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1. INTRODUÇÃO

A escolha do tema surgiu diante das diferentes possibilidades da


interpretação da expressão kuriakh. h`me,ra (“dia do Senhor”) em Apocalipse 1:10. A
expressão pode ser interpretada de formas diferentes: dia escatológico, dia do
imperador, domingo de páscoa, domingo e sábado. Cada uma delas tem seus
defensores e cada um deles tem seus argumentos. Como foi dito, existem pelo
menos cinco interpretações para a expressão kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10.
Qual delas se encaixa melhor no contexto histórico e literário de Apocalipse? Sugerir
a melhor interpretação para o significado da expressão kuriakh. h`me,ra (“dia do
Senhor”), em Apocalipse 1:10, é o principal objetivo desta pesquisa. A pesquisa
será limitada apenas à expressão kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10, seu contexto
literário e histórico, e suas implicações teológicas.
Foram analisadas, a princípio, as quatro principais interpretações comumente
propostas para Apocalipse 1:10: dia escatológico, dia do imperador, domingo e
sábado, a fim de verificar qual se encaixa melhor no contexto histórico e literário do
Apocalipse. Como os argumentos ou “provas” para o domingo e o domingo de
páscoa são semelhantes, pois ambas dependem dos mesmos textos dos pais da
igreja e partem do mesmo princípio (o estereótipo lingüístico), foi analisada apenas a
interpretação que defende o domingo.
Primeiramente, foi investigada a interpretação que afirma que a expressão
kuriakh. h`me,ra se refere ao dia escatológico (BACCHIOCCHI,1977, p. 123). Logo a
seguir, foi analisada a interpretação que aponta o dia do imperador como kuriakh.
h`me,ra (DEISSMANN, 1995, p. 359). Após isso, foi verificada a interpretação que
aponta o domingo como kuriakh. h`me,ra (CHAMPLIN, 1985, v. 6, p. 378). E,
finalmente, foi pesquisada a interpretação que aponta o sábado como kuriakh.
h`me,ra (NICHOL, 1954, v. 7, p. 735, 736). Esta exposição conclui com uma sugestão
da melhor interpretação para kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10.

1.1 HIPÓTESES

Kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10 é o sábado que era o dia em que os


judeus, como João, separavam para Deus. A expressão kuriakh,, que era utilizada
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para descrever as coisas do imperador como: tesouro e finanças, foi usada de forma
proposital, pois João usava palavras que tinham um sentido secular ou pagão e as
cristianizava, como fez com a palavra lo,goj que era um termo que teve importância
a partir de Heráclito (c. 500 a.C.). Para ele, o termo lo,goj significava o princípio
unificador do universo. A expressão foi usada também pelos estóicos e pelos
gnósticos-cristãos (COENEN; BROWN, 2007, p. 1529-1530). Apesar disso, João
utilizou a expressão para descrever a Cristo no primeiro capítulo de seu evangelho.
Assim, João pode muito bem ter se referido ao sábado por meio de um termo
empregado para o imperador que estava perseguindo a igreja. Ao fazer isso,
mostrou aos seus irmãos, que passavam por uma tribulação (Ap.1:9), que o
verdadeiro imperador era Cristo (Ap.1:5) e não Domiciano. Domiciano governava o
império romano, porém Cristo estava acima dele, governando o universo. O domínio
de Domiciano acabaria, mas o de Cristo seria eterno (Ap.1:6). Cristo seria o Todo-
Poderoso (Ap.1:8), e não Domiciano. O Apocalipse era uma mensagem de conforto
para aqueles que estavam sendo perseguidos. Além disso, ao reconhecer que Deus
tinha um dia separado para Ele, João demonstrava sua fidelidade em meio à
perseguição e prisão. João estava preso, mas nada podia impedi-lo de ser fiel a
Deus, nem suas cadeias, e nisto ele era um exemplo a ser seguido pelos servos de
Deus (Ap.1:1) naquele momento tão difícil da história da Igreja.

1.2 JUSTIFICATIVA

A interpretação de kuriakh. h`me,ra, em Apocalipse 1:10, é um assunto de


extrema relevância, considerando que esse é um verso-chave na questão sábado-
domingo. De um lado, muitos adventistas defendem a idéia de que o dia do Senhor
ali é o sábado (NICHOL, 1954, v. 7, p. 736). Do outro lado, a maioria esmagadora da
cristandade defende a interpretação que diz existir ali uma referência ao domingo.
Os que defendem a interpretação do domingo se apóiam nos pais da igreja que
usaram esse termo para se referir ao domingo (CHAMPLIN, 1985, v. 6, p. 378).
Hoje é também defendida a idéia de dia escatológico (BACCHIOCCHI,1977,
p. 123). Há ainda a possibilidade de a expressão ser interpretada como uma
referência ao dia do imperador, ocasião em que eram recolhidos os impostos
(DEISSMANN, 1995, p. 359) e também ao domingo de páscoa (DUGMORE apud
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BACCHIOCCHI,1977, p. 129). Se João estava se referindo ao domingo como


kuriakh. h`me,ra, então teríamos a primeira referência explícita ao domingo como dia
do Senhor, ainda na era apostólica (CHAMPLIN, 1985, v. 6, p. 378). Se kuriakh.
h`me,ra era o dia escatológico, João inicia a visão do Apocalipse a partir da volta de
Cristo ou do dia do juízo. Se João estava se referindo ao dia do imperador, a visão
veio num dia que lembrava a situação de opressão em que os cristãos viviam. Por
último, se a interpretação é o sábado (APOLINÁRIO,1990, p. 208), isso indica que o
sábado foi guardado em toda a era apostólica e a mudança para o domingo foi
posterior à era apostólica.
Para aumentar a tensão nessa questão, a Sociedade Bíblica do Brasil, em
algumas de suas edições, como a Tradução na Linguagem de Hoje e a Bíblia de
Estudo Almeida, colocou na nota de rodapé desse texto a afirmação que ele se
refere ao domingo, decidindo já a questão e influenciando os leitores. Saber se ela
estava correta ao tomar essa decisão é uma das propostas deste estudo.

1.3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A questão da expressão kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10 é muito


importante, tendo em vista o impasse sobre qual é o dia de adoração a Deus. Essa
expressão é usada desde o final do segundo século pelos pais da Igreja se referindo
ao domingo ou primeiro dia da semana. “A primeira ocorrência incontestável
encontra-se no apócrifo Evangelho de Pedro onde duas vezes a expressão o dia do
Senhor (35; 50) é usada como uma tradução para o primeiro dia da semana que
encontramos em Mc. 16:2”. (BACCHIOCCHI, 1977, p. 69).
É importante, antes de decidir sobre qual interpretação aceitar, conhecer o
contexto histórico no qual o livro do Apocalipse foi escrito. Embora não haja um
consenso absoluto entre os especialistas, a maioria crê que o livro foi escrito num
período de perseguição ao povo cristão. João estava exilado na ilha de Patmos e
era o último dos doze discípulos vivo. A igreja estava sofrendo e o livro do
Apocalipse foi uma resposta a esse sofrimento (FERET,1968, p. 21). João tinha o
costume, como Paulo, de usar palavras de significado secular, pagão ou até mesmo
herético e esvaziá-las de seu significado e colocar um significado cristão.
(VELOSO,1984, p. 33). Paulo usava palavras como plh,rwma “plenitude” em Cl 1:19,
termo usado pelos gnósticos (COENEN; BROWN, 2007, p. 1678), para se referir ao
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poder de Cristo. João utilizou a palavra lo,goj, que era um termo neo-platônico, para
se referir a Cristo (BALZ; SCHNEIDER, 1993, p. 356).
Para Bacchiocchi (1977 p. 123), kuriakh. h`me,ra, em Apocalipse 1:10, é o dia
escatológico: “O contexto imediato que precede e se segue a Ap. 1:10 contém
inequívocas referências ao dia do escatológico .” Bacchiocchi ainda afirma que não
poderia ser um dia literal:

As expressões como "Eu vi, Eu olhei, Foi-me mostrado", que


ocorrem freqüentemente através de todo o livro, implicam, de fato, que as
cenas foram mostradas em tempos diferentes. Realmente, no capítulo 4:2
João explicitamente menciona pela segunda vez e com as palavras
idênticas do capítulo 1:10: "Eu me achei em espírito". Isto obviamente
indica diferentes tempos e ocasiões em que foi tomado em visão.
Portanto, é difícil conceber que o "dia do Senhor" no qual foi mostrada a
João toda a série de visões que todo o livro compreende, refere-se a um
dia literal, pois, como observamos, muitas cenas com diferentes temas
foram-lhe mostradas em ocasiões separadas. Parece ser mais coerente
com o contexto assumir que João foi transportado em visão a um futuro
"dia do Senhor" e, daquele ponto privilegiado, "ele ouviu" e "viu" as muitas
cenas que lhe foram mostradas em várias sessões. (BACCHIOCCHI,
1977, p.125, 126).

Para Fonseca (1992, p. 25), a questão é resolvida a partir de uma análise


gramatical pois, segundo ele, a expressão evn th/| kuriakh/| h`me,ra| está no dativo e só
pode ser traduzida como “ao dia do Senhor”, fazendo com que a resposta a esse
debate seja uma interpretação que privilegie o dia escatológico.
As descobertas arqueológicas projetaram mais luz sobre a expressão
kuriakh. h`me,ra. Papiros e inscrições do período imperial da história romana,
achados no Egito e na Ásia Menor, empregam a palavra kuriako,j (o masculino de

kuriakh,) para referir-se à tesouraria e ao serviço imperial (DEISSMANN, 1995, p.


353) . Isso é compreensível, pois o imperador romano freqüentemente era chamado
em grego de ku,rioj ("senhor") e, por conseguinte, sua tesouraria e serviço eram a
"tesouraria do senhor" e "o serviço do senhor". Portanto, kuriako,j era uma palavra
familiar no idioma de maior prestígio na época para as coisas relacionadas com o
imperador. Uma dessas inscrições é de 6 de julho de 68 d. C., e contém um edito
do governador do Egito, Ti. Julius Alexander. Nesse edito, kuriako,j aparece na
linha 13 para finanças imperiais e, na linha 18, para tesouro imperial (DEISSMANN,
1995, p. 358). Percebe-se, assim, que esse uso de kuriako,j era corrente no tempo
do João. Nesse mesmo edito, aparece uma referência a um dia com o nome da
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imperatriz Júlia (NICHOL, 1954, p. 735). Em outras inscrições gregas, o termo


Sebasth,, o grego equivalente a Augustus, aparece freqüentemente como o nome de
um dia (DEISSMANN, 1995, p. 359). Pode-se ver que havia um dia dedicado ao
imperador e, naturalmente, esse dia poderia ser chamado de dia do senhor, termo
usado para se referir ao imperador, demonstrando dessa forma a possibilidade de se
interpretar a expressão kuriakh. h`me,ra como dia do imperador.
Para a maioria dos teólogos cristãos, por outro lado, a resposta a essa
questão é simples: trata-se do domingo, o qual relacionam com a ressurreição de
Cristo. Walvoord e Zuck (1985, p. 930) defendem a idéia de que a expressão
kuriakh. h`me,ra se refere ao primeiro dia da semana. Henry (2003, p. 1041) afirma
que a expressão kuriakh. h`me,ra se refere ao primeiro dia da semana que foi
observado pelos cristãos em homenagem à ressurreição de Jesus. Jamieson,
Fausset e Brown (2002, p. 765) afirmam que a expressão kuriakh. h`me,ra significa
domingo, a comemoração semanal da ressurreição e, para confirmar, citam alguns
pais da igreja como Justino Mártir e Tertuliano, que assim a interpretam.
No entanto, há também os que entendem que a melhor interpretação é o
sábado, o dia de repouso de Deus no Antigo Testamento. Apolinário (1990, p. 208)
afirma que a Bíblia estaria repleta de declarações convincentes de que o sábado é o
dia do Senhor de Apocalipse 1:10.

1.4 METODOLOGIA

Para o estudo de kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10, inicialmente, foi visto o


contexto literário de Apocalipse 1:10, especialmente o capítulo 1 de Apocalipse. Mas,
também foram passíveis de análise outros textos apocalípticos. Logo em seguida, foi
analisado o contexto gramatical dessa expressão e sua relevância para uma
interpretação mais coerente. A questão da relação do livro do Apocalipse com o
santuário e seus móveis, utensílios e rituais foi também investigada.
Foram analisados textos da literatura grega secular contemporânea a João,
que usam a expressão kuriako,j para poder compreender qual era o significado não
religioso dessa expressão naquele período. O contexto histórico em que vivia João e
no qual foi escrito o livro do Apocalipse foi estudado para que fosse compreendida a
possível influência secular nos escritos de João.
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Foi também alvo de estudo a interpretação que os pais da igreja deram à


expressão kuriakh. h`me,ra juntamente com o contexto histórico em que foi dada essa
interpretação. Também foi analisada a interpretação que foi dada por estudiosos aos
escritos dos pais da igreja em que aparece o termo kuriakh,. O significado do dia do
Senhor no Antigo Testamento e no Novo Testamento foi observado bem como o que
os historiadores falam sobre a igreja nos primeiros séculos. Por fim, é proposta uma
interpretação para a expressão kuriakh. h`me,ra bem como a possível razão por que
João utilizou essa expressão.
É usada neste trabalho a versão revista e atualizada de Almeida e quando se
utilizar outra, isso será indicado no texto. Os textos gregos da Bíblia, Didaquê, Inácio,
Barnabé e Policarpo foram extraídos do Bible Work for Windows, os outros textos
gregos foram retirados do Thesarus Linguae Graecae. Este trabalho foi feito para o
público acadêmico, por isso, emprega metodologia e linguagem essencialmente
acadêmicas.
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2 O DIA ESCATOLÓGICO

Na busca pela melhor identificação de kuriakh. h`me,ra de Apocalipse 1:10,


será analisada a interpretação que identifica kuriakh. h`me,ra como o dia do Senhor
escatológico. Um dos principais expoentes dessa interpretação é Samuelle
Bacchiocchi, doutor em teologia pela Pontíficie Universidade Gregoriana de Roma.
Outro defensor dessa interpretação é Ranko Stefanovic, professor associado de
Novo Testamento da Andrews University. Doukhan (2002, p. 22) defende que João
teve a visão do dia escatológico no sábado. Além desses, serão estudados dois
artigos do Pr. Almir Fonseca que foram publicados na revista Ministério. Mas, antes
de analisar essa interpretação, é necessário saber o significado de dia escatológico
ou o dia do Senhor como os profetas, especialmente os do Antigo Testamento, a ele
se referiam.

2.1 O SIGNIFICADO DO DIA ESCATOLÓGICO

O dia escatológico é um dia de juízo e/ou bênção (HARRIS; ARCHER;


WALTKE, 1998, p. 606). O dia do Senhor chegava para as nações quando essas
ultrapassavam sua medida e a ira de Deus caía sobre elas. Podem-se ver esses
julgamentos sobre Israel (Am. 5: 18), Judá e Jerusalém (Lm. 2:22; Ez. 13:5; So.
1:7,14,18; 2:2-3; Zc. 14:1), Babilônia (Is. 13:6,9), Egito (Jr. 46:10; Ez. 30:3) e Edom,
e os pagãos em geral (Ob. 15). Trata-se de símbolos do dia do julgamento do
Senhor que virá sobre toda a terra (1 Ts. 5:2; 2 Pe. 3:10; Is. 34:8; Jl. 1:15; 2: 1; 3:14;
Zc. 14:1). As profecias concernentes a um dia do Senhor de efeitos locais, com
freqüência, podem também descrever o "dia [universal] do Senhor", que acontecerá
no fim do mundo (NICHOL, 1954, v. 4, p. 151).
O grande dia do Senhor pode ser entendido como a volta de Cristo para dar a
sentença final para justos e ímpios. A interpretação que propõe o melhor significado
para kuriakh. h`me,ra como sendo o dia escatológico, entende que João contemplava
a volta de Cristo quando recebeu a visão do livro do Apocalipse.

2.2 O DIA DO SENHOR E A VISÃO DAS SETE IGREJAS

Segundo Bacchiocchi, o contexto imediato de Apocalipse 1:10 indica que a


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interpretação correta seria dia escatológico. Cita inclusive, além de alguns textos do
capítulo 1, o texto de Ap.14:14-15 como uma inquestionável referência (1977, p.
123, 124). Mas, ao se analisar o contexto imediato, pode-se notar que esse trata da
visão das sete igrejas e o que Bacchiocchi denomina como inquestionável referência
não faz parte do contexto imediato de Apocalipse 1:10 pois, no capítulo 14 de
Apocalipse, a visão apresentada é a dos 144.000 e esta não está relacionada
diretamente com a visão de Apocalipse 1.
Há ainda o problema de como João, ao contemplar a volta de Cristo (dia
escatológico), pode ver as sete igrejas do Apocalipse que estavam na Ásia Menor no
tempo de João e então escrever cartas para elas. Em que momento histórico se dá a
visão do capítulo 1? No tempo em que existiam essas igrejas ou no futuro, no dia
escatológico? Para resolver esse impasse, Bacchiocchi cita Louis T. Talbot:

O mesmo autor explica que a resposta encontra-se nos versos 10 e


12 do mesmo capítulo "ouvi por detrás de mim uma grande voz... Voltei-
me... vi..." Primeiramente, ele olhou adiante, para o "dia do Senhor", e então
como que olhou para trás e viu esta época da igreja no panorama, antes de
olhar novamente para o futuro, às coisas que certamente acontecerão.
(BACCHIOCCHI, 1977, p. 124).

Porém, estranhamente a suposta visão do dia do Senhor não é descrita,


justamente essa que era a do evento mais aguardado. Além disso, a conjunção kai,
que pode ser traduzida por “e” ou “também”, é uma conjunção coordenativa aditiva.
Além da idéia de fatos que ocorrem um após o outro, também pode dar a idéia de
fatos que ocorrem simultaneamente. É importante ressaltar que nos textos gregos
até cerca do século IX d.C. não havia pontuação, por isso a questão da vírgula entre
“Senhor” e “e ouvi” se torna pouco relevante. Quando João diz: “Achei-me em
espírito no dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta”,
ele pode estar dizendo que estava em espírito no dia do Senhor e ouviu a voz, ele
não saiu necessariamente do dia do Senhor para ouvir a voz. Então, ele não teria
saído do dia do Senhor para ter a visão das sete igrejas. Há, assim, a possibilidade
de João estar se referindo a um dia literal.
Também é um argumento pouco convincente dizer que, porque Jesus estava
atrás dele, o fazia voltar a um tempo anterior à hipotética visão do dia do Senhor. A
posição de quem está orientando a visão não tem que ver necessariamente com o
tempo da mesma.
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2.3 O TEMA CENTRAL DO APOCALIPSE

Stefanovic (2002, p. 91) sugere que a interpretação de dia escatológico


“parece se encaixar mais naturalmente no contexto do livro”. Bacchiocchi, por sua
vez, afirma que o tema central do livro é a volta de Cristo:

O contexto de todo o livro, então, fortemente sugere que o "dia do


Senhor" de Apocalipse 1:10 representa, não um dia literal de 24 horas, e
sim o grande dia do Senhor ao qual João foi transportado em visão para
que lhe mostrassem em cenas simbólicas os eventos precedentes e
posteriores à vinda de Cristo. (BACCHIOCCHI,1977, p. 125).

Realmente, Bacchiocchi está absolutamente certo em afirmar que a volta de


Jesus é o tema central do Apocalipse. Porém, João não teria que estar
obrigatoriamente no dia escatológico para poder receber as visões. Pois, os profetas
não tinham que ir ao tempo de cumprimento do tema central de suas visões para
recebê-las. Outro livro da Bíblia que é apocalíptico é o livro de Daniel, que pode ser
um bom exemplo disso. O tema central das profecias de Daniel é o juízo e o
santuário, então vejamos em que tempo o profeta está quando recebe suas visões:

No primeiro ano de Belsazar, rei da Babilônia, teve Daniel um sonho


e visões ante seus olhos, quando estava no seu leito; escreveu logo o
sonho e relatou a suma de todas as coisas. Daniel 7:1.

No ano terceiro do reinado do rei Belsazar, eu, Daniel, tive uma


visão depois daquela que eu tivera a princípio. Daniel 8:1.

No primeiro ano de Dario, filho de Assuero, da linhagem dos medos,


o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus, Daniel 9:1.

No terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma palavra a


Daniel, cujo nome é Beltessazar; a palavra era verdadeira e envolvia grande
conflito; ele entendeu a palavra e teve a inteligência da visão. Daniel 10:1.

Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o


fortalecer e animar. Daniel 11:1

Daniel está falando, na introdução de cada visão, de uma data no presente,


atual para ele, e não no futuro. Ele não sai de sua época para ter as visões, ele não
vai ao santuário ou ao dia do juízo, ele está no tempo atual dele, e no local em que
vivia, Babilônia. Assim, João também está no local onde estava vivendo, a ilha de
Patmos, e numa data no presente, o dia do Senhor.
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2.4 A LITERALIDADE DO DIA DO SENHOR

Bacchiocchi, ao analisar a expressão kuriakh. h`me,ra, afirma que não pode se


referir a um dia literal:

No capítulo 4:2 João explicitamente menciona pela segunda vez e


com as palavras idênticas do capítulo 1:10: "Eu me achei em espírito". Isto
obviamente indica diferentes tempos e ocasiões em que foi tomado em
visão. Portanto, é difícil conceber que o "dia do Senhor" no qual foi
mostrada a João toda a série de visões que todo o livro compreende,
refere-se a um dia literal, pois, como observamos, muitas cenas com
diferentes temas foram-lhe mostradas em ocasiões separadas. Parece ser
mais coerente com o contexto assumir que João foi transportado em visão
a um futuro "dia do Senhor" e, daquele ponto privilegiado, "ele ouviu" e
"viu" as muitas cenas que lhe foram mostradas em várias sessões.
(BACCHIOCCHI,1977,p.126).

