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1970-1973
que parece, um elemento central da con- as projeções de Kahn relativas ao Brasil.6 extraídas de matéria da revista
cepção do general Albuquerque Lima – Visão, 24-10-69, resumindo
Não será demais reafirmar: a recu- um documento inédito de
haja vista sua defesa da reforma agrária, peração da economia que iria prosseguir Albuquerque Lima no qual
considerada “condição primordial do cres-
sem interrupção, desdobrando-se em vi- esboça um programa de
cimento industrial e criadora de amplo governo. Para uma breve
goroso auge cíclico, havia começado em
mercado interno”. Através da “incorpo- discussão do nacionalismo
meados de 1967; não obstante, até o se- autoritário, ver Vinhas de
ração da massa brasileira”, tornar-se-ia
gundo semestre de 1969, a própria política Queiroz (1973).
possível superar o atraso, atualizando o
sonhado destino de grandeza. A contribu- econômica do regime não se mostrava 6 Ver Reis Velloso, entrevista
isso bastava para emudecer as vozes de gar pela cobertura da grande imprensa, o um relato da primeira reunião
cassandra da ortodoxia econômica, sem- documento preparado no Planejamento ministerial, colocando o
ministro numa posição muito
pre inconformadas com a longa perma- teria despertado acentuada reação crítica;
incômoda; a matéria vai ao
nência da inflação (mesmo após o “ataque ademais, teria aflorado o desencontro de ponto de relatar uma suposta
mortal” que a política econômica preten- opiniões no tocante à meta de crescimen- divergência quanto ao
dera executar durante 1969), é lícito su- to a ser adotada, sob o impacto da apre- crescimento do PIB: “Velloso
sentação das estatísticas revistas de cres- falara em 6 a 7% e na reunião
por que ainda estava aquém do deman-
ministerial Delfim prometera
dado por um governo que nascia sob o cimento relativas a 1968 e 1969.11 entre 8 a 9% para 1970, depois
signo da “pressa”. Uma leitura superficial da política Velloso voltaria a carga com
Outra foi a postura exibida por econômica, induzida pela forma imprimi- 10%”. Reis Velloso responderia
Delfim Netto nessa conjuntura. Antes de da aos sucessivos documentos produzidos à revista, esclarecendo: “1. É
inexata a informação de que o
mais nada, em plena consonância com os pelo regime, sempre preocupados em tecer Sr. Presidente da República teria
anseios voluntaristas do novo grupo diri- uma linha de continuidade inaugurada em ficado ‘extremamente irritado’
gente, Delfim terá sido a primeira autori- 1964, tenderia a desprezar os indícios de com o texto do documento de
dade econômica a ousar defender uma mudança e debate de alternativas. Tanto ‘bases’; 2. É inexata a
informação de que [...] o
meta de crescimento da ordem de 9% ao mais que a atividade do Planejamento fru-
Presidente haja mudado o
ano. Por suposto, o fascínio exercido por tificou, dando origem às Metas e Bases pa- sentido da reunião para reduzir
tal perspectiva de crescimento colocava ra a Ação do Governo (documento divul- a evidência da exposição do
em efetivo segundo plano as preocupa- gado em outubro de 1970). Uma leitura Ministro do Planejamento;
atenta, entretanto, sugere que as Metas e 3. É inexata a informação de
ções com a inflação persistente (que con-
que o Ministro do Planejamento
traste com a experiência vivida ao longo Bases (e o posterior I PND) cumprem pa- teria alterado a meta de
de 1969!). Por outro lado, ele brandia (no pel essencialmente retórico, não se consti- crescimento [...] de 6/7% para
começo, discretamente) a sua própria es- tuindo no guia da política econômica do 10%”. Veja, 21/1/70.
governo Médici. Com efeito, a ação do Pla- incremento substancial da produção agrí-
nejamento, tão bem ilustrada pelo PED cola e ao aumento das exportações, o que
(1968) e pelo II PND (1974), foi sufocada certamente haverá de motivar rápida am-
pela perspectiva dominante durante o “mi- pliação do mercado interno e induzirá a
lagre” fielmente traduzida na máxima de própria expansão do setor industrial.
Delfim Netto: “Dêem-me o ano, e não se E esclareceria em definitivo a me-
preocupem com décadas”.12 ta de crescimento de seu governo: “Es-
E não há como negar que a orien- peramos acelerar a marcha do desenvol-
tação da política econômica foi, sim, de- vimento em ritmo de crescimento da
cidida naqueles meses iniciais. Ainda em ordem de 10%”.13
janeiro de 1970, Delfim tornaria pública
a nova opção estratégica, o modelo “agrí- 2.2_ O modelo “agrícola-exportador”
cola-exportador”. E em março o próprio O início do governo Médici será marcado
general Médici ratificaria a escolha da op- por acentuada dominância dessa concep-
ção delfinista ao comunicar a sua política ção que, embora já esboçada anteriormen-
de desenvolvimento: te (sobretudo a partir de 1967), não des-
Aí estará, precisamente, a maior novida- frutava até então de semelhante primazia.
de da nova política governamental. Desde Agora, passa a se constituir no núcleo mes-
os anos 50, nosso esforço desenvolvimen- mo da política de desenvolvimento e do
tista vem sendo predominantemente indus- modelo de crescimento adotados – dese-
trial, de forma desequilibrada em relação nha-se, assim, em sua plenitude, o novo
ao setor agrícola [...] Dessa forma, nossa modelo “exportador” (ou, mais precisa-
política de desenvolvimento [...] visará ao mente, “agrícola-exportador”), formulação
12 Esse é o título de um artigo Mensagem de 31/12/69, perante os técnicos. E o 13 Aula inaugural na ESG – in
de Delfim publicado no Jornal afirmou: “Convencido estou da público propriamente dito já O Estado de S. Paulo, 11/3/70.
