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QUAL A IDENTIDADE DAS TRIBOS DA TERRA E O SEU

LAMENTO EM APOCALIPSE 1.7?


UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO QUE DEFENDE O
POVO JUDEU COMO AS TRIBOS DA TERRA E O TERRÍVEL
JULGAMENTO COMO SEU LAMENTO
William Steigenberger de Souza1

Nota final (média): 90

No geral, é um ótimo artigo, muito bem escrito, com bom referencial bibliográfico.
O artigo segue um tema possível de argumentação, porém, deveria ser menos
dogmático nas afirmações, muitas das quais são “apressadas” demais.
Linguagem mais comedida como “pode significar”, ou “provavelmente significa”
é mais apropriada, especialmente quando as conclusões são muito rápidas
baseadas em argumentações não tão convincentes, que tendem a
desconsiderar os tipos variados de uso que João faz do AT em Apocalipse.
Atribuir todo o cumprimento de Ap 1.7 à liderança judaica do primeiro século é
extremamente forçado na minha opinião. Isso primeiramente dependeria de
provar que o livro foi escrito antes da década de 70, o que tem sido uma tarefa
bem ingrata para autores com Gentry e outros. Mesmo que se pretenda dizer
que isso se dará na segunda vinda de Cristo, então, limitar a cena de juízo
apenas para aquelas pessoas também soa estreito demais. Por outro lado,
partindo do pressuposto da Escatologia amilenista, do já mas ainda não, o seu
trabalho ficaria muito mais “fácil” de ser comprovado. Do mesmo modo que

1Aluno de Novo Testamento no STM do Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ) e ministro
presbiteriano da 2ª Igreja Presbiteriana de Jaboticabal (2ª IPJ).
Mateus 24 tem uma perspectiva profética que aponta para a geração judaica
daquele período sob juízo de Deus, mas extrapola isso para a “volta de Cristo e
a consumação do século”, (coisas que muito forçosamente se aplicariam
exclusivamente ao ano 70, onde nem sequer a cidade foi de todo destruída),
também Apocalipse 1 pode fazer uma menção retroativa ao juízo já consumado
sobre a geração judaica do século 1 (se o livro foi escrito depois da década de
70), e de um momento final de juízo sobre todas as tribos, não apenas as tribos
de Israel, mas sobre o mundo todo.

RESUMO

O presente artigo busca demonstrar que as tribos da terra de Apocalipse


1.7 representam o povo judeu apóstata, e o lamento das tribos da terra é uma
representação do terrível juízo divino. O versículo traz o tema do livro2. Isso é
interessante, pois conecta o prólogo com o tom juízo que vemos no desenrolar
de Apocalipse. O versículo combina duas passagens do AT, Daniel 7.13 e
Zacarias 12.10-14. Essa combinação é de difícil interpretação, porque João
modifica a estrutura das citações para mostrar que a profecia de Daniel 7.13 e o
alerta de Zacarias 12.10-14 estavam se concretizando em seus dias. A tese de
que o texto de Apocalipse 1.7 fala das tribos da terra como o povo judeu apóstata
e o seu lamento como expressão do terrível juízo divino não é amplamente aceita
pelos acadêmicos. Contudo, ao observamos o pano de fundo contextual de
Apocalipse, analisando a estrutura literária e elementos da Análise do Discurso
no livro, além de alguns detalhes exegéticos do texto, perceberemos que

2 Comentaristas que destacam isso: BEALE, G. K. The book of Revelation: a commentary on the Greek
text (The new international Greek Testament commentary). Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing,
1999; BLOUNT, Brian K. Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library). Presbyterian
Publishing Corporation. Edição do Kindle; BORING, M. Eugene. Revelation (INTERPRETATION - A Bible
Commentary for Teaching and Preaching). Kentucky: John Knox, 1989; DUVALL, J. Scott. Revelation
(Teach the Text Commentary Series). Baker Publishing Group. Edição do Kindle; LADD, George Eldon.
Apocalipse: Introdução e Comentário. Tradução: Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 1986; GENTTRY
Jr., Kenneth L. O Apocalipse para leigos. Tradução: André Mattos Duarte. Brasiília, DF: Monergismo, 2016;
OSBORNE, Grant R. Apocalipse: comentário exegético. Tradução de Robinson Malkomes, Tiago Abdalla
T. Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2014.
algumas coisas que parecem universais são específicas e algumas coisas que
parecem ambíguas são únicas.

PALAVRAS-CHAVE

Apocalipse; Daniel, Zacarias; Tribos de Israel; Povo Judeu Apóstata;


Lamentação; Vinda em Juízo; Uso do AT no NT; Intertextualidade; Elementos da
Análise do Discurso;

INTRODUÇÃO

O texto de Apocalipse de João conta com inúmeros desafios exegéticos


e interpretativos. Isso é visto na construção desajeitada do texto grego, que
alguns chamam até de solecismos em Apocalipse3. Outro tema debatido é a
questão da data do Apocalipse de João. Os preteristas defendem uma data por
volta de 65 a 68 d.C.4. Já os historicistas, idealistas e dispensacionalistas
defendem uma data que se inicia depois de 70 d.C. e vai até a década de 90
d.C. A grande maioria dessa posição defende que o Apocalipse de João foi
escrito no período do imperador Domiciano5. Por fim, há um debate sobre o pano
de fundo contextual usado por João ao escrever o Apocalipse. Alguns defendem
o contexto greco-romano6. Outros, entretanto, defendem o contexto
veterotestamentário7.