Realmente há a possiblidade de que a expressão kuriakh. h`me,ra não se refira


a um dia literal. Pois, sem dúvida alguma, foram várias sessões em dias diferentes.
Mas, a questão é se kuriakh. h`me,ra é a data da primeira visão ou de todo o livro. O
paralelismo entre o capítulo 1 e o 4 pode ajudar a resolver essa questão.

2.5 O PARALELISMO ENTRE APOCALIPSE 1 E 4

Os paralelismos são recursos literários que eram utilizados com freqüência


pelos autores hebreus, para dar ênfase a alguma palavra ou assunto. Será
analisado agora um possível paralelismo entre o capítulo 1 e o 4 de Apocalipse. Se
há, de fato, um paralelismo e se esse paralelismo pode resolver a questão da
interpretação de kuriakh. h`me,ra como dia literal ou escatológico. Stefanovic (2002,
p. 91) não chega a afirmar que há um paralelismo, mas vê uma consistência através
do livro: “quando ele está em espírito (cf. 4:2: 17:3; 21:10), aparece no texto sempre
uma referência a um tempo ou lugar simbólico de preferência a um literal.”
Bacchiocchi analisa esse possível paralelismo da seguinte maneira:

Uma indicação final da natureza escatológica do "dia do Senhor" é


fornecida pelo paralelismo singular entre os capítulos 4:1-2 e 1:10. Em
ambos os casos, João "estava em espírito" (1:10; cf. 4:2), ouviu "uma voz
como de uma trombeta" (1:10; cf. 4:1) e foi-lhe mostrado um membro da
Divindade em Sua glória (1:12-18; cf. 4:2-11). Em ambas as ocasiões,
Cristo é proclamado como Aquele "que era, é, e há de vir" (1:8; cf. 4:8).
Contudo, no capítulo 4:1 encontramos um importante detalhe adicional.
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Antes que João seja tomado em visão, é-lhe dito: "Vem até aqui, e eu lhe
mostrarei o que deve ocorrer depois disto" (4:1). Na próxima declaração
João diz: "e logo fui arrebatado em espírito" (4:2). A razão, então, para João
ter sido tomado em visão, é aqui claramente declarada: a fim de ver "o que
deve ocorrer depois disso" (4:1).
No capítulo 1:10, entretanto, quando João é tomado em visão, tal
razão não está claramente expressa, mas em seu lugar encontramos a
expressão "no dia do Senhor". Parece razoável concluir, então, em virtude
do marcante paralelismo encontrado entre os dois capítulos, onde
semelhança de expressões, contexto e conteúdo ocorrem, que a locução
"no dia do Senhor" do capítulo 1:10 deve ser entendida à luz da expressão
paralela "que deve ocorrer depois disto" do capítulo 4:1. Poderíamos dizer
que, no capítulo 1:10, João primeiramente cita o cenário em que recebeu a
visão, ou seja, "no dia do Senhor", e então prossegue descrevendo os
eventos relacionados a ela, enquanto no capítulo 4:1 é explicitamente dito a
João que a visão relaciona-se a eventos futuros. (BACCHIOCCHI, 1977, p.
130).

A semelhança é clara entre o capítulo 1 e o 4, e, a expressão “estava em


espírito” é natural para ambos os textos. Pois, em ambos os casos João estava em
visão. Porém, o fato de João a repetir demonstra apenas que houve um período em
que ele não estava em espírito entre o capítulo 3 e o 4. O fato de João ter ouvido
novamente “uma voz como de trombeta”, é compreensível, pois, no mesmo verso
(4:1), João diz: “a primeira voz que ouvi”, ou seja, esta é provavelmente a mesma
que ele ouviu no capítulo 1. No capítulo 4, João ouve os louvores dos quatro seres
viventes e dos 24 anciãos, mas a única voz que fala a ele é essa que ele chama de
“primeira”. Parece pouco provável que João chame essa voz de primeira para
diferencia-lá dos louvores; é mais razoável supor que João esteja se referindo à voz
que ele ouviu no início das visões do Apocalipse (1:10). Se era a mesma, é natural
que devesse ser como de trombeta, isto é, igual à primeira. Ou seja, João teria
usado a mesma expressão “como de trombeta” para dar ênfase que era a mesma
voz. Logo, a semelhança das vozes reside no fato de ser uma mesma voz.
A terceira é a visão de um membro da Divindade em sua glória, o que é
correto, pois no capítulo 1 é Jesus que aparece e no 4 é Deus. A quarta semelhança
é que, segundo Bacchiocchi, Cristo é chamado em ambos os capítulos de o que era,
o que é e o que há de vir. Mas, pelo contexto, pode-se ver que, no capítulo 4, esse
título é dado ao Deus Todo Poderoso (Deus o Pai) e não a Cristo. Podemos ver,
então, que aqui há um paralelismo apenas na introdução das visões, pois o preparo
para receber as visões, o estar “em espírito” e o personagem que transmitia as
visões eram os mesmos. Daí por diante há uma diferença acentuada entre as
visões, até porque são duas visões diferentes.
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Segundo Stefanovic (2002, p. 159-164), a cena da visão do capítulo 1


acontece na Terra, Jesus está no meio das igrejas (1:12), a cena do capítulo 4
acontece no Céu (4:1). A cena dos capítulos 4 e 5 é tema de debates no meio
adventista. As três correntes são que a cena do capítulo 4 e 5 representa: o
ministério contínuo de Jesus (MAXWELL, 1985 p. 164-171), o ministério completo da
salvação (STRAND, 1987, p. 25) e ministério final de Jesus no lugar santíssimo
(TREIYER, 1986, p. 474-503). “As duas primeiras posições pressupõem que a visão
desses capítulos se refere à inauguração do santuário no início da era cristã; a
última delas, que a visão se refere à cena do julgamento final dos tempos”
(TORRES, 1997, p. 29). Teólogos de outras denominações vêem uma cena de
entronização e inauguração. Podem ser citados, por exemplo, Collins (1982, p. 102),
Prévost (1994, p. 89) e Wilkinson (1988, p. 498-501).
A cena possivelmente se refira à entronização de Cristo, após a ascenção.
Além de citar diversas vezes a palavra trono (4:2, 4, 5, 6, 9, 10; 5:1, 6, 7, 11), a
indentificação daquele que está assentado no meio do trono como o “Cordeiro como
tendo sido morto”,é uma clara alusão à morte de Cristo na cruz. As expressões
“Leão da tribo de Judá” e a “Raiz de Davi” apresentam-no como um rei de Israel.
Logo, pode se ver que o tema da cena do capítulo 4 e 5, possivelmente não tenha
que ver com o dia do juízo ou dia escatológico.
A finalidade da visão do capítulo 4 é claramente declarada: a fim de ver “o
que deve ocorrer depois disso” e, segundo Bacchiocchi seria um paralelo a “no dia
do Senhor”. Mas, podemos ver que a finalidade da visão do capítulo 1 não é o dia do
Senhor, ou ver o dia do Senhor, ou ainda estar no dia do Senhor. O verso 11, logo
em seguida, responde: “O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas.” Além
disso, o verso 19 do capítulo 1: “e as que são depois destas” parece muito mais um
paralelo a “o que deve ocorrer depois disso”, do que “dia do Senhor”. Pode-se ver
que provavelmente há um paralelismo, mas não da maneira como Bacchiocchi
sugere.
O paralelismo, como sugere Bacchiocchi (1977, p. 130), parece ser aquele que
repete a mesma coisa (fato, palavra, tema) como forma de dar ênfase (paralelismo
sinonímico), comum na literatura hebraica, especialmente nos salmos. Porém, como
já foi visto, não é esse o caso aqui. Há apenas paralelismo na introdução das visões
pois os dois textos têm o mesmo autor, se referem a visões, e essas são dadas pelo
mesmo personagem, Jesus. Com tantas semelhanças em suas estruturas é natural
23

que os textos sejam parecidos, mas não se pode, a partir disso, afirmar que os dois
textos (1 e 4) tenham o mesmo tema ou ainda o mesmo propósito. Logo, o dia do
Senhor está relacionado apenas com a primeira profecia do livro (cap. 1-3).

2.6 A VOZ COMO DE TROMBETA

Outra questão em relação à interpretação de kuriakh. h`me,ra é a voz como de


trombeta que, segundo Bacchiocchi, é uma clara referência ao dia escatológico.

O imediato ouvir de João de "uma grande voz como que de


trombeta" (1:10) pode também ser uma referência ao dia escatológico do
Senhor. A "voz de trombeta", como Philip Carrington observa, "lembra o
Anjo com a trombeta que, conforme a mitologia judaica, devia soar para
anunciar o Dia do Juízo." Embora as trombetas fossem usadas no Velho
Testamento para convocar pessoas em várias ocasiões importantes (Núm.
10:2, 9, 10; Êxo. 19:19), o instrumento era especialmente associado com o
"dia do Senhor" (Joel 2:1, 15; Zac, 9:14). Em Sofonias, "o grande dia do
Senhor" é chamado "um dia do clamor da trombeta" (1:14-16). No Novo
Testamento, a trombeta é particularmente associada ao segundo advento
de Cristo. Convoca os membros da igreja de Deus para se apresentarem
perante Cristo (Mat. 24:31); anuncia a descida de Cristo vindo do Céu (I
Tess. 4:16) e ressuscita os mortos (I Cor. 15:52). No Apocalipse, as sete
visões anunciadas por sete trombetas (8:2, 6-8, 10, 12; 9:1, 13; 11:15)
apresentam uma série de eventos cataclísmicos que culminam com o soar
da sétima trombeta, que proclama "O reino do mundo tornou-se reino de
nosso Senhor e de Seu Cristo; e Ele reinará para sempre e sempre" (11:15).
Esta íntima associação entre a voz da trombeta e a segunda vinda
de Cristo sugere a possibilidade de "a grande voz como uma trombeta"
(1:10) que João ouviu "no dia do Senhor" (1:10) ser uma manifestação
daquele grande evento. De fato, ao virar-Se o Vidente "para ver a voz"
(1:12) ele olhou, num arrebatamento, ao Filho do Homem, em poder e
majestade no meio das igrejas. Esta visão é um prelúdio adequado da vinda
do "Filho do homem com uma coroa de ouro em sua cabeça" (14:14) como
"Rei dos reis e Senhor dos senhores" (19:16). (BACCHIOCCHI,1977, p.
129, 130).

Mas, o que será essa voz como de trombeta? Será uma referência ao dia
escatológico ou dia do juízo? O próprio texto dá um sinônimo para voz como de
trombeta, no verso 15, diz: “como voz de muitas águas”. Mas, para que se possa
entender melhor será visto um texto em Daniel. Vejamos, então, uma análise entre a
descrição de Cristo em Ap. 1:10-16 e Daniel 10:5-6.
Primeiramente, Daniel e João viram um ser celestial em forma humana: “olhei e
eis um homem” em Dn 10:5 e “vi... um semelhante ao Filho do Homem” em Ap 1:12,
13. Em segundo lugar, a parte superior do tronco era cingida de ouro: em Dn.10:5
“ombros estavam cingidos com ouro puro de Ufaz” e em Ap. 1:13 “cingido a altura do
24

peito com uma cinta de ouro”. Em terceiro lugar, o rosto brilhava intensamente, em
Dn 10:6 “o seu rosto, como um relâmpago” e em Ap 1:16 “o seu rosto brilhava como
o sol na sua força”. Em quarto lugar, os olhos, que são descritos praticamente da
mesma maneira: em Dn 10:6 “olhos como tocha de fogo” e em Ap 1:14 “olhos como
chama de fogo”. Em quinto lugar, a descrição dos pés, em Dn 10:6 “pés como
bronze polido” e em Ap 1:15 “pés semelhante ao bronze polido como que refinado
em uma fornalha”. Para citar apenas algumas semelhanças.
Por essa análise, pode-se ver que o personagem que aparece na visão de
Daniel 10, o Filho do Homem (Ap. 14:14; Jo 5:27) e na visão de Apocalipse 1, o
homem é o mesmo, Jesus. Logo, a voz como que de trombeta (Ap 1:10), não som
de trombeta, é um sinônimo de voz como estrondo de muita gente (Dn 10:6) e da
voz como de muitas águas (Ap. 1:16). Aparentemente a intenção tanto de João
como de Daniel é enfatizar a força da voz, o poder da voz e talvez o volume da voz e
não o evento que essa voz indica. Como vimos anteriormente, Bacchiocchi afirma
que a justificativa para João receber a visão das igrejas é que alguém o chama e ele
olha para trás. Esse que está atrás (Jesus) o chama para fora do dia do Senhor. Ou
seja, a voz como de trombeta é daquele que está chamando João para “fora” do dia
do Senhor. Logo, a trombeta nesse contexto não deve ser uma referência ao dia
escatológico.
Além disso, a trombeta para o povo de Israel, tinha outras funções, além de
anunciar o dia da expiação, como convocar a congregação (Nm 10:2), anunciar um
novo rei (2 Sm 15:10), louvar a Deus (1 Cr 13:8), convocar para a guerra (1 Sm
13:3), louvar no dia da lua nova (Sl 81:3), entre outras. Se João queria se referir a
uma festa, ao usar a figura da trombeta, não seria necessariamente o dia da
expiação. Pois, havia outra festa em que o uso da trombeta se fazia presente, a
festa das trombetas, que acontecia nove dias antes do dia da expiação (Nm 29:1).
Não se pode afirmar categoricamente, portanto, que João quisesse se referir a uma
festa. Mesmo que ele quisesse, não se poderia dizer a qual das duas festas ele
estava se referindo. Além dessas questões investigadas até aqui, há ainda questões
gramaticais para serem estudadas. A primeira diz respeito à variação de h`me,ra tou/
kuri,ou para kuriakh. h`me,ra.
25

2.7 A VARIAÇÃO DA EXPRESSÃO HMERA TOU KURIOU PARA A


EXPRESSÃO KURIAKH HMERA

O que se poderia dizer da “variação” da expressão h`me,ra tou/ kuri,ou para a


expressão kuriakh/| h`me,ra|? Para Stefanovic, é simplesmente uma das muitas
variações para o dia do Senhor (2002, p.91). Bacchiocchi explica da seguinte
maneira:
João menciona duas vezes novamente o dia do juízo e da vinda de
Cristo, e em cada caso, ele emprega uma expressão de certo modo
diferente: "o grande dia de Deus - th/j h`me,raj th/j mega,lhj tou/ qeou/
(16:14) e "o grande dia da ira - h` h`me,ra h` mega,lh th/j ovrgh/j (6:17). Estas
variações na designação do dia da vinda de Cristo indicam que o evento era
de tão grande importância que podia ser designado em uma grande
variedade de modos sem o risco de ser mal interpretado. No Novo
Testamento, de fato, o dia da vinda de Cristo, que é considerado como a
base e a consumação da fé, esperança e vida cristã, é descrito por uma
vasta variedade de expressões tais como: "o dia do juízo” (I Jo 4:17), "o dia”
(Mt. 25:13) , "aquele dia” (Mt. 24:36), "o último dia” (Jo 6:39-40) "grande e
notável dia” (Atos 2:20), "o dia da ira e da revelação” (Ap. 6:17), "o dia de
nosso Senhor Jesus Cristo", "o dia de Cristo” (II Ts. 2:2), "o dia do Senhor”
(I Tess. 5:2), "o grande dia” (Apoc. 6:17) e "o grande dia de Deus” (Apoc.
6:17) . O próprio Cristo chama ao dia de Sua vinda "Seu dia" - h`me,ra| auvtou/
(Luc. 17:24). O fato de que tão ampla diversidade de expressões seja usada
para dar nome ao dia da vinda de Cristo, e o fato de que o próprio João
refere-se a ele com diferentes designações, torna totalmente plausível que
"o dia do Senhor" seja simplesmente uma das muitas designações para o
mesmo evento. (BACCHIOCCHI,1977, p. 127,128).

Apesar da grande variedade de expressões utilizadas para se referir ao dia do


Senhor, a utilização de um adjetivo que poderia ser traduzido literalmente como
“senhorial” reduz a ênfase da expressão “do Senhor” (BULLINGER, 1984, p.12). Por
exemplo: “carta de Paulo” é uma carta escrita por Paulo, o “valor” dela está no seu
autor, enquanto que em uma “carta paulina” seu “valor” está no seu estilo, ou seja,
nela mesma independentemente de quem seja o autor. Literalmente a expressão
usada pelos profetas do Antigo Testamento h`me,ra tou/ kuri,ou é dia do Senhor,
enquanto que a expressão de Ap.1:10 kuriakh/| h`me,ra| deve ser traduzida
literalmente como dia senhorial, ou seja, a ênfase é no dia e não no evento que ele
representa. É o dia do Senhor, pertencente ao Senhor, mas não o grande dia do
Senhor.

O modo natural de qualificar um substantivo é utilizar um adjetivo,


como aqui, do Senhor, e quando isto é feito, a ênfase toma seu curso
natural, e é assim colocada no substantivo deste modo qualificado ("dia").
26

Porém, quando se requer que a ênfase seja colocada na palavra "Senhor",


então, em vez do adjetivo, o substantivo seria usado no caso genitivo "do
Senhor". No primeiro caso (como em Apoc. 1:10), seria o "DIA do Senhor".
No último caso, seria "o dia do SENHOR". (BULLINGER, 1984, p.12).

2.8 A PREPOSIÇÃO EN

Fonseca afirma que a preposição evn (“em”) mais o artigo podem ser traduzidos
como “ao”.
Pelo menos em um dos usos da preposição en com o artigo th/|, a
contração em português deu ao. Lucas 1:59, na edição Revista e Corrigida
de Almeida, declara: E aconteceu que, ao oitavo dia, vieram circuncidar o
menino. Em grego temos: Kai. evge,neto evn th/| h`me,ra| th/| ovgdo,h|, isto é, “ao
dia oitavo vieram...” Fazem também este uso de ao, Atos 10:40 e Marcos
1:16.
Assim, onde lemos, em lugar de darmos a tradução “no dia do
Senhor”, podemos perfeitamente dizer “ao dia do Senhor”. Nesse caso,
João teria sido levado em espírito não no, mas ao, o que faz grande
diferença. (FONSECA, 1992, p. 24-25).

Serão analisados a seguir os versos apresentados como prova dessa


afirmação de Fonseca. Primeiramente Lucas 1:59, que diz: “E aconteceu que, ao
oitavo dia, vieram circuncidar o menino e lhe chamavam Zacarias, o nome de seu
pai.” Dificilmente o verso estaria falando a respeito de um transporte no tempo, que
eles estivessem em outro dia, talvez o primeiro, ou o terceiro e então tivessem sido
levados ao oitavo dia. A preposição evn que tem como sua tradução natural “em”
quando acrescida do artigo masculino singular, deve ser traduzida preferencialmente
como “no” e não como “ao”. O “ao” aqui tem o sentido de “no”, eles estavam no
oitavo dia e nesse dia foram circuncidar o menino. É tão simples que a edição
Revista e Atualizada de Almeida (mais recente que a corrigida) traduz da seguinte
maneira: “Sucedeu que, no oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe
o nome de seu pai, Zacarias.” Em Atos 10:40, a situação é a mesma e a edição
Revista e Atualizada de Almeida traduz também como “no”.
Em Marcos 1:16, é a expressão para. th.n qa,lassan (“junto ao mar”) que é o
lugar onde Jesus estava, não para onde havia sido levado. Além disso, como se
pode ver, sequer aparece a preposição evn. Ademais, a expressão não está no dativo
e sim no acusativo. É uma situação completamente diferente.
Fonseca ainda afirma o seguinte:
Além disso, o artigo feminino singular th/| está no caso DATIVO, em
27

Apocalipse 1:10, que em português é o caso do objeto indireto. Ora,


estando no caso dativo, a contração de en th/| necessariamente tem que ser
ao, dando, portanto, “ao dia do Senhor” e não “no dia do Senhor”.
(FONSECA, 1992, p. 25)

O interessante dessa afirmação é que a preposição evn rege o dativo, ou seja,


não é um caso especial, se espera que após a preposição evn venha uma palavra no
dativo, e, como já foi dito, sua tradução natural é “em.” Se João tivesse o desejo de
dizer “ao”, ele teria usado a preposição eivj que significa “para” ou “a”, como ele usa
em Apocalipse 12:6: e;fugen eivj th.n e;rhmon, que é traduzido como “fugiu para o
deserto”, ou ainda a expressão que aparece em Apocalipse 5:6, 6:13, 8:5, 14:19, eivj
th.n gh/n, que significa “para a terra.” É óbvio que, se João quisesse dizer “ao dia do
Senhor” ou “para o dia do Senhor”, ele teria usado eivj th.n kuriakh.n h`me,ran e não
evn th/| kuriakh/| h`me,ra|. Pode-se ver que não é por falta de saber usar eivj que João
não usa essa preposição no verso 10, pois no verso 11 ele usa nada menos do que
oito vezes essa preposição. Logo, João escreveu exatamente o que queria dizer: “no
dia do Senhor”.