do Brasil, 31/3/70. A meu ver, menor necessidade de novos não liga”. Reis Velloso O fortalecimento de Delfim já
o mais significativo é o planos que de determinação e reconheceria o surgimento de era insinuado em matéria da
momento escolhido para constância para acionar e um ambiente marcado pela revista Veja, 14/1/70. Após a
comunicar essa “visão de aperfeiçoar o que planejado “insistência em mais execução precoce saída do ministro
mundo”, francamente hostil à existe”. (Médici, 1970, p. 82). e menos planejamento” e Fábio Yassuda, a revista Visão,
atividade de planejamento. O Um editorial de O Estado de S. buscaria defender a 14/3/70, comentaria: “Na
próprio general Médici vinha Paulo (23/12/69) atacaria a importância crucial do verdade, Delfim Netto surgiu
indicando um apreço menor “planomania” – para concluir: planejamento (Ver seu artigo como figura dominante na
por diagnósticos e “[...] a inflação de planos em O Estado de S. Paulo, área econômico-financeira”.
programação; em sua provocou sua desvalorização 31/12/69).
associada a Delfim Netto. Convém exami- Tal estratégia [...] se orienta no sentido de
nar a questão com algum detalhe. um crescimento equilibrado, com as vir-
Um notável (e ignorado) documen- tudes inerentes a esse processo, que, pelo
to desse período delineia a tarefa da qua- desenvolvimento simultâneo dos diversos
dra histórica que se anunciava: setores, acelera a criação de renda e de
mercado para cada um desses setores.
Cabe agora, num verdadeiro programa de
emergência para o Brasil, fixar a opon- O aspecto chave da estratégia era:
do às crises de motivação e às frustrações “Centrar-se, a curto e médio prazo, no
do passado a confiança no projeto brasilei- aumento e exportação simultânea da pro-
ro e a vontade de toda a Nação de realizar dução agrícola”. Essa era a resposta del-
o pleno desenvolvimento. finiana para as recorrentes preocupações
(Esse “projeto brasileiro” envolvia a am- com o tamanho (insuficiente) do nosso
bição explicitada tranqüilamente de do- mercado interno: lembre-se, o PED dis-
brar a renda per capita de 1970 a 1980, corria sobre a necessidade de criar o “mer-
apoiada numa projeção de crescimento cado de massa”, Albuquerque Lima ace-
do PIB de 9% a. a. – “indiscutivelmen- nava com a reforma agrária (falácia?).
te viável nas atuais condições econômi- Dos dois setores básicos – agricultura e ex-
cas do país”). portações – surgirão condição para uma rá-
O sucesso na implementação des- pida ampliação do mercado interno.
se “projeto brasileiro” exigiria “altera-
O argumento – central – é reiterado:
ções substanciais na estratégia de desen-
volvimento”, de forma a permitir “evitar Não existem fórmulas mágicas de amplia-
a repetição das falácias que têm obstado ção do mercado interno. Esta depende,
a construção de um país grande, livre e para sua mais rápida concretização, de
progressista”. Assim: um elemento exógeno ao sistema, represen-
tado pelo mercado externo que permitirá
Essa aceleração do crescimento resultaria
um aumento geral da produtividade.
de uma modificação substancial na estra-
tégia do desenvolvimento, que passaria a Ainda uma vez: “Do setor exportador
centrar-se [...] no forte incremento da pro- provirá o elemento dinâmico para altera-
dução agrícola e das exportações do país, ção de todo o quadro da economia brasi-
ensejando a rápida ampliação do mercado leira”. Dessa forma, pretende-se viável o
interno e induzindo o crescimento dos de- desenvolvimento almejado, posto que “a
mais setores. estratégia confere à economia o elemento
16 Programa da Política 10% do seu preço real. tiveram amargas desilusões ao “O gargalo do desenvolvimento
Econômica do Governo: 15. Ver também Delfim Netto, verificar muito rapidamente que brasileiro, na medida em que o
Ver também o artigo citado entrevista a Mundo Econômico, isso era impossível. Se nós desejarmos, será a capacidade
de Viacava. jan. 1970. tivéssemos tentado alcançar as para importar”. – “O
17 Segundo o Programa, a 18 Ver Delfim Netto, “É Preciso altas taxas de desenvolvimento Desenvolvimento e o Comércio
evidência de outros países Exportar Mais Para Acelerar o sem simultaneamente nos Exterior”, in Revista de Finanças
indicava ser muito alta a Ritmo do Progresso”, in Mundo termos preparado para agredir o Públicas, ago. 1968. Ver também:
elasticidade-preço do consumo Econômico, set. 1970 – aí ele, comércio exterior, teríamos José Flávio Pécora, secretário-
de fertilizantes; no caso do ironicamente, conclui: “E caminhado para um tipo de geral do Ministério da Fazenda,
trator, o documento apóia-se em aqueles que acreditaram ser endividamento que acabaria por “Perspectivas das Exportações
estimativas sinalizando um possível realizar o inibir o próprio Brasileiras”, in Revista de Finanças
aumento de 16% na sua desenvolvimento sem a desenvolvimento”. Em outra Públicas, jan. 1970; Carlos
utilização para uma queda de expansão das exportações oportunidade Delfim advertira: Viacava, artigo citado.
operação, em doze meses; dado o seu ca- restrições quanto a prazos (vista como
ráter permanente, a faixa especial abria a uma abertura para a sua entrada no
possibilidade de rotação dos créditos.27 CDC). É possível que apenas os bancos
A Resolução 134, de 18/2/70, médios e pequenos, e os bancos de inves-
reduziu em 0,2% a. m. as taxas de juros timento, tivessem de ajustar seus custos
dos bancos comerciais, agora fixadas em para enfrentar o cenário de taxas de juros
1,6% a. m. nas operações até 60 dias e mais baixas – indiretamente, as decisões
1,8% a. m. nas de prazo superior. Outra do BC favoreciam o movimento de con-
Resolução, de nº 136, estabeleceu um redu- centração bancária e centralização finan-
tor de 10% sobre as taxas cobradas pelos ceira, sabidamente políticas promovidas
bancos de investimento em suas opera- con amore no período.