O texto de Ap 1.7 entra nesse emaranhado de discussões do livro. Ele


tem sua relevância, pois apresenta o tema do Apocalipse de João. Ele é
importante, porque vai direcionar a leitura do restante do livro e a postura
daqueles que leem o texto hoje. Ele é interessante, visto que envolve todas as
discussões acima de forma implícita e que comentaristas de várias linhas
interagem, amenizando as diferenças teológicas, para se aproximarem de uma
interpretação mais exegética. Por isso, ao buscarmos entender quem são as

3 BEALE, G. K. The book of Revelation: a commentary on the Greek text (The new international Greek
Testament commentary). Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing, 1999. p. 72-76.
4 PATE, C. Marvin (org.). O Apocalipse: quatro pontos de vistas. Trad.: Victor Deakins. São Paulo: Editora

Vida, 2003. p. 23-28.


5 Idem.
6 KRAYBILL, J. Nelson. Culto e comércio imperiais no Apocalipse de João. Trad.: Barbara Theoto Lambert.

São Paulo: Paulinas, 2004.


7 MOYISE, Steve. The Old Testament in the Book of Revelation. Journal for the Study of the New

Testament. Sheffield: T&T Clark, 1995.


tribos da terra e o seu lamento em Ap 1.7, estamos interessados em saber como
o texto em suas relações gramáticas, seu estilo literário e escolha de palavras,
inclusive o seu contexto responde a questão das tribos e o seu lamento.

Dessa forma, este artigo visa a contribuir com a discussão sobre esse
assunto, trazendo uma interpretação que especifica as tribos da terra como o
povo judeu do primeiro século e que seu lamento é pelo terrível juízo que caiu
sobre ele. Isso será feito por meio de análises semânticas, gramaticais, literárias
e contextuais das expressões “καὶ οἵτινες”, “φυλαὶ τῆς γῆς”, “ἔρχεται μετὰ

τῶν νεφελῶν” e “κοψονται”, bem como através de relações intratextuais e

intertextuais envolvendo Ap 1.7. Devido à natureza introdutória deste artigo, os


tópicos aqui abordados poderão ser, certamente, ampliados e estudados em
maior profundidade.

1. “καὶ οἵτινες” ESPECÍFICA UM GRUPO NO DISCURSO

Após um cuidadoso exame da literatura secundária de Apocalipse,


notamos que a maioria dos comentaristas8 interpretam a expressão “todo olho o

8 AUNE, David E. Word Biblical Commentary: Revelation 1-5. Thomas Nelson, 1997; BARR, David L. Tales
of the End: A Narrative Commentary on the Book of Revelation. Polebridge Press. Edição do Kindle;
BEAGLEY, Alan James. The "Sitz im Leben" of the Apocalypse with particular reference to the role of the
Church's enemies. Waiter de Gruyter, 1987; BEALE, G. K. The book of Revelation: a commentary on the
Greek text (The new international Greek Testament commentary). Michigan: Wm. B. Eerdmans
Publishing, 1999; BLOUNT, Brian K. Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library).
Presbyterian Publishing Corporation. Edição do Kindle; BORING, M. Eugene. Revelation
(INTERPRETATION - A Bible Commentary for Teaching and Preaching). Kentucky: John Knox, 1989;
DUVALL, J. Scott. Revelation (Teach the Text Commentary Series). Baker Publishing Group. Edição do
Kindle; GILL, John. Exposition on the Entire Bible-Book of Revelation. Grace Works Multimedia. Edição
do Kindle; GUNDRY, Robert H. Commentary on Revelation (Commentary on the New Testament Book
#19). Baker Publishing Group. Edição do Kindle; HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores. Tradução:
Wadislau Martins. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2018; KIDDLE, Martin. The Revelation of St. John (The
Moffatt New Testament Commentary). SOURCE DIGITAL PUBLISHING. Edição do Kindle; KISTEMAKER,
Simon. Comentário de Apocalipse. Tradução: Valter Martins. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004;
KOESTER, Craig R. Revelation: A new translation with introduction and commentary; Vol. 38. London:
The Anchor Yale Bible, 2014; LADD, George Eldon. Apocalipse: Introdução e Comentário. Tradução: Hans
Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 1986; LEITHART, Peter J. Revelation 1-11. T&T Clark, 2018; METZGER,
Bruce M. Breaking the Code - Participant's Book: Understanding the Book of Revelation. Abingdon Press.
Edição do Kindle; MORRIS, Leon. REVELATION: AN INTRODUCTION AND COMMENTARY. Illinois. IVP
Academic, 2009; ROLOFF, Jorgen. Revelation: a continental commentary. Translated by John E. Alsup.
Minneapolis: Fortress Press, 1993; SMALLEY, Stephen S. THE REVELATION TO JOHN: A Commentary on
the Greek Text of the Apocalypse. Grã-Bretanha: Promoting Christian Knowledge, 2005; STEFANOVIC,
Ranko. Revelation of Jesus Christ: commentary on the book of Revelation. Berrien Springs: Andrews
University Press, 2002; OSBORNE, Grant R. Apocalipse: comentário exegético. Tradução de Robinson
Malkomes, Tiago Abdalla T. Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2014; WILLIAMSON, Peter S. Revelation
(Catholic Commentary on Sacred Scripture). Baker Publishing Group. Edição do Kindle.
verá, até quantos os transpassaram” de Ap 1.7 como sendo o reconhecimento
do senhorio de Cristo por todos, gentios e judeus. Boring, por exemplo, diz “todos
verão e reconhecerão o senhorio de Cristo, inclusive seus inimigos que o
transpassaram”9. Koester observa que o texto indica uma ampliação dos
adversários de Jesus, incluindo os do tempo de João e dos demais períodos da
história10. Apesar do assunto parecer resolvido, pesquisas têm questionado a
posição.

O ponto de partida e que causa estranhamento é gramatical. A


expressão “καὶ οἵτινες” tem a função de explicar ou especificar o termo

anterior, pois o “καὶ” é epexegético. Gentry11 diz que a expressão pode ser mais
bem traduzida por “isto é, a saber, os quais”, mostrando que os “que o verão”
são identificados como “os que o transpassaram”, diferentemente dos que
defendem a união dos grupos de gentios e judeus12.

