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1.

INTRODUÇÃO GERAL AO
PENTATEUCO

P entateuco é o nome dado ao conjunto formado pelos cinco


primeiros livros da Bíblia, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números
e Deuteronômio. Este termo é oriundo do grego (Pentateuchos) e
significa “Livro em cinco volumes”. Seu nome original, hebraico, é
Torá (tôrâ - hr;/t) que pode ser traduzido para o português por
Lei, Ensino ou Instrução.
Os nomes dos livros, como temos hoje em nossas versões
bíblicas, provêm da versão conhecida como Septuaginta (LXX)1 e
procuram descrever, de forma geral, o conteúdo de cada um deles,
como veremos com mais detalhes quando forem tratados particu-
larmente. O texto hebraico, por sua vez, utiliza a primeira palavra,
ou alguma das primeiras palavras, de cada livro como título para
ele. Veja, a seguir, os títulos atuais e seus correspondentes no
hebraico.
PENTATEUCO TORÁ TRADUÇÃO
Gênesis bereshît em princípio
(tyviareB)]
Êxodo we’elleh shemôt e estes
(t/mv] hL,aew)] são os nomes

1 A Septuaginta, conhecida pelo símbolo LXX, é a primeira tradução da Bíblia Hebraica


para outra língua, no caso para o grego.

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1. INTRODUÇÃO GERAL

Levítico wayyiqra’ e ele chamou


(ar;q]Yiw)æ
Números bemidbbar no deserto2
(rBæd]miB])
Deuteronômio ’elleh haddbarîm Estas são as palavras
(µyrib;D]hæ hL,a)e

1.1. Autoria
Ainda que estes livros tenham sido considerados por mui-
tos como uma unidade, principalmente Gênesis, Êxodo, Levítico e
Números, por estarem aparentemente ligados entre eles pela con-
junção “e” ( w )3, possuem grandes diferenças de conteúdo e estilo,
o que aponta para a possibilidade, também, de uma autoria múlti-
pla.
Os livros, em suas formas finais, como se encontram, são
anônimos. Não há nenhum texto neles apresentando o autor ou
autores de toda a obra. A tradição judaica assim como a cristã tem
afirmado que o conjunto foi escrito por Moisés, mas basta uma lei-
tura um pouco mais atenta para perceber a impossibilidade disto
ser verdade para toda a obra. Com certeza, entre outros relatos
claros, não foi ele quem escreveu a respeito de sua própria morte
em Dt 34. Também é possível notar, por exemplo, em Nm
21.14-20, onde é citado um livro chamado de “O Livro das Guer-
ras do Senhor”, a possibilidade de utilização de outras fontes escri-
tas na composição da obra.
Por outro lado, não se pode negar a importância de Moisés
na composição do conjunto. Ele é a base e, certamente, autor de

2 Este nome é uma exceção. Ele é a 5ª palavra do livro e não a 1ª, como os demais.
3 Tanto Êxodo como Levítico e Números iniciam com a conjunção “e” o que parece
mostrar uma continuidade daquilo que foi escrito anteriormente. Veja os primeiros
versículos de cada um destes livros no Texto Hebraico. Contudo, este argumento
não deve ser levado em muita consideração, pois outros livros também começam
assim. Veja, por exemplo, Josué, Juízes e 1 e 2 Samuel.

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O PENTATEUCO

muitas partes, ainda que, mais tarde, outra pessoa, ou pessoas,


tenha feito um trabalho de redação e organização para edição da
coleção.

1.2. A Crítica do Pentateuco


O fato dos livros serem anônimos e apresentarem diferen-
ças de estilo e até aparentes contradições e repetições levou alguns
estudiosos a desenvolverem sobre eles estudos críticos profundos,
com a intenção de descobrir a verdadeira origem, época e conteú-
do de cada um dos escritos. Isto desencadeou o surgimento de uma
série de hipóteses sem precedentes na história da interpretação
bíblica. Os anos vão passando e algumas das sugestões destas hipó-
teses continuam sendo importantes para o estudante moderno.
Não é possível neste espaço abordar todas as minúcias a
respeito do estudo crítico do Pentateuco, mas, a seguir, será apre-
sentado um resumo geral.

