momento poderia ter sido a
santificação de M aria.
S. Tomás, assente na suposição científica da época(30),
envolto no ambiente teológico obscuro deste dogma antes
da esclarecedora intervenção de Escoto, diante da dificul­
dade da festa julgou assim :
a) Tal festa não a celebra a Ig re ja Rom ana; tolera
apenas que outras igrejas particulares a celebrem. Mas
essa celebração, em verdade, não é para deixai- de se con-

(Ü8) £ 7%., 3 ,q . 27,8. i.


(í9 ) Epist. 174 (Ad canonicos Lugdunenses), 4 —M L 182, 333.
(» ) S. Th., 3. q. 33, a. 2, ad 3.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM S. TOMÄS 285

siderar. Quer dizer, é uma verdadeira dificuldade. Este


nos parece o sentido da resposta de S. Tom ás: que é uma
verdadeira dificuldade (31).
b) Querendo, porém, avançar o Doutor Angélico a
uma explicação positiva, parece-nos que pensa assim :
O objecto da festa é a santificação de M aria no seio de sua
M ãe; e em que momento foi santificada? A Teologia
usando a hipótese da época, opina que foi no da «anima­
ção», pois, aceite aquela hipótese, antes não podia ser.
A Liturgia, porém, não assenta em hipóteses científicas, e
colocou simplesmente a festa em data que a mente popular
relaciona fàcilmente com a Natividade, isto é, nove meses
antes dela; chama-lhe «Conceição», m as o objecto da festa
é celebrar aquele momento que se ignora da santificação
de M aria (32).
A explicação não é evasiva; é razoável. Mesmo nada
mais se podia dizer então. O sentido das festas litúrgicas
não está na sua designação material, mas na interpretação
que a reveste. A interpretação no tempo de S. Tomás era
confusa; ele deu uma possível determinação ou esclareci­
mento. Sisto IV como já lembrámos (8S), ao conceder a
festa a igrejas particulares, advertia a incerteza do signi­
ficado literal do seu título.
(81) «Licet Romana Ecclesia conccptionem B. Virginis non celebret
tolerat tarnen consuetudinem aliquarum ecclesiarum illud festum ceiebran
tiuni. Unde talis celebritas non esl totaliter reprobanda». S . Th., 3, q. 27, a. 2
(82) « . . . sed, quia quo tempore sanctificala fuerit, ignoratur, ceie
bralur festum sanctificationis eius, potius quam conceptionis in die conceptio
nis ipsius». Quodlib., 6, 7. Vale a nossa observação no caso de ser aulên
tica, de S. Tomás, a obra citada.
( 83) Vid. supra, pág. 234.

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0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

A mente geral de S. Tomás é c la ra : um testemunho de


uma liturgia particular não dirime uma questão; mas tem
grande peso de probabilidade; e o caminho que o Teólogo
primeiro tem de tentar, há-de ser aquilatar o sentido desse
testemunho litúrgico e para lá orientar a sua Teologia,
porque a orienta afinal para o M agistério da Igreja.

4. — Outro indício importante da mentalidade de S. To­


más é a composição que fez do O fício do Corpo de Deus.
É obrà perfeita no fundo denso de doutrina e na sobriedade
da form a litúrgica, que é bem romana, penetrada de unção
e com umaJeve viração emotiva. Difícil se riap re fe rir exem­
plos; quaisquer peças daquela composição exemplificam
bem. Observe-se por exemplo para apontar algum, a sín­
tese doutrinal da oração da festa, vasada em molde rigo­
roso do «cursus» das colectas, e com aquela emoção objec­
tiva do «sacramento adm irável, memória da paixão de
Jesus».
Entendida a sagrada Litu rgia segundo a definição a
que chegámos na primeira parte, não achamos modelo m ais
perfeito de estilo litúrgico, que o Ofício do Corpo de Deus.
Quer isto dizer que S. Tomás como Teólogo devia ter uma
teoria sobre o valor teológico da Liturgia. Como observá­
mos, entendia ele a Litu rgia como a expressão do culto
presente da graça, e prelibação do culto futuro da glória.
Não seria difícil reconhecer esta teoria na composição da­
quele Ofício ou extraí-la de lá. Está essa ideia contida em
síntese, por exemplo na antífona «O sacrum convivium», a
que já nos referimos. A Eucaristia, centro do culto, r e ­

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM S. TOMÁS 287

colhe a memória do acto litúrgico redentor, e é ao mesmo


tempo penhor da Litu rgia celeste (■’ ■').
Advirta-se ainda uma característica importante:
ainda que as composições litúrgicas de S. Tomás contêm
doutrina abundante e densa, como por exemplo a sequência
«Lauda Sion», nelas não se encontram os raciocínios subtis
da Sum a; e a razão deve ser a que deu o mesmo S. Tom ás:
que «as considerações intelectuais subtis, muitas vezes im­
pedem a devoção» (33).

5. — Conclusões

Da análise feita poderíamos extrair, em síntese, a


teoria de S. Tomás sobre o argumento litúrgico, e algumas
normas de cuplicação dele.

1)' Pelo que toca à TEORIA, podemos apontar estes


princípios gerais:

— «a fé é causa e princípio da religião»;


— o culfo exferno está todo ele em ordem ao culto
interno: ou o exprime, ou o fom enta;
— o culfo inferno depende do conhecimento da ver­
dade.

Quer portanto dizer: o culto todo, externo e interno,


é dirigido a Deus pela linha da verdade.

(M) * . . . recolitur memória passionis eius et Tuturae gloriae nobis


pignus datur».
(85) «Subtiles meditationes intelligibilium multoties devotionero impe-
diunt». S . TA., 2-2, q. 82, a. 3, ad 1.

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0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

2) Como princípios mais particulares:

a) Os ritos litúrgicos do Antigo Testamento, ex­


primem
— literalmente, o acto moral do culto, isto é, do exer­
cício da reiigião; eis o seu valor m oral;
— em figu ra, o culto futuro do Novo Testamento, eis
o seu valor ou sentido alegórico, e o culto futuro da
glória, eis o seu valor ou sentido anagógico.
b) os ritos litúrgicos do N o vo Testamento, estão
dentro da mesma concepção, mudando logicamente os
termos que devem mudar-se. Quer dizer, exprimem
— literalmente, o acto moral do culto cristão, isto é,
a verdade plena, comum e simples, ou seja, a rea-
lidade presente do dogma já m anifestado;
— em prelibação, a realidade fu tura do dogma reve­
lado sim mas ainda não manifesto.
Uma e outra coisa são expressas em form a simples e
sóbria, apta para a devoção comum, e não em form a subtil,
que seria um obstáculo.

3 ) De um modo geral, «o costume da Igreja tem


uma autoridade máxima».

4) Mais em particular:

a) Os ritos litúrgicos garantem a doutrina que en­


cerram ou supõem: se a Ig re ja universal assim procede
quer dizer que é verdadeira nesse proceder.

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0 AIIGUMBNTO UTÚRG1CO EM S. TOMÁS

b) A s fórmulas são expressões da verdade, nomea­


damente : os prefácios e orações do Missal, antífonas, res-
ponsórios, hinos e orações do Breviário, as lições históricas
quanto ao seu conteúdo dogmático, morai ou ascético; as
ladainhas, quanto aos títulos e respostas, as fórm ulas de
liturgias particulares que são também argumentos, como
as da liturgia dominicana.
c) A s festas são garantia da verdade do seu objecto
quando este é claro e elas são da Liturgia universal. E ra
o caso da festa da Natividade. Não são tão firm e garantia
se o seu objecto não é tão claro, e se não são da Litu rgia
universal, como era o caso da festa da Imaculada Con­
ceição.

5) Uma liturgia particular, faz argumento provável.


O Teólogo deve tentar orientar-se pelo testemunho mesmo
das liturgias particulares. São também elas voz do Ma­
gistério.

6) A Liturgia Romana como tal, tem valor muito


superior e deve o Teólogo tê-la em muito mais consideração
do que a qualquer outra liturgia particular.

7 ) Quanto à APLICAÇÃO daquela teoria, podemos de­


preender como normas de INTERPRETAÇÃO, primeh-o, que
se atenda em geral na Litu rgia ao seu significado litervl
quando ela se refere ao dogma revelado e manifesto já na
vida presente; ao sentido figurativo, quando ela diz res­
peito ao dogma revelado mas que só será manifesto na vida
futura.

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290 O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

8) Nos textos atenda-se ao seu conteúdo doutrinal,


moral e ascético, não propriamente ao puramente histórico.

9 ) Nas festas, atenda-se sobretudo ao seu objecto,


que se depreende não só do título e dos textos delas, mas
também do contexto da interpretação teológica que na
época as envolve.

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A R T I G O II

O arg u m en to litúrgico
em outros Teó lo gos

- O uso do argumento por alguns Teólogos.


I. — Primeiros continuaaores dos Padres: Pe­
dro Diácono, Alciiíno, S. Remígio de Lião,
Hincmaro de Reims, Guitiniindo, Lanfriinco,
S. Bernardo (séculos V1H-XU). 2. - S.to Al­
berto Magno, Guilherme Durando, Duns Escoto.
3. — S. Pedro Cnnísio e S. Roberto Belarmino.
4. — Suárez e Vázquez (séculos XIII-XVII).
- A teoria do argumento em outros Teólogos.
111
1. — Iniciadores: Carriére, Murntorl, Gerbert,
Köhler (séculos XVII-XV ). 2. - Zaccaria :
Divisão do tratado sobre o uso dos antigos
livros litúrgicos. 3. —Objecções contra esses
livros. 4. —Razões do vnlor deles. 5. —Crité­
rio na escolha. G- —Critério na interpretação.
7. - Dogmas provados nesses livros. 8. —Res­
posta às objecções. Gener (século XVIII).
1
9. — Dom Guéranger, Bouix, Oppenheim (sé­
culos X X-XX).
- ■Conclusões.

H M continuação dos Padres, os Teólogos usaram tam-


—* bém o argumento litúrgico; mas só mais recente­
mente têm dissertado alguns sobre a teoria dele. Passare­
mos, pois, em revista entre os Teólogos,
— alguns que usaram o argumento e
— os que lhe estudaram a teoria.

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O TESTEMUNHO DOS TF.ÓLUUOS

Apresentado o contributo destes últimos, pode fazer-se


a ideia da novidade que reveste o nosso estudo tanto na
proposição do problema do valor teológico da Liturgia,
como no processo de investigação c no conjunto de con­
clusões a que chegamos.

1 -0

Não admira que os Teólogos tenham usado menos o


argumento litúrgico do que os Santos Padres. Estes
davam testemunho do Dogma, apoiados na Escritu ra e na
Tradição daquelas verdades reveladas que não tinham sido
escritas, mas floresciam na vida da Igreja. Ora um dos
principais aspectos da vida do Corpo Místico é a Liturgia.
Os Teólogos tomaram as verdades reveladas, zelosa­
mente defendidas pelos Santos Padres, e combinando-as
entre si e com outras verdades, da razão, fizeram obra
especulativa. A Litu rgia tinha para eles uma utilidade
mais remota. Dava contudo base ou sugeria cautelosa difi­
culdade à especulação teológica, particularmente no que
dizia respeito à Teologia de mistérios comemorados nas
festas, como eram, por exemplo, o da Imaculada Conceição
e o da Assunção de M aria.

1. — Passada a época dos Santos Padres, entre os seus


primeiros continuadores, cita-se Pedro Diácono, que invoca

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0 ARGUMENTO LITURGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 293

como argumento a Liturgia de S. Basílio ( ') . Aos adopcia-


nistas que aduziam em comprovação da heresia o teste­
munho da sua Litu rgia Mosárabe, aliás adulterada, opõe
Alcuíno a autoridade dos textos de orações da Liturgia
Romana (2).
S. Remígio Bispo de Lião, e Hincmero Bispo de

( 1) Transcrevemos este testemunho com reserva e só porque o lemos


em nouix (Tract. de lu r e liturgico, 29) e depois em oppknhk.im (Insl. Sysl.-
-íiis l. in Sacr. L it., 7, 96) que é de lá certamente que o transcreve também,
pois citam ambos nssim: «De ienenda veritaie Scripturaru m , p. 216».
Não conseguimos mais nenhum conhecimento do mesmo testemunho
nem podemos dar mais justificação. Sabemos de três escritores eclesiásticos
antigos com o nome de Pedro Diácono, e não sabemos que algum deles
tenha escrito obra com aquele titulo (cfr. h. huktkr, Nomcnclator L ilcra riu s,
1, 465-974-976). Não deve haver confusão com Paulo Diácono que também
não escreveu aquele livro (cfr. h. iiuktek, op. cit., 677-681).
Livro intitulado «De ienenda immobililer Scripturae veritaie», conhe­
cemos o de S . Remigio de Reims (cfr. n. iiurtek, op. cit., 1, 809). I.endo-o,
porém, não encontramos nele argumento leito com a Liturgia de S. Dasílio.
Mas encontrámo-los feitos com as orações da Liturgia Romana no seu tempo
já usadas nas Gálias. Veja-se o cap. XIV (M L 1 2 :, 112 6 -112 9 ). Aí argu­
menta-se com o sacrifício eucarístico que a Igreja «fideliter offert, unde con-
fidenter ac veraciter in ipsa mysteriorum frequentatione pro fidelibus suppli-
cans, nd Deurn d ic it:...» (M L 12 1,1 1 2 6 ) . Depois, á celebração do sacrifício
eucarístico chama ele «regula fi d e i» ( M L 12 1, 1126).
(í) Adversus Felicem, 7, 13 — M L 10 1, 226-227.
Adversus Elipandum, 2, 9 — M L 10 1, 266-267.
li relaciona assim Alcuino a profissão da fé católica com a Liturgia
Romana: «Romana igitur Ecclesia, quac a calholicis et recte credcntibus
sequcnda esse probatur, se per Filium Dei et in Missarum solemniis et in
caeteris quoque omnibusque scriptis suis vel in epistolis fateri s o le t .. .» —
M L 10 1, 226.

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294 0 TESTEMUNIIÍ) DOS TEÓLOGOS

Reims também não desconheciam, como já observámos (3),


o valor do -argumento litúrgico.
Contra Berengário defende Guilmundo a presença real
de Cristo na Eucaristia, com argumentos litúrgieos (J).
Com o mesmo argumento que depois repetiria S. To­
más, o da festa da Natividade de Nossa Senhora, acha
S. Bernardo indubitavelmente provado que M aria era já
santa no seio de sua Mãe, pois não pode a Ig re ja enga-
nar-se ao celebrar aquela festa (•'■).

2. — Para S.ro Alberlo Magno tem o argumento litúr­


gico um valor decisivo quando o testemunho da Litu rgia é
claro no que respeita o campo teológico. Da interpretação
que faz da antiga colecta célebre da festa da Assunção,
«Veneranda...», onde se afirm ava que Nossa Senhora «não
pôde ficar opressa pelos víncuics da morte», conclui que
M aria ressuscitou pouco depois de m orrer (°).
(*) Vid supru, págs. i i 3 -115 .
(■•) De Corpore et Sanguinc Domini, 8, 4 — M L 120, 1277.
E assim também Lanfronco, De verilalc Corporis et Sanguinis Domi­
ni, S — M L 150-419. Cfr. opPEKHEiM, Inst. Syst.-Hist. in Sacr. L it., 7,97-98.
( 5) «Nec (allitur omnino sancta Ecclesia, sanctum reputans ipsum
Nativitatis eius díem, et omnio anno cura exultatione universae lerrae votiva
celebritate suscipiens». Epist. 174 (ad Canonicos lugdunenses), 4 —
M L 1S2, 333.
(B) «Ergo erit sensus: non poluit nexibus mortis deprimi, id est,
non potuit incinerari. Et nisi statim resurrexisset, fuisset incinerata ut atia
corpora. Ergo vere resurrcxit». M ariaD sive Qitaestioncs super Evange-
lium « Missus est G a b rie l», 9, 132 — Opera omnia, 20-88.
Essa colecta que durou por vários séculos, na Liturgia Romana, conti­
nuou até hoje no Rito Ambrosiano, no Lionés, no Dominicano e, com ligeira
alteração, no Rito Bracarense.

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0 ARGUMENTO LJTÚRGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 295

No seu tratado sobre o mistério da m issa (7), foi


S.10 Alberto Magno um dos primeirois que começaram a
libertar-se da arreigada interpretação alegórica da L itu r­
gia da Idade Média. Aquela interpretação alegórica encon­
tramo-la então reunida na obra do canonista e liturgistn
G uilherm e Durando, «Rationale divinom m officioi-um»(“).
O argumento de S. Bernardo, que já referimos, da
festa da Natividade de Nossa Senhora, e que foi repetido
por S. Tomás, é usado também por Escoto (").

