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GRANDE DO SUL
IJUÍ (RS)
2013
0
MARIELI DALLA ROSA
Ijuí (RS)
2013
1
MARIELI DALLA ROSA
Banca examinadora:
___________________________________________________
___________________________________________________
Lídia Allebrandt
Conceito: ___________________________________
2
DEDICATÓRIA
3
AGRADECIMENTOS
4
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo refletir sobre a infância e os
direitos da criança através de pesquisas feitas com autores como Corsaro (2009),
Sarmento (2009) e Kramer (2009) os quais entendem a infância como categoria social,
geracional e que a criança, além de ser produto de cultura também é produtora dela. Nas
entrevistas feitas com crianças da educação infantil é possível observar que o brincar
está fortemente presente na sua vida cotidiana, tanto na escola quanto em casa e o
direito de brincar está assegurado pelas leis, Estatuto da Criança e do Adolescente e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394/96, as quais defendem e
protegem os direitos das crianças.
Palavras-chave: criança; infância; direitos; escola infantil; brincar
ABSTRACT
This course conclusion work aims to reflect on childhood and children's rights
through surveys of authors such as Corsaro (2009), Sarmento (2009) and Kramer (2009)
who understand childhood as a social category, and generational the child as well as
being the product of culture is also producing it. In interviews with children in early
childhood education can be observed that the play is strongly present in your everyday
life, both at school and at home and the right to play is guaranteed by law, the Statute of
Children and Adolescents and the Law of Guidelines and Bases National Education
Law No. 9.394/96, which defend and protect the rights of children.
Key-words: child, childhood; rights; kindergarten; playing
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................7
6
INTRODUÇÃO
A infância é a primeira etapa da vida de todos os seres humanos e é nessa fase que
se aprende valores e conceitos que serão levados para a vida toda. As crianças são
cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e são nela produzidas.
Nesta perspectiva, refletir sobre a infância em sua pluralidade dentro da escola é,
também, pensar nos espaços que têm sido destinado para que a criança possa viver esse
tempo de vida com todos os direitos e deveres assegurados.
Foi neste sentido que por meio da pesquisa com alguns autores, busquei mostrar
um pouco de como a infância é retratada na escola e se os direitos da criança são
assegurados como previstos em leis.
No primeiro capítulo, contextualizei a infância a partir de leituras feitas por
autores como Corsaro (2009), Sarmento (2009) e Kramer (2009) os quais entendem a
infância como categoria social, geracional e que a criança, além de ser produto de
cultura também é produtora dela. Afirmam e alertam sobre a necessidade de o adulto
ouvir a criança, pois a criança fala. Refletir sobre infância, nesta nova perspectiva, hoje,
é condição para se planejar a prática educativa na Escola Infantil e para implantar um
currículo pautado no sujeito.
Há, na maioria dos discursos acerca da infância, a convicção de que uma nova
escola para a infância é necessária e possível. No entanto, percebe-se que na prática, ao
observar cotidianos escolares, pela sua organização, projeto e relação professora -
crianças, escola e família, entre outras variáveis, esta escola ainda é um espaço pensado,
organizado pelos adultos e que a criança, embora bem cuidada, ainda não exerce um
papel de protagonismo.
