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Andreu Monteiro 2

EPÍSTOLA AOS HEBREUS

1. O Nome da Epístola

"Hebreu" era o nome dados aos israelitas pelas nações vizinhas. Talvez tenha
derivado de Éber ou Héber, que significa "homem vindo do outro lado do rio" (Jordão
ou Eufrates) (Gn.10.21,24; 11.14-26; 14.13 Js.24.2). Abraão foi chamado de "hebreu".

Temos então várias designações para o mesmo povo:

- Hebreu: designa descendência.

- Israel: destaca o aspecto religioso.

- Judeu: da tribo de Judá ou habitante do reino de Judá.

Alguns desses termos foram mudando um pouco de sentido com o passar do


tempo. O "judeu" do Velho Testamento estava estritamente ligado à tribo de Judá.
Depois do cativeiro, a maior parte dos que regressaram a Canaã eram da tribo de Judá.
Então, "judeu" tornou-se quase um sinônimo de israelita, já que quase todos os israelitas
eram judeus. O termo tem esse mesmo sentido genérico até hoje.

O "hebreu" do Velho Testamento era todo indivíduo israelita. No Novo


Testamento, esse termo passa a designar mais especificamente aquele israelita que fala
aramaico e é mais apegado ao judaísmo ortodoxo, em contraposição ao "helenista", que
é o israelita que fala grego e está mais influenciado pela cultura grega. Nesse sentido,
veja Filipenses 3.5 e II Coríntios 11.22, nos quais o apóstolo Paulo cita com orgulho o
fato de ser "hebreu" , assim como eram seus pais.

2. Local de origem: talvez Itália (Hb.13.24).

3. Os Destinatários

A epístola aos hebreus nos mostra que seus destinatários eram judeus cristãos.
Ao mesmo tempo em que o autor está se dirigindo a pessoas convertidas a Cristo
(Hb.10.19), ele dá a entender que elas tinham um passado de vínculo com o judaísmo.
Tais irmãos pertenciam a uma igreja, cujos líderes são anonimamente referenciados no
capítulo 13 (versos 7, 17 e 24). A localização de tal igreja é objeto de especulação por
parte dos estudiosos e comentaristas. As sugestões mais comuns são: Roma, Jerusalém,
Antioquia, Cesaréia e Alexandria. Como se vê, as possíveis cidades eram grandes
centros. Jerusalém e Cesaréia eram cidades da Judéia. Nas outras localizavam-se
grandes colônias judaicas. Naturalmente, em todas elas havia igrejas locais que
contavam com a presença de muitos judeus cristãos.
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4. Propósito da carta

A epístola parece ser uma resposta á heresia pré-gnóstica de um tipo semelhante


àquela combatida em Colossenses. Mas o ponto mais importante recai dobre a
preocupação com os judeus cristãos; a uma exortação contra a apostasia e a volta ao
judaísmo.

5. Autoria

A epístola não apresenta o nome do seu autor. Muitos são os que atribuem a
Paulo sua escrita. Em alguns manuscritos antigos encontra-se o título: "Epístola de
Paulo aos Hebreus". Evidentemente, o título traz a conclusão de algum copista ou
autoridade religiosa, visto que não faz parte do texto. Alguns "pais da igreja" atribuíam
a autoria a Paulo sem dificuldades. Os defensores dessa hipótese, utilizam as palavras
de Pedro em sua segunda epístola (3.15). A passagem nos informa que Paulo escreveu
aos judeus. Contudo, isso não encerra a questão, pois tal escrito pode ter sido a chamada
carta aos hebreus, mas pode também ter sido outra. A referência que o autor faz a
Timóteo (Hb.13.23) também é usada como argumento. Além disso, a epístola está
dividida em dois blocos: doutrinário (capítulos 1 a 11), e prático (capítulos 12 e 13).
Isso nos lembra o método paulino. No texto prático do capítulo 13, temos uma lista de
admoestações curtas, à maneira de Paulo. A doxologia (13.20-21) e a bênção final
(13.25) também reforçam a tese.

Especialmente Clemente de Alexandria (c. 150-215 d.C) e Orígenes (185-253)


preservaram a tradição de que Paulo seria o autor de Hebreus. Na igreja Ocidental
houve resistências à autoria paulina até a última metade do século IV, mas foi a opinião
conjunta de Jerônimo e Agostinho que mudou a opinião das pessoas no ocidente.

Os comentaristas que se opõem à autoria paulina, argumentam sobre a diferença


de estilo da carta aos Hebreus quando comparada às epístolas paulinas. Alguns creditam
a autoria a Barnabé, Lucas, Apolo, ou Priscila.

Mesmo a autoria paulina de Hebreus sendo quase unânime na Idade Média,


Tomás de Aquino ousou dizer que Lucas tinha traduzido a epístola para um grego
ótimo. Somente quando na Reforma incontáveis tradições antigas foram questionadas
também esta foi submetida a um minucioso reexame. Calvino defendeu Clemente de
Roma ou Lucas como o autor, e Lutero propôs Apolo.

Aqueles que propõem Barnabé como autor assinalam que ele era um levita de
Chipre (At 4.36) e, portanto, membro do grupo helenista na igreja de Jerusalém.
Durante algum tempo ele foi íntimo colaborador de Paulo (At 9.27; 11.30; 13.1-14.28).
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Desde os tempos de Harnack, vários estudiosos vêm propondo que Priscila é


quem escreveu Hebreus, talvez com seu marido Áquila num papel menos importante,
isso poderia explicar a oscilação entre “nós” e “eu” no livro.

Contudo, é bem melhor reconhecermos nossa ignorância. Não sabemos quem


escreveu a carta; quase com certeza os primeiros leitores sabiam. Com toda
probabilidade o autor era um judeu helenista que havia se tornado cristão, um crente da
segunda geração (Hb 2.3) Ele estava imerso na Septuaginta e, a julgar pelo vocabulário
e estilo grego excelente que revela, recebeu uma boa educação.

6. Data

A referência a Timóteo e ao fato de sua prisão fazem a datação do livro se


projetar para o final dos anos 60 do primeiro século. Já que as epístolas paulinas não
dizem que Timóteo tenha sido preso, então é possível que a carta aos Hebreus tenha
sido produzida depois daquelas identificadas paulinas. O livro fala de um sacerdócio em
funcionamento no templo de Jerusalém (10.1,11; 9.6-8). Isso nos faz concluir que o
livro não pode ter sido escrito depois do ano 70, data da destruição do templo. Portanto,
a datação, embora indefinida, fica entre 60 e 70 d.C.

7. Pano de Fundo

a) Antigo Testamento: Visto que o argumento inteiro da epístola gira em trono


da história e do ritual do Antigo Testamento, tem que ser dito que o autor
estava profundamente influenciado pelo ensino bíblico.
b) Filonísmo: No fim do século passado existia um forte movimento que
suponha que a mente do autor dessa epístola se firmava no pensamento de
Filo, e que só era possível compreender essa epístola de encontro ao pano de
fundo das exposições filosóficas e alegóricas de Filo.

c) Tradições primitivas: Alguns acreditam que esta epístola deve ser vista como
um desenvolvimento natural da primitiva teologia cristã. Há uma tentativa de
ligá-la com a catequese de Estevão (expansão além do templo físico). A
idéia de continuidade entre o velho e o novo concerto, o interesse pela vida
terrena de Jesus, a percepção que sua morte deve ser interpretada, e a mistura
de apelos presentes e escatológicos, são todos pontos básicos da primitiva
tradição cristã.

d) Paulinismo: nesta epístola deve ser considerado que existem aspectos da


teologia paulina. Porém é inegável que existe algumas diferenças entre o
autor da epístola e Paulo (ex. a maneira diferente de considerar Cristo em
relação à Lei, pois há ausência daquela luta contra a Lei). Entretanto, tais
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diferenças não podem ser exageradas ao ponto de rejeitar qualquer influência


paulina.

e) O pensamento joanino: Tem sido argumentado que a epístola aos hebreus


fica a meio caminho entre os apóstolos Paulo e João, conforme a linha de
desenvolvimento teológico. Os principais pontos de contato entre Hebreus e
a teologia joanina são o uso comum de paralelismo antitético, o conceito
similar sobre a obra sumo-sacerdotal de Cristo, a descrição de Cristo como
um Pastor, a alusão a obra propiciatória de Cristo e sua perfeição.

8. Características

O livro tem teor cristológico, ou seja, apresenta um verdadeiro tratado sobre a


pessoa de Cristo, principalmente no que tange à sua obra vicária.

O livro é apologético. Seu discurso é um forte pronunciamento em defesa da fé


cristã contra recuos ou desvios.

A carta aos Hebreus liga o Velho e o Novo Testamento de modo brilhante.


Temos na obra os seguintes confrontos:

- Valores da lei X valores da graça

- Símbolos X realidade

- Antiga aliança X nova aliança

- Passado X futuro (Hb.2.5)

9. TEMA

A superioridade de Cristo sobre os profetas, os anjos, a lei, sobre Moisés, Josué,


Aarão e sobre os sacerdotes (Hb.1.4; 6.9; 7.7,19,22; 8.6; 9.23; 10.34; 11.16,35,40;
12.24). A palavra chave da epístola é: melhor (ou superior, ou mais excelente).

10. ESBOÇO

1 - A glória e a superioridade de Cristo - 1.1 a 4.13.

2 - O novo sacerdócio de Cristo - 4.14 a 8.13.

3 - Contraste entre o velho e o novo - 9.1 a 10.39.


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4 - A glória da fé - 11.1-40.

5 - A vida de fé - 12.1 a 13.25.

11. Comentário

a) O Problema – Entre o passado e o Futuro

Lendo a epístola, podemos delinear o problema que deu ensejo à sua produção.
Os hebreus, a quem a carta foi destinada, eram judeus que, tendo se convertido ao
cristianismo, se sentiam tentados a recuar, retornando ao judaísmo. Estavam em uma
situação de paralisação espiritual. Viviam em um dilema e, com isso, não cresciam
espiritualmente (Hb.5.11-14). O autor escreveu para mostrar a esses irmãos que eles
estavam livres da antiga aliança. Tal propósito era de grande envergadura. Se já era
difícil provar aos gentios convertidos que eles não precisavam observar a lei, quão árdua
seria a tarefa de demonstrar o mesmo princípio para judeus cristãos! Eles estavam
presos ao passado, assim como acontece hoje com alguns cristãos que querem obedecer
a lei de Moisés. As realidades da graça já eram presentes. Contudo, ainda se
encontravam no futuro para aqueles que hesitavam em relação à apropriação das
mesmas.

O PASSADO O PRESENTE / FUTURO

Lei Graça, evangelho

Valores da lei Valores da graça

Templo (material) Igreja (espiritual)

Personagens: Moisés, Aarão, profetas, Jesus e o Espírito Santo


anjos

Símbolos Realidades

Sombras Realidades

O visível O invisível
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Aparência Essência

Material Espiritual

Transitório Permanente

Temporário Eterno

Realidade física Realidade espiritual

Cópia Modelo original

Figura Verdadeiro

Antiquado, envelhecido Novo

Terreno Celestial

Diversos elementos da Velha Aliança podem ser comparados à maquete de uma


obra futura. Diante daquele modelo, todos ficam entusiasmados e esperançosos. É o que
existe de mais semelhante ao resultado almejado. Depois que a obra é realizada, então o
apego à maquete torna-se motivo de zombaria. A obra de Cristo está consumada. Não
precisamos mais ficar apegados aos símbolos do passado que apontavam para Cristo.
Seria como ficar extasiado diante de uma placa indicativa ao invés de se dirigir ao lugar
que ela aponta. Paulo diz que a lei era o aio que nos conduziu a Cristo. O aio era o servo
que levava a criança para a escola. Lá chegando, o interesse se voltava para o mestre. Se
encontramos o Mestre Jesus, já não faz sentido o apego ao aio lei.

A situação dos hebreus foi ilustrada através de uma etapa de sua própria história.
O autor demonstra que, assim como seus antepassados estavam no deserto, hesitando
diante de Canaã (Hb.4.1), os hebreus estavam hesitantes diante da graça de Deus e seus
benefícios. O livro admoesta radicalmente a respeito dos riscos representados pelo
retrocesso, pela apostasia (Hb.4.1; 6.1-6; 10.38-39). O desvio encontra-se relacionado à
incredulidade, desobediência e rebelião (Hb.2.1-3; 3.12,16-19; 4.11). Em lugar do
desvio, os hebreus são aconselhados a avançar com ousadia (Hb.10,19).

O aspecto cerimonial da velha aliança era algo grandioso. Como exemplo,


podemos citar a grandeza do templo e os belos trajes sacerdotais. Diante de tudo isso, a
igreja aparece como algo muito simples. Ela não precisa de um templo, embora possa
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utilizá-lo. Seus ministros não precisam de belas vestes para a direção do culto. A igreja
do Senhor Jesus encontra-se onde estiverem dois ou três reunidos em nome do Senhor.
É tudo tão simples que poderia parecer vazio aos olhos dos hebreus. Eles ainda estavam
apegados ao templo judaico, mas precisavam se acostumar a viver sem ele, pois sua
destruição estava bem próxima (Hb.8.13 ?).

b) O Visível e o Invisível (Aparência x essência)

Os hebreus estavam muito apegados aos aspectos visíveis do judaísmo. Aliás, o


ser humano, em geral, tem essa tendência. Por isso é que muitos objetos acabam sendo
incorporados à prática religiosa que, em princípio, é essencialmente espiritual. Na
igreja, podemos usar recursos visíveis, uma vez que a Bíblia nos dá exemplos disso. Os
lenços de Paulo curavam (At.) Contudo, precisamos ter cuidado para não elaborarmos
doutrinas e condicionamentos para a nossa fé.

No Velho Testamento, Deus usa recursos visíveis com restrições. Ele mandou
fazer a arca da aliança, a serpente de bronze e outros objetos, mas proibiu a fabricação
de imagens de escultura como representação de Deus ou de deuses (Dt 4.12, 15-19).

Deus pode usar o visível, mas "bem-aventurados os que não viram e creram"
(João 20.29). A experiência de Tomé, ao ver o Senhor Jesus ressuscitado, foi autêntica,
maravilhosa, importante, mas melhor seria se ele não tivesse dependido disso. Sua fé
não foi suficiente.

Em Mateus 8.5-10, temos o elogio de Jesus ao centurião que não dependia nem
da presença física do Mestre para que seu servo fosse curado. Jesus disse que nem em
Israel havia encontrado tanta fé. Quanto mais dependentes nós formos de elementos
visíveis para sermos curados ou abençoados, menor é a nossa fé. Recursos, tais como
objetos ungidos, podem até ser importantes para os neófitos na fé, mas devem ser
abandonados na medida em que vai se chegando à maturidade espiritual. Não podemos
fazer de um objeto ungido um amuleto.

O autor aos hebreus se esforçava por conduzi-los a um novo nível, em que não
dependeriam de objetos sagrados, lugares físicos ou sacerdotes terrenos.

O autor coloca em destaque: a fé. O capítulo 11, tão utilizado quando se estuda
sobre a fé, ali está com esse objetivo: mostrar aos hebreus que até mesmo seus
antepassados, os pais, juízes e profetas, viveram e serviram a Deus e venceram pela fé e
não por vista. Portanto, convinha que os hebreus seguissem tal exemplo e se
desvencilhassem de toda dependência visual contida no cerimonial judaico.

Hb.11.1 - A fé é a certeza das coisas que não se vêem. Os leitores precisavam


entrar nessa nova realidade. Não podiam mais depender da aparência. O autor enfatiza
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que tudo o que vemos foi feito do que não é aparente. Logo, o invisível é anterior e
superior ao visível. O visível é a aparência das coisas. É algo que impressiona as
pessoas e causa emoções e reações. Muitas religiões usam de grande pompa para
impressionar seus fiéis. Com isso, passam a idéia de uma essência que, de fato, não
existe. As pinturas, esculturas, a arquitetura e a música são alguns elementos que
ajudam a montar um cenário impressionante, mas não constituem essência espiritual
(Obs. II Tm.3.5).

O mundo espiritual é invisível para nós hoje, mas um dia poderemos vê-lo. Hoje,
podemos falar apenas de uma "visão espiritual", como acontecia com os patriarcas
(Hb.11.13,26,27). Pela fé, "vemos" o cumprimento das promessas. Um dia, porém,
Cristo aparecerá (Hb.9.28). Então, o invisível se tornará visível.

c) Terra e Céu

Utilizando os termos "terra" e "céu", o autor tenta fazer com que seus
destinatários "mudem o foco" de sua espiritualidade.

Jesus já havia apresentado essa ênfase em sua mensagem ao ensinar sobre o


Reino dos céus, tesouro nos céus, Pai nosso que estais no céu, assim na terra como no
céu. Qual é a ênfase do nosso evangelho: a terra ou o céu? Valores terrenos ou valores
celestiais?

Hb. 1.10 - Terra e céu.

Hb. 4.14 - Penetrou nos céus

Hb. 7.26 - Mais sublime que os céus.

Hb. 8.1 - Assentou nos céus.

Hb. 9.23 - Figura das coisas que estão no céu.

Hb. 9.24 - santuário no céu.

Hb. 12.23 - Primogênitos inscritos nos céus.

Hb. 12.25 - Aquele que é dos céus.

Hb. 12.26 - Terra e céus.

A realidade celestial

3.1 - Vocação celestial (passado). Deus nos chama.


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6.4 - dom celestial (presente). Deus nos capacita.

8.5 - coisas celestiais (embora já existam, são futuras para nós).

9.23 - coisas celestiais (futuras para nós).

11.16 - pátria celestial (futura para nós).

12.22 - Jerusalém celestial. (futura para nós).

Para o escritor aos hebreus, o céu não é um lugar vazio, envolto em névoa
branca. Ele fala de uma cidade celestial, de um santuário celestial e coisas celestiais, as
quais se constituem em mistério para nós. Em destaque está o santuário celestial, o qual
foi visto por Moisés no monte e serviu de modelo para a construção do santuário
terreno. Portanto, os hebreus não deveriam ficar apegados ao terreno, mas sim ao
santuário celestial, onde Cristo entrou depois de oferecer sua própria vida como
sacrifício.

d) A Solução

O problema dos hebreus consistia no apego a algo bom. Como disse o apóstolo
Paulo em Romanos 7, "a lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom". O apego ao
que é bom pode nos privar daquilo que é melhor. A epístola vem mostrar "o melhor"
para os hebreus. Esta é a palavra chave da carta. As expressões "superior", ou "tão
superior", ou "maior" ou "mais excelente", variando conforme a tradução, também são
freqüentes e demonstram o pensamento do autor no seu esforço por apresentar a
superioridade de Cristo e do evangelho no confronto com a lei e a velha aliança.

Melhor: Hb.1.1-4; 6.9; 7.4,19-22; 8.6; 9.23; 10.34; 11.16; 11.35; 11.40; 12.24;

Tão superior: Hb.1.4

Maior: Hb.3.3; 7.7; 9.11; 10.29; 11.26;

Mais excelente: Hb.1.4; 8.6; 11.4.

As expressões "tão superior" e "mais excelente" contém uma ênfase muito forte.
Bastaria dizer que Cristo é superior ou excelente. Contudo, o autor utiliza uma
terminologia que demonstra a insuperabilidade do Senhor Jesus.

A palavra de Deus nos convida à excelência (I Cor.12.31). Não devemos, pois, ter
uma atitude comodista, mesmo que nossa situação espiritual seja boa. "Quem é santo,
seja santificado ainda." (Ap.22.11). Avance, suba, progrida. Não existem limites para a
nossa experiência com Deus.
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Mostrar algo melhor para um povo que já tem um pacto com Deus é um desafio
muito grande. Contudo, o autor se saiu muito bem na produção de sua apologia. Seu
argumento central é a apresentação da pessoa de Jesus. É verdade que ele estava
escrevendo para cristãos, pessoas que já conheciam a Cristo. Porém, ainda não haviam
compreendido plenamente sua personalidade e sua obra.

Os hebreus estavam ainda apegados aos personagens do Velho Testamento: Abraão,


Moisés, Aarão, Josué, Davi, profetas, anjos, etc. Então, a epístola apresenta afirmações
contundentes sobre Cristo. Ele é apresentado como:

 Filho de Deus - Hb.1.1; 4.14.


 Sumo sacerdote - Hb.6.20
 Autor da salvação - Hb.2.10.
 Autor e consumador da fé. - Hb.12.2. etc.

Tais afirmações destroem qualquer tentativa de comparação ou desejo de exaltação


de homens ou anjos. Todos se reduzem drasticamente diante da grandeza do Senhor
Jesus Cristo. Sendo assim, a graça por ele oferecida, a nova aliança, o evangelho e a
igreja, estão suficientemente afiançadas para que sejam aceitos sem hesitação. Jesus é o
fiador e o mediador da nova aliança (Hb.7.22; 9.15).

Na apresentação da superioridade de Cristo, apresenta-se um paradoxo. Os


grandes, na concepção humana, são exaltados, servidos, obedecidos e fazem sofrer.
Jesus, o maior, foi humilhado, servo, obediente e sofredor. Contudo, todo o seu
sofrimento era necessário para ser nosso legítimo representante no exercício do seu
sacerdócio (Hb.2.14-18).

Ao se falar no sacerdócio de Cristo, os hebreus poderiam levantar o seguinte


questionamento: Como Cristo poderia ser sumo sacerdote tendo nascido da tribo de
Judá? Os sacerdotes vinham da tribo de Levi. Por isso, o autor diz que Cristo era sumo
sacerdote da ordem de Melquisedeque, a qual é anterior e superior à ordem de Aarão,
que descendia de Levi.

Para que o impasse dos hebreus se resolvesse, eles deveriam entrar na nova
realidade apresentada por Cristo: a nova aliança com Deus. A nova realidade é acessada
por meio da fé. De fato, sendo judeus convertidos, eles criam em Cristo, mas ainda não
usufruíam de todos os recursos da graça.

e) Fundamentos da nova propósta

A fé e o invisível podem parecer propostas bastante vagas e propiciadoras de


infinita especulação imaginativa. Já que o objeto da fé é invisível, então qualquer
sugestão pode ser aceita, mesmo que seja algo inexistente? De fato, é o que ocorrido
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muitas vezes. Homens influentes acabam por convencer muitas pessoas a respeito de
uma suposta realidade espiritual. Assim, surgem muitas religiões e seitas. Outras vezes,
tal realidade é um fato, mas pertence ao domínio do mal.

Diante disso, perguntamos: qual é o fundamento da nossa fé? A fé é o


fundamento das coisas que se esperam (Hb.11.1) e o fundamento da fé é a palavra de
Deus. "A fé vem pelo ouvir... a palavra de Deus". (Rm.10.17). O autor da epístola aos
Hebreus faz então um exame de toda a estrutura cristã, a qual poderíamos comparar a
uma construção, onde cada parte está firmada sobre a anterior, que, por sua vez, precisa
ser sólida e bem fundamentada.

O fundamento da nossa fé é aquilo em que nós cremos. Pela fé aguardamos que


um fato aconteça. Então vem a questão crucial: o fato que se espera foi prometido por
Deus? Se a resposta for positiva, então nossa fé está fundamentada na promessa, na
palavra de Deus. Se a resposta for negativa, então estamos esperando algo que não virá.

Quando Pedro andou sobre as águas, seu passo de fé estava firmado na palavra
de Jesus que lhe disse: Vem! O mesmo ocorreu na pesca milagrosa. Pedro disse: "Sobre
a tua palavra lançarei as redes." (Lc.5.5).

Muitas pessoas dizem crer em algo apenas porque isso corresponde ao seu
desejo pessoal. Se tal realização estiver no âmbito das possibilidades humanas, então
pode mesmo acontecer, mas se depender de uma ação de Deus, então precisa estar
fundamentada na palavra de Deus. Além da palavra escrita na Bíblia, Deus pode nos
falar de modo específico, visando situações particulares da nossa vida.

Quando se faz um exercício de fé sem uma palavra de Deus como base, o


resultado pode ser a frustração.

Havendo fé na palavra dita por Deus, ainda cabe, em muitos casos, a ação
humana coerente com a palavra. É a obediência. Algumas profecias divinas são
absolutas e incondicionais. Vão acontecer de qualquer forma. Outras vêm
acompanhadas de uma ordem ou mandamento e estão condicionadas à obediência. Por
exemplo, a promessa de Deus a Abraão estava ligada a uma ordem: "Sai da tua terra e
da tua parentela." Sobre esta palavra, Abraão depositou sua fé e acrescentou a
obediência. Abraão saiu sem saber para onde ia. Desse modo, "o que se espera"
(Hb.11.1) vem. "O que há de vir virá e não tardará." (Hb.10.37). Se, por outro lado,
formos incrédulos e desobedecermos à palavra, estaremos também juntando elementos
que trarão o castigo, que também é um cumprimento da palavra de Deus. Contudo,
sempre há um tempo para o arrependimento e a retomada do rumo certo.

Para ilustrar o conceito dos fundamentos, construímos o quadro a seguir:


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O que você espera... virá???

O que você não vê... existe??

Sua fé tem base na palavra de Deus ou base na imaginação humana?

Tem base na vontade de Deus ou na vontade humana?

Seu fundamento é rocha ou areia? Jesus comparou sua palavra à rocha (Mt.7.24).
A obediência, que pressupõe fé, seria a construção sobre a palavra. A desobediência
também seria um tipo de construção, destinada a ruir sobre o seu construtor.

