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Direito Administrativo I

Tópicos sobre a evolução do Estado-Administração

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Período medieval – fragmentação do poder
 Fragmentação dos Estados europeus no período medieval (476 – 1453)
 O caso especial da Península Ibérica afetada pela Reconquista cristã
 Com o fim do Império Romano, os visigodos iniciaram a conquista da
Península em 420 mas só a terminaram em 585 quando venceram os
suevos. Com a passagem para os reinos Bárbaros (a esmagadora
maioria eram reinos nominais, porque não havia uma centralização de
poder) aqueles que eram cognominados reis não possuíam um poder
que ultrapassasse minimamente a sua esfera de ação pessoal
 O rei valia menos do que muitos dos seus pares, embora tivesse um cargo
com uma dignidade superior à dos outros.

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Estado no período medieval
 O direito Visigótico aplicava-se apenas nos extratos mais elevados da
sociedade, sendo que o povo comum se regulava por um direito
consuetudinário, um direito costumeiro que se desenvolveu
espontaneamente por processos de evolução ligados a localismos e
nada relacionados com o código Visigótico ou com os diplomas de
direito Visigótico - este era um direito sem implementação prática
 Quando o direito não tem implementação prática na vida social isso
significa que não existe um Estado que imponha esta implementação do
Direito
 O poder político e jurídico era fragmentado, compartimentado, e, em
boa verdade, os reis não tinham muito poder. No caso da Península
Ibérica, o problema foi agravado, porque em 711 os Árabes invadiram a
Península Ibérica conquistando-a em cinco anos

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Influência da reconquista no Estado medieval peninsular

 Curiosamente, na maior parte da história muçulmana da Península, também


os Árabes sofreram uma fragmentação de poder nos seus Estados (Taifas)
 Até ao século XIV, a Reconquista foi uma tarefa omnipresente. A
Reconquista não foi uma guerra permanente, foi uma guerra contínua, uma
guerra de razias (que eram como se designavam as expedições dos Árabes)
e de fossados (que eram como se chamavam as expedições dos cristãos)
que eram expedições de assalto, de roubo e pilhagem. A fronteira ficou
durante cem anos no rio Douro, depois já ia um bocadinho mais para Sul.
Portanto foi uma guerra de continuidade
 O costume era a grande fonte de direito. O costume local, não um costume
nacional ou que correspondesse à lógica de um reino. Costumes rudes
como a vida de então
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Estado medieval – um não-Estado
 As fronteiras dos reinos estavam sempre a mudar, mas os costumes iam-se
formando dentro dos espaços relativamente fechados da Idade Média,
esta lógica de espaço circunscrito, de que o mundo só existe até onde a
vista alcança.
 Estes factos, começam a mudar já no final da Idade Média, já quando
Portugal existe como reino independente e quando aos poucos uma certa
estabilidade política e social deixa que se formem nos vários reinos da
Europa, uma ideia de estruturação comum dessas forças que existiam no
reino.
 A formação do Estado, nada mais é do que um processo de centralização
a vários níveis e só se consegue perceber esse processo de centralização se
percebermos, primeiro, a centralização ao nível jurídico. Esta deriva de um
factor primordial, que é a penetração do direito romano justinianeu
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Múltiplos poderes públicos
 Em regra, os reis não tinham verdadeiro poder político nem
administrativo, porque a sua Administração era incipiente, muito pouco
numerosa, praticamente eram só os funcionários que estavam na corte,
o resto dos funcionários que existiam nas cidades e nas várias localidades
dependeriam dos senhores, às vezes nobres outras vezes eclesiásticos
 Esses sim é que eram as verdadeiras autoridades que as pessoas
respeitavam, obedeciam e que de alguma maneira se podia dizer que
mandavam naquele lugar.
 Havia um dever de prestar ajuda auxílio ao rei quando ele precisasse,
mas daí a partirmos para uma ideia de Nação ou estruturação
administrativa global dentro do reino é algo que, neste período, ainda
não podemos encontrar.