2.9 O VERBO GINOMAI

O verbo gi,nomai, que aparece no verso 10, pode também ajudar a entender o
sentido do dia do Senhor.

Isto (dia escatológico) é sugerido também pelo emprego do verbo


"evgeno,mhn". Sua tradução em inglês (Revised Standard Version) "Eu fui"
não alcança completamente o significado do verbo grego, o qual, embora
susceptível de uma variedade de modificações de significado, expressa, na
maior parte, a idéia de geração, transição ou mudança de estado. Em
Apocalipse 8:8, por exemplo, o mesmo verbo é traduzido por "tornou-se"
(um terço do mar tornou-se em sangue). Nosso texto pode ser literalmente
traduzido "Eu vim a estar no (ou pelo) Espírito no dia do Senhor". Como o
verbo denota a condição extática na qual o Vidente foi levado pelo Espírito,
podemos esperar que "o dia do Senhor" represente não o tempo mas o
conteúdo do que ele viu. Um paralelo de certo modo similar pode ser visto
na experiência extática de Paulo. Ele relata: "Caí (gene,sqai) em um transe e
O vi (isto é, o Senhor)" (Atos 22:17; cf. II Cor. 12:3). O verbo usado é
idêntico, e o resultado imediato da visão foi, para Paulo, a contemplação do
Senhor, enquanto que, para João, foi a do dia do Senhor. (BACCHIOCCHI,
1977, p.129).

O verbo gi,nomai é o verbo de ligação “ser” ou “estar” e, como o principal


verbo de ligação no grego (o verbo eivmi,) não é conjugado no aoristo, o verbo
28

gi,nomai o substitui nesse tempo verbal. Esse mesmo verbo é utilizado mais duas
vezes nesse capítulo. A primeira é em Apocalipse 1:9 evgeno,mhn evn th/| nh,sw| th/|
kaloume,nh| Pa,tmw| que é traduzido assim: “estava na ilha chamada Patmos”. João
não foi levado pelo Espírito para Patmos, ele já estava lá, assim como já estava no
dia do Senhor. A segunda é Apocalipse 1:18 kai. o` zw/n( kai. evgeno,mhn nekro.j kai.
ivdou. zw/n eivmi que é traduzido como: “e o que vive; fui morto, mas eis aqui estou
vivo”. O uso do verbo no contexto imediato não deixa dúvidas que é um verbo de
ligação e não um verbo de movimento.
Além disso, se João quisesse se referir a um transporte na visão, teria usado
o verbo avpofe,rw como fez em Ap 17:3: kai. avph,negke,n me eivj e;rhmon evn
pneu,mati, “Transportou-me o anjo em espírito ao deserto” e em Ap 21:10: kai.
avph,negke,n me evn pneu,mati evpi. o;roj me,ga kai. u`yhlo,n, “e me transportou, em
espírito, até a uma grande e elevada montanha.” Pode-se concluir que João quis
usar o verbo de ligação para descrever um estado de João, o momento de João e
não uma ação sofrida por João.

2.10 O APOCALIPSE E O SANTUÁRIO

Segundo Maxwell (2002, p.166), “o santuário celestial (Ap. 11:19; 14:7; 15:5)
é um dos grandes ensinamentos do Apocalipse”. Paulien (1987, p. 223) diz que,
todo o livro do Apocalipse é colocado num cenário baseado no tabernáculo do VT ou
no Templo. Iniciando cada seção do livro está uma cena do santuário. Davidson vai
mais longe, e diz que, “a estrutura geral do livro do Apocalipse pode ser vista a
seguir a história da salvação, tal como foram estabelecidas as festas tipológicas no
AT” (1992, v. 1, p. 121).
A palavra nao,j aparece 16 vezes no livro do Apocalipse, sendo traduzida
como santuário. A primeira referência ao santuário é indireta e está no capítulo 1 de
Apocalipse (v.12, 13 e 20 e no cap. 2:1). É a referência aos candeeiros ou castiçais
(Ex. 25:31-40) que ficavam no tabernáculo, fora do véu (Ex. 40:22-25), ou seja, no
lugar santo do templo. Como se pode ver, a visão das sete igrejas abre com uma
cena no santuário. Já em Ap 3:12, há uma promessa para o vencedor: Cristo o fará
coluna do santuário.
No capítulo 4, há uma outra citação indireta, pois João vê o trono de Deus (v.
29

2) que está no santuário de Deus (Ap. 7:15; 16:17). Logo, a visão da entronização
(cap. 4) acontece no santuário. No capítulo 5, a visão do livro selado ocorre também
diante do trono (v. 1). Na visão dos selos, João vê o Cordeiro (v. 1) como tendo sido
morto (5:6, 8-9). Trata-se de uma clara referência ao sacrifício do cordeiro que
acontecia todos os dias no santuário terrestre e ao seu antítipo, a morte de Cristo na
cruz. Além disso, o Cordeiro é quem abre os selos (v. 1, 3, 5, 7, 9, 12, 8:1).
Na visão dos 144.000, esses são achados diante do trono de Deus e o
servem em seu santuário (v.15). No início da visão das sete trombetas, João vê o
anjo diante do altar de incenso (8:3-5) e também, na sexta trombeta, ele ouve uma
voz procedente dos quatro ângulos do altar (9:13). O capítulo 11 se inicia com a
medição do santuário (v.1) e finaliza com o santuário aberto (v.19), acontecendo aí o
dia do juízo (16:17,18). “Ao vislumbrar o julgamento final da Terra, João contemplou
o trono de Deus no lugar santíssimo, exatamente como o via o sumo sacerdote no
dia anual da expiação/julgamento, aqui no modelo terrestre do santuário”.
(MAXWELL, 2002, p. 168). Após os flagelos, as visões não são mais iniciadas com
cenas do santuário, pois segundo Maxwell (2002, p.169), “quando se cumprirem
essas divisões (do livro) os serviços do santuário terão cessado”. E nem o santuário
será mais visto, pois o Santuário na Nova Terra será o Senhor, Deus e o Cordeiro
(Ap 21:22).
Ainda se pode dizer que o dia do juízo ou dia da expiação que apontava
tipologicamente para o dia do Senhor, acontecia especialmente no santíssimo (Lv
16) e, como vemos no capítulo 1 de Apocalipse, a visão tem como cenário a Terra,
mas se fosse um dos compartimentos seria o santo, pois o utensílio que é
apresentado é o castiçal de sete velas (Ex. 40:22-25). Passagens mais adiante vão
falar do altar de incenso (Ap 6:9, 8:3,5, 9:13,11:1,14:18; 16:7). A arca só é vista em
Ap.11:19, no final do texto da sétima trombeta, na hora do juízo (v. 18), e é vista
porque ela se encontrava no santíssimo onde ocorria o dia da expiação, ou seja, o
dia escatológico aparece no livro de Apocalipse mas no momento certo e no local
certo.
30

2.11 CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

Após este breve estudo, pode-se ver que o profeta não precisa se deslocar
para o tempo ou o local os quais a visão mostra. Também foi visto que a expressão
kuriakh. h`me,ra está ligada apenas à primeira visão e não ao livro todo e que o
paralelismo entre o capítulo 1 e o 4 se restringe à introdução das visões pois os
temas, os locais e as ocasiões em que se dão as visões são diferentes. Além disso,
a variação da expressão h`me,ra tou/ kuri,ou para a expressão kuriakh. h`me,ra não
precisa ser entendida como uma referência ao dia escatológico.
A análise gramatical tornou possível uma melhor compreensão da expressão
kuriakh. h`me,ra como um estado ou momento de João, ou melhor o dia da visão. O
estudo da relação entre o livro do Apocalipse e o santuário demonstrou que a
expressão não se refere ao dia escatológico ou dia da expiação.
O próximo passo será tentar compreender o significado da expressão
kuriako,j em Apocalipse 1:10 e identificar que dia representa a expressão kuriakh.
h`me,ra. Esse dia pode ser o dia do imperador, o domingo ou o sábado. A próxima
interpretação a ser analisada é a que defende a idéia do “dia do imperador”.
31

3. O DIA IMPERIAL OU DIA DO IMPERADOR

Alguns afirmam que kuriakh. h`me,ra poderia se referir a um dia dedicado ao


imperador (DEISSMANN, 1995, p. 353). A partir de agora será investigada essa
possibilidade, principalmente com recurso à evidência arqueológica.

3.1 A EVIDÊNCIA ARQUEOLÓGICA

As recentes descobertas arqueológicas sugerem outra interpretação para a


expressão kuriakh. h`me,ra: o dia do imperador. Foram encontrados, no Egito e na
Ásia Menor, inscrições e papiros que atestam que os reis e imperadores eram
chamados de ku,rioj “senhor” no período de domínio romano. Foi encontrada uma
inscrição de um alto oficial egípcio, na porta do templo de Ísis, que chama Ptolomeu
XIII de “o senhor rei-deus”, datada de 12 de maio de 62 a.C. (DEISSMANN, 1995, p.
352). Existem ainda 27 óstracas datadas “depois de Nero, o senhor”, entre elas uma
de 4 de agosto de 63 d.C. (WILCKEN apud DEISSMANN, 1995, p. 353- 354). Há
documentos em papiros que chamam Nero de “senhor”, um bom exemplo sendo a
carta de Harmiysis, de 24 de julho de 66 d.C. (DEISSMANN, 1995, p. 354).
Além da refêrencia específica ao imperador como ku,rioj, podem ser vistos,
ainda, exemplos do adjetivo kuriako,j, como: o`` kuriako.j fi,skoj “finança imperial”,
encontrado em Afrodísias (Corpus Inscriptionum Graecarum 2827). Outros
exemplos são kuriakoi. yh/foi, “decretos imperiais” e kuriako.j lo,goj, “palavra
imperial”, encontrados no Egito (OGI 669.13,18) e datados do século I d.C., bem
como kuriako.n crh/ma, “dinheiro imperial” (POxy. 474.41), datado do séc. II d.C.
E, por último, to. kuriako.n dw/ma, “eirado imperial” (edito de Maximino, mencionado
por Eusébio em História eclesiástica 9:10).
Há também papiros e inscrições do período imperial da história romana, que
empregam a palavra kuriako,j (o masculino de kuriakh,) para referir-se à tesouraria
e ao serviço imperial (DEISSMANN, 1995, p. 353). Isso é simples de se entender,
pois ku,rioj, "senhor", era um dos títulos do imperador romano, como conseqüência,
sua tesouraria e serviço eram a "tesouraria do senhor" e "o serviço do senhor".
Logo, kuriako,j era uma palavra normalmente usada pelos romanos e pelos povos
que faziam parte do império romano para as coisas pertencentes ao imperador.
32

Uma dessas inscrições é de 6 de julho de 68 d. C., e contém um edito do


governador do Egito, Tibério Júlio Alexandre. Nesse edito, kuriako,j aparece na
linha 13 para finanças imperiais e na linha 18 para tesouro imperial (DEISSMANN,
1995, p. 358). Percebe-se, assim, que esse uso de kuriako,j era comum no período
em que foi escrito o livro do Apocalipse. Nesse mesmo edito, aparece uma
referência a um dia com o nome da imperatriz Júlia (NICHOL, 1954, v. 7, p. 736).
Em outras inscrições gregas, o termo Sebasth,, o grego equivalente a
Augustus, aparece freqüentemente como o nome de um dia (DEISSMANN, 1995, p.
359). Há três passagens onde a expressão Sebasth. h`me,ra é mencionada. As
inscrições se referem a pagamentos financeiros de natureza religiosa. Cada um
tinha que fazer pagamentos de dívida no Sebasth. h`me,ra. Pagamentos financeiros
de dívida no Sebasth. h`me,ra são vistos na inscrição de Iasus. Além disso, todas as
óstracas que mencionam o Sebasth. h`me,ra são recibos de dinheiro (DEISSMANN,
1995, p. 361).
O dia do imperador Sebasth. h`me,ra “era o dia no qual o aniversário ou
ascensão ao trono era celebrado todo mês” OGI 658 Egito (séc. I a.C.) e POxy
288.32 (séc. I d.C.). Pode-se ver que havia um dia dedicado ao imperador e,
naturalmente, esse dia poderia ser chamado de dia do senhor, termo usado para se
referir ao imperador, demonstrando, dessa forma, a possibilidade de se interpretar a
expressão kuriakh. h`me,ra como dia do imperador.
Porém, isso parece pouco provável. “Porque embora houvesse dias imperiais
e o termo kuriako,j fosse usado para outras coisas relativas ao imperador, ainda
não se encontrou nenhum caso em que kuriako,j se aplicasse a um dia imperial.
Isto, por si só, não é uma prova final, porque é um argumento apoiado no silêncio”
(NICHOL, 1954, v. 7, p. 736). Entretanto, o ônus da prova recai sobre aqueles que
afirmam que a expressão kuriakh. h`me,ra significa “dia do imperador”, pois como foi
visto, essa tese foi formulada por meio de deduções, mas sem nenhuma prova. Não
há notícia de nenhum pergaminho, óstraca ou inscrição em que apareça essa
expressão no período de João ou anterior ao mesmo.
O fato de Sebasth, e kuriako,j serem usados para se referir a coisas
relacionadas ao imperador indica que poderiam ser usadas aleatoriamente ou
alternadamente para as mesmas coisas. Por exemplo: kuriako.j fi,skoj (finança
33

imperial) e Sebasto.j fi,skoj (finança imperial). Porém, não se tem notícia de que se
tenha encontrado uma alternância do uso dos termos Sebasth, e kuriako,j para se
referir ao dia do imperador, o que indica a possibilidade de que Sebasth. h`me,ra seja
um estereótipo lingüístico.
Ademais, não muitos anos antes da destruição de Jerusalém, judeus
rebeldes no Egito, sicários da Palestina, segundo Josefo (Guerras judaicas VII,
101), recusavam chamar César de Senhor, porque eles defendiam que Deus era o
único Senhor, e davam seus corpos para serem queimados, homens e garotos
(DEISSMANN, 1995, p. 355). Anos depois,

Kai. u`ph,nta auvtw/| o` eivrh,narcoj ~Hrw,dhj kai. o` path.r auvtou/


Nikh,thj( oi] kai. metaqe,ntej auvto.n evpi. th.n karou/can e;peiqon
parakaqezo,menoi kai. le,gontej\ Ti, ga.r kako,n evstin eivpei/n\ Ku,rioj
kai/sar( kai. evpiqu/sai kai. ta. tou,toij avko,louqa kai. diasw,zesqaiÈ o` de.
ta. me.n prw/ta ouvk avpekri,nato auvtoi/j( evpimeno,ntwn de. auvtw/n e;fh\ Ouv
me,llw poiei/n( o] sumbouleu,ete, moiÅ oi` de. avpotuco,ntej tou/ pei/sai
auvto.n deina. r`h,mata e;legon auvtw/| kai. meta. spoudh/j kaqh,|roun auvto,n(
w`j katio,nota avpo. th/j karou,caj avposu/rai to. avntiknh,mionÅ kai. mh.
evpitrafei,j( w`j ouvde.n peponqw.j proqu,mwj meta. spoudh/j evporeu,eto(
avgo,menoj eivj to. sta,dion( qoru,bou thlikou,tou o;ntoj evn tw/| stadi,w| w`j
mhde. avkousqh/nai, tina du,nasqaiÅ

Herodes, o procurador, e seu pai Nicetas foram até ele. Fizeram-no


subir ao seu carro e, sentando-se ao seu lado, procuravam persuadi-lo,
dizendo: “Que mal há em dizer que César é Senhor, oferecer sacrifícios e
fazer tudo o mais para salvar-se?” De início, ele nada respondeu. Como
insistissem, ele falou: “Não farei o que vós estais me aconselhando.” Não
conseguindo persuadi-lo, lançaram-lhe todo tipo de injúrias, e o fizeram
descer do carro tão apressadamente que ele se feriu na parte da frente da
perna. Sem se voltar, como se nada houvesse acontecido, ele caminhou
alegremente em direção ao estádio. Aí o tumulto era tão grande que
ninguém conseguia escutar ninguém. (Martírio de Policarpo, 8:2,3).

Em Didaquê 4:1 é afirmado que onde se proclama o senhorio aí está


presente o Senhor, ou seja, só Deus era Senhor para os cristãos dos dois primeiros
séculos.
Te,knon mou tou/ lalou/nto,j soi to.n lo,gon tou/ qeou/ mnhsqh,sh|
nukto.j kai. h`me,raj timh,seij de. auvto.n w`j ku,rion\ o[qen ga.r h`
kurio,thj lalei/tai evkei/ ku,rio,j evstinÅ

Meu filho, lembra-te dia e noite daquele que te anuncia a palavra de


Deus e o honrarás como ao Senhor, pois onde se proclama o senhorio aí
está o Senhor presente.

Como se pode ver por esses exemplos, tanto os judeus do século I, como os
34

cristãos, pelo menos no século II, se negaram a chamar César de ku,rioj, "senhor".
Assim sendo, João, judeu de nascimento e cristão pelo chamado de Cristo,
dificilmente chamaria César de ku,rioj, "senhor".
Há ainda o fato de que, na única passagem no NT que se refere a algo
pertencente ao imperador, o termo utilizado é Sebasth,: Atos 27:1. A passagem se
refere à coorte imperial e usa a expressão spei,rhj Sebasth/jÅ Por ser uma única
ocorrência, não se pode afirmar categoricamente que o termo usado na Bíblia para
coisas do imperador seja Sebasth, e não kuriako,j. No entanto, a palavra kuriako,j
aparece uma única vez, além de Ap.1:10, em 1Co 11:20, kuriako.n dei/pnon, a ceia
do Senhor, que é uma clara referência a Cristo.
Além da análise da evidência arqueológica, a investigação do contexto
histórico em que foi escrito o Apocalipse, também é crucial para compreender se
João, ao usar a expressão kuriakh. h`me,ra, possivelmente estava se referindo a um
dia dedicado ao imperador ou não.

3.2 O CONTEXTO HISTÓRICO DO APOCALIPSE

Apesar de alguns estudiosos modernos terem pensamentos diferentes em


relação à época da redação do livro do Apocalipse, Nero (54-68 d.C.), Vespasiano
(69-79 d.C.) e Domiciano (81-96 d.C.), os testemunhos dos primeiros cristãos
apóiam o período do reinado de Domiciano. Irineu, que afirma ter tido contato com
João através de Policarpo, diz a respeito do Apocalipse que não aconteceu há muito
tempo, mas em seus próprios dias, para fins do reinado de Domiciano (Contra
heresias V. 30). Victorino (303 d.C.) diz que, quando João disse essas coisas,
estava na ilha de Patmos por ordem do César Domiciano (Comentário sobre o
Apocalipse 10:11). Eusébio, em História eclesiástica III, 18, diz que João foi
enviado a Patmos por Domiciano, no décimo quinto ano de seu reinado. No capítulo
20 do mesmo livro, Eusébio afirma que, quando os que haviam sido expulsos
injustamente por Domiciano foram libertos por Nerva, João foi para Éfeso, de acordo
com uma antiga tradição da igreja.
Durante o reinado de Domiciano, a questão da adoração ao imperador
chegou a ser pela primeira vez decisiva para os cristãos, especialmente na província
romana da Ásia, região à qual se dirigiram, em primeiro lugar, as cartas às sete
35

Igrejas. Calígula (37-41 d.C.) já havia promovido sua própria adoração. Perseguiu
os judeus porque se opunham a adorá-lo e, sem dúvida, também teria perseguido os
cristãos se esses fossem relevantes em seus dias. Antes dele, outros imperadores
também. Luciano Sofista escreveu em Macrobii 21: Kai,saroj sebastou/ qeou/
(César Augusto deus). No Egito em 12 a.C., o imperador César Augusto foi
chamado qeo,j kai. kurio,j, “Deus e Senhor” (BGU,1197, I, 15). Em Éfeso, no século
I, foi escrito: sebastoi. qeoi,, “imperadores deuses” (Inscrição IG 7.2233).
Domiciano (81-96 d.C.) foi o próximo imperador a dar importância a sua
própria adoração. Domiciano procurou, com todo empenho, que sua pretendida
deificação se arraigasse na mente do povo, e impôs sua adoração a seus súditos. O
historiador Suetônio registra que ele publicou uma carta circular em nome de seus
procuradores, que começava com estas palavras: dominus et deus noster, “nosso
Senhor e nosso Deus” (Suetônio, De vita Caesarum, 42).
Essa perseguição, que os cristãos sofriam porque negavam adoração ao
imperador, sem dúvida constitui a razão principal do exílio de João em Patmos, Ap.
1:9 (Eusébio, História eclesiástica III, 18). Sendo assim, é pouco provável que
João tenha se referido a um dia dedicado ao imperador como o “dia do Senhor.”

