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Social rights and legal pragmatism: from the Lockner case to the prohibition of
social retrocession
ABSTRACT: This article aims to argue that the pragmatic constitutionalism is in-
compatible with the discourse of the Brazilian constitutionalism in social rights,
specifically the essentialist vision presented in defense of the “principle of the pro-
hibition of social regression”. The theory problematization involves the reasoning of
the speech in favor of the prohibition of social regression and its connection with a
form of essentialism incompatible with the discourse of legal pragmatism of Oliver
Holmes Jr. as a basis Jr. the constitutional discourse that we find in Brazilian doctrine,
which reproduces itself in the Judiciary, compared to the first decisions on the inclu-
sion of social rights in American legislation, shows that a more skeptical view of law
has been completely abandoned in favor of an essentialist approach towards social
rights. Actually, I want, in this work, to shed light on the current discourse of the
Brazilian constitutionalism, using the legal pragmatism of Oliver Wendell Holmes Jr.
and his anti-essentialist view of rights and constitutional principles, more consistent
with an open and democratic society.
1 Introdução
These are what properly have been called the oracles of the law. Far the
most important and pretty nearly the whole meaning of every new effort of
1 “Estes são o que corretamente foram chamados os oráculos da lei. De longe o mais importante e
praticamente todo o significado de cada novo esforço do pensamento jurídico é fazer com que essas
profecias sejam mais precisas, e generalizá-las em um sistema completamente conectado” (Tradução
nossa).
2 Ver também o artigo de RÊGO, George Browne. O pragmatismo como alternativa à legalidade posi-
tivista: o método jurídico-pragmático de Benjamin Nathan Cardozo. In: BRANDÃO, Cláudio. (Et. al.)
Princípio da Legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.
55-77. O autor também prefere a expressão “pragmatismo jurídico” e a usa pra definir tais autores.
juízes, tomadas num sentido de formação coletiva e sistêmica dos costumes judiciais.
Outra característica do pragmatismo jurídico é normalmente apontada como
sendo uma aproximação entre o pensamento de Holmes e o positivismo jurídico
(também chamado de “formalismo jurídico”). Não só quando defende a importân-
cia da legislação, o pragmatismo de Holmes se aproxima do positivismo. Também
quando questiona a validade de princípios morais na aplicação do Direito. Holmes
(2010, p. 178), nesse sentido, destaca a importância epistemológica da separação
entre direito e moral. Tal distinção está ligada à importância que ele dá ao próprio
método do Common Law.
Holmes não nega que valores morais até podem ser parte do conteúdo do Direi-
to. Afinal, nem mesmo o positivismo mais analítico nega que o direito, de fato, está
relacionado com a moral. Para Holmes (2010, p. 178), todavia, isso não deve signifi-
car que juízes poderiam importar seus próprios valores subjetivos encobrindo-os na
linguagem abstrata dos direitos.
De todo modo, o pragmatismo admite a separação epistemológica ou metodo-
lógica entre moral e direito, apesar de que tal separação não pode ser considerada
absoluta. O que se pretende é, em resumo, demonstrar que o aspecto subjetivo da
moral não pode substituir juízos legislativos ou de precedentes claramente iden-
tificados como textos jurídicos dogmáticos ou mesmo com costumes arraigados.
O pragmatismo é, nesse sentido, uma teoria que não nega o modelo de estado de
direito que tem por base a prevalência da legislação como fonte do direito.
O pragmatismo jurídico engendra, porém, a defesa de uma forma de contex-
tualismo que se baseia na crítica a entidades abstratas. Defende que proposições
gerais não decidem os casos concretos no direito, pois são os fatos que determinam
a correção ou não da interpretação jurídica. Essa é uma clara ressalva contra a argu-
mentação meramente baseada em princípios morais.
Nesse sentido, proposições morais ou valorativas não podem ser determinantes
para a solução de um caso, pois podem gerar obscurecimento das verdadeiras ra-
zões para decisão, que devem estar nos fatos concretos e na história do caso. Trata-
-se da defesa de uma análise histórica do direito, que nega validade aos princípios
gerais e destaca a força dos contextos na resolução dos casos concretos.