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Direito difere em todo o lado
 A fragmentação jurídica, neste contexto histórico, é dizer que o direito é
feito em todo o lado e que difere de lado para lado. O direito em Braga
adota certas soluções, mas em Coimbra a solução já poderia ser diferente
para o mesmo caso. Isto porque o direito é sobretudo consuetudinário e
esse costume é local. Logo, num período intensamente localista, há
influências culturais distintas.
 A lógica da centralização jurídica implica que os reis têm de encontrar uma
forma para que a sua autoridade seja expressada do ponto de vista jurídico
e que a sua vontade possa ter significado homogéneo no próprio reino.
 Na Idade Média, as pessoas respondiam perante o seu suserano direto e,
para além desta submissão, possuíam grande liberdade para perfazer a sua
vida.
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Fim do período medieval
 Com as convulsões políticas entre Papado e Imperador do Sacro Império
criaram-se as primeiras universidades e o “velho” direito romano justinianeu foi-se
tornando no direito comum europeu. O objetivo seria a criação de um só direito
para possibilitar o nascimento de um só Estado.
 Mas os reis aproveitaram a penetração do direito romano para os seus próprios
fins – o reforço e a centralização do seu próprio poder
 A Lei ascende a primeira fonte de direito substituindo gradualmente o costume.
As leis são feitas pelos reis, logo o seu poder jurídico ficou amplamente reforçado
juntamente com o seu poder político.
 Isto favorece os reis pois o direito comum europeu é também o direito comum
dos reinos. Os monarcas aproveitam o regresso do direito romano para criar um
novo direito estatal que unisse as várias divergências locais acerca do jurídico
que existissem nos seus reinos.
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Administração régia transforma-se
 Progressivamente o rei vai criando uma administração estruturada. De facto, nas
universidades estrangeiras (no final do séc. XIII, também em Coimbra) aprende-se um
direito que não é aplicado na realidade do seu pais. Devido à preparação que os
diplomados demonstram, o rei não pode prescindir deles e estes tornam-se funcionários
régios quando regressam aos seus países
 No seguimento desta função, aparece a figura do corregedor que acentua a
centralização régia (NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, “História do Direito Português”). O
corregedor desloca-se de localidade em localidade para informar quais os costumes que
deveriam ser respeitados por estarem conformes ás leis do reino e ao direito romano
justinianeu e os que deveriam ser abolidos devido ás discrepâncias com o direito romano
justinianeu e com as leis do reino.
 O tabelião era o funcionário administrativo que permanecia nas localidades, registando
e certificando os direitos e os negócios de acordo com as leis do reino e com os
costumes que o corregedor tivesse deixado sobreviver. As pessoas tinham todo o
interesse em não celebrarem negócios como estavam habituados pois, se esses
conflituassem com o que o tabelião dizia, não eram certificados.
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Centralização do poder no rei
 Este processo durou mais de um século. Quando chegamos ao
século XV, as leis feitas pelo rei são aplicadas e respeitadas e o
costume, apesar de ainda existir, deixou de ser considerado a
principal fonte de direito.
 A obediência às leis, como vemos, implica uma centralização
jurídica e administrativa. A centralização do poder régio torna
eficaz a aplicação da vontade do rei que é expressa na lei. Os reis
começaram a ver como a sua administração crescia e, embora
tivesse formas próprias de evolução, não é correcto afirmar que
não existiam estruturas administrativas com o poder de servir de
exemplo para o que o rei pretendia fazer.

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Igreja
 A igreja foi um dos exemplos tomados em consideração pois era
uma organização com uma organização sem par na Idade Média.
A ideia de que o Papa, em Roma, poderia dar ordens que seriam
obedecidas nos sítios mais recônditos da cristandade era
extraordinária. Como era possível, num mundo fragmentado, existir
uma estrutura administrativa que funcionava com uma hierarquia
estabelecida e com uma lógica própria e eficaz na aplicação das
suas leis.
 Os monarcas tentaram implementar a mesma lógica de
administração no desenvolvimento da estrutura do seu poder.
Herdamos a organização hierárquica da igreja cristã.

