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DIVERSIDADES
2018
SUMÁRIO
Prefácio 05
3. Eu, autista? 57
REFRENCIAS
1. Audiovisuais 171
2. Gráficas-narrativas 173
3. Bibliográficas 174
Prefácio
Diversidades é uma coletânea de artigos e
textos, bastante diferenciados entre si. Apesar da
diversidade, o livro tem uma unidade reunindo os meus
textos mais pessoais do que teóricos sobre o autismo e o
feminino.
Os textos de autoajuda sobre autismo são
resultantes de minhas reflexões sobre minha condição de
portador da síndrome de Asperger. Só foram publicados no
blog Eu, autista? e formam o presente livro em virtude de
serem importantes em minha experiência de vida. São
textos que eu ‘tive’ que escrever por motivos pessoais.
Não são necessariamente contribuições clínicas para o
tratamento de portadores.
Há ainda três textos de estudos narrativos
sobre o feminino: Cleópatra e o Sagrado Feminino, Os
pergaminhos de Amphipolis (sobre o seriado de TV Xena, a
princesa guerreira) e Lost Girls (sobre a série de histórias
em quadrinhos de Alan Moore).
Gostaria ainda de agradecer a todos por toda
ajuda que tive e por mais essa oportunidade de mostrar
minhas ideias. Obrigado.
O AUTISMO VISTO PELO
CINEMA
Diz a lenda que,
certa vez, pediram uma
música a John Lenon:
“Aquela que fala de amor”. Ao
que respondeu o
compositor: “Mas todas
nossas canções falam de
amor”. O mesmo acontece
com o cinema, pois, quando
tentamos lembrar dos
filmes sobre
comportamentos irracionais, pensamos que 'todos os
filmes são sobre a loucura'. A loucura sempre foi um
'objeto' privilegiado do cinema. E de uma forma ambígua:
ora como antagonista, ora como protagonista. Nos
filmes favoráveis à racionalidade (geralmente de ação e
romance), ela sempre foi o vilão e está associada à
violência. A maldade é explicada como loucura e o herói
é o homem racional. Nos filmes contrários à razão
(frequentemente nas comédias), o louco é um anti-herói,
um sábio às avessas, um artista incompreendido ou uma
satírica crítica ao poder.
Filmes sobre o drama de ser louco são mais raros e
bem mais recentes. Nos últimos 40 anos, no entanto,
esses dramas não só se multiplicaram como também se
especializaram em diferentes tipos de psicopatologia. Há
filmes dramáticos sobre artistas esquizofrênicos, sobre
assassinos psicopatas, sobre jovens psicóticos e rebeldes,
sobre mulheres histéricas e há filmes específicos sobre
autismo.
Há uma primeira geração de filmes sobre o drama
do autismo em que os portadores são representados de
bastante forma caricatural, isto é, simplificada e bem
distante da realidade. Rain man (1988); Forrest Gump, o
contador de histórias (1994); e Código para o inferno
(1998) – são três filmes que colaboraram muito para divulgar
o autismo, embora de modo bem diferente de sua
verdadeira realidade.
Rain man, além de ter sido sucesso de público e
de crítica, foi também um marco revolucionário no
sentido de divulgar e promover uma compreensão
pública ampliada dos sintomas do comportamento autista
e da possibilidade de convivência familiar com os
portadores. O filme conta a história de Charlie Babbitt
(Tom Cruise), um jovem boa vida que viaja a um hospital
psiquiátricoparatentar descobrir quem é o beneficiário da
fortuna que seu pai deixara ao falecer. Ao chegar ao
hospital, Charlie descobre que o beneficiário é
Raymond (Dustin Hoffman), um irmão mais velho autista
de quem nunca ouvira falar. Para garantir o dinheiro da
herança, Charles se aproxima de Raymond, disposto a
brigar judicialmente pela guarda legal do irmão. Os dois
então viajam pelos EUA, se conhecendo melhor, aprendendo
a conviver e passando por inúmeras dificuldades juntos.
Aos poucos, o laço de afeto entre os dois irmãos ganha
força e o dinheiro deixa de ser importante. Levando-se
em consideração o momento, o filme ensina a convivência
com autismo e desmistifica o preconceito.
Um segundo passo será dado com o filme
Forrest Gump, dirigido por Robert Zemeckis com Tom
Hanks no papel-título. O filme narra quarenta anos da
história dos Estados Unidos, vistos pelos olhos de um anti-
herói autista que, por obra do acaso e de um modo meio
cômico, consegue participar de momentos cruciais, como a
Guerra do Vietnã e Watergate.