A palavra é verdadeira, mas sem fé ou sem obediência não produz o efeito


desejado (Hb.3,18,19; 4.1,2,11). Aqui temos um lado positivo e um lado negativo. No
esquema abaixo, temos o vazio de uma falsa fé ou uma falsa palavra.
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Poderíamos desenhar um esquema semelhante a este em representação de


questões legítimas de execução da vontade humana no mundo natural. Nesse caso não
incluiríamos o diabo. O homem pode ter seus desejos, fazer seus planos, empenhar sua
palavra, promover suas ações e fazer com que o que se espera venha a se concretizar.
Contudo, isso não funciona do mesmo modo no mundo espiritual, a não ser que a
vontade de Deus seja a base (I Jo.5.14-15). Podemos aplicar fé sobre tudo que pedimos
a Deus? Apenas quando o nosso pedido estiver coerente com a sua palavra. Algumas
vezes pedimos algo que não está contra a Bíblia, mas pode estar contra o plano
específico de Deus para cada um de nós. Por exemplo, se alguém pede que Deus lhe dê
riqueza, isso não está contra a Bíblia. Por outro lado, o Senhor nunca prometeu que
todos os seus filhos seriam ricos materialmente. Se alguém pede, deve fazê-lo com fé.
Porém, se tal pessoa não tiver recebido uma palavra específica de Deus, então sua fé
pode ser como uma parede construída sobre a areia. Veja como foi diferente o caso de
Salomão. Deus lhe disse: "Pede-me o que quiseres." Então, se ele tivesse pedido
riqueza, sua fé estaria totalmente fundamentada. Fez melhor pedindo sabedoria. É o que
precisamos para fazermos os próximos pedidos.

Às vezes pensamos que estamos fundamentados na palavra quando, na


realidade, trata-se de um falso entendimento da mesma. Por exemplo, em Atos 16.31
Paulo disse: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa." Muitos usam esse
versículo para esperar ou "cobrar" de Deus a salvação da família. Contudo, tal palavra
foi dirigida especificamente ao carcereiro de Filipos e não se trata de uma doutrina, a
qual possa ser aplicada genericamente. Um entendimento errado conduzirá à frustração.
Toda a minha família pode se converter ao Senhor, mas isso não tem nada a ver com
Atos 16.31, pois aquele texto não traz uma promessa para nós. O própria Paulo escreveu
aos Coríntios: "Como sabes tu, ó mulher, se salvarás teu marido? ou, como sabes tu, ó
marido, se salvarás tua mulher?" (I Cor.7.16). No caso do carcereiro, creio que Paulo
falou por uma revelação específica destinada àquela família. O mesmo Deus pode
revelar hoje. Só não podemos fazer uma regra a esse respeito.

Quando Pedro andou sobre as águas, a palavra de Jesus foi dirigida


especificamente a ele. Os outros discípulos não poderiam descer do barco. Nós também
não estamos autorizados a fazer viagens a pé pelo oceano.

Muitos citam Mateus 6.33 da seguinte forma: "Buscai primeiro o reino de Deus
e a sua justiça e as outras coisas vos serão acrescentadas." Desse modo, poderíamos
esperar de Deus tudo o que pudéssemos pedir e imaginar. Essa distorção às vezes
acontece quando se fazem músicas com os versículos. Para encaixar na melodia, o
versículo é mudado. Então as pessoas aprendem dessa forma. Contudo, a Bíblia diz:
"Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão
acrescentadas." O significado é bem mais restrito do que normalmente se diz. "Estas
coisas" são as que Jesus mencionou no versículo 25: comida, bebida e vestuário. É
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verdade que Deus pode nos dar infinitamente mais. Contudo, o versículo não está
prometendo isso. Não podemos ver ali casas luxuosas, carros, navios, empresas, etc.
Seria muita criatividade da nossa parte.

A fé precisa estar fundamentada na palavra. Precisamos, portanto, entender a


palavra (Dn.10.1) e saber a quem ela foi dirigida.

Observe que, em Hebreus, a "palavra", ou "promessa", ocupam lugar de


destaque. A "fé" e a "esperança" do mesmo modo. A "incredulidade" é condenada.
Nesse caso, a fé na promessa é substituída pela fé no castigo, a qual é chamada de
"expectação terrível" (Hb.10.27).

Vejamos as ocorrências dessas palavras e outras derivadas no texto:

Palavra(s) - Hb.1.3; 2.2; 4.2,12; 5.13; 6.5; 7.28; 10.28; 11.3; 12.19,27; 13.7,22. Temos
nessas passagens, quase sempre, a palavra de Deus. Aparecem também as palavras dos
anjos, das testemunhas e do próprio autor da carta.

Promessa(s) - Hb.4.1; 6.12,13,15,17; 7.6; 8.6; 9.15; 10.23,36; 11.9,13,17,33,39.

Prometido - Hb.11.11; 12.26.

Fé - Hb.4.2-3; 6.1,12; 10.22,38; 11.1,3,4-9,11,13,17,20-25,27,29-31,33,39; 12.2; 13.7.

Creia - Hb.11.6.

Esperança - Hb.3.6; 6.11,18; 7.19; 10.23.

Esperando - Hb.6.15

Esperam - Hb.9.28; 11.1.

Esperando - Hb.10.13.

Esperava - Hb.11.10.

Expectação - Hb.10.27.

Incredulidade - Hb.3.12,19

Obediência - Hb.5.8.

Desobediência e desobedientes - Hb.2.2; 3.18; 4.6,11; 11.31.


Andreu Monteiro 16

Para os irmãos do primeiro século, a palavra escrita de Deus era apenas o Velho
Testamento. A carta aos hebreus está bem fundamentada nessa porção das Escrituras.
Afinal, não pretende negar o Velho Testamento, e sim mostrar o seu cumprimento em
Cristo e no evangelho.

CITAÇÕES DO V.T. NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS

Hebreus Velho Testamento

1.5 a Salmo 2.7

1.5 b I Samuel 7.14; I Crônicas 17.13

1.6 ?

1.7 Salmo 104.4

1.8-9 Salmo 45.6-7

1.10-13 Salmo 102.25-27

2.6-8 Salmo 8.4-6

2.12 Salmo 22.22

2.13 Isaías 8.17-18

3.7-11 Salmo 95.7-11

3.15 Salmo 95.7-8

4.3 Salmo 95.11

4.4 Gênesis 2.2

4.5 Salmo 95.11


Andreu Monteiro 17

4.7 Salmo 95.7-8

5.5 Salmo 2.7

5.6 Salmo 110.4

6.14 Gênesis 22.16-17

7.17 Salmo 110.4

7.21 Salmo 110.4

8.8-12 Jeremias 31.31-34

10.5-9 Salmo 40.6-8

10.16-17 Jeremias 31.33-34

10.30 Deuteronômio 32.35

10.37-38 Habacuque 2.3-4

11.4-37 Diversos episódios do VT

12.5-6 Provérbios 3.11-12

12.20 Êxodo 19.12-13

12.26 Ageu 2.6

13.5 Deut.31.6-8; Josué 1.5

13.6 Salmo 118.6

É digna de destaque a leitura messiânica que o autor faz dos textos citados.
Temos, portanto, sólida base, para ver Cristo no Velho Testamento. É bastante forte a
expressão do autor ao escrever: "Assim, pois, como diz o Espírito Santo." (3.7-11). As
Andreu Monteiro 18

palavras seguintes são do Salmo 95, escrito por Davi. Notamos então que o autor
reconhecia e declarava claramente que o salmo foi inspirado pelo Espírito Santo, ou
podemos até dizer, "ditado" por ele. Tal reconhecimento é óbvio, mas é bom sabermos
que o texto está mostrando isso, de modo que temos uma prova inequívoca de tal
afirmação.

f) Exortações

O autor da epístola mostra o problema dos Hebreus e a solução necessária. Se


conhecemos a doença e o remédio, o que nos resta? O tratamento. Da mesma forma, o
escritor apresenta diversas exortações aos seus leitores. Não basta saber. É preciso fazer
algumas coisas, enquanto outras são evitadas. As exortações são expressões imperativas
que pretendem induzir à ação, ao movimento, à iniciativa. Existem atitudes a serem
tomadas e acões a serem executadas em relação ao passado e ao futuro. O passado
precisa ser abandonado. O futuro precisa ser focalizado, crido e realizado.

Se alguém se encontra à beira de um abismo, diversas orientações podem ser


dadas. Poderíamos dizer: "Não se mova! Acalme-se! Vire-se lentamente! Dê um passo!
Agora ande mais rápido! Corra!" A primeira preocupação é evitar o pior, evitar a queda.
Depois procuramos mudar a situação, eliminar o risco, colocando a pessoa a salvo.

Do mesmo modo, a epístola contém exortações que podem ser agrupadas da


seguinte forma:

Para evitar o pior Para deixar o passado Para conquistar o presente


/futuro

Não abandone - Hb.10.25 Deixemos - Hb.12.1 Esforcemo-nos por entrar -


Hb.4.11

Não se endureça - Hb.3.8 Saiamos - Hb.13.13 Cheguemo-nos - Hb.4.16

Temamos - Hb.4.1 Tendo intrepidez para entrar -


Hb.10.19

Aproximemo-nos - Hb.10.22

Guardemos - Hb.10.23

Consideremo-nos - Hb.10.24
Andreu Monteiro 19

Corramos - Hb.12.1

Prossigamos - Hb.6.1

Sirvamos - Hb.12.28

Ofereçamos - Hb.13.15

Conservemos - Hb.4.14

Retenhamos - Hb.12.28

Apeguemos - Hb.2.1

Seja qual for a sua situação, "não abandone a congregação", "nem endureça o
coração". Pior do que cair é desistir de caminhar. Não fique indiferente, como se nada
estivesse acontecendo. Pelo contrário, reconheça sua posição de risco e "tema" pelo mal
que pode vir. Até agora, estamos tratando com atitudes. Observadas tais admoestações,
outras atitudes devem ser tomadas. Existe um passado a ser deixado. O pecado e o
embaraço precisam ser abandonados a fim de que, livres de todo peso, possamos
avançar na direção que o Senhor nos apresenta. Os hebreus precisavam sair de uma
situação indesejável e entrar na nova realidade proposta.

Os hebreus estavam um tanto quanto deslocados em relação ao propósito de


Deus. Por isso são convidados a entrar. Estavam distantes. São convidados a se
aproximar do trono da graça. Não podemos seguir a Cristo de longe. Estavam lentos
(5.11-12) em sua jornada espiritual. O autor os convida a "correr" (12.1). O plano de
Deus é urgente. O Senhor não está limitado pelo tempo, mas nós estamos e, por isso,
não podemos demorar.

O verbo "cheguemo-nos" encontra-se na voz reflexiva. Indica um tipo de ação


em que nós somos, ao mesmo tempo, sujeito e objeto. É uma ação que o indivíduo
executa sobre si mesmo. Isso significa algo pessoal e intransferível, como acontece com
muitas atitudes humanas diante de Deus. Nosso posicionamento espiritual não pode ser
decidido ou resolvido por outra pessoa. Ninguém vai nos aproximar de Deus. O que ele
decidiu fazer por nós nesse sentido, ele já fez. Jesus já veio e já subiu "abrindo um novo
e vivo caminho" (Hb.10.20). O caminho está aberto. Entrar, caminhar, correr,
aproximar, são ações que dependem de cada um.
Andreu Monteiro 20

A observação dos verbos mencionados, seu tempo, modo e pessoa, muito nos
ensina. A maioria dos verbos se encontra conjugada na primeira pessoa do plural. Isso
mostra que o autor se inclui em quase tudo o que diz, em quase todas as propostas que
faz. Temos aí uma nota de humildade. Ele não apenas aponta o caminho e o trabalho,
mas se coloca em posição de também fazer tudo o que está sendo comandado. É uma
atitude desejável para os que pregam, ensinam ou lideram.

Os verbos "retenhamos", "apeguemos", "guardemos" e "conservemos" nos


mostram claramente que algo podia ser perdido pelos hebreus. O risco da apostasia está
evidente em todas essas expressões.

EPÍSTOLA DE TIAGO

1. Autoria

De acordo com o primeiro versículo da epístola, o nome do autor é Tiago, que se


apresenta como "servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo". "Tiago" é a forma grega do
nome hebraico "Jacó", que significa "suplantador". Em princípio pode parecer que a
autoria esteja clara e bem definida. Contudo, não é assim. Já que o Novo Testamento
menciona várias pessoas com o nome de "Tiago", surge a questão de qual deles teria
sido o autor da carta. Temos, no mínimo, três personagens distintos com o nome de
Tiago:

1 - O maior, irmão de João, filho de Zebedeu (Mt.10.1-4)

2 - O menor, filho de Alfeu. (Mc.15.40).

3 - O irmão de Jesus (Mt.13.55; Mc.6.3).

4 – O pai de Judas. (Lc 6.16; At 1.13)

Em Atos 1.13-14 os três estão presentes, mas o texto fala de um certo Judas, que
era filho de Tiago. Não fica claro se esse Tiago era um dos três já citados ou se poderia
ser um quarto personagem. As passagens dos evangelhos que citam Tiago, geralmente
estão se referindo ao irmão de João. Sua morte é mencionada em Atos 12.2, pois bebeu
o cálice predito por Jesus em Mt 10.38,39. Não sabemos o que aconteceu com o filho de
Alfeu. A partir daí, existem outras referências que citam Tiago, em Atos e nas epístolas.
Tais passagens são normalmente relacionadas à pessoa do irmão de Jesus. Em Gálatas,
Paulo fala de seus contatos com Tiago, irmão do Senhor, que estaria em Jerusalém.
Com base nesse texto, os outros também são associados, por dedução, à mesma pessoa.
Tal associação é bastante aceita pelos críticos e parece muito coerente. Quem segue essa
Andreu Monteiro 21

ligação de textos acaba por atribuir ao irmão de Jesus a autoria da epístola em epígrafe.
Alguns comentaristas preferem não seguir essa tendência e se abstêm de apontar o
autor.

Considerando que Tiago, irmão do Senhor Jesus, escreveu a carta, destacamos


algumas informações sobre a sua pessoa, conforme nos auxiliam o Novo Testamento, as
conjecturas e a tradição eclesiástica.

Tiago não cria em Jesus antes da crucificação (João 7.5). É possível que sua
conversão tenha se dado após a ressurreição de Cristo, quando este lhe apareceu (I
Cor.15.7). Juntou-se então aos discípulos (At.1.14), tornando-se apóstolo (Gál.1.19) e
uma das "colunas" da igreja em Jerusalém (Gál.2.9). Sua liderança obteve grande
destaque, conforme se observa em Atos 12.17; 15.13-29; 21.18 e Gálatas 2.12. Tiago
veio a ser chamado "o justo", por sua integridade, e "joelho de camelo" devido as
marcas que possuía em virtude de suas constantes orações. Segundo Flávio Josefo, o
irmão de Jesus morreu em 63 d.C. Sendo pressionado pelos judeus para que negasse a
Cristo e tendo permanecido firme em suas afirmações, Tiago foi arremessado de um
lugar alto nas dependências do templo. Não tendo morrido com a queda, foi apedrejado
até a morte.

2. Data

Alguns acreditam que a carta foi escrita antes do Concilio de Jerusalém (At 15),
que provavelmente aconteceu no ano 48 à 49 d.C.. Sento assim,a data de produção da
carta se situa entre os anos 45 e 48 d.C. Alguns comentaristas sugerem um período
posterior. Aqueles que identificam Tiago, o irmão do Senhor, como o autor atribuem a
carta uma data perto do fim de sua vida, em 62 d.C.

3. Local de origem

As teorias do local de origem estão intimamente relacionadas as concepções de


datação. Os que acreditam em uma data mais tardia (entre 45 a 48 d.C.) afirmam que foi
escrita de Jerusalém. E os que acreditam em uma data posterior (62 d.C.) afirma ter sido
escrita em Roma, quando Tiago estava prestes a ser martirizado.

4. Destinatários

Esta carta não foi dirigida á uma igreja específica. A carta é destinada às 12
tribos da diáspora (dispersão). Alguns acreditam que são judeus cristãos que se
encontravam dispersos entre várias nações. (Tg. 1.1; 2.2). Argumenta-se que alguns
aspectos deixam claro que os destinatários são judeus Cristãos: a) a maneira natural de
mencionar o Antigo Testamento (1.25; 2.8-13); b) a referência ao lugar onde os
Andreu Monteiro 22

destinatários se reuniam como uma sinagoga (2.2); c) o uso disseminado de metáforas


do Antigo Testamento e do Judaísmo.

Entretanto, outro teólogos, como Russell Shedd, acreditam que a expressão “às
doze tribos” provavelmente não se refere a judeus como raça mas aos crentes em Cristo,
que se tornaram o verdadeiro Israel de Deus (Gl 6.16; Fp 3.3). Em 1Pe 1.1 “dispersão”
també

m se refere a gentios cristãos.

5. Características

No aspecto teológico a carta tem como tema principal “A religião prática”. E


dois versículos podem ser considerados com textos chaves da carta (1.27 e 2.26).

O livro tem teor prático, rigoroso, usa muitas ilustrações, é direto, tem estilo
semelhante ao sermão da montanha. Apresenta diversos preceitos morais. A carta
contém 108 versículos, entre os quais temos 54 mandamentos.

Sobre seu rigor, destacamos: Tg.1.7; 1.26; 2.9; 2.10; 2.19; 3.6; 3.8; 3.14-15; 4.1-
4; 4.8-9; 4.16; 5.1-6.

Paralelo entre o livro de Tiago e o Sermão da Montanha.

Assunto Tiago Sermão da Montanha

Juramento 5.12 Mt.5.34-37

Resposta à oração 1.5; 5.16-18 Mt.7.7

Prática da palavra 1.22 Mt.7.24-27

Julgamento 4.11 Mt.7.1

O uso de ilustrações

Tiago, como bom pregador, utiliza de forma magistral as ilustrações, como meio
de representar, de modo claro, as verdades ensinadas. Tal recurso ajuda a entender o
ensinamento e também a fixá-lo na memória.
Andreu Monteiro 23

A epístola utiliza fatos reais, eventos hipotéticos, elementos da natureza e até obras das
mãos humanas para expressar suas idéias.

Fatos reais:

o Abraão - Tg. 2.21-23.


o Raabe - Tg.2.25
o Jó - Tg.5.11.
o Elias - Tg. 5.17-18

Eventos hipotéticos:

o O pobre e o rico na sinagoga - Tg. 2.2-4.


o O irmão necessitado - Tg.2.15-16.
o O doente e os presbíteros - Tg. 5.14-15
o Os planos de viagens e negócios - Tg.4.13.

Elementos da natureza:

o O mar e as ondas - Tg.1.6.


o A fonte e a água - Tg. 3.11-12
o A figueira - Tg.3.12.
o Os figos - Tg.3.12.
o A videira - Tg.3.12.
o As azeitonas - Tg.3.12.
o O vapor - Tg.4.14.
o A chuva e o fruto da terra - Tg.5.7.
o O vento - Tg.3.4.
o O bosque e o fogo - Tg.3.5.
o Os cavalos - Tg.3.3.
o Feras, aves, répteis, animais marinhos - Tg.3.7.
o Frutos - Tg.3.17.
o A erva, a flor e o sol - Tg.1.10-11.
o Luz e sombra - Tg.1.17.
o A traça - Tg.5.2.

Obras das mãos humanas:

o O enxerto - Tg.1.21.
o O espelho - Tg. 1.23.
o Os navios e o leme - Tg.3.4.
o Vestes e anel - Tg.2.2-3.
Andreu Monteiro 24

o Estrado - Tg.2.3.

Figuras de linguagem:

o A língua é um fogo - Tg.3.6.


o Está cheia de veneno mortal - Tg.3.8.
o A cobiça concebe e dá à luz o pecado. Este gera a morte. -
Tg.1.15.
o Alimpai as mãos, pecadores - Tg.4.8.
o Vossas riquezas estão apodrecidas - Tg.5.2.
o Vossos vestidos estão comidos de traça - Tg.5.2.
o Vosso ouro e vossa prata se enferrujaram - Tg.5.3.
o Sua ferrugem dará testemunho contra vós - Tg.5.3.
o E comerá como fogo a vossa carne - Tg.5.3.
o O jornal dos trabalhadores... clama - Tg.5.4.
o Engordaste os vossos corações - Tg.5.5 .
o O juiz está à porta - Tg.5.9.

Em alguns textos, não é fácil saber se o autor usa determinada palavra com
sentido figurado ou literal. Por exemplo, as "guerras" em Tiago 4.1.

6. Esboço

1 - Prefácio e saudações - 1.1

2 - As provas e tentações - 1.2-18.

3 - A prática da palavra de Deus - 1.19-27.

4 - A acepção de pessoas - 2.1-13.

5 - A fé e as obras - 2.14-26.

6 - Os males da língua - 3.1-18.

7 - Várias exortações práticas - a oração e a paciência - 4.1 - 5.20.

7. Propósito da carta
Andreu Monteiro 25

O propósito de Tiago ao escrever está carta reside no fato que estava havendo
desavenças entre os cristãos, e ele queria corrigir este comportamento. Estes conflitos
eram gerados pela estratificação social. Havia entre os cristãos alguns que eram muito
ricos, e a maioria era muito pobre. Então os problemas de acepção de pessoas
começaram a existir (v.2.1-13), bem como, o fato de falarem mal uns dos outros (v.3.1-
18). Para resolver o problema os argumentos de Tiago se mostram em duas frentes
principais: a) praticar a Palavra de Deus (v.1.19-27), e b) Os obras é que autenticam se
a fé é verdadeira (v.2.14-26).

8. Comentário

a) Provas e tentações

Tiago introduz o assunto com palavras de impacto: "Tende grande gozo quando
vos forem enviadas várias provações." (Tg.1.2). Não faz parte do nosso pensamento
moderno uma idéia como essa. Em nosso tempo, procura-se o menor esforço e o maior
prazer. A epístola nos mostra que as tentações e as provações são elementos presentes e
importantes na vida cristã. Por quê essa importância? Tiago responde: "sabendo que a
prova da vossa fé produz a paciência." (Tg.1.3). Precisamos saber isso para termos uma
atitude positiva diante daquilo que Deus nos envia ou permite. Tudo o que Deus
permitir de negativo em nosso caminho terá um propósito e produzirá alguma virtude
em nós. Isso, evidentemente, se sairmos vencedores desse processo.

É importante discernir entre prova e tentação e suas respectivas origens. Tiago


diz que ninguém pode dizer que é tentado por Deus (Tg.1.13). Deus nos prova, nos
coloca em teste. Ele não nos tenta. Entretanto, permite a tentação. Esta vem de dentro de
nós, atraída por fatores externos (Tg.1.14-17). A isca é exterior. A tentação está no
apetite do peixe. Casos diferentes foram as experiências de Adão, Eva e Cristo. Como
não tinham pecado, a tentação foi totalmente exterior (Gên.3; Mt.4).

Prova é teste. Tentação é indução ao erro. Toda tentação pode ser vista como
prova. Contudo, nem toda prova é tentação. Por exemplo, se Deus nos permite passar
por uma situação de dificuldade financeira, isso pode ser uma prova para demonstrar se
continuaremos confiantes e fiéis ao Senhor ou não. Se, em meio a tudo isso, aparecer
uma oportunidade de ganho ilícito, isso será uma tentação. Estar no deserto é prova.
Oferta de "pedras no lugar de pães" é tentação (Mt.4.3).

A prova e a tentação revelam o que há em nossos corações. São formas de


manifestar o que somos interiormente. Tal demonstração não serve para que Deus nos
conheça, pois ele já nos conhece plenamente. A prova e a tentação mostram para nós
mesmos a nossa natureza e fraquezas que talvez não conhecêssemos.
Andreu Monteiro 26

Além do auto-conhecimento, provas e tentações são oportunidades de


aprendizagem, até mesmo quando fracassamos. Tal conhecimento será útil para as
próximas vezes.

b) A Religião Prática

Confrontando a epístola aos Hebreus com a de Tiago, verificamos que Hebreus


contém uma ênfase sobre a fé. Os destinatários precisavam se livrar da dependência que
tinham em relação aos elementos visíveis do judaísmo. Os valores invisíveis e celestiais
são enfatizados. Tiago também escreve aos hebreus. Porém, seu discurso tem uma
ênfase diferente. Ele está enfatizando o visível. Enquanto a epístola aos Hebreus fala do
céu, Tiago "põe os pés no chão" e nos convida a encarar necessidades e desafios do dia-
a-dia. Não existe nisso nenhuma contradição. Os hebreus não deviam depender de
elementos visíveis, tais como o templo, os sacerdotes e os sacrifícios, para estabelecer
ou manter sua relação com Deus. Então, a fé no invisível é enfatizada. Entretanto, nosso
cristianismo não pode ser invisível. Ele precisa se manifestar através de ações no mundo
físico. Nessa parte entra a ênfase de Tiago sobre o valor das obras.

O invisível não depende do visível, mas precisa produzir evidências visíveis, sob
pena de ser considerado inexistente. Por isso Tiago diz: "mostra-me a tua fé sem as
tuas obras." (Tg.2.18). Se a minha fé não produz obras, então tenho uma fé tão "eficaz"
quanto a própria incredulidade. Precisamos mostrar alguma coisa, pois o mundo espera
pra ver. E isso só é possível através de obras.