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Cidades
 Outro modelo que os reis tiveram em conta foi a organização das cidades.
 Mesmo nos tempos mais negros da Idade Media, na ausência de estabilidade
politica e social, sempre existiram cidades, na Idade Media: muitas funcionavam
numa lógica de auto-suficiência.
 As cidades medievais formavam-se a volta das muralhas para efeitos de defesa.
Todavia, dificilmente poderiam crescer para fora das muralhas porque, se tal
ocorresse, os habitantes não seriam protegidos dos eventuais ataques. As
construções não podiam ser feitas como aprouvesse a cada um. Surgiram
também regras de saneamento e de segurança comuns que abarcavam um
conjunto de situações como o recolher obrigatório, a proibição de sair de casa
a partir de uma determinada hora, um corpo próprio de guarda que assegurava
a ordem pública.
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Igreja, cidades e exércitos foram o exemplo
 Perto da guerra dos 100 anos (1337 – 1453), pela primeira vez, deu-se
a formação de um exército profissional, um corpo de pessoas
organizado em que dominava uma estrutura hierarquizada.
 Os reis aperceberam-se da organização dos exércitos profissionais
que se formaram com a guerra dos 100 anos e, a partir daí, tentaram
aplicar alguns desses esquemas organizativos às suas administrações
régias ainda incipientes.
 Igreja, cidades e exércitos, foram os três grandes modelos que
permitiram ao rei estruturar a sua administração régia à medida que
esta ia crescendo em poder, em nível de intervenção, em número de
funcionários e na sua capacidade de afetar a vida das pessoas.

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Nascimento do Estado moderno
 O Estado moderno vai-se organizando à volta do rei. O poder politico era
extremamente participado na Idade Media e, apesar das cortes terem sido uma
tentativa peninsular de aconselhar o rei, à medida que o poder real aumenta, o
poder das cortes diminui, tal como a importância do costume, e as pessoas ficam
mais a mercê do poder do monarca.
 Esta nova ideia que surge advém do voluntarismo de acordo com o qual o rei não
tem limites para a sua atuação. O absolutismo é filho direto da centralização
politica, jurídica e administrativa: o poder encontra-se concentrado nas mãos do rei.
 Todavia, quem controlava não era o rei mas sim a administração régia, ou seja, os
funcionários régios hierarquicamente estruturados e muito bem organizados que
executavam a vontade do monarca. Tudo isto sem que esse crescente corpo de
funcionários régios estivesse vinculado às regras do direito a que todos os outros
súbditos deviam obediência.