O uso da expressão “καὶ οἵτινες” em Apocalipse tem sido para explicar


melhor ou dar mais informações do termo precedente13. Em Apocalipse, a
expressão é usada em outro lugar, por exemplo, em Ap 20.4. Nesse texto, João
usa a expressão para descrever as almas dos decapitados. Ou seja, João explica
e específica que o grupo dos decapitados, que se assentam nos tronos, são os
que não adoram a besta14. Deste modo, “καὶ οἵτινες” tem a função de explicar
e especificar o termo anterior em Apocalipse.

9 BORING, M. Eugene. Revelation (INTERPRETATION - A Bible Commentary for Teaching and Preaching).
Kentucky: John Knox, 1989. p. 80.
10 KOESTER, Craig R. Revelation: A new translation with introduction and commentary; Vol. 38. London:

The Anchor Yale Bible, 2014. p. 229.


11 GENTTRY Jr., Kenneth L. O Apocalipse para leigos. Tradução: André Mattos Duarte. Brasiília, DF:

Monergismo, 2016. p. 53-54.


12 Osborne, por exemplo, defende que a estrutura litúrgica de Ap 1.7 aponta para um paralelismo entre

as frases. Ou seja, as frases: καὶ ⸁ὄψεται αὐτὸν πᾶς ὀφθαλμὸς // καὶ οἵτινες °αὐτὸν ἐξεκέντησαν, // καὶ
κόψονται [...], progridem em paralelos, resultando em um choro geral, envolvendo judeus e gentios
(OSBORNE, Grant R. Apocalipse: comentário exegético. Tradução de Robinson Malkomes, Tiago Abdalla
T. Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 77-78). Entretanto, o paralelismo falha porque “οἵτινες” só
aparece na frase central e está no nominativo, explicando o termo “ὀφθαλμὸς” que também está no
nominativo.
13 GENTTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 149.
14 A posição que apresenta Ap 20.4 como um único grupo para os decapitados, e não dois, é defendida

pelo Dr. Leandro Lima, quando discutíamos em sala sobre as ressurreições de Ap 20 (Notas de sala de aula
na disciplina APOCALIPSE DE JOÃO: Estudo Teológicos e Literários, no Centro de Pós-Graduação Andrew
Jumper).
Além desse aspecto gramatical, quando analisamos o discurso e
observamos as escolhas feitas por João na escrita do vs. 7, é possível entender
que “os que o transpassaram” explica e específica “os que o verão”. Segundo
Runge15, as escolhas de palavras, expressões e categorias gramaticais implicam
em significados pretendidos pelo autor. Sendo assim, a escolha da expressão
“καὶ οἵτινες”, por parte de João, implica na ideia de descrever aqueles que
verão a vinda de Cristo nas nuvens. Para indicar que seriam dois grupos, e sendo
um grupo que se estenderia até os judeus que mataram Jesus, João poderia
usar a palavra “ἄχρι”, indicando uma extensão de pessoas até um grupo

anterior16. Logo, a expressão “καὶ οἵτινες” específica, descreve e explica o


termo anterior, indicando que o grupo que verá Cristo vindo nas nuvens é “os
que o transpassaram”, ou seja, os judeus do primeiro século da era cristã e não
todas as pessoas do mundo.

2. A EXPRESSÃO “φυλαὶ τῆς γῆς” É ASSOCIADA AO POVO JUDEU

Outro possível estranhamento diante de Ap 1.7 é o entendimento que a


expressão “φυλαὶ τῆς γῆς” significa todas as pessoas da terra. Beale17 defende

15 Runge diz: “Uma das principais pressuposições da gramática do discurso é que a escolha implica
significado. Tudo de nós fazemos escolhas enquanto nos comunicamos: o que incluir, como priorizar e
ordenar eventos, como representar o que queremos dizer. As escolhas que fazemos são dirigidas por
nossos metas e objetivos da comunicação. A implicação é que, se uma escolha é feita, então há um
significado associado à escolha. Vamos descompactar um pouco essa ideia. Se eu optar por fazer X quando
Y e Z também são opções disponíveis, isso significa que tenho no mesmo tempo optou por não fazer Y ou
Z. A maioria dessas decisões são tomadas sem consciência pensamento. Como falantes do idioma, apenas
fazemos o que melhor se encaixa no contexto com base em o que queremos comunicar. Embora
possamos não pensar conscientemente sobre essas decisões, ainda assim as estamos tomando. O mesmo
princípio vale para os escritores do NT. Se um escritor escolheu usar um particípio para descrever uma
ação, ele ao mesmo tempo optou por não usar um indicativo ou outro verbo finito de. Isso implica que há
algum significado associado a essa decisão” (RUNGE, Steven E. DISCOURSE GRAMMAR of The GREEK
NEW TESTAMENT: A PRACTICAL INTRODUCTION FOR TEACHING AND EXEGESIS. Hendrickson Publishers,
2010. p. 3).
16 Segundo o Léxico Grego-Português do NT baseado em domínios semânticos, a expressão “ ἄχρι“ pode

ter o significado de extensão até um alvo ou terminando nele. (LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene A.
(edit.). Léxico Geego-Português do Novo Testamento baseado em domínios semânticos. Trad. Vilson
Scholz. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013. p. 642).
17 Beale diz: “[...] não se limitam aos israelitas, mas afirmado de todas as nações. Aqueles que choram não

são aqueles que literalmente crucificaram Jesus, mas aqueles que são culpados de rejeitá-lo. Esta
provavelmente não é uma referência para todas as pessoas sem exceção, mas para todas as nações que
crêem, como indicado claramente por 5:9 e 7:9 (cf. o plural de φυλή [“tribo”] como uma referência
universal aos incrédulos em 11:9; 13:7; 14:6) (BEALE, G. K. The book of Revelation: a commentary on the
Greek text (The new international Greek Testament commentary). Michigan: Wm. B. Eerdmans
Publishing, 1999. p. 191-192.
que João reinterpreta a profecia de Zacarias 12.10-14, aplicando a profecia a
todos os habitantes da terra” e não somente a “Casa de Davi”. Boring18,
acompanhando Beale, diz que João universaliza o que era restrito apenas aos
habitantes de Jerusalém. Apesar de entender esse movimento de
reinterpretação do sujeito ao longo da história 19, pesquisas têm questionado
essa posição.