Tiago enfatiza o valor do caráter cristão. Seu livro não se aplica à exposição
doutrinária, mas ao apelo veemente à prática de toda a doutrina cristã que já se conhece.
O conhecimento da palavra é fundamental (Tg.1.18,21). Ouvir é bom hábito (Tg.1.19).
A fé é indispensável (Tg.1.6-7). Mas o processo não pode parar nesse estágio, pois crer,
os demônios também crêem. A insistência do autor é a fim de que seus leitores
coloquem em prática a palavra de Deus.

A epístola mostra o contraste que muitas vezes ocorre entre a fé e a prática.


Conhecemos muito, cremos na palavra de Deus, mas praticamos pouco e falamos uma
palavra diferente da que ouvimos. Tiago expõe essa contradição e exorta no sentido de
corrigir tamanha distorção.

ALGUMAS CONTRADIÇÕES OBSERVADAS POR TIAGO

Ouve-se a palavra mas não se cumpre (Tg.1.23).


Andreu Monteiro 27

Considera-se religioso mas não se refreia a língua (Tg.1.26).

Reúne-se em nome de Cristo e comete-se a acepção de pessoas na mesma reunião


(Tg.2.1-4).

Alguém tem fé mas não tem obras (Tg.2.14).

Deseja-se o bem ao próximo mas não se pratica esse bem (Tg.2.15-16).

De uma mesma boca procede bênção e maldição (Tg.3.10-12).

Alguém é considerado sábio mas tem inveja e sentimento faccioso (Tg.3.13-16).

"Cobiçais e nada tendes" (Tg.4.2). (Até no erro ficava evidente a contradição)

"Pedis e não recebeis" (Tg.4.3).

Deseja-se ser amigo de Deus e, ao mesmo tempo, amigo do mundo (Tg.4.4).

Sabe-se fazer o bem mas não se faz (Tg.4.17)

ALGUMAS EXORTAÇÕES CORRETIVAS

Pedi sabedoria a Deus (Tg.1.5)

Sede prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar (Tg.1.19).

Rejeitando toda a imundície, recebei com mansidão a palavra (Tg.1.21)

Sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes (Tg.1.22).

Mostrai pelo bom trato as obras em mansidão de sabedoria (Tg.3.13)

Sujeitai-vos a Deus (Tg.4.7).

Resisti ao Diabo (Tg.4.7)


Andreu Monteiro 28

Chegai-vos a Deus (Tg.4.8)

Alimpai as mãos (Tg.4.8)

Purificai os corações (Tg.4.8)

Senti as vossas misérias, lamentai e chorai (Tg.4.9)

Sede pacientes (Tg.5.7)

Orai (Tg.5.13)

Cantai louvores (Tg.5.13)

Confessai as vossas culpas uns aos outros (Tg.5.16)

A prática proposta por Tiago pode ser traduzida pela expressão "boas obras".
Isso inclui:

- Ações a favor do próximo. Exemplo: "visitar os órfãos e as viúvas nas suas


tribulações" (Tg.1.27).

- Bom comportamento: "guardar-se da corrupção do mundo" (Tg.1.27).

Normalmente nos preocupamos em não fazer mal ao próximo. Está certo, mas
além disso precisamos fazer-lhe o bem, pois, se não fizermos, estaremos pecando
(Tg.4.17).

Conhecimento da palavra, fé em Deus e rituais podem muito bem constituir uma


religião falsa se não estiverem associados à obediência, a qual se traduz em prática do
que a palavra manda. A prática revela sabedoria, que é o conhecimento introjetado,
assimilado e aplicado. Tiago apresenta uma hipotética reunião religiosa onde se peca
pela acepção de pessoas. É a religiosidade desprovida de sabedoria, amor e obediência
aos preceitos divinos (Tg.2.1-4).

Observe que em todos os capítulos do livro encontramos ocorrências do termos


"sabedoria", "sábio" ou conjugações do verbo "saber": Tg.1.3,5; 2.20; 3.1,13,15,17;
4.4,14,17; 5.20. Em algumas passagens, o uso do verbo parece ser apenas com fim
sintático. Em outras, torna-se evidente a questão do conhecimento e da sabedoria. O
livro de Tiago tem sido também considerado por alguns como o "livro de sabedoria" do
Andreu Monteiro 29

Novo Testamento, não apenas pelos versículos mencionados, mas pelo uso que faz dos
conselhos morais práticos, da mesma forma como se vê nos livros sapienciais do Velho
Testamento, principalmente Provérbios.

c) O cuidado com as palavras

Além das obras, Tiago coloca em evidência o que falamos. Se cremos na palavra
de Deus precisamos falar de acordo com essa palavra e também proceder desse modo
(Tg.2.12). As admoestações em relação à língua são diversas:

- Não falar precipitadamente. Seja tardio em falar (Tg.1.19). Uma vez falada, a
palavra não pode ser recolhida. Portanto, é bom que se reflita antes de se pronunciar
algo. Assim, evitaremos ofensas, pedidos mal feitos (Tg.4.3), planos incertos (Tg.4.13-
15) e até mesmo votos que não podemos cumprir (Obs. Ec.5.4-6).

- Não falar demais. Tiago usa a expressões "frear", "refrear" e "domar" a língua.
(Tg.1.26; 3.1-12).

- Não mentir (Tg.3.14).

- Não amaldiçoar (Tg.3.10).

- Não acusar a Deus (Tg.1.13).

- Não usar palavras vãs no lugar da ação necessária (Tg.2.16). Esse falar vão
pode até ser uma oração. Existem momentos em que não adianta orar. É preciso agir.
Lembre-se de Moisés diante do Mar Vermelho. Deus disse: "Por quê clamas a mim.
Diga ao filhos de Israel que marchem" (Êx.14.15).

- Não falar mal nem julgar os irmãos (Tg.4.11). Se existe um problema a ser
resolvido com uma pessoa, então não adianta comentar o fato com outros. Talvez, o mal
falado até seja verdade. Contudo, ainda assim trata-se de maledicência. Mesmo que o
irmão esteja errado, nós não devemos difamá-lo. Quando Noé se desnudou em sua
tenda, seu filho Cão foi logo espalhar a notícia e por isso foi amaldiçoado. Os filhos
Sem e Jafé tomaram a providência de cobrir a nudez paterna e por isso foram
abençoados.

- Não reclamar dos irmãos (Tg.5.9).

- Não jurar (Tg.5.12).

Na seqüência do capítulo 5, versos 13 em diante, o autor nos indica o que


devemos falar no lugar das queixas, ou dos juramentos: Ore, cante louvores, confesse
seus pecados.
Andreu Monteiro 30

Sintetizando, Tiago relaciona:

o A palavra de Deus, a qual deve ser ouvida e recebida;


o A fé que depositamos em Deus e em sua palavra;
o Nosso falar e nosso agir, os quais devem ser coerentes com a palavra,
conseqüências e evidências indispensáveis da nossa fé.

Ouvir Crer Falar Agir

(a palavra) (fé) (O falar certo e o errado) (Boas obras)

(inclusive oração e louvor) (Em benefício do


próximo)

(Manifestação da
sabedoria)

1.18,21,25 1.6 1.5,13,19,26 1.4,22-27

2.14-26 2.3,12,14,16 2.12,14-26

3.1-12,14 3.13-17

4.311-12,13-15 4.17

5.4,9,10,13,14,15,17,18 5.20

d) Arrependimento e Juízo

Diante de uma realidade religiosa tão contraditória e tendo em vista o juízo


divino, Tiago convida seus leitores ao arrependimento.

Juízo, justiça e termos derivados Convite ao arrependimento, ao choro,


à confissão

Tg.1.20; Tg.4.7-10

Tg.2.4,9,12,13,21,23,24,25 Tg.5.1,15-16; 5.19-20.


Andreu Monteiro 31

Tg.3.1,18

Tg.4.11,12

Tg.5.6, 9,12, 16

e) A Fé a as Obras

Um dos assuntos mais polêmicos que envolvem o livro de Tiago é o confronto


entre fé e obras. Tiago valoriza tanto uma coisa (1.6) quanto a outra (2.14). Porém, sua
carta fala mais das obras, já que o autor observou a gravidade da ausência das mesmas
na vida religiosa do povo. É como um médico que está indicando um reforço alimentar
para suprir a falta de determinado nutriente, sem, contudo, menosprezar os outros.

A fé é tão importante quanto fica demonstrado em Romanos e em Hebreus.


Entretanto, se essa fé não produzir evidências visíveis, ela será como um plano que
nunca foi realizado e seremos como árvores infrutíferas. Obra é fruto (Tg.3.13,17). O
fruto do Espírito é amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão
e domínio próprio (Gálatas 5.22). Não obstante, tais virtudes precisam se manifestar
através de atos e fatos. O fruto não pode ser abstrato. Precisa ser concreto. De que
adianta um amor não revelado, não transmitido por meio de ações? (I João 3.18). A fé
opera pelo amor (Gálatas 5.6). O amor é o canal por onde flui a fé. O resultado é obra.

A fé se mostra superior nessa questão porque a nossa salvação depende dela.


"Pela graça sois salvos mediante a fé" (Ef. 2.8). "Quem crer e for batizado será salvo,
mas quem não crer será condenado." (Mc.16.16). Crer é fé. Batismo é obra, ato físico.
Observe que ninguém será condenado pela falta do batismo e sim pela falta de fé.
Entretanto, aquele que tem fé deverá manifestá-la através de atos de obediência,
inclusive batizando-se. As obras devem ocorrer de acordo com os recursos e o tempo
que Deus tiver nos concedido. Por exemplo, o ladrão que se converteu na cruz ao lado
de Cristo, não teve tempo de se batizar nem fazer obra alguma. Contudo, foi salvo. Nós
porém, que temos tempo e recursos devemos fazer boas obras, não para sermos salvos
mas como fruto natural da nossa fé.

A fé é superior porque produz as obras e não o contrário. Tiago diz: "... se


alguém disser que tem fé e não tiver as obras... porventura a fé pode salvá-lo?"
(Tg.2.14). O autor não está condicionando a salvação à prática de boas obras. O sentido
é o seguinte: se a fé de alguém não produz obras, pode-se concluir que essa mesma fé
não produzirá salvação, pois é ineficaz ou inexistente.

f) Conflito aparente entre Tiago e Paulo


Andreu Monteiro 32

"Vedes então que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé."
-Tiago 2.24.

"Concluímos pois que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei" -


Paulo, em Romanos 3.28.

Lendo estes dois versículos, podemos pensar que Tiago e Paulo estão se
contradizendo. Alguns comentaristas afirmam que a contradição existe e que é
inexplicável. O próprio reformador Martinho Lutero tinha essa posição e chegou a usar
a expressão "epístola de palha" para se referir ao livro de Tiago. Há quem diga que
Tiago tenha escrito para atacar Paulo e seus ensinamentos. Tais hipóteses atentam
contra a inspiração divina das Sagradas Escrituras. Outros teólogos apresentam a
seguinte solução:

Ao escrever aos Romanos, Paulo apresentou argumentos que tinham por


objetivo combater a tese judaizante daqueles que exigiam dos gentios o cumprimento da
lei mosaica. Diante disso, o apóstolo deixou claro que a salvação não depende das obras
da lei, não depende dos rituais judaicos. Em sua exposição, Paulo lembra aos leitores
que Abraão não foi justificado pelas obras da lei nem mesmo pela circuncisão, já que o
patriarca teve sua experiência com Deus num tempo em que a lei mosaica não existia e
até mesmo antes de ser circuncidado. Portanto, sua experiência foi baseada na fé.

Paulo não estava falando de boas obras, de modo geral. Ele estava se referindo
especificamente àquelas obras exigidas pela lei.

Por sua vez, Tiago está preocupado com "o outro lado da moeda". Muitos
cristãos estavam reduzindo o cristianismo a uma religião teórica, apenas espiritual, sem
efeitos visíveis. A estes, Tiago diz que as obras são importantes. Abraão é usado
novamente como exemplo. Depois de ter sua experiência pela fé, Abraão não cruzou os
braços. Abraão agiu. Ele saiu da sua terra, se dispôs a oferecer Isaque, e fez tudo aquilo
que Deus queria que ele fizesse.

Imagine que alguém entra no prédio de uma escola e queira logo apresentar
trabalhos de pesquisa, fazer provas e exercícios. Será que a direção acadêmica aceitará
tudo isso? De maneira nenhuma. Se o indivíduo não está matriculado, ainda não é aluno
da escola. Então, não tem nenhum valor qualquer trabalho apresentado por ele. O que é
necessário? A matrícula, o compromisso, o vínculo. Então, depois de matriculado,
imagine que esse novo aluno resolva ficar em casa, totalmente alheio aos seus deveres
escolares. Então a direção da escola irá procurá-lo para cobrar tudo o que ele deveria
estar fazendo. Assim, antes de sermos cristãos, de nada adiantam as nossas boas obras.
"Paulo está dispensando". Entretanto, agora que estamos salvos pela fé, precisamos
executar as obras como fruto normal de um cristianismo autêntico e sadio. "Tiago está
cobrando".
Andreu Monteiro 33

Em Romanos 3, Paulo está apresentado a futilidade das obras da lei no plano de


salvação. Em outros escritos seus, o apóstolo deixa claro o quanto valoriza as boas obras
de modo geral. Não que elas possam nos salvar. "Pela graça sois salvos, por meio da fé,
e isso não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie."
(Efésios 2.8-9). Entretanto, devemos fazer boas obras, porque este é um dos motivos da
nossa permanência neste mundo. Caso contrário, poderíamos ter sido arrebatados no
momento da conversão. "Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas." (Efésios 2.10). Observe que
são palavras de Paulo, na continuação do texto mencionado anteriormente.

Quando escreveu a Tito, Paulo colocou nas boas obras a maior ênfase da carta
(Tito 2.7,14; 3.1,8,14). Contudo, no mesmo texto, o apóstolo deixa claro que as obras
não salvam (Tito 3.4-5).

Considerando suas epístolas de modo geral, Paulo enfatiza a fé, sem desvalorizar
as obras. Tiago enfatiza as obras, sem desvalorizar a fé. De fato, ambas as coisas são
importantes. A fé sem as obras é morta. Da mesma forma, as obras sem fé são obras
mortas (Hb.6.1).

g) Glossário de termos do livro de Tiago

Improperar - censurar (1.5).

Dobre - dupla face (versão católica); vacilante (Thompson). (1.8)

Andrajoso - esfarrapado (2.2).

Estrado - tablado ou piso acima do nível do chão (2.3).

Deferência - respeito. (2.3).

Régio - real (do reino). (2.8).

Argüido - censurado. (2.9).

Peçonha - veneno (3.8).

Jactância - orgulho (4.16).

Jornal - salário por um dia de trabalho (5.4).

Cevaste - engordaste (5.5).

Presbíteros - anciãos, pessoas maduras, pastores (5.14).


Andreu Monteiro 34

PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PEDRO

1. Texto chave - 4.1

2. Palavra chave - sofrimento (1.11; 2.20; 3.17; 4.19; 5.1,9,10)

3. Autoria

Apesar de ter sido considerado homem inculto e iletrado (At.4.13), Pedro


escreveu uma epístola de alto nível. Talvez aquele rótulo advenha do fato de Pedro não
ter freqüentado as universidades gregas da época, nem ter sido um escriba ou doutor da
lei. Contudo, isso não significa que ele fosse analfabeto e ignorante. Se lhe faltava
muito da vasta cultura grega, o mesmo não se pode dizer quanto ao idioma, pois o grego
era falado por todas as classes sociais. Além disso, falava o aramaico e talvez o
hebraico.

Como todo bom judeu, Pedro tinha todo o conhecimento da lei de Moisés e
demais Escrituras do Velho Testamento.

A forma do seu texto pode também ter sido influenciada pela mão de Silvano,
que foi seu amanuense (I Pd.5.12).

A autoridade do autor fica evidente. Além de ser apóstolo (I Pd.1.1), Pedro foi
"testemunha das aflições de Cristo" (I Pd. 5.1). Seu ensino estava, portanto, bem
fundamentado, sendo digno de aceitação.

Além de Silvano, também Marcos estava na companhia de Pedro quando


escreveu a primeira epístola (I Pd.5.13).

Existem teorias que negam ser o apóstolo Pedro o autor da carta. Mas,
independente dos diferentes pressupostos o argumento é de que a carta foi escrita por
um grupo de homens que remonta a tradição de Pedro, era uma “escola petrina”. Estas
teorias ensinam que tal grupo utilizou o nome de Pedro na carta para dar autoridade e
credibilidade ao escrito. Esta prática, comum da época, é chamada de autoria
pseudônima.

4. Data
Andreu Monteiro 35

A data de sua morte estaria situada entre os anos 64 e 68 d.c. (Cf. BRUCE,
2003), período no qual escreveu a carta. Supõe-se que Silvano, fazendo papel de um
amanuense, escreveu a carta sendo ditada por Pedro (I Pe 5.12), Mas a autoria do autor
fica evidente. Além de ser apóstolo (I Pe 1.1), Pedro foi testemunha das aflições de
Cristo ( I Pe 5.1 ). Seu ensino estava, portanto, bem fundamentado, sendo digno de
aceitação. Os comentaristas sugerem datas entre 63 a 68 d.C. para os escritos de Pedro.
Especificamente para a primeira carta, o ano mais indicado é 64.

5. Local de escrita

Alguns estudiosos divergem na opinião do local da autoria da primeira epistola


de Pedro. Todavia, acredita-se que Pedro tenha escrito de Roma, pois usou o nome
Babilônia em referência à capital que dominava o mundo atual, a cidade de Roma.
Babilônia era um sinônimo de domínio, de império e de poder. Por isso especula-se que
Pedro usou Babilônia para referir-se a Roma. Um bom argumento usado é o de que a
época de sua carta foi também a época de sua morte, que segundo Orígenes, foi em
Roma.
Outros estudiosos são mais conservadores e levam o texto de I Pedro 5.13 como
sendo realmente a região babilônica, à beira do Eufrates, e sugerem que Pedro tenha
evangelizado e implantado uma igreja: "Aquela que se encontra em Babilônia, também
eleita"...

6. Destinatários

Referindo-se ao destinatário o primeiro versículo da epistola já orienta a quais


regiões, ela é destinada: "Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia" (1Pe 1.1). Alguns supõem
que sejam igrejas fundadas pelo apóstolo Paulo, porque passou por aquela região
durante sua primeira viagem missionária (At 13.13; 14.28). Outros sugerem que foram
pessoas evangelizadas no episódio de pentecostes (At 2.10) e, voltando para casa,
expandiram a mensagem, formando comunidades cristãs. Também especula-se que
Pedro poderia ter ido até a região e implantado igrejas.

O grupo para quem Pedro escreve é formado de gente de origem judaica e de


outros de origem gentia ou pagã. Só isso já aponta para potenciais dificuldades, sempre
inerentes em grupos de formação cultural heterogênea (ainda mais no caso dos judeus,
cujo sistema de vida e de culto como um todo eram bastante exclusivos e diferentes).
Mas ainda essa não é uma divisão muito simples.

Durante algum tempo, Pedro foi contrário à evangelização dos gentios. Vemos,
portanto que, por ocasião do envio dessa epístola, tal problema já tinha sido superado.
Agora Pedro já aceita os gentios e os considera tão dignos do evangelho e do reino de
Deus quanto os judeus.

O apóstolo chega a tomar palavras ditas a Israel no Velho Testamento,


aplicando-as aos gentios que fazem parte da igreja. "...Antes não éreis povo, mas agora
sois povo de Deus...". (I Pd.2.9-10). Outros textos desenvolvem esse paralelismo entre a
igreja e Israel, citando o sacrifício e o templo numa nova perspectiva (I Pd.1.19; 2.4-5).
Andreu Monteiro 36

A epístola foi dirigida aos irmãos que moravam em regiões por onde Paulo
passou e fundou igrejas. Por quê Pedro escreveria para eles? Isso faz com que alguns
entendam que, quando essa epístola foi produzida, Paulo já teria morrido. O fato
Silvano e Marcos, antigos companheiros de Paulo, estarem com Pedro também é usado
como argumento a favor dessa hipótese.

7. Circunstância

A carta foi escrita numa época de grande perseguição imperial contra a igreja
após o incêndio em Roma. No livro de Atos, os principais perseguidores eram os
judeus. No período em que Pedro escreveu, os perseguidores passaram a ser os gentios
(4.3,4,12).

A Primeira Carta de Pedro foi escrita para os cristãos que viviam em cinco
províncias romanas que ficavam numa região que hoje faz parte da Turquia. Os leitores
estão enfrentando sofrimentos e perseguições por causa da sua fé. Em sua tentativa de
animá-los a continuarem firmes na sua dedicação a Jesus Cristo, o apóstolo mostra que
os sofrimentos servem para provar que a fé que eles têm é verdadeira (1Pe 1.7).

“...contristado por várias provações...” v.1.6

v. 2.11, conflito interno à pessoa - “paixões carnais que fazem guerra contra a alma”.

v. 2.12 os “gentios” falam dos crentes - “como malfeitores”.

v 2.20 os “servos” entre eles são - “esbofeteados” e “afligidos”.

v. 3.14 ameaças contra os cristãos – “não vos amedronteis, portanto, com suas ameaças”

v. 3.17, sofrimento pelo bem – “é melhor que sofrais por praticardes o que é bom”

v. 4.4 difamação – “por isso difamando-vos, estranham”

v. 4.13 sofrer como Cristo - “sois co-participantes do sofrimentos de Cristo”

v.5.9 Sofrimento coletivo – “sofrimento iguais aos vossos estão [...] em vossa irmandade”

1Pedro revela ser uma carta escrita para dentro de uma situação de conflito, isso
fica evidente desde o começo. Quando o autor utiliza-se a expressão “várias provações”,
ele está dizendo que o sofrimento acontece de varias formas. A palavra “várias” provém
de uma antigo termo grego, poikolos, que significa “diversificado”, ou “muito
Andreu Monteiro 37

colorido”.14 Os sofrimentos são de diferentes formas para diferentes pessoas . Veja no


quadro acima.

8. Características

O livro é exortativo, consolador, cristológico, "cristocêntrico". Observamos que


Tiago quase não cita Jesus em sua carta. Pedro, porém, cita-o a todo momento. Aquele
que o havia negado, agora tem no seu nome a base de sua doutrina.

Pedro apresenta Jesus como:

Fonte de esperança - 1.3

Cordeiro do sacrifício - 1.19.

Pedra angular - 2.6

Exemplo perfeito - 2.21-23.

Aquele que levou nossos pecados - 2.24.

Sumo pastor - 2.25.

Bispo das nossas almas - 2.25.

Aquele que está assentado à destra de Deus - 3.22.

Coisas preciosas para Pedro

Provas - 1.7

Sangue - 1.19

Pedras - 2.4

Cristo - 2.6

Espírito manso - 3.4

9. Propósito da carta - firmar, orientar, confortar.

Para os irmãos atribulados, Pedro oferece uma palavra de esperança, menciona


os fundamentos da fé cristã e o que Deus tem para nós no futuro. Quando as tribulações
se multiplicam, é bastante oportuno que essas verdades sejam mencionadas para

1
Andreu Monteiro 38

renovação da fé e do ânimo. A obra de Cristo no passado (1.3) e a herança cristã no


futuro (1.4-5) são mencionados como estímulo para se enfrentarem as dificuldades
presentes (1.6).

Em tais circunstâncias, é necessário que nos lembremos de quem somos. Nossa


identidade pode estar sendo questionada pelos homens, pelo diabo (Mt.4.2) ou até
mesmo por nós mesmos. Pedro então enfatiza essa realidade espiritual que, muitas
vezes, é desafiada por uma realidade aparente adversa. Ele utiliza enfaticamente o verbo
ser: "Não éreis povo..."; "Agora sois... povo de Deus, geração eleita, sacerdócio real,
nação santa, povo adquirido..." (2.9-10). "Sois guardados, mediante a fé, para a
salvação." (1.5). "Sois edificados como casa espiritual." (2.5).

O autor lembra aos seus leitores o que Cristo fez por eles (1.2,3,19; 2.5,21;
3.18). Nos momentos difíceis é bom lembrarmos o que Jesus fez por nós e qual é o
nosso vínculo com ele. O inimigo procura colocar tudo isso em dúvida na hora da
tentação.

10. Esboço

1 - Natureza da salvação - 1.1-21

2 - Crescimento do cristão - 1.22 - 2.10.

3 - Vida cristã prática - 2.11 - 3.22.

4 - Exortações diversas - 4.1-19

5 - Admoestações aos líderes - 5.1-14.

11. Comentário

Podemos delinear uma seqüência de pensamento na epístola, embora os temas às


vezes se intercalem.

Natureza da salvação - 1.1-12

Salvos pela obra de Cristo

O autor começa sua epístola falando sobre a salvação e a herança no céu. Os


irmãos que estavam padecendo perseguições poderiam questionar sobre o efeito de sua
conversão. Talvez alguns estivessem esperando uma herança na terra, uma vida
tranqüila e próspera. Deus pode nos dar todo tipo de bênção material, mas isso não é
Andreu Monteiro 39

uma promessa de Cristo para todo aquele que nele crê. Isso depende da vontade de Deus
para cada pessoa. O que ele promete a todos nós é a vida eterna, uma herança nos céus.