ções ativas. Já as financeiras foram pou- 3.1.2_ Política fiscal: financiamento
padas, beneficiadas pela redução de 3% do capital de giro a custo zero
A prática, observada anteriormente em 27 Ver a nota do Ministério da
para 2% da taxa de colocação das letras
caráter emergencial, de dilatação dos pra- Fazenda e declarações de
de câmbio (Resolução 137). Delfim: “É óbvio que a taxa
Essas medidas certamente perse- zos de recolhimento dos impostos indire- de juros global nunca poderá
guiam o objetivo de melhoria das condi- tos, torna-se permanente a partir de 1970, ser negativa, mas a setorial,
ções de crédito – não há por que duvidar contribuindo para a expansão do ritmo de correspondente aos objetivos
atividade numa medida difícil de quanti- do Governo, pode e deve ser
da intenção manifesta da política econô- negativa ...”, in Revista de
ficar, mas cuja importância não deve ser
mica de trazer as taxas de juros reais para Finanças Públicas, fev. 1970,
subestimada. Esse instrumento foi mani- p. 41-43. Ver também “A
níveis que “não ultrapassem 8 a 10% ao
pulado com alguma seletividade, conce- ajuda demorada”, in Veja,
ano”.28 Mas não deve passar despercebi- 11/2/70, p. 41-42.
dendo prazos máximos para setores debi-
do que os grandes bancos já praticavam 28 Ver a entrevista de Delfim
litados ou prioritários (tal foi o caso da
a taxa de 1,6% a. m. (desde a Resolução a Mundo Econômico, jan. 1970,
indústria têxtil, aquinhoada com um pra-
114, de 1969) – e agora seriam compen- p. 28. Também suas
zo de 75 dias em jan./70, ampliado para declarações “Capital de giro e
sados com alguns benefícios adicionais, a 120 dias no final de maio – quando pas- sistema bancário”, in Revista de
saber: elevação de 50 para 55% da parce- sou a beneficiar também as indústrias de Finanças Públicas, fev. 1970,
la remunerada em ORTN do compulsó- calçados e aço). Para a maioria dos setores p. 2. As taxas de juros cobradas
rio, liberação da taxa de juros nas opera- pelas financeiras e bancos de
industriais, concedeu-se um prazo de 60 investimento estariam em
ções de crédito pessoal (até então fixadas dias (jan./70), ampliado sucessivamente torno de 37 a 44% a.a. (Visão,
em 2,2% a. m.), bem como eliminação de para 75 dias (maio/70) e, por fim, 90 dias 28/2/70, p. 43).
ção desses fundos pela CEF representou as operações interbancárias (negadas le-
óbvia ampliação da oferta de crédito.31 galmente, mas cedo institucionalizadas
pela sistemática do “cheque BB”) e proje-
3.1.4_ Mudanças operacionais na política
monetária taria possíveis passos futuros (por exem-
O ano de 1970 é o da implantação do open plo, redução dos depósitos compulsórios,
market (após uma fase experimental em tornados um instrumento antiquado)
1968-1969 utilizando a ORTN com pra- visando à redução de custos operacio-
zo decorrido): o quadro institucional ga- nais.32 E naturalmente o open constituiria
nhou forma no Decreto-Lei n. 1079, de uma esfera de valorização dos capitais
29 de janeiro de 1970, e na Resolução em aplicações de curto prazo, numa con-
n. 150, de 22 de julho de 1970. Esse aper- juntura de alongamento de prazos de re-
feiçoamento da política monetária, coro- colhimento e redução/isenção de impos-
ando os movimentos anteriores de redu- tos, etc. Interessante notar que, já no ato
ção do desequilíbrio fiscal e a introdução de nascimento do open, observaram-se al-
das minidesvalorizações cambiais (am- gumas deformações reveladoras da sua
bos pré-condições para a eficácia da polí- potencialidade “para o mal” (carta de re-
tica monetária), teve outras implicações compra, fracionamento dos títulos de ele-
não menos importantes. vado valor, visando atrair o “pequeno
O open facultaria aos bancos remu- poupador”), obrigando o Banco Central
nerar parte do seu encaixe, desenvolver a intervir – é o caso, por exemplo, da Cir-
31 Delfim Netto vincularia o a se ampliar o prazo do detalhado do PIS, ver Loloian, extremamente importante no
PIS ao objetivo permanente recolhimento dos impostos. 1980 (a citação de Velloso futuro para controle da
de redução das taxas de juros, De forma que tudo está encontra-se na p. 22). liquidez global do sistema
pré-condição do crescimento: caminhando para baixar a taxa 32 Isso foi indicado por econômico brasileiro. E vai
“Na medida em que o fundo de juros. Os empresários Delfim Netto: “As operações ajudar a reduzir muito os
vai servir como captação de financeiros têm de de mercado aberto são o empréstimos compulsórios,
recursos que se transformará compreender que essa é uma substituto eficaz para o velho quando chegar o momento
em capital de giro das necessidade imperiosa e as sistema de taxas mínimas ou apropriado. Portanto, vai ser
empresas, ele reduzirá a taxas de juros vão ter de obrigatórias de depósitos uma operação que reduzirá de
demanda de capital de baixar neste país de qualquer compulsórios. Estamos maneira substancial o custo
financiamento por parte forma. O fundo será apenas aprendendo a trabalhar com o do sistema bancário.” – Visão,
dessas empresas e certamente mais um instrumento para a open market para poder superar 7/11/70, p. 36-38.