3. — Às caluniosas acusações protestantes de que no


culto dos Santos estes são colocados no mesmo plano em que
Deus é adorado, responde S. Pedro Canísio. Deixando de
parte muitas outras razões, apresenta o argumento mais
simples que é neste caso o testemunho da Liturgia. Nas
ladainhas Deus e as Divinas Pessoas são invocadas pri­
meiro, de uma maneira mais sublime; depois, em modo
diverso, os Santos ("'). Declara a seguir o sentido que
têm as festas deles no pensar da Igreja, já antes expreisso
por S. Tomás.
Tratando o mesmo S. Pedro Canísio da Assunção
corporal de Maria, faz algumas observações sobre a festa,
o título dela e o ofício, as quais merecem apontamento.
O título «Assunção» tal como era empregado pela Ig re ja e

(7) L ib e r de sacrifício Missae, em — Opera omnia, 21.


(8) Neapoli, 1839.
(®) Oxon. Prol., q. 2, n. 8 ; Oxott. 4, d. 4, d. 3, n. 2.
Vid. lOANNis DUN3 scoTi, Summa Theologica, . . . concinata . . . per
Fr. Hieronymum de Monfortino.
( 1®) Cathechismus M aior, 3, 1 ; p. 1 1 1 .

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0 TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

entendido* pelos fiéis já desde alguns séculos, dava certeza


tal da Assunção de M aria em corpo e ahna, que seria abso­
lutamente temerário pô-la em dúvida (" ) -
A «Carta a Paula» falsamente atribuída a S. Jerónimo
e por esse motivo retirada das leituras do ofício da Assun­
ção, e que punha em dúvida a assunção corporal, foi subs­
tituída pelas homilias de S.10 Atanásio e de S. João Damas-
ceno que a afirmam , e com isso, diz S. Pedro Canísio,
perdeu muito da sua autoridade aquele escrito. Quer pois
dizer este facto e o comentário do Santo Doutor que a
autoridade das lições do B reviário é, na mente da Igreja, a
daqueles a quem ela oficialmente as atribui, ainda que as
corrobora com a sua aprovação, pois as manda ler. Mas
em si, desde que pelas circunstâncias não conste outra -
coisa, não lhes dá valor doutrinal decisivo.
Apesar daquela certeza que já dava a festa da Assun­
ção no tempo de S. Pedro Canísio, a Ig reja não se pronun­
ciou, e o mesmo Santo explica, distinguindo três classes de
verdades no campo da f é : os doynui-s explícitos que se devem
crer sob pena de heresia, as verdades aceites pelos fié is e
sancionadas pela prática da Ig re ja as quais é temerário
negar, e certas verdades expressas pelo culto público cuja
autoridade vai aumentando à medida que os Doutores da
Ig re ja as vão corroborando com mais interesse e que elas
vão penetrando na persuasão dos fiéis ( l-).

( U) Qe M a ria Virgiue incomparabili el D ei Geneirice sacrosancta,


5, 5. Cfr. Summa Aurea, 9, 63-64; 69-70. De Verbi Dei corruptclis, 5, 5
- T. 2, p. 623.
(*») Ibid. 629.

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Ö ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 207

Nesta categoria estava no tempo de S. Pedro Canísio,


segundo ele diz logo a seguir, a Assunção de Maria. Quando
a propósito da Bula «Munificentissimus» de Pio X II fize­
mos referência ao progresso dogmático da Assunção de
M aria O3), parece-nos que reproduzimos o pensamento de
S. Pedro Canísio.
Pela simplicidade da prova litúrgica dos dogmas em
muitos casos, está também S. Roberto Üelermino, o qual
diz que por vezes «se demonstram melhor muitos dogmas
pelas antigas cerimónias, do que corn muitos textos» ( “ ).
E dá como exemplo a argumentação de S .10 Agostinho
sobre 0 pecado original.
Formulando o seu parecer ao Santo Ofício na pre­
sença do Sumo Pontífice sobre a Imaculada Conceição,
dizia que «se não se definisse formalmente 0 mistério, se
estendesse 0 seu ofício litúrgico a toda a Igreja, e assim
sem a definição se conseguiria o mesmo intento» ( l5), isto
é a manifestação da fé da Igreja. Efectivam ente a festa
levou depois à definição formal.

■1. — A mesma festa não era para 0 P. Suárez um


argumento certo da Conceição Imaculada de M ana, pois
celebrava-se então, só em algumas igrejas particulares,
com textos pouco explícitos, e com declaração do Sumo
Pontífice de que a doutrina da Imaculada Conceição não

( 18) Vid. supra, págs. 2 13-2 1S


( 14) «Aliquando ex vetustis caereinoniis melius persuadenlur aliqua
dogmata quam multis teslimoniis ». Oclava Controvérsia G eneralis: De
Sacrament is in genere, 2, 31 — Opera Omnia, 3, 500.
( 15) Vid. Dogmatischer Wert der Liturgie, em — K atholik (1857) 510.

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Ò TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

era de todo certa. O seu objecto certo era a ■santificação


de M a n a ( 10).
E sta santificação de M aria aliás era já doutrina certa
e comum proposta pela Ig re ja no facto da feista da N ativi­
dade de Nossa Senhora. Não era doutrina de fé porque
nem foi definida nem estava expressa na Escritura, nem a
Tradição a apresentava como tal ( 1T). N as mesmas condi­
ções estava a ressurreição gloriosa de M aria testemunhada
pela festa da Assunção segundo o sentido em que se devia
entender o título dela (1S).
Observação útil, ainda do P. Suárez, sobre as festas
dos Santos, é a que ele faz quando compara a santidade de
S. José à dos outros Santos. O testemunho antigo da L itu r­
g ia nada lhe diz a favor, como é sabido: o culto de S. José
começou tarde. Mas também nada diz em contrário. «Por­
que a Ig re ja no honrar os Santos nem sempre se apoia na
santidade deles, que se assim fosse tínhamos que ter a
S. Lourenço por maior santo que muitos dos Apóstolos;
logo atende a outras razões e circunstâncias, a saber, ao
ofício que na Ig re ja desempenharam, a alguma utilidade
especial ou maior edificação dos fiéis, enfim à notícia e
conhecimento que deles se tem, e a outras razões parecidas.
Além disso é de advertir que honra sobretudo os Santos do
Novo Testamento» ( 10).
O P. Vézquez, negando que o sacrifício da m issa se

( 1«) In I I I partem divi T/iomae, q. 27, a. 2, d. 3, s. 6 — Opera


Omnia, 19, 47.
(H) ibid., q. 27, a. 2, d. 3, s. 1 — Opera Omnia, 19, 28.
(IS) Ibid., q. 38, a. 4, d. 21, s. 2 — Opera Omnia, 19 , 318.
( 1») Ibid., q. 29, a. 3, d. 8, s. 3 — Opera Omnia, 19, 128.

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0 ARGUMENTO LÍTÚUGICO EM OUTROS TEÓLOGOS

pudesse oferecer pelos catecúmenos vivos ou defuntos,


topou com uma dificuldade litúrgica: parece que no sé­
culo IX era prática universal da Ig re ja oferecer a missa
pelos catecúmenos. Em resposta diz Vázquez que no que
diz respeito ao essencial dos sacramentos, não pode a
Ig re ja fundamentar o que diz e o que faz, senão em verda­
des certas. No que é acidental pode a prática da Ig re ja
assentar só em opinião provável (*°).
Não há dúvida que quando se trata de assegurar a
validez de sacramentos necessários, se executa na prática
tudo aquilo que, embora só provavelmente, é requerido;
e repete-se a administração do sacramento, se algum
desses elementos faltou. Pelos defuntos, que aliás não
sabemos se já entraram na glória ou se expiam ainda no
Purgatório, ou se se condenaram, fazemos sufrágios. O tes­
temunho litúrgico, em casos assim, não assegura m ais do
que a probabilidade; mas é dessa probabilidade um argu­
mento certo. Vemos pois mais uma vez que a dificuldade
está sobretudo na aplicação do argumento litúrgico.
Entender porém como raríssim os autores (21), que
afora a parte essencial dos sacramentos, a Litu rgia pode
ser apenas testemunho de opiniões prováveis, não de ver­
dades certas, isso seria inconsideradamente negar conclu­
sões a que por diversos caminhos temos chegado sobre o
valor da L itu rgia como lugar teológico.

(■■W) De Eucharistia, d. 22S, c. 3. n. 12 — Opera Omnia, 7, 45 1.


(*!•) veron, Regula Fid ei, c. 1 , 4, n. 4 ;
de la hogue, cm — MiGKE, Cursus T/ieologicus, 4, 645, (citados em
Douix, De lu r e L itúrgico, 46-47).
o. fayet (citado também ibid., 3).

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300 O TESTEMUNHO n o s TEÓLOGOS

II — Á teoria do argumento em outros Teólogos

1. — Concílios, Sumos Pontífices, Padres e Teólogos


u$amr,i o argumento litúrgico. Mas só muito tarde se
começou a dissertar sobre a teoria dele. É entre Liturgis-
tas e Teólogos dos séculos X V II e X V III que parece se
começa a reflectir expressamente sobre o valor teológico
da Liturgia. Francisco Carrière do século X V II, hoje
pouco conhecido, relaciona muitos dogmas com os textos e
ritos litúrgicos (22). De um modo semelhante procede no
século seguinte Luís António Muretori (23). Martinho
G erbèrt fixa-se em muitos textos litúrgico-teológieos dos
Santos Padres e dos Concílios, na sua obra de Teologia
litúrgica (2I). que aliás, do mesmo modo que a d eG regó rio
Kõhler não corresponde ainda assim teologicamente ao
título que tem.

2. — Mas é propriamente Z accerie, jeisuíta do sé­


culo X V III, o que se pode considerar como o primeiro ela-
borador de um tratado embora parcial, do valor teológico
da Liturgia. É o tratado «De imu libro rum liturgicorum in
relms the.ologicis» que publicou pela primera vez em

( » ) F id ei caiholicae digest um singula eius dogmata et ritus Ecclesiae


iuxta SS. Patrum et conciliorum doctrinam exacte declnrans. Cfr. Bibliografin.
( » ) L itu rg ia Romana Veins, i, 167-475.
(24) P rincipia Theologiae Liturgicae. Cfr. Bibliografia.
(S5) Principia Theologiae L itu rgicae ex selectissimis aucloribus.
Cfr. Bibliografia.

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0 ARGUMENTO L1TÚRGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 301

1762 e que refundiu e publicou de novo catorze anos


mais tarde em 1776 (27).
Nesta edição está a dissertação dividida em cinco :
capítulos e dezoito corolários. Não segue o processo que
nós adoptámos, nem trata da Litu rgia no seu âmbito g e ra l;
trata só dos livros litúrgicos e entre estes apenas dos
antigos sacramentemos e livros rituais (28). O método que
adopta vem a coincidir com o de S. Tomás nas questões da
«Suma». Propõe primeiro razões que parecem persuadir
que os antigos livros litúrgicos não têm alguma utilidade
teológica: Vide tu r qv.od non (cap. I). Apresenta em con­
trário os argumentos que convencem do seu valor teoló­
gico: Sed contra est... (cap. II) . Explica depois esse
valor — Respondeo dicendum ... — tanto pelo que os livros
litúrgicos dizem (cap. III) , como pelo que calam (cap. I V ) ;
dá normas para a interpretação dos mesmos livros (cap. V
com 18 corolários, e cap. V I), e responde por fim às d ifi­
culdades propostas ao princípio: A d prí-mum ergo . . .
(cap. V II).
Percorramos a obra, reduzindo-a a uma breve síntese.

3. — A dificuldade contra a utilidade em Teologia, dos


antigos livx*os litúrgicos está em que por um lado, não os
possuímos dos quatro prim eiros séculos; por outro, os dos
séculos seguintes, nem são dos autores a que se atribuem,

(**») Thesaurus Thcologicus, 1,397-460. É o texto desta edição que


vem reproduzido em — migne, Theologiat Cursus Completus, 5, 207-3:0.
( « ) Bibliòtheca KUualis, 1, LV-LXXXV1II.
( 2S) Op. cil., 1, LV.

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302 O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

nem se conservam íntegros, mas com muitas interpolações,


até dos hereges.

4. — Contudo esses mesmos antigos livros litúrgicos,


não deixam de conter testemunho da fé das igrejas que os
usaram ; serviram de argumento aos Santos Padres e con­
tra os hereges; foram vigiados e zelados na pureza da sua
doutrina pelos Concílios.
Mas, para a utilização prática desses livros é preciso
critério na escolha e na interpretação dos textos.

5. — Quanto à escolha deve ter-se presente o seguinte:


— Se todas as liturgias são concordes no mesmo ponto
do doutrina, constituem argumento firmíssimo, pois são
testemunho do sentir universal da Igreja.
— Entre as liturgias ocidentais e as orientais, são
aquelas, m ais aptas, como lugar teológico, pois são menos
suspeitas de interpolações heréticas, o seu estilo é mais
simples, e o sentido mais próprio. No uso das orientais
requere-se precaução contra as interpolações nestorianas,
monofisitas e dos gregos cismáticos, e o estilo exuberante
e sentido figurado que lhes são próprios, são fácil subter­
fúgio para os hereges.
— Entre as liturgias ocidentais prevalece a autoridade
da Liturgia Romana, da ig reja mãe de todas, a que nunca
errou. H aja contudo reparo sobre certas partes incluídas
em livros da Litu rgia Romana, mas propriamente só per­
tencentes a igrejas particulares, e portanto só da respon­
sabilidade destas.
— Entre as orientais prevalece o valor da Ldturgia

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM UUTHOS TEÓLOGOS 303

de S. Tiago, donde, a juízo de Zaecaria, procedem todas ou


quase todas as outras.
6. — Para a interpretação, tanto pode contribuir o
que os livros dizem como o que deixam por dizer.
a) Para interpretar o que os textos dizem, tenham-se
em conta as observações que seguem :
— Singidarklades de liturgias particulares contrárias
à uniformidade geral, não devem constituir dificuldade.
— Nem tudo o que é uniforme em todas as liturgias é
essencial, por exemplo, à eficácia dos sacramentos. Há
moralmente em todas elas a m istura de água e vinho, a
fracção da hóstia, a m istura das espécies, o triságio, o
Pai Nosso, a epiclese, e nada disto é essencial ao sacrifício
e sacramento eucarísticos.
— Algum as expressões têm sentido claramente figu ­
rado; mas em geral devem entender-se no sentido próprio
e óbvio que tem o texto. Deve completar-se e esclarecer-se
esse sentido pelo contexto no qual se compreendem o título
da oração por exemplo, os ritos que a acompanham e as
circunstâncias históricas de origem, não seja caso que se
pretenda por exemplo com interpolações tardias testemu­
nhar em vão costumes anteriores; compreendem-se ainda
a terminologia da época e os factos relacionados.
— Há-de conferir-se também com o sentido de lugares
paralelos mais claros dentro da mesma liturgia, com os
testemunhos de outras liturgias, com testemunhos de di­
versa natureza na mesma época, e com as liturgias actuais.
— A interpretação que conduzir a conclusão absurda,
é também absurda.

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304 O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

b) P ara interpretar os livros pelo que c a l a m ,


observe-se:
— Se nenhuma explicação se pode encontrar dessa
omissão, é sinal de que o rito omitido não •se praticava.
E se houver documentos positivos dc que esse rito de facto
não existia, o silêncio dos livros litúrgicos é uma confir­
mação.
— Se pelo contrário há provas positivas da existência
de ritos que os livros litúrgicos não registam, ou se há
explicação razoável dessa omissão, nao pode ela constituir
argumento em contrário. Assim por exemplo, não é estra­
nho que em virtude da disciplina do «arcano», falte em
livros litúrgicos antigos a form a de sacramentos, nem esse
silêncio constitui portanto argumento contra o uso da
form a tradicional.

7. — Muitos são os dogmas que com a verdadeira inter­


pretação dos textos litúrgicos antigos se podem demons­
trar. Contra os diversos hereges da história, cita Zaccaria
esses textos, em favor dos seguintes dogmas: a Santíssim a
Trindade, a Divindade do Verbo, a Divindade e Humani­
dade de Cristo, a Virgindade da Mãe de Deus, o Primado
de S. Pedro e do Romano Pontífice, a infalibilidade da
Igreja, a inferioridade dos presbíteros com relação aos
Bispos, a necessidade da graça, o pecado original, o sacra­
mento da Confirmação, o sacrifício incruento da missa, a
presença real de Cristo na Eucaristia, a transubstanciação,
o purgatório, o culto e invocação dos Santos.