Não podemos esperar conquistas materiais como efeito obrigatório do


evangelho. O resultado pode ser a frustração. Por outro lado, nada impede que o cristão
trabalhe para conseguir o que lhe for lícito, assim como também fazem os não salvos.
Entretanto, a busca material não se tornará o objetivo principal da nossa vida ou da
nossa fé.

Crescimento do cristão - 1.13 - 2.10.

O que somos e o que devemos ser

Tendo falado da salvação, Pedro poderia agora expressar palavras


comemorativas e congratulatórias para seus destinatários como se tudo estivesse
resolvido. Contudo, não é assim. Agora que estamos salvos, precisamos do crescimento
espiritual, que só é possível mediante o legítimo alimento espiritual: a palavra de Deus
(1.23-25; 2.1-2). A palavra "portanto", de 1.13, liga as duas seções do texto. O
"portanto" indica que considerando tudo o que foi dito antes, seriam apresentadas, a
seguir, admoestações que estariam relacionadas às conseqüências naturais ou
necessárias ao bom andamento da questão anterior. Como dissemos, Pedro utiliza
bastante o verbo "ser". Observamos principalmente as conjugações: "sois" e "sede" em
referência ao que já "somos" pelos méritos de Cristo e por nosso compromisso com ele,
e o que devemos "ser". Observe na palavra "sede" o modo imperativo indicando uma
ordem. Pedro já disse que somos salvos... portanto... precisamos ser:

- Santos (separados da corrupção do mundo) 1.15-16.

- Sóbrios (conscientes, atentos e vigilantes) (1.13).

- Obedientes (1.14).

Essas poucas palavras resumem tudo o que Deus espera de nós.

Vida cristã prática - 2.11 - 3.22.

O risco do pecado; vigilância; oração; serviço; comportamento; sofrimento e


glória.

Após a conversão, temos um caminho pela frente: é a vida cristã prática. Pedro
menciona situações e relações do cotidiano. O pecado é mencionado como um risco
constante (2.11-12; 4.1-6; 1.13-16). Pedro, que um dia disse que não negaria a Cristo e
acabou negando três vezes, está bem consciente de que o pecado pode acontecer,
Andreu Monteiro 40

embora não deva. Diante desse risco real, o autor nos aconselha a orar e vigiar (4.7; 5.8-
9) .

Contudo, a vida cristã apresentada por Pedro não é apenas espiritual. Não se
resume à oração e à vigilância. Ele ensina o serviço cristão, exemplificado através da
hospitalidade e do ministério (4.9-11). Não basta orar; é preciso agir, trabalhar.

Outro item abordado é o comportamento. As falhas nesta área podem invalidar


nossas orações (3.7) e nosso serviço. Pedro menciona então a vida social e civil (2.12-
17), familiar (3.1-7), profissional (2.18). Aconselha maridos, esposas e servos.

O Sofrimento é o tema principal da epístola. Esse elemento também faz parte da


vida cristã. Esta era a situação vivida pelos destinatários da carta. O autor diz que não
devemos estranhá-lo, como se fosse algo anormal (4.12). Então, devemos concluir que o
mesmo faz parte do plano de Deus para nós, pois ele assim o quer (3.17). Trata-se de
algo necessário (1.6). Tais afirmações podem ser chocantes. Por quê Deus quer que
soframos? Não é que ele queira o sofrimento em si, mas sim o resultado do processo.
Existem virtudes que não serão adquiridas de outra forma. O sofrimento tem grande
força didática. "Te deixei ter fome... para te dar a entender que nem só de pão viverá o
homem..." (Dt.8.3).

Pedro menciona dois tipos de sofrimento: um pelo evangelho (perseguição,


tentações e perseguições) e outro pelo pecado (conseqüências e punições). O autor
adverte que se sofremos como cristãos, sem culpa, então somos bem-aventurados. Se
sofrermos merecidamente, então nenhuma honra receberemos (2.19-20; 4.14-16).
Lembremo-nos do Calvário. Dois tipos de sofrimento ali aconteciam: Jesus morria
inocente, enquanto que os ladrões morriam em conseqüência dos seus próprios erros.

O sofrimento pela causa do evangelho trará como conseqüência a glória. Esta é


outra palavra importante na epístola, indicando glória presente na vida do cristão, glória
futura e também a vanglória (1.24); (1.7,8,11,21; 2.12,20; 4.11,13,14,16; 5.1,4,10). O
sofrimento é de pequena duração quando comparado com a glória eterna que nos
aguarda (1.6; 5.10. Veja também Rm.8.18).

Queremos a glória (e às vezes até mesmo a vanglória), mas sofrimento... jamais.


Queremos colher o fruto sem plantar sua erva. Queremos participar da glória de Cristo
em sua vinda, mas não queremos participar dos seus sofrimentos. Pedro vincula tais
elementos (1.11; 4.13; 5.1). Para justificar a necessidade e a utilidade do sofrimento,
Pedro cita Cristo como exemplo (2.21; 3.18). O mesmo apóstolo se diz testemunha das
aflições de Cristo e participante da glória. Com isso, ele deixa subentendida sua própria
participação nos sofrimentos pelo evangelho.
Andreu Monteiro 41

Diante do sofrimento somos levados a procurar seus motivos. Perguntamos: por


quê está acontecendo isso? O que eu fiz para merecer isso? Assim, olhamos para trás em
busca da causa. O sofrimento pelo pecado pode ser assim compreendido. Podemos olhar
para trás e reconhecer nossa falha. Muitas vezes, porém, não conseguimos ligar o fato
presente ao erro cometido. No caso do sofrimento permitido por Deus sem que
tenhamos pecado, devemos olhar para frente e perguntar: para quê está acontecendo
isso? Mesmo que não possamos, em muitos casos, saber o propósito específico,
sabemos, de modo geral, que toda adversidade que nos ocorre vem para o nosso próprio
crescimento. Todo exercício físico, corretamente realizado, contribui para o
desenvolvimento e manutenção da boa forma muscular. Tais exercícios não são leves
nem suaves. Se assim fossem, seriam inúteis. Assim são as provações e adversidades
que enfrentamos. São exercícios para o espírito e para o caráter. Por meio deles nossa fé
cresce, nossa paciência e nossa experiência se desenvolvem. O produto do sofrimento
faz com ele se justifique e seja até mesmo valorizado por escritores bíblicos como Pedro
e Paulo (Rm.5.3-5).

O ouro é retirado da jazida em estado bruto, cheio de sujeira e deformidades.


Contudo, não será rejeitado por isso. Da mesma forma Deus nos resgata: sujos e
deformados. Ele não rejeita a sua vida, por mais sujo que você esteja. Podemos até lavar
aquela pepita de ouro, mas isso não será suficiente. Algumas impurezas estão
encrustadas no metal. Então, o ourives precisa levá-lo ao fogo (Malaquias 3.2). Pedro
compara o fogo às tribulações e diz que assim como o ouro precisa passar pelo fogo, da
mesma forma nossa fé precisa ser provada para que sejamos aprovados (I Pd.1.7). O
fogo, por mais destruidor que seja, só destrói as impurezas do ouro. No final do
processo, o metal está limpo, brilhante, e muito mais valorizado. Assim acontece
conosco.

Em sua primeira epístola, Pedro menciona muitos termos negativos e muitos


outros positivos. Pode parecer conflito ou paradoxo, mas não é. Nossa vida é assim.
Todos os elementos negativos do processo são necessários para que os positivos se
manifestem. É uma relação necessária. Sem morte não haverá ressurreição. Primeiro
vem o fogo, depois o brilho e o valor. Só não é necessário o pecado nem o sofrimento
que dele advém, já que não produz nenhum benefício, exceto uma lição que deveria ter
sido aprendida de outra forma.

Vejamos então as palavras negativas e positivas encontradas em I Pedro

NEGATIVAS

Sofrimento - 5.9
Andreu Monteiro 42

Fogo - 1.7.

Provação - 4.12

Tristeza - 1.6; 2.19.

Aflição - 4.13; 5.1

Vitupério - 4.14

Padecimento - 5.10

POSITIVAS

Fé - 1.21; 5.9

Glória, honra - 1.7,8,21; 2.17,20;


4.11,14; 5.1,10

Esperança - 1.21

Alegria, exultação, gozo inefável -


1.8; 4.13

Amor - 1.20,22; 2.17; 3.8; 4.8

Misericórdia - 1.3; 2.10

Paz - 1.2; 3.11; 5.14.

Graça - 1.2; 5.5,12

Louvor - 1.7; 2.14


Andreu Monteiro 43

Dias felizes - 3.10

Muitas vezes, as experiências negativas são presentes, enquanto que o benefício


está indicado para o futuro (I Pd.1.4-5; 4.13; 5.1,4,6,10). Contudo, já no tempo presente
experimentamos a esperança, a paz, a alegria, o amor, a misericórdia, etc. A glória, ou
exaltação, é o principal elemento localizado no futuro, vinculado à segunda vinda de
Cristo.

Exortações diversas - 4.1-19

Nesse bloco são incluídos diversos conselhos sobre comportamento, amor


mútuo, serviço e novamente sobre o sofrimento.

Admoestações aos líderes - 5.1-14.

Pedro se dirige especialmente aos anciãos, os presbíteros da igreja, dizendo que os


mesmos deviam ser exemplos para o rebanho e não dominadores. O líder não deve agir
como se fosse dono das ovelhas, como se fosse senhor de suas vidas. Liderança não é
manipulação nem opressão, mas orientação amável. A ovelha deve ser vista como alvo
de cuidado e proteção e não como fábrica de leite e lã, embora ela os produza.

12. Destaques da Carta

PEDRAS VIVAS

O texto de Mateus 16.16-18 tem sido objeto de muitas discussões. Seria Pedro a
pedra fundamental da igreja? Em sua primeira epístola, o apóstolo diz que todos os
cristãos são "pedras vivas" e que Cristo é a principal pedra da construção que é a igreja.
Se é assim, então Pedro continua pedra, como é o significado do seu nome. A igreja está
firmada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. Eles foram as pedras
fundamentais da igreja. Porém, Cristo é a pedra principal. Sem ele, a construção não
existiria.

Qual é a relação entre tais pedras e a igreja? Tal fundamento está diretamente
ligado às vidas, obras e ensinamentos desses homens, os apóstolos e profetas. Eles
foram os primeiros a compor a igreja do Senhor. O próprio Jesus, por sua vez, é a pedra
principal, pois deu sua própria vida para que a igreja existisse. Foi ele quem resgatou
com seu sangue todos aqueles que fariam parte dessa construção espiritual.
Andreu Monteiro 44

Voltando às palavras de Pedro, todos nós somos pedras vivas, fazendo parte da
igreja. Não fazemos parte do fundamento, pois a igreja já existia antes de nós. Porém,
fazemos parte da obra, estando apoiados sobre os que nos antecederam e servindo de
base para os que se inspiram em nosso testemunho e palavra ( I Pd.2.4-8; I Cor.3.11;
Ef.2.20-22).

A PREGAÇÃO AOS MORTOS

"Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos
injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas
vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em
prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de
Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual
poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água." (I Pd.3.18-20).

Este é um dos textos mais misteriosos das Sagradas Escrituras. As polêmicas em


torno do seu significado não têm fim. Procuraremos expor resumidamente as principais
linhas de interpretação do assunto em questão. Leia também I Pd.4.5-6, Rm.10.7, Salmo
16.10 e Ef.4.9. Neste assunto, além dos católicos não concordarem com os protestantes,
estes últimos não concordam entre si. Encontramos posições diferentes de uma
denominação evangélica para outra.

A pergunta inicial é: Jesus foi ao inferno? O texto de Pedro não está dizendo
isso, mas esta tem sido, muitas vezes, a interpretação adotada, principalmente por causa
de outros textos bíblicos, dos credos da igreja católica e dos livros apócrifos, alguns dos
quais mencionam explicitamente a descida de Cristo ao inferno entre sua morte e sua
ressurreição. Por exemplo, podemos citar o chamado "credo dos apóstolos" e os
apócrifos: "Evangelho de Bartolomeu" e "Evangelho de Nicodemos". Um paralelo entre
tais escritos e os textos bíblicos mencionados produzem a interpretação correspondente.

Questão Respostas encontradas nos comentários

Jesus foi ao Sim Não


inferno?

Como ele Em seu em carne e Através do Espírito Santo De jeito


foi? espírito espírito nenhum.
humano

A quem ele Aos justos Aos ímpios A justos e Aos anjos A


pregou? (todos ou só aos ímpios. caídos. ninguém
Andreu Monteiro 45

da época de Noé)

O que ele O evangelho Sua vitória O evangelho e sua vitória Nada


pregou?
Sofrer
Com que Salvar os Salvar os ímpios Salvar a Declarar Nenhum
objetivo? justos todos sua vitó- (batismo
ria de
fogo?)

Qual foi o Salvação e Salvação dos Salvação Conde- Nenhum


efeito? ressurreição ímpios. de todos. nação
dos justos. dos ím-
pios

O quadro apresentado assemelha-se a uma prova de múltipla escolha onde


existem alternativas para todos os gostos, inclusive para quem não gosta de nenhuma.
Contudo, trata-se apenas da exposição das diversas interpretações do texto de I Pedro
3.18-20, juntamente com uma série de pressupostos considerados em cada caso.

Cada alternativa traz uma série de conseqüências naturais (?) ou teologicamente


necessárias, formando assim um intrincado conjunto de perguntas intrigantes, respostas
incertas e dúvidas crescentes. Uma vez que o próprio texto bíblico não foi claro sobre o
assunto, torna-se muito improvável que possamos sê-lo. Contudo, tal exposição poderá
ajudar o estudante a tirar suas próprias conclusões.

Algumas alternativas apresentadas podem ser refutadas pelo simples retorno ao


texto de I Pedro. A passagem não diz que ele foi pregar aos justos e nem que teria sido a
todos os mortos ou a todos os ímpios. São mencionados apenas os ímpios que viveram
nos dias de Noé. Alguns comentaristas estendem tal pregação a todos os mortos,
utilizando o texto de I Pedro 4.5-6, onde isso fica mais evidente.

Dizer que Cristo foi em carne e espírito ao inferno, seria o mesmo que ele estava
vivo antes da ressurreição. Se carne e espírito estão juntos, então não estamos falando
de Cristo durante seus três dias em estado de morte.

Dizer que o Espírito Santo foi ao inferno resgatar alguém é fazer uma grande
confusão entre as funções das pessoas da trindade. Tal equívoco se dá pelo fato de que
algumas traduções usam a palavra "Espírito" com letra maiúscula em I Pd.3.18.
Andreu Monteiro 46

Aqueles que dizem que Cristo não foi ao inferno, afirmam que ele foi se
apresentar ao Pai após sua morte. Mencionam como argumento as palavras de Jesus ao
ladrão crucificado: "Hoje estarás comigo no paraíso." (Lc.23.43 e 46). Como
explicariam então o texto de Pedro? Calvino chegou a afirmar que a cruz foi o "inferno"
experimentado por Cristo. Para os anabatistas, este mundo foi o "inferno" ao qual Cristo
desceu ao encarnar.

Pelo que ficou registrado nos livros, até o século IV d.C. era plenamente aceita a
idéia de que Cristo tenha mesmo descido ao inferno, assim identificado como o "lugar
dos mortos". Somente a partir do século V é que passou-se a questionar tal sentido.
Nesse tempo, Agostinho propôs o seguinte entendimento para o texto de Pedro: o
evangelho teria sido anunciado aos mortos no tempo em que os mesmos estavam vivos.
Assim, os contemporâneos de Noé teriam ouvido a pregação antes do dilúvio. O espírito
de Cristo, mencionado em I Pd.3.18, estaria agindo através de Noé, o pregoeiro da
justiça. Tal interpretação, bastante inteligente, não explica o texto de I Pd.4.5-6, onde
todos os mortos parecem estar envolvidos. Além disso, o texto de I Pd.3.18-20 fala que
a pregação foi dirigida a "espíritos em prisão" e não a pessoas vivas.

O texto de Atos (2.27-31) talvez seja o mais claro para que se conclua que Cristo
foi ao inferno. O autor utiliza a palavra Hades. Esta palavra estaria sendo usada em
referência a um lugar espiritual? ou simplesmente à sepultura? (2.29) ou apenas ao
estado de morte? (2.31). Algumas versões usam a palavra "hades" (A.R.C.) enquanto
outras a traduzem como "morte" (Thompson e A.R.A). A versão católica dos Monges
de Maredsous menciona "região dos mortos", o que não indica um sentido estritamente
físico ou espiritual. A bíblia das Edições Loyola utiliza a expressão "mansão dos
mortos". A versão do padre Antônio Pereira de Figueiredo traduz "hades" como
"inferno".

A palavra "hades" é grega e se origina da mitologia dos gregos, sendo utilizada


para identificar o lugar espiritual para onde vão os mortos. O hades estaria divido em
duas partes: O "elísio" para os bons e o "tártaro" para os maus. Os hebreus tinham uma
concepção semelhante sobre a região dos mortos. Chamavam-na de seol, ou sheol,
também com um lugar para os justos e outro para os ímpios. Entretanto, sheol também
significa sepultura. Como o Novo Testamento foi escrito em grego, então foram usadas
as palavras gregas que mais se aproximavam do conceito hebraico. Assim, a dúvida
sobre lugar físico ou espiritual prevalece.

Sheol (ás vezes traduzido como inferno ou sepultura): Gn.37.35; Nm.16.30; Jó


21.13; Salmo 9.17; Pv.5.5; 7.27; 9.18; 15.24; 23.14; Dt.32.22; Jó 26.6; Pv.15.11; 27.20;
II Sm.22.6; Salmo 18.5; 116.3; Os.13.14.

Hades (às vezes traduzido como inferno): At.2.27,31; Mt.11.23; 16.18; Lc.10.15;
Lc.16.23; Ap.1.18; 6.8; 20.13-14.
Andreu Monteiro 47

Geena (às vezes traduzido como inferno): Mt.5.22,29,30; 10.28; 18.9; 23.15;
23.33; Lc.12.5; Tg.3.6; Mc.9.43-48.

Tártaro (às vezes traduzido como inferno): II Pd.2.4.

O Velho Testamento passa a idéia de que o Sheol é um lugar para onde vão
todos os mortos, bons e maus. É normalmente identificado com o hades do Novo
Testamento. Veja que em Atos 2, a citação do Salmo 16, troca Sheol por Hades.

Os luteranos interpretam hades como sinônimo de inferno e seio de Abraão


como paraíso. Utilizam a passagem de Lucas 16.22-25. O paraíso seria o lugar para
onde o cristão iria imediatamente após a morte, a encontrar-se com Cristo (Filipenses
1.23).

Os católicos romanos dividem o hades em: inferno, purgatório, limbus patrum e


limbus infantum. Eles entendem que Cristo tenha ido ao limbus patrum ou seio de
Abraão, onde estariam os justos do Velho Testamento aguardando a salvação cristã.
Apesar da boa organização de idéias, tal teoria não tem apoio bíblico, já que a Bíblia
não menciona purgatório nem limbus.

É bastante antiga a idéia de que alguém pudesse descer ao hades com alguma
missão. De acordo com a mitologia grega, Hércules teria ido até lá. Histórias
semelhantes são encontradas na literatura babilônica, egípcia, e romana. Conforme
Orígenes, houve entre os judeus a crença de que os profetas do Velho Testamento
tenham ido ao Sheol, onde continuariam seu ministério de pregação. Tal suposição
aparece também no Talmude. Assim, a crença de que Cristo teria ido ao inferno não
seria de difícil aceitação. Alguns, como Clemente de Alexandria, chegaram a dizer que
os apóstolos também teriam ido ao hades após suas mortes para pregar e que também os
demais cristãos teriam essa missão. Isso seria usado por alguns para justificar mortes de
pessoas jovens (J.Paterson Smith). Afinal, segundo essa tese, essas pessoas teriam
grande trabalho a executar na região dos mortos.

Apresentamos, a seguir, outro quadro comparativo sobre o assunto, destacando a


posição denominacional e de alguns líderes e teólogos.

Cristo foi e Cristo foi e Cristo não foi Cristo foi mas Cristo salvou
salvou os justos salvou a todos ao inferno. não salvou apenas algumas
ninguém pessoas

Defendido por Algumas igrejas Anabatistas Luteranos Lutero, mais


católicos reformadas tarde assumiu
Andreu Monteiro 48

essa posição.

Algumas igrejas Arminianos * Calvinistas Flacius


reformadas.

Zwínglio Agostinho Calov

Marcion Wolf

Tertuliano Buddeus

Aretius

* Calvino

Encontramos duas posições distintas atribuídas a Calvino em relação à ida de


Cristo ao inferno. Não sabemos se ele mudou de idéia como ocorreu com Lutero. Uma
das fontes consultadas foi escrita por um calvinista e nega a ida literal de Cristo ao
inferno.

Alguns livros apócrifos afirmam que Cristo esvaziou o inferno, salvando todos
os que ali estavam. Essa idéia serve bastante aos que pregam o "universalismo", que
consiste na crença em uma salvação universal. Tais teólogos afirmam que ninguém
escapará do alcance da graça de Deus e, finalmente, todos serão salvos, até mesmo os
anjos caídos. Se assim fosse, então não precisaríamos pregar o evangelho.

Para o melhor entendimento possível a respeito desse assunto é fundamental que


consideremos o ensino geral da Bíblia. Qualquer suposição deve ser confrontada com
outros textos das escrituras para que se conclua sobre sua prevalência ou não.

Jesus teria ido pregar aos mortos para que estes se salvassem? Tal entendimento
não parece coerente com outras passagens das escrituras. Se, depois de viverem e
morrerem no pecado, todos os ímpios ainda pudessem se salvar, então de nada teria
valido a vida de justiça dos justos, já que todos acabariam no mesmo lugar e na mesma
situação: salvos.

É bem provável que Jesus tenha anunciado o evangelho aos justos do Velho
Testamento, embora o texto de I Pedro 3.18-20 não os mencione. O fato é que muitos
deles ressuscitaram após a ressurreição de Cristo, conforme está em Mateus 27.51-53.
Davi disse: "Não deixarás minha alma no hades." Além de estar profetizando sobre
Andreu Monteiro 49

Cristo, ele não poderia também estar falando sobre sua própria alma, conforme uma
interpretação literal do Salmo?

Os ímpios mortos também teriam ouvido a respeito do evangelho mas não


poderiam ser salvos. Contudo, tal conhecimento serviria para legitimar a autoridade de
Cristo para julgá-los no último dia. "... Áquele que está preparado para julgar os vivos
e os mortos. Pois é por isto que foi pregado o evangelho até aos mortos..." (I Pd.4.5-6).

Jesus teria descido para tomar as chaves da morte e do inferno das mãos do
Diabo? Os calvinistas dizem que isso não faz sentido, já que o Diabo nunca teve tais
chaves. Por outro lado, podemos também questionar: quem disse que o Diabo mora no
inferno? Pelo que sabemos, ele habita o planeta terra e circula pelas regiões celestiais.
Muitas vezes o inferno é mencionado pelas pessoas como um lugar onde o Diabo mora
e faz suas reuniões estratégicas com os seus demônios. Em algumas dessas supostas
reuniões, eles estão eufóricos com seus planos e realizações. Não estaríamos
alimentando um folclore religioso com tudo isso? Afinal, a bíblia mostra o inferno
como um lugar de tormento e não de reuniões satânicas. Se o Diabo lá estivesse, estaria
sofrendo tormentos e não fazendo planos.

SEGUNDA EPÍSTOLA DE PEDRO

1. Autoria
Andreu Monteiro 50

No primeiro versículo, o autor já se apresenta como "Simão Pedro, servo e


apóstolo de Jesus Cristo." Pouco adiante, Pedro menciona que presenciou o episódio da
transfiguração (I Pd.1.16-18; Mt.17.5). No capítulo 3, versículo 1, o autor se refere à
primeira epístola. A teoria de que a segunda Carta de Pedro, foi escrita por uma “escola
petrina” (discípulos de Pedro), é muito mais forte em relação a primeira carta.

2. Data - 64 d.C. (veja o comentário em 1Pedro)

3. Destinatários - por 3.1 entendemos que os destinatários são os mesmos da


sua primeira carta: cristãos dispersos na Ásia Menor. O primeiro versículo do livro
parece sugerir que o autor pretendia que seu escrito tivesse um alcance maior: ele se
dirige "aos que conosco alcançaram fé igualmente preciosa..."

4. Temas e Objetivos - Animar os irmãos (cap.1); Denunciar os falsos mestres


(cap.2); Falar sobre a segunda vinda de Cristo.

5. Textos chave - 2.1 e 3.1-4.

6. Esboço

1. Caminho 1 - A vida cristã - uma palavra de estímulo - 1.1-21.

2. Caminho 2 - Os falsos mestres - denúncia - 2.1-22.

3. 3- A segunda vinda de Cristo e o juízo - 3.1-18.

