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Ponte de Sor, 29 de Janeiro de 2006

Alterações climáticas

Pedro Aguiar Pinto (ISA/UTL, Lisboa)


Universidade sénior
17 de Fevereiro de 2010
Inteligibilidade é uma precondição da verdade.
Se não se pode dizer se um conjunto de palavras diz
alguma coisa, também não se pode dizer se diz alguma
coisa verdadeira
Simon Blackburn

Se só se tem 50 minutos para falar, praticamente tudo


o resto tem que ser sacrificado à brevidade
C. S. Lewis
?
Katrina, New Orleans, Agosto 2005 The day after tomorrow,
Roland Emmerich (2004)

Europa Verão, 2003

Tsunami, Oceano Índico, 26 Dez 2004


Como se constrói a percepção
mais comum?
• Dramatização
• Critério dos media
– Notícia é por natureza negativa
• Desproporção
Fazer um jornal é uma questão de distorcer as
proporções
Bent Falbert, cit. Milby 1996:53
Cor
Publicação: 02-
02-12-
12-2005 07:36 | Última actualização: 02
02--12-
12-2005 08:02
Adjectivos
Portugal poluidor

Maior emissor de gases da União


Maior
Europeia em 2012

Arquivo SIC

Portugal será o pior


pior emissor de gases poluentes em 2012. De acordo com um relatório da
Comissão Europeia, o país irá aumentar as emissões em 42,2 por cento, nos próximos anos.
Consequências da dramatização

• A visão catastrófica condiciona as


decisões porque desvia a atenção e
os recursos
A atenção pública e decisória, bem como os recursos
disponíveis tendem preferencialmente a ser gastos na
resolução fantasma de problemas, enquanto se ignoram
problemas reais e urgentes (quer sejam ambientais ou não)

Desdramatizar não é ignorar o risco!


Ambiente, Moralismo e Política
• O debate ambiental tem sido prejudicado pelo
juízo moral introduzido pela dramatização
ambiental..
ambiental
– Do mesmo modo que toda a gente é a favor da paz e da
liberdade e contra a guerra e a opressão, é impossível não
ser a favor do ambiente.
• O mito da guerra entre economia e ambiente
– Porém
• Eco + nomia
• Eco + logia
• É preciso gerir/administrar a casa toda
(totalidade dos factores – realismo e razoabilidade)
• Economia (direita) vs. Ecologia (esquerda)
A ética científica
• As conclusões científicas devem ser orientadas
segundo o respeito pela verdade e um honesto
reconhecimento tanto da exactidão como das
inevitáveis limitações do método científico,
científico,
evitando previsões alarmistas, quando não
corroboradas por dados suficientes ou quando
excedam a real capacidade preditiva

• Significa, também, evitar o silêncio causado pelo


medo,, diante dos problemas autênticos
medo

• A influência dos cientistas na opinião pública é


demasiado importante para ser debilitada pela
pressa inorportuna ou pela publicidade superficial

Discurso do Papa Bento XVI à Pontifícia Academia das Ciências, 6 Novembro de 2006
Ponte de Sor, 29 de Janeiro de 2006
(Alto Alentejo)
Alterações climáticas
• Alteração vs. mudança
– Climate change;
– changement climatique;
– cambio climático
– Alteração – do latim alter – um outro
• Temos ou vamos ter “um outro”
clima?
– Não sabemos
• O clima muda?
– Sim
Clima e tempo

• O clima é como o tempo

Se não me perguntam sei o que é.


Se me perguntam, já não sei.
Santo Agostinho (séc. V)

• O clima é o tempo que faz no tempo que


corre
Clima e tempo
• Tempo
– O tempo é o estado momentâneo da
atmosfera sobre um determinado lugar,
caracterizado pela combinação de
grandezas como temperatura, pressão, teor
de humidade e movimento
• Clima
– Descreve padrões de tempo (meteorológicos)
no tempo e no espaço
Variação climática

• O tempo é variável e de previsão


difícil e imprecisa

• Como avaliar a variação [do padrão de


(variação do tempo) - o clima?]
– Tentando conhecer o clima num longo período de
tempo
England and Portugal
London: 51 32 N

Lisbon 38 44 N
Main climate differences
25

London
Lisbon

20

15
Average monthly air temperature

10

longer growing season

0
January February March April May June July August September October November December
Rainfall (mm)

0
20
40
60
80
100
Ja
120
nu
a ry
Fe
br
ua
ry

M
ar
ch

Ap
Lisbon
London

ril
• Annual rainfall

– London 754 mm
– Lisbon 752 mm

M
ay

Ju
ne

Ju
ly

Au
Rainfall

gu
s t
Se
pt
em
be
r
O
ct
ob
er
No
ve
m
be
r
De
ce
m
be
r
Seasonal rainfall pattern
Mora (617 mm)

