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A administração régia é cada vez maior, tem cada vez mais poder e é cada vez
mais interventiva, imiscuindo-se cada vez mais na vida dos súbditos mas, pela
sua lógica de formação, nenhum dos seus funcionários obedece a regras do
direito. A administração é o rei, existe uma identificação total entre o rei e o seu
funcionário no exercício das suas funções. A ligação era, portanto, pessoal. A lei
não é mais do que a vontade do rei juridicamente expressa.
Ora, o rei não faz leis para si próprio – faz as leis mas não se submete a elas. Há
uma separação entre a administração (rei) e o que não é administração (reino).
Os funcionários obedecem à sua hierarquia e não ás leis. Quem obedece às leis
são aqueles que não constituem a administração. Era o monarca que exercia as
funções que hoje pertencem a órgãos separados, sendo a autoridade máxima
e indisputada dentro de um reino.
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Estado absoluto = Administração insindicável
O facto de a autoridade régia ser essencial e indisputada durante os séculos XVI,
XVII e XVIII gerou a impossibilidade de os súbditos fazerem frente à ação da coroa e
da Administração. Isto permitiu que a administração fosse insindicável, ou seja, não
havia forma de os súbditos se confrontarem legitimamente com o que por ela fosse
determinado.
O problema não era o facto de o rei não se submeter ás leis, mas sim os funcionários
não terem de as respeitar por não lhes estarem vinculados. A Administração no
Estado absoluto determina comportamentos e intervêm sobre os súbditos que
ignoram como esses comportamentos são determinados.
Este carácter interno e quase-secreto da actuação da administração régia fazia
com que as pessoas apenas tivessem uma mera expectativa baseada em casos
resolvidos anteriormente, relativamente aos seus próprios interesses. E se estes não
fossem satisfeitos, o súbdito não teria qualquer fundamentação a esse respeito nem
se poderia opor à resolução em causa.
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Idade Média vs. Estado absoluto
A Idade Média é um período de direitos diferentes. Devido à
estratificação da sociedade, tanto o clero, como a nobreza e o povo,
tinham esferas de privilégios e obrigações distintas umas das outras.
Cada classe social possuía direitos próprios. Por exemplo, o mesmo crime
poderia ter como consequência uma pena que variava consoante o
agente. A aplicação do direito diferia com a identidade do
protagonista.
No absolutismo, também há classes sociais e distinções de direitos.
Contudo, existem contextos em que o absolutismo cria uma
igualitarização da sociedade, nomeadamente quando alguém se
confronta com a Administração Régia. Face à tirania do Estado e à
autoridade da administração régia, a sociedade torna-se igual, apesar
de, noutras situações, a mesma se distinguir por extratos sociais.
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Estado Absoluto gera o Estado polícia
A mesma autoridade que fazia a guerra, celebrava a paz ou
estabelecia contratos comerciais, também julgava, torturava ou
aplicava as penas. Não existia uma separação de funções ou de
poderes pois a mesma entidade desempenhava diferentes papéis
no seio do Estado. E, debaixo desta autoridade máxima, todos
eram iguais.
Como não havia regras jurídicas conhecidas por todos, as decisões
eram arbitrárias, pautando-se por critérios externos à justiça.
Ocorria o que Jean Bodin chamou de “razão de Estado”. No
século XVII emerge a filosofia e o racionalismo, o que concede
outro cariz ao absolutismo. A razão é posta ao serviço da
governação.
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O súbdito começa a pensar
A Europa tem um crescimento económico acentuado, as condições de vida
das pessoas melhoram, o saber e a cultura estão ao alcance de muitos,
desenvolve-se o campo científico. Os homens tomam consciência do que são.
Ao mesmo tempo que o homem apreende o sentido coletivo, apercebe-se da
tirania a sociedade em que vive está sujeita e da ausência de direitos que nela
existe. A qualquer momento, quer os mais ricos quer os mais pobres podem ser
privados da vida, dos bens, da liberdade ou da família, sem que o Estado lhes
dê qualquer satisfação.
O século XVIII é um século gerador de riqueza e de cultura mas as pessoas
acabam, paradoxalmente, por serem oprimidas pior do que antes se os seus
interesses contrastarem com os interesses do Estado e da Administração Régia.
Esta castração coletiva, ainda que inconsciente, influenciou todas as formas
culturais do iluminismo desde a arquitetura, à literatura, à música, à moda e aos
hábitos sociais.
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A mudança pelas ideias
É através desta percepção da tirania que asfixiava as pulsões naturais
dos que a percebiam mas não concebiam forma diferente de existir que
se deve equacionar o barroco, o estilo rococó. Bem como alguma
música em que se salientava a exaltação da forma em detrimento do
conteúdo, o desenvolvimento desmesurado do supérfluo e a
maximização do insignificante.
As coisas começam a mudar aos poucos. No século XVIII alteram-se os
hábitos das reuniões sociais, não tanto pelo que se passava nos salões
burgueses, mas pelo surgimento das chocolatarias, dos cafés e dos
salões de fumadores, ou seja os locais de reunião que a moda
generalizou (Cfr. ROGÉRIO SOARES, “Direito Público e Sociedade
Técnica”, Coimbra, 1969, p. 49)
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Iluminismo - a discussão está na moda
Discutia-se muito. Nesta época a cultura está na moda e a exibição
formal da mesma era um acrescento à situação social em que as
pessoas se encontravam. Começa-se a questionar os motivos de viver
desse modo. As pessoas mais esclarecidas põem em causa o estado das
coisas. As sociedades secretas que visam a alteração subversiva da
realidade ganham um êxito assinalável.