7. Comentário

A segunda epístola de Pedro nos fala de dois caminhos. O primeiro, apresentado


no capítulo 1, é chamado de "caminho da verdade" (2.2), "caminho direito" (2.15) e
"caminho da justiça" (2.21). Embora essas expressões estejam no capítulo 2, é no início
da carta que o autor fala sobre o procedimento do cristão. O outro caminho, o dos falsos
mestres, é apresentado no capítulo 2 e chamado "caminho de Balaão" (2.15). É
interessante notarmos que, ao falar do caminho de Balaão, Pedro não está se referindo
àqueles que nunca conheceram o Senhor, mas ele fala de pessoas que foram resgatadas
(2.1), mas desviaram-se das veredas da justiça (2.15,20,21,22). O próprio Balaão era um
profeta verdadeiro até que, pelo interesse financeiro, desviou-se da verdade.

Em cada um desses caminhos temos: ponto de partida, modo de caminhar e


ponto de chegada, conforme fica evidente na epístola.

1 - Caminho 1 - A vida cristã - uma palavra de estímulo - 1.1-21.

O capítulo 1 está falando da trajetória cristã. O ponto de partida está em 1.4:


"...havendo escapado da corrupção que pela concupiscência há no mundo". Trata-se da
Andreu Monteiro 51

conversão. Quem se converte não pode achar que já tem tudo o que Deus pode oferecer.
A partir do versículo 5, o autor apresenta uma lista de qualidades ou capacidades que
devem ser alcançadas pelo cristão. Aquele se converte tem fé. A fé foi alcançada (1.1),
mas ela não é um fim em si mesma. Pelo contrário, é o início de uma jornada. Com
diligência (ou zelo) (1.5), o cristão deve buscar: virtude (bondade ou bom
procedimento), conhecimento, temperança (ou domínio próprio), paciência (ou
perseverança), piedade, amor fraternal (fraternidade), amor (ágape).

Essas qualidades são mutuamente dependentes e complementares. Pedro está


propondo um plano de crescimento, o qual deve ser o alvo de todo cristão. É desse
modo que a natureza divina se desenvolve em nós (1.4).

A fé sem conhecimento pode resultar em fanatismo e heresia. O conhecimento


sem fé é intelectualismo ou legalismo. Imaginemos que alguém tem fé, conhecimento,
mas não tem amor. Tal pessoa pode ser perigosa, tornando-se um manipulador e até
mesmo agressor. Quando Tiago e João quiseram pedir fogo do céu para destruir os
samaritanos, eles demonstraram que tinham conhecimento e muita fé, mas nenhum
amor ao próximo, nenhuma bondade, nenhuma paciência, nenhum domínio próprio.
Felizmente, Jesus impediu aquela tragédia e, mais tarde, aqueles discípulos aprenderam
a amar.

No relato de toda essa experiência cristã, Pedro utiliza diversas palavras que
podem ser divididas em dois grupos: ações divinas e ações humanas. O início da nossa
caminhada se dá pela operação do "divino poder" do Senhor (1.3). A partir daí, o
homem tem muito a fazer.

PARTE DIVINA PARTE HUMANA

Seu poder (1.3) Empregando diligência (zelo) (1.5)

Seus dons (1.3) - ele nos deu tudo. Acrescentai bondade, conhecimento,
temperança, paciência, piedade, amor fraternal,
amor ágape. (1.5)

Sua glória (1.3) Procurai confirmar vossa vocação e eleição


(1.10)

Sua virtude (1.3)

Suas promessas (1.4)


Andreu Monteiro 52

Sua natureza (1.4)

Sua vocação (1.10) - ele nos chamou

Sua eleição (1.10) - ele nos elegeu

Se Pedro estava exortando (1.12-15) os irmãos a fazerem a sua parte no que diz
respeito ao crescimento espiritual, é porque eles poderiam, depois de tudo o que Deus
fez, ter cruzado os braços e parado no meio da estrada. Nesse caso, o resultado seria: a
visão curta ou mesmo a cegueira espiritual, o esquecimento das primeiras experiências
com Deus e o tropeço que poderia levar à queda (1.9-10; 3.17).

Os tempos e modos dos verbos encontrados no texto nos ajudam a ver uma
trajetória traçada e uma ordem de avanço. Alguns verbos estão no passado, indicando o
lugar de onde saímos e aquilo que Deus já fez por nós. Alguns deles, no pretérito
perfeito, indicam ações consumadas por Deus. È algo que foi feito e não se vai se
repetir. Outros verbos estão no gerúndio e indicam uma ação constante. É presente, mas
ainda não foi encerrada. São ações contínuas de Deus a nosso favor e ações contínuas da
nossa parte em busca do alvo. Outros verbos estão no futuro e apontam para o resultado
desejado. Destacam-se também aqueles que estão no modo imperativo e indicam ordem
para que avancemos em nosso caminho com Deus.

PASSADO PRESENTE IMPERATIVO FUTURO


CONTÍNUO

Alcançaram fé (1.1) Nos tem dado Acrescentai (1.5) Não vos deixarão
promessas (1.4) ociosos (1.8).

Nos deu tudo (1.3) Empregando Procurai (1.10) Jamais tropeçareis


diligência (1.5) (1.10)

Nos chamou (1.3) Vos será concedida


entrada no reino
(1.11).

Havendo escapado
da corrupção (1.4)
Andreu Monteiro 53

Lendo o quadro anterior, cada coluna, da esquerda para a direita, percebemos a


idéia de movimento, de progresso com o passar do tempo.

No caminho da vida cristã, o modo de caminhar se define por alcançar, praticar e


manter as qualidades e capacidades já mencionadas. Esse deve ser o nosso modo de
vida (3.11).

O ponto de chegada ou objetivo a ser alcançado pode ser compreendido através


das expressões: "para que por elas vos torneis participantes da natureza divina" (1.4), "..
não vos deixarão ociosos nem infrutíferos" (1.8) e "vos será amplamente concedida a
entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (1.11).

2 - Caminho 2 - Os falsos mestres - denúncia - 2.1-22.

No capítulo 2, o autor muda para um assunto extremamente oposto ao que estava


sendo tratado até então. Seu conteúdo é muito semelhante à epístola de Judas.

Enquanto que no capítulo 1, Pedro falava a respeito dos cristãos fiéis, agora ele
passa a se referir aos falsos mestres, seu caráter, suas obras e o conseqüente castigo.
Esses são os que andam pelo "caminho de Balaão" (2.15). Sabendo de sua morte
iminente (1.14), o autor está preocupado com aqueles que talvez o sucederão e aos
demais apóstolos na liderança da igreja.

Os falsos mestres:

 Foram resgatados mas desviaram-se (2.1,15,19,20,21,22).


 Contudo, continuam dentro das igrejas (2.1,13).
 Estão na liderança (2.2 - muitos os estão seguindo).
 Seu interesse primordial é o dinheiro. Assim como Balaão (2.3,14,15).
 São comparados aos anjos caídos, aos contemporâneos de Noé e aos habitantes
de Sodoma e Gomorra (2.4,5,6).

O ponto de partida desse caminho é o mesmo daqueles mencionados no primeiro


capítulo. Já que foram resgatados (2.1), o lugar de onde saíram está identificado como
as "contaminações do mundo", de onde escaparam mediante o conhecimento do Senhor
e Salvador Jesus Cristo (2.20). Contudo, desviaram-se da rota traçada pelo Senhor
(2.15), sendo envolvidos e vencidos pelo mundo, terminando por se afastarem do santo
mandamento de Deus (2.20-21).

O seu modo de caminhar é identificado através de seu comportamento. O texto


apresenta verbos e adjetivos que nos fazem compreender o caráter desses homens:

- Falsos, dissimulados, hereges, destruidores, negam a Cristo, libertinos, avarentos,


mentirosos, fazem comércio de vidas, são carnais, seguem paixões imundas, são
Andreu Monteiro 54

rebeldes, atrevidos, obstinados, como animais irracionais, blasfemos, injustos,


luxuriosos, enganadores, adúlteros, insaciáveis, malditos, vaidosos, arrogantes,
inconstantes, escravos da corrupção (2.1,2,3,10,12,13,14,18,19; 3.3). Tais palavras
variam um pouco de uma versão bíblica para outra.

- Apesar de todo esse conteúdo maligno, tais homens apresentam uma aparência
positiva. Afinal, são líderes, são mestres, e prometem liberdade aos seus seguidores
(2.1,2,19). São fontes... sem água. São nuvens .... também sem água (II Pd.2.17; Jd.12).
O aspecto é promissor mas não produzem nada de positivo.

Dentre tantas características apresentadas, percebemos que se destacam as atitudes


desses falsos mestres em relação à autoridade, ao dinheiro e ao sexo. Eles são rebeldes,
avarentos e adúlteros, entre outros adjetivos a estes relacionados.

O ponto de chegada desse caminho está demonstrado pelas expressões:

 "... a sentença..." (2.3).


 "... a perdição..." (2.3).
 "... inferno..." (2.4).
 "... cadeias da escuridão..." (2.4).
 "... juízo.." (2.4).
 "... destruição..." (2.6).
 "... o dia do juízo, para serem castigados." (2.9).
 "... a negridão das trevas" (2.17).
 "... o último estado pior do que o primeiro" (2.20).
 "... juízo e destruição..." (3.7).

3 - A segunda vinda de Cristo e o juízo - 3.1-18.

Pedro encerra sua obra com um capítulo escatológico. Após ter falado sobre dois
caminhos, dois tipos de vida, o apóstolo fala sobre a segunda vinda de Cristo (3.4) e,
novamente, trás à tona o tema do juízo, comparado ao dilúvio dos dias de Noé (3.7).
Está em destaque a aparente demora da "parousia".

Pedro adverte que o tempo de Deus é diferente do nosso. "Um dia para Deus é
como mil anos e mil anos como um dia". (3.8).

Sobre a segunda vinda precisamos de duas atitudes: fé e paciência. A aparente


demora de Deus é manifestação da sua misericórdia. Ele está dando tempo para muitos
ainda se arrependam e se convertam (3.9).

Enquanto que o dilúvio foi a destruição dos ímpios e suas obras através da água,
Pedro nos diz que o fim desta nossa era se dará por meio de um "dilúvio de fogo". O
Andreu Monteiro 55

apóstolo "desenha" um cenário "apocalíptico" iluminado pelas chamas da ira divina. O


fogo abrasará (3.10,12), destruirá (3.7) e fará derreter (3.12). Serão atingidos: os céus
(3.7,10,12), a terra (3.7,10) e todas as coisas que nela há (3.10-11). Semelhantemente ao
texto de Apocalipse 21.1, Pedro também fala de novos céus e nova terra (II Pd.3.13;
Is.65.17).

A PRIMEIRA EPÍSTOLA DE JOÃO

1. Autoria

João, o apóstolo. Seu nome não é mencionado em suas três epístolas. Não
obstante, sua autoria foi confirmada por Policarpo, Papias, Eusébio, Irineu, Clemente de
Alexandria e Tertuliano. O nome "João" significa "graça de Deus". Era judeu, pescador
(Mt.4.21), irmão de Tiago, filho de Zebedeu e Salomé (Compare Mt.27.56 e Mc.15.40).
Foi chamado de discípulo amado - Jo.13.23; 19.26; 21.20. Foi o discípulo mais íntimo
do Mestre. Até no momento da crucificação, João estava presente. Isso mostra sua
disposição de correr risco de vida para ficar ao lado de Jesus. Apesar de ter fugido no
momento da prisão de Cristo, João voltou pouco tempo depois.

Jesus chamou João e Tiago de boanerges, "filhos do trovão", referindo-se ao seu


temperamento indócil, tempestuoso, violento (Mc.3.17; Mc.9.38; Lc.9.54).

São várias as citações a respeito de João nos evangelhos de Mateus, Marcos e


Lucas. Seu nome é omitido no seu evangelho (João 20.2; 19.26; 13.23; 21.2).
Encontram-se referências ao apóstolo também em At.4.13; 5.33,40; 8.14; Gl.2.9; 2 Jo.1;
3 Jo.1; Apc.1.1,4,9. Na segunda e na terceira epístola, ele se apresenta como "o
presbítero". Podendo se apresentar como apóstolo, demonstrou humildade ao utilizar
título mais simples. Em Apocalipse, apresenta-se como "servo".

Após o exercício do seu ministério em Jerusalém, João foi pastor em Éfeso, onde
morreu entre os anos 95 e 100. Policrates (ano 190), bispo de Éfeso, escreveu: "João,
que se reclinara no seio do Senhor, depois de haver sido uma testemunha e um mestre,
dormiu em Éfeso."

2. Palavras chave: Conhecimento (ou saber) , amor e comunhão.

3. Data de escrita da primeira epístola - Final do primeiro século, entre os


anos 95 e 100. Jerusalém já havia sido destruída e os cristãos estavam dispersos.

4. Local de origem - Éfeso


Andreu Monteiro 56

5. Destinatários

Por não conter saudações, despedidas ou menção de nomes, tem-se considerado


que a carta foi destinada à igreja em geral. O apóstolo trata carinhosamente os
destinatários como "meus filhinhos" (2.1,18,28; 3.7,18; 4.4; 5.21) e "amados" (3.2,21;
4.1,7,11). Isso parece indicar que, embora não tenha vinculado a epístola a uma
comunidade específica, o autor tem em mente pessoas conhecidas, as quais seriam as
primeiras a receberem aquela mensagem.

6. Característica literária

O apostolo João tem uma característica de escrita bem peculiar, e o quadro


abaixo nos mostra as semelhanças dos temas desenvolvidos no seu evangelho e nas suas
cartas.

Tema Evangelho de João 1João 2João

Verdade 8.31-32 3.18-19 1.1-2

Vida eterna 3.16 5.11,12

Novo nascimento 13.34 2.8 1.5

Permanecer 15.4-5 2.28

Guardar mandamentos 14.15 5.3 1.6

7. O Propósito da carta

A carta apresenta denúncia contra os falsos e incentivo aos verdadeiros cristãos.


O autor é incisivo, direto, totalmente convicto. Sua afirmações são muito fortes no
sentido de apontar o erro e a verdade.

O propósito da carta está bem definido com também vimos no evangelho (João
20.31). A epístola foi escrita:

1 - "Para que a nossa alegria seja completa" - 1.4

2 - "Para que não pequeis" - 2.1.

3 - Para advertir contra os enganadores - 2.26.

4 - "Para que saibais que tendes a vida eterna" - 5.13.


Andreu Monteiro 57

Entendemos que o autor estava bastante preocupado com a igreja, em seu estado
presente e futuro. Os demais apóstolos já haviam morrido e falsos mestres apareciam
por toda parte. Alertando os irmãos, o apóstolo ficaria mais tranqüilo e sua alegria seria
completa (1.4). Seu alerta é contra o pecado (2.1) e contra as heresias (2.26). São duas
portas para o diabo entrar nas vidas e nas igrejas. Embora as duas coisas estejam
intrinsicamente ligadas, as heresias apresentam um elemento muito perigoso. Todo tipo
de pecado deve ser evitado, mas se, eventualmente, cometermos algum, confessaremos
e seremos perdoados (1.7,9; 2.1). A heresia entretanto, constitui-se num caminho de
afastamento de Deus. A heresia, do tipo mencionado por João, leva à apostasia. Então,
tem-se uma situação muito perniciosa em que a pessoa está errada mas pensa que está
certa. Trata-se de um estado de pecado sem reconhecimento, sem confissão, sem
arrependimento e, consequentemente, sem perdão. Aquele que passa a crer numa
doutrina contrária à cruz, como pode ser perdoado? Não é que Deus se recuse a perdoá-
lo, mas a própria pessoa não acredita na única solução divina, que é o sacrifício de
Cristo. A reversão desse quadro é possível, mas muito difícil. O melhor é a prevenção
contra as heresias e isso se faz através do conhecimento e apego à Palavra de Deus.

8. Comentário

CENÁRIO OBSERVADO POR JOÃO

A situação da igreja inspirava cuidados. Notamos isso pelo que se lê nas cartas
às sete igreja da Ásia (Apc.2 e 3). As heresias grassavam em muitas comunidades. Em
Apocalipse, livro escrito na mesma época, João menciona as expressões "sinagoga de
Satanás" (Ap.2.9), "nicolaítas" (Ap2.6,15), "doutrina de Balaão"(Ap.2.14), etc.

O gnosticismo, sistema que mistura idéias filosóficas, crenças judaicas e cristãs,


era uma das principais fontes de heresias da época. Assim, muitos cristãos se tornaram
gnósticos. Criam em Jesus mas negavam a realidade de sua encarnação e morte. O fato
de se denominarem cristãos criava uma situação confusa. Quem eram os verdadeiros
cristãos? Os que criam de uma forma ou os que criam de outra?

João observou a necessidade de identificação, discernimento, definição e


posicionamento. Observemos as perguntas-chave que autor apresenta:

1 - "Quem é o mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo?" (I Jo.2.22).

2 - "Quem é o que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?" (I
Jo.5.5).
Andreu Monteiro 58

O autor se mostra bastante interessado em mostrar "QUEM É O QUÊ". São


usados pronomes demonstrativos e indefinidos para apresentar especificações bem
definidas que permitem identificar os indivíduos em relação a Cristo. João usa
repetidamente a fórmula: "Quem não faz isso não é aquilo". ou "Quem faz tal coisa é
outra coisa".

Aquele - 2.6,11,17,22,23,26,29; 3.4,6,17; 5.1,5,16,18 (Veja também II João 1.9).

Alguém - 2.1,15,27; 4.20; 5.16.

Quem - 4.7,8,9,10.

O mentiroso e o verdadeiro precisam ser identificados. Essa é a missão de João


em sua primeira epístola. O autor ajuda a identificar os personagens do cenário e a
situação dos próprios leitores no contexto da verdade e da mentira. O exemplo clássico
utilizado é o de Caim e Abel (I Jo.3.11-12), representando dois grupos de pessoas que
estavam dentro da igreja. O autor identifica quem está em comunhão com Deus e quem
não está. No quadro a seguir, listamos diversas expressões da epístola através das quais
se traça uma linha divisória entre os dois grupos. Vamos chamá-los, alegoricamente, de
"grupo de Abel" e "grupo de Caim".

"Grupo de Abel" "Grupo de Caim"

Vida (1.1,2; 2.16,25; 3.14,15,16; Morte (3.14; 5.16-17)


5.11,12,13,16,20)
Mentira - 1.6,10; 2.4,21,22,27; 4.20; 5.10
Verdade - 1.6,8; 2.4,5,8,21,27; 3.18,19; 4.6;
5.7,20. Erro - 4.6 Engano - 1.8; 2.26; 3.7

Verdadeiro (2.8,27; 5.20) Falso ou mentiroso (2.22)

Espírito da verdade (4.6) espírito do erro (4.6)

Cristo (1.3, etc) Anticristo (2.18,22)

Amor ao irmão (2.10) Amor ao mundo (2.15)

Sofre ódio do mundo (3.13) Ódio ao irmão (2.11; 3.15)


Andreu Monteiro 59

Luz - 1.5,7; 2.8,9, 10. Trevas - 1.5,6; 2.8,9,11.

É possível passar de um lado para o outro. Esse trânsito pode ser chamado
conversão ou, no sentido contrário, apostasia. João disse que "passamos da morte para a
vida." (3.14). E o seu cuidado era para que não acontecesse o processo contrário com
alguns irmãos que, envolvidos pela heresia, pudessem passar da verdade para a mentira.

IDENTIFICANDO A DOUTRINA, O MESTRE E O ESPÍRITO

A heresia é uma doutrina errada, mas isso pode não estar tão claro no início. O que
chega até nós é simplesmente uma doutrina. Esta deve ser então identificada. Por meio
dos parâmetros encontrados na epístola, o autor identifica a doutrina, o mestre e o
espírito que está por trás (2.22-23, 4.1-6). As chaves identificadoras são:

 Relação com Cristo (2.22-23);


 Relação com os irmãos. (3.10,17).
 Relação com o mundo (2.15).

Estes são os "instrumentos" que nos farão identificar a verdade e a mentira. Tais
indicadores são complementares entre si. Se alguém negar que Cristo é o Filho de Deus,
estará reprovado. Não está na verdade. Se alguém afirma que Cristo é o Filho de Deus
mas nega sua encarnação e morte, estará reprovado. Se alguém diz ter uma fé correta a
respeito de Cristo, então o próximo teste é a relação com os irmãos. Se a pessoa odeia
os irmãos ou lhes nega auxílio nas necessidades, então estará reprovada. Se a pessoa
ama o mundo, anda segundo o mundo, vive de modo agradável ao mundo, pecando
habitualmente, então está do lado da mentira. A relações com os irmãos e com o mundo
constituem evidências visíveis do tipo de relação que temos com Cristo, uma vez que
esse vínculo é espiritual e invisível.

O objetivo dessas colocações não é sairmos julgando as pessoas dentro da igreja.


Em primeiro lugar, cada um deve julgar e purificar a si mesmo (I Jo.3.3; 5.10; I
Cor.11.28,31; II Cor.13.5; II Jo.1.8). Depois, é preciso que saibamos julgar as profecias
e as doutrinas que recebemos (I Cor.14.29; I Tess.5.20-21; I Cor.10.15). Se uma
doutrina é contrária a Cristo, contrária à comunhão dos irmãos ou favorável ao
mundanismo, então deverá ser rejeitada. Finalmente, a vida de um mestre deverá ser
avaliada para que se decida sobre a sua doutrina. "Pelos seus frutos os conhecereis."
(Mt.7.15-16). Muitos irmãos podem apresentar uma série de erros e até mesmo pecados
por uma questão de imaturidade, fraqueza, ignorância, etc. Não devem ser alvos de
julgamentos mas de orientação. O objetivo de João era alertar contra aqueles que se
colocavam como mestres da igreja.
Andreu Monteiro 60

ESTAR E PERMANECER - POSIÇÃO E PERSEVERANÇA

No cenário da verdade e da mentira precisamos nos localizar. Onde estamos? João


usa diversas vezes o verbo "estar". Em algumas delas, ele se preocupa em "localizar"
espiritualmente as pessoas. Se guardamos a palavra e amamos os irmãos, isso indica que
"estamos" em Cristo. Quem não ama seu irmão, "está" nas trevas. Finalizando, o autor
diz que "estamos" em Cristo, que é o verdadeiro Deus. (I Jo.2.5,6,9; 5.20).

Podemos ter nossa posição muito bem definida. Entretanto, vamos mantê-la?
Um outro verbo muito importante para João é "permanecer". Lembre-se do capítulo 15
do evangelho de João: "Permanecei em mim e eu permanecerei em vós". "Se alguém
permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto." "Se alguém não permanecer em
mim, será lançado fora." "Se vós permanecerdes em mim e as minhas palavras
permanecerem em vós pedireis o que quiserdes e vos será feito." "Permanecei no meu
amor...", etc.

Na primeira epístola, a ênfase continua nos seguintes textos:


2.10,14,17,19,24,27,28; 3.6,9,14,15,17,24; 4.12,13,15,16. Em todos esses versículos
aparece o verbo "permanecer". Isso demonstra a preocupação do autor com a
perseverança dos irmãos no caminho da verdade. (Veja também II João 1.2,9).

COMBATE AO GNOSTICISMO

João se mostrou bastante combativo em relação ao gnosticismo. Esta palavra


vem do termo grego "gnosis" que significa "conhecimento". Os gnósticos criam e
ensinavam que a salvação da alma dependia do conhecimento de alguns mistérios só
revelados aos que participavam de seus rituais de iniciação. O apóstolo usou então a
mesma palavra, "conhecimento", para combater as heresias gnósticas. Tanto no
evangelho como na primeira epístola, ele mostrou o que realmente importa conhecer: A
verdade, que é o próprio Cristo e o amor, que é o próprio Deus.

O conhecimento sem amor pode causar tragédias. A bomba atômica é um


exemplo clássico.

O verbo "conhecer" aparece nos seguintes versículos: I Jo. 2.3,13,14,18,20;


3.1,6,16,19,20,24; 4.2,6,7,8,13,16; 5.2.20. (II João 1.1).

A carta destaca também a palavra "luz", que também é um símbolo do


conhecimento: 1.5,7; 2.8,9, 10.

Outro verbo similar é o "saber". Essa palavra tem um sentido muito forte, pois
não admite dúvida, insegurança, medo nem ignorância. O comentário da Bíblia
Thompson chama a primeira epístola de João de "a carta das certezas". O autor usa o
Andreu Monteiro 61

verbo "saber" de uma forma bastante clara e determinada. (I Jo.2.3,5,11,21,29;


3.2,5,14,15; 5.15). Ele diz: "Sabemos que somos de Deus." Não estamos perdidos nem
confusos. SABEMOS quem somos, onde estamos e para onde vamos.

O gnosticismo afirmava que o mal residia na matéria. Portanto, negavam que


Deus pudesse se encarnar. Em relação a Cristo, João escreveu: "nós ouvimos, vimos,
contemplamos, nossas mãos tocaram..." (I Jo.1.1-3). Ou seja, o apóstolo estava
afirmando insistentemente que o corpo de Cristo era matéria, pois poderia ser tocado,
como de fato o foi. Não se tratava de um espírito, uma aparição, como os gnósticos
afirmavam. (I Jo.4.2; 5.6)

OUTRAS PALAVRAS, EXPRESSÕES E CONCEITOS EM DESTAQUE

VIDA - 1.1,2; 2.16,25; 3.14,15,16; 5.11,12,13,16,20

Vida de Deus para nós por meio de Cristo.

MUNDO - nosso posicionamento: não amamos o mundo; somos odiados por


ele; haveremos de vencê-lo (I Jo.2.2,15,16,17; 3.1,13,17; 4.1,3,4,5,9,14,17; 5.4,5,19).

