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TERRITÓRIO E REFORMA PSIQUIÁTRICA: INVESTIGANDO OS CENTROS DE

ASSISTÊNCIA PSICOSSOCIAL (CAPS) EM NITERÓI/RJ

LUCAS TAVARES HONORATO

RESUMO
Palavras-chave:

APRESENTAÇÃO DO TEMA
Este projeto busca inserir-se na interface entre Geografia e Saúde Mental com o
objetivo de compreender o papel do território tanto nas práticas e ações da rede de Saúde
Mental do Município de Niterói/RJ, especificamente os Centros de Assistência Psicossocial
(CAPS), quanto seu fundamento na construção de diferentes formas de existência.
Traçado o “norte”, nos questionamos: afinal, que relações a Geografia pode tecer entre
Espaço e Existência para pensar o Homem além do fato trágico de seu destino1? Que
ferramentas do saber geográfico podemos fazer uso, e que relações com os outros campos da
ciência podemos traçar, na construção de outras possibilidades de Existência?
Mas, por que o território?
A relação entre a evolução do pensamento sobre loucura e o território são viscerais.
Com o surgimento da modernidade e a hegemonia do modelo cartesiano de sujeito,
ocorre uma mudança fundamental no significado da loucura. Na “Era das Luzes”, do
Iluminismo e com o avanço da “sociedade da razão”, despojada de sua condição trágica
(desde a Antiguidade), a loucura foi redescoberta como “desrazão”. Sob o reinado do “mundo
iluminado” da Razão travestida de paradigma, a noção de normalidade operou no louco2 a
perda de sua condição enquanto sujeito – fato que, inclusive vem a justificar os modos de
exclusão e tratamento dos “desviantes”. Se a loucura até a Era Clássica fazia parte da
paisagem da pólis, agora, junto com os outros personagens incapazes de fazerem parte do

1
Utilizaremos a noção de destino em Foucault (2004 e 2006, mais especificamente), onde este é representado
pela rede de dispositivos que se constitui o poder. Trata da tragicidade dos sujeitos frente as condições que
nos determinam. Trata da reinvenção do fado que nos toca. Em Foucault, “o destino se mostra (...) como uma
fatalidade para a qual temos que forjar ferramentas de superação, embora sem garantia de que será possível”
(SANTOS, 2010, p. 99).
2
A exemplo de Dione Maria Menz, em seu artigo “A loucura é universal, mas o cuidado é territorial” (2011),
faremos referência em todos os momento a categoria “loucos”. Trata-se de uma estratégia política de negação
do caráter pejorativo e discriminatório da noção, adotando a perspectiva de Paulo Amarante, em seu livro
“Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil” (1995): “todos partilhamos desta categoria,
afinal somos ‘loucos pela vida’, ‘loucos pela causa’, ‘loucos de alegria’”.
1
contrato social (inventados “marginais” da sociedade de ideologia burguesa) são reduzidos ao
silêncio [por que irracionais] e a sombra [por que inumanos] dos asilos. Em Doença Mental e
Psicologia (1968: 78), Foulcault escreve:

“[Século XVII] Criam-se (e isto em toda a Europa) estabelecimentos para a internação que
não são simplesmente destinados a receber os loucos, mas toda uma séria de indivíduos
bastante diferentes uns dos outros, pelo menos segundo nossos critérios de percepção:
encerram-se os inválidos pobres, velhos na miséria, os mendigos, os desempregados
opiniáticos, os portadores de doenças venéreas, libertinos de toda espécie, pessoas a quem a
família ou o poder real querem evitar um castigo público, pais de família dissipadores,
eclesiásticos em infração, em resumo todos aqueles que, em relação à ordem da razão, da
moral e da sociedade, dão mostras de ‘alteração’. É com este espírito que o governo abre, em
Paris, o Hospital Geral, com Bicêtre e La Salpêtrière; um pouco antes São Vicente de Paula
tinha feito do antigo leprosário de Saint-Lazare uma prisão deste gênero, e logo depois
Charenton, inicialmente Hospital, alinhar-se-á nos modelos destas novas instituições. Na

França, cada grande cidade terá seu Hospital Geral.” 3

A loucura só será novamente problematizada sob a liderança de Philippe Pinel (então


responsável pelo serviço de alienados do Hospital Geral de Bicêtre, em Paris) no contexto da
Revolução Francesa (XVIII) e seus ideais racionalistas e humanitários de liberdade, igualdade
e fraternidade. A loucura adquire o status de doença (no sentido exclusivamente patológico)
que, como outras pode e deve ser sanada com o tratamento adequado, efetuando a
particularização do sujeito alienado4. Surgem os “asilos de alienados”, espaço exclusivo de
tratamento e cuidado, com vistas a cura5 (que “recuperaria” suas capacidades), possibilitando
a reinserção no meio social6. Nascia a Psiquiatria. O modelo do Tratamento Moral de Pinel7
3
Segundo Michel Foucaul (1972), conferiu-se na Idade Clássica aos loucos o lugar que, durante a Idade
Média, foram reservados aos leprosos. Finda (ou ao menos reduzida) a ameaça representada por estes
últimos, restaram vazios os espaços físicos, sociais e ideológicos que ocupavam, que vieram a ser tomados
por aqueles loucos aos quais se impunha a necessidade de separação do corpo social.
4
O conceito de alienação mental, que Pinel elabora em seu Tratado médico-filosófico sobre a
alienação mental ou a mania (1801 [2007]), não necessariamente significa a ausência de razão, mas a
contradição na razão que inviabiliza aquilo que se aproxima da “Razão Absoluta” hegeliana, apresentada em
“A razão na História – Uma introdução geral à Filosofia da História” (xxxx[2001]). Ainda, era aquele que, na
condição acima exposta, se tornaria incapaz de julgar e escolher, “incapaz mesmo de ser livre e cidadão, pois
a Liberdade e a cidadania implicavam no direito a possibilidade à escola” (AMARANTE, 2009, p. 2)
5
“O projeto de um hospício de alienados não é de modo algum, uma coisa indiferente e que pode confiar
apenas aos arquitetos, o objetivo de um hospital ordinário é tornar mais fáceis e mais econômicos os cuidados
dedicados aos indigentes doentes. O hospital de alienados é um instrumento de cura”. (Esquirol, 1838, apud
Pessotti, 1996, p. 168), ainda: “O internamento de um louco deve tender a dar nova direção às suas idéias e
aos seus afetos e a impedir qualquer desordem, qualquer distúrbio do qual ele possa ser a causa, e para
impedir o mal que ele possa fazer a si mesmo e aos outros, ser for deixado em liberdade. Assegurando-lhe
novas impressões, livrando-se de seus hábitos e mudando seu modo de vida, chega-se aquilo que se destina o
isolamento”. (Ibid., apud Pessotti, 1996, p. 135)
6
O lugar ideal para o “exercício do tratamento moral, da reeducação pedagógica, da vigilância e da
disciplina” (AMARANTE, 2009, p. 2)
7
C.f. PINEL, Philippe. (1801) Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Tradução:
2
seria disseminado e promoveria importantes avanços no campo recém formado 8. No entanto, a
Revolução Industrial (no caso da França, em 1830) viria a expropriar as populações do campo
e joga-las em condições de miséria e pobreza extrema, num processo de explosão das cidades,
superlotando dos asilos. Com isto, o projeto dos “asilos de alienados” e do Tratamento Moral
como atenção terapêutica que se dá de forma individual, se vê cronicamente comprometido. O
resultado foi a redução dos índices de melhoria e a degradação tendencial do espaço asilar,
transformados em depósitos de corpos. O espaço asilar, enquanto dispositivo psiquiátrico,
viria então a refletir/reproduzir em seu interior os mesmos mecanismos opressores que a
sociedade impunha ao alienado.
Neste mesmo contexto (nascimento da ideologia burguesa; consolidação da sociedade
burguesa; nascimento do capitalismo na Europa – que viria a servir de modelo para mundo),
de surgimento da Psiquiatria e do espaço asilar, é que, na Alemanha, Friedrich Ratzel
apresenta sua “Antropogeografia”, em 1882, sendo um dos fundadores da Geografia Moderna
e da Geopolítica. Ratzel desenvolve suas ideias enquanto vivencia o período bismarkeano de
unificação alemã, a guerra franco-prussiana (1871) e as corridas imperialistas. Fortemente
influenciado pelo pensamento positivista e o organicismo darwiniano, busca compreender
qual o fundamento da formação dos Estados-nação, uma Lei Geral do Desenvolvimento dos
Estados e suas tipologias. Parte da relação “orgânica” entre o Estado, o solo (boden; base
material) e o povo, que através do desenvolvimento do sentido do espaço (capacidade de
lucidez sobre os limites e possibilidades, “recursos” e “entraves”, que o espaço oferece, no
sentido de acelerar ou frear o desenvolvimento do Estado; certa lucidez acerca de sua
“condição geográfica”, a nível de potencialidades e limitações do meio) fundaria o Estado. O
surgimento do Estado é visto como um processo natural da organização do povo 9, mas, vai ser
o solo quem vai dar coerência material ao Estado. Desta forma, Ratzel abre no campo da
Geografia as discussões sobre o território, marcadamente compreendido como apropria base
material (vide as noções de estoque de recursos e espaço vital10), que vai dar origem a noção
Joice Armani Galli. Editora da UFRGS. Porto Alegre: 2007.
8
C.f. CASTEL, Robert: A Ordem Psiquiátrica - A idade de Ouro do Alienismo. Rio de janeiro: Graal, 1978.
9
No pensamento de Ratzel, Política é compreendida como a capacidade de mobilização dos Estados, ou seja,
as relações do Estado com o povo, no tocante a capacidade do povo de fazer-se coeso para facilitar ou frear o
Estado.
10
O espaço vital seria a porção do espaço necessária para a reprodução de uma dada comunidade, que
concentra seu estoque de recursos (condições tecnológicas, naturais e demográficas). Assim, a expansão
territorial seria natural dos Estados, visto que havendo o progresso, haveria a exaustão do meio pelo uso
intensificado e pressão demográfica. Contudo, apesar de natural, esta expansão não é determinada, já que
apesar dos processos e demandas que levam a expansão/mobilidade, há uma tensão constante com as forças e
processos que levam ao “enraizamento” (iconografias, simbolismos, representações e discursos sobre a
nação, por exemplo).