Durante grande parte do período absolutista as pessoas acreditavam
que isso correspondia à ordem natural das coisas. A partir de um certo
momento, constata-se que a riqueza e a cultura aumentam, o que
conduz ao desenvolvimento das viagens de puro prazer. As pessoas ricas
e ilustradas começam a viajar por curiosidade nos finais do século XVII e
inícios do século XVIII. Constata-se, nessa altura, o êxito da literatura de
viagens.
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O exemplo inglês
E foi quando muitos “continentais” ilustres viajaram para a Inglaterra que
constataram que aí não existia nem absolutismo, nem tirania, ao contrário do
que se passava nos seus próprios países. Após um período conturbado em que
existiu uma guerra civil, um rei, Carlos I, foi executado, um breve interregno
republicano, a restauração dos Stuarts e a Gloriosa Revolução de 1688, na
Inglaterra o parlamento elabora as leis, a administração é descentralizada, o
poder real está demarcado e os reis submetem-se às leis, os tribunais são
independentes, há uma common law que limita todo o exercício do poder. A
Inglaterra é um país culto, rico e poderoso mas os cidadãos possuíam uma dose
acentuada de liberdade.
Europeus cultos, como Charles de Montesquieu, apercebem-se do carácter
aberrante e contraditório das suas vidas e convencem-se da necessidade de
mudança. Cria-se o gérmen da revolução que tornará possível a passagem do
período do absolutismo para o período liberal.
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Tribunais independentes – a grande diferença
A não existência de verdadeira centralização jurídica, nem da lei como fonte
primordial de direito e papel reconhecido ao costume são, à época,
características exclusivas do sistema inglês.
A ideia da não existência da centralização jurídica decorre da ideia da
independência progressiva dos tribunais.
O direito inglês desenvolveu-se até criar instituições profissionalizadas, que nunca
dependeu da estrutura hierárquica da administração. A administração inglesa
era fragmentada, não havia uma estrutura administrativa cental que a
controlasse.
Os juízes não tinham que obedecer juridicamente ao monarca, as suas decisões
eram independentes do poder real.
Temos, assim, um rei que não faz leis e que se submete a elas, temos um
parlamento com funções representativas de toda Inglaterra, uma administração
fragmentada e tribunais independentes do poder real.
O conceito de Cidadania, ao mesmo tempo que o Direito Administrativo, nasce com o Estado
Liberal. Se no Estado Absoluto a sociedade era vista como um todo, não se dando
importância à figura da Pessoa e do Indivíduo o que contava era o todo, o coletivo; no Estado
Liberal aquilo que importa é o Indivíduo.
Tudo é feito em função do indivíduo visto como um fim em si mesmo. Visto como um ente
único cujos direitos não podem ser afetados e cujo propósito da existência da sociedade e do
Estado, os objetivos, os fundamentos para que exista sociedade e Estado são exatamente o
de possibilitarem ao indivíduo extravasar a sua inteligência, a sua ação através da obra
humana, através da sua razão, da sua energia e da sua racionalidade consegue colocar no
mundo.
Há aqui uma linha reta que se percebe nesta ideia do indivíduo – obviamente com muitas
outras influências como de Jean Jacques Rousseau e outros filósofos do séc. XVIII . O indivíduo
prima sobre o coletivo, a sociedade não é uma amálgama de pessoas mas um conjunto de
pessoas em que cada uma vale por si e o Estado tem de ter isso em consideração.
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Combates ideológicos
O individualismo e o consequente abstencionismo do Estado não foram capazes de
responder aos novos desafios da industrialização, sobretudo o das grande
metrópoles de gente saída dos campos, desenraizada, que veio para as cidades
industriais em busca de um destino melhor.
Em meados do sec.XIX começaram vários movimentos socialistas - o extremo do
liberalismo. Se, por um lado, os liberais defendiam o abstencionismo do Estado e
uma lógica de liberdade individual, os vários movimentos socialistas defendiam o
dever do Estado de intervir, ajudar, decidir, ou seja, resolver os problemas às
pessoas.
Primeiro surgiram os socialistas românticos, tal como Proudhon, que atacavam a
propriedade, e depois, nomeadamente a partir de 1848, com o ”Manifesto
Comunista”, de Marx e Engels que tiveram grande influência nos sécs. XIX e XX.
Começou portanto um combate intelectual entre socialistas e liberais, que foi sendo
progressivamente perdido pelos liberais, isto porque a sociedade que idealizaram
não foi capaz de responder aos problemas novos, tais como as sociedades de
massas e os graves problemas da industrialização, como por exemplo a exploração
infantil e a extrema pobreza.
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Transição para o século XX
Neste contexto o mundo liberal, assente na liberdade, na propriedade e nos direitos das
pessoas como fundamento das sociedades civilizadas, deixou de ter expressão. A
liberdade chegou mesmo a ser encarado como um luxo para elites e que nunca podia
ser usufruída pelo povo. Neste capítulo o século XX, a partir da 1ª Guerra Mundial é um
século de intolerância e de intervencionismo estatal.
As sucessivas crises económicas, e em particular o “crash” da bolsa de Nova Iorque de
1929 afectaram a própria liberdade económica e iniciativa individual, valores basilares
da sociedade americana. Esta crise além de grave foi extremamente rápida; como a
economia americana vivia da iniciativa privada, os bancos ao irem à falência
impossibilitam o recurso ao crédito conduzindo ao colapso das empresas. Estas, por sua
vez, ao fecharem criam desemprego, gerando um terrível ciclo vicioso. A economia
americana caiu, e todas as outras economias que não estando directamente
dependentes da bolsa americana se encontravam inseridas numa globalização
incipiente, acabaram também por cair, gerando a grande depressão dos anos 30.
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Século XX