Você está na página 1de 17

1

Introdução

Joseph Fourier, um eminente matemático francês do século XVIII, ao tentar


resolver o Problema da Condução de Calor no contexto da Rev. Industrial, percebeu que
conseguia chegar na solução caso a Condição Inicial fosse somas de senos. A partir desse
trabalho, Fourier desenvolveu a série que leva seu nome (Série de Fourier) e ela é descrita
como:
a0 h  nπx   nπx i
+ ∞
P
f (x) = n=1 a n · cos + b n · sen
2 L L

Figura 1: Jean-Baptiste Joseph Baron du Fourier(1768-1830)

Anteriormente, Daniel Bernoulli e Leonhard Euler usaram essas séries en-


quanto investigavam problemas sobre cordas vibratórias e astronomia. Em particular,
os fenômenos astronômicos são geralmente periódicos, assim como batimentos cardı́acos,
marés e cordas vibrantes, faz sentido expressá-los em termos de funções periódicas.
A Série de Fourier também é chamada de Série Trigonométrica e pode ser vista
como um caso especial de Série de Potências.
O que essa Série faz é pegar uma função g(x) qualquer e fazer uma expansão
periódica dela ao longo de toda a reta. Observemos:

Figura 2
 
−T T
A nossa função está definida apenas no intervalo , , um intervalo
2 2
simétrico. A série de Fourier agora irá expandir essa nossa função ao longo de toda a
2

reta de modo que ela seja periódica:

Figura 3

Convergência Uniforme
P∞
Uma série n=1 fn (x), onde fn : I → R são funções reais definidas
P em um
intervalo I ∈ R converge pontualmente se para cada x0 ∈ I fixado, a série ∞ n=1 fn (x)
convergir, isto é, dado  > 0 e x0 ∈ I , existe um inteiro N , dependendo de  e de x0 , tal
que:

Pm
| j=n fj (x0 )| < 
para todos n < m tais que n ≥ N .

Agora uma série ∞


P
n=1 fn (x) converge uniformemente, se dado  > 0, existir um inteiro
N , dependendo agora apenas de , tal que:

Pm
| j=n fj (x0 )| < 
para todos m > n ≥ N .

Quando a série convergir uniformemente, ela apresentará excelentes proprie-


dades que podem ser enunciadas em forma de Proposições.
P∞
Proposição 1: Suponhamos que as funções fn sejam contı́nuas
P∞ e que a série n=1 fn (x)
convirja uniformemente. Então a soma da série f (x) = n=1 fn (x) é também uma função
contı́nua.

Proposição P
2: Suponhamos que as funções fn sejam integráveis em um intervalo I e
que a série ∞ n=1 fn (x) convirja uniformemente. Então:

Z b Z b
P∞ P∞
n=1 fn (x) dx = n=1 fn (x) dx
a a

Proposição 3: Suponhamos que as funções


P∞ 0fn definidas em um intervalo I sejam con-
tinuamente deriváveis e que a série n=1 fn (x) das derivadas
P∞ convirja uniformemente.
Suponhamos ainda que, para um dado x0 ∈ I, a série n=1 fn (x0 ) convirja. Então:
3

d P∞
( n=1 fn (x)) = ∞ 0
P
n=1 fn (x)
dx

Convergência Pontual da Série de Fourier(Fourier Convergence Theorem):


Se f é uma função periódica com perı́odo 2L e f e f 0 são contı́nuas por partes
em [−L, L], então a série de Fourier é convergente. A soma da série de Fourier é igual a
f (x) em todos os valores onde é contı́nua. Nos valores em que x é descontı́nuo, a soma
da série de Fourier é a média dos limites laterais, isto é:

1
[f (x+ ) + f (x− )]
2
Observação: Ao analisarmos o Teorema da Convergência para Série de Fourier
(a série converge desde que os limites laterais sejam finitos), percebemos que o mecanismo
por trás dessa série é pegar nossa função original e fazer a média aritmética dos pontos,
sejam eles contı́nuos ou descontı́nuos removı́veis, e replicar isso ao longo de toda a reta.

