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LUIZ FELIPE PONDÉ EM

Comentários Bíblicos
A BUSCA DO FILÓSOFO HEBREU

Módulo 2
GÊNESIS: A QUEDA
remetem a várias narrativas e diferentes autores e tradutores. E que então

AULA 1 traz diferenças no tecido do texto.

Isso significa que, ao trazer à tona estudos bíblicos, é como se você lidasse
com diversas obras dentro de uma biblioteca, devendo entender suas

A ALMA É ANGÚSTIA
complexidades e diferentes formas de pensamento.

A estudiosa britânica, especialista em temas das religiões antigas, Karen


Armstrong (1944) costuma dizer que é difícil entender como um povo pobre
e analfabeto à época, que era o caso do povo hebreu, conseguiu desenvolver
uma ideia e conceito de Deus tão complexa, quando comparado com outros
povos de maiores conhecimentos, como eram os gregos, romanos e egípcios.

Então, partindo da ideia complexa de Deus, exposta no parágrafo anterior,


e retornando à variedade de reflexões bíblicas, a “queda” de Adão e Eva,
é um termo que abre para muitas interpretações. O filósofo e teólogo
Santo Agostinho (354-430), o maior nome da chamada “Patrística cristã”,
filosofia formulada por padres da Igreja Católica e que perdurou pelos seis
primeiros séculos depois de Cristo, foi quem definiu o termo “queda” para
os acontecimentos que envolvem Adão e Eva no livro.

Entretanto, essa própria ideia vai ganhar novas formas na filosofia de outros
pensadores e autores. Um bom exemplo é o escritor francês George Bernanos
(1888-1948). Enquanto Agostinho acreditava que a herança de Adão e Eva
era histórica, Bernanos não considerava essa suposição necessária. Por isso,
ele contava mais com uma descrição espiritual e psicológica do fato.

Deste modo, em sua obra “Diário de um Pároco de Província”, Bernanos


Na primeira aula do segundo módulo do curso Comentários Bíblicos, a descreve o que pode ser chamado de “condição básica de angústia da alma”.
busca do filósofo hebreu, o foco é o livro do Gênesis. No hebraico, o livro é E, com isso, se pergunta se essa angústia que parece ter penetrado na alma
chamado de “Bereshit”, que significa “o primeiro”, e no grego, o significado por alguma brecha do ser, não é, na verdade, a condição da própria alma. E
da palavra remete ao termo “origem”. que após a sua queda, se torna tão frágil e tão angustiada, que se não fosse
pela vigilante piedade de Deus, ela se transformaria em poeira no primeiro
É importante que seja destacado novamente a variedade de narrativas e momento que tomasse consciência de si.
opiniões inseridas na Bíblia, e portanto, a variedade de interpretações sobre
um mesmo acontecimento. Em suas várias edições, que incluem a hebraica, a O tema principal que este módulo pretende debater é a reflexão acerca do
grega (também conhecida como Septuaginta), que são as originais, além das significado dessa angústia da alma, citada na obra de Bernanos. Sobre a sua
versões: protestante, pentecostal, judaica, ortodoxa grega e católica, que nos consciência, a fragilidade envolvida e a piedade de Deus
Na segunda aula do segundo módulo do curso Comentários Bíblicos, a busca do
filósofo hebreu, o conceito de angústia da alma por Bernanos é retomado.

Portanto, a partir da perspectiva do escritor francês da queda de Adão e Eva,


pode-se perguntar se a angústia sentida é uma condição acidental da alma, ou se
a angústia é um estado ontológico, ou seja, que está na condição do próprio ser.

Bernanos, assim como Pascal e outros autores, vão dizer que a alma está
continuamente à beira de um certo abismo. E conseguem formar, de maneira
bem sólida, a ideia de que as almas de Adão e Eva seriam angustiadas e perdidas.

Santo Agostinho na sua obra “Confissões”, define o pecado original como


“orgulho, revolta e cegueira”. A cegueira é não saber onde se está, o orgulho
AULA 2 é a transformação completa da vontade e do pensamento em amor próprio,
enquanto que a revolta faz com que o homem seja movido pela raiva e pelo ódio.
Todos esses conceitos serão melhor abordados mais adiante no curso.

COMO É CONVIVER COM O Mas, além da questão do pecado de ambos a ser discutida, há também uma
DEUS DE ISRAEL outra pergunta intrigante: Como era para Adão e Eva, como homem e mulher
no sentido ficcional, além de seres frágeis e mortais, conviver com o Deus de
Israel, dono do Universo, rei de absolutamente tudo que existe e, provavelmente,
o maior personagem criado pela literatura ocidental?

O Cristianismo, que muito assimilou da filosofia grega, opta por uma discussão
mais ontológica acerca da natureza de Adão e Eva. Enquanto que o judaísmo,
mais distante da filosofia grega, fará uma reflexão mais ética. Para os cristãos,
todo nós seríamos descendentes do pecado de Adão e Eva, como se este fosse
uma herança genética.