O segundo capítulo, traz as políticas públicas que evidenciam os direitos da
criança, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 9.394/96 de
20 de Dezembro de 1996, assegura que a educação infantil é dever da família e do
Estado e tem a finalidade do pleno desenvolvimento do educando. O ensino será
ministrado com igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, além de
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Nº 8.069 de 18 de Julho de 1990,
protege a criança e o adolescente, assegurando-lhes todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
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social, em condições de liberdade e dignidade. A lei prevê todos os direitos assegurados
às crianças e adolescente, tais como o direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, assegurando-lhe o direito de acesso e permanência na
escola, respeito por seus educadores, o acesso gratuito a escola pública próxima de sua
residência.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Resolução Nº 5 de
17 de dezembro de 2009, afirmam que cabe ao estado o dever de garantir a educação
infantil pública, gratuita e de qualidade, pois a criança, sendo um sujeito histórico e de
direitos constrói sua identidade pessoal e coletiva através das vivências, brinca, imagina,
fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos
sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
O terceiro capítulo foi desenvolvido com base nas entrevistas feitas com crianças
da Educação Infantil e foi possível observar que o brincar está fortemente presente na
sua vida cotidiana, tanto na escola quanto em casa. Ao desenvolver a presente pesquisa,
sempre tendo como objetivo construir argumentos em defesa da criança como sujeito de
direitos, percebi que, independendo dos autores e ou das propostas lidas, em uma
situação ou outra, o brincar era destacado como sendo uma das principais características
da infância e que o mesmo se constitui em um dos pilares das propostas para a
Educação Infantil.
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EM DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA
Eu sinto
À flor da pele,
Segurança quando você me abraça, quando me beija e me aconchega, quando
conta uma história e canta pra mim.
Alegria quando você está comigo, olha pra mim, brinca comigo.
Tristeza quando as pessoas à minha volta brigam, me colocam de castigo.
Medo de escuro, de gritaria, de balas, de bombas, de ficar só, de perder você.
Perdido quando ninguém me entende, as pessoas não prestam atenção em mim,
quando saio da minha estrada.
Preso, afogado, reprimido quando não posso dizer o que penso, ou fazer o que eu
quero; quando sou violentado com palavras, agressões físicas ou restrições.
Livre quando posso ser eu mesmo, fazer o que sinto, o que penso, o que quero,
como posso e como quero.
Confuso quando você faz uma coisa, mas diz outra.
Eu penso
Por mim mesmo
Que as crianças precisamos de mais atenção e amor.
Que os jovens precisamos de mais compreensão e amor.
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Que os adultos precisam de olhos para ver e enxergar mais longe, e enxergar mais
perto do coração; e de ouvidos mais apurados; e de um coração mais aberto; e
tocar, dançar, cantar...
Que tem tanta coisa errada e tantos problemas...
Que temos muita luz mas...
Que estamos mergulhados na escuridão.
Que as pessoas não pensam: jogam lixo onde não devem, matam, se matam.
Eu quero
Mais...
Brincar.
Dizer o que penso.
Fazer o que quero.
Saber até onde posso.
Você junto de mim.
Meus amigos por perto.
Ouvir histórias.
Verdade.
Ter mais... a sua atenção.
Transformar este mundo.
Fazer um novo atlas da vida...
Eu
Vivo
Brinco.
Pinto, desenho, modelo.
Jogo.
Faço de conta que...
Viajo a outros mundos.
Peço para que...
Pesquiso e descubro o mundo.
Amo.
Brigo.
Sobrevivo.
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Reajo para não ser machucado.
Fico doente de tristeza, de raiva, de medo.
Apronto para ser e aparecer.
Bebo, me drogo para fazer de conta que... ou para fugir...
Eu
Estou num mundo estranho...
Num mundo de imagens.
Num mundo virtual.
Num mundo poluído.
Num mundo em guerra (que muitas vezes começa na sala da minha casa...)
Num mundo de medo.
Neste mundo...
Eu digo
Do meu jeito...
Pintando.
Brincando.
Dançando.
Sonhando.
Cantando.
Olhando.
Escrevendo.
Ficando em silêncio...
Gritando.
Chorando.
Eu vejo
Coisas que só eu vejo
Através de você.
Um mundo invisível.
O que você já esqueceu...
Eu preciso
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De amor.
De alimento.
De descanso.
De sonhos.
De luz.
De calor.
Ver e enxergar.
Ouvir e escutar.
Tocar e sentir.
Tentar e experimentar.
Errar.
Ter coragem, ultrapassar.
Aprender.
Compreender.
Crescer.
Estar.
Ser.
De você.