Trata-se de uma poetização do autismo, que
ressalta várias capacidades reais do autista (de viver com
autonomia, de realização pessoal e profissional do
portador por outros meios), mas romantiza demais sua
vida.
Há ainda, nessa primeira geração do olhar
cinematográfico sobre o autismo, o filme Código para o
inferno. Nele o agente decadente do F.B.I Arthur Jeffries
(Bruce Willis) tenta a todo custo defender da morte
Simon Lynch (Miko Hughes), um menino de nove anos
autista que código secreto e está sendo perseguido pelo
governo americano. Apesar do enredo voltado para
aventura e para o suspense, esse é, dos três filmes, o que
apresenta mais elementos significativos para
compreensão do autismo, pois o desenvolvimento da
trama depende da comunicação entre o agente Jeffries e o
garoto Simon – o que passa para o público a real sensação
de incapacidade autista.
No entanto, em nenhum momento, o filme quis
ou pretendeu dar uma solução definitiva a esse impasse
pois sua proposta é a de mostrar o comportamento autista
em um filme de aventura e não o de fazer um filme sobre as
caraterísticas do autismo ou sobre as dificuldades de
seus portadores. Essa mesma estratégia (de colocar
portadores de forma trivial em narrativas com outros focos)
pode ser observada também em outros filmes recentes
como Querido John, um drama romântico que incorpora o
autismo com naturalidade ao cotidiano de seus
personagens em segundo plano.
Filmes de autoajuda
Há também um segundo tipo de filme
abordando o tema do autismo, mas interessado em
focar um público mais próximo do comportamento. São
filmes de autoajuda ou filmes pedagógicos. Por exemplo:
Meu filho, meu mundo (Son-Rise, A miracle of love) de
1979, que conta a história autobiográfica da família que
fundou o método Son-rise, após se confrontar com os
tratamentos behaviouristas do autismo. Trata-se de um
filme obrigatório no que diz respeito a alertar as famílias
dos portadores contra os tratamentos comportamentais
baseados em castigos e punições.
Também incluímos nessa categoria de autoajuda
filmes mais leves, como Simples como amar (The other
sister, 1999). No filme, após se formar em uma escola
especial, a portadora Carla Tate (Juliette Lewis), apesar
de ser intelectualmente limitada, não quer voltar para
casa de seus pais em São Francisco, planejando morar
sozinha, ter uma vida independente e se libertar da
presença da supercontroladora mãe (Diane Keaton), que a
vigia de forma sufocante. Este desejo de autonomia
aumenta quando Carla começa a namorar Danny McMann
(Giovanni Ribisi), um jovem que, como ela, também é
autista e já mora sozinho. É preciso dizer que a caricatura
de supermãe feita por Diane Keaton desperta gostosas
risadas dos portadores de comportamento autista e a fúria
indignada de suas mães. E, é claro, o filme minimiza as
dificuldades.
Outro filme importante de ser citado é Um certo
olhar (Snow Cake, 2006). Alex (Alan Rickman) é um
taciturno inglês que está no Canadá para se encontrar com
a mãe de seu falecido filho. No caminho ele dá carona para
Vivienne (Emily Hampshire), jovem que vai visitar a mãe.
Na viagem um caminhão atinge o carro, matando
Vivienne. Alex sai então à procura da mãe da jovem. Ao
encontrá-la, descobreque ela (Sigourney Weaver) é autista.
Linda não tem qualquer reação ao saber da tragédia, mas
Alex decide ficar com ela até o funeral. É quando ele
conhece Maggie (Carrie-Anne Moss), a vizinha com quem
se envolve. Weaver está impecável como autista e de
todos os filmes já citados, esse é o mais próximo da
realidade.
Filmes especiais
E finalmente é preciso dizer que existem filmes
especiais para pessoas especiais. E não simplesmente sobre
pessoas especiais.
Pode-se dizer: 1) que os primeiros filmes que
tratavam o autismo de forma caricatural, e eram
direcionados para o público não-autista; 2) que a geração de
filmes de autoajuda era voltada para consolar e orientar
os pais, amigos e familiares dos portadores; e 3) que,
apenas recentemente, o cinema passou a focar sua
mensagem para os próprios autistas (ou para porção autista
que há em todos nós).
Chocolate (Thai, 2008) é um desses filmes. Zin
(Ammara Siripong) é uma integrante da máfia
tailandesa que foi expulsa da organização após se
envolver com um membro do alto escalão da Yakuza,
Masashi (Hiroshi Abe). Ela engravida de Masashi e dá a luz a
Zen (Yanin “Jeeja” Vismitananda), uma menina que
nasceu com autismo, mas com uma incrível habilidade de
aprender a lutar apenas com sua memória fotográfica.