A crítica do pragmatismo ao que seria um “moralismo jurídico” está vinculada,
hoje, ao abuso no uso dos princípios como fonte de argumentação jurídica. Isso
ocorre quando se pretende deixar de aplicar uma regra consolidada, por exemplo,
alegando-se um princípio, com o nítido intuito de se sobrepor às determinações
Claramente se percebe que não basta conhecer a regra de conduta para resolver
3 “Great cases like hard cases make bad law. For great cases are called great, not by reason of their importan-
ce... but because of some accident of immediate overwhelming interest which appeals to the feelings and
distorts the judgment” (HOLMES,1992, p. 205).
mico) que não explicavam suas decisões no caso Lockner e em outros (POSNER,
1992, p. XV). Holmes, portanto, não deve ser visto como um socialista em nenhum
sentido. Estava muito mais para um conservador americano, portanto, defensor da
liberdade econômica. Em seus votos e discursos, Holmes defende a propriedade
privada e desdenha do socialismo (HALIS, 2010, p. 58).
Porém, sendo o pragmatismo uma filosofia cética e ao mesmo tempo de valori-
zação da ciência, o Judiciário, segundo Holmes, não poderia servir de impedimento
ao que ele chamou de experimentação social por parte dos legisladores dos estados
federados. Isso mostra bem qual o conceito de direito que orientou a decisão de
Holmes. Não se trata de decidir qual a melhor política pública, mas de respeitar a
escolha do legislador e os limites do poder da União diante dos Estados.
Na verdade toda sua dissenção é baseada em duas críticas.
Em primeiro lugar, Holmes ataca a falta de fundamentação da decisão dos seus
colegas. Afirma não haver coerência entre outras decisões da corte e o caso Lock-
ner. Cita o caso das leis de usura e a proteção do domingo5. Ainda no âmbito da
fundamentação, Holmes apresenta um típico argumento pragmático para o direito.
Proposições gerais não decidem casos concretos (HOLMES, 1992, p. 306).
O essencial do argumento é que apenas alegar a existência de uma proibição
geral como a da décima quarta emenda não seria suficiente para justificar a incons-
titucionalidade de leis trabalhistas. Afinal, uma interpretação assim significaria que
qualquer limitação à liberdade seria essencialmente inconstitucional e isso seria
absurdo para Holmes.
Focado numa ideia de coerência, destaca as sunday laws como precedentes para
a limitação da liberdade nas relações de trabalho. A questão é que seria necessá-
rio justificar por que essa restrição em específico deveria ser considerada abusiva
diante do texto constitucional. Segundo Halis (2010, p. 168), “Holmes se inclinava
a deixar as maiorias efetuarem suas decisões, a menos que elas afetassem o que
ele considerava como princípios basilares do procedimento democrático”. Tudo, no
fundo, seria uma questão de ponderação.
5 “This case is decided upon an economic theory which a large part of the country does not entertain. If it were
a question whether I agreed with that theory, I should desire to study it further and long before making up my
mind. But I do not conceive that to be my duty, because I strongly believe that my agreement or disagreement
has nothing to do with the right of a majority to embody their opinions in law”. Também nesse trecho: “Some of
these laws embody convictions or prejudices which judges are likely to share. Some may not. But a Constitution
is not intended to embody a particular economic theory, whether of paternalism and the organic relations of the
citizen to the State or of laissez faire”. (HOLMES, 1992, p. 306.)