Eu peço
Olhem para mim e me veja por dentro.
Me ouça e tente me entender.
Eu sou
Assim mesmo.
Criança.
Jovem.
Inteiro.
Eu sou.
E você? (FRIEDMANN, 2005).
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1. CRIANÇA SUJEITO DE DIREITOS
O poema nos traz uma série de elementos para refletir sobre a infância e sobre a
educação desta criança. A poesia nos faz pensar sobre o que tantos educadores dos
“estudos culturais”, como Sarmento (2009), Corsaro (2009), Krammer (2009), Cruz
(2008) afirmam a infância como categoria social, geracional e que a criança, além de ser
produto de cultura também é produtora dela. Afirmam e alertam sobre a necessidade de
o adulto ouvir a criança, pois a criança fala. As pesquisas destes autores, já não se
limitam às pesquisas acerca da infância, mas privilegiam pesquisas com as crianças. O
processo de escuta está apontando que a criança pode participar de seu processo de
aprendizagem e desenvolvimento de forma mais efetiva do que se possa imaginar.
O importante é que estas pesquisas já estão referendando novas pedagogias para a
infância. Basta observar os textos das políticas públicas para a educação Infantil e os de
proteção da infância (ECA). Nestes documentos, a criança é considerada um sujeito de
direitos, que tem direito à vida, à saúde, à família, à identidade, a um lar, à alimentação,
à vestimenta, à proteção, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e
comunitária, à cultura, ao esporte e ao lazer entre esses direitos.
Refletir sobre infância, nesta nova perspectiva, hoje, é condição para se planejar a
prática educativa na Escola Infantil e para implantar um currículo pautado no sujeito. É
fundamental que o educador se indague frente a algumas questões imprescindíveis para
a organização de sua prática, entre as quais destacamos: Como percebemos a criança?
Qual é o papel social da infância na sociedade atual? Que valor é atribuído às crianças
por pessoas de diferentes classes e grupos sociais? E a criança será que concorda com
isso?
Segundo Charlot (1970 apud Feil 2011) a criança não se resume a ser alguém que
não é, e nem a priori o que se tornará quando adulto, fazendo-se necessário reconhecer
o que é específico da infância e reconhecer que o poder de imaginação, a fantasia, a
criação e a brincadeira são experiência de cultura.
Permitir que a criança fale, favorece entendê-las e também ver o mundo a partir
do seu ponto de vista, o qual certamente não é o mesmo que o adulto vê. A infância,
mais que estágio, é categoria da história: existe uma história humana porque o homem
tem infância. (Feil, 2011 p.8).
Este olhar sobre a infância possibilita ver as crianças pelo que são no presente sem
se valer de estereótipos, ideias pré-concebidas ou de práticas educativas que visam
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moldá-las em função de visões ideológicas rígidas de desenvolvimento e aprendizagem.
Como defende Walter Benjamin (1987 apud Feil 2011 p12):
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Ela se espalha por todo o mundo através das culturas infantis, da
manifestação de suas obras tridimensionais, dos desenhos inventivos que
também mostram a tridimensionalidade do real, do imaginário, dos jogos e
dos movimentos que ocupam o espaço em tempos diferenciados do tempo do
capital.
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A infância é uma produção histórica que se constitui através de imaginários e
verdades por ela vivida. As imagens e as verdades da infância com que a pedagogia se
construiu também são construções históricas.
Os estudos que interrogam a pedagogia,
A criança por muito tempo foi posta pela sociedade como um adulto em
miniatura, alguém que não sabe de muitas coisas, mas que através da modernidade a
sociedade adulta passou a perceber a criança como um “outro distinto”. Assim é
possível repensar um diálogo de caráter social e cultural com educadores para ampliar
essa visão pedagógica que tende a ver a criança ou adolescente como aluno, aprendiz
em percursos individuais, solitários de ensino-aprendizagem.