vai baixar a taxa de juros. O realização deste objetivo” – aquele sistema, extremamente
mesmo efeito se obteve Revista de Finanças Públicas, ago. oneroso para os bancos. [...]
quando se ampliou e continua 1970, p. 2-16. Para um exame Vai ser um instrumento
cular 145, de 25/9/70, que buscou coibir habilmente manipulado nos anos seguin-
a prática do fracionamento.33 tes: por exemplo, a Portaria GB-14, de
A mudança na sistemática da polí- 15 de janeiro de 1970, estabeleceu a pos-
tica monetária seria completada pelas Re- sibilidade de transferência para terceiros,
soluções n. 168 e n. 169, de 22 de janeiro como pagamento de matérias-primas, em-
de 1971: a primeira simplificou o redes- balagens, etc., do eventual excedente de
conto de liquidez, convertido em “assis- créditos (sendo facultado aos fornecedo-
tência financeira” do BC, consistindo em res utilizar tais créditos para abater o seu
abertura de crédito por prazo indetermi- IPI devido); e uma sucessão de portarias
nado e o controle sendo exercido via ma- fixariam alíquotas especiais de IPI, váli-
nipulação dos limites, prazos de utiliza- das apenas para cálculo do crédito fiscal
ção e taxa de juros; a segunda introduziu (em alguns casos, alcançando o dobro,
a média quinzenal dos depósitos, no lu- ou mesmo o triplo, da alíquota válida pa-
gar de um dia determinado, como base ra o mercado interno). Em 15 de janeiro
de cálculo dos recolhimentos compulsó- de 1970, o Convênio do Rio de Janeiro
rios devidos pelos bancos comerciais. estabeleceu um mecanismo de crédito
3.1.5_ Incentivos às exportações de manufaturados prêmio do ICM, semelhante ao IPI.34
Como se sabe, desde 1964, a política fis- 3.1.6_ Apoio “estratégico” à agricultura:
cal vinha sendo acionada num crescendo incentivos à elevação de produtividade
visando à promoção de exportações. Du- O governo Médici elegeu a agricultura
as medidas merecem destaque. O crédito sua prioridade. A retórica da política eco-
prêmio de IPI, introduzido em 1969, foi nômica identificará 1970 ao “ano da agri-
33 Ver matéria do Jornal da atreveu a proclamar: “[...] não orientação do governo”. Nem IPI. Assim, no momento em
Tarde, 20/10/70, informando creio que ninguém possa mesmo o risco de retaliações que apresentassem objeções
que um grande banco paulista alterar esse processo de seria capaz de fazer recuar ao mecanismo de créditos, se
vinha operando com garantia incentivos que foi criado. Não essa política, pois “ [...] no dia poderia dobrar o valor do IPI,
de recompra. Ver também de há a menor possibilidade que em que objetarem, já temos recolher o IPI , devolver ao
R. Appy, “Open market ainda isto seja mudado no futuro um sistema alternativo pronto. INPS a sua parte e dar como
não deslanchou”, in Economia visível, de forma que os As contribuições (como crédito de IPI a diferença.
Paulista, set./out. 1970. senhores podem tratar de Fundo de Garantia, Funrural, Ficaria tudo na mesma, mas as
34 Essa política adquiriu tal fazer seus investimentos para etc.) pesam em 76% sobre a regras estariam satisfeitas.” –
enraizamento que, em 1972, a exportação com a maior folha salarial. Transformam-se Visão, 28/8/72, p. 424.
durante uma exortação aos tranqüilidade. Não há força essas contribuições em
exportadores, Delfim se material capaz de mudar esta impostos sobre vendas ou em
cultura”, tal o tratamento a ela dispensa- A isso tudo some-se a farta dispo-
do. A retórica justifica-se, tendo em vista nibilidade de crédito, a juros favorecidos.
o conjunto de incentivos dados ao setor. O volume de financiamento de tratores,
Incentivos esses visando à ampliação da em termos reais, realizado pelo Banco do
mecanização e do uso de insumos moder- Brasil a uma taxa de juros fixa em 15%
nos, consolidando a sua transformação em a. a., após sofrer uma retração em 1969,
agronegócio. cresce 16,5% em 1970 e, em seguida, pra-
Assim, cabe destacar: ticamente triplica até 1973. O volume de
crédito para fertilizantes, em termos reais,
1. isenção de IPI e de ICM sobre tra-
após sofrer retração em 1969, cresce aci-
tores e demais máquinas agrícolas;
ma de 150% em 1970 e acima de 200%
2. isenção de ICM sobre os insumos
em 1971: em 1973, alcançando um valor
utilizados na produção de adu-
4,5 vezes maior que o de 1970, já repre-
bos e fertilizantes;
sentava 14% do volume total do crédito
3. incentivo fiscal à compra de trato-
rural (em 1969 apenas 3,6%). Note-se
res e máquinas agrícolas, fertili- que, pelo Fundag, a taxa de juros nessa
zantes, defensivos, etc. (tratados modalidade permaneceu fixa em 7% a. a. 35 Essa última medida é de
como investimentos, permitindo E o crédito rural total, por sua vez, cresce abril/71 e propiciaria nova
abater até 80% do rendimento lí- 18,8%, em termos reais, em 1970, e sim- redução no preço final do
quido sujeito ao IR); plesmente dobra até 1973.36 trator, estimada em 3 a 4% –
4. redução do IR devido pela agricul- A sua política econômica foi uma ver Exame, set. 1971, p. 212.
