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DIÁRIO DE LEITURA

FREIRE, P. Conscientização e Alfabetização: uma Nova Visão do Processo. Revista


de Cultura da Universidade do Recife. Recife, n.4, p. 5-71, 1963. Disponível em:
http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/est.univ_.pdf. Acesso em: 18
out 2020.

18/10/2020______
Neste mês de outubro, dedicarei um tempo para a leitura de dois artigos sobre o Método
Paulo Freire, publicados em 1963 numa revista acadêmica da Universidade do Recife. Estou
ansioso para realizar essas leituras, porque, provavelmente, elas são as primeiras publicações de
ensaios sobre as experiências de Paulo Freire com a alfabetização. Aliás, o primeiro artigo do
periódico é de Paulo Freire cujo título traz “Conscientização e Alfabetização: uma Nova Visão do
Processo”. Fico imaginando qual será a “novidade” que o texto traz para o tema, uma vez que
consta no subtítulo o adjetivo “nova” para designar o processo. Mas que processo? O da
alfabetização? Ou da conscientização, como um elemento diferente que Freire agrega ao seu
método de alfabetização?
São essas perguntas que suscitam a minha curiosidade do texto já a partir do título do artigo.
Talvez as hipóteses se confirmem ou não. De todo modo, faz parte do processo de leitura, esse
diálogo entre o leitor e o autor do texto, os questionamentos que fazemos sempre que estamos
diante de algum objeto cultural.

19/10/2020______
Iniciando a leitura do texto de Paulo Freire, achei interessante como o autor faz uma
reflexão sobre a realidade brasileira, situando o seu questionamento sobre a natureza ontológica do
homem; e aqui preciso fazer uma observação importante, porque provavelmente o leitor do séc.
XXI se incomode bastante com a linguagem masculina que Freire utiliza, sempre se referindo ao
“homem”, como se esse substantivo englobasse também as mulheres. É lógico que isso não é
verdade, mas também é preciso tomar cuidado para não fazer uma leitura anacrônica e, por isso
mesmo injusta, do autor, pois o movimento feminista começa a questionar as nomeclaturas e o
machismo estrutural, mais ou menos, a partir da década de 1960 e, no Brasil, um pouco mais tarde,
infelizmente. De todo modo, é um lapso grave não reconhecer textualmente que homens e mulheres
contribuíram (e ainda contribuem) indistintamente para a formação disto que chamamos de Brasil…
De sorte que tomarei a liberdade de usar uma linguagem mais inclusiva; e não universal.
Feita essa ressalva, que considero uma crítica não ao Paulo Freire em particular, mas a uma
sociedade patriarcal da qual ele fazia parte e da qual não podia se liberdade, porque isso é histórico,
voltemos ao seu artigo… hahaha.
Freire entende ser o/a homem/mulher um ser de relações, e isso é extremamente importante
para a sua argumentação, a medida em que há uma necessidade congênita de o indivíduo se integrar
à sociedade, não apenas se acomodar a ela, adaptando-se ao ambiente. Nessa perspectiva, como o
Brasil vivia um momento de transição histórica, na qual a estrutura fechada, escravocrata, tendia a
ser superada, por uma sociedade aberta, o povo emerge nesse novo processo de abertura e
participação democrática… Foi isso que entendi das páginas iniciais do ensaio.

20/10/2020______
Hoje vou continuar a refletir sobre o texto no qual Paulo Freire associa o processo de
alfabetização de adultos com a conscientização desses mesmos sujeitos. Pelo que entendi, a
preocupação do autor era a questão da democratização da cultura dentro do quadro geral da
democratização do ensino no Brasil, pois, segundo ele, o país tinha altos déficits quantitativos e
qualitativos de educação. Acho que li em algum lugar (preciso confirmar esses dados!) que o
analfabetismo no Brasil atingia quase metade da população. Por isso a ação de Paulo Freire se
guiava na resolução desse grave problema, que excluía um grande contingente de pessoas do
exercício da cidadania. A propósito, sabemos que analfabeto sequer votava naquela época, pois
vigova a Lei Saraiva, que estipulava várias regras para o processo eleitoral e, dentre elas, constava
que só quem sabia ler e escrever tinha direito ao voto, excluindo-se a maioria da população
brasileira. E então, podemos questionar, se o/a analfabeto/a não vota, vamos descartá-los/las? A
democracia faz mal à sociedade ao permitir que pessoas que não conhecem nada de leis e de
processos políticos participem do pleito e escolham seus representantes? Não seria melhor, então,
deixar a política para os iniciados? Para Paulo Freire, a educação é um ato político de inclusão!
É interessante como a experiência acumulada por Paulo Freire, seja quando trabalhou no
SESC, seja quando participou do Movimento de Cultura Popular do Recife, permitiu a ele inovar
certos conceitos estabelecidos na tradição educacional brasileira: escola é círculo de cultura;
professor é o coordenador de debates (mais tarde ele chamará de educador) e aluno é o participante
do grupo (mais tarde, se chamará de educando) e aula é diálogo. Algumas dessas terminologias
ainda hoje são usadas; outras, caíram em desuso. O importante é perceber que não se trata apenas de
nomenclaturas diferentes, a meu ver, mas de concepções de ensino e de uma posição política por
parte do/a educador/a.