A questão levantada é que a expressão “φυλαὶ τῆς γῆς”, geralmente,


refere-se a Terra Prometida20. Nesse sentido, Gentry diz que em vários textos
do NT, a expressão faz referência a totalidade da Terra Prometida, ou a alguma
porção dela21. Chilton22, apesar de reconhecer a possibilidade de uma
reaplicação, defende que o contexto original de Zacarias 12.10-14, que é de
juízo, é o que empresta o significado para “φυλαὶ τῆς γῆς” de Ap 1.7, mostrando
que o tempo de arrependimento para a casa de Israel 23 terminou.

A demonstração de que “φυλαὶ τῆς γῆς” significa a Terra de Israel pode


ser vista gramatical, contextual e literariamente. Diante da questão gramatical,
observamos que o artigo “τῆς” limita ou especifica24 a terra em questão. Deste

18 Boring diz: “O texto de Zacarias limitava-se "aos habitantes de Jerusalém", mas João universaliza para
incluir "todas tribos da terra" (BORING, M. Eugene. Revelation (INTERPRETATION - A Bible Commentary
for Teaching and Preaching). Kentucky: John Knox, 1989. p. 80).
19 “A definição do efeito metafórico permite-nos, pondo em relação discurso e língua, objetivar, na

análise, o modo de articulação entre estrutura e acontecimento. O efeito metafórico, nos diz M. Pêcheux,
é um fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual [...]” (ORLANDI, Eni P. Análise do
Discurso: princípios e procedimentos. Campinas-SP: Pontes Editores, 2015. p. 77).
20 Essa questão é levantada por teólogos amilenistas. Por exemplo, Kistemaker diz que a expressão pode

se referir às tribos de Israel ou aos povos da terra. (KISTEMAKER, Simon. Comentário de Apocalipse.
Tradução: Valter Martins. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p. 120).
21 Além disso, o autor destaca que expressões como “terra de Judá” (Mt 2.6), terra da Judeia (Jo 3.22),

“terra de Israel” (Mt 2.20-32), “terra de Zebulom” (Mt 4.15), “terra de Naftali” (Mt 4.15) e “terra dos
judeus” (At 10.39), apontam para o significado restrito e específico da palavra “ γῆς” como “Terra
Prometida ou Terra de Israel”. (GENTTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 48).
22 CHILTON, David. THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of Revelation. Texas: Dominion

Press, 1987. p. 38-39.


23 Outro teórico defensor da expressão “φυλαὶ τῆς γῆς” como Terra de Israel é Beagley, ao considerar a

geografia de Jerusalém, sua história e o conceito de cidade no AT em BEAGLEY, Alan James. The "Sitz im
Leben" of the Apocalypse with particular reference to the role of the Church's enemies. Waiter de
Gruyter, 1987.
24 MATHEWSON, David L.; EMIG, Elodie Ballantine. Intermediate Greek Grammar. Baker Publishing

Group. Edição do Kindle. p. 110-114


modo, não é qualquer terra ou o mundo todo 25, mas uma terra específica,
definida e conhecida. No caso em questão, a terra de Israel.

Diante da questão contextual, observamos que no contexto


veterotestamentário as nações pagãs são simbolicamente chamadas de mar26
ou de nações do mar, ao contrário do povo de Israel que sempre era associado
a terra ou ao povo da Terra Prometida. Como Apocalipse é o livro mais
veterotestamentário do NT27, podemos interpretar “φυλαὶ τῆς γῆς” como sendo
o povo de Israel e seus respectivos governantes.

A questão literária envolve a escolha da palavra que João usa para


comunicar um efeito pragmático aos seus leitores28. Ele poderia ter usado a
palavra “ἔθνος”, que significa povos, nações ou pessoas que não tem origem

judaica29. Contudo, ele utiliza a palavra “φυλαὶ” que lembra seu público de toda
a história da nação israelita, das alianças com o Senhor e do distanciamento
deles diante de Deus. Logo, a expressão “φυλαὶ τῆς γῆς” carrega em si
lembranças da história do povo de Israel, a tradição judaica, sentimentos e
convicções que só podem ser compreendidas de forma mais completa com o
significado de que são as tribos da terra de Israel.

25 Até porque, se João quisesse trazer esse aspecto universal, poderia usar a palavra “ κόσμον”.
26 Gregg pontua: “No Antigo Testamento (e também no Novo) as nações gentis são chamadas
simbolicamente de mar, em contraste com a terra (isto é, Israel). Assim que, frases como os que habitam
na terra e reis da terra podem ser referências ao povo de Israel e seus respectivos governantes” (GREGG,
Steve (ed). Revelation: Four Views, Revised and Updated. Thomas Nelson, 2020. p. 22)
27 O gráfico de Moyises mostra que Apocalipse é o livro mais veterotestamentário do NT. (MOYISE, Steve.