VERDADEIRO - Mandamento - 2.8. Luz - 2.8. Unção - 2.27. Jesus - 5.20. Deus
- 5.20.

AMOR ( e verbo amar) 2.5,10,12,15; 3.1,10,14,16 (x Jo.3.16). 3.17,18,23;


4.7,8,9,10,11,12,16,17,18,19,20,21; 5.1,2,3. (Obs. II Jo.1,3,6 III Jo.1,6,7 Apc.2.3,4,19;
3.9,19). São da autoria de João alguns dos mais famosos versículos bíblicos sobre o
amor: "Deus é amor" e "Porque Deus amou o mundo de tal maneira..."

Na primeira epístola, o autor usa o verbo amar em diversas conjugações: ama,


ameis, amamos, amemo-nos, amado, amados, amou, amar-nos, amo, amar, ame,
amemos.

O amor vem de Deus, através de Jesus. "Ele nos amou primeiro". Daí em diante,
o amor deve ter livre curso em direção aos irmãos, mas não em direção ao mundo. O
amor deve "circular como sangue" no Corpo de Cristo, que é a igreja.

COMUNHÃO - 1.3,6,7.

MANDAMENTO(s) - 2.3,4,7,8; 3.22,23,24; 4.21; 5.2,3.

O QUE SE DIZ E O QUE SE É - 1.6,8,10; 2.4,6,9; 4.20;

MANDAMENTOS DE NEGAÇÃO
Andreu Monteiro 62

NÃO AMEIS o mundo - 2.15.

NÃO CREIAIS a todo espírito - 4.1.

O amor e a fé só são positivos quando bem direcionados.

SEGUNDA EPÍSTOLA DE JOÃO

1. Autor: Apóstolo João

2. Data: entre 90 e 95 d.C.

3. Propósito: Alertar contra os enganadores; combater a mentira.

4. Palavra-chave: verdade.

5. Destinatária

A segunda epístola é dirigida a uma senhora e seus filhos. Tal mulher não é
identificada pelas escrituras. Há quem defenda a tese de que a "senhora eleita" seja
Maria, irmã de Marta, a qual estaria mencionada no versículo 13. Há quem tome o
termo "senhora" em grego, ”kuria”, considerando-o como nome próprio. Outras
hipóteses sugerem que João estivesse chamando de "senhora eleita" a uma igreja
específica ou à igreja em geral. Nada disso se comprova. Seguindo a mais rigorosa
interpretação, não podemos afirmar qual tenha sido essa mulher. Apenas entendemos
tratar-se de uma senhora que, provavelmente era viúva. Caso tivesse marido, não seria
natural que o apóstolo lhe dirigisse diretamente uma carta. O texto parece indicar que
Andreu Monteiro 63

em sua casa aconteciam reuniões da igreja (vs.10). De qualquer forma, trata-se de uma
mulher amada e respeitada por todos os irmãos que a conheciam (vs.1).

6. Esboço

1 - Saudações - 1-3.

2 - O caminho da verdade e do amor - 4-6.

3 - Os enganadores e como tratá-los - 7-11.

4 - Saudações - 12-13.

7. Comentário

O autor não menciona seu próprio nome. Apresenta-se como "presbítero", que
significa "ancião", conforme já consta em algumas versões bíblicas. Os anciãos, desde
os tempos do Velho Testamento, eram os homens mais velhos, mais experientes, e, por
conseqüência, líderes do povo (Êx.3.16,18; 4.29; 12.21 etc.). Ao escrever seu evangelho
e epístolas, o apóstolo João já era idoso.

Estando já familiarizados com os escritos do apóstolo, logo reconhecemos sinais


de sua autoria na segunda epístola. Por exemplo, a ênfase sobre os temas: "verdade",
"amor", "mandamento", "permanecer", e o combate às falsas doutrinas. Tudo isso
constitui marca de João em seu evangelho, na primeira epístola, e também na segunda.
Afinal, dos 13 versos da segunda epístola, 8 se encontram quase idênticos na primeira.

TEMA CENTRAL

Todas as epístolas de João foram escritas na mesma época. Nota-se na segunda,


que os assuntos da primeira ainda persistem na mente no apóstolo. Ele ainda se mostra
combativo em relação aos enganadores. Seu esforço é a favor da verdadeira doutrina de
Cristo (v. 5,6).

NOSSA RELAÇÃO COM A DOUTRINA DE CRISTO


Andreu Monteiro 64

Cristo veio e nos deu sua doutrina, seu mandamento, que consiste no amor a
Deus e ao próximo. O amor determina nosso vínculo com Deus e com os irmãos. Já
recebemos a sua doutrina. A questão agora é: vamos andar nesse mandamento? O verbo
"andar" é muito utilizado por João e também por Paulo, indicando nosso modo de vida,
nossas decisões, nossos rumos, nossas ações. Se praticamos a vontade de Deus, então
estamos andando em espírito (Gál. 5.16), andando com Deus (Gn.5.22,24), no caminho
que é Cristo (Jo.14.6). Contudo, de nada adianta estarmos no caminho por algum tempo
se sairmos dele antes de chegarmos ao lugar onde ele nos levaria. Portanto, precisamos
permanecer no caminho, por mais difícil que isso possa ser. Aos que permanecerem,
Deus dará a devida recompensa.

Os enganadores ameaçam o êxito desse processo (vs.7 a 10). Isso ocorre com
aqueles que abandonam o caminho da verdade e do amor, não permanecendo na
doutrina de Cristo (vs.9). Os que se desviam perdem a recompensa, perdem o fruto do
seu trabalho e fazem perder-se o fruto do trabalho daqueles que os conduziram a Cristo
(vs.8). João disse que alguns "vão além" da doutrina. Esta é uma forma sutil da heresia:

 Exigir mais do que o que Deus exigiu.


 Esperar mais do que o que Deus prometeu.

Precisamos ser cuidadosos no sentido de não criarmos doutrinas extra-bíblicas,


como se a palavra de Deus precisasse de complemento. Os que lideram precisam estar
atentos em relação ao que exigem de seus liderados. Estaremos indo além da palavra de
Deus? Vemos em Gênesis que, ao repetir o mandamento divino, Eva lhe acrescentou as
palavras: "nem nele tocareis" (Gn.3.3). Paulo profetizou que nos últimos dias, surgiriam
doutrinas de demônios, proibindo o casamento e determinando a abstinência de
manjares que Deus criou para os fiéis (I Tm.4.1-3).

Esperar mais do que aquilo que Deus prometeu pode ser uma atitude inofensiva ou
não, dependendo da situação. Se alguém espera que Deus lhe dê uma casa na praia, isso
não é pecado. Contudo, não sabemos se Deus fará isso. Pode ser que sim e pode ser que
Andreu Monteiro 65

não, uma vez que a bíblia nunca nos prometeu esse tipo de coisa. Então, se Deus não
der, qual será a reação daquele que pediu e esperou? O problema se agrava quando esse
tipo de expectativa é alimentada por formas doutrinárias, como as que temos ouvido
hoje em dia, e que estão destituídas de fundamento bíblico. Esta é uma das formas de "ir
além" da doutrina de Cristo. A palavra do Senhor nos ensina que ele atende aos nossos
pedidos desde que estejam coerentes com a sua vontade (I Jo.5.14; Tg.4.3).

A doutrina gnóstica, tão influente nos dias de João, negava a humanidade de Cristo,
atribuindo-lhe apenas caráter espiritual. Era então um ensinamento espiritualista, o que,
aparentemente, demonstrava elevação, desapego em relação à matéria. Estavam indo
muito além da espiritualidade bíblica, a qual não nos nega o provimento às nossas
legítimas necessidades físicas (I Tm.4.1-3; Col.2.16-23). O cristianismo mostra o
espiritual se encontrando com a matéria. "O verbo se fez carne e habitou entre nós"
(João 1.14). E este era o principal ponto negado pelos enganadores a quem João
combatia (II João 7). O próprio batismo e a ceia do Senhor fazem com que os nossos
corpos participem das nossas experiências com Deus. Palavras de João: "vimos com os
nossos olhos... e as nossas mãos tocaram..." (I João 1.1). Era uma experiência física com
o verbo encarnado.

Uma espiritualidade exagerada, que vai além dos parâmetros bíblicos, é algo que
deve ser questionado. Como exemplo pode-se mencionar certas abstinências alimentares
ou o celibato. Tudo isso pode ser praticado, desde que seja voluntário. Se for obrigatório
será doutrina humana.

Sobre os enganadores, aqueles que não trazem a doutrina de Cristo, João diz: "Não
os recebais em casa nem tampouco os saudeis." Está estabelecido o limite para a
hospitalidade cristã, tão valorizada pelos escritores do Novo Testamento. Não devemos
ser tão bons ao ponto de acolher os lobos que vêm para ameaçar nossa firmeza na fé. O
apóstolo não está nos aconselhando a sermos rigorosos contra os fracos na fé, mas sim
contra aqueles que nos procuram com o objetivo de corromper a doutrina que
recebemos do Senhor. Não trate bem uma serpente. Ela te matará na primeira
oportunidade.

Deduzimos que a "senhora eleita" era uma viúva. Seria mais um motivo para que ela
ficasse atenta em relação àqueles que desejassem entrar em sua casa. Muitos
exploradores, disfarçados de mensageiros de Deus, "devoravam as casas das viúvas"
(Mt.23.14; II Tm.3.6).

PALAVRAS EM DESTAQUE

Verdade - II João 1,2,3,4.

Mandamento - II João 4,5,6.


Andreu Monteiro 66

Amor - II João 3,6 Ensino (doutrina) - II João 9,10.

Permanecer - II João 2,9. Anticristo - II João 7.

TERCEIRA EPÍSTOLA DE JOÃO

1. Autor: Apóstolo João

2. Data: entre 90 e 95 d.C.

3. Tema: Caráter cristão.

4. Palavra-chave: verdade.

5. Esboço

1 - Saudações - 1-4.
Andreu Monteiro 67

2 - O bom exemplo de Gaio - 5-8.

3 - Diótrefes - o ambicioso - 9 - 11.

4 - Demétrio - o cristão fiel - 12.

4 - Considerações finais e saudações - 13-15.

6. Semelhança com 2João

A epístola em estudo é de autoria do apóstolo João. Para confirmação compare


os versículos:

III João 1 II João 1

III João 13-14 II João 12

III João 11 II João 9

7. Destinatário

A terceira epístola de João é uma correspondência particular dirigida a um irmão


chamado Gaio, o amado. Este nome era bastante comum naquela época. Temos sua
ocorrência em At.19.29, At.20.4, Rm.16.23, I Cor.1.14, além de III João. Contudo, tais
passagens não se referem sempre à mesma pessoa.

Não temos muitas informações sobre Gaio, a quem João escreve. Entendemos
que ele não era o líder de sua igreja local. O versículo 9 indica que o líder é outro.
Entretanto, parece que era bispo em Pergamo, e era uma pessoa proeminente que
andava na verdade (vs. 3,4).

8. Comentário

A QUESTÃO DA PROSPERIDADE
Andreu Monteiro 68

O verso 2 diz: "Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas, e que tenhas
saúde, assim como bem vai à tua alma." Este talvez seja o versículo mais conhecido
dessa pequena carta, o qual é muitas vezes utilizado como apoio para a doutrina da
prosperidade. Devemos observar que a única certeza do texto está relacionada à alma do
destinatário, ou seja, seu bom estado interior. No mais, o verso expressa apenas o desejo
de João no sentido de que Gaio tivesse boa saúde e fosse próspero em todas as coisas.
Não temos ali uma promessa nem uma doutrina sobre prosperidade material. Tal êxito
depende do propósito de Deus para cada pessoa.

Gostaríamos de ser bem sucedidos em tudo e em todo o tempo. Porém, essa


trajetória certamente será muitas vezes interrompida por tribulações, as quais fazem
parte da nossa experiência cristã.

ANDAR NA VERDADE (vs.3-4).

Tal expressão, tão importante para João, significa praticar, viver de acordo com
a verdade. O verbo andar foi também muito utilizado pelo apóstolo Paulo em seus
ensinamentos sobre a vida cristã (Gál. 5.16,25; Ef.4.1; 5.15; etc.). Trata-se do
"procedimento" mencionado no verso 5.

PROCEDIMENTO, TESTEMUNHO E EXEMPLO (vs.3,4,6,10,12)

A palavra testemunho tem destaque em todos os escritos de João, desde o


evangelho até o Apocalipse. Como cristãos, damos testemunho a respeito do Senhor
Jesus, e isso vai gerar um outro testemunho que será dado a nosso próprio respeito. O
procedimento será observado e produzirá um testemunho positivo ou negativo.

João se alegrou pelo testemunho dado pelos irmãos a respeito de Gaio. Contudo,
os estranhos também dão testemunho. Nesse contexto, os "estranhos" são irmãos vindos
de outros lugares. No verso 12, todos dão testemunho, inclusive o próprio apóstolo e a
própria verdade. Parece que a verdade, nesse contexto, está relacionada à doutrina, a
qual serviria como parâmetro para confirmar determinado testemunho.

Vemos portanto, que as nossas obras geram testemunhos a nosso respeito e essas
mensagens circulam rapidamente e estruturam ou derrubam nossa reputação.

A epístola destaca o procedimento de Gaio, Diótrefes e Demétrio. Daí surgiram


testemunhos positivos e negativos, fazendo com que essas pessoas se tornassem bons ou
maus exemplos, a serem imitados ou evitados.

Gaio e Demétrio são apresentados como cristãos fiéis (vs.3-6,12). Diótrefes é


visto como ambicioso. Estava na liderança, mas João não o reconhece como tal. O
apóstolo diz que Diótrefes "gosta de ter entre eles a primazia." (v.10). Ele gostava de
Andreu Monteiro 69

ser líder, contudo não era vocacionado para aquele trabalho. Seu caráter se manifesta
por suas palavras e ações:

- Profere palavras maliciosas.

- Não recebe o apóstolo João na igreja. É rebelde contra as autoridades espirituais.

- Proíbe que os irmãos o recebam.

- Exclui da igreja quem o faz. (v.10).

Gaio, que já andava na verdade, deveria se inspirar nos bons exemplos (v.11).

EPÍSTOLA DE JUDAS

1. Autor:

O autor se identifica como “servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago”. Na Igreja


primitiva havia apenas um Tiago que poderia ser referido dessa maneira, sem qualquer
outra especificação – “Tiago o irmão do Senhor” (Gl 1.19). Isso aponta para a
identificação do seu autor com o Judas que é enumerado entre os irmãos de Jesus, em
Mt 13.55 e Mc 6.3. Judas teve dois netos que foram examinados e soltos por
Domiciano, quando o Imperador foi informado que pertenciam a casa de Davi.
Andreu Monteiro 70

2. Data: entre 64 e 70 d.C.. Entretanto alguns sugerem que foi após a queda de
Jerusalém (v. 17)

3. Tema: Defesa da fé cristã.

4. Palavra-chave: Guardar.

5. Texto chave - 3,4.

6. Esboço

1 - Saudações - 1-2.

2 - Defesa da fé cristã - 3-4.

3 - Os deturpadores do evangelho - 5-16.

4 - Instruções práticas - 17-23.

5 - Doxologia - 24-25.

7.Comentário

GUARDADOS EM CRISTO JESUS (v.1).

Estar em Cristo, expressão importante na teologia de Paulo, é uma realidade


espiritual que expressa nosso vínculo com Jesus e nossa posição espiritual. Trata-se de
uma união mística. Estamos ligados a ele como os membros se ligam ao corpo e este à
cabeça ou como os ramos se ligam à videira. Judas diz que estamos guardados em
Cristo. Ele é o nosso refúgio, nossa fortaleza.

Lendo apenas o versículo 1 e o 24, poderíamos pensar que a nossa situação e


futuro dependem unicamente de Deus. Se assim fosse, não precisaríamos de tantas
palavras de advertência como temos na bíblia. Contudo, o verso 20 muda a conjugação
verbal e nos exorta dizendo: "Guardai-vos no amor de Deus" (ou conservai-vos). O
autor nos repassa uma grande responsabilidade no sentido de nos mantermos na posição
que obtivemos em Cristo mediante a salvação. Nosso estar em Cristo pode ser
comparado à condição da família de Noé dentro da arca, a qual representou a salvação
daquelas pessoas.

O problema central apresentado pela epístola de Judas é o caso daqueles que não
guardaram suas posições e se perderam, tornando-se exemplos do juízo divino (v.6). O
Andreu Monteiro 71

autor cita como exemplos: o povo de Israel no deserto, os anjos, Sodoma, Gomorra,
Caim, Balaão e Coré. Ele fala de experiências coletivas e individuais. Menciona desde
pessoas que conheciam bem pouco sobre Deus, passando por aquelas que conheciam
muito e chegando a mencionar os anjos, que viam a Deus face a face. O que todos
tiveram em comum foi a corrupção e a conseqüente destruição. É impressionante
observarmos que o povo de Israel, por sua rebelião e incredulidade, entra para uma lista
de exemplos ao lado de Sodoma e Gomorra. Da mesma forma, um profeta ganancioso,
Balaão, é listado juntamente com Caim, o irmão homicida. Isso mostra que, seja qual
for a nossa posição, devemos ser cuidadosos para não entrarmos nas listas daqueles que
não guardaram sua condição original e se corromperam. "Guarda o que tens, para que
ninguém tome a tua coroa" (Apc.3.11).

HERESIA - CAMINHO DA PERDIÇÃO

Por quê alguém deixaria sua posição de obediência a Deus para se tornar um
infiel? Tal pergunta fica muito difícil de ser respondida se indagarmos a respeito da
queda de Satanás. Daí em diante, um dos meios mais utilizados foi a persuasão. Assim,
os anjos foram levados, e também Adão e Eva. O infiel vai propagando a infidelidade.
Judas estava preocupado com essa prática, pois os hereges se manifestavam dentro da
igreja e ameaçavam a firmeza dos irmãos através de doutrinas erradas.

A epístola diz que eles "convertem em dissolução a graça de Deus" (v.4).


Aqueles falsos mestres transformavam a graça de Deus em libertinagem, como se a
misericórdia de Deus representasse conivência em relação ao pecado. O fato de Deus
não punir imediatamente o pecador significa que este tem oportunidade para se
arrepender. Contudo, isso não significa que o juízo foi esquecido. Caso não haja
arrependimento, haverá o castigo.

OS MENSAGEIROS DO MAL

Tais elementos são muito perigosos porque entram nas igrejas (v.12) e
conseguem posições de liderança e ensino (v.8,12). A sua aparência não é ameaçadora.
Pode até ser agradável. Contudo, seu procedimento denuncia seu caráter. O autor utiliza
muitas figuras de linguagem para mostrar tal realidade.

APARÊNCIA CARÁTER

Nuvens sem água

Árvores sem fruto, sem vida, sem raiz firme


Andreu Monteiro 72

Ondas bravias

Estrelas errantes

Rochas submersas

Pastores que apascentam a si mesmos

A aparência pode ser muito boa, mas o conteúdo deixa a desejar. Apresentam
um potencial muito grande, mas não utilizado como deveria. Por exemplo, a rocha, que
poderia servir como base em uma construção, encontra-se submersa, representando um
perigo oculto e fatal.

As figuras de linguagem utilizadas nos falam de elementos que não se


encontram fixos, não têm firmeza, encontram-se em movimento constante: nuvens
levadas pelo vento, árvores que não estão presas por suas raízes, ondas do mar, estrelas
cadentes. Os falsos mestres não conseguem se firmar dentro da verdadeira igreja do
Senhor. Por isso é que acontecem os escândalos e eles se vão. Vemos no texto também a
questão da inutilidade de tais pessoas. Uma estrela cadente não serve como ponto de
referência. Ondas bravias só causam destruição. Nuvem sem água não produz chuva.
Além disso, é levada pelo vento e nem sombra produz. O mesmo acontece com a árvore
que, além de não ter frutos, foi arrancada. Nesse caso, o que não é útil pode se tornar
uma ameaça. Então, nada lhe resta senão o fogo, que representa o juízo divino.

Assim, Judas apresenta o caráter dos falsos mestres, o perigo de sua mensagem e
o destino que lhes cabe, a exemplo do que aconteceu com os rebeldes israelitas do
deserto, e Sodoma, Gomorra, etc.

Não devemos olhar para os fracos na fé e vê-los como falsos na fé. Por isso,
Judas adverte que devemos ter compaixão daqueles que estão em dúvida (v.22).
Devemos salvá-los (v.23), tomando cuidado para não sermos contaminados com seus
erros práticos ou doutrinários.

Judas adverte a respeito dos falsos, mas tem uma expetativa positiva em relação
aos verdadeiros irmãos. "Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que foram preditas
pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo; " (v.17). "Mas vós, amados, edificando-
vos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos no amor de
Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna". (v.20-
21). A conjunção "mas" introduz um texto com teor contrário ao anterior. Depois de
falar sobre a mensagem, a vida e o destino dos falsos mestres, o autor exorta que os
destinatários se firmassem na palavra ensinada pelos apóstolos de Cristo. Desse modo,
Andreu Monteiro 73

teriam uma vida livre da corrupção e, consequentemente, seriam apresentados


imaculados diante de Deus para a vida eterna. Por essa razão, Judas encerra sua epístola
de modo tão exultante, com uma expressão de louvor a Deus.

PARALELO ENTRE JUDAS E II PEDRO

II PEDRO ASSUNTO JUDAS

2:1 Falsos mestres 1:4

2:4 Anjos que pecaram 1:6

2:6 Sodoma e Gomorra 1:7

2:10 Contaminados e atrevidos 1:8

2:11 Contenda de anjos 1:9

2:15 Animais irracionais 1:10

2:17 Caminho de Balaão 1:11

2:18 Nuvens levadas pelo vento 1:12,13

3:2-5 Falando coisas arrogantes 1:16

3:2 Lembrai-vos das palavras 1:17

3:3 Escarnecedores dos últimos tempos 1:18


Andreu Monteiro 74

O APOCALIPSE

O Apocalipse desperta interesse em quase todas as pessoas, principalmente nos


últimos anos, por ocasião da mudança de milênio. Cristãos ou não, religiosos ou não,
muitos são os que têm grande curiosidade em relação ao livro. Entretanto, o medo e a
falta de compreensão acabam por afastar o interessado. O que resta, normalmente, são
informações obscuras e bastante distorcidas. Apocalipse, Armagedom, Anticristo, Juízo
Final e fim do mundo são temas reincidentes nos filmes de Hollywood, que vão dando
sentido lendário e fantasioso aos assuntos extraídos das Escrituras.

Neste estudo, temos o objetivo de conhecer o livro sem a pretensão de desvendá-


lo completamente. Trata-se de uma introdução ao estudo do Apocalipse.
Apresentaremos, porém, algumas hipóteses de interpretação em linhas gerais. Quando
mencionarmos teorias a respeito de determinado ponto, não significa que adotamos esta
ou aquela posição, exceto quando declararmos nossa postura.

O Apocalipse contém, logo no início, uma mensagem de bênção para os seus


leitores. "Bem-aventurado aquele que lê, e bem-aventurados os que ouvem as palavras
desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas, porque o tempo está
próximo." (Ap.1.3). O texto nada diz sobre a compreensão, mas sobre o conhecimento.
É desejável que entendamos o Apocalipse. Se, porém, não entendermos, este não deve
ser o motivo para que o abandonemos. Precisamos ler, ouvir, estudar, guardar o seu
conteúdo. Pode ser que muitas de suas profecias não possam ser compreendidas antes de
se cumprirem. Contudo, se as conhecemos, poderemos reconhecê-las quando se
cumprirem e, reconhecendo, poderemos tomar as atitudes certas no momento certo.
Jesus disse: "... quando virdes... a abominação da desolação... então, os que estiverem na
Judéia fujam para os montes." (Mt.24.15). Portanto, quando certos fatos ocorrerem, nós
poderemos identificá-los, caso estejamos munidos do conhecimento profético.

O GÊNERO APOCALÍPTICO

Esse foi um estilo literário que se destacou principalmente entre os anos 210 a.C.
e 200 d.C. Seu ambiente de origem era uma época de tribulação para povo de Deus.
Diante de circunstâncias que incluíam opressão, perseguição, exílio ou domínio
estrangeiro, os escritos apocalípticos traziam uma mensagem de esperança através de
uma linguagem enigmática. Seu objetivo era reanimar judeus ou cristãos, trazendo-lhes
profecias a respeito da futura intervenção divina para libertar o seu povo, restituindo-lhe
a glória usurpada.
Andreu Monteiro 75

Muitos "apocalipses" surgiram, tendo como principal modelo o livro de Daniel. Este foi
escrito durante o exílio Babilônico e trazia uma mensagem sobre o Reino de Deus que
viria destruindo todos os reinos opressores. Daí em diante, muitos livros apocalípticos
foram produzidos. Um dos momentos de opressão vividos por Israel foi o domínio
romano, produzindo assim mais uma ocasião propícia a esse tipo de literatura, que
muitas vezes incluía profecias messiânicas. Diversos escritos desse tipo não foram
reconhecidos como canônicos. Como exemplos podemos citar o Apocalipse de
Baruque, Apocalipse de Pedro, O Pastor de Hermas, A Assunção de Moisés, A
Ascensão de Isaías, O livro de Jubileus, Os Salmos de Salomão, Os Testamentos dos
Doze Patriarcas, I Livro de Enoque, II Livro de Enoque, II Esdras e IV Esdras.