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 305

8. — Em resposta às o b jecçõ e s do começo devem ter-


-se presentes os seguintes princípios:
O valor dogmático dos livros litúrgicos provém do
uso legitimamente aprovado que tiveram na Igreja. Não
depende dos autores a que verdadeira ou falsamente se
atribuam. Uma vez usados pela Ig re ja como sous, são
testemunho da sua fé.
Mesmo que os não h aja dos quatro prim eiros séculos,
ou que tenham sofrido modificações ao abrigo da legítima
autoridade da Igreja, testemunham a fé dela. A s interpo­
lações heréticas e erróneas, ou não as aceitou a Ig re ja ou
se admitiram em liturgias particulares que não constituem
por isso um argumento certo. Mais admirável que um caso
ou outro de erro doutrinal em liturgia particular, é a
uniformidade geral de doutrina em tão diversas form as
antigas de Liturgia.

E sta a síntese e o processo da dissertação de Zaccaria.


Foi este trabalho que determinou o jesuíta espanhol Gener
a dar amplo lugar ao testemunho litúrgico na sua çbra.
teológica (2!’).

í). — O liturgista Dom G uéranger, no século passado,


versou também largamente sobre o valor teológico da Litu r­
gia, mas em form a polémica, particularmente na sua «Se­
gunda Carta ao Bispo de Orléans» (30). Se houvéssemos
de extrair daí e sistematizar também numa síntese o seu

( » ) Thcologia Dogmatica Scholastica. . . sacrae antiquitatis monu-


mentis illustrata, 6 vols., Romae, ( 1775-1777 )•
(®°) Institutions Liturgiques, 4, 333*449-

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306 O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

pensamento, na exposição teórica, ficaríam os aquém do


que referimos de Zaccaria. Não foi, aliás, um tratado o
que Dom Guéranger escreveu.
Posteriormente, ainda no século passado, temos uma
exposição do valor dogmático da Litu rgia pelo jurista
Bouix, numa das partes do seu volume sobre o Direito
Litúrgico (3I). Quem tenha conhecido a dissertação de
Zaccaria e a carta polémica de Dom Guéranger, verifica
fàcilmente que foram elas as suas duas fontes. Pràtica-
mente nada mais acrescenta. Mas o trabalho de Bouix
como exposição é sistemático e claro.
Estabelece primeiro a noção de L itu rgia (caips. I- III) ,
a sua natureza ou origem divina e eclesiástica (cap. IV ),
a sua propriedade santificadora e a evangelizadora (ca/ps.
V -V I), e versa a seguir extensamente o seu valor dogmá­
tico (cap. V I I ) : Apresenta primeiro três proposições sobre
a Liturgia como expressão do Dogma (§ 1), depois onze
proposições que declaram a Liturgia como demonstração
do Dogma (§ 2), discute algumas objecções (§ 3 ), apre­
senta por fim um espécimen de dogmas provados com a
Litu rgia (§ 4 ), e conclui que a L itu rgia se deve considerar
como um dos principais lugares teológiàos.
Ültimamente, em 1947, apareceu um trabalho extenso
com uma orientação semelhante, composto pelo liturgista
Oppenheim (:!2). A,presenta este autor a teoria já exposta

(81) Tract at us dc lu r e Litúrgico, pars prima: De Liturgiae nature


et valore dogmático, 3-S8.
(82) Principia Theologies Liturgicce, Pars 1 : De Valore Liturgiae
Dogmático seu de Relatione Liturgiam inter et Fidem. em —Inst. Sist.-H ist,
in S acr. L it., 7, 1-138 .

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0 ARGUMENTO LITÚRGICO EM OUTROS TEÓLOGOS 307

por Bouix, da Litu rgia enquanto expressão e enquanto


demonstração da fé, e não parece que tenha tido precisa­
mente a preocupação de dar-nos claro, conciso e sistemá­
tico, o que tenha assimilado do muito que conhece; mas tem
o mérito de compilar o que até então foi aparecendo sobre
os diversos aspectos do mesmo t e m a p ) -
Reconhecemos portanto em Oppenheim a compilação
mais completa e necessária do estado científico actual da
questão, para além do qual procuramos lançar o nosso tra­
balho de investigação. Não podemos pretender que a nossa
obra venha a ser a última palavra sobre a proposição do
problema no seu conjunto, sobre a sua investigação cientí­
fica e o método dela, sobre a teoria complexa a que as con­
clusões podem levar. E la é apenas um ensaio sobre o
assunto assim concebido, e dentro dessas linhas, é, pode­
mos dizer, o primeiro que se publica ( ;1).

Entretanto, do uso da Litu rgia pelos Teólogos que


referimos e dos tratados sobre o valor dela, que também
citámos, vamos salientar algumas conclusões.

( ® ) Entre os estudos mais recentes que viu, salientamos:


p. schoulza, L itu rgia catholica catholicae fi d e i magistra,
m. procacciakti, Lex o randi — lex credendi.
Outros, de carácter mais limitado, assim como os posteriores à compi­
lação de oppENHEiu e que pudemos ver, registámo-los também na B ibliogra­
f i a directa sobre o assunto.
(M) Cfr. supra, págs. 6-7.

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308 ü TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

III-O

1) Quanto à TEORIA geral do argumento litúrgico,


confirmamo-nos em que muitas vezes a Litu rgia é um
argumento simples e apto contra as heresias que possam
surgir, como o foi por exemplo em S.'° Agostinho contra o
pelagianismo (S. Roberto Belarm ino). Como testemunho
que é, serve mais directamente para a Teologia positiva do
que para a especulativa.

2 ) Particularmente as fesUvs são boa ocasião da ma­


nifestação da fé e para o progresso dela (S. Roberto B e­
larmino).
Devem elas entender-se no sentido em que as celebra
a Ig re ja (S. Pedro Canísio). Nem sempre a maior soleni-
nidade litúrgica é nas festas dos Santos argumento de
dignidade ou santidade superior. Tem essa m aior soleni­
dade, por vezes, outros motivos de circunstância (Suárez).
Quando o objecto das festas é claro, constitui então
argumento claro (S. Tomás, S. Bernardo, S .io Alberto
Magno, S. Pedro Canísio, S. Roberto Belarmino, Suárez).

3 ) Os textos das orações (S.'° Alberto Magno), o es­


tilo ou forma intencional com que estão dispostos, por
exemplo os das ladainhas (S. Pedro Canísio), servem de
argumento.
A autoridade que às leituras se deve dar é, de si, a
daquele a quem a Ig re ja oficialmente as atribui, embora

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0 ARGUMENTO LITÚRCICO EM OUTROS TEÓLOGOS 309

por serem usadas por ela na Litu rgia revistam também eni
parte a sua autoridade. Estão de si sujeitas a serem ou
rejeitadas, o.u corrigidas, ou definitivamente aceites. Acon­
tece isso em caso de evolução da Liturgia, ou de evolução
do dogma a elas relativo. A sua autoridade há-de pois
medir-se pelo grau de aceitação por parte da Ig re ja (S. Pe­
dro Canísio).

4 ) Os antigos Urros litúrgicos, valem enquanto tes­


temunham a le da Igreja, quer dizer, enquanto manifes­
tam a Tradição, primeiramente a Tradição teológica,
depois também a tradição histórica (Zaccana).

5 ) Entre as antigas liturgias são as ocidentais menos


suspeitas de interpolações heréticas do que as orientais.
Entre aquelas é melhor testemunho a Liturgia Romana;
entre estas é de mais confiança a antiga de S. Tiago, por
ser mais prim itiva e insuspeita de heresia.

6) P ara o USO teológico da Liturgia, é capital como


temos dito sempre, a justa INTERPRETAÇÃO dela. A inter­
pretação dada pelos Teólogos e Liturgistas vale consoante
se puder dizer sancionada pela Igreja . A interpretação
alegórica, embora tão sujeita a arbitrariedades, nos pontos
em que é unânime, vale sem dúvida como argumento. N a
Idade Média, tempo houve em que era quase exclusivo esse
género de interpretação, o qual se pode ver pràticamente
recolhido na obra de Durando de Mende. Como exclusiva,
porém, em geral não é admissível. Requere-se também a
interpretação circunstancial histórica/S.'" Alberto Magno).

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310 O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS

7 ) O sentido dos textos, há-de entender-se, em pri­


meiro lugar, aquele que é óbvio e re al; se houver porém
fundamento, admita-se também o sentido figurado. Mas a
interpretação há-de completa/r-se com o contexto, no qual
entra o título da oração ou trecho litúrgico, a terminologia
da época, os ritos concomitantes e as circunstâncias histó­
ricas, e ainda com o confronto dos lugares paralelos na
mesma Liturgia e em outras liturgias (Zaiccaria).

8) A uniformidade entre as fórm ulas ou ritos das


diversas liturgias é argumento em favo r da verdade que
eles exprimem ou supõem. Mas esas uniformidade de
facto, não argúi uniformidade de direito; quer dizer: esses
pontos de uniformidade podem ser contingentes e não
necessários.
Uma liturgia particular que discorde da uniformidade
das outras não constitui teologicamente dificuldade (Zac-
c a ria ).

9 ) As omissões de textos ou ritos nos antigos livros,


não são por si argumento de que esses textos ou ritos não
se usavam. Pode haver razões para a omissão, por exemplo
a disciplina do «arcano». Sê-lo-ão porém, quando se prove
que os livros, devendo registar esses textos ou ritos, os não
registam (Zaccatia).

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SECÇÃO IIÍ

D ETER M IN A Ç Ã O DO VALOR TEOLÚGIGO


D A LITU RGIA PELA RA ZÃ O TEOLÓGICA

A o ejuizormos sobre os leslemunhos de Trediçfio,


jó investigóvemos lembém com e RezSo Teológico.
Mos o estudo feito eté equl, convém que o com pro­
vem os e completemos neste lu ger teoló gico ulili-
zedo ò perle.
Pere não seirmos dos limites de ume inlroduçêo
ou ensoio, restringimo-nos às linhes principais deste
processo. Reduzimos tudo e um cepílulo.

Capítulo VII : O Testem unho da Razão T eológica.

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C A P ÍT U L O VII

O TESTEMUNHO DA RAZÃO
TEOLÓGICA

Ektknih:N'I>0 ; i R a z ã o T e o ló g ic a , d e m a n e ir a p a r e c id a o n a n á -
I o g a à q u e la q u e p a r e c e e n t e n d e r o C o n c ílio d o V a tic a n o ( ' ) ,
le r e m o s que e x a m in a r p r im e ir o o nexo e n t r e L itu r g ia e
P r o c e s s o T e o ló g ic o , e d e p o is a aneloga d a n o s s a q u e s tã o
c o m o u t r o s p r o b le m a s já s o lu c io n a d o s na T e o lo g ia — d e t e r ­
m in a d a m e n t e c om o t r a t a d o da S a g r a d a H sc ritu ra .

D iv id im o s , n e s s a o r ie n ta ç ã o , e s t e c a p ít u lo :

A r t ig o T — Nexo entre Liturgia e Processo Teológico


A r t ig o JT — Analogia com o tratado da Sagrada Escritura.
(1 ) « . . . tum e x . . . analogia, e . . . n exu. . . » Sess. 3, cap. 4 — CL, 7,
253; 5 ( 1S69) 467; E S 179C.

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ARTI GO I

N e x o en Ire Lilurgia e P ro cesso


T eo ló gico

1. —Carácter expressivo da Liturgia. 2. — Posição


da Liturgia entre os Lugares Teológicos. 3 .—Qua­
lificação teológica da Liturgia. 4. - Psicologia do
Corpo Místico na Liturgia. 5. — Conclusses.

p \A ST A r e v e r p r im e iro a s noções p r e lim in a r e s de Litur-


gia, Lug ares T e o ló g ic o s e N otes T e o ló g ic a s, e x ­
p o sta s n a p r im e ir a p a rte , e d ep ois c o m p a r á -la s e d e te rm i­
n a r o nexo que há en tre elas.

1. — Pela sua mesma natureza, a Liturgia é uma fonte


teológica. A Litu rgia é a e x p re ssã o em determinados mo­
mentos, da homenagem que a Deus se deve continuamente
com a profissão do Dogma e a prática da Moral. Tem
como fim a glória de Deus, que é por definição, «conheci­
mento esclarecido [da verdade divina] junto com lou-

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316 O TKSTKMUNI10 I)A RAZÃO TEOÍ.ÓttlCA

vor» (2). Com efeito, o acto principal deste tributo de


glória, o s a c r i f í c i o , tem por essência significwr o reconhe­
cimento do domínio natural e sobrenatural de Deus, e o
sacrifício instituído por Cristo é prolongado ainda pela
Ig re ja no OFÍCIO d iv in o de expressão de louvores.
Mas para que o culto seja aceite é preciso que prove­
nha de almas santificadas e deputadas para ele. É por
meio dos s a c r a m e n t o s que se imprime esse carácter e se
dá a graça santificante. Também a essência dos sacra­
mentos é significar sensivelmente o que invisivelmente
produzem. Em desenvolvimento destes ritos, estão insti­
tuídos pela Ig re ja à imitação deles, também como sinais
sensíveis, os s a c r a m e n t a i s .
E os três elementos que entram na formação daquelas
partes da Liturgia, são também por sua natureza signifi­
cativos— os objectos sensíveis e simbólicos, as palavras e
os coctos.
Descobrir-se-á pois na análise íntima da Liturgia,
característica mais profundamente marcada do que esta
de exprimir, significar? Quem exprime e signifca por meio
da Liturgia, é o Corpo Místico. A Litu rgia é o culto da
Ig re ja como tal. Se é universal, é uma expressão da Ig re ja
universal. Naquilo que tem, só particular, é expressão de
igrejas particulares.

2. — Em qual dos Lugares T eológicos está pois a L i­


turgia? Dissemos que há afinal uma só fonte da Teologia
— a palavra revelada, que está contida na e s c r i t u r a e na

(*) «Clara notilia cum lande». — .S. Th., 1-2, q. 2, a. 3.

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NEXO EKTIIE LITUItCIA K i’I!OCESSO TEOLÓCICO 317

t r a d i ç ã o . A Litu rgia como expressão sintética da vida de


fé e da vida moral da Igreja, terá que abranger a suma da
palavra revelada, quer dizer da Escritu ra e da Tradição.
Em verdade, contém nas suas leituras para a instrução e
exortação dos fiéis, uma selecta dos livros sagrados c dos
testemunhos dos Padres e Doutores da Igreja. Mas nos
elementos mais propriamente litúrgicos, isto é nos actos
próprios para a glorificação de Deus e para a santificação
das almas, embora se empreguem textos da e s c r i t u r a , dos
PADRES, dos t e ó l o g o s ou de escritores anónimos, a voz é
nesse caso, formal e directamente da Ig re ja : da Ig reja
universal, se se trata de elementos litúrgicos universais;
de igrejas particulares, se se trata de liturgias particulares.
A posição da Liturgia entre os Lugares Teológicos,
embora materialmente se disperse por vários, ou quase
todos, coincide sobretudo com o Lugar Teológico da a u t o ­
r i d a d e d a IGREJA, da universal, ou das particulares; mas
havendo de determiná-lo mais ainda, diríamos que a Litur
gia como L ugar Teológico, é essa Autoridade enquanto
regula e exerce o culto.

3. — E que valor teológico compete assim ao conteúdo


da L itu rgia? Deve dar-se-lhe tanto melhor qualificação
teológica, quanto mais litúrgico, por sua mesma natureza,
ele for, e quanto mais ele se puder dizer da a u t o r i d a d e
d a IGREJA, quer intensiva quer extensivamente.

Pelas noções que na prim eira parte expusemos de


Liturgia, parece-nos que se pode classificar de mais e
menos litúrgico, por ordem decrescente:

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318 0 TESTEMUNHO DA KAZÃO TEOI.ÓU1CA

1) a parte divina necessária do sacrifício e dos sa­


cramentos,
2) os elementos divinos utilizados na Liturgia se­
gundo a livre disposição da Ig re ja — por exemplo
os textos da Sagrada Escritura,
3) o Cânon da M issa e orações próprias do cele­
brante,
4) aquilo que podíamos igualmente chamar Cânon
dos Sacramentos, e que pertence também ao mi­
nistro deles como tal,
5) O Ofício Divino e outras partes da Missa,
6) os Sacram entais e outros ritos.