The Old Testament in the Book of Revelation. Journal for the Study of the New Testament. Sheffield:
T&T Clark, 1995. p. 16).
28 O efeito pragmático são experiências de sentimentos, pensamentos, lembranças e situações específicas

comunicadas através de palavras adaptadas a um contexto para um determinado público. Runge diz: “Este
efeito não é algum significado semântico oculto subjacente à frase, apenas um efeito de usá-lo da maneira
certa no contexto certo. O efeito pragmático é alcançado por usando uma expressão relacional mais
distante (seu) em um contexto onde uma menos distante vale (meu). A norma esperada é que eu usaria
a expressão relacional mais próxima possível. Afinal, eles também são meus filhos! Chamá-los de meus
filhos ou filhos é o esperado norma. Quando me afasto dessa norma, um efeito pragmático específico de
“distanciamento” é alcançado, embora o que eu disse fosse completamente verdadeiro”. (RUNGE,
DISCOURSE GRAMMAR of The GREEK NEW TESTAMENT: A PRACTICAL INTRODUCTION FOR TEACHING
AND EXEGESIS, p. 4-5)
29 LOUW; NIDA (edit.). Léxico Geego-Português do Novo Testamento baseado em domínios

semânticos, p. 118).
Portanto, a expressão “φυλαὶ τῆς γῆς” está relacionada com as tribos da
Terra de Israel, porque ela específica a terra e é usada com efeitos
perlocucionários30 e pragmáticos ao público de João.

3. A EXPRESSÃO “ἔρχεται μετὰ τῶν νεφελῶν” É UM SÍMBOLO DE


JUÍZO TANTO NO AT QUANTO NO NT

A expressão “ἔρχεται μετὰ τῶν νεφελῶν” é interpretada tanto como


uma vinda em majestade31 e deidade de Cristo32, quanto uma vinda em juízo e
poder33. Kistemaker34, por exemplo, diz que as nuvens simbolizam a majestade
divina, citando os textos de Êx 13.21 e Sl 104.3. Apesar de possível, esse uso
do AT em Ap 1.7 é meio desajeitado. Pois o contexto de Êx 13.21 é
completamente distante do que temos em Apocalipse. Em Êxodo, a nuvem
representa a presença, a direção e o cuidado de Deus sobre o povo. Em
Apocalipse, a nuvem representa o juízo e uma vinda de vindicação35.

A associação de que nuvens representa o juízo ou a vindicação de Deus


vem de imagens veterotestamentárias. Por exemplo:

“Sentença contra o Egito. Eis que o Senhor, cavalgando uma nuvem


ligeira, vai indo para o Egito [...]” – Isaías 19.1 (NAA)
“O Senhor é tardio em irar-se, mas grande em poder e jamais inocenta o
culpado. O Senhor tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as
nuvens são a poeira dos seus pés” – Naum 1.3 (NAA)

30 Os efeitos perlocucionários são aspectos que provocamos nas pessoas ao anunciar palavras (convencer,
persuadir, surpreender e etc). VANHOOZER, Kevin J. Há um significado nesse texto? Interpretação
bíblica: os enfoques contemporâneos. Trad.: Álvaro Hattnher. São Paulo: Vida, 2005. p. 245.
31 KISTEMAKER, Comentário de Apocalipse, p.120.
32 Gundry, Robert H. Commentary on Revelation (Commentary on the New Testament Book #19). Baker

Publishing Group. Edição do Kindle.


33 CHILTON, David. THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of Revelation. Texas: Dominion

Press, 1987; WILSON, Douglas. When the Man Comes Around: A Commentary on the Book of Revelation.
Canon Press. Edição do Kindle; GENTRY JR., Kenneth L. O Apocalipse para leigos: você pode entender a
profecia bíblica. Brasília: Monergismo, 2010; OSBORNE, Grant R. Apocalipse: comentário exegético.
Tradução de Robinson Malkomes, Tiago Abdalla T. Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2014; BLOUNT, Brian K.
Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library). Presbyterian Publishing Corporation.
Edição do Kindle
34 KISTEMAKER, Comentário de Apocalipse, p. 120.
35 BLOUNT, Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library), p. 38.
Ambos os versículos trazem imagens de Deus vindo com as nuvens para
julgar o Egito e Nínive. A literatura profética usa esse recurso apocalíptico para
descrever eventos históricos de julgamento da parte do Senhor 36.

Além da linguagem apocalíptico-profética, a associação entre nuvens e


o juízo de Deus também é descrito em uma linguagem poética. Por exemplo:

“Nuvens e escuridão o rodeiam,

justiça e juízo são a base do seu trono” – Salmos 97.2 (NAA)

O paralelismo sinonímico mostra a associação entre nuvens e o juízo de


YHWH, o grande rei que governa. Seu governo é visto, de forma dramática, com
juízo37, mostrando que “trono” está associado a “juízo” no AT. O salmista chama
o povo para celebrar o reinado de YHWH com várias imagens de juízo contra os
inimigos na história e tradição yahwística38. Logo, a associação entre nuvens e
o juízo de Deus pode ser vista na tradição veterotestamentária.

Apesar de compreendermos o pano de fundo contextual para interpretar


a vinda de Cristo com as nuvens, o texto de Ap 1.7 tem relação direta com Dn
7.13 com algumas diferenças textuais. Deste modo, precisamos olhar com mais
atenção para buscar entender os motivos que levaram João a reaplicar o texto:

Apocalipse 1.7 (NA28) Daniel 7.13 (LXX)

“Eis que ele vem com (μετὰ) as “Eu estava olhando nas minhas

nuvens, e todo olho o verá [...]”- NAA visões da noite. E eis que vinha com
(ἐπὶ.) as nuvens do céu alguém como
um filho do homem [...]” – NAA

João, provavelmente, tinha em mente Dn 7.13, pois os paralelos são


vistos no quadro acima. Sendo assim, ele se apropria do contexto do texto, o
qual mostra domínio, poder e derrota dos reinos inimigos, e aplica em Apocalipse

36 GENTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 42.


37 HARMAN, Allan M. Comentários do Antigo Testamento – Salmos. Trad.: Valter Graciano Martins. São
Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 344.
38 BRUEGGEMANN, Walter; BELLINGER Jr., William H. Psalms (New Cambrigde Bible Commentary). New

York: Cambridge University Press, 2014.


mostrando o domínio e poder, mas principalmente o juízo contra seus inimigos.
Isso é visto nas diferentes preposições que são usadas no texto. A LXX usa a
preposição “ἐπὶ”, indicando uma ênfase no domínio, usando a figura de alguém

que está sobre as nuvens. No caso de João, ele usa a preposição “μετὰ”,
destacando o juízo que está chegando, pois usa a preposição em genitivo de
associação ou companhia39. Logo, a vinda nas nuvens é uma vinda de juízo no
texto de Ap 1.7.