21/10/2020______
Ontem, quando li algumas páginas do artigo de Paulo Freire, ficou latente na minha mente a
ideia de que a educação popular é um ato político e de que ela tem a função de integrar as pessoas à
sociedade, de modo que tenham a plena consciência de sua participação social no exercício da
cidadania. Mas é a maneira como Paulo Freire guiou a execução do seu método que mostra a
importância de aproximar a aprendizagem da realidade do/a educando/a, de tal forma que aquilo
que está sendo estudado não é mera transmissão de conteúdo, mas conhecimento compartilhado. É
por isso que Paulo sistematizou a aplicação do processo de alfabetização em 5 fases, embora a
sensação que tive é a de que o conteúdo programático não se assemelha às antigas cartilhas, mas é
construído durante o processo de ensino… É bom sintetizar brevemente esses passos, até para eu
não esquecer e já ir me acostumando com as etapas do método: I– Levantamento do universo
vocabular do grupo; II– Seleção neste universo dos vocábulos geradores (sob um duplo critério de
riqueza fonêmica e da pluralidade de engajamento na realidade local, regional e nacional); III–
Criação de situações existenciais, típicas do grupo que vai se alfabetizar; IV – Criação de fichas-
roteiro, que auxiliam os coordenadores de debate no seu trabalho.; e V – Feitura de fichas com a
decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores…. Não ficou muito
claro para mim a diferença entre os tópicos III e IV.
De todo modo, esses basicamente são os passos do método de alfabetização que Paulo Freire
desenvolveu em vários lugares do Nordeste, com resultados positivos para aqueles/as educandos/as
que concluíram as atividades, cuja experiência mais famosa foi aquela realizada na cidade de
Angicos, RN, onde foram afalbetizados cerca de 300 adultos.
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CARDOSO, A. Conscientização e Alfabetização: uma Visão Prática do Sistema.


Revista de Cultura da Universidade do Recife. Recife, n.4, p. 5-71, 1963.
Disponível em: http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/est.univ_.pdf.
Acesso em: 18 out 2020.

22/10/2020______
O último ensaio publicado na Revista de cultura da Universidade do Recife, em 1963, foi
publicado por Aurenice Cardoso e traz o título “ Conscientização e Alfabetização: uma Visão
Prática do Sistema”, o qual é parecido com o de Paulo Freire (“Conscientização e Alfabetização:
uma Nova Visão do Processo”), comentado nos diários anteriores… Olhando assim pelo subtítulo,
talvez o texto de Cardoso descreva melhor a extensão realizada pelo grupo de Freire… É o que
veremos.
E, de fato, Cardoso caracteriza o método pelo caráter funcional, considerando-o como um
sistema de educação de adultos, que conduz os analfabetos não só a se alfabetizar, mas a ganharem
a consciência de sua responsabilidade social e política. Este texto autora, conforme inferi,
realmente, relata como ocorria a "aplicação" do método Paulo Freire de alfabetização nos lugares
em que foi executado. Ela dá detalhes de como era feita a pesquisa de campo para o levantamento
do universo vocabular de cada região e o modo transparente com o qual a equipe do projeto se
comportava com a comunidade. A autora explica com detalhes o sucesso empreendido pelo esforço
da campanha de alfabetização realizada em várias situações em Pernambuco, Paraíba e na
experiência mais famosa em Angicos, no Rio Grande do Norte. Se o texto de Paulo Freire
caracteriza-se pela natureza argumentativa na exposição do método, o ensaio de Aurenice Cardoso
tem um toque mais emotivo no relato da exposição.

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