São mais e menos extensivamente da Ig re ja os ele­


mentos da Liturgia, respectivamente mais e menos univer­
sais. Mais intensivamente da Ig reja são os m ais persua­
siva e declaradamente vividos por ela.
Podem também dizer-sc procedentes da a u t o r i d a d e
d a i g r e j a num sentido mais e menos intensivo aqueles que
estão nesta gradação:

1) os de instituição apostólica, como as cxsuflações


e exorcismos do baptismo, entendidos assim por
exemplo por S.'° Agostinho,
2) os de instituição dos Concílios, como os símbolos,
3) os instituídos pelos Pontífices Romanos,
4) os instituídos pelos Bispos, c
5) pelos Prelados religiosos.

Hoje a Litu rgia tem toda, aprovação específica da

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NEXO ENTRE LITURGIA E 1’UOCESSO TEOLÓGICO 319

Santa Sé, quer dizer, vale pelo menos como instituição sua
na Ig re ja universal ou em igrejas particulares (3).
P ara se qualificar pois o conteúdo da Litu rgia é pre­
ciso determinar primeiro o objecto da acção ou expressão
litúrgica, localizá-lo depois no campo da fé e costumes, e
averiguar com que sentido e intenção é ele professado pela
Igreja. Pertencem ao campo da fé as verdades, ou revela­
das, ou com elas necessàriamente conexas. Sobre todas tem
a Ig re ja poder de Magistério.
Mas encontram-se também na Litu rgia outros assun­
tos, por exemplo os puramente históricos e científicos.
Neles não tem a Ig re ja poder directo de Magistério, mas
também a eles se estende o seu domínio, pois lhe cabe o
direito de os utilizar para a santificação das almas. Não
fazem portanto dificuldade no campo da fé , os erros histó­
ricos ou científicos nas lições e fe sta s; a dificuldade pa­
rece-nos que tem de resolver-se no campo da moral.
Quer dizer, teologicamente deve a dificuldade propor-
-se desta form a: como pode a Igreja, santa, servir-se por
exemplo de narrações falsas para com elas edificar nos
fiéis uma santidade verdadeira? Não há dúvida que re­
pugna à santidade da Ig re ja propor conscientemente, em­
bora para fin s bons, coisas falsas como se fossem verdadei­
ras. Compreende-se, porém, que a Ig reja não tem que
fazer logo uma rectificação nos seus livros litúrgicos de
cada vez que em alguma revista apareça mais um esclare­
cimento científico acerca de um facto, porventura lendá­
rio, neles referido. Oportunamente fará, e tem feito, as

(8) Vid. C IC 1257. Referimo-nos ao sentido jurídico da aprovação


«em forma específica» que se distingue da aprovação «em forma comum».

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320 O TESTEMUNHO DA KAZÀO TEOLÓUICA

rectificações que a verdade exige; mas já do facto de ela


consentir que se propaguem essas conclusões da critica se
pode entender o sentido duvidoso ou lendário que àqueles
factos se deve dar.
Há aí contudo, uma coisa, já da competência do Ma­
gistério : a doutrina revelada ou conexa com a revelação,
que a comemoração desses factos supõe. Podia a Igreja,
por exemplo, celebrar equivocadamente a festa de um m ár­
tir que não existiu ; mas nessa festa exprim ia uma verdade
certa do campo da fé — que é um gesto santo, digno de
celebrar-se, dar a vida por Cristo.
Celebra a Ig re ja m ártires catecúmenos, como S. Vítor
de B rag a (') , S.,R Emerenciana (•'■). Mesmo que tais santos
não tivessem existido, era verdadeira a suposição doutrinal
que o Magistério implicitamente ensina com as festas
deles: a eficácia do m artírio ou do acto de caridade per­
feita. Identifica a Litu rgia Romana em S.lR M aria Mada­
lena, penitente, as que no Evangelho são possivelmente três
mulheres distintas: a Madalena de quem o Senhor expul­
sou sete demónios, a irmã de Lázaro e a pecadora
A identificação vale quando muito como uma hipótese de
interpretação bíblica. Mas ensina a Ig reja com essa festa,

(■*) Vid. M artirológio Romano, dia 12 de Abril: «Em Braga, cidade


de Portugal, dia de S. Vítor, Mártir, o qual, sendo ainda catecúmeno, não
querendo adorar um idolo e confessando com grande constância a Jesu s
Cristo, depois dc muitos tormentos, sendo finalmente degolado, mereceu
baptizar-se em seu próprio sangue».
( B) Vid. B reviário , M artirológio e M issal Romano, dia 23 de Janeiro.
(6) Para verificar esta identificação na Liturgia Romana, na festa do
dia 22 de Julho, basta ler no Oficio de Vésperas o hino e juntamente a ora­
ção do dia.

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NEXO ENTRE LITURGIA E PROCESSO TEOLÓGICO 321

como coisa certa e própria do campo do Magistério, por


exemplo os efeitos salutares da penitência.
Determinado bem o campo do M agistério — a matéria
de fé e costumes — é capital atender ao modo como a
Igreja professa as verdades desse campo na Liturgia, para
podê-las qualificar. Servirá para isso um critério análogo
ao que se usa na qualificação do que está contido nos do­
cumentos doutrinais. São professadas como de fé, por
exemplo as verdades directamente expressas na fórmula
litúrgica dos símbolos. Não teríamos dificuldade em re­
conhecer uma profissão semelhante em expressões como
estas: «vers eam Genitricem Dei credimus», «ad caelos
ascendisse credimus» ( T).

4. — A s considerações precedentes podiam fazer-se


ainda por um aspecto interessante, que merecia um estudo
profundo: o aspecto psicológico do Corpo Místico.
É certo que em conformidade com o conhecimento dos
princípios da fé, normalmente, se organiza o culto. Mas é
importante advertir que a Ig re ja é um ser vivo, Corpo
Místico de Jesus Cristo. Tem uma alma — o Espírito
Santo, e um instinto — os dons do Espírito Santo. Dá-se na
Ig re ja um conhecimento por via intelectiva; dá-se também,
por inclinação ou instinto sobrenatural — o conhecimento
por conaturalidade, segundo a mente de S. Tomás (8).
No seu conhecimento consciente intelectivo estão os
princípios fundamentais pelo menos, com que ela regula a
Liturgia e também o Direito Canónico; mas no seu proce-

( 7) Vid. oração do dia, na festa da Anunciação e na da Ascensão.


(») Vid. S. TA., I, q. i, a. 6, ad 3.

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0 TESTEMUNHO DA RAZÃO TEOLÓGICA

der disciplinar e litúrgico tem também a Ig re ja um conhe­


cimento instintivo, verdadeiro, que procede do instinto so­
brenatural— os dons do Espírito Santo. Naquele proceder
podemos depreender as verdades desse instinto sobrenatu­
ral, que também regulam por caminho verdadeiro os actos
da Igreja. Será este ainda um sentido psicológico legítimo
daquele princípio: «a lei da oração é lei da f é », sentido bem
longínquo do subjectivismo modernista.
Penetrar assim na psicologia litúrgica do Corpo M ís­
tico é saber usar a fundo a Litu rgia como fonte teológica.
São mais completas e reais as verdades depreendidas ime­
diatamente na vida do que as que se vêem nos enunciados
abstraídos da realidade concreta. Mais perfeitos se depre­
enderiam os princípios da arte de Miguel Ângelo, de Ber-
nini ou de Afonso Domingues, na graça e proporção de
linhas da cúpula e colunata de S. Pedro, ou no mosteiro da
Batalha, do que em tratados que eles escrevessem.
Tem a sua dificuldade depreender com rigor as linhas
dogmáticas na vida litúrgica da Ig re ja ; mas é lá que elas
têm a sua função vital e o seu sentido mais real e completo.

5 — Conclusões

1) A natureza da Litu rgia nas suas partes essenciais


e elementos próprios, tem como característica profunda­
mente marcada, a de exprimir, significar. É pois a L itu r­
gia, ,por natureza, uma fonte teológica.

2) Em bora materialmente esteja dispersa por quase


todos os outros lugares teológicos, ou melhor, embora mate-

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NEXO ENTRE LITURGIA E PROCESSO TEOLÓGICO 323

rialmente compreenda em si elementos deles, pode ela fo r­


malmente ser considerada como lugar teológico específico
— o da a u t o r i d a d e DA i g r e j a enquanto regula e exerce o
culto. Admite ainda neste aspecto subdivisões, segundo a
gradação litúrgica dos elementos que a compõem e se­
gundo a autoridade eclesiástica universal ou particular
que reveste.

3 ) Para a qualificação teológica dos elementos da


Liturgia, deve atender-se ao grau litúrgico que eles têm, à
autoridade que da Ig re ja recebem, mas antes de mais deve
ver-se se eles são assunto da fé e costumes que está sob o
poder do M agistério directo, ou assunto por exemplo histó­
rico ou científico, só sob o domínio ou M agistério indirecto
da Igreja.

4 ) Tratando-se do proceder da Ig re ja no campo da


doutrina, da disciplina e do culto, sempre podemos dizer:
a Ig re ja procede assim ; logo pode proceder. É certo que
pelo menos os princípios fundamentais do seu procedi­
mento tem-nos ela sempre conscientes. Mas a Ig re ja pro­
cede também conaturalmente segundo o seu instinto, menos
consciente. Do Direito Canónico e da L iturgia, podemos,
pois, tirar doutrina certa e que pode dizer-se nova para o
conhecimento consciente e claro da Igreja.
O célebre princípio «a lei da oração é lei da fé», inter­
pretámo-lo dizendo que ontològicamente é a lei da fé que
funda a lei da oração e que por isso mesmo logicamente se
dá o inverso: pela lei da oração se conhece a lei da fé.
Podemos acrescentar aqui um aspecto novo, o aspecto

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324 O TESTEMUNHO DA RAZÃO TEOLÓGICA

psicológico que como o entendemos nada tem que ver com


a interpretação modernista daquele princípio rejeitada por
Pio X II.
Queremos dizer: a lei da oração mesmo quando es-
pontâneamente surge do instinto sobrenatural da Igreja,
corresponde à objectividade da lei da fé, que está no
íntimo da vida da Igreja, mas ainda não expressa e clara
na consciência dela.

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A R T I G O II

A n a lo g ia com o tratado
da S a g ra d a Escritura

s u m Ar i o :

3
I- — Uma analogia. 2. — O tratado da Sagrada Es­
critura. . — Um tratado análogo da Liturgia como
foute teológica. 4. — Outros dois casos particulares
de analogia. 5. — Conclusões.

I I nosso problema é de localização e avaliação de uma


fonte teológica. A s fontes da Teologia sabemos que
se reduzem à palavra revelada, contida na E scritu ra e na
Tradição. Sobre a Escritura há já um tratado à parte e
conhecido. Da Tradição costuma-se fa la r no tratado da
Ig re ja no capítulo do M agistério vivo. Da Litu rgia como
fonte teológica, não existe, que saibamos, delineado, um
tratado científico. Tentámos nós traçar um esboço no
conjunto deste nosso estudo.
Chegados porém a este ponto, ocorre-nos muito a pro­
pósito sugerir outra form a diversa de um tratado geral

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326 0 TESTEMUNHO DA RAZÃO TEOLÓGICA

fundado numa analogia de processo, com o tratado da Sa­


grada Escritura. Nunca vimos o assunto encarado por
alguém, dessa form a nova, mas afinal conhecida. E nem
sequer o vimos ainda sugerido. É o que vamos fazer
— sugeri-lo aqui. Afigura-se-nos bem fundado e fecundo
este processo.

2. — O tratado da E scritu ra como fonte teológica, na


sua form a mais actual ( ’ ), tem os seguintes delineamentos
gerais: com um método não apologético, mas teológico-
-dogmático, pretendem nele estabelecer-se, como uma parte
da Teologia Fundamental, os princípios que devem guiar o
Teólogo no uso da E scritu ra como fonte teológica. É este
o objecto do tratado.
Divide-se ele em duas partes principais. Trata-se pri­
meiro da TEORIA do valor da Escritu ra para a Teologia:
constrói-se toda sobre um facto base — a Escritu ra tem a
Deus por autor verdadeiro e principal. Apresenta-se o
critério para discernir os livros inspirados, determina-se
quais são eles em concreto, e passa-se à explicação da
natureza e consequências daquele facto básico — em que
consistiu a inspiração, até que ponto se podem dizer inspi­
rados os livros santos e as suas versões — e chega-se por
fim à determinação do valo-r da E scritu ra para a Teologia,
isto é, das condições de infalibilidade da Escritura, que é
a questão culminante desta primeira parte, a chamada
«questão bíblica».
E vem naturalmente a segunda parte que ó a do uso

(I) Guiamo-nos pela forma como está disposto por


u. nicolmj, De Sacra Scriptura, em — S a crae T/ttologiae Summa, 1,927-1063.

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ÀNAlOGIA COM O TRATADO DA SAGRADA ESCRITURA

teológico ou I N T E R P R E T A Ç Ã O da E scritu ra — a H eiw e-


nêutica. Determinam-se os vários sentidos que em geral
na Escritu ra pode haver (Noem áüca), estuda-se depois o
modo concreto de os determinar em cada caso (E urís-
tica), e por fim também o modo prático de os expor (Pro-
foristica).

3. — Ora são estas mesmas linhas gerais as que se


podem traçar também para um possível Iratado da Litur­
gia com o fonle leológica. Não se trata de desentranhar o
conteúdo teológico da Liturgia, mas de propor os princí­
pios que devem orientar o uso dela como lugar teológico.
Para os propor de uma form a ordenada seria preciso
dividir a questão em duas partes principais e complemen­
tares: a primeira, a teoria do valor teológico da L itu rg ia;
a segunda, o uso ou interpretação teológica da mesma
Liturgia.
Como base da prim eira parte, assim como a Escritu ra
é palavra de Deus, a Litu rgia é w z da Ig re ja (-’). Nesta
base bem esclarecida, é que tem de assentar toda a TEORIA
que há-de construir-se.
É preciso primeiro discernir o que é litúrgico daquilo
que o não é. No caso da Escritu ra o critério é o M agis­
tério da Igreja. No caso da Liturgia vem a ser a Ju ris d i­
ção da Ig re ja no que se refere à determinação do exercício
da sua função sacerdotal (::). Convém para isso uma expo­
sição histórica e sistemática das várias liturgias e livros
litúrgicos, assim como no tratado da E scritu ra se trata
(2) Cfr. supra, a definição essencial de Liturgia, pâgs. 23-28.
(3) Cfr. supra, a definição descritiva de Liturgia, pãgs. 21-23.

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328 Ò TESTEMUNHO DA RÀZÂO TEOLÓGICÀ

também da história do cânon dos livros santos. J á a fize*


mos em esboço na prim eira parte (4).
Interessa ainda analisai’ a natureza da L itu rgia como
voz da Igreja. No caso da inspiração dos livros sagrados é
Deus, fisicamente, o seu verdadeiro autor principal; na
Litu rgia o autor é juridicam ente a Igreja. É-o ordinaria­
mente pela sua aprovação «em form a específica». Não im­
portam neste ponto os autores humanos que materialmente
elaboraram os elementos da L itu rg ia; estes são form al­
mente da autoridade da Ig re ja ou das igrejas particulares.
Parece-nos porém que devemos descontar aqui aquelas lei­
turas que na L itu rgia se propõem como de escritores deter­
minados. Falando ainda em termos jurídicos levam elas a
aprovação da Igreja, mas a nosso ver, «em form a comum»,
não «em form a específica». Quer dizer: deverão conside­
rar-se na mesma Liturgia, primàriamente do escritor ecle­
siástico a quem se atribuem, muito embora propostas e
aprovadas pela Igreja.
E até que ponto a Litu rgia se pode dizer da competên­
cia do poder que a Ig re ja recebeu de Cristo? Até aos limi­
tes do campo da f é e costumes. Não pode aí a Ig re ja como
tal no seu proceder definitivo, constante e universal, nem
errar nem pecai-: a veracidade e a santidade da Igreja
foram para S.to Agostinho, como vimos, o fundamento da
autoridade dogmática da Liturgia.
A inspiração caía sobre o original; sobre as cópias e
versões, só equivalentemente, enquanto correspondem fiel­
mente ao original. Assim também na Liturgia. No direito
actual, a autenticidade compete à edição típica dos livros;
(*) Vid. supra, págs. 42-55.