3
de território como fundamento da soberania nacional: o território como “aquilo que se
possui” (o tal “território ‘coisificado’); o Estado como unidirecional, o único detentor do
Poder11, única fonte de poder em relação ao controle espacial.
É essa noção de território e Poder (do domínio exclusivo do Estado) que será
hegemônica ao longo do século XX, atravessando a Primeira Guerra Mundial, (1914-1918) e
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), vindo a servir de base para o surgimento da
geopolítica12 nos anos 50, as Ditaduras nos anos 50-60-70 e os devidos processos de
redemocratização, compreendendo todo o período da Guerra Fria (1945-1991).
Apesar desta perspectiva de território que enxerga apenas no Estado o detentor do fato
Político13, no âmbito da política, após a Segunda Guerra Mundial podemos observar diversos
movimentos e debates em várias partes do mundo entorno dos direitos humanos, sociais,
culturais, desdobrados da publicidade das atrocidades dos campos de concentração, tendo nas
liberdades individuais e coletivas o eixo das lutas políticas. Estes movimentos progridem e
avançam na luta e garantia dos direitos ao longo do século XX, tencionando a ideia da
unilateralidade do poder, logo, do território enquanto base material do Estado. Conforme nos
aponta Rodrigo Valverde (2004: 120):
“A partir dos anos 80, os territórios passaram a ser aplicados para representar as atividades
de movimentos sociais urbanos. Com o inchamento das cidades brasileiras na década anterior,
aumentaram também os problemas relativos à superpopulação, a falta de justiça social, a
baixa qualidade de vida, a violência e a desigualdade econômica. O crescimento caótico que
derivou dessa soma de fatores trouxe uma pluralidade de atores e cenários para o espaço
público. Nesse sentido, o discurso sobre o território passa a envolver novas possibilidades ao
se tornar um elemento crucial das reivindicações nas cidades. (...) Para isso, foi necessário
realizar uma rediscussão da validade do estudo territorial. As suas bases teóricas tiveram de
ser renovadas para que esse conceito pudesse realmente realizar um estudo mais rico das
cidades. (...) o território ganhou um sentido diferente, mais amplo, para abordar uma
infinidade de questões pertinentes ao controle físico ou simbólico de determinada área. (...)
[Assim,] os novos estudos exigiram a compreensão de que os fenômenos da organização
sócio-espacial da política eram muito mais ricos do que a mera associação ao território
nacional. As novas interpretações do território permitem uma visualização da cidade em
disputa (...)”

É com o termino da Guerra Fria, no início dos anos 90, que o conceito de território
voltou a ser valorizado e rediscutido. Por um lado, o fim do mundo bipolarizado vai dar

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12
13

4
origem a novos e diferentes tipos de pactos federativos, redefinindo o papel do Estado e as
áreas de influência de suas políticas. Por outro, desde o período da redemocratização das
ditaduras ao longo dos anos 70 e 80, a mobilização social e os movimentos sociais ganharam
um folego importante e vinham progredindo nas lutas e avançando na conquista de direitos.
Tornava-se necessário e urgente a rediscussão e o retorno ao debate acerca do conceito de
território:

“Dissociada dos limites da dicotomia nos circuitos do comunismo e do capitalismo, a


competição pelo território ganhou novas formas e novos sentidos. Na esfera política, tal
competição no território, pelo território e através do território, abre caminho para uma nova
interpretação das representações sociais na cidade. (...) Aliás, a partir de um olhar histórico, é
justamente nos momentos de crescimento excessivo da percepção da competição e de maior
fraqueza da capacidade política de negociação, que o discurso sobre o território ganha maior

dimensão.” (Ibid., 2004, p. 123)


No âmbito da Psiquiatria, fortemente influenciados por diferentes correntes de
pensamento, do marxismo ao existencialismo-fenomenológico, longo do século XX diversos
movimentos colocaram em “xeque” o paradigma psiquiátrico instituído desde Pinel,
questionando não só o modelo hospitalocêntrico, mas também os objetivos, a atuação, o
objeto e o fundamento epistemológico das intervenções. Todos esses movimentos
progressivamente vão operar transformações importantes na dinâmica territorial dos
tratamentos, através de propostas de requalificação e reordenamento do dispositivo
psiquiátrico14 e de seus processos e, com isto, acabam que por possibilitar novos e diferentes
significados e interpretações para as relações entre território e existência. A galope, as
Reformas Psiquiátricas vão como que “descobrindo” o território Progressivamente, vão
“descobrindo” o território. Guiados pela proposta de organização de Paulo Amarante (1995),
Joel Birman e Jurandyr Freire Costa (1994), Izabel Passos (2009) e Marco Aurélio Jorge
(1997), elaboramos quadros sínteses agrupando os movimentos em três blocos:
a) Os movimentos que priorizavam as críticas à estrutura asilar
Movimento Origem Experiência Principais Propostas Dinâmica

14
Compreendemos que apenas a requalificação e/ou reordenamento dos espaços asilares, não promove a
devida subversão do significado e da condição do louco na sociedade. Independente da intervenção,
acreditamos que a preservação do espaço asilar em si já é a preservação dos fundamentos do sistema
institucional asilar (reclusão, tutela e cura) e nos remente diretamente a condição de exclusão,
desumanização e degradação operada pelos Hospitais Gerais – ditos manicômios – do século XIX. Por este
motivo, em todos os momentos que formos nos reportar à espaços, sejam eles de quais qualidades forem e
independente de seus nomes “oficiais” para a devida conjuntura a ser analisada, no processo do tratamento
que envolvam a reclusão do louco, manteremos a terminologia de espaços asilares.

5
Territorial
- Transformação da
instituição psiquiátrica, a
partir da requalificação dos
estabelecimentos
Atuação no espaço
hospitalares (lugares
França Hospital hospitalar, com a
estruturados concretos -
(Déc. 40), Psiquiátrico permeabilidade
Psicoterapia ateliês, espaços de lazer e
com de Saint- deste espaço na
Institucional etc.), buscando a superação
Fraçois Alban comunidade
da verticalidade das
Tosquelles (Lozère) (socialização dos
relações (liberdade de
asilos)
circulação) e da autoridade
do poder médico (contratos
revisáveis de entrada e
saída)
Dinâmica
Movimento Origem Experiência Principais Propostas
Territorial
“Industrial
Neurosis - Adoção de medidas Atuação no espaço
Inglaterra Unit” do coletivas, democráticas e hospitalar, com a
(Déc. 40- Hospital participativas dos difusão da
Comunidades
50), com Belmont pacientes, funcionários e autoridade entre os
Terapêuticas
Maxwell (mais tarde responsáveis para resgatar funcionários,
Jones chamado a função terapêutica do responsáveis e
Hospital hospital pacientes
Henderson)

b) Movimentos que priorizavam a comunidade como lugar de atuação da psiquiatria


Movimento Origem Experiência Principais Propostas Dinâmica Territorial
Hospital - Contestava o Setorização - Tendo o
França
Psiquiátrico dispositivo psiquiátrico hospital como referência,
(Déc. 50),
Psiquiatria Ville-Évrard como instrumento de divide do espaço
com
de Setor (Paris), violência e exclusão e, hospitalar e das cidades
Georges
Hospital com isto, propunha francesas em setores (o
Daumezon
Psiquiátrico levar a psiquiatria à que possibilitaria manter
6
os hábitos e costumes de
cada região na população
VilleJuif população, evitando a
interna). Cada setor teria
(Paris) e segregação e o
uma equipe técnica
Hospital isolamento, onde o
responsável pelo
Psiquiátrico hospital compõe mais
atendimento psiquiátrico
de Balvet um espaço de
da população e o
(Lyon) tratamento
acompanhamento de seus
pacientes
Movimento Origem Experiência Principais Propostas Dinâmica Territorial
- Substitui o objeto da
psiquiatria da doença
mental para a saúde - Criação de Centros de
mental, assumindo a Saúde Mental
Plano possibilidade de Comunitária de caráter
EUA Nacional de intervenção sobre as preventivo cujos
(Déc. 60), Saúde causas e evolução das objetivos eram, promover
Psiquiatria
com Mental, do doenças e, com isto, a Saúde Mental, prevenir
Preventiva
Gerald governo levar a saúde mental a a doença Mental,
Caplan Kennedy toda a comunidade, diagnosticar e tratar
(1963) através de uma atuação precocemente
intersetorial reabilitação e
(articulação com outros reintegração social
setores da sociedade) e
multiprofissional

c) Movimentos instauradores de rupturas na constituição do paradigma psiquiátrico


