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Estudo do Apocalipse de São João

AUTORIA
Por quatro vezes o autor do Apocalipse refere-se a si mesmo como "João" (1, 1. 4. 9; 22,
8). Ele afirma viver na ilha de Patmos (1, 9), onde recebeu visões divinas acompanhadas de
instruções de como registrá-las em um livro (1, 11. 19; 2, 1, etc.). A tradição cristã em geral o
identifica como o Apóstolo João, filho de Zebedeu (Mc 3, 17) e o famoso autor do Evangelho e
das Cartas de São João. Uma variedade de autores antigos defende a autoria apostólica do Livro
do Apocalipse, incluindo São Justino Mártir (165 d.C.), Santo Irineu (180 d.C.), São Clemente de
Alexandria (200 d.C.), Santo Hipólito de Roma (225 d.C.) e Santo Atanásio (350 d.C.).
Cabe notar, contudo, que esses numerosos relatos não foram os únicos que o cristianismo
primitivo nos legou. O ceticismo em torno da autoria apostólica do Apocalipse começou a surgir
por volta da metade do século III, quando Dionísio de Alexandria argumentou que há uma
diferença tão nítida na escrita em grego do Apocalipse, se comparada aos outros escritos de João,
que não poderiam ter sido redigidos pelo mesmo autor. Ele observou também que vários
conceitos-chave dos escritos de João estão ausentes no Apocalipse (por exemplo: vida, verdade,
graça, alegria) e que tal ausência pesa contra a idéia de mesma autoria do Apocalipse e dos outros
livros do Novo Testamento atribuídos ao apóstolo. A maior parte dos estudiosos modernos
concordam com essa análise e, por isso, rebatem a tradição que liga o Apocalipse ao Apóstolo
João. Foram formuladas, assim, teorias alternativas quanto à autoria, embora não se tenha chegado
a um consenso. O João do Apocalipse foi identificado como (1) João Batista; (2) João Marcos, o
autor do segundo Evangelho; (3) um profeta da Palestina, desconhecido, de nome João; (4) João,
o Presbítero, um indivíduo que alguns escritores antigos afirmaram ser um contemporâneo do fez
uso do nome do apóstolo Apóstolo João em Éfeso; e (5) um autor anônimo que como um
pseudônimo, de modo a conferir autoridade a seu trabalho. Em geral, a crítica se satisfaz em
pensar no autor do Apocalipse como um profeta cristão sobre quem nada mais se sabe.
Infelizmente, essas idéias alternativas exigem de nós os mais variados graus de imaginação e
suposição, e nenhuma delas está isenta de problemas. Conseqüentemente, há ainda estudiosos que
tomam por confiável a tradição da autoria apostólica, e argumentam que há explicações razoáveis
para esclarecer as diferenças entre o apocalipse e os outros escritos joaninos. Entre as
características do livro que se ajustam bem à teoria da autoria apostólica, temos as seguintes: (1)
a simples menção do nome nenhuma outra especificação, sugere que o autor era muito conhecido
e não precisava, portanto, declarar sua autoridade ou apresentar credenciais (1, 1). Supõe-se que
os leitores saberiam quem era ele e aceitariam sua instrução e correção sem o questionar, Se, ao
contrário, alguém estivesse usando o nome de João como um pseudônimo, teria, muito
provavelmente, anexado a ele um título como "apóstolo", a fim de ficasse clara para os leitores a
autoridade evocada por aquele nome. (2) As sete igrejas da Ásia Menor mencionadas em Ap 2-3
são todas da região de Éfeso, onde a tradição afirma ter o Apóstolo João vivido seu sacerdócio
nos últimos anos de sua vida. (3) É inegável que o texto do Livro do Apocalipse é completamente
diferente do texto do Evangelho e das Cartas de João. Considerando-se apenas isso, contudo, não
se pode excluir a possibilidade de que um único autor seja responsável por todos os livros em
questão; não se pode, afinal, esperar que obras de gêneros literários distintos sejam muito
semelhantes. Mas as divergências no estilo de escrita e nos conceitos teológicos são mais difíceis
de explicar.