Arroyo afirma que a imagem que nós adultos construímos da infância como “um
outro” não falante, imaturo, sem razão, através de nossa experiência adulta revemos
essas imagens de adulto e descobrimos que estamos sempre aprendendo a falar, que não
sabemos tudo e descobrimos que nunca acaba nossa experiência de infância.
Além de Miguel Arroyo, faz-se necessário agregar a este educador nomes como
Corsaro (2009) que defende “a cultura de pares”, reforçando a tese de que as crianças
produzem cultura, se constituem em interação com outras crianças, através de
brincadeiras de dramatização nas quais a criança não imita simplesmente o adulto, mas
anteriormente elabora os modelos dos adultos para atender os seus próprios interesses
ela assume papel de poder e se utilizam dele para projetar o futuro e pensar quando
terão poder e controle sobre si mesma e sobre os outros. Corsaro (2009, p. 34) afirma
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que os jogos de papéis também permitem que a criança faça experiências sobre como
diferentes tipos de pessoas da sociedade agem e se relacionam entre si.
Na convivência do lar a criança pequena percebe as informações que ficam
implícitas na fala dos pais, por exemplo, uma criança que não frequenta escola sabe que
os professores são poderosos e dizem às crianças o que elas devem fazer, através da
escuta de conversas dos adultos. As informações que a criança escuta não
necessariamente tem que vir dos pais, ela as obtêm através da televisão em um desenho
animado ou uma brincadeira de adultos sobre crianças que não se comportam bem na
escola.
Segundo Corsaro (2009) a criança antes de brincar elabora suas próprias regras e
descreve o que cada um vai ser e o que tem que fazer, mas sempre utilizando o adulto
como referência. Elas criam e compartilham, emocionalmente o poder e controle que os
adultos têm sobre elas e esse jogo de papéis envolve além da aprendizagem,
conhecimentos sociais específicos que envolvem a relação entre contexto e
comportamento. Como argumenta o antropólogo Gregory Bateson (1956) (apud
Corsaro, 2009, p.41) ao brincar de papéis a criança não aprende apenas algo a respeito
da posição social especifica daquele papel, mas “aprende também que existem papéis”.
Sarmento (2001) define criança como categoria social e geracional, apontando
sobre a importância de uma pedagogia da escuta, respeitando-a como pessoa completa,
curiosa e criativa, competente para comunicar o que pensa e sente acerca de variados
temas.
Na obra Em defesa da Educação Infantil organizado por Regina Leite, 2001,
Sarmento em seu artigo A globalização e a infância: impactos na condição social e na
escolaridade escreve:
Na obra organizada por Sílvia Helena Vieira Cruz (2008), intitulada A criança
fala: a escuta de crianças em pesquisas, considera a criança como sendo sujeito da
pesquisa fundamentada em duas convicções: as crianças têm direito a ser realmente
ouvidas e têm uma contribuição insubstituível a dar, pois o conhecimento das suas
perspectivas pode acrescentar informações novas e importantes, que ampliam
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conhecimento sobre a realidade, favorecendo, inclusive, a alteração de concepções
equivocadas que se vem mantendo ao longo do tempo.
Em todas as reflexões pode-se afirmar que a criança precisa ser entendida, como
já afirmado, pelo que é, faz e traz, e não pela falta. Ouvir a criança não é deixar que ela
tenha o controle da situação, a criança é vista como “alguém pequeno que não sabe uma
porção de coisa”, esquecendo, no entanto, que o “o adulto vive no mundo de
insegurança, onde ele também não sabe de muitas coisas” (Sarmento 2011).
Ouvir a voz da criança sem abrir mão do seu papel de adulto é um dos desafios
que o professor encontra. Isso, na opinião de Kramer (2009), significa dar condições
concretas para que a criança viva a plenitude de seus direitos.
Quando falamos da criança como sujeito que produz cultura, estamos também
afirmando que ela pertence a uma classe social e a uma história de um determinado
grupo e isso é determinante. Para produzir cultura infantil a criança precisa de um
ambiente organizado para e com ela e de adultos que lhe ofereçam possibilidades para
que ela produza. Seria um dos grandes desafios das Escolas Infantis e de toda a
sociedade.