6 Trata-se, obviamente, de um preconceito anticapitalista. Em 1954, Mises escreveu: “O fato é que hoje,
governos, partidos políticos, professores e escritores, ateus militantes e teólogos cristãos são prati-
camente unânimes em rejeitar apaixonadamente a economia de mercado e em louvar os supostos
benefícios da onipotência do estado”. (MISES, 2010)
Nesse sentido, afirma que a intervenção “é uma norma restritiva imposta por um
órgão governamental, que força os donos dos meios de produção e empresários a
empregarem estes meios de uma forma diferente da que empregariam”. Por isso, as
medidas “que são tomadas com o fim de preservar e assegurar a propriedade privada
não são propriamente intervenções” (MISES, 2010, p. 19-20).
Regra geral, constitucionalistas brasileiros entendem que os direitos sociais de-
vem ser interpretados como intervenção estatal, e, mais do que isso, entendem que
certos serviços públicos devem ser efetivamente realizados pelo estado (fugindo do
conceito de intervenção de Mises). Em alguns casos, defendem também a sua apli-
cabilidade imediata pelo Judiciário, obrigando o estado a prestar o serviço:
Tais autores normalmente não fazem só uma análise dogmática de que a constitui-
ção prevê direitos sociais prestacionais, mas também fazem a defesa dessa constituição,
ignorando as críticas que os liberais fazem do excessivo peso da atividade estatal tanto
do ponto de vista da eficiência econômica como do sufocamento da liberdade, além do
aumento da carga tributária, no caso dos serviços prestados pelo estado.
Por isso argumentam, no fundo, que qualquer diminuição de direitos sociais se-
ria um atentado à dignidade humana e, portanto, necessariamente inconstitucional.
O princípio da vedação do retrocesso decorreria tanto da ideia de segurança jurídica
quanto da ideia de dignidade humana. Trata-se de uma reinterpretação da noção de
direito adquirido. Ele vai além do ativismo judicial na interpretação da força norma-
tiva dos direitos sociais, que considera a pertinência da determinação de políticas
públicas específicas por parte dos juízes, fenômeno que, no Brasil, ganhou, inclusive,
a crítica de Canotilho:
5 Conclusão
Numa visão pragmática do direito, o princípio da proibição do retrocesso social
deve ser visto como uma tentativa de imposição de posturas ideológicas antiliberais
e, mais do que isso, uma abordagem que leva ao fim do debate por meio da substi-
tuição do argumento político pelo jurídico, engessando a possibilidade de mudança
constitucional em favor de mais liberdade ou de menos paternalismo.
A evidente defesa do estado social por parte dos constitucionalistas não deve
ser censurada, não como resposta a um discurso político. Os juristas podem e devem
ter posições políticas e defender modelos econômicos que entendam mais justos
ou eficazes. Esse debate também deve ser objeto de atenção dos juristas. O que se
pretende fazer aqui é censurar a tentativa de ocultar o discurso político usando a
máscara da dogmática constitucional.
Há dois problemas fundamentais no discurso de defesa do princípio da proibi-
ção do retrocesso social. Em primeiro lugar, ele ignora solenemente qualquer contri-
buição que os autores liberais possam dar ao debate sobre os direitos sociais. Além
disso, também ignora a contribuição do próprio Canotilho sobre a necessidade de
a teoria jurídica da constituição manter aberta a possibilidade de mudança. Esses
dois problemas levam à conclusão de que a adoção de tal princípio não decorre de
uma visão pragmática do direito, mais cética ou falibilista, mas sim de uma visão
essencialista claramente defensora do intervencionismo estatal.
Como vimos, o pragmatismo de Holmes é uma visão do direito tipicamente
empirista e historicista. Nessa perspectiva, se, no início do século XX, argumentos
essencialistas foram usados para barrar mudanças na interpretação mais liberal (li-
beral no sentido clássico) da constituição americana, também no caso dos direitos
sociais não deve existir uma salvaguarda absoluta contra mudanças sociais em favor
de um estado menos interventor.
Todavia, a despeito das posições políticas que os juristas têm, não é possível
justificar uma cláusula como a proibição do retrocesso nem no seu aspecto legal,
nem no constitucional. Tentar barrar uma mudança constitucional usando um princí-
pio que supostamente estaria além da política é só uma tentativa de enfatizar suas
posições ideológicas. O debate franco e democrático sobre as melhores escolhas
(maior ou menor intervenção do estado, mais verbas para saúde ou para presídios)
é, pragmaticamente falando, mais útil a uma sociedade plural e que leva em conta
as mudanças e necessidades históricas.
