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Salvador
2018
ANÁLISE MOTÍVICA DA SEGUNDA SINFONIA DE BRAHMS
A segunda das quatro sinfonias de Brahms foi composta em 1877 - logo após ter
escrito a primeira sinfonia - na região de Pörtschach no Wörthersee nos Alpes austríacos.
A segunda sinfonia teve sua estreia em Viena, dia 30 de dezembro de 1877, dirigida por
Hans Richter, que também estreou a terceira sinfonia do compositor. Richter foi um dos
mais importantes e renomados maestros de seu tempo, e sua presença foi uma prova da
consideração que o maestro tinha do compositor. O público e a crítica receberam suas
sinfonias com grande entusiasmo (esta mais que a sua primeira), atingindo rapidamente
um lugar proeminente entre os compositores e obras da época. A estrutura da obra
localiza-se no limite entre o classicismo e o romantismo, mostrando a ligação do
compositor com o período.
O primeiro movimento, caracteriza-se pela vasta exposição, com um
desenvolvimento relativamente breve e denso. O motivo do primeiro tema é formado por
apenas três notas expostas no primeiro compasso da obra. A instrumentação chama a
atenção por sua maestria de combinações. O segundo tema é apresentado pelas violas e
violoncelos, logo retomado pelas madeiras que tem como resultado uma forma que se
assemelha a uma valsa.
O segundo movimento é um episódio lento, quem sabe um dos mais interessantes
da sinfonia. A melodia dos violoncelos tem um caráter meditativo sendo respondidos por
uma leveza transportada pelos instrumentos de madeira. Um terceiro tema vai-se
desenvolver de uma forma mais jocosa com os instrumentos de corda. Todo o movimento
mostra uma escrita contrapontística muito bem elaborada, num equilíbrio entre a
genialidade e a técnica da composição.
O terceiro movimento é uma dança ligeira e alegre, simples de caráter popular. O
movimento apresenta e dois momentos um desenvolvimento temático com variações, em
uma das vezes baseado no motivo inicial do tema e na última vez estruturado no
motivo final do mesmo tema.
O quarto movimento e final, é um movimento longo. O primeiro tema é
apresentado com o termo sotto voce pelas cordas baseado no motivo inicial da sinfonia,
que também vai aparecer de uma forma exuberante durante o movimento. Com o clarinete
surge o segundo tema, seguido por todos os demais naipes da orquestra, passando por
transformações, quando aparece em terças e depois passando por uma nova idéia
pontuada por um ritmo mais enérgico. Aí inicia-se uma nova fase do movimento que é o
desenvolvimento partindo do tema inicial. Um novo motivo rítmico é apresentado com a
indicação do termo tranquillo, que se apresenta em tercinas de semínimas, que nos leva a
uma associação com o tema inicial, tema este que dominará todo o final do
desenvolvimento até ao momento da repetição. A Coda, muito curta conclui com a
presença de metais que utilizam o segundo tema, concluindo assim a sinfonia.
Neste trabalho será abordado os processos no qual se desenvolve os temas desta
maravilhosa sinfonia. Em música, um tema é a célula inicial ou primária/principal.
A Encyclopédie Fasquelle1, de 1958, define um tema do seguinte modo: "Qualquer
elemento, motivo ou pequena peça musical que originou alguma variação se torna um
tema a partir desse momento. O objetivo deste trabalho, portanto, é fazer correlações no
processo temático da segunda sinfonia de Brahms através da aplicação em uma análise
real tendo como modelo principal elementos temáticos do primeiro movimento.
1
Encyclopédie Fasquelle in NATTIEZ, Jean-Jacques. Music and Discourse: Toward a Semiology
of Music (Musicologie générale et sémiologue, 1987). New Jersey:Princeton University Press,
traduzido para o inglês por Carolyn Abbate. 1990.
expectativas normais dos elementos comumente discutidos como fundamentais para os
contrastes dramáticos tão próprios da forma sonata. Essas questões questionáveis são
abordadas da maneira mais simples possível na tabela, pois o objetivo deste trabalho é
fazer uma análise motívica desta obra.
A exposição da segunda sinfonia de Brahms contém três seções temáticas bem
delineadas. O primeiro tema é bastante introdutório em caráter. Curiosamente, a
tonalidade ganha a definição na transição para o segundo tema, uma seção que possui
todas as características de uma típica sonata no seu início. Na terceira seção temática,
encontramos um tema típico de um segundo assunto. No entanto, ao invés de se mover
para o dominante, Brahms vai para a mediante fracamente definido. Após uma repetição
variada deste tema, chega um novo material que parece indicar que a exposição está
chegando ao fim. Em vez disso, leva a outra iteração do terceiro tema, desta vez
apresentado claramente na dominante e levando diretamente ao final da exposição.
Na recapitulação, algumas das irregularidades são reconciliadas quando Brahms
sobrepõe os dois primeiros temas em um assunto mais definido. A transição definindo a
tonalidade da exposição também cumpre seu papel de um modo mais natural desta vez,
pois o segundo tema chega no submediante, em vez da mediante da exposição. Este
processor temático é mais uma vez normalizado na terceira iteração do assunto.