A primeira vista, esse breve enredo apenas
contextualiza mais um filme de artes marciais, uma tragédia
tailandesa, em que uma menina autista mata todo mundo
e morre de apanhar no final - um terror para os pais e
professores.
No entanto, observando melhor se perceberá
que a intenção principal do filme é demonstrar que a
teimosia pode ser converter em treinamento. Atriz que
faz a protagonista é realmente autista e realmente luta
artes marciais sem dublê – como se pode ver nas
tomadas após o final da estória. Os portadores de
síndromes do espectro autista geralmente sofrem muito
por não saberem se defender e ter acessos de raiva. A
mensagem de Chocolate é: toda agressividade pode ser
canalizada em objetivos, aprenda a se defender e não
gaste energia.
A Menina no País das Maravilhas (Phoebe in
Wonderland, 2009) é menos violento que Chocolate
mas também vê o mundo a partir de uma perspectiva
autista, levando o público a pensar e a sentir como se fosse
um portador. Phoebe (Elle Fanning) é uma menina
rejeitada pelos seus colegas de classe, que deseja mais do
que tudo participar da peça de teatro da escola, Alice no
País das Maravilhas. Phoebe tem a Síndrome de Tourette e
toda narrativa segue a lógica da protagonista. Aliás, outra
caraterística desta terceira geração do olhar
cinematográfico sobre o autismo é que os filmes se
especializaram ainda mais, enquadrando as diferentes
síndromes do transtorno de comportamento. A síndrome
de Asperger por ser a mais conhecida do espectro autista é
a que rendeu mais filmes até o momento.
Loucos de Amor (Mozart and Whale, 2005)
Donald Morton (Josh Hartnett) e Isabelle Sorenson
(Radha Mitchell) sofrem da síndrome de Asperger, uma
espécie de autismo que provoca disfunções emocionais.
Donald trabalha como motorista de táxi, adora os pássaros e
tem uma incomum habilidade em lidar com números.
Ele gosta e precisa seguir um padrão em sua vida, para que
possa levá-la de forma normal. Entretanto ao conhecer
Isabelle em seu grupo de ajuda tudo muda em sua vida.
O filme teve e tem uma importância
significativa para muitos portadores da síndrome de
Asperger, uma vez lhes dá um modelo e uma esperança de
relacionamento. É que devido a dificuldade de se
relacionar, a maioria dos aspies são extremamente
sozinhos e imaturos, muitos nunca tiveram a
oportunidade de experimentar um romance.
No entanto, nesse sentido, o melhor filme sobre
Asperger já realizado é Adam (2009) dirigido por Max
Mayer. Nele, rapaz solitário e programador brilhante
(Hugh Dancy), portador da síndrome de Asperger,
desenvolve uma romance com sua vizinha que é normal, a
escritora Beth (Rose Byrne). O filme é tão fiel à realidade dos
Aspergers, que muitas pessoas (no mundo todo) já se
autodiagnosticaram após assisti-lo.
Há também Mary and Max (2009). Uma
animação sobre a amizade através de cartas entre Mary -
uma solitária menina de oito anos que vive no subúrbios
de Melbourne; e Max - um portador de Asperger de 44
anos que vive em Nova Iorque. O filme segue o mesmo tom
sarcástico e tragicômico caraterístico dos aspies, beirando o
humor negro e a melancolia, procurando dizer coisas
difíceis de modo engraçado. Na verdade, é uma estória
bela e triste.
A atenção da mídia para o tema Asperger nos EUA
hoje é bem forte: recentemente houve até um candidata
aspie (Heather Kuzmichd) no reality-show America´s
Next Top Model; e há atualmente vários seriados no ar
(Bones, The Big Bang Theory, Criminal Minds e Regenesis) que
têm personagens portadores da síndrome. No Brasil, no
entanto, ainda reina a desinformação e o preconceito; há
pouco espaço na mídia e esses filmes ainda não são de
amplo conhecimento – daí a razão do presente texto, que
sistematiza essas iniciativas e incentiva que se realizem
outras.
TEORIA SOCIAL COGNITIVA E
SÍNDROME DE ASPERGER
Este texto, além de se pretender um
breve resumo comentado sobre os
avanços e limitações das ideias do
psicólogo contemporâneo Albert
Bandura e dos conceitos principais
da teoria de aprendizagem social e
da teoria social cognitiva, trata
também da evolução das teorias e
tratamentos sobre autismo. A ideia é demonstrar que as novas
psicologias cognitivas podem ajudar a entender e a tratar (em
conjunto com outras terapias) dos transtornos de desenvolvimento
do espectro autista, principalmente a Síndrome de Asperger.