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A Administração é o rei

 A administração régia é cada vez maior, tem cada vez mais poder e é cada vez
mais interventiva, imiscuindo-se cada vez mais na vida dos súbditos mas, pela
sua lógica de formação, nenhum dos seus funcionários obedece a regras do
direito. A administração é o rei, existe uma identificação total entre o rei e o seu
funcionário no exercício das suas funções. A ligação era, portanto, pessoal. A lei
não é mais do que a vontade do rei juridicamente expressa.
 Ora, o rei não faz leis para si próprio – faz as leis mas não se submete a elas. Há
uma separação entre a administração (rei) e o que não é administração (reino).
Os funcionários obedecem à sua hierarquia e não ás leis. Quem obedece às leis
são aqueles que não constituem a administração. Era o monarca que exercia as
funções que hoje pertencem a órgãos separados, sendo a autoridade máxima
e indisputada dentro de um reino.
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Estado absoluto = Administração insindicável
 O facto de a autoridade régia ser essencial e indisputada durante os séculos XVI,
XVII e XVIII gerou a impossibilidade de os súbditos fazerem frente à ação da coroa e
da Administração. Isto permitiu que a administração fosse insindicável, ou seja, não
havia forma de os súbditos se confrontarem legitimamente com o que por ela fosse
determinado.
 O problema não era o facto de o rei não se submeter ás leis, mas sim os funcionários
não terem de as respeitar por não lhes estarem vinculados. A Administração no
Estado absoluto determina comportamentos e intervêm sobre os súbditos que
ignoram como esses comportamentos são determinados.
 Este carácter interno e quase-secreto da actuação da administração régia fazia
com que as pessoas apenas tivessem uma mera expectativa baseada em casos
resolvidos anteriormente, relativamente aos seus próprios interesses. E se estes não
fossem satisfeitos, o súbdito não teria qualquer fundamentação a esse respeito nem
se poderia opor à resolução em causa.
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Idade Média vs. Estado absoluto
 A Idade Média é um período de direitos diferentes. Devido à
estratificação da sociedade, tanto o clero, como a nobreza e o povo,
tinham esferas de privilégios e obrigações distintas umas das outras.
Cada classe social possuía direitos próprios. Por exemplo, o mesmo crime
poderia ter como consequência uma pena que variava consoante o
agente. A aplicação do direito diferia com a identidade do
protagonista.
 No absolutismo, também há classes sociais e distinções de direitos.
Contudo, existem contextos em que o absolutismo cria uma
igualitarização da sociedade, nomeadamente quando alguém se
confronta com a Administração Régia. Face à tirania do Estado e à
autoridade da administração régia, a sociedade torna-se igual, apesar
de, noutras situações, a mesma se distinguir por extratos sociais.
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Estado Absoluto gera o Estado polícia
 A mesma autoridade que fazia a guerra, celebrava a paz ou
estabelecia contratos comerciais, também julgava, torturava ou
aplicava as penas. Não existia uma separação de funções ou de
poderes pois a mesma entidade desempenhava diferentes papéis
no seio do Estado. E, debaixo desta autoridade máxima, todos
eram iguais.
 Como não havia regras jurídicas conhecidas por todos, as decisões
eram arbitrárias, pautando-se por critérios externos à justiça.
Ocorria o que Jean Bodin chamou de “razão de Estado”. No
século XVII emerge a filosofia e o racionalismo, o que concede
outro cariz ao absolutismo. A razão é posta ao serviço da
governação.
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O súbdito começa a pensar
 A Europa tem um crescimento económico acentuado, as condições de vida
das pessoas melhoram, o saber e a cultura estão ao alcance de muitos,
desenvolve-se o campo científico. Os homens tomam consciência do que são.
Ao mesmo tempo que o homem apreende o sentido coletivo, apercebe-se da
tirania a sociedade em que vive está sujeita e da ausência de direitos que nela
existe. A qualquer momento, quer os mais ricos quer os mais pobres podem ser
privados da vida, dos bens, da liberdade ou da família, sem que o Estado lhes
dê qualquer satisfação.
 O século XVIII é um século gerador de riqueza e de cultura mas as pessoas
acabam, paradoxalmente, por serem oprimidas pior do que antes se os seus
interesses contrastarem com os interesses do Estado e da Administração Régia.
 Esta castração coletiva, ainda que inconsciente, influenciou todas as formas
culturais do iluminismo desde a arquitetura, à literatura, à música, à moda e aos
hábitos sociais.
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A mudança pelas ideias
 É através desta percepção da tirania que asfixiava as pulsões naturais
dos que a percebiam mas não concebiam forma diferente de existir que
se deve equacionar o barroco, o estilo rococó. Bem como alguma
música em que se salientava a exaltação da forma em detrimento do
conteúdo, o desenvolvimento desmesurado do supérfluo e a
maximização do insignificante.
 As coisas começam a mudar aos poucos. No século XVIII alteram-se os
hábitos das reuniões sociais, não tanto pelo que se passava nos salões
burgueses, mas pelo surgimento das chocolatarias, dos cafés e dos
salões de fumadores, ou seja os locais de reunião que a moda
generalizou (Cfr. ROGÉRIO SOARES, “Direito Público e Sociedade
Técnica”, Coimbra, 1969, p. 49)
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Iluminismo - a discussão está na moda
 Discutia-se muito. Nesta época a cultura está na moda e a exibição
formal da mesma era um acrescento à situação social em que as
pessoas se encontravam. Começa-se a questionar os motivos de viver
desse modo. As pessoas mais esclarecidas põem em causa o estado das
coisas. As sociedades secretas que visam a alteração subversiva da
realidade ganham um êxito assinalável.
 Durante grande parte do período absolutista as pessoas acreditavam
que isso correspondia à ordem natural das coisas. A partir de um certo
momento, constata-se que a riqueza e a cultura aumentam, o que
conduz ao desenvolvimento das viagens de puro prazer. As pessoas ricas
e ilustradas começam a viajar por curiosidade nos finais do século XVII e
inícios do século XVIII. Constata-se, nessa altura, o êxito da literatura de
viagens.
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O exemplo inglês
 E foi quando muitos “continentais” ilustres viajaram para a Inglaterra que
constataram que aí não existia nem absolutismo, nem tirania, ao contrário do
que se passava nos seus próprios países. Após um período conturbado em que
existiu uma guerra civil, um rei, Carlos I, foi executado, um breve interregno
republicano, a restauração dos Stuarts e a Gloriosa Revolução de 1688, na
Inglaterra o parlamento elabora as leis, a administração é descentralizada, o
poder real está demarcado e os reis submetem-se às leis, os tribunais são
independentes, há uma common law que limita todo o exercício do poder. A
Inglaterra é um país culto, rico e poderoso mas os cidadãos possuíam uma dose
acentuada de liberdade.
 Europeus cultos, como Charles de Montesquieu, apercebem-se do carácter
aberrante e contraditório das suas vidas e convencem-se da necessidade de
mudança. Cria-se o gérmen da revolução que tornará possível a passagem do
período do absolutismo para o período liberal.
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Tribunais independentes – a grande diferença
 A não existência de verdadeira centralização jurídica, nem da lei como fonte
primordial de direito e papel reconhecido ao costume são, à época,
características exclusivas do sistema inglês.
 A ideia da não existência da centralização jurídica decorre da ideia da
independência progressiva dos tribunais.
 O direito inglês desenvolveu-se até criar instituições profissionalizadas, que nunca
dependeu da estrutura hierárquica da administração. A administração inglesa
era fragmentada, não havia uma estrutura administrativa cental que a
controlasse.
 Os juízes não tinham que obedecer juridicamente ao monarca, as suas decisões
eram independentes do poder real.
 Temos, assim, um rei que não faz leis e que se submete a elas, temos um
parlamento com funções representativas de toda Inglaterra, uma administração
fragmentada e tribunais independentes do poder real.