O Apocalipse de João se encaixa perfeitamente nessa corrente literária. Contudo,


seu messianismo não se encontra vago como em outros escritos. Nele, o Messias é
claramente identificado como sendo o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Este é o
único livro desse gênero no Novo Testamento. Contudo, existem blocos apocalípticos
em outras partes da bíblia. Por exemplo: Daniel 7 a 12, Isaías 13,14, 24, 25, Ezequiel 1,
28 a 39, Zacarias 9 a 14, Mateus 24, Marcos 13, Lucas 21, I Tessalonicenses 5 e II
Tessalonicenses 2, I Pedro 4.7 e II Pe cap 3.

CARACTERÍSTICAS, CONTEÚDO E AUTORIA DOS LIVROS


APOCALÍPTICOS

Características e conteúdo: Mensagem de esperança, escatologia, intervenção


divina, visões, símbolos, criaturas estranhas, mensagem oculta, uso de pseudônimos,
profecias e apelo à imaginação.

O Apocalipse de João só não se encaixa no quesito pseudônimo. Os escritores


apocalípticos normalmente não assinavam suas obras. Muitos colocavam algum outro
nome famoso e reconhecido, como Enoque, Salomão, etc., para darem mais
credibilidade ao livro. João, porém, colocou seu próprio nome, conforme vemos no
livro (Ap.1.1,4,9-11). Tal autoria é reconhecida pela maior parte dos críticos e
comentaristas. Há quem diga que alguém usou o nome de João, mas essa hipótese não
tem muitos adeptos.

Alguns detalhes do livro reforçam a crença na autoria joanina. Jesus é apresentado como
o Verbo de Deus e o Cordeiro (Ap.19.7,13), exatamente como acontece no evangelho
de João (1.1,29). A palavra "testemunho" se destaca assim como acontece no evangelho
e na primeira e terceira epístolas. Notamos assim "a mão" de João no Apocalipse.

O QUE É APOCALIPSE?

Esta palavra, de origem grega, significa "revelação". Revelar é mostrar, tirar o


véu, desvendar. Falamos do Apocalipse como algo oculto. Porém, trata-se de uma
Andreu Monteiro 76

revelação. O livro revela que Deus tem um plano, cujo desfecho é a vitória de Cristo.
Podemos não saber o que é a besta, mas sabemos que ela será vencida pelo poder de
Deus. Esta revelação está clara e evidente no Apocalipse.

DADOS GERAIS

Autor - O apóstolo João - 1.1,4,9-11;

Destinatários - As 7 igrejas da Ásia (em geral, fundadas por Paulo).

Data - 95 ou 96 d.C.

Local - Patmos - ilha vulcânica, rochosa e estéril, localizada a 56 km da costa da


Ásia Menor (Turquia). Para lá eram enviados os prisioneiros na época do imperador
romano Domiciano (81 a 96). Outra hipótese defendida por alguns é a de que João tenha
estado lá em algum momento do governo de Nero (54-68).

Idioma - Grego (Ap.1.8; 21.6; 22.13).

Tema - Conflito entre o bem e o mal. A vitória de Cristo e a implantação do seu


Reino.

Versículo-chave - Apc.1.7.

Versículo-esboço - Apc.1.19.

Características particulares - Único livro bíblico com bênção e maldição


relacionadas ao seu uso (1.3 e 22.18-19).

Classificação - livro profético. (único do NT embora haja blocos proféticos em


outros livros como em Mt.24, Mc.13, Lc.21, etc.).

Personagem central - O Cordeiro.

Destaques - Verbo vencer (Apc. 2 e 3; 12.11; 15.2; 17.4; 21.7); Testemunho


(Apc.1.2,9; 6.9; 12.11,17; 19.10; 20.4; 22.18,20). Verbo vir (referente à vinda de Cristo)
(Apc. 1.4,7,8; 2.5,16; 3.3,11; 4.8; 22.20).

GÊNESIS X APOCALIPSE

Existe um paralelo evidente entre Gênesis e Apocalipse, conforme se observa pelos


itens a seguir:
Andreu Monteiro 77

GÊNESIS APOCALIPSE

Início Fim

Criação da terra Nova terra

Criação do céu Novo céu

Criação do sol A Nova Jerusalém não precisa do sol

Vitória de Satanás Derrota de Satanás

Adão Cristo

Eva Igreja (noiva)

Entrada do pecado Fim do pecado

Maldição Fim da maldição

Bloqueado caminho à árvore da vida. Acesso à árvore da vida.

CIRCUNSTÂNCIAS E OBJETIVO

Na época em que o Apocalipse foi escrito, a igreja estava sofrendo muito por
causa da perseguição do Império Romano. João estava preso em Patmos e todos os
outros apóstolos do primeiro grupo haviam morrido. Seria natural que muitos
começassem a questionar se aquele não seria o fim do cristianismo. Será que a igreja
resistiria àquela fúria das forças do mal?

O livro de João vem mostrar o futuro: o castigo dos ímpios, a volta de Cristo,
seu triunfo juntamente com a igreja e o estabelecimento do Reino de Deus. O Império
Romano não prevaleceria contra os desígnios divinos.

A LINGUAGEM SIMBÓLICA

A linguagem direta tem suas limitações. A transmissão de uma mensagem


complexa pode exigir uma infinidade de palavras e ainda assim ficar obscura. Alguns
fenômenos, experiências e elementos naturais não podem sequer ser explicados de
Andreu Monteiro 78

modo compreensível. Como podemos explicar a um cego de nascença o que seja cor?
Qualquer explicação, por mais correta e científica que seja, não lhe dará nenhuma idéia
a respeito do assunto.

Como explicar um sabor, um cheiro ou um som? Nenhuma informação


substituirá a experiência. As palavras serão inúteis. Nesses momentos de dificuldade,
sempre procuramos um elemento de comparação. Buscamos algo que já seja do
conhecimento do ouvinte e usamos para dar uma idéia a respeito do que queremos dizer
sem ter encontrado palavras adequadas.

Se temos esse problema em relação a elementos naturais, o que dizer dos


espirituais, cuja essência nem sabemos definir? O espírito é uma realidade bíblica.
Contudo, sua definição ou identificação de "substância" é algo fora do nosso alcance. O
que dizer então de Deus, da trindade, do céu e das realidades celestiais? Por isso, a
bíblia usa tanto a linguagem simbólica. Por outro lado, como se diz, "uma imagem vale
mais que mil palavras". Então, até mesmo lições relativamente simples são transmitidas
através de figuras, propiciando assim um recurso poderoso que leva a mensagem de
forma concentrada, fixando-a na mente do receptor.

Por exemplo, quando Jesus disse que era o "pão da vida" (Jo.6.35), ele buscou
um elemento do cotidiano dos seus ouvintes para mostrar que ele vinha suprir a
necessidade espiritual do homem. Quando a bíblia fala em "reino de Deus", está
buscando na monarquia, sistema de governo comum naquela época, uma série de
princípios existentes na relação rei-súdito que deveriam existir na nossa relação com
Deus. A linguagem simbólica traz muito conteúdo em poucas palavras. Assim, se
usamos o leão como símbolo, logo nos vem a mente sua ferocidade, sua coragem, sua
força, sua fome, sua beleza, sua "majestade", etc. Se falamos em cordeiro, estamos
destacando sua cor e sua índole como símbolos de pureza, inocência, docilidade,
submissão, etc.

Todos nós estamos bastante acostumados à linguagem simbólica. Utilizamos


diariamente tais recursos para enriquecer nossa fala. Estamos sempre fazendo
comparações implícitas ou explícitas de modo automático.

Os escritos apocalípticos têm ainda um motivo a mais para usar a linguagem


simbólica: era a necessidade de criptografar a mensagem, de modo que os inimigos nada
compreendessem a respeito da mesma. Só os destinatários poderiam decifrá-la.

QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

TEXTO SIMBÓLICO OU LITERAL?


Andreu Monteiro 79

Este é um dos maiores dilemas que envolvem o estudo bíblico. O que é literal e
o que é simbólico? Encontramos ambos os casos dentro das Escrituras. Então o
problema se torna maior: como discernir o literal do simbólico? Tal tarefa nem sempre é
fácil. Muitas vezes é difícil e, em algumas situações, parece impossível, a não ser que
tenhamos uma iluminação divina.

A história de Adão e Eva é literal ou simbólica? Tais personagens são reais ou


fictícios? O profeta Jonas foi mesmo engolido por um peixe ou trata-se de uma
parábola? Entendemos como literais ambos os casos, uma vez que o próprio Jesus citou
a história de Jonas como fato e Paulo citou Adão e Eva da mesma forma. Contudo, isso
não convence àqueles que vêem toda a bíblia como algo figurativo. Se todo o conteúdo
bíblico for simbólico, então anula-se o seu aspecto concreto. A bíblia seria então
comparável a qualquer obra de ficção e o cristianismo seria lendário. Por outro lado, se
todo o seu conteúdo for considerado literal, então muitas passagens se tornarão
inexplicáveis ou absurdas. Por exemplo: "Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue tem a vida eterna." (João 6.54). Logicamente, Jesus estava utilizando linguagem
simbólica. Muitos dos seus ouvintes o interpretaram literalmente e o resultado foi o
escândalo (João 6.52). Da mesma forma, quando Jesus disse que Nicodemos precisava
nascer de novo, aquele doutor da lei tomou suas palavras de modo literal. O mesmo
entendimento foi aplicado sobre "derrubar o templo e reconstrui-lo em três dias".
Precisamos de discernimento para não cairmos no mesmo erro.

Muitas vezes, é a falta de fé que faz com que algumas pessoas considerem como
simbólico um texto literal. Por exemplo, a ressurreição de Cristo pode ser tão
inacreditável para alguns, que podem acabar considerando-a um símbolo.

Encontramos na bíblia diversas situações que envolvem o literalismo e o simbolismo:

Texto literal

É aquele que se refere a fatos. São histórias ou profecias. Se desconsiderarmos


seu caráter literal, estaremos anulando as palavras de Deus. Por exemplo, a crucificação
de Jesus está relatada em um texto literal (Mt.27).

Texto simbólico

É aquele que utiliza linguagem figurada. Por exemplo, a parábola do filho


pródigo (Lc.15).

Termo literal e simbólico alternadamente

Uma palavra pode ser usada literalmente em uma passagem bíblica e como
símbolo em outra. Por exemplo, as estrelas no Salmo 8.3 são literais. Em Apocalipse
Andreu Monteiro 80

1.20, as estrelas são simbólicas, representam anjos. Em Apocalipse 9.1, a estrela é


simbólica e parece representar uma pessoa ou um anjo. Em Apocalipse 8.10-12, a
estrela pode ser simbólica ou literal. Nesse caso, não podemos afirmar com certeza.
Vemos, portanto, que uma palavra pode ser usada de várias formas na bíblia. Isso
mostra que não podemos fazer uma regra e achar que toda estrela na bíblia seja um
símbolo.

Texto literal e simbólico simultaneamente

A história de Abraão é literal. O povo de Israel está aí para comprovar isso.


Aquele episódio de Abraão levando Isaque para ser sacrificado é literal. Foi um fato
histórico. Mas, ao mesmo tempo, usando de alegoria, Abraão pode representar Deus,
Isaque pode ser visto como um símbolo de Jesus e o sacrifício pode representar a
crucificação. Assim, um texto literal pode ter um aplicação simbólica. Desse modo
podemos ver inúmeros fatos no Velho Testamento. É possível, numa visão simbólica,
extrair-lhes as lições sem negar-lhes o aspecto literal.

O batismo e a ceia mencionados na bíblia são literais e ao mesmo tempo


simbólicos. São fatos ocorridos mas sempre representando uma realidade espiritual. O
mesmo acontece com a ceia do Senhor.

Símbolo com mais de um sentido alternadamente

Alguns termos, quando usados como símbolos, podem ter um sentido em um


texto e sentido diferente ou até contrário em outra passagem. Por exemplo, o leão
representa Cristo em um texto (Ap.5.5) e Satanás em outro (I Pd.5.8). A "estrela da
manhã" representa Cristo em um texto (Apc.22.16) e o Diabo em outro (Is.14.12). Não
temos nisso nenhuma confusão. Um símbolo é usado na bíblia como um recurso
didático e não de forma mística, como se aquele animal estivesse "consagrado" para
representar sempre determinada pessoa. Não podemos, portanto, fazer uma regra. Cada
texto pode apresentar uma situação diferente. Existem porém, elementos na literatura ou
na tradição judaica que nos permitem enxergar alguns padrões de simbologia, conforme
veremos na seqüência.

O SIMBOLISMO NO APOCALIPSE

João viu realidades espirituais indescritíveis. Notamos seu esforço para explicar
o que estava vendo, ouvindo e sentindo. Ele faz diversas comparações na tentativa de
transmitir aos leitores suas impressões. Assim, os termos "como", "semelhante" e o
verbo "parecer" são utilizados para dar uma idéia das extraordinárias visões do autor.
Em outros momentos ele não faz comparações explícitas mas usa as figuras de forma
direta, fazendo comparações implícitas.
Andreu Monteiro 81

Algumas ocorrências de "como" - 1.10,14,15; 2.18,27; 4.1,6,7; 6.1,6,12,13.

Algumas ocorrências de "semelhante" - 1.13; 2.18; 4.3,6,7.

Verbo "parecer" - 9.19.

Os símbolos usados pelo autor eram bem familiares para os seus destinatários.
Livros selados, trombetas, carros puxados por cavalos, letras gregas, tudo isso era do
conhecimento das pessoas que receberiam o Apocalipse. Ao lermos, precisamos saber o
que cada coisa significa e qual era o seu sentido naquela época. Talvez não consigamos
isso para todos os itens envolvidos, mas este é o caminho a ser trilhado pelo intérprete.

Quando pensamos em livros, logo imaginamos blocos de páginas de papel


envolvidas por capas protetoras. Os livros mencionados em Apocalipse, porém, eram
rolos de pergaminho, peles de animais. Eram livros selados. Quando pensamos em selo,
logo imaginamos pequenos adesivos utilizados pelos correios. Porém, os selos do
apocalipse são lacres, a exemplo daqueles que os reis usavam para fechar suas
correspondências, de modo que as mesmas não pudessem ser violadas no meio do
caminho. O selo tinha a marca do anel do rei. Portanto, se alguém o quebrasse, não
poderia fazer outro igual para substituí-lo.

Estes são apenas alguns exemplos para mostrar que a interpretação do


Apocalipse, como também de outras passagens bíblicas, depende muito do
conhecimento sobre a antigüidade, principalmente do que se refere ao povo judeu, sua
história, seus costumes e tradições. Sem esse conhecimento, sempre correremos o risco
das interpretações anacrônicas. Não podemos interpretar o texto bíblico apenas com o
sentido atual das palavras ou com base no gosto ou na opinião pessoal. A hermenêutica
agradece.

O simbolismo do Apocalipse utiliza como figuras: fenômenos naturais, cores,


minerais (pedras preciosas), animais, relações humanas e até nomes significativos da
história judaica como Jezabel e Balaão.

Fenômenos ou elementos naturais e seus significados

ELEMENTO SIGNIFICADO OBSERVAÇÃO

Ar Vida É nossa necessidade mais


urgente

Tempestade (raios, Perturbações na vida


Andreu Monteiro 82

trovões, relâmpagos,
saraiva)

Fogo Purificação ou destruição

Pedras preciosas Algumas vezes representa


pessoas.

Mar Insegurança, perigo, algo oposto da terra firme.


sinistro.

Cores e seus significados

COR SIGNIFICADO OBSERVAÇÃO

Preto Luto, sofrimento

Vermelho (sangue) Morte ou redenção relacionado a Cristo às


vezes

Vermelho (púrpura) Realeza roupa dos reis

Amarelo pálido Fome

Amarelo ouro Santidade de Deus Obs. elementos do


tabernáculo

Verde Esperança

Branco Pureza, justiça Trono, vestes, cabelos, etc.

NUMEROLOGIA

A numerologia tem sido bastante valorizada atualmente devido à onda crescente


de misticismo que envolve nossa sociedade. Os números têm sido considerados
elementos de sorte e azar, e, por meio deles, muitos adivinhadores tentam prever o
futuro das pessoas. Alguns povos utilizaram as próprias letras do alfabeto como
algarismos, atribuindo-lhes valor numérico. Assim, um nome pode ser transformado em
Andreu Monteiro 83

números e ter seu valor totalizado. Isso ocorreu, por exemplo, com algumas letras do
alfabeto romano e também com o hebraico. O fato de se obter um valor para um nome
não nos diz nada, a não ser que os números representem algum valor moral ou
espiritual, uma bênção ou uma maldição.

A tradição judaica relaciona alguns números a determinados conceitos religiosos


ou cósmicos:

NÚMERO SIGNIFICADO SENTIDO REFORÇADO

1 Unidade

2 Fortaleza, confirmação

3 Divindade

4 Mundo físico

5 Perfeição humana

6 Homem, falha humana 666

7 Perfeição, plenitude

40 Provação

70 Sagrado

12 Religião organizada. 24, 144 mil

1000 Grande quantidade

A bíblia utiliza muito o simbolismo numérico. O livro de Apocalipse usa tal


recurso de forma intensa, principalmente o número 7. Temos 7 igrejas, 7 candeeiros, 7
selos, 7 anjos, 7 trombetas, 7 taças, 7 espíritos, 7 estrelas, etc.

ALGUNS PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO


Andreu Monteiro 84

Para entender um livro, precisamos lê-lo por completo. Assim, teremos uma
visão geral do mesmo. Perceberemos a intenção do autor e a sua mensagem geral. Caso
contrário, se lermos um verso aqui e outro lá de modo desordenado, terminaremos com
uma coleção de retalhos desconexos. Lendo todo o livro, vamos descobrir que ele é
auto-explicativo em alguns pontos, como se vê em Apocalipse 1.20.

Podemos ler o capítulo 12, verso 5, onde o autor menciona o "filho varão",
aquele que "regerá as nações com vara de ferro". A comparação com 19.13 a 16 nos fará
compreender que aquele que "regerá as nações com vara de ferro" chama-se "Verbo de
Deus", "Rei dos reis" e "Senhor dos Senhores". Logo, o próprio texto já nos mostrou
quem é o "filho varão": o próprio Senhor Jesus. Tal conclusão também se utiliza do
conhecimento geral que temos da bíblia. O Salmo 2 chama de "Filho" aquele que
"regerá as nações com vara de ferro". O livro de Hebreus, no capítulo 1, nos informa
que esse "Filho" é o Senhor Jesus. Além disso, o evangelho de João (1) nos diz que
Cristo é o Verbo que se fez carne.

Fizemos então um rastreamento de várias expressões que nos possibilitam uma


interpretação inequívoca sobre o "filho varão" de Apocalipse 12.

Outro exemplo: que dragão será aquele mencionado em Apocalipse 12.3? Se


lermos até o versículo 9, teremos a resposta. No capítulo 20, verso 2, a explicação é
repetida. O próprio texto diz que o dragão é o Diabo, também conhecido como "antiga
serpente". Que serpente é essa? Aquela de Gênesis 3. Observa-se então que existe uma
"linguagem bíblica" que muitas vezes permite que o texto de um livro possa ser
interpretado por outro livro bíblico.

Quem é o Cordeiro de Apocalipse 5? Não existe nenhum mistério sobre tal


figura, uma vez que João Batista apresentou Jesus como "o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo" (João 1.29), sendo ele o definitivo sacrifício tantas vezes
representado pelos cordeiros mortos durante as páscoas realizadas desde a saída de
Israel do Egito (Êx.12).

O mesmo Jesus é chamado "Leão da Tribo de Judá" (Ap.5.5). A origem de tal


expressão encontra-se em Gênesis 49, quando Jacó, próximo da morte, abençoou cada
um dos seus filhos. Ao falar de Judá, Jacó profetizou sobre a vinda do Messias
(Gn.49.8-12).

É conclusivo também que, se alguém não conhece a bíblia de modo geral, não
deve se arriscar no terreno das interpretações apocalípticas. Precisa começar por
Gênesis.

Outros exemplos:
Andreu Monteiro 85

A ceifa - Compare Ap.14.16-20 e Mt.13.39-43.

Muitas águas - Ap.17.1 e 17.15

Noiva - Ap.19.7; 21.9-10; 22.17 e Ef.5.25-27.

O fundamento da Nova Jerusalém - igreja - Ap.21.14 e Ef.2.20-21.

PRINCIPAIS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE

1 – Preterísmo

Este é o ensino que nos afirma que tudo que é profetizado no livro do
Apocalipse já aconteceu; que de fato tudo já acontecera antes do início do quarto século
da era cristã. O ponto de vista consiste em que o livro é uma profecia do que a igreja
estava para suportar, primeiro dos judeus, e então do Império Romano

Portanto, não existem acontecimentos a se realizarem em nossos dias, e nem no


futuro, no livro do Apocalipse. Ele simplesmente nos encoraja contando-nos o que certa
vez aconteceu e como tudo conduz a um período glorioso quando o Império Romano
tornou-se Cristão.

O ponto de vista preterista foi pela primeira vez proposto por volta de 1614, por
um sacerdote jesuíta, cujo nome era Alcazar. Esta teoria foi elaborada em reação ao
ensino dos pais protestantes que diziam ser o papado o anticristo, a segunda besta
descrita em Apocalipse, capítulo 13, e o pequeno chifre de Daniel, capítulo 7. Ora aqui
estava a tentativa de Roma de negar aquela crítica e desviar a atenção do papado e de
tudo que é verdade a respeito dela.

Assim, para eles, o Apocalipse trata inteiramente apenas dos três primeiros
séculos. Com esta idéia o papado deixou de ser a besta para ser a concretização gloriosa
do Apocalipse.

2 - Futurismo

Os futuristas projetam todo o cumprimento do Apocalipse para os últimos dos


últimos dias, às vésperas da consumação dos séculos. Afirmam que nada se cumpriu
nem está se cumprindo, mas tudo se cumprirá repentinamente no futuro e em um curto
espaço de tempo. Esta é a mais escatológica das interpretações, no sentido mais extremo
da palavra.

É importante observar que este ensino tinha como ponto de partida outro
sacerdote jesuíta, um homem chamado Ribera, que o propôs cerca de 1603 d.C.. o que
inspirou Ribera foi desviar do papado e de Roma o enfoque do livro, e o direcionar
Andreu Monteiro 86

diretamente para o futuro. O contrário do preterísmo. Contudo, houve também nos


primeiros séculos da era cristã, alguns pais apostólicos, que eram futuristas, mas não
com as motivações de Ribera.

O ponto de vista futurista foi adotado após a 1830, quando foi ensinado por
certos membros das conferências proféticas, especialmente J. N. Darby. Posteriormente
este ensino foi mais popularizado pelas notas da Bíblia Schofield. Foi a partir da teoria
futurista que surgiu o Dispensacionalismo.

O livro do Apocalipse é lido da seguinte maneira pelos futuristas:

Cap 1 – Apresenta o relato da visão que fora dada a João (Ap 1.19).

Cap 2 e 3 – desvenda a história moral da Igreja em períodos sucessivos, desde a


o início do primeiro século até o final da era da Igreja. As sete cartas as sete igrejas são
profecias de sete períodos sucessivos na vida da igreja. Hoje, dizem, estamos no período
da condição de Laodicéia, e provavelmente o período de Sardes era aquele da Reforma.

Cap 4 e 5 – daqui em diante as profecias só virão a lume, naquela última


septuagésima semana dos sete anos referidos em Daniel, capítulo 9, os quais jazem em
algum futuro desconhecido. (Ap 4.1).

É bom ressaltar que entre os futuristas existem os pré-tribulacionístas, e os pós-


tribulacionístas.

3 - Historicismo

Essa corrente defende a tese de que o Apocalipse vem se cumprindo desde os


dias de João até o fim dos séculos. São muitos os que concordam com essa posição.
Entretanto, surgem muitas dificuldades e divergências quando se tenta uma
identificação entre os fatos ou personagens históricos e os relatos apocalípticos.

Contudo é importante observar que no historicismo há 3 divisões principais:

a) O ponto de vista historicista eclesiástico: o qual afirma que o livro do


apocalipse na mais é do que um sumário da história eclesiástica. A maioria dos
reformadores pregavam esta idéia.

b) O ponto de vista historicista contínuo: esta teoria é semelhante a anterior,


mas sua peculiaridade a ordem correta e contínua dos fatos, tudo em ordem
cronológica. Segundo este ponto de vista avalia-se que estamos agora
aproximadamente no tempo da sexta taça que é descrito no Apocalipse, capítulo
16. Entretanto há grandes dificuldades nesta teoria, pois o capítulo 10 e 11
descrevem o juízo final, mas o doze retrocede à encarnação de Cristo.
Andreu Monteiro 87

c) O ponto de vista histórico espiritual, ou idealista: Os adeptos dessa visão se


abstêm de fazer ligações entre as profecias e os fatos. Procuram apenas extrair
do Apocalipse as lições e os princípios morais ou espirituais ali contidos.

Não devemos tomar uma postura extremista nessa questão, mas buscar uma
visão equilibrada, que pode levar em conta todas as quatro correntes de
interpretação. Cremos em um cumprimento histórico que, automaticamente,
engloba a visão pretérita e a futurista. Por exemplo, as cartas às 7 igrejas se
referiam a problemas existentes nos dias de João. Está cumprido. Entretanto, os
princípios espirituais ali presentes são perfeitamente aplicáveis aos nossos dias.
Pela sua infinita sabedoria, Deus nos deixou uma Palavra que não perde sua
validade.