Dinâmica
Movimento Origem Experiência Principais Propostas
Territorial
Inglaterra - Desospitalização e crítica - Inspirados pelas
"Pavilhão
(Déc. 60), radical do objeto, das Comunidades
21" do
com teorias e dos métodos da Terapêuticas (CT),
Antipsiquiatria Hospital
David Psiquiatria, já que procuravam
Shelly
Cooper, compreendiam que as acompanhar e
(Londres)
Ronald concepções científicas da auxiliar o louco em
7
loucura eram violentas e
desumanas e estavam a
serviço exclusivamente da
alienação política,
econômica e cultura da
Laing e sociedade moderna. Assim, seu processo, mas
Aaron propunham eliminar a em instituições
Esterson própria ideia de doença abertas
mental, compreendida
como fato político e social
desdobrada de relações
desequilibradas no âmbito
familiar
Dinâmica
Movimento Origem Experiência Principais Propostas
Territorial
Psiquiatria Itália Hospital - "Desinstitucionalização", - Criação de
Democrática (Déc. 60), Psiquiátrico com base na demolição do Centros de Saúde
Italiana com de Gorízia e aparato manicomial, Mental integrados a
Franco Hospital propunha não só a extinção outros dispositivos
Basaglia Psiquiátrico do modelo institucionais
de Trieste hospitalocêntrico, mas o (cooperativas de
desmonte de todos os trabalho -
mecanismos psiquiátricos "economia
de exclusão e controle, em solidária"; casas
busca da reapropriação da protegidas ou
"vida" doente. Envolve autônomas -
"colocar a doença entre "grupos-
parênteses" na mobilização, apartamento"; e,
como atores do processo, associações de
dos sujeitos sociais e a usuários, familiares,
transformação das relações técnicos e
de poder entre os pacientes voluntários) de
e as instituições, inserção social,
defendendo o direito à consolidando uma
8
liberdade e
rede territorial de
autodeterminação por parte
serviços de saúde
dos portadores de
mental
sofrimento psíquico

Herdeiros da Segunda Guerra Mundial, os movimentos que “priorizavam as críticas à


estrutura asilar” (Psicoterapia Institucional e as Comunidades Terapêuticas) denunciaram a
“forma degradante como eram tratados os ‘pacientes psiquiátricos’, submetidos ao abandono,
maus tratos e desassistências, e que em muito esta condição se assemelhava a dos prisioneiros
dos campos de concentração [a pouco extintos?]” (MENTZ, 2011, p. 83). Ambos, buscavam a
requalificação e reordenamento do espaço asilar, mas, ambos ainda continuam apoiados na
ideia da centralização do processo de tratamento, segundo o modelo hospitalocêntrico próprio
do dispositivo psiquiátrico tradicional15, que privava pela proteção do louco do “mundo
exterior”. A Psicoterapia Institucional de Tosquelles, vai propor que o espaço asilar se torne
um “espaço terapêutico”, não um lugar da doença, mas da saúde, da vida, da diluição do
poder autoritário do saber médico sobre o doente, promovendo assim, o que Izabel Passos
(2012, p. 5) chamou de “socialização do asilo”. Já a concepção de cuidado em Jones, também
envolvia a requalificação do espaço asilar. Igualmente, também buscava a horizontalização
das relações. Partia da perspectiva do comunitarismo e questionava saber técnico como único
fundamentador do processo de tratamento. Desta forma, buscava relações horizontais como
base para a estruturação de um espaço “orgânico”, onde todos seriam igualmente agentes do
processo. Seus ideais, mesclavam “um sentido coletivista de práticas (...) [e] uma utopia de
intervenção social típica dos modelos institucionais da psiquiatria desde o nascimento do
hospício moderno” (TEIXEIRA, 2012). Em seu conjunto, as propostas acarretaram
transformações interessantes e importantes: o foco na reorganização da estrutura do espaço
asilar veio a promover ao louco uma abertura a cidadania, mas, contraditoriamente, a
manutenção dos dispositivos manicomiais acabou que por não permitir a capilaridade desta
população no cotidiano da cidade, ao contrário, o que propunha era a permeabilidade da
cidade no cotidiano do espaço asilar! Desta forma, se por um lado podemos pontuar relativos
avanços em relação a mortificação16 que a “socialização” e “coletivização” do espaço asilar
produziram, ainda assim, a reforma não reformou, visto a manutenção do dispositivo
15
Tosquelles chega a ser explícito no seu convencimento de que “a fobia da loucura é uma condição natural do
gênero humano. Os grupos humanos são feitos para excluir de seu meio a loucura e é por isso que essa
estória de ação terapêutica na comunidade é uma utopia que precisa ser acompanhada com cuidado.”
(GALLIO E CONSTANTINO, s.d., p. 95 apud PASSOS, 2012, p. 5-6)
16

9
psiquiátrico pautado no espaço asilar só permitiu ao louco operar uma apropriação
pauperizada da sua “vida”, não possibilitando verdadeiramente o desenvolvimento de um
saber sobre seu destino17. Acabou que por apenas “apaziguar” as contradições estruturais do
dispositivo manicomial, para, num segundo momento, reorientar estas contradições sob as
novas condições.
Seguindo por caminhos e perspectivas diferenciadas, foram os “movimentos que
priorizavam a comunidade como lugar de atuação da psiquiatria” quem buscavam avançar
neste sentido de descentralizar o dispositivo psiquiátrico.
Gestada no âmago da própria Psicoterapia Institucional, a Psiquiatria de Setor surgiria
do movimento progressivo de distanciamento entre duas frentes desse movimento, a partir da
publicação do texto de Daumezon e Koechilin, em 1952, nos Anais portugueses de
psiquiatria, até se oporem radicalmente durante a década de 6018. A Psiquiatria de Setor vai
balizar-se na crítica do espaço asilar, entendido como instrumento de exclusão e violência.
Segundo esta linha, a psiquiatria não poderia desenvolver suas práticas de maneira eficaz em
uma estrutura como o espaço asilar, desta forma, propunham uma reorganização da dinâmica
territorial do processo de tratamento, levando a prática psiquiátrica ao louco em sua
comunidade, in loco. Assim, manter o paciente em seu meio social seria um dos fatores
fundamentais para o sucesso do tratamento, tendo o espaço asilar como complementar ao
processo. A noção de “setorização” do atendimento é quem vai dar concretude a proposta.
Trata-se da divisão das cidades francesas em “setores”, áreas geográficas. Igualmente, os
espaços asilares seriam setorizados, de forma pudesse manter neles os mesmos hábitos e
costumes de cada região durante a internação. Desta forma, cada setor teria uma equipe
técnica responsável pelo atendimento da população e acompanhamento dos pacientes,
inclusive durante a internação. A setorização serviria como plataforma não só para o
tratamento, mas também teria papel fundamental na prevenção e na reinserção social. Em si, a