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a n a l o g ia com o tratado DA sa g r a d á e s c r it u r a 329

litúrgicos; as outras edições valem enquanto conformes


com ela.
E somos trazidos à questão da imunidade de erro, de
facto e de direito, na Liturgia. É o ponto culminante da
questão, como o era também analògicamente no caso bí­
blico. Mas muitas dificuldades que lá se têm de resolver,
aqui simplesmente são removidas, porque o campo é mais
reduzido. Quer dizer: na E scritu ra é Deus que fala e por
isso tudo o que ela disser tem que ser verdadeiro, e as difi­
culdades que surgem é forçoso resolvê-las. Aqui é a Ig re ja
que fala, e ela só tem garantia de infalibilidade no campo
limitado da fé e costumes. A ele está limitada também a
questão.
Chegados, pois, a este ponto culminante, é preciso
m arcar primeiro na Litu rgia o termo do campo da fé e
costumes, exam inar aí os textos, objectos ou actos litúr­
gicos, e investigar a autoridade da Ig re ja que eles reves­
tem. Assim como na E scritu ra há coisas que se podem
dizer mais e menos estritamente palavra de Deus, assim
também na Litu rgia há elementos que podem ser mais e
menos voz da Ig reja . Parece-nos por exemplo diferente a
autoridade das lições que a Ig re ja apresenta como dos
Santos Padres, e a autoridade das que ela apresenta como
suas. Nestas ainda, enquanto doutrinais, o seu objecto
terá a imunidade de erro, em condições semelhantes às dos
documentos doutrinais da Igreja. Enquanto exortativos,
o objectivo delas terá a imunidade de pecado em condições
parecidas às dos documentos disciplinares.
E, chamada pelo processo até aqui seguido, vem agora
a segunda questão capital do tratado que estamos esbo-

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0 TESTEMUNHO DA RAZA0 TEOLÓGICA

çando: a da I N T E R P R E T A Ç Ã O ou Hermenêutica da Litu r­


gia. Tal como na E scritu ra (5), também na L itu rgia pode­
mos assinalar o sentido literal das fórmulas, e o sentido
típico dos objectos e actos. De um modo geral a Liturgia
do Antigo Testamento era tipo da do Novo ( ° ) ; de uma
maneira semelhante se poderá notar na Litu rgia da Ig reja
uma prelibação da Liturgia celeste. Podemos reconhecer
nela ainda, como na Escritura, o chamado sentido «mais
pleno».
Assim como o Espírito Santo nos livros sagrados pôde
pretender sentidos para além daquele que era consciente no
agiógrafo, também o mesmo Espírito Santo como alma do
Corpo Místico, pode, por exemplo, nos casos de fé implícita,
esboçai- na Litu rgia a expressão de verdades não declara­
das ainda na consciência da Igreja, m as que progressiva-
menti se irão definindo cada vez mais. Este sentido assim
chamado «mais pleno» poderíamos reconhecê-lo por exem­
plo, nas festas da Assunção e Imaculada Conceição quando
começaram a celebrar-se. Não estavam esses dogmas
claros e explícitos ao princípio na consciência universal da
igreja, ao celebrar aquelas festas, mas provàvelmente im­
plícitos apenas.
Não é difícil ainda verificar que há na L itu rgia tam­
bém como na Escritura, o sentido próprio e o figurado, o
sentido histórico referente a factos, o profético pelo que
diz respeito à fé, o tropológico relativo aos costumes, e o
•amagógico, em relação à vida futura.
Mas o que pràticamente importa é encontrar o sentido

(“ ) Cfr. s. tomás, Quodl., 7, q. 6, a. 15, ad 5.


(«) Cfr. S. Th., 1-2, q. 102, a. 2 ; vid. supra, 251-252.

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An a l o g ia com o tratado d a sa g r a d a e s c r it u r a

verdadeiro da L itu rgia para serviço da Teologia. É essa,


a função que julgamos principal do liturgista, como, no
estudo da Escritura, a função mais importante é a do
exegeta. E também aqui se poderiam estabelecer critérios
paralelos aos da interpretação bíblica.
Têm, com efeito, aplicação como lá, os critérios literá­
rios: análise do texto no seu contexto literal e histórico e
no confronto com os lugares paralelos. Mas além desta
análise crítica, são ainda indispensáveis os critérios dogmá­
ticos, teologicamente mais decisivos: o sentido que inte­
ressa na interpretação da Litu rgia é «aquele que a Santa
Ig reja susteve e sustêm» (7)- Entre esses critérios estão
primeiro as declarações da Santa S é que directamente
aceitam ou rejeitam uma interpretação dada da Liturgia,
e as que indirectamente aprovam ou reprovam uma dou­
trina compatível ou incompatível com determinado texto
litúrgico.
Serve depois também de critério a interpretação
comum dos liturgistas (K), e ainda a analogia com outros
documentos eclesiásticos, e doutrinas da fé.
Determinados estes princípios, tratar-se-ia para o li­
turgista, do modo de expor a interpretação litúrgica, que
podia organizar-se segundo as várias partes e elementos
da Liturgia, e segundo a divisão sistemática dos vários
sentidos litúrgicos.
Poderia por fim, acrescentar-se ao tratado assim dis-

(I) Cfr. Cone. Trid., Sess. 4, decr. 2 — C T 5, 92; E S jS6.


(*) Não nos referimos aos rubricistas, nem julgamos possíveis, nesta
altura do nosso estudo, restos do preconceito que os confunde com os litur­
gistas. Vid. supra, pág. 28.

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332 0 TESTEMUNHO DA IIAZÂO TEOLÓGICA

posto, um aditamento querigmático da exposição dos valo­


res morais, ascéticos, e pedagógicos da Litu rgia (B).

4. — Uma analogia m ais restrita se poderia ainda


fazer com dois casos particulares da infalibilidade da
Ig re ja : o da canonização dos Santos e o da aprovação de
uma Ordem Religiosa. Declarações tão definitivas e solenes
como essas para a santidade da Igreja, estão garantidas
pela infalibilidade do poder eclesiástico( 10). Há aspectos na
Litu rgia a que se podiam aplicar condições e critérios
semelhantes, sendo ela culto verdadeiro e solene, e santifi­
cação das almas.

5. — Conclusões

1) Como prim eira conclusão, podíamos assinalar


neste artigo a sugestão de um processo novo e por outro
lado, conhecido, para se elaborar um tratado da Liturgia
como fonte teológica. Baseámo-lo no fundamento da ana­
logia com o tratado da Sagrada E scritu ra: a Sagrada E s ­
critura é palavra de Deus, portanto em tudo verdadeira;
a Litu rgia é palavra da Ig reja , e portanto certa no campo
e condições em que a Ig re ja tem prerrogativa de infali­
bilidade.

(9) Cfr. o final do tratado de


si. NicoLAU, De Sacra Scriptura, nn. 267-294, em — Sacrae Theologiae
Summa, 1, 1055-1063.
(10) Pelo que diz respeito à infalibilidade na canonização dos Santos,
pode ver-se :
f. spedalieri, De Ecclesiat infallibilitate in canonizai iene Sanctorum.

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ANALOGIA COM O TRATADO DA SAGRADA ESCRITURA 133

Ao lançarmos as linhas gerais desse método analó­


gico, encontrámo-nos com problemas e soluções já situados
e tratados no processo que neste nosso estudo nos propu­
semos e seguimos desde o princípio.

2) No esboço novo traçado neste artigo partíamos


desta base: a Litu rgia é expressão da Igreja. Daí dois
pontos capitais de um tratado da Litu rgia como fonte teo­
lógica: um t e ó r ic o — a L itu rgia tem garantias no campo
da fé e costumes, consoante aquilo que ela por si exprime,
e consoante a autoridade da Ig re ja que essa expressão re­
veste; outro p r á t i c o e paralelo a este — a interpretação
teológica da Liturgia, deve fazer-se, segundo o sentido
intHnseco dos elementos litúrgicos, e principalmente se­
gundo o sentido que extmnsecamente lhes advém da inten­
ção e autoridade da Igreja.

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CONCLUSÕES

Recapitulação.
Conclusões gerais.
Fruto teórico.
Fruto prático.
Sugestão de alguns
problemas.

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I HEGADOS ao fim , vo lta m o -n o s a g o r a p a r a um a v isã o <le
^ co n ju n to do ca m in h o p e rco rrid o , dos re su lta d o s do
tr a b a lh o fe ito , e a in d a de a lg u n s p ro b le m a s qu e fo r a m
o co rre n d o e que d eix a m o s com o s u g e s tã o de p a rtic u la r e s
in ve s tig a ç õ e s.

1. — Começámos, sabendo já que a Litu rgia é uma


fonte teológica. Esse dado inicial estava assegurado pelo
Magistério. O que não se via claro era como ela se devia
utilizar no processo teológico. E ra preciso pois localizá-la
primeiro entre as outras fontes da Teologia e determinar-
-lhe depois as condições do seu valor ou qualificação teo­
lógica.
Sendo pois este estudo, dogmático e não apologético,
o processo teve que consistir em verifica r nas fontes já
conhecidas aquele ponto claro, e nelas investigar o campo
impreciso e obscuro.
Não nos restringimos a uma só parte da Liturgia, nem
à investigação numa só fonte particular; quisemos obser­
var nas fontes gerais da Teologia — na s a g r a d a e s c r i ­
t u r a , na t r a d i ç ã o , na r a z ã o t e o l ó g i c a — o valor da
L iturgia em gerai.
Abarcar assunto tão complexo e vasto poderia parecer
uma presunção, se pretendêssemos tratá-lo exaustivamente.
Mas o trabalho que aqui deixámos feito mostra bem que
era impossível uma pretensão assim. O nosso intento era

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338 CONCLUSÕES

em verdade modesto: tentar apenas um primeiro esboço


ou ensaio de um tratado sobre a L iturgia eomo fonte teoló­
gica,. E tão modesto, que prevemos estar destinado a tor-
nar-se inútil este esboço, quando, feitos estudos especiali­
zados sobre cada uma das questões aqui levantadas, se
possa elaborar um tratado definitivo. Até lá, no entanto,
cremos que pode este nesso estudo ficar, a abrir campo e a
apontar caminhos. E stá aí a sua finalidade principal e no
processo seguido, a novidade do seu contributo para a
ciência assim teológica, como litúrgica. Estava por fazer
um trabalho com este plano e orientação.
Como base lógica e metódica assentámos na primeira
parte, as noções precisas de Liturgia e Processo Teológico,
e fizemo-lo à luz dos ensinamentos do Magistério e do
pensar comum dos Teólogos. N a segunda parte fizemos
aquele trabalho, simultaneamente de verificação e de inves­
tigação, na Sagrada Escriture, na Tradição e na Razão
Teológica,
Apontámos na s a g r a d a e s c r i t u r a um texto geral que
esclarecia um pouco toda a questão, e outros que ilustra­
vam alguns aspectos dela.
Consultámos depois os «órgãos declarativos» da t r a ­
d i ç ã o , pela ordem clássica de Melchior Cano que é a do

peso e volume de autoridade que eles têm: a Autoridade


da Ig re ja universal, a dos Concílios, a dos Pontífices Ro­
manos, a dos Santos Padres e a dos Teólogos.
Em cada um destes Lugares Teológicos da Tradição,
correspondentes a outros tantos capítulos, distinguimos e
examinámos em particular aquele testemunho que nos pa­
receu mais importante, e passámos depois em revista ou-

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CONCLUSÕES 339

tros testemunhos. Com esse critério dividíamos geralmente


o capítulo em dois artigos.
Traçámos, pois, atravég daqueles Lugares Teológicos
duas paralelas do nosso percurso: na primeira alinhámos
as autoridades que nos pareceram principais — o princípio
célebre do Indícido, o Concílio de Trento, o Papa Pio X II,
S.'° Agostinho, e o príncipe dos Teólogos S. Toniás. N a se­
gunda linha, secundária, dispusemos primeiro os factos
litúrgicos de origem ou com repercussão doutrinal por
ocasião das heresias, cismas e controvérsias, e a seguir o
testemunho de outros Concílios, de outros Romanos Pontí­
fices, de outros Santos Padres e de outros Teólogos, tendo
salientado entre estes Zaccaria, o principal dos que directa­
mente trataram do assunto em questão.
A teoria, no entanto, do argumento litúrgico, directa­
mente trataram -na poucas daquelas autoridades consulta­
das; em geral foi preciso extraí-la do uso que dela fizeram.
Os testemunhos relegados para o segundo alinha­
mento são certamente incompletos da nossa parte e, em si
mesmos, por vezes, imprecisos. Não devendo pela índole
deste estudo deixá-los de parte, só dessa form a julgámos
possível incluí-los. Fizemo-lo, porém, de tal sorte que
pudessem sugerir ulteriores investigações particulares, e
que do conjunto se pudessem tirar conclusões legítimas.
N a verificação e investigação pela r a z ã o t e o l ó g i c a ,
ativemo-nos à noção dela que se pode depreender no Concí­
lio do Vaticano: procurámos concluir, do nexo entre L itu r­
gia e Processo Teológico, e da analogia entre Liturgia
— voz da Igreja, e a Sagrada E scritu ra — voz de Deus.

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340 CONCLUSÕE3

2. — Assim como no processo não fomos além do que


projectámos desde o começo, também nas conclusões não
ultrapassámos talvez o que *de princípio esperávamos;
mas, sendo modestos os nossos intentos, julgámos ter atin­
gido pelo menos o que buscávamos.
N a p r i m e i r a p a r t e , por ser preliminar e termos tido,
por isso, empenho em ajustá-la ao ensino do Magistério e
ao pensamento comum dos Teólogos, não poderá ter-se
encontrado novidade senão talvez na disposição orgânica
de noções, e ainda no estudo da definição de Liturgia em
que, por maior necessidade de esclarecimento, pusemos cer­
tamente um cuidado particular. Se há na base daquela
definição, documentos positivos da Ig reja conhecidos, per­
sistem porventura preconceitos velhos, e estes é que podem
dar ocasião de mais interesse e novidade ao estudo que ali
cieixámós.
N a s e g u n d a p a r t e — que é substancialmente a disser­
tação — parece-nos termos atingido o objectivo geral: um
esboço de um tratado. E delineámo-lo por método clássico:
a verificação e investigação nas fontes. Julgam os ter con­
seguido até duplamente esse objectivo, porque no final
insinuámos outra configuração diferente de um tratado
orgânico sobre o mesmo assunto, estabelecendo uma ana­
logia com o tratado da Sagrada E scritu ra como fonte
teológica. Parece-nos que os dois sistemas esboçados se
completam. O primeiro era melhor como método de inves­
tigação. Foi esse o que seguimos para verificarm os o que
na questão era já sabido e para investigarmos o que estava
por saber. O segundo, embora apto também para investi­
gação, julgamo-lo preferível como método de exposição.

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C0NCLUSÕE9 341

A s outras conclusões fomo-las apondo em séries, ao


fim de cada artigo. Nesses lugares ficou, até aqui disperso,
esse fruto do nosso trabalho. Verificam os agora, que por
diversos caminhos viemos dar em algumas conclusões que
eram insistentemente as mesmas. Sc por um lado isso não
satisfazia a ânsia cie novidade na investigação, por outro
confirmava-nos no acerto dos processos seguidos e dos
resultados alcançados.
Só vistas no seu lugar e depois de lida a investigação
que as precede, poderão as conclusões ser devidamente
apreciadas. Mas como há utilidade prática em coligir aqui
os frutos recolhidos, vamos salientar, das conclusões, aque­
las que mais podem contribuir para a formação do critério
que se deseja ter nos juízos sobre a teoi'ia e uso da Liturgia
como fonte teológica. Coincidirá esta exposição com o mé­
todo que insinuámos em analogia com o tratado da E s­
critura.

3. — Podemos assentar como base do FRUTO TEÓRICO,


que a Liturgia é, por sua natureza, essencialmetite expres­
siva; o sacrifício, os sacramentos, os sacramentais têm por
essência sig n ifica r: são sinais sensíveis; o ofício divino
exprime os louvores de Deus. Os elementos da Liturgia
— fórmulas, objectos sensíveis, actos — são, pois, m aterial­
mente expressão da Ig reja Corpo M ístico; formalmente,
são instituição dela, ou ainda mais, em alguns casos, insti­
tuição divina. Por conseguinte não podem ser em vão.
Estão assegurados pela veracidade e santidade que a
Ig re ja tem no seu poder de Magistério e Jurisdição em
m atéria de fé e costumes e que são nela indefectíveis, pela

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342 C0 NCLTJSÕE3

presença constante de Jesu s até à consumação dos séculos.