tura (limitando o rendimento tri- As demais datam do primeiro
vez descrita por Delfim Netto como uma ano do governo Médici.
butável a 10% em 1970 e 25% “política de libertação do empresário”: Referências a essas diferentes
em 1971 do rendimento líquido ao libertá-lo, o governo tornava viável o medidas localizam-se em
após a dedução dos investimen- desenvolvimento com base na agricul- Revista de Finanças Públicas, jan.
tos realizados); 1970, p. 40; fev. 1970, p. 45 e
tura e nas exportações. 47; jul. 1970, p. 50; out. 1970,
5. isenção de IPI sobre matérias-pri-
A resposta da agricultura aos estímulos é o p. 47. Ver também o
mas, produtos intermediários e telegrama (de “júbilo”)
que se pode dizer uma experiência crítica, é
material de embalagem utilizados a resposta definitiva àqueles que acredita- enviado ao presidente e seus
pela indústria de máquinas e im- ministros pela Federação da
vam que o sistema era incapaz de atender
plementos agrícolas; Agricultura do Estado de São
aos estímulos do lucro. Nós temos uma coi- Paulo, in O Estado de S. Paulo,
6. isenção de ICM sobre motores e sa extremamente rara e que talvez nos dis- 24/1/70.
engrenagens utilizados na fabri- tinga de todo o mundo subdesenvolvido: o 36 Barros (1980):127; IPT
Com efeito, no início de 1970, fórico das expectativas. Com isso, o se-
Delfim antecipava que “a produção agrí- tor, estagnado desde a conclusão de seu
cola baterá todos os recordes”.37 O mau primeiro ciclo de investimentos em 1962,
desempenho da cultura de café frustrou voltaria a investir, duplicando a capacidade
essa previsão, mas não abalou a certeza instalada durante o “milagre”. No caso
da futura resposta do empresariado agrí- dos fertilizantes, a produção de nitroge-
37 Entrevista coletiva na
cola. No final do ano, Delfim reafirma- nados cresce aos saltos, multiplicando-se
recém-formada Associação
dos Jornalistas de Economia e
ria sua crença: por oito entre 1970 e 1974 (5,5 entre
Finanças, in Revista de Finanças Desde a posse do Presidente foi tomada 1970 e 1973), enquanto a de fosfatados
Públicas, fev. 1970, p. 43 e mar. uma série de medidas, todas na direção da cresce acima de 150% no período (prati-
1970, p. 3. Na linha do
expansão da produtividade da agricultu- camente duplica de 1970 a 1973). Em
modelo agrícola-exportador,
ele diria então: “Uma ra. Acho que abril ou maio de 1971 vai ambos os tipos, contudo, o peso das im-
expansão da renda agrícola, revelar que esse esforço extraordinário ob- portações era superior a 50% do consu-
como a que vai se verificar teve uma resposta espantosa do setor agrí- mo – já os potássicos eram importados
neste ano, tende a produzir cola brasileiro. Não tenho dúvidas de que na sua totalidade; assim, no período ob-
uma expansão extraordinária 1971 deve revelar a maior taxa de cresci-
da demanda de bens servam-se taxas elevadíssimas de cresci-
mento da agricultura de que se tem notícia mento das importações (à exceção de
industriais. Estão, portanto,
criadas as condições na história deste país. 38
1973, quando a conjuntura agitada vivida
necessárias para a realização De fato, a agropecuária cresceu pelo mercado afetou as importações).40
do desenvolvimento”.
38 Visão, 7/11/70. Ele
11,4% em 1971 (e a lavoura cerca de
3.1.7_ Política industrial: Plano Siderúrgico
reafirmaria essa expectativa 14,8%) – espetacular, sem dúvida, porém Nacional, incentivos ao investimento
em entrevista à revista uma performance que não se repetiria nem e à indústria de bens de capital
Progresso, mar./abr. 1971. em 1972 (4,1%), nem em 1973 (3,5%). A aceleração do crescimento tornaria evi-
39 Os números são extraídos
Não obstante, o auge cíclico prosseguiu vi- dente o atraso na expansão de capacida-
de “Agricultura num contexto gorosamente; como explicá-lo a partir da de da siderurgia. O setor fora prejudica-
de recessão”, Paulo Rabello de
Castro e Renato Ticoulat “estratégia agrícola-exportadora”?39 do não só pela desaceleração industrial
Filho, in O Estado de S. Paulo, Mas é certo que essa política im- pós-1962, mas também por fatores vá-
27/12/81. pulsionou com força a indústria de trato- rios, como preços contidos que afetavam
40 Para um exame
res, a qual operava com 50% de capacidade a capacidade de autofinanciamento (so-
pormenorizado, ver
ociosa em 1969; a expansão da produção bretudo durante o PAEG); redução de
CEFER-IPT (1980);
os dados da indústria de alcança sucessivamente marcas impressi- tarifas de importação em 1966, e, nova-
tratores são de Barros (1980) onantes: 47% em 1970, 57% em 1971, mente em 1967, projeções pessimistas
e Banas, 10/9/73. 32% em 1972, induzindo um estado eu- da necessidade futura de aço (relatório
41 Segundo Pratini de Moraes, Segurança e Desenvolvimento dissertava sobre a “libertação “Precisamos acreditar que o
da Indústria e Comércio: “Se a n. 154, 1973. do empresário” promovida desenvolvimento é possível”).