Introdução
Durante os anos 90, as ideias de Bandura
passaram a desempenhar um papel importante no
cenário global, passando a ser ensinadas em praticamente
todas as universidades de psicologia e de pedagogia do
mundo. Mais que isso: milhões de pessoas, desiludidos
com a psicanálise e com o behaviorismo, passaram a
trabalhar terapeuticamente a partir do enfoque
cognitivo comportamental proposto por Bandura e por
outros pesquisadores. Passou-se do modelo terapêutico
das entrevistas interpretativas para treinamentos
orientados para ação.
O ponto de partida de Bandura é perguntar como
as pessoas exercem algum controle sobre seu
comportamento? Para os adeptos do determinismo
ambiental unidirecional (ou Behaviorismo) o homem é
produto do meio ambiente. Por outro lado para os
diferentes tipos de humanismo idealista, é o homem
que cria as condições na qual se desenvolve. Ambas as
perspectivas, apesar de antagônicas, acreditam na
reciprocidade do aspecto oposto. Ou seja, tanto os
comportamentalistas creem na capacidade do homem
de mudar o ambiente, como os idealistas observam o
condicionamento ambiental.
O modelo de Bandura é resultado de três
interfaces teóricas simultâneas: de suas críticas ao
behaviorismo radical de Skinner, de seu diálogo com outros
cognitivistas como Piaget e dos seus avanços clínicos e
terapêuticos em relação à psicanálise e a Freud. Em relação a
Skinner, Bandura introduziu a categoria de Self (não do
modo esotérico como na tradição junguiana, mas como
um campo da subjetividade e de interpretação afetiva
dos estímulos). Em contrapartida, Bandura coloca a
reflexão freudiana dentro de um contexto
comportamental. E, finalmente, em relação a Piaget,
Bandura repensa a ideia de aprendizado cognitivo.
Apenas a teoria da aprendizagem social insere um
terceiro termo no modelo, postulando um
determinismo recíproco entre os fatores ambientais,
pessoais e comportamentais. Na teoria da
aprendizagem social, há um sistema de controle – a
agência e suas funções cognitivas - em que a auto
regulação é governada pela antecipação e por auto
reações afetivas.
4
Glúten e a caseína são transformados em peptídeos, denominados
gliadinomorfina (a quebra da proteína do glúten) e caseomorfina (a
quebra da proteína da caseína). Esses peptídeos são complexas cadeias
longas de aminoácidos e exigem um bom funcionamento da produção
enzimática para serem quebrados e absorvidos. Ambos os peptídeos
agem como a morfina no corpo. Isto acontece com pessoas que tem
problemas de fungos no intestino. Um grupo de fungos com
crescimento desordenado, adere à parede do intestino tornando-o
permeável. Substâncias que não são completamente digeridas podem
entrar no fluxo sanguíneo e daí chegar até o cérebro. Vários estudos
mostram que o autista tanto tem sérias deficiências de produção
enzimática com pouca ou nenhuma produção da enzima DPP IV
responsável pela quebra desses peptídeos, quanto o desequilíbrio da
flora intestinal, provocando o intestino permeável e deixando que essas
substâncias entrem na corrente sanguínea e se liguem aos receptores
opiáceos no cérebro. A deficiência na sulfatação é outro fator que
contribui para o intestino permeável. Os glucosaminoglucanos,
polissacarídeos responsáveis por manter a integridade celular da
mucosa intestinal e da barreira hematoencefálica, são dependentes de
sulfatação. Sem sulfatação, os glicosaminoglucanos não podem
desempenhar o seu papel de manter a integridade celular.
Defendem essa hipótese organizações
importantes como (Autism Research Institute),
responsável pelo protocolo DAN (Defeat Autism Now).
Aqui no Brasil, o DAN é representado pela ADEFA
(Associação Em Defesa do Autismo) e o movimento
passou a ser chamar “O autismo é tratável”.
De acordo com o protocolo DAN há muitos
pontos a serem analisados 5. Cada caso tem uma
combinação.
Localizam-se os desequilíbrios no organismo
através de exames específicos de sangue, urina, fezes e
mineralograma; e prescreve-se uma terapia nutricional e
bioquímica específica para cada caso, em conjunto com
um tratamento educacional intensivo.