A disputa interpretativa que surge dessa posição é sobre quem vem o


juízo. A maioria dos comentaristas interpretam como o juízo final 40. Ladd, por
exemplo, entende que esse juízo será sobre todos os ímpios na segunda vinda
de Cristo41. Um dos argumentos dele é que o verbo “ἔρχεται” é um presente

39 ALEXANDRE Jr., Manuel. Exegese do Novo Testamento: um guia básico para o estudo do texto
bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 154.
40 AUNE, David E. Word Biblical Commentary: Revelation 1-5. Thomas Nelson, 1997; BARR, David L. Tales

of the End: A Narrative Commentary on the Book of Revelation. Polebridge Press. Edição do Kindle;
BEAGLEY, Alan James. The "Sitz im Leben" of the Apocalypse with particular reference to the role of the
Church's enemies. Waiter de Gruyter, 1987; BEALE, G. K. The book of Revelation: a commentary on the
Greek text (The new international Greek Testament commentary). Michigan: Wm. B. Eerdmans
Publishing, 1999; BLOUNT, Brian K. Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library).
Presbyterian Publishing Corporation. Edição do Kindle; BORING, M. Eugene. Revelation
(INTERPRETATION - A Bible Commentary for Teaching and Preaching). Kentucky: John Knox, 1989;
DUVALL, J. Scott. Revelation (Teach the Text Commentary Series). Baker Publishing Group. Edição do
Kindle; GILL, John. Exposition on the Entire Bible-Book of Revelation. Grace Works Multimedia. Edição
do Kindle; GUNDRY, Robert H. Commentary on Revelation (Commentary on the New Testament Book
#19). Baker Publishing Group. Edição do Kindle; HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores. Tradução:
Wadislau Martins. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2018; KIDDLE, Martin. The Revelation of St. John (The
Moffatt New Testament Commentary). SOURCE DIGITAL PUBLISHING. Edição do Kindle; KISTEMAKER,
Simon. Comentário de Apocalipse. Tradução: Valter Martins. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004;
KOESTER, Craig R. Revelation: A new translation with introduction and commentary; Vol. 38. London:
The Anchor Yale Bible, 2014; LADD, George Eldon. Apocalipse: Introdução e Comentário. Tradução: Hans
Udo Fuchs. São Paulo: Vida Nova, 1986; LEITHART, Peter J. Revelation 1-11. T&T Clark, 2018; METZGER,
Bruce M. Breaking the Code - Participant's Book: Understanding the Book of Revelation. Abingdon Press.
Edição do Kindle; MORRIS, Leon. REVELATION: AN INTRODUCTION AND COMMENTARY. Illinois. IVP
Academic, 2009; ROLOFF, Jorgen. Revelation: a continental commentary. Translated by John E. Alsup.
Minneapolis: Fortress Press, 1993; SMALLEY, Stephen S. THE REVELATION TO JOHN: A Commentary on
the Greek Text of the Apocalypse. Grã-Bretanha: Promoting Christian Knowledge, 2005; STEFANOVIC,
Ranko. Revelation of Jesus Christ: commentary on the book of Revelation. Berrien Springs: Andrews
University Press, 2002; OSBORNE, Grant R. Apocalipse: comentário exegético. Tradução de Robinson
Malkomes, Tiago Abdalla T. Neto. - São Paulo: Vida Nova, 2014; WILLIAMSON, Peter S. Revelation
(Catholic Commentary on Sacred Scripture). Baker Publishing Group. Edição do Kindle.
41 LADD, George Eldon. Apocalipse: Introdução e Comentário. Tradução: Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida

Nova, 1986. p. 23.


futurístico42. Apesar de ser coerente essa análise do verbo “ἔρχεται”, pesquisas
têm questionado essa posição.

O primeiro questionamento é sobre a característica do presente


futurístico. O presente futurístico não está relacionado, necessariamente, com o
tempo futuro. Geralmente, ele é usado para trazer mais vivacidade a cena em
questão e se referir a acontecimentos que acontecerão nas próximas cenas da
visão43. Deste modo, o verbo “ἔρχεται” traz mais drama ao juízo e se refere ao
juízo que se desenrola no restante do livro de Apocalipse, e não se refere,
necessariamente, a um juízo futuro.

O segundo questionamento é sobre quem o juízo é derramado. Como


esse juízo está associado a chegada do reino de Deus, quando observamos as
palavras de Jesus nos evangelhos associadas a esse tema, podemos entender
melhor a vinda de juízo em Ap 1.7.

No texto de Mt 26.64, observamos que essa vinda em juízo é contra os


líderes religiosos judaicos. Pois, temos muitos paralelos com Ap 1.7, mas o
público é definido, o sumo sacerdote e os que estavam no Sinédrio.44.

Apocalipse 1.7 Mateus 26.64

“Eis que ele vem com as nuvens, e todo “[...] Mas eu lhes digo que, desde agora,
olho o verá, até mesmo aqueles que o vocês verão o Filho do Homem sentado
traspassaram [...]” – NAA à direita do Todo-Poderoso e vindo
sobre as nuvens do céu” – NAA

42 Idem.
43 MATHEWSON, David L. Verbal aspect in the Book of Revelation: the function of Greek verb tenses in
John's Apocalypse (Linguistic Biblical studies, vol. 4). Boston: BRILL, 2010. p. 72.
44 Chilton aponta que a linguagem de João no Apocalipse é a mesma que Jesus usa para alertar o sumo

sacerdote e os membros do Sinédrio. CHILTON, THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of
Revelation, p. 39.
A expressão “vocês verão”, no texto de Mateus 26.64, aponta para o juízo
que a liderança judaica45 receberia pelas blasfêmias, mentiras e incredulidade
diante de Jesus, o Cristo de Deus.