produção siderúrgica fosse 42 Pronunciamento no pela política econômica, tinha Ver suas declarações na
mantida nos níveis atuais – 5,4 banquete anual da indústria presente que o Associação dos Jornalistas de
milhões de toneladas anuais –, elétrica e eletrônica: “Governo desenvolvimento “é mais uma Economia e Finanças, in
em poucos anos o processo só apoiará indústria eficiente”, questão de mobilização”, “é Revista de Finanças Públicas, fev.
de desenvolvimento poderia O Estado de S. Paulo, basicamente obra do setor 1970, p. 43. Para uma análise
ser comprometido, pela nossa 12/12/70. Velloso renovaria a privado” – não poupando do investimento do setor
crescente dependência das exortação em entrevista ao esforços, pois, para promover público, ver Dain (1979).
importações”. – “A Siderurgia Correio da Manhã, 25/1/71. o seu engajamento, a sua
e o Desenvolvimento”, in Delfim, por sua vez, quando “crença” (ele diria mesmo:
te-americana, enquanto as demais econo- réia no início dos anos 50. Este último
mias desenvolvidas apresentavam com- ponto merece ser destacado. O boom sin-
portamentos diferenciados (Japão, França cronizado do capitalismo avançado inten-
e Alemanha mantiveram um elevado cres- sificou a demanda mundial por alimentos
cimento; Canadá, Reino Unido e Itália e matérias-primas industriais (um merca-
exibiram, quando muito, crescimento ras- do caracterizado pela dominância de pre-
tejante). A recuperação dos EUA teve ços flex), tendência reforçada por movi-
início durante 1971, evoluindo para taxas mentos especulativos desatados pela alta
reais de crescimento do PNB da ordem de preços num ambiente de juros reduzi-
de 5,7% em 1972 e 5,5% em 1973 (o dos. Com efeito, os preços dos alimentos
crescimento mais vigoroso desde 1966). crescem 54,0% em 1972 e 43,2% em
As demais economias desenvolvidas tam- 1973, enquanto os preços das matérias-
bém cresceram e a taxas ainda maiores – primas industriais exibem alta de 29,4%
até mesmo o Reino Unido conseguiu, em 1972 e 74,2% em 1973.44
em 1973, sair do seu crônico estado de No plano interno, o crescimento a
crescimento rastejante, exibindo taxa de altas taxas, prolongando-se por vários
crescimento próxima de 6%. Um deter- anos, terminou desaguando numa con-
minante chave dessa conjuntura foi o juntura de superaquecimento, com os ní-
manejo da política monetária pelo FED, veis de produção tendendo a esbarrar no
caracterizado por incomum flexibilidade teto da plena utilização de capacidade.
(oferta abundante de liquidez e baixas ta- O ritmo acelerado dos investimentos,
xas de juros). A repercussão se fez em vá- característico do auge, contribuiu para
rias direções: o comércio mundial atingiu manter em contínuo crescimento a de-
os maiores índices de expansão de todo o manda, excitando as expectativas empre-
pós-guerra; o mercado de euromoedas, sariais, o que culminará em sobreinvesti-
que vinha há anos em uma trajetória ver- mento – assim, ao longo do tempo, o
tiginosa, simplesmente duplica entre 1971 processo tende a desdobrar-se em uma
e 1973, tornando clara a conjuntura de crise de superacumulação de capital (isso
sobreliquidez internacional; e os preços já ocorrera na crise dos anos 60 e voltaria
internacionais dos produtos primários des- a repetir-se na crise do “milagre”).
44 Os dados se referem a
frutaram entre 1972 e 1974 o seu maior Mas, a curto prazo, dada a defasa- jan./72, jan./73 e jan./73,
boom desde o pós-guerra, superior mes- gem entre os gastos de investimento e a jan./74. Ver a análise de A.
mo ao ocorrido durante a Guerra da Co- resultante expansão de capacidade, o que Udry, in Mandel (1977).
sua produção interrompida em razão da ta, porque isto é que estimula os novos in-
escassez da matéria-prima, importada); a vestimentos, isto é que dá a rentabilida-
falta de resinas fenólicas e de ferro gusa de às empresas, isto é que dá a escala
trouxe dificuldades para a fundição.46 à indústria.
Se restasse qualquer dúvida acerca O compromisso com o crescimento ace-
da conjuntura de superaquecimento, bas- lerado é inteiramente reafirmado:
taria lembrar que as próprias autoridades
econômicas o reconheciam. Delfim Net- Não haveria nada mais simples para o
Governo do que fazer desaparecer com um
to, falando aos empresários na FIESP,
estalar de dedos esta escassez de matéria
evocaria os “saudosos idos de 63” (quando
prima. Simplesmente bastava reduzir a
“sobrava matéria-prima”, “sobrava em-
taxa de crescimento. [...] Basta reduzir-
prego”) na tentativa de aplacar o surto de
mos o prazo do recolhimento do IPI para
nervosismo (“frenesi”, “quase histeria”) 30 dias [...] Agora eu pergunto: quem é
que se manifestava e insuflar um ânimo suficientemente inconseqüente para propor
positivo, direcionado à continuidade do uma solução como esta? Quem é suficien-
crescimento. É verdade que temente irresponsável para propor que pa-
a circunstância de que falta matéria-pri- ralisemos o desenvolvimento econômico só
ma é o indicador mais importante de que porque existem algumas dificuldades com
estamos batendo no teto da nossa taxa matéria prima?47
de expansão.
O período 1972-1973 possui ou-
Mas, ele ensinaria: tro traço distintivo: contrastando com a
O desenvolvimento é exatamente isto, é prática anterior, agora a política econô-
fazer a demanda andar na frente da ofer- mica manifestaria com muita ênfase o
46 Ver para um relato 47 Ver Revista de Finanças existe. Agindo desta forma, inteligentes, lidando com os
detalhado: Banas, 10/12/73; Públicas, out./dez 1973, p. 7-15; estamos forçando o teto acima pontos de estrangulamento no
Conjuntura Econômica, fev. 1974; Jornal da Tarde, 13/10/73. do qual é impossível subir”. Ver instante em que aparecem.