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2- O QUE DIZEM AS POLÍTICAS PÚBLICAS?
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A família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público devem
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – afirma que “nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. De acordo com o Art. 15º a
criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas
humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis. Tem direito de brincar, praticar esportes e
divertir-se.
O Estatuto da Criança e do Adolescente no Capítulo II Do Direito à Liberdade, ao
Respeito e a Dignidade traz questões referentes aos direitos da criança, como o respeito
a sua integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Todos nós temos o dever de velar pela dignidade da criança e do adolescente pondo-os a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor, mas cabe aos pais o dever de sustentar, guardar e educar os filhos
menores.
A lei prevê todos os direitos assegurados às crianças e adolescentes tais como o
direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, assegurando-lhe o
direito de acesso e permanência na escola, respeito por seus educadores, o acesso
gratuito a escola pública próxima de sua residência. Aos pais fica o direito de participar
da definição da proposta pedagógica. Ao Estado cabe o papel de assegurar à criança e
ao adolescente o acesso ao ensino fundamental obrigatório e gratuito e ao atendimento
em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade.
Vimos, então, que a criança já tem seus direitos de acesso e permanência na
escola assegurados por lei, mas para que de fato possa realmente usufruir de seus
direitos é preciso “respeitar-se os valores culturais, artísticos e históricos próprios do
contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação
e o acesso às fontes de cultura” (Art. 58, ECA, p.21). Não basta o acesso e a
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permanência, mas a permanência com qualidade e sucesso, pois não se trata apenas de
estar numa escola, mas da criação de espaços que garantam a integridade, sem
ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente, que vão
desde direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e
serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. As
crianças têm direito ao acesso às diversões e espetáculos públicos, assim como ver
programas de televisão desde que sejam adequados a sua faixa etária.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Resolução nº 5 de
17 de dezembro de 2009 (2010) afirma que a educação infantil é:
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também a interação, e o cuidado com os recursos da natureza para que saibam utilizá-
los sem desperdícios.
A partir de 2012, as crianças de 4 a 5 anos passaram a fazer parte da educação
básica, ou seja, obrigatoriedade do estado em garantir o acesso e permanência da
criança na escola. Mais recentemente, em 2013, torna-se lei que a criança de quatro
anos deve matricular-se na escola básica. De acordo com a Lei 12.796 de 04 de Abril de
2013, que altera a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, Art. 4º a educação básica
obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
seguinte forma: II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade.
No Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças da
educação básica a partir dos 4 anos de idade.
Altera o Art. 29º a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade. A educação infantil passa a ser oferecida em pré-escolas, para as crianças
de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
As leis em questão, que foram analisadas estão disponíveis no site do MEC e
estão devidamente atualizadas, o que podemos perceber é que está assegurado em lei o
acesso e permanência das crianças na escola e que é dever da família dar condições
básicas de sobrevivência à elas.
As escolas que ainda não se adequaram às exigências previstas em leis, estão
fazendo as alterações em sua política e na infraestrutura para ficar de acordo com a lei.
Diante dos novos entendimentos sobre a infância, sejam eles legais ou não, cabe à
sociedade organizar-se para atender os desafios postos, pois com sua intervenção é
possível criar uma nova escola, em que a criança seja protagonista na sua construção.
A rede de Ensino já vem apresentando avanços significativos em relação ao
investimento na manutenção e infraestrutura dos prédios para atender as necessidades
das crianças. As escolas vêm recebendo melhorias nos prédios, nas salas de aulas e aos
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acessos, como a construção de rampas para facilitar o deslocamento das crianças com
necessidades especiais. Percebe-se que os brinquedos utilizados nas pracinhas das
escolas estão sendo planejados de acordo com o tamanho das mesmas para dar-lhes
mais segurança e evitar acidentes.