17
Utilizaremos a noção de destino em Foucault (2004 e 2006, mais especificamente), onde este é representado
pela rede de dispositivos que se constitui o poder. Trata da tragicidade dos sujeitos frente as condições que
nos determinam. Trata da reinvenção do fado que nos toca. Em Foucault, “o destino se mostra (...) como uma
fatalidade para a qual temos que forjar ferramentas de superação, embora sem garantia de que será possível”
(SANTOS, 2010, p. 99).
18
Em recente artigo intitulado “Duas versões históricas para a psicoterapia institucional”, publicado nos
Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Vol. 4, nº 9, 2012, Izabel Passos revisa o sexto capítulo de seu livro
“Reforma Psiquiátrica: As experiências francesa e italiana” (2009), e pontua que há duas versões históricas
para a proposta da Psicoterapia Institucional. Uma vertente seria idealizada e experimentada por François
Tosquelles, e envolve propostas teórico-práticas de transformação da instituição psiquiátrica, a partir da
requalificação dos estabelecimentos hospitalares; e a outra, de caráter clínico-psicanalítico, que começa a se
dissociar da Psicoterapia Institucional de Tosquelles, a partir da publicação do texto de Daumezon e
Koechilin, em 1952, nos Anais portugueses de psiquiatria, vindo até a se opor e dar origem na década de 60
ao movimento da Psiquiatria de Setor.
10
proposta já se colocava como política pública planificadora, e assim foi, tornando-se política
oficial de Saúde Mental em toda França. Contudo, ao não fazer a crítica ao poder autoritário
do saber médico (tão valiosa à Psicoterapia Institucional) acabou se tornando um movimento
de “modernização” dos hospitais e de multiplicação de serviços externos, que marcadamente
reproduziam a mesma lógica autoritária do espaço asilar, com diferenças apenas nos tempo
de rotação dos sujeitos (da internação crônica passasse a recorrentes reinternações mais
curtas).
Já a Psiquiatria Preventiva de Caplan, vai servir de base para o Programa Kennedy, na
década de 60, nos E.E.U.U. A “nova psiquiatria” norte americana, veio a ser conhecida como
a Terceira Revolução Psiquiátrica (sendo a revolução freudiana a segunda), ao substituir o
objeto da psiquiatria da doença mental para a saúde mental. Trata-se de assumir a
possibilidade de intervir nas causas e na evolução das doenças, atuando preventivamente na
doença e promovendo a saúde para toda a população. Para tanto, igualmente propõe a
descentralização do processo, mas com base na criação de Centros de Saúde Mental
Comunitária, cujos objetivos eram promover a saúde mental, prevenir a doença mental,
diagnosticar e tratar precocemente, e a reabilitação e reintegração social. Para tal,
introduziram equipes multiprofissionais (psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes
sociais) e adotaram o preceito da intersetorialidade (articulação e integração de outros setores
da sociedade nas ações do programa, tais como escolas, associações, instituições de
assistência social, igrejas, polícia e etc.) para permeabilidade e possibilidade de ampliação do
serviço à toda a comunidade. Segundo Paulo Amarante (1994: 74):
“A nova psiquiatria norte-americana funda a ‘capilaridade multidisciplinar’, que consegue
criar uma tal rede de controle técnico-social nos países de alto nível tecnológico, que é muito
mais penetrante e sutil que o da psiquiatria tradicional, onde a barreira entre a norma e o
desvio se torna sempre mais frágil e discriminante. Esta nova psiquiatria tem um endereço
social, onde o que pesa é a competência do controle técnico sobre as questões sociais,
configurando-se assim na instituição tolerante, que é a outra face da instituição da violência.”
A proposta, acaba “que, por meio da prevenção, produzir uma nova categoria de
doentes (os emotional patients)” (AMARANTE, 1994, p. 73).
Vão ser os movimentos “instauradores de rupturas na constituição do paradigma
psiquiátrico” quem vão propor as mudanças realmente estruturais no paradigma psiquiátrico.
Muito influenciados pelas leituras da Escola de Frankfurt, a Antipsiquiatria de David
Cooper, Ronald Laing e Aaron Esterson, vai propor uma ruptura e uma crítica radical à
própria Psiquiatria, na década de 60, na Inglaterra. Com base nas experiências anteriores, vão

11
argumentar que uma real revolução não viria através da requalificação do espaço asilar,
quanto mais da descentralização do processo do tratamento, é o próprio paradigma
psiquiátrico quem deveria ser abolido, visto que este estaria, desde sua origem, a serviço
exclusivamente da alienação política, econômica e cultura da sociedade moderna. É a própria
ideia de doença mental que deveria ser desconstruída, já que a sociedade é a sociedade a
doente e, ao mesmo tempo, a produtora da doença. Esta condição patológica da sociedade,
refletiria o processo de produção e reprodução de suas contradições no seio familiar. Assim, o
movimento Antipsiquiátrico propõem como ação a desospitalização do tratamento e a
extinção do próprio tratamento (visto não compreenderem a loucura como doença, logo, não
poderia haver processo de cura), e, em contrapartida, propunham a reinserção do louco na
comunidade, na família, onde ocorreria apenas o acompanhamento e auxílio deste, muito no
sentido coletivista de promoção da organicidade entre os atores na caminhada de seus
próprios processos do projeto das Comunidades Terapêuticas de Jones, mas na própria
comunidade.
Bastante influenciado também pelas leituras da Escola de Frankfurt, do próprio
movimento da Antipsiquiatria, mas também de Husserl, Minkowiski, Foucault, Goffman,
Sartre e Gramsci, e com base na experiência em Hospital Psiquiátrico de Gorizia, Franco
Basaglia vai propor, nos anos 60, na Italia, a Psiquiatria Democrática e o projeto de
“desinstitucionalização” (que viria a se concretizar na experiência no Hospital Psiquiátrico de
Trieste). Precisamos apontar pelo menos duas divergências importantíssimas entre o projeto
da Psiquiatria Democrática Italiana e a Antipsiquiatria: primeiro, a Psiquiatria Democrática
não nega a existência da doença, como a Antipsiquiatria, pelo contrário propõe “colocar a
doença entre parênteses”, que
“diz respeito à individuação da pessoa doente, de não ocupar-se da doença
mental, e sim, ao contrário, de tudo aquilo que se construiu em torno da
doença no interior da instituição. É uma inversão da questão psiquiátrica. (...)
[Trata-se de] realizar uma operação prático-teórica de afastar as
incrustações, as superestruturas, produzidas tanto no interior da instituição
manicomial, em decorrência do estado de institucionalização, quanto no
mundo externo (...) em consequência da rotulação social que é formalmente
autorizada pelo saber psiquiátrico.” (AMARANTE, 1994, p. 68 e 70)
Só desta forma seria possível compreender o doente e agir em seu benefício.

12
Em segundo lugar, Basaglia aponta que a perspectiva Antipsiquiátrica ao focar a
produção da loucura na família, acaba que por as relações de poder dispersas na sociedade.
Assim, uma reforma estrutural no sistema psiquiátrico demandaria operar uma luta em duas
esferas: na esfera científica e na esfera política 19. Esta perspectiva se desdobra na noção da
luta contra a institucionalização do ambiente externo (luta política para a transformação no
âmbito da sociedade da sua relação com a loucura) e contra a institucionalização do sistema
institucional psiquiátrico, e na busca por “encontrar um novo tipo de relação entre doente,
médico, equipe e sociedade, onde a instituição psiquiátrica, a psiquiatria e os enfermos sejam
questões reciprocamente compartilhadas” (Ibid., p. 69) e, com isto, torna-se inevitável a
substituição dos muros do espaço asilar por novos espaços e formas de lidar com a loucura.
Segundo Denise Barros (1994, p. 106 apud JORGE, 1997, p. 29-30):
“A complexidade de situações ou da assistência sociopsiquiátrica desenvolvida faz dos CSM
[Centro de Saúde Mental] triestinos estruturas que, segundo o momento e a necessidade de
cada pessoa, adquirem um caráter de serviço médico-ambulatorial, enfermaria de breve
permanência, centro de permanência diurna (hospital-dia) ou noturna (hospital-noite), serviço
sócio-assistencial (alimentação, subsídios, administração e facilitação econômica), ponto de
partida para visitas ou intervenções domiciliares, reinserção no trabalho e lugar para
organização de atividades sociossanitárias, culturais e esportivas do bairro É ainda o lugar
no qual se trabalha a crise e onde são geralmente realizados os tratamentos sanitários
obrigatórios.”
Assim, Marco Aurélio Jorge (1994, p. 30), interpretando Franco Rotelli em Denise
Barros (1994), afirma que:
“o processo de desinstitucionalização não reside nos dias atuais, na remoção dos sintomas,
mas na produção de possibilidades de vida, dentro de um modelo cultural que não seja mais a
custódia ou a tutela, mas a construção de projetos que aumentem as possibilidades e
probabilidades de vida, entendendo assim a terapia como rearlargamento dos espaços de
liberdade últimos do sujeito humano no sentido de sua emancipação, aumentando os estatutos
de liberdade a sua volta.”
E ainda conclui:
“toda busca de transformação nos modelos psiquiátricos não devem se limitar simplesmente a
abolição das estruturas manicomiais, mas a construção de novas formas de possibilidades e
de inventividade, onde os atores envolvidos tenham participação ativa em todos os processos

de mudanças.” (JORGE, 1994, p. 32)

19
“Tais níveis [o da ciência e da política] estão referidos às duas faces da realidade da doença e do estar
doente, isto é, uma problemática psicopatológica (dialética e não ideológica) e uma problemática de
exclusão, de estigmatização social.” (Ibid. 71)
13
Já no ano de 1973, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decide por credenciar
o Serviço Psiquiátrico de Trieste como a principal referência mundial para reformulação dos
serviços de assistência em saúde mental. No ano de 1978, é aprovada na Itália a Lei 180 (Lei
da Reforma Psiquiátrica Italiana, popularmente conhecida como "Lei Basaglia"), que entre as
diversas propostas estabelecia o fechamento gradual dos espaços asilares20 e sua substituição
por serviços psiquiátricos extra-hospitalares21.