Visão, 11/6/73 e 24/9/73 Delfim também apontava a também sua entrevista a Veja, Aplicar uma política monetária
(“São Paulo precisa de reforço”, exacerbação do processo 4/7/73, onde ele explicitava apertada daria tranqüilidade ao
comentando a escassez de motivada pela “histeria” – “sair suas opções: “Contornar a ministro, mas abandonamos
mão-de-obra não qualificada); correndo e pedir a mesma pressão através de uma redução essa solução em 1967 e não é
Exame, ago. 1973 (“Sem encomenda a dez fornecedores, na demanda seria a solução agora que faríamos sua
matérias primas, como será o dando a impressão de que existe menos trabalhosa, mas é ressurreição”.
segundo semestre”). dez vezes mais demanda do que preferível adotar caminhos mais
ou para aumentar o cacife do grupo diri- nário) agrícola: veja-se o modelo agríco-
gente visando influir no seu desenlace fi- la-exportador e o vulto das medidas de
nal; o regime adotara nesse período uma apoio à agricultura que haviam sido im-
forma de comunicação baseada no ufa- plementadas; recorde-se as repetidas pre-
nismo aberto, alimentado pelo anúncio visões de uma supersafra (a resposta es-
de sucessivos “projetos impacto” (PIS, perada da agricultura) – e é um fato que
PIN, etc.) – a “nova postura” não deixaria tal ocorrera em 1971, como que a confir-
de se revestir desse caráter. mar o acerto da estratégia em curso. Há
Por outro lado, parece certo que a indicações de que as autoridades econô-
“nova postura” refletiu um patamar mais micas projetavam excelente desempenho
elevado do voluntarismo de que o regime da oferta agrícola em 1972 e novamente
se impregnou a partir da tomada de cons- em 1973 – isso num momento em que
ciência do “milagre”. Com efeito: há pou- “tudo mais está sob controle” (leia-se: sa-
co mais de um ano, incomodado pela fa- lários domesticados pela política salarial,
tura que lhe era lançada pelos devotos da déficit orçamentário negligível, câmbio
estabilidade, Delfim se permitiu devolver acertado, política monetária eficazmente
o desafio com o revelador “Preferimos conduzida graças ao open, às minidesva-
crescer”, a melhor síntese do clima carac- lorizações, etc.).50 Um segundo elemento
terístico da administração Médici; ago- teria a ver com a componente psicológica
ra, ele anunciava o desejo de continuar do processo, traduzida por Delfim no
crescendo (“por muitos anos...”) e simul- comentário “a inflação sempre começa 50 “As previsões quanto às
safras agrícolas do ano que
taneamente reduzir expressivamente a na cabeça das pessoas”; assim, os 20% de
vem já permitem ao governo
inflação, reintroduzindo o sonho da esta- inflação anual terminaram adquirindo ca- acreditar que poderemos obter
bilidade. Convenhamos, o governo apos- ráter de barreira psicológica, “mítica”. substanciais ganhos no
tava alto, ao que parece seguro de tudo Dessa forma, tal como a aceleração do combate à inflação ...” –
Delfim, em um jantar com
poder – no mínimo, tratou-se de uma crescimento, sustentada na realização de banqueiros, Jornal da Tarde,
manifestação de audácia. investimentos, dependia da “crença” do 17/12/71. Ver também: O
Mas, de um ângulo estritamente empresariado, também a redução da in- Estado de S. Paulo, 22/12/71;
econômico, é plausível admitir que a con- flação dependia em certa medida da “cren- “O empresário e a inflação de
12%”, in Exame, abr./73;
fiança depositada nas chances de êxito na ça” de que é possível, de que qualquer “Custo de Vida: técnico
meta antiinflacionária tenha tido a sua inflação adicional é desnecessária (um rompe silêncio”, in O Estado de
base na aposta em um choque (deflacio- “desperdício”). Delfim Netto era explíci- S. Paulo, 1º/10/78.
to a respeito: “Não falta nenhum fator o movimento de redução das taxas de ju-
objetivo. Só falta a crença dos homens ros (administradas pelo Banco Central).
em que isso seja possível”.51 Por via das Um conjunto de Resoluções fixou, em
dúvidas, o CIP estaria vigilante para fazer fev./72, as novas taxas de juros para as
ver aos recalcitrantes que a “nova pos- diferentes modalidades de crédito bancá-
tura” era para valer. rio e os rendimentos dos depósitos a pra-
Assim, para espanto da ortodoxia, zo e das letras de câmbio. Em jan./73, o
a política econômica declarava preten- Banco Central promoveria novo ciclo de
der uma redução significativa da inflação, redução das taxas de juros, inclusive a ta-
num gradualismo rápido, e, ao mesmo xa básica de assistência financeira (anteri-
tempo, perpetuar o crescimento acelera- ormente taxa de redesconto), eliminaria
do – portanto, com a manutenção de o depósito compulsório sobre os depósi-
uma política monetária passiva. Delfim tos a prazo dos bancos comerciais e o
Netto ensinaria (com razão, aliás): IOF incidente sobre o crédito rural (de
custeio ou investimento).