Além disso, no texto de Mc 8.38, observamos que Jesus se envergonharia


daqueles idólatras, apóstatas e incrédulos da sua geração. Isso era uma figura
de desonra e juízo46.

Apocalipse 1.7 Marcos 8.38

Eis que ele vem com as nuvens, e todo Pois quem, nesta geração adúltera e
olho o verá, até mesmo aqueles que o pecadora, se envergonhar de mim e das
traspassaram [...]” – NAA minhas palavras, também o Filho do
Homem se envergonhará dele, quando
vier na glória do seu Pai [...]” – NAA

Diante disso, observamos que João está seguindo a tradição dos


evangelhos, defendendo que o juízo é sobre aqueles judeus que foram
incrédulos diante de Cristo e que envergonharam o nome de Deus diante da
responsabilidade que tinham de levar outros a louvar a Deus47.

Portanto, a expressão ““ἔρχεται μετὰ τῶν νεφελῶν”” simboliza o juízo


sobre aquela geração judaica incrédula e infiel no século I d.C.

45 Gentry diz: “E note que ele se refere ao sumo sacerdote e às pessoas reunidas ao redor dele: “[Vós]
vereis”. Isso deve ser uma referência ao juízo em 70 d.C., profetizado em vários lugares por Jesus (veja
em particular Mt 21.33,34; 22.1-7; 24.1-34) e testemunhado por muitos que se posicionaram contra Cristo
naquele dia”. GENTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 43.
46 Uttinger, falando sobre como Cristo envergonhou os incrédulos e começou a estabelecer seu reino,

disse: “Na era da Nova Aliança, como na Antiga, Deus visita o seu povo em julgamento e misericórdia.
Cristo veio “sobre as nuvens do céu” várias vezes durante a História deste mundo. Porém, mais
especialmente, ele veio com nuvens de glória e ira contra a Jerusalém apóstata no ano 70 d.C. Ele destruiu
a ordem da Antiga Aliança e revelou o esplendor do seu reino. [...]. “E então verão vir o Filho do homem
numa nuvem, com poder e grande glória. Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para
cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima. Em verdade vos digo que não
passará esta geração até que tudo aconteça” (Lucas 21.27-28, 32). “Em verdade vos digo que alguns há,
dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino” (Mateus
16.28). Observe em cada uma dessas passagens os parâmetros do primeiro século. Quando Jesus
prometeu vir rapidamente, ele quis dizer isso”. UTTINGER, Greg. Um mundo totalmente novo: O
Evangelho de acordo com Apocalipse. Edições Calcedônia. Edição do Kindle. p. 15-16
47 Gentry traz vários paralelos entre Ap 1.7 e os evangelhos, mostrando que o juízo era sobre os judeus

do I séc. d.C. GENTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 44-51.


4. A EXPRESSÃO “κοψονται” INDICA UM LAMENTO DE JUÍZO OU
ATROCIDADE.
Diante da expressão “κοψονται”, é possível encontrar três posições. A
primeira, defendida por Beale48, Blount49, Leithart50 e Chung51, interpreta
“κοψονται” como um sinal de arrependimento das nações. A segunda
interpretação, defendida por Ladd, Gundry52, Smalley53, Duvall54, Kiddle55,
Kistemaker56, Gentry57 e Chilton58 entende que “κοψονται” como um sinal de
lamento pelo juízo. A terceira, defendida por Koester59, Osborne60 e Boring61,
interpreta a expressão “κοψονται” como ambígua, ou seja, tanto um sinal de
juízo como de arrependimento. Apesar das três posições terem importantes
defensores, pesquisas têm apresentado que o lamento se encaixa melhor no
contexto de Apocalipse e reaplicação de Zc 12.10-14 em Ap 1.7.
Apesar de ver o ensino do arrependimento das nações em outros textos
da Escritura, em Apocalipse isso não tem tanto destaque. João decide enfatizar
o juízo e a derrota dos inimigos de Deus. Ele apresenta cartas que enfatizam o
distanciamento, endurecimento de coração e incredulidade das igrejas da Ásia,
mas nunca destaca que se arrependeram (cp. 2-3). Na sequência, João relata o
trono, representando alguém que julga (cp. 4-5). Depois, ele apresenta sinais de
julgamento como sete selos, sete trombetas e sete flagelos (cp. 6-11 e 15-16).

48 BEALE, The book of Revelation: a commentary on the Greek text (The new international Greek
Testament commentary), p. 193-195
49 BLOUNT, Brian K. Revelation (2009): A Commentary (The New Testament Library). Presbyterian

Publishing Corporation. Edição do Kindle. p. 38


50 LEITHART, Peter J. Revelation 1-11. Londres: Bloomsbury T&T Clark, 2018. p. 93-98
51 CHUNG, Chun Kwang. A FUNÇÃO DE APOCALIPSE 1.7 NA MISSÃO ÀS NAÇÕES NO LIVRO DE

APOCALIPSE. FIDES REFORMATA XXIII, Nº 2 (2018): p. 57-75


52 GUNDRY, Robert H. Commentary on Revelation (Commentary on the New Testament Book #19). Baker

Publishing Group. Edição do Kindle.


53 SMALLEY, Stephen S. THE REVELATION TO JOHN: A Commentary on the Greek Text of the Apocalypse.

Grã-Bretanha: Promoting Christian Knowledge, 2005. p. 74-75.