Os professores regentes de turma e auxiliares têm formação continuada oferecida
pelos municípios e estados uma vez por mês, sendo estas coordenadas por profissionais
da educação com especialização e pesquisa no campo da infância a fim de discutir
assuntos do cotidiano escolar e, juntamente com os demais professores, procurar
soluções para os problemas e as dificuldades encontradas no cotidiano da sala de aula.
Estas constatações foram possíveis durante observações e conversas com professores
que atuam em Escolas Infantis do município de Ijuí. Por outro lado, apesar de todas
estas transformações que a escola vem passando, ainda faltam elementos para que ela
seja de fato um ambiente de estudos e não apenas um lugar para a criança ficar enquanto
os pais trabalham. Por muito tempo e ainda é, para muitos pais, esta a função da
Educação Infantil, cabendo aos educadores desenvolver ações que venham romper esta
visão reducionista.
O importante é que parte da sociedade já concebe a escola infantil como um lugar
de aprendizagem, um lugar diferente da casa, que a função dos pais é diferente das
funções das professoras. É preciso mostrar para outra parcela da sociedade que não cabe
à escola de educação infantil ensinar tudo, e que parte da educação da criança cabe à
família. A escola e a família, cada um com seu papel e trabalhando integradamente,
contribuirão para uma educação sólida e emancipatória. É preciso que a família
compreenda que mesmo que seu filho esteja numa boa escola, esta não a substitui e nem
preenche o lugar vazio deixado por ela. Esta concepção equivocada do papel da
Educação Infantil vai sendo superada na medida em que os educadores mostraram para
a sociedade o seu trabalho e as formas de trabalhar que vão muito além do acomodar
criança.
Em meio de críticas à escola já são possíveis ver estratégias educativas
interessantes. A sociedade e a própria mídia já elaboram certos mecanismos de defesa
da infância, utilizando propagandas que não expõem mais a criança para o consumo
excessivo e ao processo de adultização, por exemplo. A escola está num processo de
transição e já vem sendo pensada no viés da criança, há uma preocupação para que ela
se sinta inserida neste contexto e possa desfrutá-lo através da interação com o mesmo.
Na escola a criança aprende a conviver, compartilhar, dividir brinquedos. É nessa
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interação com outras crianças que ela se desenvolve física e psicologicamente, ela passa
a respeitar quem está ao seu redor, perceber seus limites e também a conviver com
outras crianças em um ambiente diferente do seu familiar, socializando-se. E isso é
importante: assumir-se neste lugar.
A criança de hoje não é a mesma de alguns anos atrás, ela está cada vez mais
curiosa, em transformação fazendo-nos faz pensar uma pedagogia implicada que dê
conta dessas transformações e suporte para essas crianças que tem vez e voz ativa.
Conversando com algumas crianças da educação Infantil do “Sesquinho”, situada
no Município de Ijuí, Rio Grande do Sul, foi possível observar que a “criança fala”.
Depois de um processo de inserção no grupo. Após ganhar a confiança das crianças,
iniciei a entrevista com elas. A entrevista se caracterizou como uma conversa informal,
que tinha por objetivo saber o seu entendimento de criança, de seus direitos, de suas
possibilidades e limites pelo fato de ser criança, dentre outras questões. São crianças de
cinco anos de idade e todos já se conhecem de anos anteriores. São amistosos e todos se
dispuseram a falar, embora todos quisessem falar ao mesmo tempo. Gostam da escola e
de brincar no parquinho.
Com relação ao que é “ser criança”, a maioria que se dispôs a responder,
responderam que “ser criança é ser pequeno, é legal, porque podem brincar e assistir
filmes, brincar no parquinho, andar de bicicleta”. Ao serem interrogadas sobre o
porquê é bom ser criança, as crianças responderam: “criança pode aprender contar os
números”, “brincar de casinha”, “cuidar da natureza”, “aprende a compartilhar e ser
bondoso”.