3.3 O TIPO DE DOCUMENTO QUE PODERIA SER UMA PROVA PARA DIA DO
IMPERADOR EM AP. 1:10.

Existem documentos, com foi visto anteriormente, que fazem deduzir que este
poderia ser um termo que fosse empregado para se referir ao imperador, porém são
documentos escritos por pagãos que achavam natural a adoração ao imperador.
Para que pudesse se cogitar esta hipótese através de documentos era preciso que
se encontrasse um documento escrito por um cristão ou um judeu que estivesse
sendo perseguido pelo imperador e citasse o dia do imperador. É claro que esse
também é um argumento baseado no silêncio.
O dia do imperador como um dia de coleta não deveria ser um dia que trazia
alegria para um povo oprimido. Ademais, era um dia de homenagem ao mentor da
perseguição aos cristãos. Mesmo o Apocalipse não tendo sido escrito diretamente
para os judeus, o escritor era um israelita e um cristão. Por isso, é importante
diferenciar o pensamento de João dos súditos do imperador. Possivelmente João
36

não chamaria o imperador de senhor, nem para se referir a um dia. Para evitar esse
constrangimento citaria o dia do mês. E evitaria que alguém da igreja entendesse
isso como uma fraqueza. Além disso, o Apocalipse foi escrito para fortalecer a fé
daqueles que sofriam a perseguição e não para colocar dúvidas na mente dos
membros.

3.4 O SENHOR DE JOÃO

“A palavra ku,rioj aparece mais de 9000 vezes na LXX. Emprega-se para

traduzir !Ada' e como tal, refere-se 190 vezes aos homens. Emprega-se apenas 15

vezes para Baal” (COENEN; BROWN, 2007, p. 2317). Porém, segundo Coenen e
Brown (2007, p. 2317), na maioria das vezes (cerca de 6156), ku,rioj é a tradução

para o tetragrama hw"hy> que era o nome de Deus. No NT, aparece principalmente
nos escritos de Paulo (275), mas também aparece nos demais. Ainda, segundo
Coenen e Brown (2007, p. 2319), pode ter um significado secular como “dono” (Mc.
12:9; Lc 19:33), “empregador” (Lc. 16:3, 5), entre outros. Mas seu principal uso é
para representar a Deus.
Podem ser vistas, no NT, expressões como: cei.r kuri,ou, a mão do Senhor
(Lc. 1:66; At 21:11), a;ggeloj kuri,ou, anjo do Senhor (Mt. 1:20; 2:13; 28:2), ovno,mati
kuri,ou, nome do Senhor (Tg 5:10, 14) (COENEN; BROWN, 2007, p. 2319). A
palavra ku,rioj aparece 22 vezes no livro de Apocalipse e, em 21 vezes, se refere a
Jesus Cristo ou a Deus, o Pai. Na outra, se refere a um ancião, possivelmente um
anjo (Ap. 7:14). Algumas das passagens em que aparece ku,rioj no Apocalipse,
parecem ser uma comparação ao imperador. Nessas passagens (Ap. 1:8; 4:8;
11:17;16:7; 19:6; 21:22) aparece a expressão ku,rioj o` qeo.j o` pantokra,twr,
Senhor Deus Todo Poderoso, ou seja, aquele que tem o poder em comparação com
o imperador que era quem aparentemente tinha o poder. O título o` ku,rioj kai. o`
qeo.j h`mw/n, Senhor e Deus nosso (Ap 4:11), parece ser uma resposta ao título de
Domiciano: dominus et deus noster “Nosso Senhor e nosso Deus” (Suetônio, De vita
Caesarum, 42).
O imperador romano era o “senhor da terra” para seus súditos, mas em
Apocalipse 11:4 o título dado a Deus é tou/ kuri,ou th/j gh/j, Senhor da Terra.
37

Ku,rioj também aparece relacionado diretamente com Jesus em Ap. 11:8; 11:15;
17:14; 22:20, 21. Por outro lado, ku,rioj é tradução da septuaginta para !Ada' (I Sm.

25:25; Gn 23:11), que tem como tradução no português: senhor, chefe, dono,
patrão. É usado no NT num contraste com a palavra “escravo” (Mt 10:24,25; Ef 6:5,
9), mas apesar desses usos, no livro do Apocalipse não aparece em nenhuma
dessas funções (Ap. 6:15; 13:16; 19:18). Pode-se concluir que essa era uma palavra
usada por João, no livro do Apocalipse, para se referir aos seres celestiais
especialmente a Divindade e nunca a um ser humano, especialmente a um
imperador que se julgava divino. Além disso, como já foi dito, sabe-se que ku,rioj

tinha como seu principal uso a tradução do tetragrama hw"hy> que era o nome de
Deus. Portanto, João, como judeu e cristão, não usaria ku,rioj e nem seu derivado
kuriako,j para se referir a nenhum outro que não fosse seu Deus.

3.5 O PORQUÊ DO USO DE KURIAKOS

O porquê do uso de kuriako,j é a grande questão, pois se João tivesse usado


h`me,ra tou/ kuri,ou, saberíamos que o significado era dia escatológico. Se, por outro
lado, tivesse usado Sebasth. h`me,ra, saberíamos que o significado era dia do
imperador. Assim como, se tivesse utilizado sa,bbaton, saberíamos que o significado
era o dia de sábado e, por fim, se tivesse usado mia/| tw/n sabba,twn, não teríamos
dúvida de que estava se referindo ao domingo.
Kuriakh. h`me,ra poderia ser considerado um estereótipo lingüístico, como a
palavra domingo. Apesar de a palavra domingo significar dia do Senhor,
normalmente nenhum judeu ou adventista se nega a chamá-lo assim ou o chama de
primeiro dia da semana. Porém, a palavra domingo tem seu significado vindo de
uma língua que não é a corrente (latim). Ademais, provavelmente poucos judeus ou
adventistas sabem o significado da palavra, e os que sabem dificilmente lembram
esse significado quando falam a palavra domingo. Entretanto, com os batistas
americanos é diferente, pois o nome dado ao domingo é “dia do sol” em inglês, na
sua língua materna. Mas, o costume com a palavra Sunday faz com que não
questionem esse nome vindo do paganismo para o domingo. Pode-se dizer que
tanto domingo como Sunday são estereótipos lingüísticos, pois o que caracteriza o
38

estereótipo lingüístico é seu uso e aceitação abundantes, sem referência a seu


significado explícito. O termo kuriakh, se torna eventualmente um estereótipo
lingüístico, sendo hoje a palavra usada pelos habitantes da Grécia para dar nome ao
domingo em sua língua. No entanto, não parece que já fosse na época de João.
Então por que será que João utilizou a expressão kuriakh. h`me,ra em
Apocalipse 1:10? Será estudado a seguir o contexto joanino para ajudar a resolver
essa questão.

3.5.1 O contexto joanino

Pode-se ver, pelos escritos de João, que ele gostava de utilizar termos que
tinham um significado pagão ou secular, retirar esse significado e colocar um
significado cristão. Há diversos exemplos disso, dos quais, três serão aqui
apresentados.
O primeiro termo que será analisado é lo,goj que aparece algumas vezes nos
escritos de João (Jo 1:1, 14; I Jo 1:1; Ap 19:13). A palavra lo,goj, teve importância a
partir de Heráclito (c. 500 a.C.), para quem o termo significava o princípio unificador
do universo (COENEN; BROWN, 2007, p. 1529, 1530). Para Crísipo, o segundo
chefe da escola da Estoa (c. 250 a.C.), é o princípio constitutivo do cosmos. Por
isso, atribui ao lo,goj considerável grau de espiritualização (COENEN; BROWN,
2007, p. 1513).
O termo lo,goj foi usado também pelos gnósticos cristãos (COENEN;
BROWN, 2007, p. 1530). Para eles, Cristo era o lo,goj) O gnosticismo foi a maior
das ameaças filosóficas ao cristianismo. Era uma síntese entre o cristianismo e a
filosofia helênica, usando a sabedoria humana para compreender a Deus e suas
relações com os homens. Para explicar a Cristo, alguns gnósticos adotaram a
doutrina conhecida como docetismo. Cristo tinha aparência de corpo material, ou
tomou um corpo emprestado entre o batismo e a cruz (CAIRNS, 2008, p. 83, 84). O
gnosticismo identificava a Cristo como “uma de muitas emanações de Deus que
povoavam os reinos celestiais, e que Ele não Se encontra no nível do Pai, o Deus
último e transcedente” (WHIDDEN; MOON; REEVE, 2003, p.150, 151). Apesar
disso, João utilizou o termo lo,goj para descrever a Cristo.
39

Possivelmente, João usou esse termo para mostrar que Cristo era o lo,goj,
mas não uma emanação de Deus, era Deus (Jo 1:1). Não veio de Deus, estava com
Deus no princípio (Jo 1:2). Não foi criado, era a Palavra Criadora de Deus (Jo 1:3, 4;
Sl 33:6; Gn 1:3). Ele não tinha uma aparência de corpo ou um corpo emprestado,
Cristo se fez carne (Jo 1:14). Assim, utilizava uma palavra que tinha um significado
heterodoxo e dava a ela um significado ortodoxo. A partir dessa aplicação de João
para lo,goj, qualquer cristão poderia chamar Cristo de lo,goj.
A segunda palavra a ser estudada é ginw,skw “conhecer”. Para os gnósticos,
a salvação, que era apenas para alma ou parte espiritual do homem, poderia
começar com a fé, mas a gnose especial que Cristo comunicou à elite seria muito
mais útil, no processo da salvação da alma (CAIRNS, 2008, p. 84). Para os
gnósticos, a escuridão espiritual enchia o mundo material, e apenas os que
possuíssem conhecimento especial poderiam ascender aos céus após a morte do
corpo físico (WHIDDEN; MOON; REEVE, 2003, p.149). Em outras palavras, o que
salvava era o conhecimento, a sabedoria.
No NT, ginw,skw aparece 221 vezes. Dessas, 82 ocorrências estão na
literatura de João. “O propósito de João é falar aos gnósticos, e, portanto, faz uso da
linguagem deles. Enfrenta o gnosticismo em seu próprio terreno, e o combate com
suas próprias armas” (COENEN; BROWN, 2007, p. 403). João, especialmente no
capítulo 2 de sua primeira carta, mostra qual é o verdadeiro conhecimento que
salva. Primeiramente, conhecendo a Deus, através da guarda de seus
mandamentos (v. 3-5), em seguida o conhecimento de Cristo, andando como Ele
andou (v. 6-8) e o conhecimento da luz, amando o próximo (v. 9-11). Essa é a
verdadeira gnose, pois, como está escrito em João 8:32: “Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará”.
A terceira palavra a ser analisada é fw/j, “luz”.

O gnosticismo via uma diferença básica e essencial entre luz e


trevas que se opunham mutuamente como potências hostis, sendo que
cada uma era suprema em sua própria esfera. O homem que por sua
própria natureza está nas trevas, precisa libertar os elementos da luz que se
acham dentro da sua própria alma, livrando-o da matéria terrrestre de tal
modo que possam se reunir de novo no mundo sobrenatural ao qual
realmente pertencem, atingindo assim a verdadeira vida. (COENEN;
BROWN, 2007, p. 1220)

João, em sua literatura, apresenta a Cristo como a Luz dos homens (Jo 1:4),
a verdadeira Luz que ilumina todo o mundo (Jo 1:9; 9:5), o pecador aborrece a Luz
40

(Jo 3:20), o que pratica a verdade se aproxima da Luz (Jo 3:21; 1Jo 1:7; 2:10). Além
disso, João usa diversas vezes a comparação entre as trevas e a Luz (Jo 1:5; 8:12;
12:35, 46; 1Jo 1:5; 2:8, 9). João afirma que a Luz não é um conjunto de elementos
que se acham dentro da própria alma, mas é um Ser, Jesus Cristo, que quer viver
com o homem para sempre.
Após esses três exemplos, pode-se ver que João, como já foi dito, utilizava
termos pagãos ou heterodoxos e os cristianizava, dando-lhes um significado mais
profundo. Conhecendo o estilo de João, a análise do contexto do capítulo 1 do
Apocalipse pode ser feita de uma forma mais precisa.

3.5.2 O contexto do capítulo 1 de Apocalipse

Para se entender o que possivelmente João queria dizer com a expressão


kuriakh. h`me,ra, que aparece no verso 10, é crucial compreender os versos
anteriores. Em Apocalipse 1:1, os cristãos são identificados como servos de Jesus
Cristo, e não do Imperador. Os cristãos não podiam esquecer que sua lealdade era
para Cristo e que importava mais obedecer a Deus do que aos homens (At 5:9).
Em Apocalipse 1:5, Jesus é identificado como “a Fiel Testemunha, o
Primogênito dos mortos, o Soberano dos reis da terra”. Esse título tríplice aponta
primeiramente para o exemplo que Cristo deixou, sendo fiel mesmo em meio ao
sofrimento. Apontava ainda para a cruz. Os cristãos deveriam ser fiéis naquele
momento de perseguição. Cristo também era o primogênito dos mortos, morreu, mas
ressucitou e pode dar a vida a todos que forem fiéis e morrerem na perseguição.
Assim, esse título aponta para a ressureição de Cristo. O terceiro título mostra que
Cristo é o verdadeiro Imperador da Terra, estando acima do imperador, Domiciano,
que perseguia os cristãos, e de todos os outros reis da Terra. Esse título aponta
para a autoridade de Cristo. Os cristãos serviam a quem tinha de fato o poder. Jesus
os amava e, pelo sangue, os tinha libertado de seus pecados, a verdadeira
libertação.
Apocalipse 1:6 afirma que “os constituiu reinos e sacerdotes para Deus e Pai”.
Os cristãos não são parte de um reino, eles são o reino. Além disso, são sacerdotes,
não dependem de outros seres humanos para chegar até Deus. Nesse verso,
também é dito que “a glória e o domínio dele são pelos séculos dos séculos”.
Mostra, assim, que o domínio de Cristo é para sempre, diferentemente dos
41

imperadores romanos que governavam por poucos anos, especialmente Domiciano


que logo morreria e deixaria de reinar e do Império Romano que dali a menos de
400 anos acabaria. Os cristãos serviam o Imperador Eterno (Dn. 2:44; 7: 27).
Em Apocalipse 1:8, Jesus (ou Deus, o Pai) é apresentado como o Alfa e o
Ômega, ku,rioj o` qeo,j( “o Senhor Deus”, o verdadeiro Senhor e o verdadeiro Deus
dos cristãos é Jesus não Domiciano. Jesus (ou Deus, o Pai) também é chamado o`
pantokra,twr “o Todo Poderoso”. João, no seu evangelho (cap. 8: 58), o apresenta
como o grande EU SOU. Aqui há uma mensagem para os cristãos que estavam
temendo a perseguição: confiem, pois Jesus é o Todo Poderoso e o poder de
Domiciano é limitado e passageiro.
Em Apocalipse 1:9 João se mostra companheiro na tribulação e mostra que
estava na ilha de Patmos por causa da Palavra de Deus, perseguido por não adorar
o imperador. Demonstrava que, mesmo com idade avançada, ainda era fiel ao seu
Senhor (Jo 4:1, 11; 9:38; 11:27; 13:25; 20:20, 28; 21:7, 12, 20). Títulos que poderiam
ser utilizados por Domiciano são atribuídos a Cristo. Entre os títulos estão: Soberano
dos reis da Terra, Senhor Deus e Todo Poderoso. Assim como João retirou o
significado gnóstico de lo,goj, ginw,skw e fw/j, e deu-lhes significados cristãos,
especialmente para os helenistas, João retira de ku,rioj o significado secular de
“imperador” e dá a ele o significado que já possui na LXX, “Deus”.
O verso 10 fala sobre o dia do Senhor. João, dessa forma, afirma que serve o
verdadeiro Imperador do Universo que está acima de Domiciano e que o conforta
em seu exílio. Esse Imperador do Universo está atento ao sofrimento dos cristãos e
também pode ajudá-los mesmo que estes venham a morrer por causa do evangelho.
Ele também se mostra fiel a Deus, mesmo naquela terrível ilha. Ele ainda continua
guardando o dia do Senhor e, através desse testemunho, fortifica a Igreja de Cristo.
João, possivelmente, usou kuriakh. h`me,ra para fazer esse jogo de palavras
entre o imperador romano e o Imperador Divino. O dia do imperador lembrava a
opressão, mas o dia do verdadeiro Imperador era uma lembrança da libertação (Ex.
20:1, 2). Conclui-se, então, que kuriakh. h`me,ra era o dia do Senhor de João, do
Deus de João. A seguir, será analisada, primeiramente, a hipótese, mais aceita entre
os teólogos, de que João se referia ao domingo. Posteriormente, a hipótese de que
ele se referia ao sábado.
42

4. O DOMINGO

A próxima interpretação de kuriakh. h`me,ra a ser estudada é a que propõe


que significava domingo, o primeiro dia da semana, justificando a guarda do
domingo com base em Apocalipse 1:10. Essa interpretação está baseada
principalmente nos pais da Igreja, conforme será visto a seguir.

4.1 OS PAIS DA IGREJA

Embora a expressão kuriakh. h`me,ra apareça uma única vez nas Escrituras,
aparece várias vezes no grego pós-bíblico. Como forma abreviada, kuriakh, é um
termo comum nos escritos dos pais da igreja para designar o primeiro dia da
semana, e no grego moderno kuriakh, é o nome do domingo. Seu equivalente latino
Dominica dies designa o mesmo dia, e passou a vários idiomas modernos como
domingo, e em francês como dimanche. Portanto, para a maioria dos teólogos
cristãos, a resposta a essa questão é simples: trata-se do domingo, o qual
relacionam com a ressurreição de Cristo.
Walvoord e Zuck (1985, p. 930) defendem a idéia de que a expressão
kuriakh. h`me,ra se refere ao primeiro dia da semana. Henry (2003, p. 1041) afirma
que a expressão kuriakh. h`me,ra se refere ao primeiro dia da semana que foi
observado pelos cristãos em homenagem à ressurreição de Jesus. Jamieson,
Fausset e Brown (2002, p. 765) afirmam que a expressão kuriakh. h`me,ra significa
domingo, a comemoração semanal da ressurreição e, para confirmar, citam alguns
pais da igreja como Justino Mártir e Tertuliano, que assim a interpretam. Pettingill,
por sua vez, diz que, o primeiro dia da semana é sem dúvida o dia do Senhor
referido em Ap 1.10 (1974, p. 177).
Sendo assim, muitos eruditos sustentam que kuriakh. h`me,ra nesta passagem
se refira ao domingo, e que João não só recebeu sua visão nesse dia, mas também
o reconheceu como "o dia do Senhor" possivelmente porque, nesse dia, Cristo
ressuscitou dos mortos.
Pais da igreja como Justino Mártir (155 d.C.), Clemente de Alexandria (190
d.C.), Tertuliano (200 d.C.), Orígenes (220 d.C.), Cipriano (250 d.C.), João
Crisóstomo (387 d.C.), entre outros, defenderam a interpretação de dia do Senhor
43

para o primeiro dia da semana ou a guarda do mesmo em substituição à guarda do


sábado. Com a exceção de João Crisóstomo, todos são anteriores ao decreto de
Constantino (321 d.C.), o que demonstra que os cristãos, ou pelo menos parte deles,
já estavam substituindo ou já tinham substituído o sábado pelo domingo, quando
Constantino editou seu decreto.
Apesar de serem anteriores a Constantino, são posteriores à revolta de Bar
Kochba que, segundo Nichol (1954, v. 4, p. 832), teve influência decisiva no anti-
semitismo do segundo século e, como conseqüência na mudança do sábado para o
domingo como dia de culto ao Senhor para os cristãos. A relevância desse evento
para a interpretação que propõe o significado de domingo para kuriakh. h`me,ra é o
que será apresentado a seguir.

4.2 A REVOLTA DE BAR KOCHBA

Há indícios de que o imperador Adriano teria suprimido totalmente a


circuncisão no início da década de 130, e que teria sido esse um dos motivos da
revolta judaica de 132-135 d.C (SKARSAUNE, 2001, p. 50). Em História Augusta
(Adriano 14.2) é afirmado que: “Neste momento também os judeus começaram uma
guerra, porque eles foram proibidos de mutilar os seus genitais.” Como se pode ver,
a proibição da circuncisão poderia ter sido o motivo para a revolta judaica de 132-
135 d.C. Essa revolta ficou conhecida como a revolta de Bar Kochba.
Segundo o senador e historiador Dio Cássio (164-235 d.C.), História romana
69.12.1-14.3, em 132 d.C., Adriano começou a construir uma cidade chamada Aelia
Capitolina, em Jerusalém. O nome era uma combinação de seu próprio sobrenome
(Aelius) e do deus romano Júpiter Capitolino. Nessa cidade, começou a construir um
templo a Júpiter, no lugar do templo judeu. Enquanto Adriano estava em Jerusalém,
tudo se manteve calmo, mas quando, nesse mesmo ano, deixou a cidade, começou
a revolta em larga escala.
Segundo Eusébio, em sua História eclesiástica 4:6, o líder dos judeus era
um homem com o nome de Bar Kochba, que significa “estrela”, que possuía as
características de um assaltante e um assassino. Mas, por conta do título, fingia
muitos milagres, se revelando como o Messias que os livraria do jugo romano.
Segundo Schoenberg (2008, p. 1), os judeus tinham a expectativa de
restauração da pátria e do templo. Apesar de um início vitorioso, com conquistas
44

expressivas, o final foi melancólico para os judeus. Adriano mudou o nome do país
para Síria Palestina. Nos anos seguintes à revolta, Adriano discriminou todas as
seitas judaico-cristãs, mas a pior perseguição religiosa foi dirigida contra os judeus.
Muitos deles foram martirizados (Talmud - Mas. Ta'anith 31ª), incluindo o rabino
Akiba. O imperador fez decretos anti-semitistas (Talmud - Mas. Baba Bathra 60b),
proibindo o estudo da Torá, a observância do sábado e a circuncisão. Além disso,
segundo Justino (Diálogo com Trifo 16:4; 110:5), proibia que morassem em
Jerusalém. Segundo Eusébio (História eclesiástica 4:6), essa proibição atingiu
também os judeus cristãos e, assim, encontramos registrado um nome de um grego,
Marco, pela primeira vez, na liderança da igreja em Jerusalém. Nesse ponto, a
influência hebraica da igreja em Jerusalém havia sido perdida para o mundo cristão,
o que afetou, é claro, a direção da igreja.
Nesse momento, a igreja já tinha se separado efetivamente do judaísmo. O
poder político e teológico mudou dos líderes cristãos judeus para os centros de
liderança dos cristãos gentios tais como: Alexandria, Roma e Antioquia. É importante
entender essa mudança porque ela influenciou os patriarcas da igreja a fazer
declarações anti-judaicas. Além disso, as perseguições dos judeus contra os
cristãos fizeram com que os cristãos aumentassem sua repulsa pelos judeus. Uma
dessas perseguições aconteceu justamente na revolta de Bar Kochba, pois, como
era de se esperar, os cristãos não o reconheciam como o Messias. Eusébio, citando
Justino, retrata essa opressão da seguinte maneira, em sua História eclesiástica 4,
8:






E, de fato, na guerra judaica que ocorreu em nossos dias, Bar


Kochba, o líder da revolta judaica ordenou que apenas os cristãos fossem
conduzidos a torturas severas e terríveis, a menos que negassem a Cristo e
blasfemassem.