Além do relacionamento harmônico e da forte identidade temática, o equilíbrio
arquitetônico é um elemento geralmente incluído nas discussões sobre a forma sonata.
Como Allan Forte e outros sugeriram, o conjunto deve se parecer com algo que se
aproxima da simetria de três partes ou do equilíbrio de duas partes. No primeiro
movimento segunda sinfonia de Brahms, a exposição é de 369 compassos quando
repetida, o desenvolvimento é de 119 compassos, e a recapitulação com coda é de 221
compassos. Em termos de comprimento total, então, a estrutura do movimento divide-se
claramente em duas partes quase iguais. Interna e musicalmente, no entanto, as
proporções não são muito claras.
I II I(inv.)
Exemplo 1b. Análise schenkeriana da célula motívica II
c. II b. II a. II - complexo
2
Veja Reti, Thematic Process, 78.
3
Veja Reti, Thematic process,
Eu reconstruí o exemplo de Reti no exemplo 3, abaixo, para mostrar todos esses
relacionamentos. Observe a inclusão da célula III. Embora na maioria dos casos, a célula
III é representada por uma única nota, longa ou curta, constata-se ser um elemento
importante na forma do tema.
A B
I III I III I
No exemplo acima, está à mostra a abertura do primeiro movimento em duas
frases. Note que Brahms acrescentou a célula I no compasso 5 como um conectivo para
a frase B. Não só isso restaura a força da célula I anteriormente perdida, mas também nos
encoraja a entender a célula I-b como relacionada à inversão inicial da célula I no
compasso 4, isto é, a célula I-a. A única alteração necessária para tornar I-a equivalente a
I-b é inverter o segundo intervalo. Em vez de uma segunda ascendente seguido de uma
segunda descendente, temos uma segunda ascendente seguido de outra segunda
ascendente.
O que se percebe até aqui é uma sofisticação, ainda que simples, dos motivos
apresentados no exemplo 1. À medida que a música avança, mais complexa ficará a
relação destes motivos nos processos e construções temáticas.
Exemplo 4a – I – complexo- a
Exemplo 4b – sinfonia nº 2 Brahms, compassos 33-40. Redução do Singer
I-b
III
I-comp-
I I
III
Os exemplos 5a a 5c mostram as relações que há entre os temas do primeiro
movimento da segunda sinfonia de Brahms. O que foi feito nestes exemplos foi dividir o
tema para demonstrar sua afinidade que o "tema intermediário" no compasso 44 tem com
o tema inicial da sinfonia. O exemplo 5b particiona o tema inicial da sinfonia com o
intuito de mostrar sua relação com o tema de transição e o exemplo 5c estabelece uma
relação entre o tema intermediário e o segundo tema.
I II
Exemplo 5b: segunda sinfonia, comparação entre o tema inicial e o tema intermediário
Tema inicial
b
a c
Tema intermediário
b
a c
Exemplo 5c: segunda sinfonia, comparação entre o tema intermediário e o segundo tema
Tema intermediário
Segundo tema
I-d
I-a I-a
II II
4
Relembrando que o primeiro movimento desta sinfonia está na forma Sonata. Portanto, a sua estrutura
formal se divide, de maneira geral, em exposição, desenvolvimento, reexposição, coda e final.
distantes os elementos temáticos ficaram dos motivos iniciais, apresentado no exemplo
1. Para fins deste trabalho, mostraremos um pouco das transformações temáticas nos
outros movimentos desta sinfonia.
O que se pode claramente perceber é que muitos dos elementos motívicos
variados, expandidos e transformados alcançados no primeiro movimento se tornaram
tema e objeto de exposição dos outros movimentos. Veja o exemplo 8a. Na introdução
deste adágio pode-se ver o uso da célula I de maneira expandida. Observe no exemplo 8b
que entre a nota mi e fá no primeiro compasso, Brahms adiciona mais três notas rápidas
complementares. Estas notas complementares são a própria célula I de maneira variada.
A mesma ideia está presente na célula II –expandido, com a adição da célula I no meio
da celúla II.
A célula I neste movimento não é mais usada apenas como uma entidade melódica
em si mesma direta e claramente identificável, mas como um construto melódico-
harmônico. Podemos chamar este fenômeno de entidade motívica – harmônica. Esta
característica que é o motivo sendo usado em favor da harmonia é o distintivo deste
movimento em relação aos outros. No exemplo 8d, observe a linha das madeiras a partir
da anacruse do 3º compasso. A melodia presente é da célula I. Enquanto o primeiro oboé
e, a partir do 4º compasso o 1º1 fagote, toca a célula I sem variações, a flauta e o e 2º
fagote tocam esta mesma célula mas de maneira variada. O que chama atenção neste
exemplo é que estas linhas melódicas são usadas harmonicamente enquanto os violinos
expõem a melodia da introdução. O exemplo 8e mostra a mesma intenção feita pelos
trombones.
I. II
I - variado III
Exemplo 10a
1
I II
II II II
1-variado 1II
Exemplo 10e: compasso 49, célula motriz do quarto movimento com variação rítmica