1.2.1. O início do estudo crítico do Pentateuco


Jean Astruc, em 1753, foi quem deu início ao estudo crítico
do Pentateuco ao perceber, segundo ele, que havia no Livro de
Gênesis mais de um documento compondo seu texto. Sua hipótese
ficou conhecida como Primitiva Hipótese Documentária. Jean
Astruc dividiu o livro em dois documentos levando em considera-
ção a utilização dos termos Elohim (’elohîm - µyhiloa)Ö e Yavé
(yhwh- hwhy) para se referir a Deus. Contudo, ele continuou sus-
tentando que Moisés foi o autor da obra.
Depois de Jean Astruc, em 1800, surgiu a teoria conhecida
como Hipótese Fragmentária, de Alexandre Geddes. Ele decom-
pôs o Pentateuco em vários documentos, sem lógica ou nexo, com
o que colocou em dúvida a autoria e acabou por destruir a unidade
da obra.

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1. INTRODUÇÃO GERAL

Na sequência, cinco anos mais tarde, em 1805, surge a


Hipótese Suplementar, defendida por De Wette. Ele escreveu um
livro a respeito do Deuteronômio, defendendo como data para sua
escrita o ano de 621 a.C., na época do rei Josias. Mais tarde, outros
eruditos que concordavam com esta data para o Livro de Deutero-
nômio, fundaram a escola conhecida como Hipótese Suplemen-
tar, que defendia ser o “Documento Elohim” a base do Pentateu-
co, na qual teria sido incluso o “Documento Yavé”.
Em 1865 foi destacada a opinião de Graf, o qual defendia
que os livros de Levítico e Números, surgiram como produto do
cativeiro Babilônico, que aconteceu por volta de 586 a.C. Esta ideia
foi adotada por Welhausem que acrescentou a possibilidade da
existência de um documento denominado “Sacerdotal”. Na opi-
nião de Welhausen, este Documento Sacerdotal era de mais ou
menos 500 a.C.

1.2.2. As fontes do Pentateuco


Para resumir é bom dizer que destes estudos resultaram,
além de documentos menores e adições redacionais, quatro docu-
mentos considerados por muitos estudiosos como a base do Penta-
teuco. Para que o estudante do Antigo Testamento possa enten-
der o que autores das décadas passadas escreveram, e alguns pou-
cos atuais ainda escrevem, é bom conhecer ao menos os nomes
destes documentos e as datas que lhes são propostas. Como segue:
1) Documento J – Também identificado como obra de um autor
desconhecido identificado apenas, pelos autores das hipóteses,
como “Javista”. Seu nome é tirado do nome de Deus “Javé”
(Yavé - hwhy), que é o nome divino usado no documento.
Segundo a hipótese, o Documento J teria sido escrito por um
profeta que viveu no Reino do Sul (Judá), por volta do ano 850
a.C.