Esse é um problema mais grave, principalmente para aqueles estudiosos que supõem que
todos os escritos tradicionalmente atribuídos a João tenham sido redigidos por volta do final do
primeiro século. Entretanto, se o Apocalipse tiver sido escrito no final da década de 60 d.C., isso
significa que um intervalo de trinta anos poderiam separá-lo da publicação do Evangelho e das
Cartas, redigidos ao final da década de 90 d.C. Isso explicaria satisfatoriamente o porquê de o
Apocalipse ter sido escrito num grego áspero, um tanto irregular e fortemente semítico, ao passo
que o Evangelho e as Cartas o foram de modo mais suave e cuidadoso, embora ainda de
perceptível teor semítico. Uma tal melhora estilística é o que se espera de um falante de uma
língua semítica que aprendeu o grego como uma segunda língua, e cujo domínio dos modos
nativos para nela se expressar se aprimorou ao longo de muitos anos. Quanto aos conceitos
teológicos, é verdade, como Dionísio percebeu, que vários temas-chave do quarto Evangelho não
se encontram no Apocalipse. Ainda assim, isso não prova que ambos não sejam da mesma autoria,
pois não se sabe ao certo o quanto o autor do Apocalipse se via livre para dar forma ao relato de
suas visões. Supondo que ele realmente vira o que escreveu, e que as cenas apocalípticas e
proféticas que descreve não são meros artifícios literários, não há razões para pensar que ele faria
uso de licença poética que lhe permitisse expressar seus conceitos teológicos favoritos. Dada esta
situação, é notável a quantidade de elementos comuns partilhados pelo Apocalipse e os outros
escritos joaninos, particularmente pelo Evangelho de São João, sem paralelo noutros escritos do
Novo Testamento. Os paralelismos incluem chamar Jesus a "Palavra" (19, 13; Jo 1, 1. 14);
descrever as bênçãos espirituais de Jesus como fontes de "água viva" (Ap 7, 17; Jo 7, 38); referir-
se a Maria, a Mãe de Jesus, como "mulher" (Ap 12, 1; Jo 19, 26); e apelar a Zacarias 12, 10 numa
referência a Jesus como o Messias a quem "traspassaram" (Ap 1, 7; Jo 19, 37).
Tais considerações, quando interpeladas isoladamente, não são suficientes para dar
certeza à autoria apostólica do Apocalipse. A força cumulativa de todas elas, contudo, é bastante
expressiva, como pode-se ver. Embora possa ser plausível atribuir este ou aquele autor com base
em parcela das evidências, é o apóstolo que melhor corresponde ao seu conjunto. Una-se a essas
considerações o testemunho da Igreja primitiva, que não pode ser ignorado, e teremos motivos
ainda mais fortes para creditar ao apóstolo o Apocalipse de São João.
DATA
A informação contextual mais importante para interpretar o Apocalipse é a data em que
foi escrito. Em grande parte, o significado do livro tem correlação com os eventos e circunstâncias
históricas que João parece ter intenção de explicar. Estudiosos antigos e modernos, em geral,
dividem-se entre duas alternativas: a maior parte deles situa a obra na metade da década de 90
d.C., e a outra parte, menos expressiva, ao final do ano 60 d.C. (1) O ponto de vista majoritário
defende que o Apocalipse foi escrito ao fim do reinado do imperador Domiciano (81 a 96 d. C.).
Escritores antigos, incluindo Santo Irineu (180 d.C.), Vitorino de Pettau (270 d.C.) e São Jerônimo
(370 d.C.), sustentam essa versão. Muitos estudiosos modernos adotam igualmente essa
perspectiva, e explicam que o simbolismo do livro está relacionado à luta de vida e morte do
cristianismo contra a Roma imperial do final do século I. A queda da cidade adúltera de Babilônia
em Ap 17-18 é muitas vezes interpretada como o julgamento de Deus sobre a Roma pagã. (2) Por
sua vez, os estudiosos de opinião minoritária defendem que o livro foi escrito no período próximo
ao fim do reinado do imperador Nero, ou pouco depois (54 a 68 d.C.). A evidência mais antiga
que serve de base a essa opinião vem dos títulos das versões siríacas do Apocalipse, que levam a
crer que João recebeu tais visões após ter sido enviado por Nero à ilha de Patmos. Além disso,
André de Cesaréia, um bispo da Capadócia do final do século V, afirmou que muitos estudiosos
de seu tempo dataram e interpretaram o Livro do Apocalipse em relação ao cerco e à destruição
de Jerusalém em 70 d.C. Esses mesmos estudiosos costumam associar o sofrimento cristão tanto
à perseguição realizada por Nero, que rebentou em meados de 60 d.C., quanto à oposição dos
judeus ao Evangelho, além de enxergarem semelhanças entre a queda de Jerusalém e a derrocada
da cidade-prostituta de Babilônia em Ap 17-18. Apesar da opinião majoritária, que determina a
composição do Apocalipse por volta de 96 d.C., grande parte da evidência interna pode ser lida
de modo a favorecer uma data anterior a 70 d.C. Consideradas todas essas informações, podemos
concluir que uma data próxima a 68 d.C. lance mais luz sobre as visões do livro, que de outro
modo seriam de difícil interpretação.