É válido dizer, então, que o judaísmo tem uma pegada mais “light” para tratar
desses determinados assuntos, já que discute o comportamento e a ação, ao
invés da natureza humana. Na visão judaica, Adão e Eva foram expulsos do
paraíso porque apresentaram um comportamento distante do que julgava Deus,
enquanto que questões abordadas pelo cristianismo, como a distinção natural
dos dois antes e depois do pecado, e os seus descendentes, são deixadas de lado.
AULA 3

O HOMEM BÍBLICO
SE MOVE NO CENÁRIO
DE DRAMA

Na terceira aula do segundo módulo do curso Comentários Bíblicos, a busca do filósofo


hebreu, é retomada a pergunta central do módulo anterior: Como era para Adão e Eva fatos da Bíblia. Enquanto que na linha histórica, temos fatos mais críveis próximos do
conviver com o Deus de Israel? nascimento e vida de Jesus, no Velho Testamento, certos acontecimentos podem ser
tratados como ficcionais, justamente pela sua distância histórica e temporal.
Pode-se dizer que desse questionamento se deriva uma antropologia bíblica. Uma
antropologia tida como filosófica e conceitual, que visa refletir sobre os conceitos que Explicado a diferença, e independente de um julgamento mais cético, o homem
definem o ser humano, ou a sua natureza. Esses conceitos já estão inclusive enraizados bíblico do Velho Testamento é livre até cometer o pecado movido por orgulho. E como
nos textos bíblicos percorridos. consequência do pecado cometido, ele deixa de ser livre pois sempre vai agir de forma
orgulhosa.
No caso específico do livro de Gênesis e de Adão e Eva, o homem bíblico e a mulher
bíblica se movem em um cenário dramático. É importante deixar claro que a palavra O que se pode observar, é uma redefinição da liberdade, já que traz um homem livre,
“dramático”, nesse caso, não contém nenhum tipo de melodrama em sua definição. É mas ao mesmo tempo dependente. A liberdade provém de uma dose de responsabilidade
usada, portanto, no sentido grego de sua expressão, que significa “ação”. dada pelo próprio Deus, que permite ao homem viver sob seus próprios riscos.

Sendo o drama bíblico de natureza ética, podemos dizer que os personagens bíblicos são Já a dependência, espaço em que se dá a própria consciência de liberdade, está no ar
sempre chamados por Deus a agir de alguma forma, tendo sua ação também limitada que se respira, na comida em que se come, e no equilíbrio psicológico e espiritual para
por Ele e por contingências históricas. Isso leva a uma discussão no campo da liberdade lidar com o infinito que é Deus, e o finito que é o homem bíblico. Um ser extremamente
e do controle, pois afinal de contas, podemos dizer que o personagem bíblico é livre? frágil, que vive em um universo fora de seu controle.

Antes de tentar responder essa pergunta, é importante estabelecer a imprecisão de certos


AULA 4

O FILÓSOFO HEBREU

Na quarta aula do segundo módulo do hebraica, esse filósofo será o responsável pelo questionamento da antropologia
curso Comentários Bíblicos, a busca do bíblica, no caso, o modelo do homem bíblico e da mulher bíblica.
filósofo hebreu, a contradição entre a
liberdade de Deus e a dependência em Entre outros, dois conceitos serão centrais na antropologia bíblica, a saber os
relação a Deus é demonstrada. conceitos de misericórdia e perdão, que provém diretamente de Deus.

Como já abordado na aula anterior, o Deus, ao mesmo tempo que julga e cobra do homem um comportamento moral,
homem bíblico é livre para viver sob é também misericordioso. Porém, o que há de curioso e deve ser notado, é que
seus próprios riscos, mas depende Deus não precisa ter misericórdia e nem precisa perdoar nada, pois se trata de
completamente dos elementos naturais um personagem absoluto. Ele nunca nasceu, nunca vai morrer, não precisa de
que o cercam. Da água, da terra e do ninguém, não come, não dorme e nem se cansa. Portanto, é um Deus passional
ar, por exemplo. Fora isso, há também e que se envolve em determinados assuntos não porque precisa, mas sim porque
a dependência psicológica do vínculo e quer. E assim como não há a necessidade dele se envolver em nenhum assunto
das relações de afeto, e a dependência da humanidade, Ele o faz, por estar intimamente ligado a nós pela compaixão.
em um nível espiritual mais profundo
da misericórdia de Deus. Entretanto, é claro que o fator passional de sua personalidade geraria certas
ambivalências. Dentre elas, estão suas variações de humor muito presentes
É contextualizando essa relação do no Velho Testamento, e que descendem diretamente do seu processo de
Velho Testamento que há o retorno ao antropoformização. Um processo que ocorre com todas as divindades de todas
conceito do filósofo hebreu. Na filosofia as religiões, e que projeta a natureza humana nas figuras divinas.
BIBLIOGRAFIA

Para Conhecer a Bíblia. Um guia histórico e cultural, de Philippe Sellier

The Literary Guide to the Bible, Robert Alter & Frank Kermode

Diário de um Pároco de Aldeia, de Georges Bernanos

Uma História de Deus, de Karen Armstrong

B I B L I O G R A F I A C O M P L E M E N TA R

FILÓSOFOS E OBRAS

Emmanuel Levinas (1906-1995), filósofo francês nascido em uma


família judaica na Lituânia.

Abraham Joshua Heschel (1907-1972), rabino austro-americano.

Franz Rosenzweig (1886-1929), um dos mais importante filósofos-


teólogos judeus do século XX.

Clemente de Alexandria (150-215), escritor, teólogo e apologista


cristo grego nascido em Atenas.

Orígenes (185-253), teólogo e filósofo neoplatônico do período


patrístico.

Santo Agostinho (354-430), um dos mais importantes filósofos e


teóricos nos primeiros séculos do cristianismo.

Blaise Pascal (1623-1662), filósofo francês.

Soren Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês.

Richard Rorty (1931-2007), filósofo norte-americano.


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