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O entendimento acerca dos pressupostos e características básicas da


Ciência, em geral, e da Geologia, em particular, não têm sido motivo de
preocupação na prática científica. Isso porque, de um lado, há a hegemonia de
mais de quatrocentos anos dos métodos baconianos, os quais afirmam que a
Ciência se alicerça em apenas método científico. Por essa razão, não
haveria por que problematizar a metodologia científica. De outro lado, os
conceitos da Epistemologia e suas questões centrais, principalmente aquelas
introduzidas pela Nova Epistemologia, se apresentam com determinada
complexidade, aumentando a dificuldade de apreensão por parte daqueles que
fazem ciência. Razão pela qual, passam a ser tratadas como
área ou extracientíficas e, portanto, não adquirem centralidade na
praxiologia científica.

Além disso, o próprio sucesso da ciência parece ser também ele uma
cortina para obscurecer a reflexão sobre a metodologia científica. Se o
resultado está dando certo, então o método para obtê-lo está
automaticamente justificado . Devido a esse
triplo bloqueio, a Epistemologia tem sido, via de regra, descartada como uma
área importante para a fabricação da ciência, o que seria impensável para os
primeiros cientistas do século XVII, como Galileu Galilei, Francis Bacon ou
René Descartes
.

Contudo, nas últimas décadas, a Epistemologia tem interessado de


forma crescente, embora ainda tímida, alguns pesquisadores das mais
diferentes áreas [ver Para saber mais: Associações de história...]. As razões
disso se encontram na profunda mudança que a Ciência vem experimentando
desde as últimas quatro décadas. O russo Ylia Prigogine, Prêmio Nobel de
Química de 1977, junto com sua colaboradora, Isabelle Stengers, fizeram no
livro A nova aliança, um fascinante relato sobre o encanto proporcionado pela
ciência newtoniana desde seu surgimento e do completo esgotamento a que já
chegou:
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
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um dos aspectos dessa transformação teórica é o da descoberta dos


limites dos conceitos clássicos que implicavam, para os que
acreditavam na sua validade universal, a possibilidade de um
conhecimento completo do mundo. Pois se os seres oniscientes, como o
demônio de Laplace, de Maxwell, o deus de Einstein, abundam ainda
hoje nos textos científicos, não há nisso arcaísmo, mas simples
ingenuidade ou filosofia espontânea do sábio . (Prigogine & Stengers,
1991, p. 40)

Para saber mais

: :
Fundada em São Paulo em 16 de Fundada em 05 de maio de 2000, na
dezembro de 1983, tendo como Argentina, estruturou-se a partir de
encontros realizados em 1998 no
estudos sobre a História das Brasil e em 2000 na Argentina. Ela
tem como objetivo principal
[ver http://www.sbhc.org.br/].
Ela é filiada à International Union conhecimento da ciência a partir de
of History and Philosophy of uma perspectiva tanto filosófica como
Science Division of History of histórica, especialmente nos países do
Science and Technology
(IUHPS/DHST). [http://www.afhic.com]

, Fundada
: em 30 de Março de 1999, em Rio
Fundada em 17 de agosto de Claro (SP) tem como objetivo
2006, em São Paulo, por ocasião promover levantamentos, pesquisas e
da realização do IV Encontro de estudos com vistas a divulgar dados,
Filosofia e História da Biologia. reflexões e informações referentes à
Tem como objetivo a promoção e História da Matemática [ver
divulgação de estudos sobre a http://www.sbhmat.com.br/]
filosofia e a história da biologia.
[ver http://www.abfhib.org/]
:
: Comissão Internacional de História
Fundada em 21 de novembro de das Ciências Geológicas, filiada à
1997, em São Paulo. Tem como União Internacional de Ciências
objetivos incentivar o estudo e a Geológicas (International Union of
pesquisa da história da medicina Geological Sciences), fundada em
e propugnar pelo ensino da 1967, possui mais de 250 membros
História da Medicina como oriundos de 50 países. [ver
requisito básico para a formação http://www.inhigeo.org/]
integral do médico. [ver
http://www.sbhm.org.br/]
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Essas mudanças são anunciadas na literatura na forma de revoluções


paradigmáticas são diagnosticadas muito mais pelos seus aspectos
substantivos, isto é, pelo impacto produzido pelas novas teorias, do que pelos
aspectos metodológicos. Todavia, as mudanças que ocorreram nas
características metodológicas da Ciência são igualmente marcantes e
profundas. Entender essas transformações metodológicas passa a ser
condição para a prática da ciência bona fide. Para tanto, devemos lançar mão
dos preceitos da Epistemologia.

Nesta publicação, buscou-se estabelecer os objetos e métodos da


Epistemologia em dois sentidos: (i) preliminarmente, aquele situado em
algumas das principais tradições epistemológicas do Ocidente, de modo a
e as diversas portas de
acesso ao seu objeto, a Ciência; (ii) em seguida, no sentido da busca de
respostas aos coletados
nas tradições apontadas, quais sejam:

a) Como é possível a certeza do conhecimento? ou o problema da


indução (o problema de Hume);

b) Como a ciência se distingue dos demais tipos de conhecimento? ou


o problema da demarcação (ou problema de Kant);

c) Como avança a ciência? ou o problema do progresso científico e a


Nova Epistemologia.

Tentaremos mostrar como esses problemas estão interligados, pois a


solução de um implica em certa solução dos demais. Assim, poderemos ter
várias combinações de soluções que nos ajudam a entender algumas das
escolas epistemológicas mais conhecidas no âmbito das ciências da Terra, da
natureza e da vida, como as de Bacon, Popper, Kuhn e Lakatos. Além disso,
esses problemas fundamentais fornecem os elementos para buscar a lógica da
descoberta em uma determinada área da Ciência, como, por exemplo, na
Geologia, Ecologia ou Biologia.

Muito mais do que esgotarmos os problemas contemporâneos colocados


pela Nova Epistemologia, procuramos delinear as características gerais da
Epistemologia enquanto campo de investigação. Evidentemente que tal
caminho já implica em certo tipo de análise. Assumimos o risco, mas, além
disto, nosso objetivo maior é o de introduzir essas problematizações no
cotidiano da prática científica.
I N T R O D U Ç Ã O À E P I S T E M O L O G I A
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Agradecemos ao Prof. Dr. , que abrigou


essas inquietações como problema de pesquisa; ao Prof. Dr. Mario Costa
Barberena (in memorian) pelo incentivo heurístico; aos meus colegas da
primeira turma de pós-graduação na área de Estratigrafia do convênio
UFRGS/PETROBRAS por reconhecerem a importância dessas questões para a
qualidade da produção científica; e meus colegas do Grupo Interdisciplinar em
Filosofia e História das Ciências, que compartilham comigo a construção de
um conhecimento interdisciplinar e epistemológico na UFRGS, à Profa. Dra.
Ana Maria Mizusaki, pelo incentivo no ensino desse tema.

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