Devemos nos lembrar que um relato sobre fatos ocorridos nos dias de João pode
também ser uma profecia para outra época. Por exemplo, quando escreveu o
Salmo 22, o autor estava falando de suas próprias experiências e, ao mesmo
tempo, estava profetizando sobre os sofrimentos de Cristo. Vistas sob este
ângulo, várias profecias apocalípticas podem ter se cumprido na queda do
Império Romano e terem ainda outro cumprimento mais amplo nos últimos dias.
A profecia de Jesus em Mateus 24 parece estar ligada à destruição de Jerusalém
e também aos últimos dias. "Os que estiverem na Judéia fujam para os montes...
Não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam." (Mt.24,16,34).

ESBOÇO DO APOCALIPSE

1. Introdução e saudações - 1.1-8


2. Visão de Jesus glorificado - 1.9-20
3. Cartas às 7 igrejas - 2.1 a 3.22
4. Cartas às 7 igrejas da Ásia
5. Carta à Igreja de Éfeso
6. Carta à Igreja de Esmirna
7. Carta à Igreja de Pergamo
8. Carta à Igreja de Tiatira
9. Carta à Igreja de Sardes
10. Carta à Igreja de Filadélfia
11. Carta à Igreja de Laodicéia
12. Visão do trono no céu - 4.1-11
13. O livro selado e o cordeiro - 5.1-14.
14. Abertura dos 6 primeiros selos - 6.1-17.
15. Os 144 mil selados - 7.1-8.
16. Visão dos santos na glória - 7.9-17
Andreu Monteiro 88

17. Abertura do sétimo selo. As quatro primeiras trombetas - 8.1-13.


18. A quinta e a sexta trombetas - 9.1-21.
19. O anjo e o livrinho - 10.1-11.
20. As duas testemunhas - 11.1-14.
21. A sétima trombeta - 11.15-19.
22. A mulher e o dragão - 12.1-18.
23. A besta que subiu do mar - 13.1-10.
24. A besta que subiu da terra - 13.11-18.
25. O cordeiro e os remidos no monte Sião - 14.1-5.
26. Os 3 anjos e suas mensagens - 14.6-13.
27. A ceifa sobre a terra - 14.14-20.
28. As 7 taças - 15.1 a 16.21.
29. A grande Babilônia - 17.1-18
30. A queda da Babilônia - 18.1-24.
31. As bodas do Cordeiro - 19.1-10.
32. O cavaleiro do cavalo branco - 19.11-21.
33. O milênio - 20.1-6.
34. A derrota de Satanás - 20.7-10.
35. Juízo Final - 20.11-15.
36. Novo céu e nova terra - 21.1-8.
37. A Nova Jerusalém - 21.9 a 22.5.
38. Encerramento e saudação final - 22.6-21.

COMENTÁRIO GERAL

Este comentário não tem como objetivo seguir ou defender uma única linha de leitura
do apocalipse (preterista, futurista, historicista, idealista), mas simplesmente
abordarmos os principais temas da carta com uma visão mais generalizada e apresentar
a diversidade de opiniões nos assuntos em que for necessário. É tarefa do leitor e do
estudante se aprofundar mais nos tipos de leitura da carta, e posteriormente montar um
esboço de acordo com seu pressuposto de análise.

APRESENTAÇÃO DE JESUS NO APOCALIPSE

1.5 - Fiel testemunha, primogênito dentre os mortos, soberano dos reis da terra.

1.13 - Semelhante a filho de homem.

2.18 - Filho de Deus.

3.14 - Amém, testemunha fiel e verdadeira, princípio da criação de Deus.

5.5 - Leão da Tribo de Judá, Raiz de Davi.


Andreu Monteiro 89

5.6 - Cordeiro

6.1 - Cordeiro (e em muitos outros versos).

12.5 - Filho varão

17.14 - Cordeiro, Senhor dos senhores, Rei dos reis.

19.11 - Fiel e verdadeiro.

19.13 - Verbo de Deus.

19.16 - Rei dos Reis, Senhor dos senhores.

22.16 - Raiz, geração de Davi, brilhante estrela da manhã.

CARTAS ÀS 7 IGREJAS

Esta é a parte mais simples e, consequentemente, a mais citada do Apocalipse. O livro


foi enviado às 7 igrejas da Ásia e para cada uma delas havia uma mensagem específica.
As cartas seguem quase sempre este esboço:

o Destinatário: o anjo da igreja (seu líder).


o Autor: o Senhor Jesus.
o Conhecimento do Senhor sobre a igreja.
o Elogio em relação às qualidades da igreja..
o Repreensão contra os erros da igreja.
o Aviso sobre a vinda do Senhor e o juízo divino.
o Conselho para solução dos problemas mencionados.
o Promessa aos vencedores.

A igreja de Filadélfia não foi repreendida. A de Laodicéia não recebeu nenhum elogio.
Curiosamente, um sínodo realizado em Laodicéia no século IV negou reconhecimento
ao Apocalipse como livro canônico [Champlin].

Em algumas das cartas, percebemos uma relação direta entre a apresentação que o
Senhor faz de si mesmo e o conteúdo da mensagem.

Éfeso Candeeiro em 2.1 e 2.5

Esmirna Morte e vida em 2.8 e 2.10-11


Andreu Monteiro 90

Pérgamo Espada em 2.12 e 2.16

Filadélfia Porta aberta ou fechada em 3.7 e 3.8.

Nas outras cartas, essa relação não está tão clara. Talvez, tenhamos perdido um pouco
das características originais quando o texto foi traduzido.

Entre as teorias existentes sobre as 7 igrejas destacam-se as seguintes:

Teoria 1 - As 7 igrejas representam a história judaica. Observe a citação de Balaão,


Jezabel, sinagoga, etc. Não nos parece razoável essa suposição.

Teoria 2 - As 7 igrejas representam a história eclesiástica. Cada igreja representaria um


período da história da igreja desde o seu nascimento até a vinda de Cristo. Alguns
defensores dessa idéia chegam a dividir a história entre as igrejas. Uma das divisões
sugeridas é a seguinte: Éfeso (até o ano 100 d.C.); Esmirna (100-316); Pérgamo (316-
500); Tiatira (500-1500); Sardes (1500-1700); Filadélfia (1700-1900); Laodicéia (1900
- fim). Tal possibilidade é bastante interessante, mas não encontramos fundamentos
suficientes para comprová-la. Por outro lado, a colocação de datas é bastante temerária.
Por mais razoável que possa ser tal interpretação, não podemos perder de vista o fato de
que a mensagem de Deus é para nós hoje.

Teoria 3 - As 7 igrejas são apenas aquelas da Ásia, às quais o Apocalipse foi


endereçado. Essa posição é literal e perfeita em sua afirmação. Contudo, se a
aplicabilidade das cartas fosse restrita àquelas igrejas, então não haveria motivo para
que tais mensagens chegassem às nossas mãos. Enfim, todo o livro de Apocalipse nos
seria estranho e inútil, pois foi originalmente destinado às 7 igrejas da Ásia. O
entendimento literário está exato, mas não podemos desconsiderar o peso simbólico do
texto. O próprio número 7, significando perfeição, totalidade ou plenitude, faz com que
as 7 igrejas representem a totalidade da igreja de Cristo em todos os tempos e em todos
os lugares.

A ADORAÇÃO NO APOCALIPSE

A adoração é elemento de grande destaque no Apocalipse. O tema central é o combate


entre o bem e o mal. Os seres humanos ou celestiais demonstram seu posicionamento
nesse conflito através da adoração que prestam. Um dos grandes desejos de Satanás é
conseguir para si a adoração que é devida a Deus (Mt.4.9).

TEXTO ADORAÇÃO A
Andreu Monteiro 91

Apc.4.10 Deus

Apc.5.12-14 Deus e o Cordeiro

Apc.9.20 Demônios e ídolos

Apc.11.1,16 Deus

Apc.13.4 O dragão e a besta.

Apc.13.12 A besta

Apc.13.15 A imagem da besta

Apc.14.2 Deus

Apc.14.9,11 A besta e sua imagem.

Apc.16.2 A imagem da besta

Apc.19.4 Deus

Apc.19.10 Um anjo (recusada) e Deus

Apc.19.20 A imagem da besta

Apc.20.4 A besta e sua imagem

Apc.22.8-9 Um anjo (recusada) e Deus

Em Apocalipse 8.1 verificamos que houve silêncio no céu durante meia hora. Isso nos
faz deduzir que existe um som de louvor e adoração constante no céu. João viu os 24
anciãos e os seres viventes que adoravam a Deus e ao Cordeiro. As impressionantes
profecias do livro estão intercaladas com manifestações de adoração e cânticos. Em sua
visão do céu, João viu um santuário e peças que nos lembram o tabernáculo e o templo
do Velho Testamento. Existe no céu um lugar de culto utilizado pelas hostes celestiais.
Ali também adoraremos a Deus e ao Cordeiro pelos séculos dos séculos.
Andreu Monteiro 92

AMOR E JUÍZO

João, o discípulo amado, fez do amor um de seus principais temas, seja no seu
evangelho ou em suas epístolas. Em Apocalipse, porém, o amor de Jesus e da igreja é
mencionado apenas até o capítulo 3. Ao falar à igreja de Filadélfia, Jesus declara: "Eu te
amo." (Apc.3.9). Filadélfia significa "amor fraternal".

A partir do capítulo 4, o tom da mensagem muda completamente. Não mais se


menciona o amor de Deus mas apenas sua justiça. A santidade divina foi afrontada pelo
pecado. Sua ira manifesta sua justiça através de guerras, pestes e catástrofes naturais.

Sabemos, porém, que o amor de Deus é eterno e sua manifestação ocorre através das
bodas do Cordeiro e da recepção dos salvos na glória.

VISÃO GERAL - uma hipótese de interpretação

A experiência pessoal de João pode representar a experiência da igreja. No início do


livro ele se encontra vivendo sua própria tribulação, preso e exilado. Então o Senhor
Jesus vem até ele. No capítulo 4, João é arrebatado ao céu e passa a ver o derramamento
da ira divina sobre a terra. Assim, a vinda de Cristo proveria socorro à igreja atribulada,
levando-a consigo no arrebatamento. Em seguida, a terra ficaria submersa na Grande
Tribulação. Tal interpretação é frágil em sua consistência pois o texto bíblico não diz
que João possa estar representando a igreja. Os que defendem o paralelo na questão do
arrebatamento de João, chamam a atenção para o fato de que a partir do capítulo 4 a
igreja não é mais mencionada com este nome dentro do ciclo de visões do Apocalipse.
Supostamente, teria sido encerrado seu período histórico terreno representado pelas 7
cartas. Os fatos apresentados em relação à igreja são bíblicos. A dificuldade está em
localizá-los em determinados símbolos e estabelecer-lhes a ordem de ocorrência.

De acordo com esta hipótese, que é muito aceita e essencialmente futurista, a abertura
do primeiro selo seria o início da Grande Tribulação (Ap.7.14), que incluiria os selos, as
trombetas, as taças e todos os flagelos destinados aos ímpios e às forças do mal. No
meio da cena encontram-se o dragão e as duas bestas tentando usurpar a glória que é
devida ao Cordeiro. O dragão é Satanás. As duas bestas são o Anticristo e o Falso
Profeta.

Durante a Grande Tribulação muitos seriam salvos e morreriam por sua fé. Enquanto
isso, estaria acontecendo no céu as bodas do Cordeiro. Ao fim desse período, Cristo
desceria do céu para aniquilar a besta e o falso profeta. O dragão seria preso por mil
anos e nesse período Cristo reinaria com todos os santos sobre a terra. Estaria encerrada
a Grande Tribulação e inaugurado o milênio, ao fim do qual, Satanás seria solto e
tentaria novamente uma reação contra Cristo. Entretanto, seus agentes seriam
consumidos antes de iniciarem a batalha.
Andreu Monteiro 93

Na seqüência ocorre o juízo final, que será o julgamento de todos os homens. Aqueles
cujos nomes não se encontram no livro da vida serão lançados no lago de fogo, onde
serão atormentados eternamente. Em seguida, João vê a Nova Jerusalém. Essa passagem
é vista como uma descrição do estado eterno dos salvos. A cidade seria o lugar onde
viveremos para sempre com Cristo.

QUESTIONAMENTOS E OBSERVAÇÕES

Algumas dessas afirmações são amplamente aceitas. Tal arranjo escatológico pode
parecer bastante apegado ao texto. Contudo, observamos que essa interpretação contém
alguns pontos questionáveis e incertos. Outros parecem perfeitos.

A primeira dificuldade é entender o arrebatamento de João como arrebatamento da


igreja, conforme já mencionamos. O arrebatamento de João se deu antes de se tocarem
as 7 trombetas. Paulo, escrevendo aos Tessalonicenses, disse que o arrebatamento da
igreja aconteceria quando a última trombeta fosse tocada. Disse também que a
ressurreição dos santos acontecerá antes do arrebatamento. Encaixando isso no quadro
apocalíptico, teríamos o arrebatamento da igreja junto com a ressurreição no capítulo
20. Sendo assim, a igreja teria participado ou, pelo menos, presenciado a Grande
Tribulação. Em Mateus 24, Jesus menciona a Grande Tribulação (v.21) antes do fato
que parece ser o arrebatamento (v.31). No meio da tribulação estarão os escolhidos
(v.22). Estes podem indicar toda a igreja, mas alguns comentaristas dizem que são
apenas os que forem salvos durante o período.

Outro problema ocorre em relação à Nova Jerusalém do capítulo 21. Considerando a


hipótese de que o livro apresenta os fatos em ordem cronológica, então, ao chegarmos
ao capítulo 21, já passamos pelo milênio e pelo juízo final. A Nova Jerusalém descreve
então o estado eterno dos salvos. Contudo, o texto cita ainda nações que vivem fora da
cidade santa, às quais se destinam as folhas da árvore da vida, afim de que sejam
curadas. Esses detalhes parecem ameaçar o quadro escatológico descrito. Se os ímpios
já estão no lago de fogo e os salvos estão na Nova Jerusalém, que nações são essas que
o autor cita? Uma solução proposta é que o relato sobre a Nova Jerusalém se refira ao
milênio e não ao estado eterno. Sendo assim, o texto não se encontraria em ordem
cronológica.

Observamos que o Apocalipse não contém as expressões: "juízo final", "Anticristo",


"milênio" ou "arrebatamento". Então, de onde tiramos tal vocabulário? Das
interpretações correntes, que, de tanto serem faladas, já se confundem com o próprio
texto bíblico. Sabemos que a idéia de "milênio" e "juízo final" encontra-se em outras
palavras no capítulo 20. O verbo "arrebatar" é encontrado em Ap.1.10; 4.2; 12.5,15,
podendo ser substituído dependendo da versão utilizada. Trata-se dos arrebatamentos de
João, do Filho Varão, e uma tentativa de Satanás no sentido de arrebatar a mulher. Outra
situação semelhante, mas com verbo diferente, trata da subida das duas testemunhas ao
Andreu Monteiro 94

céu. Não obstante, cremos no arrebatamento da igreja, o qual ser encontra de forma
mais clara em I Tessalonicenses 4.17. Sobre o Anticristo falaremos de modo mais
específico.

Todo esse questionamento, feito por comentaristas e teólogos, cria uma série de
correntes de interpretação designadas como: milenistas, pré-milenistas, amilenistas, pré-
tribulacionistas, pós-tribulacionistas, etc.

O ANTICRISTO E O FALSO PROFETA

O único autor bíblico que usa a palavra "anticristo" é João, mas não no Apocalipse. A
citação é nas epístolas. Tal personagem escatológico é normalmente entendido como
sendo o "iníquo" ou "homem do pecado" ou "filho da perdição" mencionado por Paulo
(II Tss.2.3,8). Da mesma forma, a besta que sobe do mar, em Apc.13, é identificada
pelos intérpretes como o Anticristo. Embora o texto não diga isso, o modo de agir da
besta parece dize-lo. Sua ação é sobretudo anti-cristã. A besta quer para si a adoração
que é devida ao Cordeiro. Então, encaixa-se no perfil traçado por Paulo.

Quem é o Anticristo? Alguns dizem que é um sistema político, mas a maioria dos
estudiosos o vêem com sendo um homem. Isto é bastante coerente com as citadas
palavras de Paulo. O texto de II Tessalonicenses não é essencialmente simbólico. Então,
quando o apóstolo diz que é um homem, devemos entender literalmente. Afinal, aquela
igreja já estava com muitos problemas de entendimento escatológico e Paulo precisava
ser o mais claro possível.

Se o Anticristo é um homem, quem é ele? Não nos arriscaremos a responder tal


pergunta, mas muitos já se arriscaram no decorrer da história. Sempre há quem queira
"eleger" um Anticristo. Quando João escreveu, ele poderia estar se referindo a Nero ou
a Domiciano, sem prejuízo do sentido escatológico da profecia. O culto ao imperador
era uma prática oficial no Império Romano. Domiciano, aquele que provavelmente
mandou João para Patmos, considerando-se um deus, mandou que imagens suas fossem
espalhadas pelo Império. Os que se recusavam a adorá-las eram condenados à morte.
Portanto, aquele imperador se encaixou no perfil do Anticristo.

O próprio João disse que muitos "anticristos" tinham se levantado (I João 2.18,22; 4.3;
II João 7). Contudo, é bastante aceita a crença numa personificação do mal através de
um Anticristo escatológico, aquele que estará no mundo no dia da segunda vinda de
Cristo (II Tss.2.8). Hitler, alguns líderes religiosos e outros malfeitores da história
foram apontados como sendo o Anticristo. Porém, Jesus não voltou em suas épocas e o
"cargo" ficou para outra pessoa.

Conquanto não possamos identificar o Anticristo, sabemos contudo as linhas gerais do


seu caráter e atuação. Através das interpretações mais aceitas, compreende-se que ele
Andreu Monteiro 95

poderá ser um líder político de projeção mundial. O atual fenômeno da globalização


seria ideal como preparação para um governo mundial. Os conflitos internacionais e a
fome seriam solucionados por algum tempo mediante um plano econômico
extraordinário. A besta que sobe do mar (Ap.13.2) receberá o poder do dragão (Satanás)
e em seu nome dominará sobre toda tribo, povo, língua e nação (13.7). A interpretação
desse texto é feita normalmente em relação com a profecia das setenta semanas de
Daniel (9).

Em todas as épocas da história, o poder político teve alguma ligação com o poder
religioso. Os déspotas eram avalizados pelo clero. Assim, o povo reconhecia o origem
divina da autoridade absoluta e permanecia submisso. Da mesma forma, o Anticristo
precisará do Falso profeta, que é a besta que sobe da terra. O Falso Profeta parece
representar o poder religioso que fará parceria com o Anticristo, talvez numa
manifestação ecumênica.

BABILÔNIA X NOVA JERUSALÉM

A Babilônia do Apocalipse parece ser a "sede de governo do Anticristo". Nos dias de


João, era uma referência a Roma (Ap.17.9,18), capital do Império, lugar onde se
encontrava Domiciano, que se fazia passar por deus.

A Babilônia representa a independência humana em relação a Deus, e isso significa


rebeldia. A origem de Babilônia foi Babel, lugar onde Ninrode, descendente de Cão,
construiu sua cidade, tornou-se célebre, e projetou uma torre para alcançar o céu por
suas próprias forças. Babilônia tem sua própria organização. Sua política (Ap.17.12) e
seu comércio funcionam muito bem.

O comércio, prática tão comum na vida humana, toma aspectos malignos quando se
comercializa o que não deveria ser vendido. Por exemplo, podemos mencionar o
episódio quando Esaú vendeu seu direito de primogenitura. Assim, o comércio da
grande Babilônia inclui uma abominável troca de valores. O ápice de tal negociação é
expresso através do comércio de almas humanas (Apc.18.13). A mais clara forma de
comércio de almas é através de uma falsa religião que se pratica apenas por motivos
financeiros.

O que será a Grande Babilônia? Uma hipótese é que a cidade com esse nome, às
margens do Rio Eufrates, hoje reduzida a ruínas, venha a ser reconstruída e volte a ter
projeção mundial. Outra teoria associa a cidade a uma religião de alcance mundial.

Como religião mundial, alternativa plausível, a Grande Babilônia poderia ser vista como
uma falsa igreja, em contraposição à Nova Jerusalém, que desce do céu. João viu as
duas cidades e seus destinos. A Nova Jerusalém é a noiva. Babilônia é meretriz. A
Andreu Monteiro 96

Grande Babilônia será destruída pelos juízos divinos, enquanto que a cidade santa será a
morada de Deus e do Cordeiro.

A Nova Jerusalém muitas vezes é tomada de forma literal. É vista como uma cidade
onde os salvos vão morar. Contudo, o texto é carregado de símbolos, levando a crer que
própria cidade é apenas um símbolo da igreja triunfante. Veja o paralelo.

NOVA JERUSALÉM IGREJA

Chamada noiva e esposa do Cordeiro Chamada noiva de Cristo (Ef.5.25-26).


(Ap.19.7; 21.2,9; 22.17)

Possui 12 fundamentos (Ap.21.14) Fundada sobre os 12 apóstolos (Ef.2.19-21)

OS PARÊNTESES DO APOCALIPSE

O relato de João parece apresentar uma série de fatos que vão ocorrendo de modo
consecutivo, embora exista uma hipótese de que as várias visões apocalípticas se
refiram aos mesmos fatos históricos. Assim, as 7 trombetas, as 7 taças e os 7 selos
seriam diferentes versões dos mesmos juízos. Uma base para esse tipo de visão está em
Gênesis 41, onde "vacas" e "espigas" eram dois símbolos para um só fato.

De qualquer forma, o texto apresenta uma seqüência e esta parece interrompida em


alguns pontos. João interrompe a narrativa sobre as catástrofes mundiais para falar sobre
o anjo e o livrinho no capítulo 10, as duas testemunhas no capítulo 11, e a mulher e o
dragão no capítulo 12.

- Comer o livrinho significa tomar conhecimento das profecias acerca dos últimos dias.
O livro é doce na boca mas amargo no ventre. A mensagem apocalíptica fala de
esperança e glória, mas também de grande tribulação.

- As duas testemunhas são objeto de muita polêmica. Eis algumas interpretações


sugeridas: "Moisés e Elias", "Enoque e Elias ". Os fatos mencionados no capítulo 11
nos fazem lembrar as experiências de Moisés e Elias narradas no Velho Testamento.
Contudo, tais testemunhas serão mortas. Os melhores candidatos então seriam pessoas
que nunca experimentaram a morte. Logo, são mencionados Enoque e Elias.

Alguns eruditos se recusam a ver as duas testemunhas como dois homens. Daí surgem
outras hipóteses. Seriam elas o Velho e o Novo Testamento? Tal sugestão não parece
razoável. Há quem entenda que as testemunhas sejam apenas um símbolo da igreja em
seu papel de evangelização.
Andreu Monteiro 97

- O dragão do capítulo 12 é Satanás. A mulher representa a nação de Israel. O Filho


Varão é Cristo. O resto da semente parece representar a igreja.

As menções a Israel no Apocalipse constituem pontos de dúvida. Elas podem se referir


à nação de Israel ou simplesmente à igreja, o "novo Israel". Assim acontece com os 144
mil eleitos de Deus (Apc.7.4). São 12 mil de cada uma das tribos. Como sabemos, tais
números têm valor simbólico. Portanto, não faz sentido pensarmos que 144 mil seja o
número final dos salvos. Na seqüência do mesmo capítulo, João vê os remidos de toda
tribo, língua, povo e nação, cujo número era incontável (Apc.7.9).

CONCLUSÃO

O Apocalipse trata dos últimos lances da guerra histórica entre o bem e o mal. Satanás
usa suas últimas armas durante o tempo que lhe resta. Contudo, a vitória divina é
inevitável. Em meio a todo esse combate estão os homens, servindo a um dos lados.

A mensagem apocalíptica é um aviso divino para a humanidade. Não existe esperança


para as forças demoníacas, mas para os homens sim. Ignorar o Apocalipse seria como
rasgar uma notificação judicial sem tê-la lido. O prazo está se esgotando. Ainda que o
mundo dure mais 1000 anos, é o nosso tempo de vida que determina nossa chance de
deixar o mal e escolher o bem.

O arrependimento é também um tema em destaque no Apocalipse (2.5,16,21,22; 3.3,19;


9.20,21; 16.9,11). Deus poderia extinguir a raça humana em um instante. Porém, ele
manda seus castigos aos poucos, esperando que os homens sintam a culpa pelo pecado e
se arrependam. Devemos ouvir a sua voz enquanto temos tempo. Antes que o juízo
venha, existe uma porta aberta para o Reino de Deus através do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo.

"O Espírito e a noiva dizem: Vem. Quem ouve diga: Vem. Quem tem sede, venha; e
quem quiser, tome de graça da água da vida." (Ap.22.17).
Andreu Monteiro 98

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

KEENER, Craig. Comentário Bíblico Atos; Novo Testamento. Belo Horizonte,


Atos, 2004.
MEARS, Henrieta. Estudo Panorâmico da Bíblia. São Paulo, Vida, 1982.
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