Além disso, logo após a revolta de Bar Kochba, surgiram obras polêmicas
contra os judeus como: A Epístola de Barnabé (c. 135 d.C.), Controvérsia de
Jasão e Papisco (c. 140 d.C.), Diálogo com Trifo de Justino(c. 160 d.C.) e Contra
os judeus de Apolinário (antes de 200 d.C.).
45

Segundo Neander (1858, p. 186, apud HAYNES, 1966, p. 29):

A oposição ao judaísmo introduziu o festival particular do domingo


muito cedo, na verdade, no lugar do sábado... O festival do domingo, como
todos os outros festivais, foi sempre uma ordenança humana, apenas, e
estava longe das cogitações dos apóstolos o estabelecimento de uma
ordem divina a este respeito; longe deles e da primitiva igreja apostólica,
transferir as ordenanças do sábado para o domingo.Talvez, fosse no fim do
segundo século que uma falsa prática desse tipo tenha começado a ocorrer;
pois parece que os homens nessa época consideravam pecado o trabalho
no domingo.

Nichol (1954, v. 4, p. 832), falando a respeito da influência dessa revolta


judaica na mudança do sábado para o domingo, afirma o seguinte:

Império Romano reconhecia o judaísmo como uma religião legal e ao


cristianismo como uma seita judia (antes da revolta de Bar Kochba). Mas
como resultado dessa revolução os judeus e o judaísmo se desprestigiaram.
Para evitar a perseguição que se seguiu, dali em diante os cristãos trataram
por todos os meios possíveis de deixar claro que não eram judeus. Os
escritores cristãos dos três séculos seguintes fizeram repetidas referências
à observância do sábado como uma prática "judaizante", junto com o fato de
que não há referência histórica da observância cristã do domingo como dia
sagrado antes da revolução judaica, indicam o período compreendido entre
os anos 135-150 como o tempo quando os cristãos começaram a atribuir
ao primeiro dia da semana a santidade de dia de repouso.
Entretanto, a observância do domingo não substituiu imediatamente
à do sábado, mas sim a acompanhou e completou. Durante vários séculos
os cristãos observaram ambos os dias. Por exemplo, no começo do século
III, Tertuliano observou que Cristo não tinha anulado o sábado. Um pouco
mais tarde, nas Constituições apostólicas, livro apócrifo,(iI. 36) admoestava-
se aos cristãos a "guardar o sábado e a festa do dia do Senhor.

Os escritos dos pais da igreja posteriores à revolta de Bar Kochba, podem ter
sido influenciados pelos resultados dessa revolta, ou seja, passaram a ter como
objetivo principal demonstrar que os cristãos não eram judeus e afastar a igreja de
tudo que lembrasse o judaísmo. Os escritos dos pais da igreja (após 135 d.C.)
surgiram, assim, num ambiente diferente do que foi escrito o livro do Apocalipse.
Pois, no período do Apocalipse, apesar de haver também perseguição, essa
acontecia por uma questão religiosa, a adoração do imperador, e atingia os judeus e
os cristãos.
Porém, a perseguição, após a revolta de Bar Kochba, era específica contra os
judeus, era contra uma nação rebelde. Os cristãos, apesar de terem a origem de sua
religião em Israel, na sua maioria, nesse tempo, não eram judeus. Segundo
Schlesinger e Porto (1995, p. 866), “os cristãos (séc. II) procuravam a todo custo
46

evitar problemas com a autoridade imperial, que hostilizava abertamente os judeus”.


Se demonstrassem que não eram judeus, não seriam perseguidos. Daí surge a
motivação para um forte anti-judaísmo depois de 135 d.C.
Além disso, havia uma campanha por parte dos escritores pagãos contra as
instituições judaicas, especialmente contra o sábado. “Alguns escritores pagãos,
gregos e latinos, atacavam a instituição do sábado, Plínio dizia que os judeus
ficavam a toa o sábado todo e perdiam a sétima parte da vida”. (BENTON, 1966. v.
19, p.853). Como exemplos podem ser citados Horácio (Sermões 1,9 65-70),
Ovídeo (Remedia Amoris 219-220), Pompeius Trogus (Historiae Philippicae 36),
Sêneca (De Superstitiones, citado por Agostinho, em Cidade de Deus 6,11),
Plutarco (De Superstitione 3). Assim, para os cristãos, uma boa forma de se
diferenciarem dos judeus era trocando o dia de guarda.
Por causa do sentimento anti-judaico, e da necessidade dos cristãos de se
diferenciarem dos judeus após a revolta de Bar Kochba, não serão aqui analisados
os escritos posteriores a essa revolta. Mas, há documentos que foram datados como
anteriores à revolta de Bar Kochba, e que são usados como prova da guarda do
domingo no início da Era Cristã (CHAMPLIN, 1985, v. 6, p. 378). Esses serão
analisados a seguir.

4.3 ESCRITOS DOS PAIS DA IGREJA ANTERIORES A 135 D.C.

Alguns autores como Champlin (1985, p. 378) afirmam que o uso de kuriakh.
h`me,ra ou sua forma reduzida kuriakh, para se referir ao primeiro dia da semana já
se encontrava na Didaquê 14 e em Inácio aos Magnésios 9, que foram escritos não
muito depois da composição do livro do Apocalipse. Então, usa-os como prova de
que o termo kuriakh, já tinha o significado de domingo num período próximo ao da
composição do Apocalipse e anterior à revolta de Bar Kochba.
O texto da Didaquê diz o seguinte:

Kata. kuriakh.n de. kuri,ou sunacqe,ntej kla,sate a;rton kai.


euvcaristh,sate proexomologhsa,menoi ta. paraptw,mata u`mw/n o[pwj
kaqara. h` qusi,a u`mw/n h=|Å

Reuni-vos no dia do Senhor para a fração do pão e agradecei


(celebrai a eucaristia), depois de haverdes confessado vossos pecados,
para que vosso sacrifício seja puro. Didaquê 14:1
47

O texto de Inácio aos Magnésios diz o seguinte:

Eiv ou=n oi` evn palaioi/j pra,gmasin avnastrafe,ntej eivj


kaino,thta evlpi,doj h=lqon( mhke,ti sabbati,zontej( avlla. kata. kuriakh.n
zw/ntej( evn h-| kai. h` zwh. h`mw/n avne,teilen diV auvtou/ kai. tou/ qana,tou
auvtou/)

Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova


esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a
nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Inácio aos
Magnésios 9:1.

Em ambos os textos, a palavra traduzida por “dia do Senhor” é kuriakh,, pois


se parte do princípio que kuriakh, já se tornara um estereótipo lingüístico com o
significado de dia do Senhor ou domingo, como foi chamado posteriormente, se
referindo ao primeiro dia da semana. Por isso, antes de serem analisados os dois
textos, será investigado se kuriakh, era realmente um estereótipo lingüístico no
período em que foram escritas a Didaquê e a carta de Inácio aos Magnésios.

4.3.1. Dois historiadores e kuriakh,

Dois historiadores podem ajudar na questão do estereótipo lingüístico. O


primeiro é o historiador Sócrates (c. 379- c. 450 d.C.) que viveu em Constantinopla,
no final do quarto século. Nada é conhecido de seus primeiros anos, com exceção
de alguns detalhes encontrados em suas próprias obras. Apesar de ser leigo,
mostrou-se excelentemente qualificado para a tarefa de contar a história
eclesiástica. Sua admiração por Eusébio de Cesaréia o levou a assumir a tarefa na
qual foi sustentado pela solicitação urgente de um certo Teodoro, a quem o seu
trabalho é dedicado.
Sua finalidade foi a de continuar o trabalho de Eusébio, começando onde
Eusébio havia parado. No entanto, a fim de voltar a sua narrativa para completá-la,
reviu algumas declarações de Eusébio, começando a sua História eclesiástica no
ano 313, quando Constantino foi declarado imperador. Seu trabalho termina com o
décimo sétimo consulado de Teodósio, o Jovem, em 439 d.C. A divisão de sua
História eclesiástica foi feita em sete livros.
O segundo é Salmínio Hérmias Sozomen (c. 375-c. 447 d.C.), famoso
historiador do século IV, nascido em Betélia, uma pequena cidade perto de Gaza,
48

na Palestina, no último quarto do século IV. Provavelmente morreu em 447 ou 448


d.C. Seus primeiros anos de educação foram dirigidos pelos monges de sua cidade.
Quando terminou a faculdade, foi para Constantinopla a fim de exercer a profissão
de advogado. Lá, ele decidiu continuar a História eclesiástica, escrita por Eusébio.
Utilizou o trabalho de Sócrates, como referência. Escrevendo sobre o período entre
323 e 425 d.C., dedicou esse trabalho a Teodósio, o Jovem. Essa obra foi dividida
em 9 livros.
É possível saber que a guarda do sábado tenha sido abandonada primeiro
em Alexandria e Roma, uma vez que o historiador Sócrates fornece a seguinte
informação:






Quase todas as igrejas, em todas as partes do mundo, celebravam


os sagrados mistérios no sábado de cada semana; todavia os cristãos de
Alexandria e de Roma, por causa de uma antiga tradição, tinham deixado de
fazer isso. História eclesiástica livro 5, capítulo 22.

O historiador Sozomen, por sua vez escreveu:





O povo de Constantinopla, e de quase todas as partes, se reúne no
sábado, bem como no primeiro dia da semana, costume que não mais é
observado em Roma e Alexandria. Sozomen, História eclesiástica livro 7,
capítulo 19.

Como se pode ver, Roma e Alexandria podem ter sido os lugares em que o
sábado foi primeiramente abandonado como resultado de uma possível exaltação do
domingo. Logo, se kuriakh, já era um estereótipo lingüístico, não precisava da
palavra h`me,ra (“dia”), para o primeiro dia da semana, com certeza o era nessas
cidades. Além disso, sabe-se que se tornou um estereótipo lingüístico para o
primeiro dia da semana, mas, como já foi dito, a questão é se kuriakh, já era um
estereótipo lingüístico no período em que foram escritos a Didaquê e a carta de
Inácio aos magnésios. Se for comprovado que, num período posterior a esses
49

escritos e nos mesmos lugares, kuriakh, ainda não era um estereótipo lingüístico,
fica evidente que não se pode afirmar que seja um estereótipo lingüístico na
Didaquê ou na carta de Inácio aos magnésios.
Clemente de Alexandria é um dos pais da igreja que usa freqüentemente o
termo kuriakh., Após analisar seus escritos no TLG, foi constatado que o termo
kuriakh, aparece 26 vezes em todos os casos no feminino singular. Esse é um
número significativo de ocorrências para serem analisadas. Além disso, Clemente é
de Alexandria e de um período posterior, seus escritos são de cerca de 190 d.C., ou
seja, cerca de 80 anos depois de Inácio e no mínimo cerca de 40 anos depois da
Didaquê, tornando-se assim um excelente objeto para esse estudo. Por isso, a
seguir será analisado o termo kuriakh, nos escritos de Clemente de Alexandria.

4.3.2. Kuriakh, em Clemente de Alexandria

Clemente de Alexandria (c. 155- c. 215 d.C.) dirigiu sozinho a escola


catequética de Alexandria de 190 a 202 d.C. Escreveu, entre outros, Protrepticus,
Paedagogus e Stromata. Em Paedagogus, aparece kuriakh, 4 vezes e em
Stromata 19 vezes e 3 vezes em outros escritos.
Este estudo sobre Clemente de Alexandria é importante porque Clemente foi,
até onde se sabe, o primeiro pai da Igreja a usar a expressão kuriakh. h`me,ra para
se referir ao primeiro dia da semana. Pois, a carta de Barnabé (c. 135 d.C.), apesar
de ser o primeiro escrito a defender a santidade do primeiro dia da semana, o
chama só de o oitavo dia, h` h`me,ra h` ovgdo,h (Barnabé 15:9). O único que usou a
expressão kuriakh. h`me,ra para se referir ao primeiro dia da semana antes de
Clemente de Alexandria foi o evangelho apócrifo segundo Pedro 9:12 (c. 180 d.C.).
Sendo assim, Clemente de Alexandria foi o primeiro “pai da Igreja” a usar a
expressão kuriakh. h`me,ra para o primeiro dia da semana.
Kuriakh, é usado por Clemente de Alexandria (ver apêndice1) como um
adjetivo ou com a idéia de posse. É usado com: ensino (quatro vezes), dia (três
vezes), voz (duas vezes), herança, beneficência, disciplina, nutriente, incorrupção,
autoridade, direção, cabeça, caminho, adoção, poder, qualidade, mansão e
operação (uma vez).
50

Em Clemente, o termo não era um estereótipo lingüístico para o primeiro dia da


semana. Pois, em primeiro lugar, das vinte e seis passagens em que aparece o
termo kuriakh,, apenas três se referem ao primeiro dia da semana, e em duas
dessas ocorrências aparece a palavra h`me,ra para dar a entender que se trata do
primeiro dia da semana. Na única vez em que não aparece h`me,ra, ao se referir ao
primeiro dia da semana, aparece também a palavra ovgdo,h que significa oitavo sem
h`me,ra, pois já estava subentendido que Clemente estava se referindo a um dia, o
oitavo.
Em segundo lugar, no centro balcânico, zona de convergência do mundo
helênico e do romano, o primeiro dia da semana recebeu o nome de a;pratoj h`me,ra
ou a;praktoj (“sem feira”) h`me,ra na semana cristã que incluía a sexta-feira
(paraskeuh,) e sábado, (sa,bbata), até pelo menos o século VIII d.C. (SALUM, 1968,
p.23, 24). Isso indica que nem todo o mundo cristão denominava o primeiro dia da
semana como kuriakh. h`me,ra, dia do Senhor, muito menos como kuriakh,.

4.3.3 Didaquê 14:1

A grande questão nessa passagem é a expressão Kata. kuriakh.n de. kuri,ou


que geralmente é traduzida como “no dia do Senhor”. A Didaquê ou Instituições
dos doze apóstolos é um escrito do primeiro ou do segundo século, que trata do
catecismo cristão. A datação dessa obra é controversa. Cross e Livingstone (1974,
p. 401) datam a Didaquê após Trajano, depois de 117 d.C. Cairns (2008, p. 66) a
data como possivelmente antes da metade do segundo século. Mas, a descoberta
desse manuscrito, na íntegra, em grego, num códice do século XI (ano 1056)
ocorreu somente em 1873, quando um homem chamado Bryennios Philoteus o
descobriu em uma biblioteca num mosteiro em Constantinopla, publicando-o em
1883 (Cairns, 2008, p. 66).
Bacchiocchi comenta sobre a variedade de datas sugeridas para a Didaquê:

E. Goodspeed, THE APOSTOLIC FATHERS, 1950, pág. 286, é da


opinião de que a Didaquê grega publicado por Bryennius foi composto logo
após o ano 150 a.C..; Kirsopp Lake, THE APOSTOLIC FATHERS LCL, 1952,
1, pág.331, defende a mesma data; J. P. Audet (nota 731, pág. 219, coloca
sua composição ao mesmo tempo que os Sinóticos entre 50 e 70 a.C.. Esta
data deve ser considerada como demasiado cedo, visto que conforme as
ordenanças eclesiásticas complexas (tais como o batismo por imersão)
51

pressupõe, como J. Quasten (nota 71, pág. 40 a 41) assinala, “um período
de estabilização de certa extensão.” (BACCHIOCCHI, 1977, p. 120)

Quanto a sua autenticidade, é consenso que o mesmo não tenha sido escrito
pelos doze apóstolos, ainda que o título do escrito faça menção aos mesmos.
Parece se tratar de um compilação de fontes orais. Por isso, é também consenso
que tenha sido escrito por mais de uma pessoa.
A datação da Didaquê varia muito, de 50 a 150 d.C. Mas, como ela faz alusão
ao Apocalipse, deve ser datada para um período posterior ao do Apocalipse (c. 96
d.C.). Além disso, é um pseudoepígrafo, ou seja, não foi escrito pelos supostos
autores, nesse caso os apóstolos. Um pseudepígrafo só era escrito após a morte
dos supostos autores, para que não pudesse ser imediatamente desmascarado.
Portanto, a data mais provável é no segundo século, possivelmente após 135 d.C.
Entretanto, como a data da Didaquê ainda é uma questão não decidida, essa obra
será analisada aqui.
Didaquê significa doutrina, instrução. O título lembra a referência de Atos
2:42: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos ...” É constituído de dezesseis
capítulos, e apesar de ser uma obra pequena, é de grande valor histórico. Geisler e
Nix afirmam que:
Clemente de Alexandria a mencionava como Escritura, e Atanásio
afirma ser ela usada na instrução ou catequese. No entanto, Eusébio a
colocou entre os “escritos rejeitados”, como fariam os primitivos pais mais
importantes, depois dele, e a igreja em geral.Todavia, o livro tem grande
importância histórica, como elo entre os apóstolos e os pais primitivos, com
suas muitas refererências aos evangelhos, às cartas de Paulo e até o
Apocalipse. No entanto, jamais foi reconhecido como canônico em nenhuma
das traduções oficiais e listas produzidas pela igreja primitiva. (Geisler e
Nix, 2003, p. 120)

Como já foi mencionado acima, Eusébio de Cesaréia, que viveu no século III,
se referiu à Didaquê em seu livro História eclesiástica, da seguinte maneira:
“Entre os espúrios devem ser listados ambos os livros chamados Atos de Paulo e
aquele chamado Pastor e o Apocalipse de Pedro. Além desses, os livros chamados
a Epístola de Barnabé e as chamadas Instituições dos Apóstolos” (História
eclesiástica 3: 25).
Nos escritos da Didaquê, além da catequese e liturgia cristã, o evangelho de
Jesus é recomendado. A Didaquê também cita a oração do “Pai Nosso” como sendo
52

“ensinada pelo Senhor” e finda com a afirmação, em consonância com o livro do


Apocalipse, do Novo Testamento, de que Jesus voltará.

4.3.3.1 A análise literária da Didaquê

Sabendo o que era a Didaquê, agora o próximo passo é analisar o livro para
saber o contexto literário. A Didaquê 4:13 diz o seguinte:

ouv mh. evgkatali,ph|j evntola.j kuri,ou fula,xeij de. a] pare,labej


mh,te prostiqei.j mh,te avfairw/nÅ

Não violarás os mandamentos do Senhor e guardarás o que


recebeste, sem acrescentar nem tirar algo.

Isso sugere que os autores da Didaquê entendiam que os mandamentos do


Senhor estavam em vigor e que não podiam ser modificados.
Na Didaquê 8:1, se encontra esta afirmação:

Ai` de. nhstei/ai u`mw/n mh. e;stwsan meta. tw/n u`pokritw/nÅ


nhsteu,ousi ga.r deute,ra sabba,twn kai. pe,mpth|\ u`mei/j de. nhsteu,sate
tetra,da kai. paraskeuh,nÅ

Vossos jejuns não tenham lugar com os hipócritas; com efeito, eles
jejuam no segundo e no quinto dia da semana; vós, porém, jejuai na quarta-
feira e no dia de preparação.