É pois a Liturgia uma «fonte teológica» dogmática e moml.
É ela certamente um «órgão declarativo» da palavra
revelada contida na Escritu ra e em outros documentos da
Tradição que usa profusamente. Em bora compreenda
assim o complexo dos outros Lugares Teológicos, parece-
-nos que a podemos classificar como um Lugar Teológico
específico, que vem a ser a a u t o r i d a d e DA IGREJA E N ­
QUANTO REGULA E EXERCE o c u l t o . Deve situai^se esta
fonte teológica depois das decisões doutrinais da Ig re ja e
antes do testemunho dos p a d r e s e dos t e ó l o g o s . Uma
liturgia é um testemunho em si intensiva e extensivamente
mais valioso que o de um Padre ou de um Teólogo.
Nesse campo nos parece que se devem fazer divisões
do mesmo lugar teológico segundo aquilo que se pode dizer
ma:« e menos litúrgico, ou mais e menos, tanto extensiva
como intensivamente, da Igreja, para se poder dar a quali­
ficação teológica correspondente.

tiebaixo daquele princípio «a lei da oração é lei da fé»,


podemos colocar e dispor a teoria toda. Parte-se da base
lei ou instituição estritamente tal, isto é «ratificada e fixa».
A lei determina os actos ou actuação litúrgica, os quais são
especificados pelo seu objecto.
Focámos no nosso estudo a base LEI DA ORAÇÃO por
três aspectos: primeiro o aspecto onlológico: «Sequeremos
distinguir de uma m aneira absoluta e geral as relações que
existem entre a fé e a Liturgia, podemos afirm ar com razão:
a lei da fé deve estabelecer a lei da oração». Assim diz
Pio X II. O aspecto lógico é naturalmente o inverso: a lei

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CONCLUSÕES 343

da oração leva por isso mesmo ao conhecimento da lei da


fé em que se funda. A Litu rgia é assim um distintivo da
Religião.
O aspecto psicológico' esclarece mais. «A Litu rgia é
o culto público do Corpo M ístico»; está fundada no conhe­
cimento consciente que o Corpo Místico tem da sua fé e
também no conhecimento instintivo e menos consciente.
Por ambos os lados é fonte garantida e contém explícita ou
implicitamente a suma do Dogma.
Enquanto fundada no conhecimento consciente é índice
da evolução do Dogma e é também meio muito apto para
a sua divulgação; por isto é ela «o órgão principal do
Magistério ordinário da Igreja». Verificám os que contri­
buem notavelmente para este fim as festas, como a de
Cristo Rei, certas fórmulas como os símbolos, os hinos
cantados pelo povo e determinadas expressões litúrgicas,
como deoTókoç , ópooúatoq, «Filioque».
N a Liturgia a expressão da fé é em geral simples,
sobretudo nas fórm ulas antigas dos tempos da Tradição
pura; é mais complexa em fórmulas dos tempos de elabo­
ração teológica: no prefácio da Santíssim a Trindade, por
exemplo. A erro substancial na fé corresponde erro na
L itu rg ia; assim é por natureza e assim se verifica que
tem acontecido. O Dogma portanto sempre, e a Teologia
algumas vezes, influem na Litu rgia como causa.
A Liturgia por sua vez, enquanto fundada no conheci­
mento por inclinação e instinto, que há no Corpo Místico, é
ocasião de progresso do Dogma, e ocasião e causa de pro­
gresso na Teologia. Evoluciona o Dogma lentamente sob a
vigilância, regularmente tácita do M agistério; a Liturgia

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344 CONCLUSÕES

evoluciona a par no seu sentido formal, não na sua form a


m aterial; essa exige uma intervenção positiva, e a autori­
dade eclesiástica não a faz senão em certos momentos.
Assim aconteceu, por exemplo, com a festa da Assunção.
É natural, pois, que entre as verdades do Dogma explí­
citas na consciência da Igreja, as mais importantes se
encontrem explícitas também na Liturgia, uma vez que ela
é «fonte prim ária e indispensável do verdadeiro espírito
cristão». Mas não pode pretender-se que a Liturgia, conte­
nha expressa e necessariamente todo o Dogma. Por diver­
sas circunstâncias da vida da Ig re ja estão na Liturgia
expressos uns dogmas e não outros, ou uns m ais do que
outros.
A Ig re ja Corpo Místico, vive, portanto, radicada cons­
ciente, ou menos conscientemente, na objectividade da fé,
e exprime-se na Liturgia. Por isso é necessária a unidade
litúrgica essencial, e há conveniências na unidade litúrgica
acidental, embora por outro lado se oponham razões justas
a favor da diversidade acidental na Liturgia.
N a Liturgia que é vida, pode depreender-se, com mais
dificuldade é certo, mas mais completa e real a verdade do
que em outros documentos expressamente doutrinais. M a:s
perfeitos se contêm os preceitos gram aticais e estilísticos
num trecho de Vieira, do que numa página da gram ática ou
de um curso de arte literária; mais arte se pode descobrir
nos monumentos do que numa exposição sistemática das
leis da arte.
A in stitu iç ã o ou lei de o r a r , d e te rm in a a A CT U A Ç ÃO
litú r g ic a , qu e é to d a ela, p o r e ssên cia, expressão, significa-

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CONCLUSÕES 345

cão da glória tinbutada a Deus e da santificação operada


nos homens pelo emprego dos elementos da Liturgia.
Mas, filosoficamente, um acto especifica-se pelo seu
objecto. Chegamos assim ao ponto culminante da questão:
saber o OBJECTO form al da voz e actuação da Ig re ja em
m atéria de fé e costumes, e a intenção autoritativa com
que é visado por ela.

4. — Vem pois a ser o FRUTO PR ÁTICO do nosso tra-


balho, obter um critério para a IN TER PR ETAÇÃO da L itu r­
gia. Localizámo-la como L ugar Teológico. É preciso agora
saber qualificar com as Notas T eológces o que nela se
contém.
Há na Liturgia, à semelhança da Escritura, diversas
espécies de sentidos e podem até, os da Liturgia, evolucio­
nar na vida do Corpo Místico, é preciso sabê-los determi­
nar em si mesmos e sobretudo na mente da Igreja.
Para determiná-los em si mesmos, se se trata de fó r­
mulas litúrgicas, tem que examinar-se primeiro o texto no
seu sentido óbvio pedido pelo estilo e pelo bom senso;
há-de relauionar-se com o contexto: é natural, por exemplo,
que a doutrina dominante na administração de um sacra­
mento seja a desse mesmo sacramento; há-de confrontar-
-se com os lugares paralelos dentro da Liturgia e nas ou­
tras fontes teológicas; há-de ter-se também em conta a
origem e a evolução histórica. Tratando-se de objectos ou
acções litúrgicas observar-se-á um processo análogo.
P ara determinar o sentido na mente da Igreja, é
sabido que ele só pode estar em assunto do campo da f é e
costumes. Im portará pois saber distinguir na Liturgia

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CONCLUSÕES

este campo: há casos em que por sua mesma natureza é


bem claro como o da Assunção gloriosa de M aria, e casos
em que não se distingue tão bem: o da Apresentação de
Nossa Senhora, ;por exemplo. Não nos parece que o título
desta festa, mais do que a dedicação de Maria, como tem­
plo, ao Senhor, queira significar na mente da Igreja, um
facto histórico com o conjunto exuberante de sabor lendá­
rio, que no Rito Bizantino apresenta o ofício deste dia
— aliás muito sóbrio no Romano. Nem seria acertado,
querer julgar estreitamente com mentalidade exclusiva­
mente histórico-crítica, moderna e ocidental, ofícios litúi-
gicos de outras épocas ou regiões, os quais pertencem a um
género literário diferente. Ninguém admitiria o despro­
pósito de ju lgar com critério jurídico textos de estilo fig u ­
rado e poético.
Os aspectos puramente históricos na L itu rgia não são
questão da competência autoritativa directa que a Ig reja
tem, de origem divina; sê-lo-iam da sua competência
humana científica. A festa da Trasladação da Santa Casa
do Loreto não é da Liturgia univex-sal; mas, embora o fosse,
o seu título indica a ocasião, não o objecto da festa. No
ofício e missa desse dia não decide a Ig re ja a questão his­
tórica; celebra com esplendor e riqueza doutrinal o seio
virginal de M aria, templo em que o Verbo de Deus se fez
homem. A festa litúrgica de um santo, que porventura não
tenha existido não pode considerar-se em vão. Todo o culto
se dirige ao seu último fim, a Santíssim a Trindade, e não é
precisamente a verdade histórica, mas a doutrinal expressa
nesse culto, aquela que nos garante a Igreja. No entanto,

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CONCLUSÕES 34?

também de assuntos puramente históricos na Liturgia


cuida a Ig reja com a sua competência humana científica.
Reconhecido, pois, o assunto como do campo da fé e
costumes, terá que averiguar-se a respeito dele ou na
índole dos próprios elementos litúrgicos, ou em testemu­
nhos extrínsecos, a intenção da Ig re ja para se poder defi­
nir o objecto da questão e qualificar com as notas teológi­
cas. O objecto da>s festas, por exemplo, tira-ise não só do
;ítulo, mas do conjunto dos textos, das circunstâncias de
tempo e lugar da instituição delas e de alguns textos em
particular. No Rito Romano costuma exprimir-se muitas
vezes, no invitatório do ofício, na oração do dia, no prefá­
cio da missa, na antífona de M agnificat de segundas Vés­
peras.
O significado dos objectos sensíveis da Liturgia tirar-se
sobretudo dos actos rituais em que se empregam e uns e
outros das fórm ulas que lhes estão anexas. E os textos
podem ainda ser esclarecidos pelo canto litúrgico. O canto
gregonano silábico, feito sobre o texto, dividido como ele
pelas pausas, em frases, membros e incisos, é apto para às
vezes decidir-lhe o sentido. N a antífona «Sub tuum praesi-
dium», por exemplo, ainda que faltasse a pontuação g rá­
fica, tirar-se-ia pela pausa musical que se faz depois da
palavra «semper» e não antes, que o sentido entendido
pela Ig re ja nesse caso não é — «livrai-nos de todos os peri­
gos ó sempre Virgem gloriosa e bendita», m as: «livrai-nos
sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita».
Indevidamente, portanto, se pretenderia, que da Virgin­
dade de Nossa Senhora se afirm e aí tanto, como na fó r­

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348 CONCLUSÕES

mula da confissão, por exemplo, onde já se fala expressa­


mente da «Bem-aventurada sempre Virgem Maria».
A qualificação teológica, dependerá então do modo
como a Ig re ja encara o assunto assim definido; se o pro­
fessa como de fé, deve ter-se como «de fé». Parece-nos ser
esse, por exemplo, o caso daquela expressão: « ...vere eam
Genitricem Dei credimu-s» ( ') . Se a Ig re ja propõe simples­
mente como doutrina sua, é doutrina católica: neste caso
nos parece dever ju lgar por exemplo aquele texto: «Hoc
signum Crucis erit in caelo, cum Dominus ad iudicandum
venerit» (2).
Temos suposto até aqui tratar-se da Liturg ia univer­
sal. A s L iturgias particulares não têm a mesma garantia
de imunidade de erro. Houve determinados erros na litur­
gia galicana, foi suspeita de heresia a liturgia mosárabe.
Não faz, portanto, também dificuldade, que em vários
m issais antigos se encontre m issa especial para aliviar dás
penas do inferno (3).
A Liturgia Romana tem, de direito, como romana,
proeminente autoridade, como a tem acima de todos os
Bispos o Romano Pontífice; tem também, de facto, imu­
nidade de erro enquanto pràticamente desde há séculos,
pode considerar-se como universal na Igreja.
Para ajuizar sobre o valor teológico das liturgias par­
ticulares, é preciso averiguar a origem, extensão e duração
delas, em comunhão com a Sé Romana. A Litu rgia Bizan­
tina enquanto usada numa grande extensão da verdadeira

( t) Vid. oração do dia, na Testa da Anunciação.


(*) Vid. oficio da Santa Cruz (3 de Maio e 14 dc Setembro).
(8) Cfr. supra, pág. 2.

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CONCLUS0 E 9 340

Igreja, revestia por isso mesmo grande autoridade, na


qual se funda em boa parte o valor do «texto recebido» da
versão dos Setenta.
Litu rgias como a Bracarense, de uma form a defini­
tiva consentidas pela Ig re ja depois de duzentos anos na
comunhão da mesma fé, não podem fàcilmente ser suspei­
tas de erros em assuntos de fé e costumes.

5. —■Ao longo do nosso percurso de investigação, fo­


ram-se-nos levantando diversos problemas interessantes,
para cuja solução, no entanto, não nos desviámos ou em
cujo estudo particular, por fidelidade ao plano geral, não
nos detivemos. Mas aqui deixamos um apontamento, como
sugestão. Foram eles:

— A ideia de um tratado completo da Litu rgia como


fonte teológica, preenchendo o esboço que traçámos fun­
dado na analogia com o tratado da Sagrada Escritura.

— O estudo do argumento litúrgico em alguns Santos


Padres e Teólogos que nós pouco mais fizemos que nomear.

— Um estudo sobre o conhecimento por conaturali-


dade no Corpo Místico e sua repercussão na Liturgia.

— A investigação do critério para discernir o que na


Liturgia é assunto de fé e costumes.

— Estudos sobre o valor moral, ascético, pedagógico

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350 CONCLUSÕES

da Liturgia. J á sobre esse particular escreveram F. Oppe-


nhcim e o Cardeal Gomá nas obras que deles citámos.

— Um estudo sobre o valor teológico dos actcs de


piedade não estritamente litúrgicos, por exemplo dos que
vêm no «Enchiridion Indulgentiarum». Talvez entre eles
conviesse distinguir ainda os actòs de piedade mais comum,
como a Via-Sacra, o Terço, dos de devoção particular.

— Um estudo sobre o valor teológico do Direito Ca­


nónico.

— O estudo exegético de cada liturgia em particular


para o qual fornecemos alguns princípios na nossa disser­
tação.

— Estudos sobre assuntos determinados da Teologia,


feitos à luz da Liturgia.
Parece-nos por exemplo que o Ofício Comum da Dedi­
cação da Igreja, em paralelo com o Ofício Comum de Nossa
Senhora, e determinadamente a fusão de um e outro no
Ofício particular de Nossa Senhora do Loreto, poderiam
esclarecer a analogia entre a Imaculada Mãe de Deus e
dos homens, e a Esposa de Cristo, sem mancha nem ruga
— a Igreja, Mãe virginal de todos os cristãos. A esta ana­
logia se refere S.to Agostinho na Homilia que se lê na V ig í­
lia do Pentecostes.
Talvez também com a Liturgia se pudesse esclarecer

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CONCLUSÕES 351

um esludo sobre a questão da .prioridade de S. Paulo,


dentro dos limites já marcados pelo Magistério (*).

Esperamos que o nosso trabalho tenha sido enfim, ao


menos uma insinuação para.o teólogo e para o liturgista,
do valor teológico da L itu rg ia; para o pastor de alm as e
para o moralista, do seu valor pedagógico e m oral; para
qualquer filho da Santa Igreja, do seu valor como guia,
não exclusivo, mas indispensável e seguro, da vida cristã.

(<) Cfr. E S 1091.

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INDICES

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

Agostinho (S.to) : 90, 98, 99, Batiffol, P .: 52. 132.


100, ior, 110, 113, 122, 123, Baumer, S .: 146, 147, 182,
133- r37> 1 55» 190. 191. 239, >95. 231.
245-264. 267, 268, 272, 280, Bento X I V : 142, 231, 243.
297, 308, 328, 339, 350. Bento X V : 237, 242.
Agricola, R .: 66. Bcrengário: 146, 156, 294.
Alberto Magno (S.*°): 294, Bernardo ( S .) : 284, 294, 295,
295. 308, 3° 9- 308.
Alcuíno: 293. B em ini: 322.
Aldama, J . : 58. Berthier, J . : 58.
Alexandre I I I : 229, 243. Bonifácio I I : 191.
Ainalário: 273, 276. Bouix, D.: 7, 19, 293, 300,
Ambrósio (S.to) : 123, 133, 307-
156, 254, 271, 274, 275. Braquiário: 113.
Andrieu, M .: 236. Brücker, J . : 151.
Ângelo, M .: 322.
A ri o : 269. Cabrol, F . : 19, 35, 42, 52,
Aristóteles: 63, 66. 108, 13 1, 133, 135, 136, 147,
Artemas: 131. 194, 228.
Atanásio (S.10) : 269, 296. Callewaert, C.: 18-19, 42, 52.
Azurara, G. de: 215. Calvino: 147.
Cano, M .: 57-58, 66-71, 73-
Bainvel, J . : 58. 76, 121, 338.
Bareille, G .: 132. Capelle, B .: 19, 239, 240.
Barin, L . : 19, 42, 52. Cappuyns, M .: 109, u i , 134.
Barónio, C .: 98, 140. Carlos Magno: 44, 49, 193.
Basílio (S .): 2r, 52-53, 133, Carrière, F . : 300.
143, 193, 269-270, 272, 275, Cartechini, S . : 59, 77.
^93- Cassiano: 100.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

Celestino I ( S .) : 98, 99, 11 1- Eisenhofer, L .: 19, 35, 52.