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Refletindo sobre a Inglaterra
 Este factor diferenciador dos restantes países conduziu a um momento de
reflexão, analisando assim os seus percursos históricos se seriam os mais
acertados ou não. Mas ninguém tinha posto em causa as configurações
essências do Estado desde o final da Idade Média. Porém com este
esquema de comparações houve uma certa intelectualidade francesa
como Voltaire, Montesquieu, Diderot que viram no exemplo inglês um
exemplo a seguir.
 O barão de Montesquieu visitou a Inglaterra, onde permaneceu durante
algum tempo, aproveitando para estudar a organização do Estado inglês e
os direitos dos ingleses. Quando regressou a França escreveu várias obras
dente as quais uma em 1748 que ficou na história como uma obra de
referência para o direito “L' Esprit des Lois”, que no seu capítulo VI intitulado
“De la constituition de L’Angleterre “ analisa o caso inglês.
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A lição de Montesquieu

 A narração de Montesquieu fez escola e foi fundamental para aquilo que se


ia passar a seguir, pois apesar de ser nobre Montesquieu nada podia fazer
contra o poder real e a teoria da separação de poderes não teve reflexo na
realidade prática
 A constituição inglesa não é codificada mas um conjunto de práticas, de
lógicas específicas de funcionamento de órgãos que configuram a
governação da Inglaterra. Diz Montesquieu que entre as várias causas que
motivam aquela particular configuração da constituição há uma que
sobressai, é o facto de em Inglaterra ao contrário do que sucedeu na
generalidade dos países os poderes estavam entregues a órgãos diferentes
 Em tese, tinha nascido o princípio da separação de poderes

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A revolução francesa muda tudo
 Nas décadas finais do século XVIII, em França, tudo muda com a Revolução
Francesa (1789).
 Já em 1776 se tinha verificado uma revolução nas colónias inglesas no
continente americano. Um conjunto de revolucionários americanos tinham
vivido no ambiente cultural francês, nomeadamente Thomas Jefferson, um dos
autores materiais da Constituição, e Benjamim Franklim transpuseram na
constituição americana todo esse debate do período das “Luzes”.
 A revolução francesa foi uma alteração absoluta e alterou por completo tudo.
Houve uma grande mudança para o século XIX. Foi uma transformação no
modelo de Estado, na Administração, alterou por completo a forma como as
pessoas encaravam os problemas da sua existência, alterou por completo a
cultura, é o chamado período Liberal.