CONTEXTO LITERÁRIO
O Livro do Apocalipse é único em sua estrutura no Novo Testamento. Por um lado, é uma
obra cristã profética que tem muito em comum com os livros proféticos do Antigo Testamento,
especialmente Isaías, Ezequiel, Daniel e Zacarias; por outro. é também um livro apocalíptico
muito similar a outros escritos religiosos judaicos chamados "apocalipses", que datam em geral
da mesma época (por exemplo, o I Livro de Henoc, o IV de Esdras, II de Baruc, o Apocalipse de
Abraão). Há, entre essas obras, um cenário comum quanto ao simbolismo cósmico, às visões
divinas, às cenas de julgamentos e aos mediadores angélicos. Ainda assim, o Livro do Apocalipse
difere deles em vários pontos. (1) Seu autor, João, escreve em seu próprio nome (Ap 1, 1) em vez
de empregar o nome de alguma figura reverenciada do passado, como Henoc, Esdras ou Baruc.
(2) Jesus Cristo, o Cordeiro imolado e ressuscitado, é o ponto central do livro — fato
completamente único se comparado aos outros escritos apocalípticos (5, 6-8; 19, 11-21). (3) A
obra faz uso sem precedentes de hinos litúrgicos ao revelar como se dá a adoração no céu (4, 8.
11; 5, 9-10. 13; 11, 17-18; 15, 3-4, etc.).
O Livro do Apocalipse é notoriamente difícil de ser interpretado, principalmente por
conta do simbolismo apocalíptico e profético que domina a obra. Mesmo São Jerônimo, o mais
erudito estudioso dos primórdios da Igreja, foi constrangido a admitir que o Apocalipse de João
"tem tantos mistérios quanto palavras" (Carta 53, 8). As visões de bestas medonhas e julgamentos
aterrorizantes que surgem no livro parecem ser parte de um pesadelo, enquanto suas cenas de
adoração, de vitória e felicidade eterna parecem parte de um sonho tornado realidade. Essas
muitas visões são carregadas de significado, particularmente em função da miríade de referências
que São João incutiu na redação e na estrutura do livro, constantemente levando os leitores de
volta às profecias e aos elementos da história bíblica. É por tais motivos que o livro apresenta
seus segredos de forma muito lenta e dificultosa ao leitor. A potente mensagem trazida no cerne
do Livro do Apocalipse só é descoberta após um prolongado estudo e uma demorada meditação
de seus mistérios sob a luz da fé cristã; esse esforço, contudo, não basta, porque mesmo que o
façamos, muito do conteúdo do livro permanece obscuro, fato que nos convida à oração e reflexão
ainda mais profunda, para que compreendamos seu significado verdadeiro.