Esse texto é muito interessante, pois se refere ao dia da preparação


paraskeuh,, o mesmo termo que aparece em Lucas 23:54: kai. h`me,ra h=n
paraskeuh/j kai. sa,bbaton evpe,fwskenÅ Que é traduzido da seguinte forma: “Era o
dia da preparação, e começava o sábado”. Se realmente a sexta feira era o dia da
preparação, isso demonstra que o dia após o dia da preparação, no caso o sábado,
tinha seu valor.
Mas, será que o termo se refere à sexta-feira, pois a expressão sexta não
ocorre no texto. Segundo Salum (1968, p. 10), a semana cristã no mundo helênico
firmou-se integralmente sem nenhuma concorrência planetária, e teve duas fases,
em ambas as fases o nome para o sexto dia da semana era paraskeuh,, logo
paraskeuh, era a sexta feira.
Outro texto bastante curioso é o do Cap.13:3-7 que diz assim:
53

pa/san ou=n avparch.n gennhma,twn lhnou/ kai. a[lwnoj bow/n te


kai. proba,twn labw.n dw,seij th.n avparch.n toij profh,taij\ auvtoi. ga,r
eivsin oi` avrcierei/j u`mw/nÅ eva.n de. mh. e;chte profh,thn do,te toi/j
ptwcoi/jÅ eva.n siti,an poih/|j th.n avparch.n labw.n do.j kata. th.n
evntolh,nÅ w`sau,twj kera,mion oi;nou h' evlai,ou avnoi,xaj th.n avparch.n
labw.n do.j toi/j profh,taij\ avrguri,ou de. kai. i`matismou/ kai. panto.j
kth,matoj labw.n th.n avparch,n w`j a;n soi do,xh| do.j kata. th.n evntolh,nÅ

Por isso, tomarás as primícias de todos os produtos da vindima e da


eira, dos bois e das ovelhas e darás aos profetas, pois estes são os vossos
grandes sacerdotes. Se vós, porém, não tiverdes profeta, dai-o aos pobres.
Se tu fizeres pão, toma as primícias e dá-as conforme manda a lei. Do
mesmo modo, abrindo uma bilha de vinho ou de óleo, toma as primícias e
dá-as aos profetas. E toma as primícias do dinheiro, das vestes e de todas
as posses e, segundo o teu juízo, dá-as conforme a lei.

O curioso desse texto é que demonstra que o autor tem um pensamento


“judaico” pois, ainda defende a lei da oferta das primícias (Lv 23:10,20; Dt 18:4),
substituindo, os sacerdotes pelos profetas. Nesse pequeno texto, se repete duas
vezes kata. th.n evntolh,n (“conforme a lei”), o que seria estranho para quem
defendesse a idéia de que a lei e o sábado já haviam sido abolidos.

4.3.3.2 O contexto gramatical da Didaquê

Agora que foi visto o contexto literário, será visto o contexto gramatical
através do texto na língua original (grega) e sua tradução:

Kata. kuriakh.n de. kuri,ou sunacqe,ntej kla,sate a;rton kai.


euvcaristh,sate proexomologhsa,menoi ta. paraptw,mata u`mw/n o[pwj
kaqara. h` qusi,a u`mw/n h=|Å

Reunindo-vos, porém, no [ou segundo] kuriakh, do Senhor, parti


o pão e dai graças, confessando os vossos pecados afim de que o vosso
sacrifício seja puro.

Bacchiocchi (1977, p. 114) cita duas hipóteses:

A passagem crucial de Didaquê 14:1, traduzida literalmente diz:


"Sobre (ou segundo) o do Senhor do Senhor "
" ajuntai-vos, parti o pão e tende a Eucaristia,
após confessar vossas transgressões para que vossas ofertas sejam
puras." A expressão " do senhor do Senhor" é enigmática, e foram
propostas três soluções básicas para esclarecer seu significado. (l) J. B.
Audet substitui "do Senhor pela palavra "dia -  ",
traduzindo a passagem: "No dia do Senhor, ajuntai-vos..." (LA DIDACHE,
INSTRUCTION DES APÔTRES, 1958, pág. 460); (21 C. W. Dugmore
argumenta que "como cada domingo é o Dia do Senhor, o domingo do
Senhor pode somente significar o domingo em que Ele ressurgiu dos
mortos, isto é, o domingo da Páscoa" (nota 45, pág.276).
54

Percebe-se que tanto Audet como Dugmore partem do princípio que kuriakh,
era um estereótipo lingüístico, mas como já foi visto no estudo dos escritos de
Clemente de Alexandria, isso não está correto, comprometendo assim a
interpretação dos mesmos. A grande questão aqui é qual é o referente para o
adjetivo kuriakh,? Para saber isso, deve-se voltar para o livro da Didaquê.

Nos versos anteriores (13:5 e 7) aparece a expressão kata. th.n evntolh,n, que

significa “segundo a lei”. Pelo contexto o referente para kuriakh. é evntolh,. De


acordo com essa possibilidade, a tradução de Kata. kuriakh.n de. kuri,ou seria:
“Mas, segundo a soberana lei do Senhor”. Além disso, sabe-se que no período em
que foi escrita a Didaquê, não havia pontuação, e essa foi colocada num período
posterior e de acordo com a interpretação do gramático. Logo, essa frase poderia ter
sido escrita da seguinte maneira: Kata. th.n evntolh,n, kata. kuriakh.n de. kuri,ou.

“Segundo o mandamento, segundo o “senhorial” ou “soberano” (mandamento) do


Senhor”. Embora muito menos comum do que a prolepse, isso seria um caso de
analepse (mencionar o adjetivo sozinho visto que o substantivo mencionado antes
fica subentendido). No entanto, a repetição da palavra kata, não é inteiramente
explicada nessa teoria. Apesar disso, Bacchiocchi (1977, p. 114) diz o seguinte:

Jean Baptiste Thibaut demonstra persuasivamente que "do Senhor -


" kuriakh,. está empregado como adjetivo e não como substantivo e que a
questão não é o tempo, mas o modo da celebração da Ceia do Senhor: "Se
fosse questão de tempo, neste caso, o espírito da língua grega certamente
teria exigido o emprego do dativo. A preposição kata, assinala aqui a
relação de conformidade. Conseqüentemente a palavra que está implícita,
e à qual a qualificação kuriakh, se aplica, não é " (dia) mas um
outro termo que pode facilmente ser completado, a saber, a palavra
 (doutrina), presente no título do livro... A frase inicial do capítulo
14 ... deveria ser traduzida literalmente "segundo a soberana doutrina do
Senhor..."(LA LITURGIE ROMAINE, 1924, p. 9. 33-34). Consentimos com a
interpretação de Thibaut pelas seguintes razões adicionais: (1) O capítulo
14 não trata da questão de tempo, mas dos pré-requisitos para aceder à
Eucaristia, a saber, confissão de pecado (14:1) e reconciliação com o
semelhante (14:2); (2) a citação de Mal. 1:10 novamente enfatiza não o
tempo específico ("Em cada lugar e hora"), mas o modo do sacrifício
("ofereçam-me um sacrifício puro" - 14:3); (3) o DIDACHE contém
numerosas exortações para se agir "SEGUNDO  " o mandamento
ou doutrina (1:5; 2:1; 4:13; 6:1; 11; 13:6). (4) Em vista do fato de que o
Didaquista deseja justificar suas instruções com a autoridade do Senhor,
 com o acusativo estabelece uma relação de conformidade e não de
tempo. (5) DIDACHE 14:1 está unido pela conjunção "e – kai, " ao capítulo
anterior, que termina com a exortação de "dar segundo o mandamento"
(13:7). A repetição de "segundo -  poderia ter causado a omissão
da palavra "mandamento" ou "doutrina"; (6) o Didaquista exorta a "estar
55

reunido com freqüência (16:2)". Dificilmente sugere reuniões dominicais


exclusivas.

Pelo fato de a palavra cro,noj, “tempo”, aparecer no contexto imediato,


poderia-se deduzir que a questão aqui seja a respeito de um ponto no tempo, no
caso o primeiro dia da semana. Porém, a palavra cro,noj aparece no verso 3 da
seguinte maneira: VEn panti. to,pw| kai. cro,nw| “em todo lugar e em todo tempo”
demonstrando claramente que não há uma preocupação com um tempo específico.
Ou seja, o tema do tempo é apenas secundário nessa discussão.
Na Didaquê há, como se pode ver, uma explícita menção de se reunir e
partir o pão, que os pais da Igreja atribuíam ao domingo. Porém, é preciso saber
quais pais da igreja faziam essa associação e se isso foi no período em que foi
escrita a Didaquê. No livro de Atos 20:7, fala-se sobre partir o pão no primeiro dia da
semana, mas nesse mesmo verso diz que isso foi feito porque Paulo deveria seguir
viagem no dia seguinte. Além disso, não afirma que foi feito segundo algum
costume, parece ser mais uma data casual do que programada, até porque, quando
Paulo dá as instruções básicas sobre a ceia do Senhor (ICo 11:17-3), não menciona
um dia específico para a celebração da mesma, e em At. 2:42-47 o partir do pão
também não é associado a um dia específico. O partir do pão está diretamente
relacionado com a ceia do Senhor.
Bacchiocchi (1977, p. 114) parece certo quando afirma que essa passagem
pode não estar se refirindo ao dia do Senhor, até porque a palavra h`me,ra (dia) não
aparece. Ela pode se referir ao ensino ou mandamento, algo mais comum na
Didaquê e também, por exemplo, em Clemente de Alexandria, onde aparece quatro
vezes. Sendo assim, aqui não há uma referência indiscutível à guarda do domingo,
ou ao uso de kuriakh. h`me,ra para se referir ao primeiro dia da semana. Logo, sugiro
que a tradução mais coerente seja: “segundo o soberano mandamento do Senhor”.
A partir de agora será analisado o texto de Inácio aos Magnesianos.

4.3.4 Inácio aos Magnésios 9:1

A questão em Inácio aos Magnésios 9:1 é a expressão mhke,ti


sabbati,zontej( avlla. kata. kuriakh.n( que é geralmente traduzida dessa forma:
“não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor.” A expressão mhke,ti
56

sabbati,zontej é traduzida literalmente como “não mais sabatizando”. Entender o


que significa “sabatizar” será o objetivo deste estudo a partir de agora. Antes de
investigar esse texto, é fundamental conhecer seu autor. Inácio (67-110 d.C.) foi
Bispo de Antioquia, discípulo do apóstolo João, foi sucessor de Pedro na igreja em
Antioquia fundada pelo próprio apóstolo. Inácio escreveu sete cartas: Epístola a
Policarpo de Esmirna, Epístola aos Efésios, Epístola aos Esmirniotas, Epístola aos
Filadelfos, Epístola aos Magnésios, Epístola aos Romanos, Epístola aos Tralianos.
Foi preso por ordem do imperador Trajano e condenado a ser lançado às feras em
Roma (107-110).
As cartas de Inácio são documentos, cuja autenticidade é às vezes
contestada (LIÉBAERT, 2000, p. 25). Além disso, Inácio não se considerava no nível
de escritos inspirados como os de Paulo e de Pedro. “Não vos dou ordens como
Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, eu sou um condenado.” Romanos 4:3. Portanto
seus escritos não são normativos, ou seja, não tem um peso doutrinário, seu valor
está em ser um documento histórico muito útil para compreender a igreja do final do
século I e início do século II no oriente.

4.3.4.1 O contexto literário das cartas de Inácio

A partir de agora será analisado o contexto literário das sete cartas de Inácio.
As cartas tinham dois temas principais: submissão ao bispo e combate à
heterodoxia. Porém, o que é relevante para este estudo é o combate à heterodoxia,
especialmente às práticas judaizantes. Isso é dito em Filadelfos 6:1:

VEa.n de, tij ivoudai?smo.n e`rmhneu,h| u`mi/n( mh. avkou,ete auvtou/Å


a;meinon ga,r evstin para. avndro.j peritomh.n e;contoj cristianismo.n
avkou,ein( h' para. avkrobu,stou ivoudai?smo,nÅ

Se alguém vos interpreta o judaísmo, não o escuteis, porque é


melhor ouvir o cristianismo de homem circuncidado do que o judaísmo de
incircunciso.

Mas, o que seriam essas práticas judaizantes? Será que Inácio tinha a
mesma opinião que Pseudo-Barnabé em relação à lei e ao Velho Testamento? A
carta de Barnabé foi o primeiro escrito a defender claramente a santidade do
57

primeiro dia da semana em detrimento à do sábado. Para Pseudo-Barnabé (4:14),


Deus tinha abandonado Israel:

:Eti de. kavkei/no( avdelfoi, mou( noei/te\ o[tan ble,pete meta.


thlikau/ta shmei/a kai. te,rata gegono,ta evn tw|/ VIsrah,l( kai. ou[twj
evnkatalelei/fqai auvtou,j( prose,cwmen( mh,pote( w`j ge,graptai( polloi.
klhtoi,( ovli,goi de. evklektoi. eu`reqw/menÅ

Meus irmãos, compreendei ainda o seguinte: quando vedes que,


depois de tantos sinais e prodígios acontecidos em Israel, assim mesmo
eles foram abandonados, tomemos cuidado, como está escrito, para que
não sejamos muitos os chamados, mas poucos os escolhidos.

Em Barnabé 5:11, pode-se ver a indignação do autor para com o povo de


Israel:

Ouvkou/n o` ui`o.j tou/ qeou/ eivj tou/to evn sarki. h=lqen( i[na to.
te,leion tw/n a`marthma,twn avnakefalaiw,sh| toi/j diw,xasin evn qana,tw|
tou.j profh,taj auvtou/Å

Se o Filho de Deus se encarnou, foi para levar ao máximo os


pecados daqueles que tinham perseguido mortalmente os profetas dele.

Porém, Inácio estava contra o judaísmo e não contra o VT. Tinha a convicção
de que os rituais do santuário eram bons, mas o evangelho os superava, como pode
ser visto em Filadelfos 9:1, 2:

Kaloi. kai. oi` i`erei/j( krei/sson de. o` avrciereu.j o`


pepisteume,noj ta. a[gia tw/n a`gi,wn( o]j mo,noj pepi,steutai ta. krupta.
tou/ qeou/\ auvto.j w'n qu,ra tou/ patro,j( diV h-j eivse,rcontai VAbraa.m
kai. VIsaa.k kai. VIakw.b kai. oi` profh/tai kai. avpo,stoloi kai. h`
evkklhsi,aÅ pa,nta tau/ta eivj e`no,thta qeou/Å evxai,reton de, ti e;cei to.
euvagge,lion( th.n parousi,an tou/ swth/roj( kuri,ou h`mw/n VIhsou/
Cristou/( to. pa,qoj auvtou/( kai. th.n avna,stasinÅ oi` ga.r avgaphtoi.
profh/tai kati,ggeilan eivj auvto,n\ to. de. euvagge,lion avpa,rtisma, evstin
avfqarsiajÅ

Os sacerdotes também eram bons, especialmente o sumo


sacerdote, a quem foi confiado o Santo dos santos, e somente a ele foram
confiados os segredos de Deus. Ele é a porta do Pai, pela qual entram
Abraão, Isaque e Jacó, os profetas, os apóstolos e a Igreja. Tudo isso para
a unidade de Deus. O evangelho, porém, tem algo mais especial: a vinda
do Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, sua paixão e ressurreição. De
fato, os amados profetas o haviam anunciado, mas o evangelho é a
consumação da incorruptibilidade.

Na opinião de Inácio, os profetas e a Lei de Moisés persuadem para o bem,


58

Esmirniotas 5:1 (outras passagens são analisadas no apêndice 2):

{On tinej avgnoou/ntej avrnou/ntai( ma/llon de. hvrnh,qhsan u`pV


auvtou/( o;ntej sunh,goroi tou/ qana,tou ma/llon h' th/j avlhqei,aj\ ou]j ouvk
e;peisan ai` profhtei/ai ouvde. o` no,moj Mwu,sewj)

Alguns que o renegam, por ignorância, são ainda mais renegados


por ele. São mais defensores da morte do que da verdade. Não foram
persuadidos nem pelas profecias nem pela lei de Moisés.

Aqui pode ser vista uma alusão positiva ao VT e a sua importância para o
cristão. Pode-se concluir que a teologia de Inácio era bem diferente da teologia do
Pseudo-Barnabé. Valorizava o Velho Testamento (a lei e os profetas), compreendia
que o evangelho havia substituído os rituais do santuário e lutava contra as práticas
judaizantes. A partir de agora será investigada a carta aos Magnésios.

4.3.2.2 O Contexto Literário na Carta aos Magnésios

Conhecendo os pontos de vista de Inácio, o próximo passo é conhecer o


contexto literário da carta aos Magnésios. Serão vistos, a partir de agora, os versos
do capítulo anterior à passagem em questão e os versos do capítulo em que se
encontra a passagem.
O primeiro verso do capítulo 8 aparece da seguinte maneira:

Mh. plana/sqe tai/j e`terodoxi,aij mhde. muqeu,masin toi/j


palaioi/j avnwfele,sin ou=sinÅ eiv ga.r me,cri nu/n kata. VIoudai?smo.n
zw/men( o`mologou/men ca,rin mh. eivlhfe,naiÅ

Não vos deixeis enganar por doutrinas heterodoxas nem por velhas
fábulas que são inúteis. Com efeito, se ainda vivemos segundo o judaísmo,
admitimos que não recebemos a graça.

A princípio, pode-se deduzir que, ao Inácio se referir ao judaísmo, está se


referindo à lei e, conseqüentemente, pode-se imaginar que, para Inácio, a lei tivesse
sido abolida. Porém, Inácio exalta a lei e os mandamentos (IEf. 9:2; IRm 1:1; IEs 5:1;
IFl 1:2; ITr 13:2) e declara o valor do evangelho (graça) sobre os rituais do santuário
(obras) em IFl 9:1,2. Pode-se concluir que aqui claramente Inácio demonstra que
não crê na salvação pelas obras, mas na salvação pela graça mediante a fé. Pois, o
judaísmo está em oposição à graça.
59

A seguir, o verso 2 do capítulo 8:

oi` ga.r qeio,tatoi profh/tai kata. Cristo.n VIhsou/n e;zhsanÅ


dia. tou/to kai. evdiw,cqhsan( evnpneo,menoi u`po. th/j ca,ritoj auvtou/( eivj
to. plhroforhqh/nai tou.j avpeiqou/ntaj( o[ti ei-j qeo,j evstin( o`
fanerw,saj e`auto.n dia. VIhsou/ Cristou/ tou/ ui`ou/ auvtou/( o[j evstin
auvtou/ lo,goj avpo. sigh/j proelqw,n( o]j kata. pa,nta euvhre,sthsen tw/|
pe,myanti auvto,nÅ

De fato, os diviníssimos profetas viveram segundo Jesus Cristo. Por


essa razão, foram também perseguidos, pois eram inspirados pela graça
dele, a fim de que os incrédulos ficassem plenamente convencidos de que
existe um só Deus, que se manifestou por meio de Jesus Cristo seu Filho,
que é o seu Verbo saído do silêncio; e que, em todas as coisas, se tornou
agradável àquele que o tinha enviado.

Aqui Inácio exalta os profetas que viveram uma vida segundo Jesus e que
profetizaram a respeito de Cristo. A conduta desses profetas veterotestamentários
era, sem dúvida alguma, segundo a lei, em obediência.
O verso 2 do capítulo 9, que o verso seguinte ao verso em questão (9:1), diz :

pw/j h`mei/j dunhso,meqa zh/sai cwri.j auvtou/( ou- kai. oi`


profh/tai maqhtai. o;ntej tw/| pneu,mati w`j dida,skalon auvto.n
prosedo,kwnÈ kai. dia. tou/to( o]]n dikai,wj avne,menon( parw.n h;geiren
auvtou.j evk nekrw/nÅ

Como podemos viver sem aquele que até os profetas, seus


discípulos no espírito, esperavam como Mestre? Foi precisamente aquele
que justamente esperavam que, ao chegar, os ressucitou dos mortos.

Aqui se pode ver mais uma vez que Inácio fala dos profetas do AT que foram
discípulos no espírito, pois Jesus ainda não tinha vindo. Mas quando veio, deu-lhes
a vida eterna, que receberão na volta dEle.
Nos versos anteriores a Magnésios 9:1, Inácio declara que a salvação é pela
graça e não pelo judaísmo (práticas de salvação pelas obras). Inácio ainda afirma
que os profetas veterotestamentários eram inspirados pela graça, ou seja, ele não
divide em tempo da lei (antes de Cristo) e tempo da graça (depois de Cristo). Para
ele, os profetas veterotestamentários, que guardavam o sábado, estavam na graça.
E no verso que é posterior a Magnésios 9:1, Inácio afirma sobre a impossibilidade de
se viver sem Cristo.
Depois desta investigação é possível analisar melhor a questão da expressão
mhke,ti sabbati,zontej em Magnésios 9:1.
60

Primeiro serão apresentados o grego e sua tradução.

Eiv ou=n oi` evn palaioi/j pra,gmasin avnastrafe,ntej eivj


kaino,thta evlpi,doj h=lqon( mhke,ti sabbati,zontej( avlla. kata. kuriakh.n
zw/ntej( evn h-| kai. h` zwh. h`mw/n avne,teilen diV auvtou/ kai. tou/ qana,tou
auvtou/( o[n tinej avrnou/ntai( diV ou- musthri,ou evla,bomen to. pisteu,ein(
kai. dia. tou/to u`pome,nomen( i[na eu`reqw/men maqhtai. VIhsou/ Cristou/
tou/ mo,nou didaska,lou h`mw/n\

Se pois os que andavam em práticas antigas passaram para


novidade de esperança, não mais sabatizando mas vivendo segundo [ ]
do Senhor, em que também a nossa vida levantou por meio dele e pela
morte dele, o que alguns negam por cujo mistério recebemos a fé, e por
isso resistimos, para sermos achados discípulos de Jesus Cristo, nosso
único Mestre.