Será este modelo da Reforma Psiquiátrica Italiana o principal arcabouço teórico-


prático da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB).
Segundo Rochelle Gabbay (2008, p. 114), o movimento de reforma
“apresenta alguns marcos que não podem deixar de ser referidos, tanto no Brasil quanto no
plano internacional: o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), entre os anos
de 1978 e 1980; a Declaração de Caracas, (OPAS/OMS); as Conferências Nacionais de Saúde
Mental; e a Lei Federal 10.216/2001, mais conhecida como Lei da reforma psiquiátrica. Em
conjunto, constituem referências e configuram o que se convencionou chamar de Movimento
de Reforma Psiquiátrica e Cidadania do Brasil.”
Refletir sobre a Reforma Psiquiátrica Brasileira significa então nos reportar
primeiramente à década de 70, onde germinam os movimentos sociais na área de saúde, em
resposta à mercantilização da saúde e a deterioração drástica dos hospitais e serviços de saúde
e assistência públicos, desde a criação do Instituto Nacional de Previdêncida Social (INPS)
em 1966. A criação do Instituto Nacional de Previdêncida Social (INPS), vai promover
mudanças significativas no sistema de prestação dos serviços de previdência e assistência
social, ao ampliar a cobertura à toda a classe trabalhadora (substituindo os Institutos de
Aposentadorias e Pensões – IAPs22), contudo, seu modelo privatizante pautado principalmente
na contratação de leitos em hospitais privados vai ser alvo de críticas desde sua fundação 23.

20
Na redação original constam “hospitais psiquiátricos”, a saber: “É absolutamente proibido construir novos
hospitais psiquiátricos, utilizar os já existentes como divisões psiquiátricas especializadas de hospitais
gerais, instituir nos hospitais gerais seções psiquiátricas e utilizar como tais seções neurológicas ou
neuropsiquiátricas” (Lei 180/1978, Art. 7, §7)
21
“As intervenções de prevenção, tratamento e reabilitação relativas às doenças mentais são realizadas
normalmente pelos serviços psiquiátricos extra-hospitalares” (Lei 180/1978, Art. 6, §1)
22
Os IAPs surgem no contexto do centralismo do Governo Vargas, na década de 30, de tomada dos sindicatos,
sendo substitutivos das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) anteriormente organizadas pelas
empresas. Com o surgimento dos IAPs, as contribuições viriam a se reportar a autarquia em nível nacional,
centralizadas no governo federal, e sendo organizadas conforme as diferentes categorias profissionais, não
mais por empresas.
23
“Na assistência psiquiátrica, Cerqueira (1984) apresenta os seguintes dados: em 1941 havia 3.034 leitos
privados, já em 1978, este número era de 78.273. Um crescimento de quase vinte vezes, em menos de quarenta
anos. Por outro lado, o número de leitos oficiais permaneceu quase inalterado no mesmo período: 21.079, em
1941 e 22.603, em 19784. O tempo médio de permanência oscilava sempre acima dos noventa dias, indício de
uma duração média de internação alta, favorecendo a institucionalização os pacientes, ou seja, a constituição de
uma população cativa de “consumidores compulsórios” das internações psiquiátricas.” (YASHUI, 2006, p. 28)
14
No âmbito da Saúde Mental, este período nos remonta a organização do Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM)24, vindo a se consolidar como espaço privilegiado
de denúncia, luta e debate da transformação da assistência psiquiátrica, envolvendo diversos
atores do setor, como entidades de classe, profissionais de saúde mental e movimentos sociais
comprometidos com esta causa. Conjuntamente, o movimento de Reforma Sanitária segue
avançando nas críticas e articulações do modelo privatizante instaurado.
Na década de 80, vamos assistir a abertura política do pais e a ebulição e avanço nas
pautas dos vários movimentos sociais na luta por direitos, e, com isto, o ao aumento da
participação de setores representativos da sociedade na formulação de políticas públicas.
Soma-se, a crise institucional e financeira da Previdência Social neste mesmo período, que
leva o Estado a adotar medidas racionalizantes e disciplinantes em relação ao setor privado, e,
ao mesmo tempo, adotar medidas para a reorganização do setor público. Neste contexto, o
Movimento da Reforma Sanitária progride bastante na luta, tendo como marco a 8ª
Conferência Nacional de Saúde, em 1986, cujo relatório final serviria de base para o capítulo
sobre Saúde na Constituição Federal de 1988 e que absorve a pauta de que a saúde seja um
direito do cidadão e um dever do Estado e que se garanta o acesso universal a todos os bens e
serviços que a promovam e recuperem. Este pensamento será absorvido pelo Sistema Único
de Saúde (SUS), que será instituído pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei
Federal 8.808/90, dando base suas duas principais diretrizes: a universalidade do acesso e
integralidade das ações25. Outra transformação importantíssima que a implementação do SUS
vai operar em relação a saúde mental, é justamente a descentralização da autarquia dos
serviços de saúde, sendo o serviço de saúde mental a partir de então de responsabilidade dos
municípios. Segundo BRASIL (2007), caberia agora aos gestores municipais organizar e gerir
a demanda e as articulações da rede de cuidados em saúde mental em seu território.
A importância da 8ª Conferência Nacional de Saúde não se limita ao exposto assim,
especificamente em relação à saúde mental, influenciará a organização, em 1987, da I
Conferencia Nacional de Saúde Mental, que solidificou o projeto da Reforma Psiquiátrica, e o
II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru/SP, que deu origem ao
Movimento da Luta Antimanicomial, com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.
Cabe clarificar, que antes do Congresso, já em 1986, surge o primeiro CAPS - Professor Luiz
24
O movimento tem origem nas denúncias dos trabalhadores da Divisão Nacional de Saúde Mental
(DINSAM) das condições desumanas dos hospitais psiquiátricos no pais, questionando a política e o projeto
de Saúde Mental até então instituído pelo Estado.
25
C.f ESCOREL, Sarah. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Ed. Fiocruz, Rio
de Janeiro, 1998

15
da Rocha Cerqueira26. Ainda, é necessário citar o episódio da Intervenção no Hospital
Anchieta, em 1989 (Santos/SP), que vai dar origem a cinco Núcleos de Assistência
Psicossocial (NAPS) 24h. No contexto internacional das Lutas, em 1990, temos a
proclamação da Declaração de Caracas pela Conferência Regional para Reestruturação da
Atenção Psiquiátrica na América Latina no contexto dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS),
convocada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que forneceu a justificativa
ideológica e cujas recomendações abririam caminho para a discussão de alternativas no
cuidado do doente mental, que respeitassem o preceito de salvaguardar a dignidade pessoal e
os direitos humanos e civis dos pacientes (DESVIAT, 1999). Neste contexto, as Conferências
Nacionais de Saúde se tornaram o grande espaço de disputa institucional e onde o discurso
antimanicomial torna-se hegemônico, por onde, inclusive, se elege como projeto de reforma a
Lei Paulo Delgado, cuja tramitação tivera início em 1989, mas que só seria acatado (com
profundas modificações) em 2001, com a aprovação da Lei 10.216 (“Lei da Reforma
Psiquiátrica”) a partir do substitutivo do projeto original. É na II Conferência Nacional de
Saúde Mental que se consolida uma política de mudança assistencial, transformando os
modelos “experimentais” dos CAPS e NAPS nos exemplos de serviço de saúde mental
transformadores, dando reconhecimento e legitimidade a proposta. Foram regulamentados
anteriormente segundo Portaria Ministerial 224/92, definidos como:
“unidades de saúde locais/regionalizadas que contam com uma população adscrita
definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre
o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro

horas, por equipe multiprofissional.” (BRASIL, 2004, p. 12)