Cálculo dos Coeficientes:


Os coeficientes da Série de Fourier são dados por:
Z L
1
a0 = f (x)dx
L −L

Z L
1  nπx 
an = f (x) cos dx
L −L L

Z L
1  nπx 
bn = f (x) sen dx
L −L L

Dedução dos Coeficientes:


Se uma função f (x) for expressa como
a0 P∞ h  nπx   nπx i
f (x) = + n=1 an · cos + bn · sen (A)
2 L L
é de se esperar que os coeficientes an e bn estejam intimamente ligados à função f . Que
expressões têm eles em termos da função f ? Para descobrı́-los, vamos supor que tal igual-
dade acima se verifique , e que a série convirja uniformemente. Observa-se que, como
consequência da Proposição 1, a função f deve ser contı́nua(e, portanto, pode ser πxinte-

grada) e deve ser periódica de perı́odo 2L, pois o perı́odo(fundamental) de cos é
L
2L, e 2L é o perı́odo para as demais funções seno e cosseno que aparecem na série. Assim,
usando a Proposição 2, podemos integrar ambos os lados de (A) para obter:

Z L Z L Z L Z L
1 P∞  nπx   nπx 
f (x)dx = a0 dx + n=1 an cos dx + bn sen dx
−L 2 −L −L L −L L
4

Como

Z L  nπx  Z L  nπx 
cos dx = sen dx = 0
−L L −L L
Então,

Z L Z L
1 1
f (x)dx = a0 dx = a0 2L = a0 L
−L 2 −L 2
Z L
1
Portanto, a0 = f (x)dx (I)
L −L

Para obter os demais coeficientes, exploramos a mesma ideia e usamos as relações de


ortogonalidade:
Z L  nπx   mπx 
sen cos dx = 0, se n, m ≥ 1
−L L L

Z L  nπx   mπx  
L, se n = m ≥ 1
cos cos dx =
−L L L 6 m, n, m ≥ 1
0, se n =

Z L  nπx   mπx  
L, se n = m ≥ 1
sen sen dx =
−L L L 6 m, n, m ≥ 1
0, se n =

a0 P∞ h  nπx   nπx i
Agora, multiplicando f (x) = + n=1 an · cos + bn · sen
 mπx  2 L L
por cos ,
L
para m ≥ 1 fixado ,teremos:
 mπx  ∞ h
a0  mπx  X  nπx   mπx   nπx   mπx i
f (x)·cos ·cos
= + an · cos · cos + bn · sen · cos
L 2 L n=1
L L L L
(1)
eZ integrando, obtemos:
L  mπx 
f (x) · cos = am L (II)
−L L  mπx 
De modo semelhante, multiplicamos por sen e obtemos:
L
Z L  mπx 
f (x) · sen = bm L (III)
−L L
Finalmente, de (I), (II) e (III), obtemos:

1 L
Z  nπx 
an = f (x) · cos ,n≥0
L −L L

Z L
1  nπx 
bn = f (x) · sen ,n≥1
L −L L
5

Exemplo 1:
Encontre a série de Fourier da função de onda triangular definida por f (x) = |x| para
−1 ≤ x ≤ 1.

Figura 4
Z 1 Z 0 Z 1
1
a0 = |x|dx = (−x)dx + xdx = 1
1 −1 −1 0

e para n ≥ 1

1 1
Z  nπx  Z 1
an = |x| · cos dx = 2 x cos(nπx)dx
1 −1 1 0

Podemos integrar por partes: u = x e dv = cos(nπx)


Portanto, 1
2 1
h x Z 
i1 2 cos(nπx) 2
an = 2 sen(nπx) − sen(nπx)dx = 0 − − = 2 2 (cos nπ − 1)
nπ 0 nπ 0 nπ nπ 0 nπ

1 1
Z  nπx 
bn = |x| · sen = 0, pois y = |x| sen(nπx) é uma função ı́mpar e o inter-
1 −1 1
valo é simétrico

Podemos, portanto, escrever a Série como:

1 P∞ 2(cos nπ − 1)
+ n=1 cos(nπx)
2 n2 π 2
Mas cos nπ = 1 se n é par e cos nπ = −1 se n é impar, então:
(
2 0, se n , par
an = 2 2 (cosnπ − 1) = 4
nπ − 2 2 , se n , impar

Portanto, a Série é:
1 4 4 4
− 2 cos(πx) − 2 cos(3πx) − cos(5πx) − ...
2 π 9π 25π 2
1 P 4
= − ∞ n=1 cos((2k − 1)πx)
2 (2k − 1)2 π 2
A função de onda triangular é contı́nua em todos os lugares e,portanto, de
acordo com o Teorema da Convergência, temos:

1 P∞ 4
f (x) = − n=1 cos((2k − 1)πx) , ∀x
2 (2k − 1)2 π 2
6

Simulação em MATLAB (código em anexo simulacao1 )

Figura 5
7

Exemplo 2:
Encontre a série de Fourier da função de onda quadrada para −π ≤ x ≤ π

Figura 6
Z π Z 0 Z π
1 1 1 1
a0 = f (x)dx = 0 dx + 1 dx = 0 + (π) = 1
π −π π −π π 0 π
e para n ≥ 1