E a seguir está a tradução feita por Storniolo e Balancin (1995, p. 94):

Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova


esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em
que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam
isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual
perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre.

A versão de Storniolo e Balancin traduziu mhke,ti sabbati,zontej como “não


mais observam o sábado” e avlla. kata. kuriakh.n como “mas segundo o dia do
Senhor”. O verbo sabbati,zw aparece em 2Cr 36:21, Lv 26:34, 35 como repousar,
em Lv. 23:32 como celebrar (o sábado). A princípio, o verbo sabbati,zw parece estar
fazendo referência à guarda do sábado em Inácio aos Magnésios. Contudo, pode-se
ver que o contexto aqui é em relação aos profetas que, como se sabe, guardaram o
sábado, logo a questão aqui não seria o sábado.
Apesar de, no capítulo 9:3, afirmar que os profetas eram discípulos de Cristo,
a expressão oi` profh/tai maqhtai. o;ntej tw/| pneu,mati “os profetas sendo
discípulos no espírito” pode ser interpretada como dizendo: “os discípulos que
viveram num período anterior a Cristo, que não seguiram a Cristo literalmente, pois
não conviveram com Cristo”. Mas o seu procedimento era de um discípulo, no
espírito eram discípulos de Cristo. A expressão oi` profh/tai maqhtai. o;ntej tw/|
pneu,mati (“os profetas sendo discípulos no espírito”) não deve ser aplicada aos
apóstolos de Cristo porque, além de muitos deles não serem chamados de profetas,
os apóstolos foram discípulos literais e não apenas no espírito. Além disso, o verbo
61

sabbati,zw é equivalente à expressão kata. VIoudai?smo.n zw/men “vivemos segundo o


judaísmo” no capítulo 8:1. Logo, a questão aqui é possivelmente sobre o judaísmo e
não sobre o sábado. Mas, a próxima questão é qual era o significado do termo
kuriakh, em Inácio 9:1.
Para resolver esse impasse, há um documento que poderá ser muito útil.
Segundo Bacchiocchi (1977, p. 215), no manuscrito mais antigo existente de uma
recensão das cartas de Inácio, o Codex Mediceus Laurentianae (ver anexo),
aparece a palavra vida (zwh,), da seguinte maneira: mhke,ti sabbati,zontej( avlla.

kata. kuriakh.n zwh.n zw/ntej, “não mais sabatizando, mas vivendo segundo a vida
do Senhor. Pelo contexto posterior de rejeição ao sábado, é possível que alguém
tenha tirado a palavra “vida”, para dar a entender que Inácio se referia ao primeiro
dia da semana. Mas, como já foi visto no estudo em Clemente, kuriakh, não seria
um estereótipo lingüístico até pelo menos 80 anos após Inácio, logo sozinho não
tinha o significado de dia do Senhor.
Sabbati,zontej (“sabatizando”) está em oposição a kuriakh.n zwh.n, “vida do
Senhor”. Então, Inácio está falando de estilos de vida e não de dias de guarda
(STRAND, 1987, p. 349). Ademais, o estilo de vida era um tema comum em Inácio
como em Ef 9:2; 10:3 (ver no apêndice 3).
É provável que sabbati,zw aqui tenha o sentido de judaizar, pois o melhor
exemplo de legalismo no judaísmo era em relação à guarda do sábado com diversas
regras que não tinham seu apoio na Bíblia. O sentido aqui deve ser: deixar de
judaizar e viver uma vida semelhante à de Cristo. Não viver baseado em normas
farisaicas, mas em novidade de vida. O capítulo 10 de Inácio aos Magnésios pode
ajudar a elucidar essa questão:

Mh. ou=n avnaisqhtw/men th/j crhsto,thtoj auvtou/Å eva.n ga.r h`ma/j


mimh,shtai kaqa. pra,ssomen( ouvke,ti evsme,nÅ dia. tou/to( maqhtai. auvtou/
geno,menoi( ma,qwmen kata. Cristianismo.n zh/nÅ o]j ga.r a;llw| ovno,mati
kalei/tai ple,on tou,tou( ouvk e;stin tou/ qeou/Å u`pe,rqesqe ou=n th.n kakh.n
zu,mhn( th.n palaiwqei/san kai. evnoxi,sasan( kai. metaba,lesqe eivj ne,an
zu,mhn( o[ evstin VIhsou/j Cristo,jÅ a`li,sqhte evn auvtw/(| i[na mh. diafqarh/|
tij evn u`mi/n( evpei. avpo. th/j ovsmh/j evlegcqh,sesqeÅ a;topo,n evstin( VIhsou/n
Cristo.n lalei/n kai. ivoudai<zeinÅ o` ga..r Cristianismo.j ouvk eivj
VIoudai?smo.n evpi,steusen( avllV VIoudai?smo.j eivj Cristianismo,n( w-| pa/sa
glw/ssa pisteu,sasa eivj qeo.n sunh,cqhÅ

Portanto, não sejamos insensíveis à sua bondade. Se ele nos


imitasse na maneira como agimos, já não existiríamos. Contudo, tornando-
62

nos seus discípulos, aprendemos a vida segundo o cristianismo. Quem é


chamado com o nome diferente desse, não é de Deus. Jogai fora o mau
fermento, velho e ácido, e transformai-vos no fermento novo, que é Jesus
Cristo. Deixai-vos salgar por ele, a fim de que nenhum de vós se corrompa,
pois é pelo odor que sereis julgados. É absurdo falar de Jesus Cristo e, ao
mesmo tempo, judaizar. Não foi o cristianismo que acreditou no judaísmo, e
sim o judaísmo no cristianismo, pois nele se reuniu toda língua que acredita
em Deus.

Aqui há uma clara oposição entre kata. Cristianismo.n zh/n (“a vida segundo
o cristianismo”) e ivoudai<zein (“judaizar”). Assim como no verso anterior kuriakh.n
zwh.n zw/ntej “vivendo a vida do Senhor” está em oposição a mhke,ti sabbati,zontej
“não mais sabatizando”. Logo, pode-se concluir que o assunto abordado na carta
aos Magnésios não tem que ver com o primeiro dia da semana, e sim com a
novidade de vida que era um tema comum nas cartas de Inácio.

4.4 O TESTEMUNHO DO NOVO TESTAMENTO

Será agora investigada a possibilidade da interpretação que apóia a hipótese


do domingo à luz do NT com exceção dos escritos de João. Outras passagens do
NT podem ajudar na compreensão da expressão kuriakh. h`me,ra, se ela realmente
significa domingo é de se esperar algum indício nas passagens que claramente se
referem ao domingo.
A primeira citação está em Mateus 28:1, escrito após 70 d.C. em Antioquia ou
na Síria, e aparece assim: mi,an sabba,twn, “primeiro [dia] da semana”. A segunda
está em Marcos 16:2, escrito provavelmente entre 65 e 70 d.C. em Roma ou
Antioquia da Síria, por João Marcos, sob a influência de Pedro, th/| mia/| tw/n
sabba,twn, “no primeiro [dia] da semana”. A terceira é Marcos 16:9 prw,th| sabba,tou,
“o primeiro [dia] da semana”. A quarta está em Lucas 24:1, escrito entre 70 e 80 d.C.
em Roma, Corinto ou Éfeso, mia/| tw/n sabba,twn, “primeiro dia da semana”. A quinta
se encontra em Atos 20:7, escrito por Lucas provavelmente na década de 80 d.C.,
th/| mia/| tw/n sabba,twn “primeiro [dia] da semana”. A sexta e última está em
1Coríntios 16:2, escrito em Éfeso por Paulo entre 54 e 57 d.C., mi,an sabba,tou
“primeiro [dia] da semana”.
Como se pode ver, essas passagens, que variam da década de 50 à de 80,
são unânimes em chamar o domingo de primeiro dia da semana. Conclui-se, então,
que, para os autores, Paulo, João Marcos, Mateus e Lucas, o domingo não era nada
63

mais que o primeiro dia da semana. Em nenhuma dessas passagens é usada a


expressão kuriakh. h`me,ra para o domingo, demonstrando, que pelo menos até a
década de 80 d.C., o domingo era tão somente o primeiro dia da semana e não o dia
do Senhor. Mas, para decidir essa questão, não há ninguém melhor do que o próprio
João, autor do livro do Apocalipse.

4.5 O TESTEMUNHO DE JOÃO

O mais decisivo testemunho é o do evangelho de João, pois esse evangelho


foi escrito provavelmente pelo mesmo autor de Apocalipse e provavelmente depois
do mesmo. Segundo Irineu, o evangelho de João foi escrito por João que ficou em
Éfeso até o tempo de Trajano (98-117), ou seja, após o Apocalipse, que foi escrito
em Patmos por volta de 95 d.C. Além disso, podemos ver em Jo 21:21-24 que o
discípulo amado possivelmente estava próximo da morte quando escreveu esse
evangelho, alertando que não viveria para sempre. A data mais aceita para a
publicação do evangelho de João pela tradição é entre 98 e 100 d.C. Portanto, se
João quis se referir ao domingo como o dia do Senhor em Ap.1:10, usou uma
expressão inédita em seus outros escritos. A seguir mencionam-se as passagens
que estão no seu evangelho: a primeira está em João 20:1 mia/| tw/n sabba,twn,
“primeiro [dia] da semana”, a segunda encontra-se em João 20:19 th/| mia/|
sabba,twn, “primeiro [dia] da semana”.
Observa-se que o apóstolo usa a mesma expressão das outras passagens do
N.T. “o primeiro dia da semana”. Isso cria uma dificuldade para compreender que
João tivesse se referido ao domingo como dia do Senhor em Apocalipse 1:10 (95
d.C.).
Em Gn. 2:2-3 o sábado é chamado apenas de o sétimo dia, mas nesse texto
é apresentado como um dia separado (santificado) e abençoado por Deus. A partir
daí, há uma “fase de apresentação do sábado”, no Pentateuco, em que o sábado é
identificado como o sétimo dia e chamado de sábado (Ex. 16:26-30; 20:8-11; 31:15-
17; 35:2; Lv. 23:3; Dt. 5:14). Daí em diante, o sábado é chamado apenas de sábado
e em nenhuma outra passagem do VT ele é chamado de sétimo dia.
Portanto, seria muito estranho se referir a outro dia como dia do Senhor, sem
nehuma explicação, sem mencionar que dia era esse e, cerca de dois anos depois,
64

voltar a chamá-lo pelo nome que tinha antes de ser “exaltado”. Pois é justamente o
que João teria feito se estivesse se referindo ao primeiro dia da semana em
Apocalipse 1:10. O natural, como vimos na questão do sábado, era que, a partir do
momento em que o primeiro dia da semana tivesse passado a ser reconhecido como
“dia do Senhor”, passasse a ser chamado dessa maneira e não mais simplesmente
como primeiro dia da semana, o que, como pode ser visto no evangelho de João,
não acontece.
Além disso, o argumento básico dos defensores da interpretação do domingo,
quando analisam a Didaquê e Inácio aos Magnésios, é que a expressão kuriakh.
h`me,ra era usada para designar o primeiro dia da semana e que, na igreja cristã do
final do primeiro século e início do segundo, esse era o uso comum (CHAMPLIN,
1985, v. 6, p. 378). Mas, como já foi visto, João, alguns anos depois, ao escrever o
seu evangelho, não usou a mesma expressão para se referir ao primeiro dia da
semana. Se essa fosse a forma comum de se referir ao domingo ou se, pelo menos
fosse a forma de João, ele provavelmente teria usado. Como ele usa a mesma
expressão que os outros autores do NT usaram, pode-se concluir que
provavelmente a forma de se referir ao domingo continuava a ser a mesma no
período em que foi escrito o Apocalipse, a saber: o primeiro dia da semana, mesmo
que não seja aceita a autoria joanina para ambos os livros, se o evangelho é
posterior demonstra que a maneira de denominar o primeiro dia continuava a ser a
mesma do período anterior ao Apocalipse.
Ademais, como foi visto, os textos que são usados como prova dessa
interpretação, ou foram traduzidos baseados num pressuposto que não pode ser
confirmado na época de João e nem na primeira metade do século seguinte (a
questão do estereótipo lingüístico) ou são textos tardios em relação ao período em
que foi escrito o Apocalipse. O contexto do NT e especialmente o contexto joanino
não dão base para a interpretação da expressão kuriakh. h`me,ra como o primeiro dia
da semana. Logo, pode ser descartada essa hipótese e deve-se, então, partir para a
última que é a que propõe a interpretação que kuriakh. h`me,ra signifique o dia de
sábado.
65

5. O SÁBADO

A próxima interpretação de kuriakh. h`me,ra a ser estudada é a que propõe o


significado de sábado como o dia do Senhor em Apocalipse 1:10. Essa interpretação
está baseada principalmente na Bíblia e na história do cristianismo nos primeiros
séculos, que é o que será visto a seguir.

5.1 O SÁBADO E A BÍBLIA

A seguir será apresentado o sábado como dia do Senhor primeiramente no


Antigo Testamento e logo em seguida, no Novo Testamento. Então, será visto se há
a possibilidade desta interpretação para kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10.

5.1.1 O sábado como dia do Senhor na Septuginta

Por ser algo inquestionável, não será tratado aqui a respeito da santidade do
sábado e de seu valor no AT. A análise que será feita é se há indícios no AT, a
Bíblia dos apóstolos, para que João chamasse o sábado de dia do Senhor. O
sábado é comumente chamado na LXX de sa,bbata tw/| kuri,w| “sábado do Senhor”.
Pode-se ver essa expressão em Ex. 16:23, 25; 20:10; Lv. 23:3; Dt. 5:14. De fato, os
escritores sagrados do AT entendiam que o sábado pertencia ao Senhor.
Além da expressão sa,bbata tw/| kuri,w| “sábado do Senhor”, pode-se
encontrar também a expressão to. sa,bbato,n sou to. a[gion “teu [do Senhor] santo
sábado”, Ne. 9:14. Moisés usa a expressão tw/n sabba,twn kuri,ou “sábados do
Senhor”, Lv. 23:38. O próprio Deus chama os sábados de ta. sa,bbata, mou “meus
sábados” Ex. 31:13; Lv. 19:13, 30; 26:2; Is. 56:4 Ez. 20: 12, 13, 16, 20, 21, 24; 22:8,
26; 23:38; 44:24.
Provavelmente João era conhecedor da promessa de Is. 58:13,14 de bênçãos
para quem chamasse o sábado de “santo dia do Senhor” e poderia estar
obedecendo a essa ordem divina em Apocalipse 1:10. Mudando a expressão h`me,ra
tou/ Kuri,ou para kuriakh. h`me,ra o autor fez uma comparação entre Jesus e o
imperador, como já foi visto. Mas, a questão é se o NT endossa essa posição.
66

5.1.2 O sábado como dia do Senhor no Novo Testamento

No NT, o sábado era o dia de culto dos judeus e dos cristãos (Lc 4:16; At
13:14, 27, 42, 44; 15:21; 17:12; 18:4). Mesmo quando não havia uma sinagoga
disponível, os primeiros cristãos encontravam algum lugar para orar e pregar (At
16:13). As mulheres, após a morte de Cristo, ainda guardavam o sábado, conforme
o mandamento, Lc 23:55, 56. Em Hebreus 4:4 o quarto mandamento é citado. Mas o
relevante para este estudo é saber se o NT dá algum indício para que o sábado
pudesse ser chamado de kuriakh. h`me,ra.
Em Mateus 12:1-8, há uma questão sobre a guarda do sábado e Jesus
conclui sua resposta ao questionamento dos fariseus afirmando (v. 8) que Ele era
tw/n sabba,twn kuri,ou “Senhor do sábado”, ou seja, Jesus estava acima do
sábado. Lembrando que o termo ku,rioj pode significar também dono (Mc. 12:9; Lc
19:33), Cristo também está dizendo que é o dono do sábado, ou seja que o sábado
Lhe pertence. Possivelmente João estava entre os discípulos que colhiam espigas e
ouviu Jesus dizer que era o dono do sábado. Então, para João, o sábado era o dia
do Seu Senhor.
Apesar de a palavra “sábado” não aparecer no Apocalipse, Paulien (1999, p.
88-95) afirma que o livro do Apocalipse tem raízes veterotestamentárias, que
apontam para o sábado. O Apocalipse diz que o remanescente guarda os
mandamentos (12:17; 14:12), e como o grande conflito no Apocalipse é sobre
adoração (13:4, 8, 14-15), e os quatro primeiros mandamentos falam sobre
adoração, esses se tornam os principais nesse contexto e desses o que se destaca
é o quarto. O paralelo entre Apocalipse 14:7 e Êxodo 20:11 é perceptível, pois os
motivos para a obediência são os mesmos: a salvação (Ex 20:2-3; Ap 14:6), o juízo
(Ex 20:5; Ap 14:7) e a criação (Ex 20:11; 14:7). Paulien (1999, p. 94) afirma que:
“Quando o autor de Apocalipse (14:7) descreve o apelo final de Deus à raça humana
no contexto do engodo do tempo do fim, ele o faz em termos de um chamado à
adoração do Criador no contexto do quarto mandamento”. Além disso, o número
sete aparece 55 vezes no Apocalipse (sete igrejas, sete trombetas, sete selos, sete
pragas, sete anjos, etc.) o que demonstra a importância desse número no
Apocalipse, enquanto que o oito (domingo era chamado de o oitavo dia por alguns
como o Pseudo-Barnabé e Clemente de Alexandria) não aparece nenhuma vez.
Logo, apesar de a palavra sábado não aparecer, o sábado está presente no
67

Apocalipse. O próximo passo, então, é ver como os primeiros cristãos viam o


sábado.

5.2 A GUARDA DO SÁBADO NOS PRIMEIROS SÉCULOS DA IGREJA CRISTÃ

O sábado era o dia de guarda dos primeiros cristãos como demonstra o Novo
Testamento. Porém o afastamento do judaísmo, que era mal visto depois da revolta
de Bar Kochba, foi o principal motivo para que escolhecem outro dia de guarda.
Elwell (1993, v.1, p. 461) afirma que, não se sabe com precisão quando a Igreja
primitiva começou a guardar o domingo e que o NT não dá uma base lógica para
essa mudança:
Não se sabe quando a igreja primitiva começou os cultos aos
domingos. Os escritos do NT sequer oferecem uma base lógica para a
mudança das reuniões da observância do Dia do Senhor do sábado para o
domingo.

Segundo Morer (1701, p. 189 apud HAYNES, 1966, p. 30):

Os primitivos cristãos tinham grande respeito para com o sábado, e


passavam o dia em devoção e admoestações. E não devemos duvidar, pois
eles copiaram esse procedimento dos próprios apóstolos.

Nota-se claramente que os primeiros cristãos, baseados nos testemunhos dos


apóstolos, guardavam o sábado. Apesar de não se ter um claro motivo teológico
para a mudança do sábado para o domingo, é fato que ela aconteceu. O abandono
da observância do Sábado não foi instantâneo, foi um acontecimento gradual que foi
diferenciado em distintas localidades no Ocidente e no Oriente. Por quatro séculos,
como já foi visto nas Histórias eclesiásticas de Sozomen e de Sócrates, algum tipo
de observância do sábado e do domingo coexistiu entre os cristãos. Isso demonstra
que a observância do domingo, pelo menos inicialmente, não veio para substituir o
sábado nessas localidades.
O Egito helenístico e o resto do Oriente cristão helenístico praticavam a
observância do sábado e do domingo no século quarto e igualmente mais tarde no
século quinto, como será visto a seguir. No Oxyrhynchus Papyrus (c. 200-250
d.C.), que foi encontrado no Egito, percebe-se a importância da guarda do sábado:
68

A menos que você faça uma verdadeira guarda do sábado, você


não verá o Pai (Oxyrhynchus Papirus, Pt 1, p. 3 Logion 2, verso 4.11,
Londres: Escritórios do egípcio Exploração Agrícola, 1898).

João Cassiano, monge egípcio, (360-435), descrevendo a vida monástica:

Portanto, exceto os cultos vespertinos e noturnos, só há culto de dia


no sábado e no primeiro dia da semana, quando os monges se reúnem à
terceira hora [nove horas] para a santa comunhão. - De Institutione
Coenobiorum, livro III, cap. 2.

Pelo tempo de inverno, porém, quando as noites são mais longas,


as Vigílias que estão célebre todas as semanas a noite no começar do
Sábado sagrado são organizadas pelos anciãos. De Institutione
Coenobiorum, livro III, cap. 8.

Ultimamente, também, nesses dias, isto é, no sábado e no domingo,


- e em dias santos nos quais é habitual para o jantar e ceia ser provido para
os irmãos. De Institutione Coenobiorum, livro III, cap 12.

E ao longo de todo o Oriente, o tempo de orar dos Apóstolos,


quando foram fundadas a fé Cristã e religião, que estas Vigílias deveriam
ser celebradas no amanhecer de Sábado sagrado. De Institutione
Coenobiorum, livro III, cap. 9.