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O PENTATEUCO

2) Documento E – Também chamado de “Eloista”, em uma refe-


rência ao autor desconhecido que usou o título Elohim (’elohîm -
µyhiloa)Ö para designar Deus neste documento. Segundo a
hipótese ele teria sido escrito por um profeta do Reino do Nor-
te (Israel), por volta de 750 a.C.
3) Documento D – Também identificado como produção do
Deuteronomista. Este é o atual Livro de Deuteronômio, o qual
tem sua escrita atribuída a alguém que viveu na época do rei
Josias, em 621 a.C.
4) Documento P – Também chamado de Documento Sacerdotal,
por ter sido, supostamente, produzido por uma escola de sacer-
dotes. A sigla P vem da palavra inglesa Priest (sacerdote).
O Documento P, na opinião dos defensores desta hipótese, são
seções legais (leis) que foram incorporadas ao Pentateuco por
volta do ano 500 a.C.
Além destes documentos básicos, no decorrer da história,
alguns autores têm proposto também outros chamados, por exem-
plo, de R (Redator), N (Nômade – hipótese proposta por Sellin),4
J1 (que seria o J alterado por outro escritor), E1 ou E2 (que seria o
Documento E alterado), etc.
Na verdade a hipótese se transformou em um emaranhado
de opiniões incompatíveis. Contudo, quem estuda o Pentateuco, e
mesmo o Antigo Testamento como um todo, pode muito bem
aproveitar algumas das possibilidades apresentadas e precisa, ao
menos, conhecê-las nas formas básicas para entender o que os
estudiosos do assunto estão falando. Ou seja, não leve muito a
sério, mas também não jogue tudo fora como se não tivesse nenhu-
ma importância. Também não esqueça que o relatado acima apre-
sentou hipóteses e não verdades inquestionáveis.

4 SELLIN, E.; FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento: livros históricos e códi-


gos legais. São Paulo: Edições Paulinas, 1977, p.220-227.

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1. INTRODUÇÃO GERAL

1.2.3. O desenvolvimento do estudo crítico


Como foi visto no ponto anterior a hipótese que resultou
nos quatro documentos básicos propostos como formadores do
Pentateuco, “descambou” para uma sucessão de outras hipóteses
que acabaram por enfraquecê-la. Devido a este excesso de suges-
tões a hipótese vem perdendo sua força. Contudo, nas últimas
décadas não surgiu nada que possa suplantá-la na totalidade.
Seja como for é bom estar atento para o seguinte: muitos têm des-
viado seus esforços para as questões críticas e deixado de lado o
mais importante, suas lições eternas.

1.2.4. A forma atual do Pentateuco


Em última análise, para os cristãos de forma geral, o que
importa no Pentateuco não é seu autor nem como foi formado,
tendo por base um ou vários documentos, mas sim a sua forma
final. Esta é que tem sido considerada inspirada e faremos bem se
direcionarmos os nossos esforços para entender a sua mensagem
divina para os dias atuais acima do como é que ela chegou à forma
atual.

1.3. A Importância do Pentateuco


Ao que parece o Pentateuco foi a primeira parte da Bíblia a
ser considerada como Palavra de Deus. O judaísmo, em todo o
decorrer de sua história, até a atualidade, sempre considerou o
Pentateuco como a parte principal das Escrituras Sagradas. Em alguns
casos, como foi pelos Saduceus da época de Jesus, só o Pentateuco
era considerado inspirado. Na verdade, todo o restante do Antigo
Testamento está intimamente ligado a estes livros.
Vale destacar, ainda, que Jesus, ao ser interrogado a respei-
to de qual seria o principal dos mandamentos da Lei (Mt 22.34-
40), respondeu utilizando uma síntese de textos de dois dos livros

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O PENTATEUCO

do Pentateuco (Dt 6.5 e Lv 19.18) acrescentando, também, que


destes mandamentos depende, além do próprio conjunto conheci-
do como Pentateuco (Lei), a parte das Escrituras conhecida como
“Profetas”5 (Mt 22.40). Veja, a seguir, a resposta de Jesus e o que
dizem os textos do Antigo Testamento que ele utilizou.
1. A resposta de Jesus à pergunta que lhe foi feita:
37 Jesus lhe respondeu: Amarás o Senhor teu Deus de todo o
coração, de toda a alma, e de todo o entendimento.
38 Este é o maior e o primeiro mandamento.
39E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo.
40Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois manda-
mentos (Mt 22.37-40).

2. Os textos utilizados por Jesus em sua resposta:


“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com
toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6.5).
“Não te vingarás nem guardarás ódio contra gente do teu
povo; pelo contrário, amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou
o Senhor” (Lv 19.18).

5 No Cânon Hebraico, a divisão conhecida como Profetas (nebî’îm - µyaiybin)] é com-


posta pelos seguintes livros: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, Isaías, Jeremias,
Ezequiel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofo-
nias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

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