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Uma nova Administração liberal
 A nível de organização administrativa o modelo alterou-se
por completo.
 Se no Estado absoluto a administração tudo podia, no
Estado liberal pouco pode. Na revolução francesa tenta-se
mesmo acabar com o Estado só não foram bem sucedidos
pois não conseguiram encontrar substituto.
 Os tribunais no início não eram independentes porque não
podiam “interpretar” as leis. A Convenção da Revolução
proibiu-o e Montesquieu tinha dito, décadas antes: “le juge
c’est la bouche qui dit les paroles de la loi”.
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Desconfiança dos Tribunais no início do liberalismo

 Qual é a razão desta desconfiança? Porque os juízes não tinham uma


carreira pública de magistratura, os cargos às vezes eram comprados ou
passavam de pais para filhos.
 Havia duas ideias generalizadas:
 i) o juiz obedecia às ordens dos seus superiores e portanto a ideia de justiça
que detinha era meramente literária porque na prática não existia
 ii) os juízes eram muito mal preparados, assim se explica que os juristas da
época demonstrassem uma grande preocupação.
 Foi neste contexto que Savigny criou o silogismo de subsunção devido ao
problema de interpretação.

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Caraterísticas da Administração nos dois períodos
ABSOLUTISMO LIBERALISMO
1) Administração que tudo podia, “Estado 1) Administração que quase nada podia (intervenção
Policia”; mínima);
2) poder reunido numa só entidade; 2) poder repartido por várias entidades;
3) Administração não se sujeita à lei, nem ao 3) Administração subjugada à lei: princípio da
direito; legalidade;
4) tribunais são dirigidos por funcionários da 4) os tribunais são independentes e responsáveis
administração, que dependem do seu superior pelas suas decisões;
hierárquico; 5) cidadãos têm direitos pelo facto de o ser, direitos
5) súbditos não têm direitos, só aqueles
inalienáveis, intransmissíveis e em que ninguém e
atribuídos pelo rei;
muito menos o Estado pode perturbar e obstaculizar;
6) o rei é fonte de todo o direito e poder, pois
a lei é a expressão da vontade do monarca;
6) o rei assume um papel de árbitro;
7) o rei faz leis mas não se submete a elas, pois 7) o rei não pode fazer leis e tem que se submeter a
ele é o próprio criador de direito, que nada elas. Os parlamentos têm reserva de direito, são o
mais é que a expressão da sua vontade; único órgão que pode fazer leis.
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Liberalismo constitucional

 Princípio da Separação de Poderes (em sentido literal, em cada poder vigia o


seu terreno de atuação e não permite a interferência de outro poder)
 Assimilação do Direito à Lei (a vontade da Nação resulta dos seus
representantes no Parlamento e só estes podem fazer o Direito). Daqui resulta:
 Sobrevalorização da Lei (desvanecimento das demais fontes de direito)
 Estado de Legalidade/Igualdade de todos perante esta
 Princípio da precedência necessária ou da reserva de lei
 Esta característica remete para o debate entre Thibaut e Savigny
relativamente à importância da lei como fonte de direito. A partir deste
debate ficou assente que lei e direito se confundiam, só a lei era fonte de
direito e o costume perde relevo

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Nascimento do direito administrativo

 O poder executivo estava subordinado ao princípio da legalidade - nasce


a partir daqui o Direito Administrativo. O Direito Administrativo nasce depois
da Revolução Francesa, no momento em que a lei diz o que a
Administração pode e não pode fazer, o Direito Administrativo tem pouco
mais de 200 anos.
 O princípio da legalidade sofreu uma evolução ao longo do tempo. O
princípio da legalidade nos primórdios do século XIX tem uma vertente
positiva e uma vertente negativa. Segundo a vertente positiva a
administração só pode fazer aquilo que a lei lhe diz para fazer ( deve fazer
aquilo que a lei lhe diz para fazer), de acordo com a vertente negativa a
administração não pode fazer aquilo que a lei eventualmente não lhe diga
para fazer.
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Liberalismo constitucional (cont.)