Ao questioná-las sobre porque não é bom ser criança, fiquei um pouco surpresa
com algumas respostas, “senão a gente não aprende nada na escola, os pais não
entendem o que a gente ta falando” (J – 5 anos); “se não dormir e não ser criança, tem
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que estudar, passear, arrumar namorada, ir no mercado comprar coisas”(M – 5 anos).
“Tem que fazer trabalho na escola e não podem brincar, criança fala a verdade e adulto
fala coisas que às vezes não é verdade”, não é bom ser criança “porque a gente apanha,
porque teima, porque a gente toma banho e eu não gosto de tomar banho” (E – 5 anos).
Ser criança é atender a expectativa de outros: “os pais não entendem o que a gente tá
falando”, por isso precisa aprender, tem que estudar, falar a verdade, mesmo que
saibam que nem sempre os adultos falam a verdade. As falas revelam também que o
tema criança não é abordado com a criança, ela mostra certa dificuldade de falar de seu
tempo. Isto sempre representou uma lacuna nos currículos escolares, a criança, e o
adolescente passam a escola sem que criança e adolescente fossem conteúdo escolar.
Ao serem solicitadas sobre sua autonomia, ou seja: o que podem e o que não
podem fazer sozinhos, ou seja, precisam da ajuda de um adulto para realizar, eles
podem fazer sozinhos, responderam que podem “jogar bola, olhar desenho, alguns
andam de bicicleta sem rodinha, desenhar, fazer bagunça na casa, dar almoço pro
cachorro, brincar de boneca e na pracinha”. Não podem fazer sozinhos: tomar banho
sem ajuda da mãe ou do pai, brincar de pega-pega, não pode subir em árvores,
atravessar a rua, alcançar alguma coisa que está alta, sair sozinho pra passear, não
podem lavar a louça, dirigir, fazer almoço, viajar, andar de cavalo, escrever o nome.
As respostas evidenciam que reconhecem seus limites. Algumas ações, que afirmam
não poderem fazer sozinhos, têm a ver com seu tamanho, outras por serem consideradas
perigosas e outras ainda, por questão de conhecimento.
E se fossem gente grande o que gostariam de fazer, as respostas foram
diversificadas, alguns querem “trabalhar, ser professora pra cuidar de criança e
ensinar como obedecer, comprar coisa pro seu bebê, brincar com as crianças menores,
andar de avião e paraquedas, arrumar um namorado, fazer churrasco, ir nas festas, ser
dentista, médico, fazer comida”. Os desejos são os mais variados e vão de acordo com o
modo de vida de cada criança, que é bem particular, também vem do desejo de querer
ser adulto para fazer o que os adultos fazem, querem mais liberdade para suas escolhas.
Ao conversarmos sobre “as crianças fazem muitas coisas que os adultos não fazem mais
ou não podem fazer”, as respostas foram bastante significativas. Elas afirmaram que as
crianças podem “brincar, rolar, virar cambalhota, pular corda, brincar de morto-vivo,
brincar no parquinho, o adulto não tem tempo de desenhar, pintar, brincar de boneca,
criança pode imitar os adultos, mas não pode falar muito alto senão fica com dor de
ouvido, adulto não pode fazer a mesma coisa que criança faz”. As respostas mostram
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ações que, efetivamente, o adulto pode fazer, mas não faz mais. A criança revela que
brincar, rolar, virar cambalhotas... é coisa de criança. O adulto não faz mais, “não tem
tempo”. O barulho dá “dor de ouvido”.
Retomando e comparando as respostas, é possível perceber que elas revelam, de
certo modo, que o adulto é mais livre que a criança, principalmente ao analisarmos as
respostas das perguntas sobre o que podem fazer e não podem fazer por serem crianças
e o que gostariam de fazer quando adultas e às vezes ficam ansiosas para passar para
essa fase, em que tudo é liberado, como elas mesmas disseram: “os adultos podem fazer
tudo, porque são grandes”.