O período de 1992 à 2000 será marcado pela expansão da rede de atenção psicossocial
pautado nos CAPS e NAPS. Ainda, no período de 2001 à 2003, podemos observar não só a
aprovação da “Lei de Reforma Psiquiátrica” (como citamos acima), que previa a extinção dos
espaços asilares27, mas a realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, com a
consolidação do novo modelo e o promulgação do “Programa de Volta Prá Casa” 28,
impulsionando o projeto de “desistitucionalização”. Este período se caracteriza pela
construção e consolidação de redes de atenção à saúde mental de base comunitária 29, de forma
26
Vale ressaltar que no tocante a Reforma Psiquiátrica Brasileira, a re-organização dos serviços de saúde
mental pautados, ocorreram antes da sustentação legal do aparato jurídico.
27
“Manicômios” na redação original
28
 Instituído pela Lei 10.708/2003, “disponibiliza bolsas de auxílio-reabilitação psicossocial para a assistência,
acompanhamento e integração social, fora da unidade hospitalar, de pessoas acometidas de transtornos
mentais, com história de longa internação psiquiátrica (com dois anos ou mais de internação )” (MINISTERIO
DA SAÚDE)
29
Segundo o Portal da Saúde do SUS, tratam-se de serviços que “oferecem cuidados na comunidade e em
16
a substituir o modelo hospitalocêntrico de forma progressiva e programada. De forma
resumida, podemos situar a Reforma Psiquiátrica Brasileira em três momentos:
1º Momento – de 1987 à 1991, com: I Conferência Nacional de Saúde Mental; II
Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental; criação dos primeiros CAPS e
NAPS; Encaminhamento da Lei Paulo Delgado (plataforma da Reforma Psiquiátrica); e a
Declaração de Caracas (no contexto internacional, mas que vai dar coesão e consistência
institucional e política ao projeto);
2º Momento – de 1992 à 2000, com: II Conferência Nacional de Saúde Mental;
Legitimização e expansão dos modelos CAPS e NAPS;
3º Momento – de 2001 à 2003: Lei 10.216 (Lei da Reforma Psiquiátrica); III
Conferência Nacional de Saúde Mental; “Programa De Volta Prá Casa”.
Especificamente em relação aos Centros de Assistência Psicossocial (CAPS), serão
devidamente regulamentados e qualificados segundo a Portaria Ministerial nº 336, de 19 de
fevereiro de 2002. Estabelece no Art. 1, §2º que: “Os CAPS deverão constituir-se em serviço
ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território”. Conforme a
interpretação do Portal da Saúde do SUS, são “serviços em saúde mental públicos e
territorializados (território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das
pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária)”.
Assim, conforme institui o Art. 1, §1º, da Portaria Ministérial, eles tem a função de
atendimento público em saúde mental, onde “deverão estar capacitadas para realizar
prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes
em sua área territorial, em regime intensivo, semi-intensivo e não-intensivo (...)”. Não menos
importante, a legislação incorpora os antigos CAPS e NAPS em suas modalidades: CAPS I,
CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad. Com base no Art. 8º da Portaria Ministerial nº 189, 20
de março de 2002, que inclui na Tabela de Classificação de Serviços 14 da Tabela de Serviços
do SAI/SUS os serviços dos CAPS, podemos observar a descrição de cada modalidade:
- CAPS I: “Unidade com serviço próprio de atenção psicossocial, com oficinas
terapêuticas e outras modalidades de atendimento e capacidade operacional para dar
cobertura assistencial a uma população entre 20.000 e 70.000 habitantes, funcionando
em regime de dois turnos, desenvolvendo atividades diárias em saúde mental.”;
- CAPS II: “Unidade com serviço próprio de atenção psicossocial, com oficinas
terapêuticas e outras modalidades de atendimento e capacidade operacional para dar

articulação com os recursos que a comunidade oferece”.


(http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=24134&janela=1)
17
cobertura assistencial a uma população entre 70.000 e 200.000 habitantes,
funcionando em regime de dois turnos, desenvolvendo atividades diárias em saúde
mental.”;
- CAPS III: “Unidade com serviço próprio de atenção psicossocial, com oficinas
terapêuticas e outras modalidades de atendimento e capacidade operacional para dar
cobertura assistencial a uma população acima de 200.000 habitantes, funcionando
vinte e quatro horas, diariamente, com no máximo 05 (cinco) leitos para observação
e/ou repouso para atendimento inclusive feriados e finais de semana, desenvolvendo
atividades diárias em saúde mental.”;
- CAPSi: “Unidade com serviço próprio de atenção psicossocial, com oficinas
terapêuticas e outras modalidades de atendimento e capacidade operacional para dar
cobertura assistencial a uma população acima de 200.000 habitantes, ou outro
parâmetro populacional justificado pelo gestor local, funcionando em regime de dois
turnos, e desenvolvendo atividades diárias em saúde mental para crianças e
adolescentes com transtornos mentais.”;
- CAPSad: “Unidade com serviço próprio de atenção psicossocial, com capacidade
operacional para dar cobertura assistencial a uma população acima de 100.000
habitantes, ou outro parâmetro populacional justificado pelo gestor local, funcionando
em regime de dois turnos, com leitos para desintoxicação e repouso (02 a 04 leitos),
desenvolvendo atividades em saúde mental para pacientes com transtornos decorrentes
do uso e/ou dependência de álcool e outras drogas.”.
Quanto a noção de território que vai fundamentar todo o projeto de uma rede de
atenção à saúde mental e, por isso os CAPS, BRASIL (2004:11) aprofunda:
“Um país, um Estado, uma cidade, um bairro, uma vila, um vilarejo são recortes de diferentes
tamanhos dos territórios que habitamos. Território não é apenas uma área geográfica, embora
sua geografia também seja muito importante para caracterizá-lo. O território é constituído
fundamentalmente pelas pessoas que nele habitam, com seus conflitos, seus interesses, seus
amigos, seus vizinhos, sua família, suas instituições, seus cenários (igreja, cultos, escola,
trabalho, boteco etc.). É essa noção de território que busca organizar uma rede de atenção às
pessoas que sofrem com transtornos mentais e suas famílias, amigos e interessados. Para
constituir essa rede, todos os recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc.),
sanitários (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho, escola, esporte etc.), econômicos
(dinheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de lazer estão convocados para
potencializar as equipes de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial. (...)
[Sendo] os CAPS (...) dispositivos que devem estar articulados na rede de serviços de saúde e

18
necessitam permanentemente de outras redes sociais, de outros setores afins, para fazer face à
complexidade das demandas de inclusão daqueles que estão excluídos da sociedade por
transtornos mentais.”
Os CAPS vão assumir então o papel estratégico e primário de articulação e elaboração
das redes de atenção à saúde mental (vide Figura 1) através da articulação de duas frentes:
primeiro, atuando na assistência direta e na tessitura e mediação da rede de serviços de saúde,
articulando a equipe técnica, a família e os Agentes Comunitários de Saúde; segundo, na
“promoção da vida comunitária e da autonomia dos usuários, articulando os recursos
existentes em outras redes: sócio sanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas,
empresas etc.” (Ibid., 2004, p. 12). Com base nesta dupla ação,
“(...) farão o direcionamento local das políticas e programas de Saúde Mental: desenvolvendo
projetos terapêuticos e comunitários, dispensando medicamentos, encaminhando e
acompanhando usuários que moram em residências terapêuticas, assessorando e sendo
retaguarda para o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e Equipes de Saúde da

Família no cuidado domiciliar.” (Idem)

19
Figura 1 - Rede de Atenção à Saúde Mental exposta em Brasil (2004, p. 11)

No Município de Niterói/RJ, localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro,


segundo os levantamentos históricos de SOUZA, LIMA e PINHEIRO (2007) e BEZERRA
(2010), o processo de construção da rede de saúde mental do município se inicia em 1991,
com a criação do Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), na Rua Marques de Olinda, 104,
bairro do Centro. Em 1999, cria-se o primeiro CAPS, localizado na Rua Nilo de Freitas, 41,
no bairro do Largo da Batalha. Ambos ainda sob a regulamentação da Portaria Ministerial nº
224/1992. Será só com a instituição da Portaria Ministerial nº 336/2002, que o NAPS do
Centro e o CAPS do Largo da Batalha serão requalificados e adequados a categoria de CAPS
II; o primeiro, agora CAPS Herbert de Souza, sendo referência para os bairros do Centro, São
Domingos, Morro do Estado, Ilha da Conceição, São Lourenço, Santa Barbara, Ponta d’Areia,
Bairro de Fátima, Ingá, Caramujo, Fonseca (até a rua 22 de Novembro) e Vila Pereira
20
Carneiro30; e o segundo, agora CAPS Casa do Largo, sendo referência para os bairros de
Matapaca, Maria Paula, Jacaré, Ititioca, Largo da Batalha, Vila Progresso, Badú, Pendotiba,
Várzea das Moças, Rio do Ouro, Sapê, Piratininga, Cafubá, Itaipu, Cantagalo, Maceió,
Itacoatiara, Muriqui, Camboinhas, Engenho do Mato e Viçoso Jardim . Segundo BEZERRA
(2010, p. 24),
“esses dois dispositivos recebem em média 80 usuários por dia e, atualmente, contam com
consultório para atendimento psiquiátrico, salas para atividades grupais, espaço de
convivência, oficinas terapêuticas, refeitório e sanitários.”
No ano de 2004, fora criado CAPSad Alameda, na Alameda São Boaventura, 129, no
bairro do Fonseca, e é referência para todo o município. Em 2005, criou-se o CAPSi Monteiro
Lobato, na Rua Tiradentes, 8, no bairro do Ingá, que também é referência para todo o
município.
Em Niterói também há dois Serviços Residenciais Terapeuticos (SRTs) 31, sendo: a
Residência Terapêutica Pendotiba, na Estrada Caetano Monteiro, 253, no bairro de Pendotiba;
e a Residência Terapêutica Fonseca, na Rua Magnólia Brasil, 55, casa 1, no bairro do
Fonseca. Ambas são referência para todo o município32.
Segundo BEZERRA (2010, p. 27),
“a partir do ano de 2003, usuários de longos anos de internação hospitalar foram transferidos
de algumas instituições psiquiátricas conveniadas e do próprio Hospital Psiquiátrico de
Jurujuba para o SRT Pendotiba. Atualmente, na casa há seis moradores entre homens e