PONTOS DE INTERPRETAÇÃO
As interpretações do Livro do Apocalipse geralmente seguem uma entre cinco abordagens
que buscam explicá-lo, colocando-o dentro dum sistema próprio de referências. (1) Os estudiosos
da opinião crítica, mais modernos, situam o livro no contexto histórico e cultural de seus leitores
originais. Eles vêem no Apocalipse uma luta entre a Igreja e o Estado no final do século I. Assim,
as visões de julgamento frequentemente são compreendidas como protestos cristãos contra a
arrogância do poder romano secular e suas pretensões de ser honrado como deus. Compreendido
desse modo, o livro proclama que Deus triunfará inevitavelmente sobre qualquer instituição
humana que se opuser a ele e fizer uso de sua autoridade para o mal. (2) A visão preterista
concede igualmente que muito do significado do livro diz respeito a eventos que se passaram
durante a vida de seus primeiros leitores. Os estudiosos que defendem essa interpretação afirmam
com freqüência que o Apocalipse descreve o início da Nova Aliança, selada pela morte e
ressurreição de Cristo, e o fim dramático da Antiga Aliança, confirmado pela destruição de
Jerusalém e pelo cessar do culto em seu Templo, uma geração depois. Dessa maneira, segundo
essa interpretação, o Apocalipse proclama ser o cristianismo o sublime cumprimento das
esperanças do Antigo Testamento e a inauguração da fase derradeira da história da salvação. (3)
A visão historicista, por sua vez, afirma que o livro oferece um panorama da vida da Igreja no
decorrer de sua caminhada pela história. As sucessivas visões do livro cor-responderiam, portanto,
aos sucessivos estágios da peregrinação da Igreja no mundo, e seus símbolos são compreendidos
como a representação de figuras e instituições importantes que em grande escala determinam o
curso dessa história. Dessa maneira, de acordo com o ponto de vista historicista, o conteúdo do
Apocalipse abrange toda a história da salvação, e não apenas um ou outro ponto particular da
história. (4) A visão idealista interpreta os símbolos e sinais presentes no Apocalipse como a
dramatização das intermináveis batalhas da vida espiritual; as visões de guerras e conflitos entre
o bem e o mal, entre anjos e demônios, etc., são a representação dos conflitos que tumultuam a
vida de todo cristão. Alguns dos defensores da visão idealista também entendem que o conteúdo
do Apocalipse refere-se aos eventos que aconteceram na época em que foi escrito; contudo, para
eles, tais eventos representam as batalhas entre a Igreja e o mundo. Sob a perspectiva idealista, o
Apocalipse oferece mensagem atemporal em vez de temporal, restrita a eventos seja do passado,
seja do futuro. (5) A visão futurista, que parece fascinar a mente popular, interpreta o livro como
uma prévia do fim da história, do retorno de Cristo, do Julgamento Final e da derrota derradeira
do mal. Seus defensores afirmam, pois, que o Apocalipse , seja em seu conjunto como também
em suas partes (por exemplo, os capítulos 4-22), permanece sendo um livro de profecias para a
Igreja de hoje, em função de suas muitas visões e promessas que ainda estão para se cumprir.
Em última análise, todas essas perspectivas têm algo a oferecer e chamam à atenção para
aspectos importantes do Livro do Apocalipse. Assim, é de importância que haja uma visão
integrativa, que reconheça a presença dos múltiplos temas e perspectivas que se complementam
e acrescentam riqueza e profundidade ao livro. A batalha do cristianismo contra o poderoso
Império Romano é um evento cujo horizonte está por certo presente no livro, bem como os
desafios espirituais à fé e à fidelidade que confrontam os fiéis, bombardeados pelos apelos do
mundo. Da mesma maneira, não se pode negar que o Apocalipse oferece uma mensagem final de
esperança com vista à consumação da história e à glorificação divina dos santos. Menos
reconhecida é a atenção que o Apocalipse dedica à primeira vinda de Cristo, cuja morte e
ressurreição constituem a base teológica do livro; outro evento um pouco negligenciado é a vinda
de Cristo para julgar a Jerusalém infiel, conhecida pelos primeiros cristãos como a cidade onde
"foi crucificado o Senhor" (11, 8).

Esquema do Apocalipse de São João


1. “O que viste” (1, 1-20)
a) Introdução (1, 1-8)
b) Visão inaugural (1, 9-20)
2. “Aquilo que está acontecendo” (2, 1 – 3, 22)
a) Cartas a Éfeso, Esmirna, Pérgamo e Tiatira (2, 1-29)
b) Cartas a Sardes, Filadélfia e Laodicéia (3, 1-22)
3. “O que vai acontecer” (4, 1 – 22,21)
a) A liturgia celeste da Criação e da Redenção (4, 1 – 5,1)
b) Os sete selos (6, 1 – 8, 5)
c) As setes trombetas (8, 6 – 11, 19)
d) As sete figuras espirituais (12, 1 – 14, 20)
e) As sete taças de furor de Deus ( 15, 1 – 16, 21)
f) A queda da grande Babilônia (17, 1 – 18, 24)
g) O banquete das núpcias do Cordeiro (19, 1 -10)
h) O julgamento das feras, do Diabo e dos mortos (19, 11 – 20, 15)
i) O novo céu, a nova terra e a nova Jerusalém ( 21, 1 – 22, 5)
4. Epílogo (22, 6-21)

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