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3 – CRIANÇA TEM DIREITO DE BRINCAR?
Com base nas entrevistas feitas com crianças da Educação Infantil é possível
observar que o brincar está fortemente presente na sua vida cotidiana, tanto na escola
quanto em casa. Ao desenvolver a presente pesquisa, sempre tendo como objetivo,
construir argumentos em defesa da criança como sujeito de direitos, percebi que,
independendo dos autores e ou das propostas lidas, em uma situação ou outra, o brincar
era destacado como sendo uma das principais características da infância e que o mesmo
se constitui em um dos pilares das propostas para a Educação Infantil. Em razão disso,
porém sem perder de vista os demais direitos, concluo este trabalho centrando a reflexão
neste direito, evidenciando o seu lugar nas práticas educativas das escolas infantis.
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Considerando o brincar como atividade essencial da infância, vemos na
brincadeira um local com grandes potencialidades para este encontro, entre as
diferentes racionalidades, a adulta e a infantil. Salientamos a importância de
planejar e organizar o espaço da instituição de educação infantil de forma que
os meninos e meninas que ali passam parte do seu dia, em todos os dias
durante a semana, tenham o seu direito à brincadeira garantido, com muitos e
diversos brinquedos e que estes estejam acessíveis, inteiros, limpos,
disponibilizados de forma criativa e convidativa. É preciso observar a
variedade desses brinquedos no que diz respeito ao material, cor, textura,
tamanho, para que possamos pluralizar, enriquecer as interações com culturas
diversas, cuidando para não valorizarmos brinquedos estereotipados que
reafirmam a lógica e os discursos de um sistema consumista, preconceituoso
e excludente.
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Pois ao brincar a criança se desenvolve e interage com os outros e nessa interação é que
acontecem as novas experiências e aprendizagens.
Com base em tudo que foi lido e analisado, sabemos que apesar das mudanças que
vem ocorrendo ao longo da educação, muito ainda tem que ser feito. Colocar a criança
como protagonista no seu processo de ensino e aprendizagem é o primeiro passo para
construirmos uma escola pensada para e com ela, em que se sinta pertencente a este
grupo e possa interagir com ele através do brincar.
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mais dermos a elas espaços e tempo para expressar seus saberes infantis, mais elas nos
apontarão novidades, mais conheceremos suas manifestações e consolidaremos a
pedagogia da educação infantil que desejamos.
As crianças ao se apropriar dos espaços, dão a eles novos sentidos e significados,
inventando outros jeitos de lidar com o chão, paredes, teto, objetos, colegas e adultos,
criando soluções para viver um lugar de brincadeira, liberdade, movimento, encontro e
quietude. Transformam, mudam o espaço, fazendo coisas para além do que o adulto
propõem.
As crianças nos indicam caminhos de possibilidades ao demonstrarem que,
mesmo diante da dureza do espaço, suas suaves mãos traçam outros contornos, suas
peraltices o povoam de magia e felicidade, convidando-nos a construir e a sonhar com
elas o lugar da creche como o seu lugar no mundo, como um lugar de gente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
CRUZ, Silvia Helena Vieira (org). A criança fala: a escuta de crianças em pesquisa.
São Paulo: Cortez, 2008
FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Loris Malaguzzi e os direitos das crianças pequenas.
In: OLIVEIRA – FORMOSINHO, Júlia. Pedagogia(s) da Infância: dialogando com o
passado: construindo o futuro/Júlia OLIVEIRA-FORMOSINHO, Tizuko Morchida
KISHIMOTO, Mônica Appezzato PINAZZA, organizadoras. – Porto Alegre: Artmed,
2007.
FEIL, Iselda Sausen. In: Apostila de Infância e Educação Infatil – 3 a 6 anos. 2011.
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Tizuko Morchida KISHIMOTO, Mônica Appezzato PINAZZA, organizadoras. – Porto
Alegre: Artmed, 2007.
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