 Proibição-regra de intervenção do Estado Administrativo:


 Em matéria de liberdades individuais (reserva absoluta da lei)
 Em matéria administrativa – a Administração só pode atuar quando a
lei o indica e sob a lógica do mínimo de intervenção
 Abstencionismo do Estado Administrativo:
 Estado guarda-noturno
 Estado Gata Borralheira/Cinderela
 Noção de indivíduo e a recordação da tirania do Absolutismo são a
chave desta visão redutora do Estado
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Individualismo liberal

 O conceito de Cidadania, ao mesmo tempo que o Direito Administrativo, nasce com o Estado
Liberal. Se no Estado Absoluto a sociedade era vista como um todo, não se dando
importância à figura da Pessoa e do Indivíduo o que contava era o todo, o coletivo; no Estado
Liberal aquilo que importa é o Indivíduo.
 Tudo é feito em função do indivíduo visto como um fim em si mesmo. Visto como um ente
único cujos direitos não podem ser afetados e cujo propósito da existência da sociedade e do
Estado, os objetivos, os fundamentos para que exista sociedade e Estado são exatamente o
de possibilitarem ao indivíduo extravasar a sua inteligência, a sua ação através da obra
humana, através da sua razão, da sua energia e da sua racionalidade consegue colocar no
mundo.
 Há aqui uma linha reta que se percebe nesta ideia do indivíduo – obviamente com muitas
outras influências como de Jean Jacques Rousseau e outros filósofos do séc. XVIII . O indivíduo
prima sobre o coletivo, a sociedade não é uma amálgama de pessoas mas um conjunto de
pessoas em que cada uma vale por si e o Estado tem de ter isso em consideração.
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Combates ideológicos
 O individualismo e o consequente abstencionismo do Estado não foram capazes de
responder aos novos desafios da industrialização, sobretudo o das grande
metrópoles de gente saída dos campos, desenraizada, que veio para as cidades
industriais em busca de um destino melhor.
 Em meados do sec.XIX começaram vários movimentos socialistas - o extremo do
liberalismo. Se, por um lado, os liberais defendiam o abstencionismo do Estado e
uma lógica de liberdade individual, os vários movimentos socialistas defendiam o
dever do Estado de intervir, ajudar, decidir, ou seja, resolver os problemas às
pessoas.
 Primeiro surgiram os socialistas românticos, tal como Proudhon, que atacavam a
propriedade, e depois, nomeadamente a partir de 1848, com o ”Manifesto
Comunista”, de Marx e Engels que tiveram grande influência nos sécs. XIX e XX.
Começou portanto um combate intelectual entre socialistas e liberais, que foi sendo
progressivamente perdido pelos liberais, isto porque a sociedade que idealizaram
não foi capaz de responder aos problemas novos, tais como as sociedades de
massas e os graves problemas da industrialização, como por exemplo a exploração
infantil e a extrema pobreza.
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Transição para o século XX

 Lacunas na economia, nas áreas sociais e laborais criam a


necessidade de maior intervenção do Estado
 Era industrial revela deficiências do sistema liberal puro
 Nasce a noção inovadora de “serviços públicos” e de “auxílio
público”
 Socialismo municipal – municipalização dos serviços locais nos EUA
e em grandes cidades do norte e centro da Europa
 A I Grande Guerra faz nascer o Estado de Serviço Público

