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Canto do Saber 18 - Incerteza e medo : O alimento da discricionariedade

O desconfinamento terminou e com ele aquele sentimento de solidariedade e


entreajuda que muitos auguravam como o novo paradigma da humanidade pós
covid. O mundo mudaria para uma sociedade mais humanista e sobretudo mais
ecologista. Teríamos aprendido com os meses em que estivemos fechados, onde as
palavras e até os atos foram por vezes altamente inspiradoras. Na altura disse e
escrevi que a profecia de Hegel , a de que a história confirma que nada aprendemos
com a história, iria prevalecer e que de fato não iriam acontecer as mudanças que
tão candidamente, qual resposta de criança ou de concorrente a um qualquer
concurso de beleza , poderiam indicar como direção.
À medida que as medidas que os governos colocaram em prática para
manter a ordem social, prevenindo toda uma série ações incontroláveis de pessoas
que de um momento para o outro teriam perdido o seu rendimento, a incerteza e o
medo vai-se apoderando senão de todos, pelo menos destas pessoas.
Passados todos estes meses , percebe-se que não existe uma resposta
concreta e sobretudo que possa ser dada de forma conjunta aos efeitos de uma
pandemia que teima em não deixar-nos.
A ciência parece mais interessada em tudo que possa constituir um negócio,
os políticos interessados em satisfazer as suas clientelas e se possível angariar
mais. A prioridade é olhar pelos seus.
Aquilo a que muitos chamam humanismo, só o é enquanto a pessoa possua
o estatuto de cidadão do estado, estatuto este que para alguns só existe para o
estado que eles defendem.
O medo e a incerteza, enxertados na ignorância, levam as pessoas a fechar-
se naquilo que elas consideram como fundamento de vida. O fundamentalismo vê a
sua raiz alimentada pelo mais malcheiroso dos estrumes.
As soluções, por todo lado, são na direção do cercear, do limitar, do confinar
- sobretudo o pensamento.
Ao invés de diáriamente tentar suprir as populações com aquilo que elas
parecem desejar, os nossos dirigentes , deveriam estar já com planos concretos
desenhados para todo o tipo de cenários , já que há dados que os permitem.
Qualquer planeamento possui, ou melhor, deve possuir componentes de
contingência para os quais deve existir uma resposta.
Não serve dizer que tudo é muito imprevisível, que se está a fazer o melhor,
que não se consegue homogeneidade nas ações , etç. O ato de governar, seja o
que for , deve ter uma linha de atuação que permita fazer face às contingências da
vida. Elas existem, não acontecem só aos outros. A própria falta de homogeneidade
naquilo que deveria constituir uma resposta conjunta é em si mesma uma
contingência para a qual é necessário haver um plano que lhe dê resposta.
Linhas de rumo são absolutamente essenciais para acabar com climas de
incerteza e mitigar medos. O receio de que este ou aquele plano possa falhar não
pode existir , pois aumenta a incerteza. Ter uma linha é afirmar resolução, é dar
uma direção que as pessoas podem seguir. Esta perceção é absolutamente
fundamental num quotidiano que rege realidades micro por perceções macro.
Assim o verdadeiro combate a algumas patologias da sociedade, as
possibilidades do aumento da discricionariedade, que têm sobressaído nos últimos
tempos faz-se a partir da coragem de criação de direções sem desvios, incluindo
necessariamente o combate à ignorância , que mesmo não concordando todos
percebam que está ali um alicerce de uma estrutura que serve de suporte aos
anseios das populações e sobretudo, da cimentação de um verdadeiro humanismo,
aquele que se foca no indivíduo e não na sua qualidade sócio- política.

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