18
Cleópatra é considerado o segundo filme mais caro de todos os
tempos - perdendo apenas para Avatar de James Cameron; planejado
para custar 2 milhões de dólares em 1962, sua produção custou 44 milhões
de dólares em valores da época. Segundo valores atualizados em 2005, o
filme custou 286,4 milhões de dólares. Com o relativo fracasso
comercial, quase levou à bancarrota a 20th Century Fox, produtora e
financiadora do filme. (Fonte: Wikipedia)
Porém, em sua defesa apaixonada da rainha do
Egito, o filme falta com a verdade histórica pelos duas vezes:
mostrando uma cena em que Cleópatra prioriza a
alimentação de seu povo ao envio de mantimentos aos
romanos (na verdade, houve revoltas populares
durante seu reinado em virtude da fome e do envio de
alimentos para Roma) e justificando sua retirada durante a
batalha do Ácio. Na versão de 1963, Cleópatra abandona a
batalha naval pensando que seu marido estava morto; na
verdade, foi ela provocou a derrota, abandonando a
batalha pela metade, sendo seguida por Marco Antônio que
deixou para trás toda sua frota sem comando.
Outro episódio polêmico é sobre a resposta que
Cleópatra deu a Otaviano, quando este negociou a cabeça
de Antônio em troca da autonomia do Egito. No cinema,
a rainha recusa; porém as versões históricas, inclusive as
mais recentes, acreditam que ela aceitou, mandando
dizer ao romano que ela havia morrido, forçando-o ao
suicídio.
Foi realizada uma versão da história da rainha para
a televisão americana, Cleópatra (1999), com a
personagem título interpretada pela atriz chilena Leonor
Varela. Mais curto e ritmado que a versão de 1963, com
mais cenas de ação e com enquadramentos e edição mais
atuais, o filme resume a história da rainha, mantendo
os mesmos elementos progressistas das versões
anteriores: a inteligência e a erudição de Cleópatra, o
diálogo de amor e poder entre a rainha e Cézar, o 'sonho
de Alexandre' como justificativa do triangulo amoroso.
Nessa versão, não há cenas inverídicas em defesa da rainha,
como em seu antecessor.
O filme, no entanto, torna-se muito condensado,
com poucas possibilidades de atuação dramática dos atores
e de exploração subjetiva dos personagens.
Justamente o oposto do filme brasileiro
Cleópatra (2007) do cineasta Júlio Bressane, em que a
personagem-título é interpretada pela atriz Alessandra
Negrini; Miguel Falabella faz Júlio Cezar; e Bruno Garcia,
Marco Antônio. O filme, feito em planos fechados em
Copacabana no Rio de Janeiro, é um estudo psicológico
dos personagens míticos, em que o imaginário de cada
um é explorado subjetivamente, mais do que do diálogo
entre eles. Cleópatra, por exemplo, no momento que
antecede ao suicídio, reflete sobre o paradoxo de sua
imortalidade de deusa e sua morte de rainha, concluindo
que ela é a própria morte, que morre e não morre, a eterna
devoradora.
Trata-se de um filme de arte, às vezes um pouco
monótono em relação às versões mais comerciais, mas
interessante do ponto de vista dramático e psicológico.
E, finalmente, aguarda-se pelo filme A Rainha do
Nilo, de Ang Lee, estrelado por Angelina Jolie, com roteiro de
Eric Roth, previsto para 2013 e até agora sem previsão de
lançamento. O filme se baseia na biografia de Stacy Schiff
(2010) e promete integrar “os dois lados” da rainha do
Egito, sem diminuí-la nem idolatrá-la. O trabalho de Schiff
é uma compilação jornalística do trabalho de pesquisa
científica de vários arqueólogos e cientistas atuais, que
fazem uma revisão dos acontecimentos narrados pelos
historiadores romanos.
Documentários de TV
Mas, será que essa poderosa governante tinha
de fato uma beleza sem igual do cinema? Era mesmo uma
sedutora inescrupulosa como afirmam os romanos? Ela foi
realmente mordida por uma cobra?
Os três documentários de TV que
selecionamos tem como objetivo desvendar a verdade
sobre o mito de Cleópatra, livrando-o de seu aspecto
simbólico de mulher ardilosa e promíscua, através da
pesquisa arqueológica e histórica.
Os documentários seguem a mesma linha de
raciocínio de Schiff, questionando a narrativa dos
historiadores romanos que reduzem Cleópatra a uma
mulher vil, sedutora e ambiciosa, entrevistando
diretamente os pesquisadores responsáveis pelas novas
descobertas sobre a vida da rainha.
Arquivo Confidencial: Cleópatra (da National Geografic
Channel) é baseado na entrevista de vários especialistas
atuais: Mei Trow, escritor; Dr. Christofer Syneder,
pesquisador de egiptologia da Marymount University; Dr.