Nesse sentido, o primeiro problema apontado é determinante na defesa do
Vejamos o exemplo da Alemanha. Andreas Krell deixa claro que, mesmo tendo
a Alemanha do pós-guerra se configurado num tipo de estado social que “já ultra-
passa nas suas finalidades o modelo clássico do Welfare State”, a Lei Fundamental
de 1949 não incorporou nenhum ordenamento dos direitos sociais da segunda ge-
ração, ou seja, dos trabalhadores, educação, saúde ou assistência social, fato que o
Professor Krell atribui “às más experiêcias com a Carta anterior de Weimar”, símbolo
do estado social do início do século XX.
Ou seja, apesar de ser vista, no mundo, como uma das primeiras a introduzir
direitos sociais e prestacionais em seu texto, a Carta de Weimer é vista pelos doutri-
nadores alemães contemporâneos como uma carta fracassada, pois teria contribui-
do para a radicalização da política alemã e para a tomada de poder pelos nazistas
(KRELL, 2002, p. 45).
Além disso, não se pode deixar de levar e conta o momento da elaboração das
constituições e, especificamente, como o contexto social e político da época influenciou
a inflação de direitos sociais na constituição brasileira. Ao fim de uma ditadura militar
combatida pela esquerda, os princípios liberais ainda estavam em baixa, notadamente
no que diz respeito aos contratos e à economia. Como disse Canotilho, “o ‘Muro’ ainda
não tinha caído e as propostas económicas keynesianas só, havia pouco tempo, sofriam
o vendaval político e teórico do neoliberalismo”(CANOTILHO, 2008, p. 210).
Como se vê, a questão não envolve necessariamente a escolha pelo liberalismo
econômico, pois o ponto central do debate é metodológico. Envolve a aceitação das
diferenças e o reconhecimento de que o modelo de estado social intervencionista
pode ser criticado e eventualmente substituído por decisão da comunidade. Uma
visão mais cética e falibilista do direito.
Porém, não se pode negar que, no mesmo sentido metodológico, é possível se
falar numa aproximação entre pragmatismo e liberalismo. Se, para Holmes, a me-
lhor política vencerá o debate de ideias, tal como na sua defesa da liberdade de ex-
pressão, o seu pragmatismo permite que ideias não sejam rechaçadas de antemão e
que elas possam ser testadas na prática, não devendo o direito ser um obstáculo de
coerção contra esses experimentos sociais. Principalmente quando são ainda con-
troversas, não deveria ser papel do juiz impedir que diferentes ideias travem sua ba-
talha pela consolidação no direito, desde que elas não violem “princípios basilares”:
As law embodies beliefs that have triumphed in the battle of ideas and then have
translated themselves into action while there still is doubt, while opposite con-
victions still keep a battle front against each other, the time for law has not come;
the notion destined to prevail or not yet entitled to the field. It is a misfortune if
a judge reads his conscious or unconscious sympathy with one side or the other
prematurely into the law, and forgets that what seem to him to be first principles
are believed by half his fellow men to be wrong.7 (HOLMES, 2010b, p. 295)
7 “Como o direito incorpora crenças que triunfaram na batalha das ideias e, em seguida, traduziram-se em
ação, enquanto ainda há dúvidas, enquanto convicções opostas ainda mantém uma frente de batalha
umas contra as outras, o tempo para o direito não chegou; a noção destinada a prevalecer ou não ainda
tem direito estar em campo. É um infortúnio quando um juiz interpreta a sua simpatia consciente ou
inconsciente com um lado ou outro prematuramente como direito, e se esquece de que o que lhe pa-
recem ser princípios fundamentais são tidos como errados pela metade seus colegas” (Tradução nossa).
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