mulheres.”33

Já no caso do SRT Fonseca,


30
Todos os dados dos territórios adstritos de cada um dos dispositivos da rede de saúde mental do município
de Niterói estão disponibilizados no Programa de Saúde Mental do Município de Niterói
(http://www.saude.niteroi.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=121&Itemid=94)
31
“O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) – ou residência terapêutica ou simplesmente "moradia" – são casas
localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de
transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não. (...) Atualmente, existem 256 SRTs em quatorze estados e
45 municípios do País, onde moram 1.400 pessoas. Estimativas recentes da Coordenação-Geral de Saúde Mental
do Ministério da Saúde apontam a existência de aproximadamente 12.000 pacientes internados que poderiam ser
beneficiários dos SRTs.” (BRASIL, 2004b, p. 6-7)
32
Segundo BRASIL (Ibid., p. 6, 7 e 9): “O número de usuários pode variar desde 1 indivíduo até um pequeno
grupo de no máximo 8 pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional sensível às demandas e
necessidades de cada um. (...) [Acerca do financiamento,] O Ministério da Saúde repassa R$ 10.000,00 (dez mil
reais), a título de incentivo, para cada SRT implementado. (...)Para seu custeio mensal, os recursos originários
das AIH’s podem atingir cerca de R$ 7.000,00 a R$ 8.000,00 (sete a oito mil reais/mês), correspondentes ao
número máximo de 8 moradores por módulo residencial.”
33
“a moradia possui instalações elétricas revisadas, hidráulica e esgoto sanitário em perfeito estado. Sua área
externa, embora não muito grande, permite atividade de pequena jardinagem. Além disso, ela está em uma
região de muitas casas, perto de diversos estabelecimentos comerciais, igrejas, recebe a visita do Programa
Médico da Família e é mediada pelas cuidadoras sociais. Tem duas linhas de ônibus que passam na porta com
freqüência e estando a 10 minutos do CAPS II Casa do Largo, por meio de transporte público.” (BEZERRA,
2010, p. 27)
21
“em 2004, transferiram-se mais pacientes longamente institucionalizados para o segundo
serviço criado no município, o SRT Fonseca. A residência possui oito moradores (4 homens e

4 mulheres) e a maioria estão ligados a atividades e oficinas oferecidas pelos CAPS.” 34

(Idem).
O município também conta com cinco ambulatórios35, sendo:
- Ambulatório Sérgio Arouca, na Praça Vital Brasil s/ nº, no bairro do Vital Brasil, que
é referência para os bairros de Santa Rosa, Vital Brasil, Viradouro, Pé Pequeno, Cubango,
Icaraí, Ingá, Boa Viagem, São Domingos e Gragoatá;
- Ambulatório Engenhoca, na Rua Coronel Guimarães, 784, no bairro da Engenhoca,
que é referência para os bairros da Engenhoca, Barreto, Morro do Castro, Tenente Jardim,
João Brasil, Fonseca (depois da rua 22 de Novembro, Riodades, e Teixeira de Freitas;
- Ambulatório Carlos Antônio da Silva, na Av. Jansen de Melo, s/ nº, no bairro do
Centro que é referência para os bairros do Centro, Bairro de Fátima, Ilha da Conceição, Vila
Pereira Carneiro, Ponta d’Areia, Portugal Pequeno, São Lourenço, Santana (Ponto Cem Rés),
Fonseca (até a 22 de Novembro), Morro do Estado, Caramujo e Santa Barbara;
- Ambulatório Jurujuba, na Av. Quintino Bocaiúva, s/ nº, no bairro de Charitas, faz
parte dos serviços do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e é referência para os bairros do
Cascarejo, Cachoeira, Morro do Cavalão, São Francisco, Preventório, Charitas, Grota do
Surucucu e Jurujuba;
- Ambulatório Pendotiba, na Rua Miguel Pereira Sarmento, 3/204, no bairro de
Pendotiba, que é referência para os bairros de Matapaca, Maria Paula, Jacaré, Ititioca, Largo
da Batalha, Vila Progresso, Badú, Pendotiba, Várzea das Moças, Rio do Ouro, Sapê,
Piratininga, Cafubá, Itaipu, Cantagalo, Maceió, Itacoatiara, Muriqui, Camboinhas, Engenho
do Mato e Viçoso Jardim.

34
“Esse dispositivo conta com uma equipe profissional de uma psicóloga, uma assistente social, cuidadoras
sociais, uma técnica administrativa, um estagiário de psicologia e outra de serviço social, que de quinze em
quinze dias fazem reuniões para discutir assuntos pertinentes a casa. (...) Além disso, contam com serviços
médicos ambulatoriais do município, os quais localizam-se próximos a residência terapêutica, facilitando o
acesso e a plena participação dos usuários. Constata-se que ela está inserida em um ótimo espaço urbano,
próximo a estabelecimentos comerciais, bancos e repartições públicas.”
35
Segundo o Programa de Saúde Mental do Município de Niterói: “Pacientes cuja demanda por atendimento
não se configura com a mesma frequência, intensidade ou permanência em regime de atenção diária
apontados anteriormente na rotina hospitalar ou mesmo extra-hospitalar dos CAPS. Os ambulatórios
prestam-se a fazer a cobertura dessa classe de usuários e funcionam em espaços comuns a outras
profissionais da saúde, em policlínicas onde também operam outras especificidades médicas"
(http://www.saude.niteroi.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=121&Itemid=94).
Ainda, segundo BEZERRA (2010, p. 28): “Dados do site da Fundação Municipal de Saúde de Niterói (FMS)
mostram uma demanda de 1000 usuários mensais nos ambulatórios”.
22
Ainda conta com o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, no bairro de Jurujuba. Duas
outras clinicas privadas conveniadas: a Casa de Saúde Alfredo Neves, na Rua Dr. Sardinha,
162, no bairro de Santa Rosa; e a Instituição Frederico Leomil (Casa de Saúde de Niterói), na
Rua Dr. Paulo Cesar, 7, Santa Rosa. E, por fim, o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico Henrique Roxo, Rua Prof. Heitor Carrilho, s/ nº, no bairro do Centro, responsável
pelo atendimento de pacientes em cumprimento da Medida de Segurança e pela prestação do
atendimento das intercorrências psiquiátricas das unidades prisionais do município.
Toda essa rede de saúde mental de Niterói, que acabamos de dissecar, se articula
através de onze eixos de trabalho, a saber36:
1. Programa de Internação Hospitalar Psiquiátrica:
Programa para internação da população, com assistência integral e realizada através de equipe
multidisciplinar. Abrange o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e as clínicas contratadas (Casa
de Saúde Alfredo Neves e Instituto de Saúde Frederico Leomil).
2. Programa de Atenção Psicossocial para Doentes Mentais Graves – Adultos:
Programa extra-hospitalar de atendimento à população adulta, pela lógica do
acompanhamento territorializado, servindo de referência aos pacientes graves egressos de
internação de longa permanência, como porta de entrada e como meio de ligação com a
atenção básica (CREAS, Abrigos, Conselhos Tutelares etc.). Trabalha-se conforme a
gravidade sintomática (atenção intensiva, semi-intensiva e não intensiva), desde a
“convivência e atenção diária, com atividades coletivas, oficinas terapêuticas de música,
trabalhos manuais, pintura, fotografia e até cinema, atividades externas, grupos de geração de
renda, comemoração de datas festivas e apresentação em seminários. Os usuários têm acesso a
avaliações/consultas médicas regulares, medicação psicotrópica, atendimento psicológico
individual e em grupo e encaminhamento para internação clínica e/ou psiquiátrica quando o
caso assim exige. Os pacientes contam também com uma refeição por turno de permanência
na unidade.”. Abrange os CAPS II Herbert de Souza e CAPS II Casa do Largo
3. Programa de Assistência Ambulatorial:
Programa de atendimento de pacientes menos graves cuja demanda não impacta uma
frequência, intensidade ou permanência, funcionando em espaços comuns a outros
profissionais de saúde. Abrange os ambulatórios: Sergio Arouca, Engenhoca, Carlos Antônio
da Silva, Jurujuba e Pendotiba; o ambulatório do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba como
“ambulatório ampliado”.
36
Tomaremos exatamente como consta no Programa de Saúde Mental do Município de Niterói, disponível em:
http://www.saude.niteroi.rj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=121&Itemid=94
23
4. Programa de Acompanhamento Domiciliar:
Programa de ações territorializadas articuladoras com a finalidade de reinserção social do
paciente e manutenção da ligação entre a unidade de saúde e sua comunidade, de forma a
possibilitar “intervenções em tempo real, potencializando a rede familiar e social”. Abrange
os CAPS II Herbert de Souza e CAPS II Casa do Largo.
5. Programa de Atenção aos Usuários de Álcool e Outras Drogas:
Programa tem a função de “gerenciar território, estruturar e organizar estratégias de
assistência integral a esta população, fomentar discussões com setores da assistência social,
educação, organizações da sociedade civil (OSC), cultura, esporte e lazer e, coordenar o
Fórum Municipal Intersetorial de Atenção aos Usuários de Álcool e Outras Drogas”. Abrange
o CAPSad Alameda.
6. Programa de Atenção à População Infanto-Juvenil:
Programa para estruturar e organizar a assistência à criança e ao adolescente, articulados com
os ambulatórios, com o CAPSad, com a ERIJAD (Equipe de Referência Infanto-Juvenil para
ações de Atenção ao uso de Álcool e Outras Drogas, Conselho Tutelar e o Serviço de
Internação de Criança e Adolescente (SIAC/HPJ. Abrange o CAPSi Monteiro Lobato,
CAPSad Alameda, Ambulatórios e Hospital Psiquiátrico de Jurujuba.
7. Programa de Moradia Assistida:
Programa de casas para receber egressos de longo tempo de internação e que, por isso,
perderam os vínculos familiares, não tendo para onde ir, mesmo recebendo alta hospitalar. “o
objetivo é construir um caminho possível de enfrentamento da vida comunitária e social,
exercitando o direito à cidadania, e o convívio familiar, quando possível. Os moradores são
acompanhados na rede de cuidados clínicos e de saúde mental do município”. Abrange os
SRT Pendotiba e SRT Fonseca, CAPS II Herbert de Souza e CAPS II Casa do Largo e
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba.
8. Programa de Supervisão da Rede Contratada:
Programa de supervisão dos serviços e trabalhos da rede auxiliar contratada, através de
revisita a pacientes e visitas as instituições. Abrange as clínicas contratadas (Casa de Saúde
Alfredo Neves e Instituto de Saúde Frederico Leomil).
9. Programa de Ensino e Pesquisa:
Programa de oferta de estágios, capacitações e treinamentos em serviço para alunos de
graduação, residência médica-psiquiátrica e residência em saúde mental. Abrange todos os
dispositivos.