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Fim da I Grande Guerra - intervencionismo
 Em 1918 terminou a 1ª Guerra Mundial. Porém, apesar de ter
acabado o motivo que serviu de pretexto para a intervenção
do Estado na sociedade, esta não mais cessou. A grande
preocupação dos poderes públicos que saem deste primeiro
conflito mundial é precisamente legitimar a intervenção
estatal.
 Em 1919, a Constituição alemã do pós-guerra, chamada de
“Constituição do Weimar”, é a primeira constituição do
mundo de cariz intervencionista. Esta constituição consagra
expressamente a intervenção estatal no sentido de
implementar as políticas públicas.
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Crises e depressões - intervencionismo

 Neste contexto o mundo liberal, assente na liberdade, na propriedade e nos direitos das
pessoas como fundamento das sociedades civilizadas, deixou de ter expressão. A
liberdade chegou mesmo a ser encarado como um luxo para elites e que nunca podia
ser usufruída pelo povo. Neste capítulo o século XX, a partir da 1ª Guerra Mundial é um
século de intolerância e de intervencionismo estatal.
 As sucessivas crises económicas, e em particular o “crash” da bolsa de Nova Iorque de
1929 afectaram a própria liberdade económica e iniciativa individual, valores basilares
da sociedade americana. Esta crise além de grave foi extremamente rápida; como a
economia americana vivia da iniciativa privada, os bancos ao irem à falência
impossibilitam o recurso ao crédito conduzindo ao colapso das empresas. Estas, por sua
vez, ao fecharem criam desemprego, gerando um terrível ciclo vicioso. A economia
americana caiu, e todas as outras economias que não estando directamente
dependentes da bolsa americana se encontravam inseridas numa globalização
incipiente, acabaram também por cair, gerando a grande depressão dos anos 30.
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Século XX

 O progressivo incremento da gestão de serviços públicos leva à


reformulação do Estado e a sua transformação no Estado Social – 2.ª
metade do século XX
 Ulteriormente, numa versão mais extrema será o Estado Providência
 No fim do século XX dá-se o advento do Estado regulador
 Século XXI – Estado Garantia/Regulador
 Os privados entram na Administração Pública (em sentido material)
 O relevante é a dimensão da realização do interesse público
independentemente da qualidade pública/privada do protagonista
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Privilégio da execução prévia
 Se é o Estado a atuar - existe a presunção de que essa atuação é legal
 Então o Estado pode executar as suas próprias determinações antes mesmo de
o particular as impugnar ou do tribunal se pronunciar sobre essa mesmo
impugnação.
 A executoriedade é, assim, uma característica típica da administração
autoritária. É um elemento de força coativa extrema do poder administrativo.
Consiste na possibilidade da administração fazer cumprir as suas próprias
decisões através da sua força própria independentemente da impugnação do
seu destinatário ou da decisão ulterior de um tribunal acerca da legalidade
dessa actuação. Isto não significa que o tribunal não se possa pronunciar sobre
a legalidade da atuação administrativa, contudo quando o faz a atuação já
está realizada. O tribunal pronunciava-se formalmente sobre algo que já estava
cumprido - privilégio da execução prévia.
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Mudança de Era – nova Administração

 A partir dos anos 80 do século XX começa a alterar-se o paradigma


do Estado Social. Com o fim da guerra-fria (1989-1990) e o
desmoronamento do bloco de Leste, com o desenvolvimento
extraordinário da velocidade com que os fenómenos se processam,
emergem novas regras para o desenvolvimento da atividade
administrativa do Estado.
 E a partir daí que a mudança geral de Era se inicia.
 No que toca ao nosso estudo, é a partir desse momento que se fina o
Estado Social, para dar origem a um outro modelo cujas dimensões
apenas agora começamos a perceber.
 Mas, escreveu Marx, a história repete-se pelo menos por duas vezes: a
primeira como comédia e a segunda como tragédia…
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Século XXI: Estado vs. Sociedade Civil

 AP em sentido subjetivo – de fora ficam as atividades não


administrativas do Estado
 AP sentido objetivo – função administrativa/executiva gera o
Estado Administrativo que atua ao abrigo do Direito Administrativo.
Este tem de ter:
 Presença efetiva na sociedade
 Subordinado à lei e ao direito
 Dimensão relacional – tudo gira ao redor das relações entre o
Estado Administrativo e os cidadãos
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