20%

39%

6%
Spring

Summer

Fall

Winter

35%
Water deficit during the
growing season
Rainfall ETo Soil water
mm
180

155
Soil moisture utilization
130

105 Rainfall surplus


Rainfall deficit
80

55

30

-20 J F M A M J J A S O N D

-45

-70

-95

-120 Mean soil water balance (ETo Penman)


Mora, Portugal
925
Annual rainfall variability Annual rainfall variability
850

775 30 anos é bastante


tempo, mas não
700
encontramos padrão…

625 30 year average =


617 mm

550

475

400

325

1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985


Mediterranean climate
O que sabemos sobre o passado?
Séc. XX
0.6
60
Temperatura global da superfície (ºC)

0.4

Concentração de CO2 (ppmv)


30
0.2

0 0

-0.2
-30
-0.4
-60
-0.6
T
CO2
-0.8 -90 Mudanças
1860 1875 1890 1905 1920 1935 1950 1965 1980 1995 estimadas na
temperatura média
anual e de dióxido
- aumento da temperatura de cerca de 0.3-0.6ºC de carbono
- nível do mar subiu entre 10 a 25 cm (escala de carbono em ppmv
- pequeno aumento na precipitação média global relativo a um valor médio de
333.7)
- a partir de 1970 aumentaram as ocorrências de cheias ou secas
(fonte: Hurrell, 1998)
Passado distante
– ciclos glaciares/interglaciares há 100.000 anos atrás
– a temperatura global variou cerca de 5ºC durante as glaciações
– durante a maior glaciação a América do Norte e a Europa ficaram
cobertas de gelo e o nível do mar era 120m abaixo do valor actual
Alteração da temperatura (ºC)

Idades Glaciares Anteriores Última Idade Glaciar

800.000 600.000 400.000 200.000


Anos antes do presente

fonte: Folland et al., 1990


No tempo histórico

Máximo do Holoceno Pequena Idade


do Gelo
Alteração da temperatura (ºC)

10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0

Anos antes do presente


fonte: Folland et al., 1990
No passado recente
Vinha em Inglaterra no tempo do Robin dos Bosques

Alteração da temperatura (ºC)


Pequena Idade do Gelo

Período de aquecimento
medieval

1.000 DC 1.500 DC 1.900 DC


fonte: Folland et al., 1990
Anos antes do presente

Europa Ocidental, Islândia e Gronelândia eram consideradas zonas “quentes”


na Europa Ocidental e Central as vinhas estendiam-se para zonas com latitudes
superiores às de hoje em dia (+ 5ºN)
pequena glaciação - de 1450 a meados do séc.XIX
- De que te queixas Mas ele,
ele, de traiçoeiro,
traiçoeiro,
vilão?
vilão? Sem ganhar nisso ceitil
- De Deus, que é coisa Vai dar chuvas em
provada Janeiro
Que me tem grande E geadas em Abril
tenção.
tenção. E calmas em Fevereiro
Vêde vós?
vós? Eu,
Eu, padre, E névoas no mês de
digo Maio
Que tempere a E meado de Julho,
Julho,
invernada pedra
E deixe criar o trigo.
trigo.
Romagem dos Agravos
Gil Vicente (séc. XV)
A resposta dos seres vivos é uma “medida” integradora inequívoca de alterações nas
condições do meio.

Duração média do
1
período de crescimento
das plantas de 1961-
1998

Dados de detecção
remota por satélite
mostraram um avanço
de 8 dias na data de
abrolhamento nas
florestas de altitude na
Europa entre 1982 e
1990 (Myneni et al.
1997).
Que tipo de mudança?