24
10. Programa de Capacitação Continuada:
Programa em convênio com o Instituto Franco Basaglia (IFB), com vistas a organizar cursos
de capacitação e de aperfeiçoamento e dos profissionais da rede de saúde mental.
11. Programa de Geração de Renda:
Programa de geração de renda “seguindo os preceitos da inclusão social, acessibilidade e
cidadania, tem como objetivo estimular a rede de saúde mental a pautar simultaneamente ao
cuidado clínico-terapeutico específico, uma teia de geração de renda e recursos próprios
voltada para o usuário na sua busca pelo respeito e inserção social e autonomia”. Abrange
CAPS II Herbert de Souza e Hospital Psiquiátrico de Jurujuba.
O Programa de Saúde Mental do Município de Niterói, ao articular sua rede de
dispositivos através de programas de trabalho, acaba que por encaminhar o louco há uma
infinidade de circuitos, durante o processo de tratamento, que já não pode mais ser “acabado”
em matrizes básicas. O próprio processo do tratamento em essência torna-se a operação de
recolocar o louco em sua condição de sujeito. Permitir ao louco a reapropriação de sua vida,
que é um dos preceitos básicos da “desistitucionalização”. Olhando por esta perspectiva, são
as infinitas cartografias que vão se esboçando no cotidiano do louco ao longo das diferentes
formas de apropriação das potencialidades da rede, que, ponto a ponto, vão clarificar as
inúmeras possibilidades de Ser. O fundamento de todos estes processos seria o território.
Mas, de que território estamos falando?
Nos cabe, no âmbito deste projeto, tomar como base empírica o cotidiano dos CAPS
Herbert de Souza e CAPS Casa do Largo, no sentido de compreender quais os significados e
usos do/no território para os diversos atores envolvidos na dinâmica da rede de saúde mental
do município (articuladores, gestores, técnicos, usuários e não-usuários), afim de
problematizar as possibilidades das práticas e ações territoriais na rede, capazes de produzir
mudanças efetivas no cotidiano dos usuários dos serviços que permitam aos usuários
vislumbrar diferentes formas de existência.

JUSTIFICATIVA
Muito da motivação do nosso trabalho parte da leitura do artigo de Pierre Monbeig
“Os modos de pensar na Geografia Humana” (1957), onde o autor aponta que no estudo da
Geografia:
“Torna-se necessário que o homem seja verdadeiramente considerado como
outra coisa além de uma casa, de um trator ou de uma estatística. Se o homem,
25
o homem em sociedade, constitui o centro da Geografia Humana, deve
aparecer de maneira total, com seus modos de vida e com seus modos de
pensar, que afinal se confundem [modos de ser]. A limitada tarefa dos
geógrafos deve consistir em explicar a parte dos fatores geográficos na
formação e na evolução dos modos de pensar, das influências que eles exercem
sobre os modos de vida e o peso que estes representam sobre aqueles. Dar
mais atenção a estas pesquisas significará enriquecer a contribuição que a
Geografia Humana pode ser capaz de trazer ao conhecimento do social.”
(MONBEIG, 1957)
(....)

OBJETIVOS
a) OBJETIVO GERAL:
PROBLEMATIZAR as possibilidades das práticas e ações territoriais na rede territorial de
saúde mental do Município, mais especificamente nos Centros de Assistência Psicossocial
(CAPS), capazes de produzir mudanças no cotidiano dos usuários dos serviços e na
construção de novas formas de existência.

b) OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
- AFERIR a permeabilidade dos dispositivos da rede extra-hospitalar no cotidiano dos
usuários e nas comunidades;
- IDENTIFICAR as diferentes representações que a equipe multiprofissional, os usuários e os
não-usuários (familiares e atores envolvidos nas Lutas Antimanicomiais) tem sobre
“território” em relação aos serviços de saúde extra-hospitalares;
- ESBOÇAR um Quadro das condições socioespaciais dos usuários no que se refere aos
“recortes de classe” (condições de habitação, renda, local de origem, grau de escolaridade e
acesso ao mundo do trabalho) em relação ao acesso aos Direitos básicos e a cidadania;
- IDENTIFICAR os atores, movimentos sociais e articulações envolvidas nas Lutas
Antimanicomiais no Município;
- MAPEAR os serviços de saúde mental disponíveis e sua integração com as políticas de

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assistência básica (SUS) e as demais políticas públicas no Município;
- ELABORAR um Quadro Síntese das principais transformações nas políticas de saúde
mental no Município desde a implementação da Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma
Antimanicomial), que visa substituir o paradigma psiquiátricos pelo paradigma psicossocial;
- DELINEAR a evolução histórica das políticas e intervenções em saúde mental no Município
e sua articulação com as transformações da cidade e os diferentes paradigmas psiquiátricos;
- ELABORAR um Quadro Síntese dos principais movimentos de Reforma Psiquiátrica no
mundo, a fim de compreender suas influências na Reforma Psiquiátrica Brasileira e suas
relações com o “território”.

BASE TEÓRICO-CONCEITUAL E METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO


Conceitos Básicos
 Território
 Desinstitucionalização
Conceitos Auxiliares
 Produção do Espaço (focado na dialética dominação-apripriação-desvio)
 Rede e Lugar
 Cidadania (em Marshall)
 Cotidiano (Heller? Lefebvre? “Situacionistas”?)
Metodologias:
 Levantamento bibliográfico
 Entrevistas
 Grupos Focais

VIABILIDADE E CRONOGRAMA

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Fases Levantamento Sistematização
Levantamento
de campo das Qualificação
bibliográfico informações
Períodos

1º Semestre XXXXXXXX XXXXXXXX

2º Semestre XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX

3º Semestre XXXXXXXXXX

4º Semestre XXXXXXXX XXXXXXX

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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