Debbie Challis, da University College London; professor
Valerie Higgins da American University of Rome; entre
outros. O documentário apresenta uma consistente
contextualização histórica, política e econômica do Egito
ptolomaico.
Egito Revelado: Cleópatra (da Discorevy Channel) é um
documentário que aborda principalmente o contexto
histórico do período ptolomaico e da cultura mista greco-
egípcia, reconstituindo arqueologicamente não apenas
seus principais monumentos arquitetônicos, como o
Farol e a Biblioteca de Alexandria, mas também seu
ambiente cultural cosmopolita e seu papel de centro
intelectual na Antiguidade.
Cleópatra – a Rainha do Egito (também da Discorevy Channel)
é mais focado na biografia de Cleópatra, recontando sua
história de vida da forma mais objetiva possível.
Curiosamente, o distanciamento releva momentos
dramáticos que escaparam a outras narrativas históricas ou
ficcionais, como o momento em que a rainha vê sua irmã e
inimiga acorrentada e exposta publicamente no desfile
em tributo a Cézar, representando a submissão do Egito à
Roma; ou ainda quando, após dar a luz a gêmeos, foi
abandonada por Marco Antônio, quando este se casou com
a irmã de Otaviano, passando 4 anos fora do Egito.
Os documentários são baseados nos estudos mais
recentes e apontam três temas principais em que as
evidências históricas contradizem a lenda mítica
construída pelos historiadores romanos: a beleza, a
serpente e a mulher.
Ao que parece, Cleópatra não era bela como se
imaginava. Não há retratos da rainha, mas algumas
moedas da época a mostram com um queixo e um nariz
proeminentes, características estas herdadas da família.
Para compensar os traços fortes, ela era elegante e
carismática como uma deusa. Raspava a cabeça e usava
perucas. Ela era muito vaidosa. Fazia tratamentos de beleza
e hidratava a pele com banhos de leite e óleo de rosas -
invenção atribuída a ela. Cleópatra também gostava de
se maquiar, tendo inventado técnicas de escurecer os olhos
(SIMPSON, 2009). Para Plutarco e Cícero, além de sua
aparência suntuosa e impactante, o grande charme da
rainha vinha de seu gênio astuto, de sua personalidade
alegre, de sua inteligência e erudição (BRADFORD, 2002).
E não de sua beleza e/ou de seus atrativos sexuais como nos
fizeram pensar as narrativas contemporâneas.
Outro aspecto inverídico do mito romano na
lenda de Cleópatra é que ela foi morta por se deixar
picar por uma serpente. Entretanto, uma pesquisa do
historiador Christoph Schäfer, da Universidade de Trier,
concluiu que ela tomou um veneno, um coquetel “de
acônito, uma planta tóxica, cicuta e ópio" preparado por ela
própria para se matar, depois de ter sido presa pelas
tropas de Otaviano. A cobra, símbolo do poder dos
faraós e de perigo sinuoso para os romanos, pode ter
sido originada em seu enterro, em que a rainha aparecia
deitada coberta em gesso pintado com um cetro de
serpente em uma das mãos.
No afã de defender a rainha do Egito, no
entanto, há afirmações improváveis entre os estudos
recentes, como a que Cleópatra conheceu Júlio Cézar
virgem. É certo que a rainha estava longe de ser uma
libertina. Ela era uma sacerdotisa especializa em
venenos, conhecendo bem métodos abortivos e
contraceptivos. É improvável que César tenha sido seu
primeiro homem e Marco Antônio, com quem viveu 11
anos, o segundo e último – como afirma Stacy Schiff.
Embora não haja registros confiáveis de outros
envolvimentos amorosos, a sexualidade de uma rainha-
deusa é um assunto complexo, irredutível à polaridade
moral entre virgindade e luxúria. Impossível considerá-
la santa ou prostituta, pois essa distinção não existia no
contexto da antiguidade egípcia. O importante, hoje, é
perceber que, enquanto os romanos atribuíram todo
poder de Cleópatra à sua sexualidade e não a sua
inteligência; os estudiosos atuais pendem da direção
contrária, esvaziando a relevância de sua capacidade de
sedução e de sua destreza erótica.
5. Conclusão
Enquanto a psicologia estuda o mito do ponto
de vista subjetivo e universal; a antropologia valoriza
mais a estrutura que o conteúdo dos mitos, como se eles
fossem mensagens fragmentadas do passado, que, com o
passar do tempo, quase perderam o sentido original.