1 π 1 0 1 π
Z  nπx  Z Z 
1 sen nx
an = f (x) · cos dx = 0 dx + cos(nx) dx = 0 + =
π −π π π −π π 0 π n 0
1
(sen(nπ) − sen 0) = 0

π π
1 0 1 π
Z Z Z 
1  nπx  1 cos nx
bn = f (x) · sen dx = 0 dx + sen(nx) dx = − =
π −π π π −π π 0 π n 0
(
1 0, se n , par
− (cos nπ − cos0) = 2
nπ , se n , impar

A Série de Fourier de f é:


a0 1 2 2 2 2
+b1 sen x+b2 sen 2x+b3 sen 3x+... = + sen x+ sen 3x+ sen 5x+ sen 7x+...
2 2 π 3π 5π 7π
Uma vez que inteiros ı́mpares podem ser escritos como n = 2k − 1, onde é k é um
inteiro, podemos escrever a Série de Fourier em notação sigma como:

1 P∞ 2
= + k=1 sen((2k − 1)x)
2 (2k − 1)π
Essa função tem descontinuidade de salto e devemos aplicar o Teorema da Convergência
para ver o seu comportamento.
Na descontinuidade em x = 0 (e da mesma forma para os outros pontos em
que f é descontı́nua , x = k π)

f (0+ ) = limx→0+ f (x) = 1 e f (0− ) = limx→0− f (x) = 0

Logo, a média dos limites laterais é igual a 21 .


8

Portanto:
f (x), se x 6= nπ
(
1 P∞ 2
= + k=1 sen((2k − 1)x) = 1
2 (2k − 1)π , se x = nπ
2

Simulação em MATLAB (código em anexo simulacao2 )

Figura 7

Se aumentarmos bastante nosso n (para n = 400), teremos:

Figura 8
9

Se aumentarmos n para 1000, teremos:

Figura 9

Se aumentarmos n para 2000, teremos:

Figura 10

Aqui a gente já pode observar que a Série de Fourier está bem próxima de
nossa função f (x).

Se aumentarmos o número de pontos M analisados em nosso programa, conseguimos


observar uma diferença em nossa plotagem. O que seria isso? Esse fenômeno é conhecido
como o Fenômeno de Gibbs.
10

Figura 11

Mas o que é o Fenômeno de Gibbs?

Imagine uma função f de perı́odo 2L onde f e f 0 são ambas contı́nuas por seções. A
série de Fourier que aproxima f , converge pontualmente para os pontos onde não há
descontinuidade. Já nos pontos de descontinuidade não ocorre o mesmo, Gibbs estudou
a convergência da série de Fourier na “vizinhança” destes pontos, descobrindo uma per-
turbação. Este fenômeno é conhecido como fenômeno de Gibbs.

Ao analisar uma função salto, exatamente nessa parte de descontinuidade, e ao fazer


uma convergência das somas parciais finitas da Série de Fourier, podemos verificar os-
cilações cujas amplitudes não convergem para zero. Tal fenômeno se caracteriza pelo fato
de que mesmo se continuarmos a adicionar termos a essa soma parcial, a oscilação se
mantém presente excedendo a função e o erro da aproximação converge para um tamanho
fixo.
11

Observemos:

Para n = 10, a soma parcial de Fourier é (código em anexo simulacaofenomenogibbs)

Figura 12

Para n = 50, a soma parcial de Fourier é

Figura 13
12

Para n = 100, a soma parcial de Fourier é

Figura 14

Observando a “vizinhança” do ponto de descontinuidade x = 0 podemos notar


o fenômeno de Gibbs. Nota-se claramente que há uma perturbação nas redondezas, ou
seja, a soma parcial de Fourier excede a função no ponto de descontinuidade. Por exem-
plo, à direita do ponto x = 0 se vê como o gráfico das soma parcial de Fourier sobressaem
a função salto (damos o nome de overshoot).

O overshoot à direita do ponto x = 0 pode ser calculado por:


Z π
2 sen x
M= dx
π 0 x
A integral da função acima (conhecida como sync), não é uma integral elementar. Mas ,
agora , usando a função Seno Integral:
Z x
sen t
Si(x) = dt
0 t
Podemos calcular numericamente (integração numérica) e obtemos:
2
M = Si(π) ≈ 1.1790 .
π
13