-118. Elipando de Toledo: 194, 293.
Celéstio: 100. Emerenciana (S.u ) : 320.
Celso: 269. Ernest. J . : 236.
Cerulário, M.: 47, 140, 141. Escoto Erigena: 140, 146.
Cipriano (S .): 123, 131, 132, Estrabão. V .: 273.
267, 268, 274, 275. E térea: 52:
Cirilo de Alexandria ( S .) : 88. Eugênio de Tolcdo(S.to) : 194.
Cirilo de Jerusalém (S .): Eusébio: 127, 131, 132, 269,
270-274. 275-
Cisneros: 147.
Clemente I ( S .) : 129, 158, Favet, M gr.: 150, 299.
266. Federer, K .: 6, i n , 122-123,
Clemente V I11: 142, 230, 243. 245, 247. 267, 268, 269, 271,
Coelho, A .: 19, 35, 42, 52, 273-
126, 134, 138, 140, 146, 195. Félix de U rgel: 194,293.
Coníúcio: 151. Festugière, M .: 19.
Constantino: 43. Fócio: 139, 144.
C o s t a , D . J o r g e da : 54. Franzelin. J . : 58.
C o u t u r ie r , J . : 148, 149.. Funk, F .: 127, 129, 130, 133.

Dalmais, I . : 42. Gelásio I ( S .) : 228, 242, 243.


Daniélou, J . : 271. Gemelli: 240.
De la Hogue: 299. Genádio de Marselha: 113.
Delalande, D.: 237. Gener, J . : 305.
Dionisio, o Menor: 112. Gcrbert. M.: 300.
Dionísio (Pseudo) 273, 275. Germano de Paris ( S .) : 275,
De Vries. W .: 191. 276.
Domingues, A .: 322. Gomá, I . : 19, 151, 349-
Duchesne, L .: 42, 52, 132. Gordillo, M.: 141, 142, 144,
Duns Escoto, J . : 284, 295. 145-
Durando de Mende, G .: 295, Gougaud, L . : 50.
3° 9- Graciano: 157.
Duret, G.: 52. Gregorio Magno ( S .) : 54,
145, 157, 194, 228, 244.
Eduardo V I: 147, 148, 155.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 357

Gregorio VIII ( S .) : 44, 140, Jerónimo ( S .) : 236, 272, 274,


158, 229, 244. 275, 280, 296.
Gregorio IX : 157. Jerónimo de Monfortino :
Gregorio X I I I : 230. 295-
Gregorio Nazianzeno ( S. ): João I, D .: 215.
133- João X V : 228, 243.
Guardini. R . : 19. João Crisóstomo (S .): 2t,
Guéranger, P .: 7, 45, 146, 53. *33. 272.
150, 158. 305. 306. João Damasceno ( S .) : 145,
Guitmundo: 294. 150, 159, 274, 296.
Julião de Eclana: 248, 250,
Hanssens, J . : 19 .182. 253, 234, 2 « , 237.
Henrique V I I I : 147. Julião de Toledo ( S .) : 194.
Hering. H .: 277. Jungmann, J . : 19, 135, 190.
Hilário: 98, 99, 258. Justino (S .): 52. 127. 130-
Hilário de Poitiers ( S.*° ; : 131, 159, 266, 274.
133, 156, 269. 275.
Hilário Papa (S.to) : 228. Köhler, G .: 300.
Hincmaro de R eim s: 103.
114 -115 , 140, 293. Lanfranco: 294.
Hipólito (S.to) : 52. Lang. A .: 58.
Honorato: 228. Leandro ( S .) : 228.
Hormisdas (S.1" ) : 112. Leão Magno (S.): 132, 272.
Hurter, H.: 293. Leão I V : 228.
Leão X III: 148. 231, 243.
Ildefonso (S.10): 194. Lcôncio Bizantino: 135, 274.
Inácio de Antioquia (S.10) : Limpo. D. Fr. Baltasar: 54.
127, 129, 130, 158, 266. Lopo de Ferrara: 113.
Inoecncio I V : 229, 243, 241. Lutero: 146, 147.
Ireneu (S.to) : 131. 266. Luzia (S.«*): 283.
Isidoro de Sevilha (S.tó) : 113,
273. 276. Madoz, 1 : 249.
llurrioz, I.: 59. Marcelo I ( S .) : 283.
M arcião: 267.
Janin, R .: 42. Mártil, G.: 248.
Januário: 248. Mercenier, P .: 135.

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358 ÍNDICE ONOMÁSTICO

Migne: 299,301. Pio IX : 115-116 , 117, 122,


Minoretti, Card. : 240. 205, 221, 227, 234-237, 241,
Morais Silva, A. de: 252. 244.
Muratori, L .: 300. Pio X ( B .) : 90, 151, 203,
237, 242.
Nestório: 135. Pio X I: 16, 22, 32, 115, 116,
Nicolau, M. : 5, 6, 58, 59, 165, 117, 122, 123, 151, 227, 237-
166, 168, 205-206, 326. -241, 242, 244.
Novaciano: 269. Pio X II: 3, 5, 15-16, 25-32,
57-59, 86, 95, 117, 122, 123,
Oppenheim, Ph.: 52, 133, 134, 126-127, 128, 130, 1 53“1 54-
. . . ,
135 137 138 150 192, 194,
229, 277, 293, 294, 306-307,
159, 166, 167, 168, 180-181,
199-226, 227, 234, 241, 244,
349- 297, 324-
Optato de Milevo (S.to) : 123, Possessor: 112.
132, 274. Procaccianti, M .: 277. 307.
Orígenes: 269. Profuturo: 138, 192.
Otão, Card. : 229. Próspero de Aquitânia ( S .) :
98, 99, 109, u i , 113, 122,
Pacelli, Card. : 240. 123, 258, 272.
Palmieri, D. : 58. Puniet, P . : 52.
Paula : 296.
Paulo V : 230, 243. Rcmigio de Lião (S .): 113,
Paulo de Samosata : 131. 293-
Paulo Diácono: 293. Remígio de Reims ( S .) : 293.
Pedro Canísio (S.) : 295-297, Renaudin, P.: 136.
308, 309. Renaudot, E . : 42.
Pedro de Fulão: 136. Righetti, M.: 19, 35, 42, 52-
Pedro Diácono: 112, 292, 293. Roberto Belarmino ( S .) : 297,
Peitz, W. : 139. 308.
Pelágio: 100.
Pelágio II : 228. Salaverri, I . : 59.
Pepino : 44. Salaville, S .: 42, 144.
Pio V (S.) : 229, 230, 243, Schmidt, H.: 115, 122, 178.
244. Schoulsa, P .: 307.
Pio V I : 149, 231-233, 241. Schuster, I.: 52, 137, 219.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO 350

Schwartz, E .: 139. Udalrico, (S.*°): 228.


Serapião: 52. Urbano V I I I : 230, 243.
Sericoli, C .: 234.
Sisto I V : 234, 285. Vaccari, A .: 165, 168.
S is to V : 230,241. Valentim: 131.
Sisto Presb.: 254. Valentim Abade: 268.
Sousa, D. Diogo d e: 54. Vaquero, T . : 141.
Suárez, F . : 98, 297-298, 308. Vázquez: 298-299.
Venécio: 114.
Teodoro de Mopsuéstia: 135, Veron: 299.
270-271, 273, 274, 276. Vicente de Lerins ( S .) : 123,
Tertuliano: 123, 131, 267,268, 248, 249, 273, 275.
Vieira, A.: 344.
i niei, : 220. Vigilâncio: 272.
Tibúrcio ( S .) : 283. Vigílio: 138, 192.
Tixeront, J . : 131. Vital Cartaginense: 255.
Tomás ( S .) : 3, 6, 24, 34, 57- Vítor ( S .) : 132.
-58, 61-64, 69, 71-72, 73-204, Vítor de Braga ( S .) : 320.
220, 277-290, 294, 295, 301, Vitorino, F . : 269.
308, 315-316, 320, 330, 339-
342. Zaccaria, F .: 4, 7, 300-305,
Tonneau, R .: 271. 306, 309, 310, 339.
Trajano: 145, 159. Zósimo ( S .) : 191, 259.
Tyrrel, G .: 203.

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ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABETICO

Adopcianismo: relação com [Ano Litúrgico]:


a Liturgia, 55. 139-140, 194, 289. 292, 297-298, 330; Tras-
2? 3- ladação da Santa Casa do
Albigenses: 146. 155. Loreto. 4, 120, 346, 350;
Ano Litúrgico: 242. S.to Luzia. 283; S. Mar­
—Próprio do Tempo -. 32; Na­ celo I. 283; S.4® Emeren-
tal, 137; Circuncisão, 33: ciana, 320; Purificação, 33 ;
Epifania, 34: Paixão. 34; Aparição de Nossa Senhora
Segunda e Quarta - Feira de Lourdes, 33; S. José,
Santa, 194; S e xta-F e ira 298; Anunciação. 150, 320,
Santa, 21, 103, 114, 136, 218, 348: S. Vítor de Braga,
225; Sábado Santo, 219, 320; Santa Cruz, vid. in­
226; Páscoa. 32, 219; As­ fra: Aparição de S. Mi­
censão, 194,-320; Vigília guel Arcanjo, 3 3 , 1 2 0 ,
do Pentecostes, 350; Pen­ S. Pedro e S. Paulo. 34;
tecostes, 34; Quarta-Feira Preciosíssimo Sangue, 34,
das Têmporas do Pentecos­ Visitação, 150; S. Lou-
tes, 142; I Domingo depois renço, 298: S. Tibúrcio,
do Pentecostes, 137, 176; 283; Assunção, 150, 157,
Corpo de Deus. 34, 146, 214-218. 222. 224, 225, 234,
177, 184, 186, 210, 239, 286- 244. 292, 294, 295-297, 298,
-287; Coração de Jesus, 34, 330. 346: Coração de Ma­
151, 239; IX e X V I Do­ ria, 33; Natividade, 234,
mingo depois do Pentecos­ 284, 285. 289, 294, 295, 298;
tes,- 137; X III Domingo Santa Cruz, 34, 194, 348;
depois do Pentecostes, 87. Dedicação de S. Miguel A r­
—Próprio dos San tos: Ima­ canjo, 33: Santíssimo Re­
culada Conceição, 34, 116, dentor. 34: Cristo-Rei, 32,
120, 234-236, 244, 284-286, 116, 120, 151, 155, 156, 238-

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362 ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABÉTICO

[Ano Litúrgico]: Concílios:


-239, 244, 343; Fiéis De­ —de Aquisgrano ( A a c h e n ,
funtos, 145, 160, 169-170; Aix-la-Chapelle) : 193, 195.
Dedicação das Igrejas. 350; —de Braga ( I) : 158, 196.
Apresentação, 4, 120, 346; -» » ( I I ) : 192.
vi d. Festas. —» » (H I): 192, 196.
Aquários: 132. -» » (IV ): 139.
Arianismo: relação com a —de Calcedónia: 190.
Liturgia: 133-135. 137. *55. —de Cartago: (III) : 190, 196,
156, 160, 269. 212.
Arqueologismo: 233, 241. —de Cartago: (XVI) : 1 9 1 ,
Autoridades: vid. Indiculo. 197. 259-
—de Constança: 195.
Bizantino: vid. Ritos. —de Constantinopla (I): 190.
B raga: 320; vid. Concílios, —de Éfeso: 190.
Ritos: — latinos. —de Florença: 58, 140, 144,
Bula Dogmática: «Ineffabilis 195-
Deus»: 115, 122, 234-235. —de Francfurt: 139, 194, 196.
—« Munificcntissimus Deus »: —de Latrão (IV) : 180.
213-218, 234, 297. —de Niceia ( I ) : 190.
—» » (II): 139. 193
Cânon da Missa: 132, 135, 196.
138, 146, 170-174, 183, 185, —de Orange: 191, 259.
187, 207-208, 282, 318. —Roniano (ano 495) :2
Canto litúrgico: 229. — » ( » 924): 195.
■—Gregoriano: 38-39, 237, 347. — » ( » 933) : 228.
Capítulos: vid. Indiculo. —de Toledo (IV e XI) : 138
,
Cerimónias: noção, 36; vid. 158, 193. 19 7-
Ritos: — práticas rituais. —de Trento:
Cismas: em relação com a argumento litúrgico: 87,
Liturgia: 125-160. 161-187, 339!
—do Onente: de Fócio, 139; —no decreto sobre a Vul­
de Miguel Cerulário, 140- gata: 164-170, 184, 185,
- ' 45. J87, 331-
—do Ocidente: 146-147. —no decreto sobre o Cânon

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ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABÉTICO 363

[Concílios]: [Concílios]:
da Missa: 1 7 0 - 1 7 4 , 18 4 , —lugares teológicos: 66, 74,
18 5 , 187.. 248, 313. 339-
— em outras p a s s a g e n s —notas teológicas: 217, 235.
so b re: Constituição Apostólica:
—o símbolo e o s livros «Auctorem fidei»: 149, 231-
sagrados, 1 7 4 ; -233-
— o r it o da Missa, 17 7 - —«Divini Cultus»: 16-17, 117,
- 1 7 8 , 18 4 : 122, 237-238.
— o r it o d o s Sacramentos, Controvérsias: em relação
17 6 , 1 8 4 ; com a Liturgia: 125-160.
—o r it o do Baptismo, 1 7 5 ,
18 4 ; Direito Canónico: Interpreta­
— a Eucaristia, 1 7 6 - 1 7 7 , ção de textos: (can. 18)
18 4 ; 170.
—a Contrição, 1 77, 184; — relação com a Liturgia:
—a Extrema-Unção, 177; (cans.: 2, 1256-1261, 1279,
—a Ordenação, 181, 184; 1283-1284) 17, 22, 128, 152-
—as Orações: 176. 184, -153, 160, 319.
259; —relação com as Notas Teoló­
—o C u lto d o s Santos, re­ gicas: (cans.: 1323 - 1325)
líquias e imagens, 1 8 1 - 75. 76.
- 18 2 , 18 4 , 1 8 5 : — Valor teológico: 321, 323,
—a disciplina lit ú r g ic a , .35°-
18 2 , 1 8 4 ; Direito Litúrgico: 39, 54, 90,
—a língua li t ú r g ic a , 17 8 - 149, 150, 152, 153-154, 157.
- 1 8 1 , 18 7 . 158, 180, 182, 189, 232, 241.
direito litúrgko: 14 9 , 15 8 . 261, 266, 306.
interpretação litúrgica: Diversidade litúrgica: 138,
I36- 327; vid. Ritos, Uniformi­
lugares teológicos: 66. dade litúrgica.
—TruUrno ou Quinisexto: 19 3. Donatismo: relação com a
-d e Vannes: 1 9 1 . Liturgia: 1 3 2 - 1 3 3 , 251,
-do Vaticano: Liturgia: 19 5 , 269.
19 6.