Também existem analistas que insistem no aspecto
ideológico dos mitos, que eles, na verdade, legitimam e
mascaram as relações de poder: Para esses, Sâo Jorge
matando o dragão representa apenas o Império Romano
dominando o deus dos druidas celtas. É claro que os mitos
tem uma dimensão política, como também tem
dimensões psicológica, astronômica, musical, culinária,
matemática, entre outras. É preciso entender o mito em sua
complexidade – o que é parcialmente feito pela
antropologia.
Digo 'parcialmente' porque a antropologia
investiga o mito em uma perspectiva temporal passado-
presente; enquanto a comunicação social pensa o mito
em um enquadramento aberto voltado para o futuro.
Por outro lado, os mitos modernos produzidos
pela mídia são 'parcialmente' artificiais. Os mitos
midiáticos se alimentam do simbolismo tradicional e dos
complexos psicológicos universais e são recanalizá-los
para o mercado de consumo. A diferença entre o mito
clássico e o mito moderno é que o primeiro aconteceu no
passado e o mito atual acontece agora e caminha para o
futuro.
Como a mídia sempre reinventa os mitos
segundo o gosto do público da época, é compreensível que
o cinema tenha tomado a defesa de Cleópatra e continue
valorizando mais sua inteligência que sua sensualidade.
Porém, não devemos esperar que o novo filme, A Rainha do
Nilo, seja realista quanto à aparência do personagem
(no caso, Angelina Jolie é um modelo de beleza distante
de Cleópatra) ou a sua verdadeira sexualidade. Mesmo
porque a compilação de Stacy Schiff também não é, com
suas preocupações sobre castidade e fidelidade conjugal,
completamente dissociadas do contexto da antiguidade,
mas bem presentes nos valores atuais.
Ao que parece o mito de Cleópatra encanta
tanto seus críticos que tentam encobrir e diminuir sua
importância apresentando-a como uma mulher ambiciosa
e sedutora, quanto seus admiradores, que não
conseguem perceber seu comportamento vil,
maquiavélico e dominador.
OS PERGAMINHOS DE AMPHIPOLIS 19
Aforismos meta narrativos sobre a saga da Princesa Guerreira20
Arraes, uma releitura da estória de Tristão e Isolda. O filme não faz apenas
mais uma nova leitura da lenda dos amantes medievais, ele utiliza a
narrativa para um exercício de Metateatro em relação à linguagem teatral
no palco, na TV,nocinema e da vida pessoal dos atores.
No caso de Xena e Gabrielle, essa 'edipização' das
narrativas é bastante criticada. Não há triângulo amoroso,
seja com Ares (o deus da guerra), seja entre outras
mulheres que surgem na narrativa. E o que realmente
importa não é se elas são lésbicas ou não, mas sim a quebra
deste paradigma narrativo de casamento no final da
Jornada do Herói patriarcal. Aliás, não importa se o amor é
platônico ou não, não importa se elas se beijam ou se
reencarnam com osexotrocado;oimportanteé que elas se
amam e que “qualquer forma de amor vale a pena” – eis a
mensagem essencial do seriado.
#5 O neobarroco
A integração de diferentes formas de ver e a
representação da realidade em mosaico de universos, com
uma variedade de espaços- tempo descontínuos de
diferentes durações e variadas intensidades em um único
quadro simultâneo, além de caracterizar o movimento
estético do neobarroco também podem ser identificados nos
campos da física quântica, da biologia do
conhecimento e de sínteses epistemológicas
contemporâneas importantes como a teoria da
complexidade.
Visto como um sistema de interpretação do
mundo, a estética neobarroca tem uma perspectiva que
vê a realidade como uma sobreposição de universos em
camadas (e não o universo como uma síntese das
realidades) - o que lhe permite assimilar e integrar em sua
forma de representar, outras formas de ver como uma de
suas camadas, absorvendo hermeneuticamente em si todas
as críticas e oposições.
O romance gráfico Sandman, o mestre dos sonhos, de
Neil Gaiman25, por exemplo, tem vários aspectos em
comum com o seriado de TV Xena, que podem ser vistos
como parâmetros que caracterizam o neobarroco: a
multiplicidade dos universos, a ausência de um
antagonista evidente, a morte como personagem e,
principalmente, a luta do protagonista com as estruturas
narrativas do tempo.
dos Mangás. (Conrad Editora, 2004); Morte – o preço da vida, (Ed. Globo,
1994); e Morte – o grande momento da vida, Ed. Abril, 1992. Os dois
últimos foram relançados pela Vertigo em 2006, em um único livro de
luxo dentro da coleção completa de Sandman.
comportamento solidário com perspectivas diferentes.