• Mudança climática População da Terra


Population Clocks
– Natural World 6,900,503,710
12:15 GMT (EST+5) Feb 17, 2011
http://www.census.gov/main/www/po
– Antropogénica pclock.html
CO2
Concentrações de dióxido de carbono
atmosférico (CO2) (1750 até ao presente
presente))

370
360
parts per million volume

350
340 Mauna Loa (1958-present)
330 Siple Station (1750-)
320
310
300
290
280
270
1750 1800 1850 1900 1950 2000
Data Source: C.D. Keeling and T.P. Whorf, Atmospheric CO2 Concentrations (ppmv) derived from in situ air samples collected at Mauna Loa
Observatory, Hawaii, Scripps Institute of Oceanography, August 1998. A. Neftel et al, Historical CO2 Record from the Siple Station Ice
Core, Physics Institute, University of Bern, Switzerland, September 1994. See http://cdiac.esd.ornl.gov/trends/co2/contents.htm
Balanço global anual do Carbono
Atmosfera
300
Oceanos
Sistemas terrestres

2000
5000

30000
Geosfera
Processos envolvidos no Balanço do
Carbono

Balanço da biosfera aproximadamente nulo


Excepto pela
desflorestação (alteração do uso do solo) e
utilização de C fóssil (sequestro natural)
Gigatoneladas de carbono, 1 GtC = 109 tC = 3.66 GtCO2
O reservatório biológico terrestre
TEMPO DE
ASSIMILAÇÃO LÍQUIDA DE CARBONO
RESID. (ANOS)
PELA FOTOSSÍNTESE

25 22 15

PARTES
NÃO LENHOSAS

29
DECOMPOSIÇÃO
PARTES
LENHOSAS
62 59
72 486 42

20
MATÉRIA ORGÂNICA
DO SOLO
O reservatório orgânico no solo

Tempo de
residência
10 anos

100 anos

Fluxos anuais e “stocks”


de carbono nas várias 1000 anos
fracções da matéria
orgânica do solo de um
prado da zona
temperada, dos 0 aos
20 cm de profundidade
Porque é que o clima da Terra é como é?
O efeito de estufa
N2 O

CH4

Espectros de
O2 e O3
absorção de vários
gases
H2 O

CO2

Atmosfera
GEE Potência como gás de e.e.
Dióxido de carbono (CO2) ..............................1
Metano (CH4) ..................................................21
Óxido Nitroso (N2O) .....................................310
Hidrofluorocarbonetos (HFC’s)....Muito
(HFC’s)....Muito elevado
Monóxido de carbono (CO)............Efeito
(CO)............Efeito indirecto
aumentando o tempo de residência do metano

42
Modificação do efeito de estufa

O efeito de estufa
Consequências temidas pela mudança
antropogénica da composição
atmosférica
Arrefecimento global

Mudança na composição da
0.6 atmosfera Aquecimento
60 global
Temperatura global da superfície (ºC)

0.4

ppmv)
Concentração de CO2 (ppmv
30
0.2

0 Mudança no balanço de radiação 0

-0.2
-30
-0.4
-60
-0.6 Mudança climática
T
CO2
-0.8 -90
1860 1875 1890 1905 1920 1935 1950 1965 1980 1995
Fotossíntese
----->> 4e- + 4H+ + O2
• 2H2O -----
– reacção luminosa (fotólise da água)
• CO2 + 4e- + 4H+ ----
---->> (CH2O) + H2O
– reacção não-luminosa (redução de C)
• Ou outro substracto

Respiração
----->> 6 CO2 + 6 H2O + 24 e-
C6H12O6 + 6 O2 -----
Resposta de dois sistemas fotossintéticos diferentes ao aumento da
Fotossíntese [CO2]
(mg CO2.dm-2.h-1)
100

Milho [C4]
50

Trigo [C3]

0
0 200 400 600 800
Fonte: Parry, 1990.
CO2 (ppmv)
Projecto SIAM (Alterações Climáticas em Portugal:
Cenários, Impactes e Medidas de adaptação)
• primeiro projecto de estudo de vulnerabilidade às alterações climáticas em
Portugal, coordenado pelo Prof. Filipe Duarte Santos (FC/UL)
• abordagem interdisciplinar
http://www.siam.fc.ul.pt/

CLIMA
Modelos climáticos (GCM)
Distribuição geográfica da temperatura média superficial (ºC) em
Dezembro, Janeiro e Fevereiro

(a) Observações

(b) GCM

fonte: Noguer, 1998


Uso de modelos climáticos (GCM e RCM)
para gerar cenários climáticos
(a) GCM

Cenário Baseline
Série de x anos simulados com as
características do clima presente