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364 ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABÉTICO

Encíclica: «D ivino afflan te» : [Escritura]:


i i 7, 123, 166, 213. V u lg a t a , 1 6 3 -1 6 7 , 1 6 9 -1 7 0 ,
*— «H u m a n i G e n e ris» : p r o c e s s o 183, 185, 187, 2 1 3 ; da n o v a
te o ló g i c o , s , 5 7 ,-5 9 , 2 13. v e r s ã o d o s S a lm o s , 167 -
— «lile d ia lo r D e i» : o b j e c t o da - 1 6 8 , 1 8 5 ; da v e r s ã o d o s
e n c íc lic a , 3 ; n o ç ã o d e L i ­ S e t e n t a , 169, 185, 3 4 9 ; s e n ­
t u r g ia , 15 -1 6 , 2 5 -2 8 , 1 2 8 ; tid o lit ú r g ic o , 2 1 3 , 241.
d i v is ã o e e le m e n t o s d a L i­
tu r g ia , 3 0 - 3 1 ; a n o lit ú r - Festas: o o b j e c t o , 3 2 -3 4 , 2 1 1 ,
g ic o . 3 2 ; p r e s e n ç a de C r is to 233, 239, 244, 290, 295, 3 43;
n a L itu r g ia , 8 5 - 8 6 ; r e la ç ã o o t ít u lo , 3 3 -3 4 , 2 1 4 -2 1 8 , 2 2 5 ,
e n t r e a L i t u r g ia e a F é , 9 5 , 29 5 , 2 9 8 , 3 4 6 ; d o S e n h o r ,
117, 122-1 2 3 , 2 0 2 -2 0 8 , 2 2 0 - 2 0 9 ; d o s S a n t o s , 4, 120,
-2 2 1 ; u s o d o a r g u m e n to li- 2 9 8 , 3 0 8 , 3 1 9 -3 2 0 , 3 4 6 ; v id .
t ú r g ic o , 2 0 7 -2 1 0 , 2 2 3 ; in ­ Ano Litúrgico, Encíclica:—
te r p r e t a ç ã o lit ú r g ic a , 2 1 0 - «Quas prim as», Santos'.
-211 ; d ir e it o lit ú r g ic o , 153- «Filioque»: a q u e s t ã o : 139,
-1 5 4 , 158, 2 0 6 - 2 0 7 ; e v o lu ­ 14 1 -1 4 2 , 156, 157, 158.
ç ã o d a L i t u r g ia , 130, 159,
2 2 2 ; le it u r a s d o A n t i g o Galicanismo: 14 9 -1 5 0 , 156.
T e s t a m e n t o , 1 2 6 -1 2 7 ; a lin - Gnosticismo: e x tr a v a g â n c ia s
g u a lit ú r g ic a , 1 80 -1 8 1 . lit ú r g ic a s e u s o d a L i t u r ­
— « M y s tic i C o r p o r is » : 2 5 , 2 1 1 - g ia , 131, 156, 2 6 7 , 2 68.
-2 «3-
— « Q u a s jm m a s » : 3 2 , 1 1 6 , Heresias: em r e la ç ã o c o m a
123, 151, 238. L i t u r g ia : 1 2 5 -1 6 0 , 131.
Epiclese: a q u e s t ã o : 141-
-1 4 4 , 155, 160, 220. Iconoclastas: 139.
Escritura: lu g a r t e o ló g i c o . Indículo so b r e a G r a ç a : p r in ­
6 5 -6 9 , 7 4 ; a n a lo g ia e n t r e c íp io d c «a le i da o r a ç ã o
e s ta fo n t e t e o ló g i c a e a L i­ c o m o le i d a f c » : se u v a lo r
tu r g ia , 3 2 5 - 3 3 3 : fu n d a ­ in tr ín s e c o e e x t r ín s e c o , 9 7 -
m e n to b íb lic o d o v a lo r t e o ­ -1 2 3 . 140. 144. 2 7 2 , 339.
ló g ic o d a L itu r g ia . 8 3 -9 1 ; Interpretação d a L i t u r g ia :
v a lo r t e o ló g i c o da v e r s ã o s e n t id o s d i v e r s o s : 2 71, 2 73,

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ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABÉTICO 366

[Interpretação]: [Liturgia]:
27 6 , 2 8 1 -2 8 2 , 288, 2 8 9 , 2 95, a c to s . 3 6 - 3 7 ; f ó r m u la s , 3 7-
3 3 0 - 3 3 1« 3 4 5 ; c r it é r io pa ra - 3 8 ; c a n t o , 3 8 -3 9 , 2 2 9 , 2 37,
o s d e t e r m in a r : 3 5 - 3 8 ; v id . 3 4 7 ; le is lit ú r g ic a s , 3 9 ; vid .
Liturgia: — valor teológico: Direito Litúrgico, Encícli­
— conclusões. ca: — «M cãiator D ei» .
- estilo litú rg ico : 53, 54, 55.
Jansenismo: 149-1 5 1 . 156. 8 9 , 9 1 , 226.
Judaísmo: c o n f r o n t o litú r - — história e divisão das litu r­
g ic o c o m o C r is tia n is m o : gias: 4 3 - 5 0 ; vid . Ritos.
126-1 3 0 , 159, 160. — movimento litú rg ico : 3, 15,
151-
Latinos: vid . Ritos. — valor teológico:
Laicistno: 151, 156, 2 3 9 ; v id . — a questão: 3 -9 , 6 4 , 7 2 , 78.
Ano Litúrgico: — Pró p rio — verificação e investigação:
dos S an tos: C r is to R ei. na e s c r i t u r a : 8 3 -9 1 .
Língua litúrgica: 4 6 -4 8 , 178- na tr a d i ç ã o : 9 3 -3 1 0 : v a ­
-1 8 1 , 184, 187, 231. lo r d o p r i n c í p i o « le x
Liturgia: noção d a d a p e lo orandi lex credendi», 97 -
M a g is t é r io , 1 5 -1 8 ; d e f in i­ 1 2 3 ; o s d iv e r s o s e n u n ­
ç ã o n o m in a l h is tó r ic a , 2 0 - c ia d o s d o m e s m o p r in c í­
- 2 1 ; d e f in iç ã o d e s c r it iv a , p io . 1 2 2 -1 2 3 ; v a lo r t e o ­
2 1 - 2 3 ; d e f in iç ã o e s s e n c ia l, ló g ic o d a L i t u r g ia , p o r
2 3 - 2 8 ; 8 5 ; o q u e é m a is o c a s iã o d e heresias, cis­
e m e n o s lit ú r g ic o , 2 8 - 3 7 ; mas e controvérsias em
a lit ú r g ic o , 2 1 ; e x e r c íc io s de to d a a h is tó r ia d a I g r e j a ,
p ie d a d e , 17, 2 7 - 2 8 ; 2 1 0 , 1 2 5 -1 6 0 ; u s o d o a r g u ­
3 4 9 -3 5 0 ; v id . Direito Ca­ m e n to lit ú r g ic o n o C o n ­
nónico. cílio de Trento, 1 6 1 -1 8 7 ;
— divisão: s a c r if íc io , s a c r a ­ e m outros concílios, 189-
m e n to s , 3 0 ; o f íc i o d iv in o , -1 9 7 ; a t e o r ia e o u s o em
s a c r a m e n ta is e o u t r o s r ito s . d o c u m e n t o s d e P io X I I ,
31 ; v id . Ano Litúrgico, 1 9 9 -2 2 6 ; e m outros Sum os
Festas. Pon tífices, 2 2 7 - 2 4 4 ; u s o
— ehm entos: o b j e c t o s , 3 4 -3 6 ; d o a r g u m e n to e m S.*0

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360 ÍNDICE ANALÍTICO-ALFABÉTICÓ

[Liturgia]: Livros Litúrgicos: q u a is s ã o :


A g o s tin h o , 2 4 5 -2 6 4 ; em 5 T-5 5 . 2 3 ° ; u s o t e o ló g i c o :
o u tr o s S a n to s P a d r e s , 2 6 5 - 3 0 0 -3 0 5 . 3 09. 327 -
- 2 7 6 ; o u s o f e it o p o r Lugares Teológicos: f u n d a ­
S. T o m á s, 2 7 7 -2 9 0 ; o u s o m e n to : 6 5 -6 6 .
e a t e o r ia e m o u tr o s T e ó ­ — n o ç ã o : 66.
lo g o s, 2 9 1 -3 1 0 . — d iv is ã o : 6 7 -7 2 .
u a r a z ã o t e o i/ig i c a : 311- — p o siç ã o d a L itu r g ia : 121 -
3 3 3 : n e x o en tre L u g a r -1 2 2 , 160, 2 2 1 -2 2 2 , 2 80. 2 63,
T e o ló g ic o , N o t a T e o ló ­ 3 1 6 -3 1 7 , 3 4 2 : v id . Liturgia:
g ic a e L i t u r g ia , 3 1 5 -3 2 4 ; — v a lo r te o ló g ic o .
a n a lo g ia e n t r e um t r a ­
t a d o d a L itu r g ia c o m o Macedonianismo: 133.
« F o n t e T e o ló g ic a » e o Metodologia Teológica: v id .
t r a t a d o da E s c r itu r a Teologia.
t a m b é m « F o n t e T e o ló ­ Modernismo: 151, 1 5 4 - 1 5 5 ,
g ic a » , 3 25-333- 203.
— re c a p itu la ç ã o : 3 3 7 -3 4 1 - Monofisismo: r e la ç ã o c o m a
— c o n c lu sõ e s: s o b r e a te o r ia L i t u r g ia : 4 6 , 4 8 , 1 3 5 -1 3 7 .
e o u s o o u a p lic a ç ã o c 156.
in te r p r e ta ç ã o d a L i t u r g ia Mosárabe: v id . R i t o s : —
c o m o « F o n t e T e o ló g ic a » , la t in o s .
9 0 -9 1 , 1 1 7 -1 2 3 , 1 5 4 -1 6 0 ,
183 - 1 8 7 , 196 - 197, 2 2 0 - Nestorianismo: e m r e la ç ã o
- 22 6 , 241 - 24 4 , 2 5 9 , - 2 64, c o m a L i t u r g ia : 4 6 , 135,
2 7 4 -2 7 6 , 2 8 7 -2 9 0 , 3 0 7 -3 1 0 , 137. 156. 157-
3 2 2 -3 2 4 , 332 - 333 . 3 3 9 -3 5 0 . N o t a s Teológicas: f u n d a -
V id . Encíclica: — « M e d ia to r m e n to : 7 3 -7 5 .
1
D e i» , Lugares Teológicos, — n o ç ã o : 7 5 -7 6 .
Notas Teológicas. — d iv is ã o : 7 7 -7 8 .
Liturgista: d i s t i n t o d o ru- — d o c o n t e ú d o d a L itu r g ia :
b r ic is t a , 2 8 ; su a fu n çã o 121, 160, 2 2 2 , 2 6 3 ; 3 1 7 -3 2 1 ;
p r in c ip a l, 3 3 1 ; in t e r e s s e v id . Liturgia; — v a lo r te o ­
q u e lh e p o d e m e r e c e r e s t e ló g ic o .
liv r o , 3, 5, 6 , 33 1 , 3 51.

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ÍNDICE ANALÍTICOALFABÉTICO

Orientais: v id . Ritos. R e b a p t iz a n t e s : 132, 158.


R it o s : du plo sig nificado : p r á ­
Paganismo: o p o s iç ã o lit ú r - t ic a s r itu a is , 3 6 ; lit u r g ia s ,
g ic a d o C r is tia n is m o : 130- 41.
- 131 59 160 266
. r > . -
Páscoa: a q u e s t ã o d a d a t a :
— práticas ritu ais: 1 0 2 - 1 1 1 ,
120. 1 2 6 -1 2 9 , r37> T55. *7.v
132.158. -1 7 7 . 184, 196, 2 0 8 . 2 2 5 ,2 3 2 -
Pelagianismo: r e la ç ã o c o m a -2 3 3 . 2 4 9 -2 5 5 . 2 5 9 , 2 6 1 -2 6 2 ,
L i t u r g ia : 100, 113, 1 3 7 -* 38 , 2 8 0 -2 8 2 , 2 8 8 ; r ito s c h in e ­
156, 2 5 0 -2 5 7 , 268. s e s , 1-51, 1 6 0 : r ito s m a la b a -
Pistóia: c o n c iliá b u lo : 1 4 9 . r e s . 151. 160.
160, 2 3 1 -2 3 3 ^ —litu rg ias: h i s t ó r ia e d iv is ã o ,
Predestinacianismo: 114, 140. 43-50.
Priscialianismo: r e la ç ã o c o m — la t in o s : 4 3 ' 45 > 4 8 - 5 ° . L39 ,
a L i t u r g ia : 138.^ 1 4 0 ; 141, iy o , 2 1 8 , 2 2 9 -2 3 0 ,
P r o c e s s o Teológico: v id . 3o 2 - 3 ° 9 -
Teologia. — A m brosiano: 4 4 , 4 9 , 54 . 294.
Protestantismo: r e la ç ã o c o m — B raca rcn sc: 18. 2 2 , 2 8 , 3 7 -
a Liturgia: 147 49
- r , ^S- -3 8 . 4 4 . 4 5 , 4 8 , 49 . 54 , 136,
138. 139, 192, 2 3 7 , 2 4 0 , 294,
Qualificação Teológica: vid. 348 .
Notas Teológicas. — Célticos: 4 4 , 50, 55.
— Galicano: 4 4 , 49 , 54 ' 55 > IT 4 ,
Razão Teológica: lu g a r t e o ­ 134 , 157 , 348 .
ló g ic o , 6 7 -6 8 , 7 1 ; s e u c o n ­ — Lio n cs: 4 8 , 4 9 . 294.
tr ib u t o p a r a a in v e s t ig a ç ã o —M ilan ês: v id . su p r a , A m b ro ­
d o v a lo r t e o ló g i c o d a L i ­ siano.
t u r g ia , 311 333- ; i n v e s t ig a ­ — .1lo s á r a b c : 4 4 , 4 9 '5 ° , 55, T38,
ç ã o d o n e x o e n t r e L itu r g ia 139, 140, 157, 193, 194 , 195.
e p r o c e s s o t e o ló g i c o ,313 ; 196, 2 9 3 , 348.
p r o p o s iç ã o d e u m a a n a lo ­ — Neo-galicanos: 4 5 , 1 4 9 -1 5 0 ,
g ia e n t r e o s t r a t a d o s da 155- 156 , 158-
L i t u r g ia e d a E s c r itu r a — d e O rdens R eligiosas: 4 8 , 4 9 ,
c o m o f o n t e s t e o ló g i c a s , 294.
325333' - — Rom ano : 34 , 3 7 , 43 -45 , 47-

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368 ÍNDICE- ANALÍTICO-ALFABÉTlCO

[Ritos]: Santos Padres: uso do argu­


48. 49. 53-54, 103, 114, 134, mento litúrgico: vid. íníice
139. 140, 141, 142. 145, 157. Onomástico.
158. 176, 180.186-187, 192, Semi - pelagianismo: 98-100.
193. 194. 196, 214. 226, 228. 102, 1 10. 257-258.
229, 230. 236, 242. 280, 284, Sumos Pontífices: uso c teo­
289, 293, 294. 302. 309, 320, ria do argumento litúrgico:
345- 348. vid. Índice Onomástico.
—Suevo, 44.
—Orientais: 43-48, 32-53- I03> Teologia: natureza: 6, 61-62.
—metodologia: 5 7 -7 8 : vid.
133, 157, ' 9°, 2I4> 226, 302,
309- Teólogo, Lugares Teoló­
—Arménio: 43, 46, 136. 160. gicos, Notas Teológicas.
—Bizantino: 43. 46, 47, 53, —nova: 58-59.
141, 142. 143. 187, 193, 219,Teólogo: função: 5. 61-64.
225. 293, 345. 348. —objectivo e método 63-64.
—Caldeu: 43. 46. —O uso e teoria do argu ­
—Copta: 44, 47, 48. mento litúrgico em S. To­
—Etiópico: 44, 47. 48. más, e em outros Teólogos:
—Maronita: 43, 46. vid. Índice Onomástico.
—Siríaco: 43, 46, 134, 193, Teopasquitas': 136.
302-303. Textos litúrgicos: divisão sis­
—Siro-Malancar, 46. temática geral: 37-38, 318.
Vid. Diversidade litúrgica, —alguns em particular: antí­
Uniformidade litúrgica. fonas, 34. 282, 286, 289, 347;
Romano: vid. Ritos:— hinos, 131, 133, 156, 2 ii,
latinos. 267, 269. 271, 282. 289, 343:
invitatório. 34, 347: ladai­
Santos: Culto, 178, 186, 229, nhas. 152. 156.280.283,295,
243. 272, 280-281, 295, 298; 30S: leituras, 88-89, 120,
canonização, 332 : culto das 130. 145, 159, 195, 228, 229,
relíquias e imagens. 139, 231, 242-243, 283. 296, 308-
I52-IS3. 159. 181-182, 193, -3°9> 3 ! 9 : orações, 34, 102-
232; vid. Ano Litúrgico, - 11 1, 120, 134, 137, 175-176,
Festas, 191, 194, 196, 208, 212, 218,

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ín d ic e a n a l ít ico - a l fa b é t ico

[Textos litúrgicos]: [Tradição]:


219, 225, 255-259, 262, 268, do valor teológico da L i­
282, 289, 293, 294, 308, 3 2 1; turgia, 93-310; tradição li-
prefácio, 34, 282, 289, 343; túrgica em S. Basílio, 269-
simbolos, 133-134, 156, 174, -270, 275; em S. Jerónimo,
183, 190, 196, 343. 272, 275.
—outras fórmulas, 131 - 160,
180, 282, 289, 343. Uniformidade litúrgica: 30,
Tradição: lugar teológico, 65- 31, 140, 149, 182. 191-194,
-70, 74; em S.to Agostinho, 196, 228, 229, 243-244, 310,
248-249, 280; testemunho 344; vid. Diversidade litúr­
dos vários órgãos declara­ gica, Ritos.
tivos da Tradição, acerca Valdenses: 146, 155.

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ACABOU DE IMPRIMIR-SE NO DIA
TREZE DE OUTUBRO DE MIL NOVE­
CENTOS E CINCOENTA E DOIS NAS
OFICINAS GRÁFICAS DA
L IV R A R IA C R U Z — BRAGA

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