Esta última citação demostra que o sábado era sagrado e estava ligado aos
apóstolos, segundo João Cassiano. Tanto o testemunho do Oxyrhynchus Papirus
como o de João Cassiano confirmam que, no Egito helenístico, o sábado e o
domingo eram reverenciados ao mesmo tempo. Tertuliano, que era de Cartago e
honrava o “dia da ressureição”, chama o sábado de sagrado, demonstrando que, no
segundo século, o sábado ainda era considerado sagrado para os cristãos do norte
da África:

Na questão de ajoelhar-se, também a oração pode ser feita de


várias maneiras, embora haja alguns que se abstenham de se ajoelharem
no sábado sagrado. Uma vez que esta divergência está sendo considerada
pelas igrejas, o Senhor dará Sua graça para que os que não concordam
com isto cedam ou sigam o exemplo dos outros, sem haver ofensa contra
ninguém. – Em oração, cap. 23.

No Oxford dictionary of the Christian church, é relatado que a guarda do


sábado era praticada juntamente com a do domingo:

Embora os cristãos primitivos guardassem o domingo, continuou


largamente o sétimo dia como o dia de descanso e de oração, o fato que
a]ressureição de Cristo e a vinda do Espírito Santo aconteceram no primeiro
dia da semana logo conduziu a observância desse dia, domingo. (CROSS;
LIVINGSTONE, 1974, p.1217)
69

Isso indica que o sábado não substitui o domingo imediatamente, mas por
algum momento foram os dois reverenciados. A Igreja Oriental teve a guarda do
sábado como uma de suas características. As Constituições dos Santos
Apóstolos (produto de escritores da Igreja Oriental), embora também ordenem a
guarda do domingo, assim indicam a guarda do sábado:

Observarás o sábado por causa dAquele que repousou da obra da


criação, mas não cessou Sua obra de providência. É repouso para
meditação sobre a lei, e não para ficar com as mãos ociosas. –
Constituições dos Santos Apóstolos, livro II, sec. 5, cap. 36.

Em Antiguidades da Igreja pode-se ver um testemunho do culto aos


sábados pelos primeiros cristãos nas igrejas do Oriente:

Os antigos cristãos foram muito cuidadosos na observância do


sábado ou o sétimo dia ... É claro que todas as igrejas do Leste e a maior
parte do mundo têm observado o sábado como uma celebração ...
Atanásio disse que eles também tiveram assembléias religiosas sobre o
sábado, porque eles não estavam infectados com o judaísmo, mas para
adorar Jesus, o Senhor do sábado. Epifânio disse a mesma coisa.
(Antiguidades da Igreja Cristã, vol. II, xx livro, capítulo 3, secção 1).

Tanto na Igreja Oriental quanto no Egito helenístico e no norte da África, o


sábado era reverenciado muitos anos depois da morte dos apóstolos. O abandono
do sábado foi progressivo. Segundo Coleman (1853, p. 526 apud Haynes, 1966,
p.30):

Até o quinto século a observância do sábado judaico teve


continuidade na igreja cristã, mas com um rigor e solenidade cada vez
menores, até que cessou completamente.

Além de todos esses testemunhos, é relevante o estudo sobre a


nomenclatura da semana românica feito por Salum. A semana como a conhecemos
hoje é um empréstimo religioso cristão (SALUM, 1968, p. 1), sustituindo a semana
planetária que era pagã. Ele ainda afirma que é curioso que o nome “sábado” não
tenha sido mudado para um nome de um dia de semana comum como os outros
cinco dias (segunda a sexta) (SALUM, 1968, p. 29). O natural é que, sem valor
religioso para os cristãos, o sábado se tornasse um dia de semana como os outros.
A preservação do nome para esse dia já indica a importância do mesmo para os
primeiros cristãos.
70

Como se pode ver, o sábado era guardado no período de João, como


confirma o NT, e também depois dele, como alguns pais da Igreja e historiadores
afirmam. Além disso, o Senhor Jesus afirma que é Senhor do sábado,
demonstrando que este dia pertence a Ele, sendo assim o dia do Senhor. Pode-se
concluir, então, que o sábado é a interpretação mais coerente para a expressão
kuriakh. h`me,ra (“dia do Senhor”).
71

CONCLUSÃO

Há quatro propostas tradicionais para se interpretar a expressão kuriakh.


h`me,ra (“o dia do Senhor”) em Ap. 1:10. Este trabalho procurou avaliar as evidências
favoráveis e desfavoráveis a cada uma delas.
A interpretação que defende o significado de dia escatológico para kuriakh.
h`me,ra (“o dia do Senhor”) em Apocalipse 1:10, tem algumas dificuldades para ser
aceita. Dentro do contexto literário há a questão do tempo da visão das sete igrejas
que é incompatível com o dia escatológico. Além disso, o contexto favorece uma
interpretação de um dia literal para o dia do Senhor e não um dia simbólico. O
paralelismo entre o capítulo 1 e o 4, que é um dos argumentos dos defensores da
interpretação que propõe o dia escatológico, é restrito apenas à introdução das
visões, pois parecem, de fato, ser visões diferentes, dadas em dias diferentes. Além
disso, há certa dificuldade de associar “a voz como de trombeta” a uma referência
clara ao dia escatológico. Dentro do contexto gramatical, há a questão da
preposição evn (“em”) que não deve ser traduzida como “ao” ou “para”, um equívoco
que pode ter influenciado a interpretação do dia escatológico. Além disso, o verbo
gi,nomai é um verbo de ligação e não de movimento. Por fim, a relação da estrutura
do livro do Apocalipse com o santuário e a ausência de alguma referência ao
santíssimo ou aos seus móveis no capítulo 1 de Apocalipse dificultam uma
associação com o dia da expiação, tipo do dia escatológico. Sugere-se, então, que
“dia escatológico” não seja uma opção adequada para kuriakh. h`me,ra em
Apocalipse 1: 10.
A opção que defende a interpretação de dia do imperador para kuriakh.
h`me,ra em Apocalipse 1: 10, carece de apoio arqueológico, pois, apesar de existir
um dia dedicado ao imperador, não há evidências de que tenha recebido o nome de
kuriakh. h`me,ra, pois a expressão que aparece nos achados arqueológicos é
Sebasth. h`me,ra. Além dissso, está em clara oposição ao contexto histórico em que
foi escrito o livro do Apocalipse, pois nem cristãos nem judeus tinham o costume de
chamar o imperador de senhor, ademais, João está preso por causa de uma
perseguição do imperador e a causa dessa perseguição é sua rejeição à adoração
ao imperador. Não há dúvidas de que o senhor de João não era o imperador, mas o
72

seu Deus, logo kuriakh. h`me,ra é o dia do seu Deus e não do imperador. O uso de
kuriako,j por João, de acordo com o contexto joanino, aponta para uma utilização
de uma palavra que possui significado secular e uma cristianização da mesma,
fazendo assim uma comparação entre o falso senhor (o imperador) e o verdadeiro
senhor (Deus). Por isso, essa também não parece ser uma hipótese defensável para
kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10.
A terceira interpretação, a que defende o domingo como kuriakh. h`me,ra em
Apocalipse 1:10, também tem suas dificuldades. Essa interpretação não está de
acordo com o contexto joanino, pois as referências ao domingo no evangelho não
lhe atribui importância especial. Além disso, essa interpretação se baseia em textos
gregos como a Didaquê e a carta de Inácio aos magnésios, cuja tradução é afetada
pela possibilidade de kuriakh, já ser um estereótipo lingüístico no período em que
estes textos foram escritos, o que não é confirmado na análise histórica desse termo
em Clemente de Alexandria. Ademais, os defensores da interpretação que favorece
ao domingo não levam em conta os efeitos da revota judaica de 132-135 d.C. na
literatura cristã após a mesma, criando um ambiente bem diferente do período em
que foi escrito o Apocalipse. Portanto, o domingo também não é a opção mais
coerente para kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10.
A quarta interpretação, a que apresenta o sábado como significado para
kuriakh. h`me,ra em Apocalipse 1:10 tem apoio no Antigo Testamento e no Novo
Testamento, especialmente no evangelho de João e no contexto do livro do
Apocalipse, no qual há alusões ao sábado. Além disso, tem apoio de historiadores
na afirmação da continuidade da guarda do sábado no período pós-apostólico.
Sendo assim, essa é a opção que é mais adequada para se interpretar kuriakh.
h`me,ra (“o dia do Senhor”) em Apocalipse 1:10. Conclui-se, então, que João teve a
primeira visão do livro do Apocalipse num sábado, o dia do Senhor.
73

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77

APÊNDICES

Apêndice 1

1. Em Paedagogus 1.6.45.1.4:






o sangue é a preparação do leite, como uma semente do homem, e a
uva da vide. Com o leite, portanto, o nutriente do Senhor, somos nutridos
assim que nascemos.”


2. Em Paedagogus 2.2.19.4.4:




“e isso é beber o sangue de Jesus, tornar-nos participantes da
incorrupção do Senhor; o Espírito é a força da Palavra.”


3. Em Paedagogus 2.3.36.1.4:

 




E se ele fala assim do matrimônio, em referência o qual Deus diz,


" Multiplicai-vos, como você pode não pensar que a é exibição insensata pela
autoridade do Senhor deve ser banida? Onde também o Senhor diz, " Vende
que tens, e dá aos pobres; então, vem e segue-me. "


4. Em Paedagogus 2.8.61.3.3:



 


Isto pode ser um símbolo do ensino do Senhor, e de seu sofrimento.
Pois os pés untados com ungüento fragrante, significa a instrução divina que
viaja com renome aos fins da terra.
78

5. Em Stromata 3.7.58.2.5:




 

Pois aprendemos a não “fazer caso da carne em relação às
concupiscências, andando honestamente, como se durante o dia”, por
Cristo e pela direção iluminada do Senhor, “não em banquetes e
bebedeiras, não em luxúria e impudícia, não em contendas e fanatismos.”

6. Em Stromata 4.6.27.1.2:





E, geralmente, a disciplina do Senhor afasta a alma
alegremente do corpo, mesmo quando é necessário arrancá-la em sua
remoção.

7. Em Stromata 4.6.29.3.1:








obedeça o que é falado por mim; apresse à ascensão do Espírito,
não só estando justificado por abstinência do que é mau, mas além também
aperfeiçoou, através de beneficência do Senhor. Nesta instância Ele
condenou o homem que ostentou que ele tinha cumprido os mandatos da
lei, de não amar de não amar o vizinho dele,

8. Em Stromata 5.6.38.5.1:






De outra forma, era necessário que a lei e os profetas fossem
colocados de baixo da cabeça do Senhor, porque em ambos os
Testamentos menção é feita aos justos.
79

9. Em Stromata 5.14.106.2.1:


 



Platão fala profeticamente do dia do Senhor no livro X da


República: “e quando se passarem sete dias para cada um dos que estão
na relva, eles partirão no oitavo.”

10. Em Stromata 6.1.2.3.3:






Porque é certo que o trabalho deveria proceder não apenas a


comida, mas também, muito mais o conhecimento, no caso daqueles que
estão avançando à salvação eterna e santificada por meio do caminho
estreito e apertado verdadeiramente é do Senhor.

11. Em Stromata 6.3.34.3.2:








Portanto também o profeta diz, ouvistes a voz de palavras, e não


vistes nenhuma similaridade. Percebes que a voz do Senhor é o verbo sem
forma. Pois o poder do verbo é a palavra luminosa do Senhor, a verdade do
céu a cima vinda à assembléia da Igreja.

12. Em Stromata 6.6.50.6.2:






Mas deixando de ser bestas selvagens pela fé no Senhor, eles se
tornam homens de Deus e passam da vontade de pela fé no Senhor, eles
se tornam homens de Deus e passam da vontade de mudar para a
mudança de tato.

13. Em Stromata 6.8.68.2.1:


80






O Mestre nos deu um relato [das coisas que ouvido não ouviu nem
subiram ao ao coração dos homens], revelando em ordem crescente, o
santo dos santos e coisas ainda mais santas do que essas, para aqueles
que são realmente os herdeiros da adoção do Senhor, e não
espuriamente.

14. Em Stromata 6.9.71.3.1:







Os apóstolos dominaram, da forma mais sapencial e por meio do
ensinamento do Senhor, a ira, o medo e a concupiscência.

15. Em Stromata 6.14.113.3.2:




Assim recebendo poder do Senhor, a alma se esforça para ser
divina.

16. Em Stromata 6.16.141.3.2:





Porquanto é dito que o homem foi criado no sexto [dia], tornando-se
fiel ao sinal de modo que logo recebesse o descanso da herança do
Senhor.


17. Em Stromata 6.17.150.3.3:






Mais tarde, portanto, o gnóstico imita, finalmente, o Senhor, tanto
quanto possível aos homens, tendo recebido uma qualidade “senhorial”
com vistas à assimilação ao divino.
81

18. Em Stromata 7.10.57.3.3:






O conhecimento é uma demonstração forte e segura do que é
recebido pela fé, por meio do ensinamento do Senhor.

19.Em Stromata 7.10.57.5.4:





ele é levado para o átrio ancestral na mansão do Senhor, na
realidade, através do hebdomadário sagrado.

20. Em Stromata 7.10.58.1.1:





O primeiro modo da operação do Senhor mencionada por nós é
uma exibição da recompensa que é o resultado de devoção.

21. Em Stromata 7.12.76.4.2:









Tendo cumprido o mandamento, segundo o evangelho, ele guarda
aquele dia do Senhor quando abandona uma mentalidade deletéria e
assume a de conhecedor, glorificando m si a ressurreição do Senhor.


22. Em Stromata 7.15.90.5.3:




O apóstolo chama de “aprovados” aqueles que chegaram à fé,
aplicando-se ao ensinamento do Senhor da forma mais selecionada.
82

23.  Em Stromata 7.16.95.4.3:





Aquele, então, que por si só é fiel tanto à Escritura quanto a voz
do Senhor é, com toda razão, digno da fé.

24. Em Eclogae propheticae 12.1.4:




As provisões de viagem para o caminho do Senhor são as bem-
aventuranças do Senhor.

25. Em Excerpta ex Theodoto 3.63.1.1:





Pois o repouso dos que são espirituais ocorre no [dia] do Senhor, no
oitavo [dia], o qual é chamado [dia] do Senhor pela Madre.

26. Em Fragmenta 56.5: 






Porquanto aquele que não foge como alguém que se arroja do
perigo, desobedecendo a voz do Senhor, deve ser repreendido.
83

Apêndice 2

Valoriza aos profetas, Filadelfos 5:2:

tou.j profh,taj de. avgapw/men( dia. to. kai. auvtou.j eivj to.
euvagge,lion kathggelke,nai kai. eivj auvto.n evlpi,zein kai. auvto.n
avname,nein( evn w=| kai. pisteu,santej evsw,qhsan( evn e`no,thti VIhsou/
Cristou/ o;ntej( avxiaga,phtoi kai. avxioqau,mastoi a[gioi, u`po. VIhsou/
Cristou/ memarturhme,noi kai. sunhriqmhme,noi evn tw/| euvaggeli,w| th/j
koinh/j evlpi,dojÅ

Amemos os profetas, porque eles também anunciaram o


Evangelho, esperaram nele e o aguardaram. Crendo nele, foram salvos;
permanecendo na unidade de Jesus Cristo, santos dignos de amor e
admiração, receberam o testemunho de Jesus Cristo e foram admitidos no
evangelho da nossa esperança comum.

Como se pode ver o pensamento de Inácio era bem diferente do Pseudo-


Barnabé, Inácio respeita e usava o VT, como já foi dito Inácio lutava contra o
judaísmo, uma heterodoxia, possivelmente os ebionitas e não contra o VT.
Antes de ver o que era o “judaísmo” será visto o que ele não era. O judaísmo
não era a guarda da lei de Deus, pois Inácio procura exaltar a lei de Deus. Para
Inácio, a obediência a lei é um elogio, como ele demonstra na introdução de sua
carta aos Romanos 1:1:

VIgna,tioj( o` kai. Qeofo,roj( th/| hvlehme,nh| evn megaleio,thti


patro.j u`yi,stou kai. VIhsou/ Cristou/ tou/ mo,nou ui`ou/ auvtou/ evkklhsi,a|
hvgaphme,nh| kai. pefwtisme,nh| evn qelh,mati tou/ qelh,santoj ta. pa,nta(
a] e;stin( kata. avga,phn VIhsou/ Cristou/( tou/ qeou/ h`mw/n( h[tij kai.
proka,qhtai evn to,pw| cwri,ou ~Rwmai,wn( avxio,qeoj( avxiopreph,j(
avxiomaka,ristoj( avxie,painoj( avxiepi,teuktoj( avxi,agnoj kai.
prokaqhme,nh th/j avga,phj( cristw,numoj( patrw,numoj( h]n kai.
avspa,zomai evn ovno,mati VIhsou/ Cristou/( ui`ou/ patro,j\ kata. sa,rka kai.
pneu/ma h`nwme,noij pa,sh| evntolh/| auvtou/( peplhrwme,noij ca,ritoj qeou/
avdiakri,twj kai. avpodiu?lisme,noij avpo. panto.j avllotri,ou crw,matoj
plei/sta evn VIhsou/ Cristw/(| tw/| qew/| h`mw/n( avmw,mwj cai,reinÅ

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu a


misericórdia, por meio da magnificência do Pai Altíssimo e de Jesus Cristo,
seu Filho único; à Igreja amada e iluminada pela bondade daquele que quis
todas as coisas que existem, segundo a fé e o amor dela por Jesus Cristo ,
nosso Deus; à Igreja que preside na região dos romanos, digna de Deus,
digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de
sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta o nome de
Cristo, que porta o nome do Pai; eu a saúdo em nome de Jesus Cristo, o
Filho do Pai. Àqueles que física e espiritualmente estão unidos a todos
os seus mandamentos, inabalavelmente repletos da graça de Deus,
84

purificados de toda coloração estranha, eu lhes desejo alegria pura em


Jesus Cristo, nosso Deus.

Ao falar do bispo de Filadélfia ele o elogia por seguir os mandamentos,


Filadélfos 1:2:

suneuru,qmistai ga.r tai/j evntolai/j w`j cordai/j kiqa,raÅ dio.


makari,zei mou h` yuch. th.n eivj qeo.n auvtou/ gnw,mhn( evpignou.j
evna,reton kai. te,leion ou=san( to. avki,nhton auvtou/ kai. to. avo,rghton
auvtou/ evn pa,sh| evpieikei,a| qeou/ zw/ntojÅ

Ele está afinado aos mandamentos, como a cítara às cordas. Por


isso, minha alma felicita o conhecimento que ele tem em relação a Deus,
sabendo que é virtuoso e perfeito; felicito sua constância e calma que são
conformes com toda a bondade do Deus vivo.

Veja que uma das virtudes do bispo de Filadéfia era seguir os mandamentos
de Deus. Logo, pode-se ver que em Inácio não há uma ruptura com os
mandamentos de Deus. Apesar de hoje muitos cristãos dizerem que guardam os
mandamentos de Deus e trocam o sábado pelo domingo, ou utilizam imagens de
escultura, esse não parece ser o costume do final do século I e início do II. Ou era
toda a lei ou nenhuma lei.
85

Apêndice 3

Em Efésios 9:2, Inácio demonstra sua alegria pelo fato de que o efésios
guardam os mandamentos de Jesus e vivem a vida de homem mas amando a Deus
sobre todas as coisas (vida nova):

evste. ou=n kai. su,nodoi pa,ntej( qeofo,roi kai. naofo,roi(


cristofo,roi( a`giofo,roi( kata. pa,nta kekosmhme,noi evntolai/j VIhsou/
Cristou/\ oi-j kai. avgalliw,menoj hvxiw,qhn diV w-n gra,fw
prosomilh/sai u`mi/n kai. sugcarh/nai( o[ti katV avnqrw,pwn bi,on ouvde.n
avgapa/te eiv mh. mo,non to.n qeo,nÅ

Sois todos companheiros de viagem, portadores de Deus e do


templo, portadores de Cristo e do Espírito Santo, portadores dos objetos
sagrados, ornados em tudo com os mandamentos de Jesus Cristo. Estou
alegre convosco, porque fui julgado digno de conversar convosco por meio
desta carta, e de congratular-me pelo fato de que, vivendo a vida de
homem, não amais nenhuma outra coisa além de Deus.

Para Inácio, vivendo a nova vida e ornados com os mandamentos de Deus,


os membros da Igreja não amariam nenhuma coisa além de Deus, ou seja, estariam
firmes na fé. Ainda na questão de viver uma vida em que Deus está em primeiro
lugar, pode-se ver em Efésios 10:3, o desejo de Inácio que os efésios fossem
imitadores de Cristo:

avdelfoi. auvtw/n eu`reqw/men th/| evpieikei,a|\ mimhtai. de. tou/


kuri,ou spouda,zwmen ei=nai)

Sejamos irmãos deles pela bondade, e procuremos ser imitadores


do Senhor.

Os cristãos deveriam deixar a velha vida em que viviam do seu jeito, agora
eles deveriam ser imitadores do Senhor, assim como Paulo (ICo. 11:1; Ef. 5:1; Ts.
1:16), Inácio ensinava que na nova vida o crente imita a Cristo. Logo, para Inácio era
importante viver como Cristo viveu, viver a “vida do Senhor”.
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ANEXO

Codex Mediceus Laurentiane, Inácio aos Magnésios.


Agradeço ao Dr Samuelle Bacchiocchi pela informação da localização do
Codex e a Biblioteca Medicea Laurenziana Firenze pelas informações a respeito do
Codex, inclusive o nome correto Codex Mediceus Laurentinus, pois como se pode
ver na nota abaixo do manuscrito Bacchiocchi se equivocou ao citar o nome do
Codex.

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