Xena é uma guerreira que é inimiga de si mesma: os
outros são adversários que podem se converter em aliados,
são obstáculos para o seu desenvolvimento militar e
espiritual. É claro que protagonista tem inimigos
irreconciliáveis que representaram o mal absoluto (como
a feiticeira Alti; o deus Dahak; Esperança, a filha de
Gabrielle), mas, durante todo seriado, a princesa
guerreira luta para converter seus adversários em
aliados, uma vez que ela mesma era uma ‘convertida’. Isto
é particularmente visível nos episódios que contam
com a participação da guerreira Callisto (Hudson Leick).
Em seus tempos de vilã, Xena saqueou e destruiu a cidade
de Cirra, matando a família de uma menina chamada
Callisto, que, nutrindo um ódio mortal pela princesa
guerreira, passou a vida toda buscando se vingar. A vida
toda, não. As várias vidas, pois Xena a mata várias vezes e ela
sempre retorna, cada vez maiscruel.
Porém, no episódio Fallen Angel, no início da
quinta temporada, Callisto se redimi e se torna um anjo
celestial depois que Xena a salva do inferno. E nos
capítulos seguintes, o anjo Callisto reencarna como Eva,
filha de Xena (não se sabe se com Lúcifer ou com o arcanjo
Miguel). Eva foi criada por Augusto César adotando o nome
de Lívia e se tornando uma guerreira romana
sanguinária, sendo novamente convertida por Eli ao
cristianismo e que tendo um papel importante no
crepúsculo dos deuses gregos no final da série.
Talvez a inversão dos papeis de protagonista e
antagonista, transformando vilões do passado em heróis
do presente, seja uma características das narrativas mais
recentes, que desejam representar um mundo mais
complexo feito por pessoas reais, que não são
inteiramente 'boas', nem 'más'. No universo das antigas
narrativas, existiam heróis e vilões. Agora, as narrativas
pós-modernas desejam mostrar que os conflitos são, na
sua maioria, mal entendidos, ruídos, jogos projetivos
entre o eu e o outro, dualidades neobarrocas do mesmo
mosaico.
Em Sandman, Desejo e Lúcifer são adversários de
Sonho, mas agem como protagonistas de suas histórias e
não inimigos a serem destruídos ou vencidos. Como
reviravolta narrativa, a desconstrução dos antagonistas é
visível no arco Um Jogo de Você (GAIMAN, 2006b). Um jogo
de você é um jogo de identidade construída pelo outro.
Essa é a ideia chave que perpassa todo trabalho de uma
forma sutil e obsessiva, com todos os personagens. O
antagonista deste arco narrativo é o Cuco dos Sonhos. O
cuco é um pássaro que coloca seus ovos em ninhos de
outras espécies, fazendo com seus filhotes se alimentem dos
filhotes de seus hospedeiros. Na estória, há um (ovo de) cuco
no sonho de Barbie e agora ele cresceu, se tornou sua
sósia, e quer invadir outros sonhos para colocar seus ovos.
Boa parte da estória trata da luta entre Barbie e o Cuco, ou
entre o eu e o outro. Morpheus não considera o Cuco um
vilão, apenas um ser que agiu segundo sua natureza. O mal
encarnado no antagonista é interpretado como uma
necessidade de sobrevivência do Outro (do Cuco). Já com
Thessaly, a bruxa que tentava ajudar Barbie contra a criatura,
o Mestre dos Sonhos fica bastante chateado, pois ela, ao
invocar a lua para penetrar no sonho da menina, coloca
em risco todo ordenamento entre a realidade e o sonhar.
Thessaly, ou melhor, as três bruxas27 (uma
jovem, outra de meia-idade e uma idosa) - as Moiras,
representando o passado, o presente e o futuro - passam a
desempenhar o papel de antagonistas do herói na saga do
mestre dos sonhos. As três Moiras representam a
existência inflexível do tempo acima e além da morte e
do destino – quase fora da narrativa. Na narrativa, Destino
Um objeto erótico!
Desenhada por Melinda Gebbie (atual esposa do
roteirista Alan Moore) em um estilo Art Noveau
romântico, a série Lost Girls (2007) conta o inusitado
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATAILLE, Georges. O Erotismo. Lisboa: Antígona, 1988.
BAITELLO JR., N. Aserpente, a maçã e o holograma – esboços para
uma teoria da mídia. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
BANDURA, Albert. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto
Alegre: Artmed, 2008.
BARCELLOS, Janice Primo. O feminino nas histórias em
quadrinhos parte 1: A mulher pelos olhos dos homens. Revista
Agaque. Volume 2, número 4. São Paulo: USP, novembro de
2000. Disponível em:
<http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqeca/agaque/ano2/numero
4/artigosn4_1v2.htm> Último acesso em: 10/07/2016.