54 DUVALL, J. Scott. Revelation (Teach the Text Commentary Series). Baker Publishing Group. Edição do

Kindle. p. 25.
55 KIDDLE, Martin. The Revelation of St. John (The Moffatt New Testament Commentary). DIGITAL

PUBLISHING. Edição do Kindle. p. 59.


56 KISTEMAKER, Comentário de Apocalipse, p. 121.
57 GENTRY Jr., O Apocalipse para leigos, p. 44-55.
58 CHILTON, THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of Revelation, p. 39-40.
59 KOESTER, Craig R. Revelation: A new translation with introduction and commentary; Vol. 38. London:

The Anchor Yale Bible, 2014. p. 229.


60 OSBORNE, Apocalipse: comentário exegético, p. 79.
61 BORING, Revelation (INTERPRETATION - A Bible Commentary for Teaching and Preaching), p. 80.
Além disso, os inimigos apresentados em Apocalipse são inimigos que não se
arrependem. Isso é visto com o Dragão, as bestas, o falso profeta, a Grande
Meretriz. Sendo assim, o livro apresenta o juízo de Deus sobre seus inimigos e
a vindicação de Cristo pelo seu povo.
Contudo, há um argumento no contexto de Zc 12.10-14 que leva bons
comentaristas a entender o aspecto de arrependimento em Ap 1.7. O argumento
é que em Zc 12.10-14 o contexto envolve juízo e arrependimento. Mais
precisamente, o juízo de Deus traria arrependimento diante do povo por causa
dos seus pecados62.
Apesar de considerar o contexto de Zc 12.10-14, observando o progresso
da revelação e como João usa o texto de Zc 12.10-14 em Jo 19.37, podemos
entender que Ap 1.7 é um lamento do terrível juízo.
João, ao citar Zc 12.10-14 em Jo 19.37, destaca que a rejeição metafórica
do povo a seu pastor divino foi materializada na morte de Cristo na crucificação.
Esse entendimento é defendido por Chisholm Jr.63, dizendo:

“[...] Nesse contexto, no qual o falante é considerado, mais


naturalmente, como o próprio Deus (veja os v. 2-4, 6, 9-10), o ato de
traspassar é puramente metafórico, referindo-se à rejeição do povo a
seu pastor divino (11.8). [...] Ao rejeitar Deus e executar Jesus, a nação
levou à morte o Deus feito carne. Como tal, o evento põe carne no
discurso de Zacarias quando a metáfora se torna realidade. A verdade
geral expressa em Zacarias é realizada de forma tangível na
crucificação de Jesus, dando às palavras uma qualidade literal que não
tinha em seu contexto literário original”

Deste modo, ao ver que Jesus estava morto pelo testemunho do soldado,
João cita o texto de Zc 12.10-14 em Jo 19.37 para mostrar que o contexto
ambíguo foi direcionado apenas para a dureza de coração e abandono do
Senhor.
Consequentemente, ao avançarmos para o texto de Ap 1.7, podemos
entender que, enquanto Zc 12.10-14 era um chamado para o povo rebelde se
arrepender, em Ap 1.7 temos um lamento diante do terrível juízo para aqueles

62CHUNG, A FUNÇÃO DE APOCALIPSE 1.7 NA MISSÃO ÀS NAÇÕES NO LIVRO DE APOCALIPSE, p. 59-65.


63 CHISHOLM Jr., Robert B. Introdução aos Profetas.
Trad.: Fernando Keer. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.
p. 530
que endureceram o coração desde a época do profeta Zacarias até o período do
apóstolo João64.
Portanto, a expressão “κοψονται” é um sinal de lamento pelo terrível
juízo de Deus ao povo de Israel que desperdiçou todas as oportunidades de
arrependimentos dadas por Deus, desde o profeta Zacarias até o apóstolo João.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foi proposto uma interpretação de Ap 1.7 que contribui para
o avanço dos estudos no livro de Apocalipse. Ele não é a palavra final para a
discussão, mas destaca uma nova abordagem exegética do livro, unindo
elementos da análise do discurso, aspectos gramaticais e da intertextualidade.
Portanto, ao apresentar as tribos da terra de Ap 1.7 como sendo o povo judeu
do primeiro século e seu lamento como uma expressão do terrível juízo de Deus,
baseado nas análises semânticas, gramaticais, literárias e contextuais das
expressões “καὶ οἵτινες”, “φυλαὶ τῆς γῆς”, “ἔρχεται μετὰ τῶν νεφελῶν” e

“κοψονται”, bem como através de relações intratextuais e intertextuais

envolvendo Ap 1.7, esperamos que estudos nas áreas do Uso do AT no NT,


Análise do Discurso em Apocalipse, Hermenêutica e Intertextualidade Bíblica
sejam desenvolvidos para compreendermos melhor e nos comprometermos
cada vez mais com o texto bíblico.

REFERÊNCIAL TEÓRICO
ALEXANDRE Jr., Manuel. Exegese do Novo Testamento: um guia básico
para o estudo do texto bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2016.

AUNE, David E. Word Biblical Commentary: Revelation 1-5. Thomas Nelson,


1997

64Chilton apresenta que no texto de Zc 12, o profeta fala de juízo com a intenção de chamar o povo ao
arrependimento. Já no texto de Ap 1.7, a intenção de João é apresentar o terrível julgamento a nação que
recebeu tantas dádivas de Deus, mas endureceu o coração por tanto tempo que é impossível se
arrepender. CHILTON, CHILTON, THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of Revelation, p.
39.
BARR, David L. Tales of the End: A Narrative Commentary on the Book of
Revelation. Polebridge Press. Edição do Kindle.

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CHILTON, David. THE DAYS OF VENGEANCE: An Exposition of the Book of
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CHUNG, Chun Kwang. A FUNÇÃO DE APOCALIPSE 1.7 NA MISSÃO ÀS


NAÇÕES NO LIVRO DE APOCALIPSE. FIDES REFORMATA XXIII, Nº 2
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