Forma Complexa da Série de Fourier

Podemos expressar uma série de Fourier na forma exponencial substituindo as funções


trigonométricas sen(ωn t) e cos(ωn t) (nosso argumento continua o mesmo,

pois ωn = e x = t)pelas suas representações em exponenciais complexos:
L

eiz − e−iz eiz − e−iz eiz + e−iz


sen z = = −i e cos z = =
2i 2 2
Substituindo-as na forma harmônica da Série de Fourier:

eiωn t + e−iωn t eiωn t − e−iωn t


 
a0 P∞
f (t) = + n=1 an · − i bn ·
2 2 2
 
a0 P∞ an − ibn iωn t an + ibn −iωn t
Arrumando: f (t) = + n=1 e + e (I)
2 2 2
Lembrando
Z L que os coeficientes são:
1
a0 = f (t)dt
L −L

Z L
1
an = f (t) cos(ωn t)dt
L −L

Z L
1
bn = f (x) sen(ωn t)dt
L −L

E Considerando a paridade das funções cosseno (par) e seno (ı́mpar) é possı́vel notar
que:
an = a−n , bn = b−n e b0 = 0 (II)
an − i bn
Como notação é tomado: cn =
2
Logo, utilizando os resultados de (II), temos:

a−n − i b−n an + i bn a0 − i b0 a0
c−n = = e c0 = =
2 2 2 2
Substituindo estas expressões para c0 , cn e c−n em (I), obtemos:
c0
+ ∞ iωn t
+ ∞ −iωn t
P P
f (t) = n=1 cn e n=1 c−n e
2
Podemos escrever essa expressão agora em um único somatório e obtemos por fim:

P∞
f (t) = n=−∞ cn eiωn t

Os coeficientes cn podem ser escritos numa forma mais compacta:


14

an − i bn
cn =
2
Z L
1
= f (t)[cos(ωn t) − i sen(ωn t)]dt
2L −L
Z L
1
= f (t)e−iωn t dt
2L −L
15

Decomposição de funções em uma base de funções

Na Álgebra Linear, um problema bem conhecido é o de decompor um vetor conhecido ~u


como combinação linear de vetores de um conjunto {w~1 , w~2 , ..., w~N }:

~v = N
P
j=1 aj w
~j (I)

Sabemos também que funções reais de uma variável real é um espaço vetorial. Portanto,
também podemos decompor funções. Mas nos atentaremos ao desenvolvimento de uma
função f (x) em um conjunto de funções ortonormais. Isto é:

P∞
f (x) = n=1 cn Φn (x) a ≤ x ≤ b (II)

Tais séries, chamadas Séries Ortonormais, constituem generalizações da Série de Fourier.


Admitindo que a Série acima convirja para f (x), podemos multiplicar formalmente ambos
os membros por Φm (x) e integrá-los de a à b, obtendo:
Z b
cm = f (x) Φm (x) dx
a
que são os coeficientes generalizados de Fourier.
a0 P∞ h  nπx   nπx i
Quando observamos a Série de Fourier: f (x) = + n=1 an · cos + bn · sen
2 L L
Podemos notar a semelhança com (II) se pensarmos que os vetores wj são as funções do
tipo sen( nπx
L
) e cos( nπx
L
) e identificarmos f (x) com ~v .

Portanto, as funções do tipo sen( nπx


L
) e cos( nπx
L
) formam a base do nosso espaço ve-
torial e, sendo assim, a Série de Fourier pode ser vista como uma combinação linear dos
vetores da base (decomposição em funções de seno e cosseno).

Figura 15
Bibliografia:

SPIEGEL, Murray. Análise de Fourier. Mcgraw-hill, 1976.

FIGUEIREDO, Djairo Guedes de. Análise de Fourier e Equações Diferenciais


Parciais. Editora Blucher, 1977.

JAMES STEWART. Stewart Calculus, 2005. Calculus 9th edition > Additional
Topics. Disponível em:
https://www.stewartcalculus.com/data/CALCULUS%206E/upfiles/topics/6e_a
t_01_fs_stu.pdf. Acesso em: 12 de outrubro de 2020.

ZILL, Dennis; CULLEN, Michael. Matemática Avançada para Engenharia - Vol


III. 3ª edição. Bookman Editora, 2009.

ZORICH, Vladimir A. Mathematical Analysis II. Second Edition. Springer,


2016.

NAZARI, Luiz Fernando. Série de Fourier e o Fenômeno de Gibbs. Trabalho de


Conclusão de Curso (Licenciatura) - Curso de Matemática, Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2008.

Fenômeno de Gibbs. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Fen%C3%B4meno_de_Gibbs. Acesso em: 13 out
2020.

All Electronics Group. Entendendo a Série de Fourier – uma visão estatística.


Disponível em: https://allelectronicsgr.com.br/entendendo-a-serie-de-fourier-
uma-visao-estatistica/. Acesso em: 12 de outrubro de 2020.

Você também pode gostar