Se é verdade que a inflação começa na ca-
beça dos homens, também é verdade que, Para além da real eficácia dessas
se ela sobrevive por algum tempo, é porque medidas (os mecanismos de reciprocida-
não há outra forma senão sancioná-la pela de desenvolvidos pelo mercado torna-
política monetária, uma vez que a alter- vam as taxas de juros efetivas muito su-
nativa não é a estabilidade dos preços, periores aos níveis nominais arbitrados
como acreditam alguns monetaristas exa- pelo Banco Central) e de suas reais inten-
gerados, mas o desemprego.52 ções ou funcionalidade, cabe frisar a he-
Estabilidade monetária sim, mas na- terodoxia da política econômica: redu-
da de arrocho fiscal, monetário ou credití- ção das taxas de juros como instrumento
cio que fatalmente afetariam o ritmo de (meio) da pretendida redução da infla-
crescimento. Outros instrumentos que não ção. (Por suposto, plenamente coerente
os convencionais deveriam ser acionados com o objetivo “gêmeo” da preservação
na busca daquele objetivo. Uma breve re- do crescimento acelerado.).
constituição da execução da política eco- Sucessivas portarias ministeriais da-
51 Jornal da Tarde, 6/1/73. nômica não deixa margem para dúvida. riam continuidade à diretriz anterior de
52 “O empresário e a inflação Após a interrupção observada no conceder prazos sumamente elásticos para
de 12%”, in Exame, abr./73. ano de 1971, prosseguiu em 1972 e 1973 o recolhimento do IPI, disponibilizando
57 Ver as declarações de Delfim IPI reduziria, na margem, o benefício tarifário – Veja, A explicação reside no fato de que
reproduzidas in O Estado de S. montante do ICM devido – e 19/9/73, p. 102. Delfim a baixa da tarifa reduz a pressão da
Paulo, 21/4/72. Um diretor da ainda influiria sobre os custos explicaria, em depoimento no elevação de preços. No caso dos
Nestlé reconheceria: “A isenção financeiros das empresas. É Congresso Nacional: “[...] a metais, por exemplo, reduziram-se
do IPI constitui, na verdade, incerto, contudo, o resultado inflação mundial tem causado todas as tarifas a zero. No caso
uma providência de alcance obtido pela medida: o próprio menos repercussão do que seria de produtos químicos
maior do que o empresariado Delfim Netto, em reunião do de esperar sobre a economia reduziram-se as tarifas a 10, 12%
poderia esperar neste momento, CIP de jan./73, recomendaria brasileira. Sendo o Brasil um sem que isso representasse o
quando mantinham constantes atenção especial para os setores país de tarifas bastante elevadas, menor dano à indústria nacional.
reivindicações na área das de industrialização de alimentos, a manipulação das tarifas O instrumento de manipulação de
isenções, mas restringindo-as alegando um comportamento alfandegárias dos produtos tarifas foi usado com muita
quase sempre aos pedidos de anormal durante 1972. – ver O importados pode neutralizar em freqüência nos últimos seis meses
diminuição dos níveis de Estado de S. Paulo, 16/1/73. boa parte as elevações externas e creio que ainda existe uma larga
incidência tributária”. – O 58 Em apenas nove meses de dos preços. Isso significa que os margem de manipulação”. (Delfim
Estado de S. Paulo, 8/4/72. 1973, cerca de 128 produtos preços externos crescem mais Netto, 1973).
Observe-se que a isenção do foram contemplados com do que os preços internos.
veram notável ampliação desde o início 1973, comparável ao de 1965 sob o PAEG.
da administração Médici. Enquanto o objetivo de desinflação, apa-
De qualquer forma, a política eco- rentemente imposto à política econômi-
nômica cumpriu a contento o seu papel ca, terminou sendo perseguido de forma
de coadjuvar a valorização dos capitais, tão artificial quanto a prática atribuída ao
beneficiando amplo leque de interesses populismo pré-1964.
capitalistas. Com certeza em nenhum ou- Cabe indicar as lacunas que perma-
tro momento desde sua implantação a necem na reconstituição da política eco-
ditadura logrou atender, de forma tão ge- nômica do período. Em primeiro lugar, a
nerosa e ecumênica, as demandas do ca- política de fomento à concentração ban-
pital, um fato revelador seja da enorme cária e seu desdobramento no conglome-
ampliação do raio de manobra suscita- rado financeiro. Além de ter representa-
do pelo auge, seja da real natureza da po- do substancial modificação da concepção
lítica econômica. Se alguma dúvida hou- original da reforma financeira de Cam-
vesse a esse respeito, ela seria facilmente pos-Bulhões, há indicações (nunca confir-
desfeita observando a postura contem- madas pelo próprio Delfim Netto) de que
porizadora diante da permanência da in- essa evolução indicava um projeto (implí-
flação, num nível suficientemente alto cito) mais ambicioso de fortalecimento
para escandalizar as mentes ortodoxas (e da grande empresa nacional através da as-
não menos inaceitável para a política eco- sociação banco-indústria. Nessa hipótese,
nômica delfiniana em 1969...). tratar-se-ia de uma peça essencial da estra-
Por outro lado, mostrou-se como, tégia de desenvolvimento do período.
em 1972-1973, a política econômica, mes- Em segundo lugar, embora o rela-
mo colhendo os ambicionados frutos do to oferecido neste artigo tenha destacado
crescimento acelerado, começaria a se de- a primazia do Ministério da Fazenda na
frontar com obstáculos crescentes à sua definição e na condução da política eco-
execução – até mesmo com os primeiros nômica, a ação do Planejamento foi in-
sinais de fissuras em sua base de apoio tensa, materializando-se em dois docu-
(exemplificado pela saída do então mi- mentos: as Metas e Bases para a Ação do
nistro da Agricultura, Cirne Lima). Espe- Governo (1970) e o I PND (1971). Uma
cialmente notável foi o “erro” cometido apreciação do papel do Planejamento no
na condução da política monetária em período, sobretudo contrastando esses
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