(b) RCM

Cenário Futuro
Série de x anos simulados com as
características do clima futuro
(2080)
(c) Observações

fonte: Noguer, 1998


No futuro a estação seca poderá ser de maior duração
A B
Number of dry months, i.e.
P/PET <0.5, in the present
(A) and in the future
climate scenario (B) for
Contientel Portugal under
a [CO2] in the atmosphere
twice the present. The
future scenario suggests a
longer dry season (Hadley
Centre Regional Climate
Model - HadRM).
Modelos de simulação de culturas agrícolas

yield (kg/ha) LAI


5000 5

4500

4000 4

3500

3000 3

2500

2000 2

1500

1000 1

500

0 0
50 100 150 200 250 300
Days after Planting

GRAIN WT kg/ha (PLANT GRO) Run 1 GRAIN WT kg/ha (KSAS8101 WHT ) T RT 6/1
LAI (PLANT GRO) Run 1 LAI (KSAS8101 WHT ) T RT 6/1
Dados - “input” do modelo
Local Cultura Solos Dados climáticos
diários

Sigla Bp Bp Bp
Horizonte Ap B BC
Prof_topo 0 30 45
Prof_base 30 45 65
Areia_grossa 7.8 6.9 11.1
Areia_fina
Limo
25.0
21.6
24.6 19.7
18.5 21.5
Provenientes
Argila
C_org
45.6
0.37
50 47.7 de cenários
pH_agua 6.7 7.0 7.1 climáticos
DAP 1.26 1.2 1.22

Dados analíticos de um CM 46.5 47.3 42.8 HADRM


CC 44.5 35.7 36.8
barro preto – Bp CE 18 18.8 18.6
Perm_const 0.6 0.74 0.76
“Output” do modelo

yield (kg/ha) LAI


5000 5

4500

4000 4

3500

3000 3
2500

2000 2

1500

1000 1

500

0 0
50 100 150 200 250 300
Days after Planting

GRAIN WT kg/ha (PLANT GRO) Run 1 GRAIN WT kg/ha (KSAS8101 WHT ) T RT 6/1
LAI (PLANT GRO) Run 1 LAI (KSAS8101 WHT ) T RT 6/1
Cenários de produtividade do trigo

a b c d
10 Norte Trigo
8 RM3A
6
4
2
0

Área (10 ha)


Centro
10

9
5

12 0
10 LVT
8
6
4
2
0
Alentejo 25
20
15
10
5
4 0
3 Algarve
2
1
0

-50 - -25%

-25 - 0%

25 - 50%
< -50%

0 - 25%

50 - 75%

> 75%
0

00
00

00
00

00
00

00

kg/ha
20
30

60
10

40
50

70

Variação de produtividade

Produtividade de trigo simulada com dados do modelo HadRM3: (a) controlo, (b)
cenário A2, (c) variações de produtividade, (d) histogramas da distribuição da área
por classes de diferença de produtividade.
Variação do consumo de água em vários cenários
de produção de milho (Vale do Sado)

HadRM2

a b c

Baseline Futuro %diferença

HadRM3

d e f

Volume de rega estimado para a cultura de milho: para a situação actual com os dados climáticos dos modelos HadRM2 (a) e
HadRM3 (d); para a situação futura com os dados climáticos dos modelos HadRM2 (b) e HadRM3 - cenários A2 (e); e diferenças
entre futuro e actual com os dados climáticos dos modelos HadRM2 (c) e HadRM3 - cenários A2 (f).
8.000 Milho HadRM3 A2c

Área (10 m )
Continente
6.000

7
4.000

2
Necessidades de rega (mm) 2.000

0
8.000
Braga

Área (10 m )
6.000

2
6
4.000

2.000

0
8.000 Santarém

6.000

Área (10 m )
Variação das 4.000
necessidades de rega (%)

6
2.000

2
0

=< 0

0 - 25

25 -50

50 -75

> 75
Variação das necessidades de rega (%)
Medidas de adaptação

• Ajustar a duração da cultura à estação de


crescimento mais favorável
– Antecipação da data de sementeira
– Adaptação do ciclo das cultivares às “novas”
condições ambientais
– Novas culturas; variedades de ciclo mais longo
Certezas e incertezas

• Certezas
– O clima muda
– A acção do homem sobre a Terra não é negligenciável
– A concentração de CO2 atmosférico tem aumentado
desde a revolução industrial
• Incertezas
– A mudança climática é mais antropogénica do que
natural
– A dimensão, sentido e totalidade das causas da
mudança climática
– Quando e como o balanço de carbono encontrará um
novo ponto de equilíbrio estável
Prospectiva

• As restrições de emissão e o
negócio de Carbono são uma
oportunidade
– Culturas energéticas – produção de biomassa
– Valorização de resíduos vegetais e agrícolas
– Sequestro de Carbono
• Florestas
• Matéria orgânica do solo

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